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Universidade Federal de Minas Gerais

Escola de Arquitetura

Diego Nonato Reis

- ENTRE POESIA E CRUELDADE -


Possiveis Relações entre o anseio à vida, o projeto da sede do Grupo
Teatro Oficina Uzyna Uzona de Lina Bo Bardi e as ideias do Teatro da
Crueldade de Antonin Artaud

Belo Horizonte
2019
- ENTRE POESIA E CRUELDADE -
POSSIVEIS RELAÇÕES ENTRE O ANSEIO À VIDA, O PROJETO DA SEDE DO
GRUPO TEATRO OFICINA UZYNA UZONA DE LINA BO BARDI E AS IDEIAS DO
TEATRO DA CRUELDADE DE ANTONIN ARTAUD

Trabalho de Curso A – TCA, apresentado a


disciplina ARQ 050, do curso de Arquitetura e
Urbanismo noturno da Universidade Federal de
Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do
título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.

Aluno: Diego Nonato Reis

Orientador: Prof. Dr. José Augusto Martins Pessoa

Co-orientador: Prof. Dr. Altamiro Sergio Mol Bessa

Belo Horizonte, Minas Gerais julho, 2019

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Sumário

1. Do Trabalho que se apresenta___________________________ 4

2. Da Poesia Concreta de Lina Bo Bardi_____________________ 5

3. Da Crueldade implacável de Antonin Artaud______________ 9

4. Da Utopia indispensável à vida __________________________ 12

5. Dos Legados utopicos___________________________ 15

6. Dos encontros dionisiacos nos tropicos_____________ 16

7. Do teatro mutante ao urbanismo observante________ 20

8. Das impensaveis relações possíveis________________ 23

9. Do caminho a percorrer_________________________ 24

10. Da notória combinação__________________________ 25

11. Referencias ___________________________________ 27

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1. Do Trabalho que se apresenta
Mas o tempo linear é uma invenção do Ocidente, o tempo não é linear, é
um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer intante, podem ser escolhidos
pontos e inventadas soluções, sem começo nem fim.
Lina Bo Bardi

Este se trata de um projeto de pesquisa Trabalho de Curso A – TCA, apresentado a


disciplina ARQ 050, do curso de Arquitetura e Urbanismo noturno da Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e
Urbanismo.

O mesmo pretende apresentar um brevissimo apanhado das ideias e trabalhos da


arquiteta Lina Bo Bardi e do escritor francês Antonin Artaud e, a partir disso, busca possiveis
relações entre as obras de ambos pelo viés do pensamento da imaginação utopica.

Mais a diante o trabalho apresenta momentos na carreira de Lina Bo Bardi em que


ela teve contato com a poética teatral de Antonin Artaud, por meio do grupo de teatro Oficina
Uzyna Uzona do qual, posteriormente, veio a projetar a sede.

Tendo como base o projeto da sede do grupo de teatro Oficina Uzyna Uzona propõe-
se uma analise urbanistico-arquitetonica deste por meio do pensamento exposto por Antonin
Artaud no Teatro da Crueldade.

Através de uma breve explicaçao, busca-se conectar o teatro e o urbanismo,


mostrando, dessa forma, que tais elementos do conhecimento humano possuem uma
proximidade.

A partir do estabelecimento da relação entre Urbanismo e teatro o texto apresenta os


caminhos a se seguir afim de verificar a existencia ou nao de relações entre o anseio à vida, o
projeto da sede do Grupo Teatro Oficina Uzyna Uzona de Lina Bo Bardi e as ideias do Teatro
da Crueldade de Antonin Artaud.

Em seguida se apresenta o teatro Oficina, elemento de conexão mais direto entre


Lina Bo Bardi e Antonin Artaud.

O texto se finaliza e deixa questionamentos que solicitam investigaçoes mais


profundas afim de serem respondidos.

O que se pretende com este projeto é, ultimamente, apresentar tais questionamentos.


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2. Da Poesia Concreta de Lina Bo Bardi

"Bom, para mim, pessoalmente, como aquiteta, arquitetura é estrutura.


Quer dizer, a estrutura de um edificio é elevada ao nivel da poesia, como parte da
estética.Não ha nenhuma diferença."
Lina Bo Bardi1

Durante Durante os últimos anos o meio acadêmico tem apresentado muitos escritos a
respeito do trabalho da arquiteta italiana, naturalizada brasileira, Lina Bo Bardi, muitas são as
comparações apresentadas e as análises das obras da arquiteta.

A obra arquitetônica de Lina Bo Bardi (Achillina Giuseppina Bo, 1914-1992,


Roma, Itália) foi estudada nos últimos anos por vários núcleos de pesquisa no Brasil, na
Europa e nos Estados Unidos, somando mais de duas dezenas de trabalhos já publicados
principalmente no âmbito acadêmico. (GRINOVER, 2010, p.23)

Diante da profusão de material produzido na atualidade sobre o trabalho de Lina,


bem como a catalogação e disponibilização de notas da arquiteta é necessário levarmos em
consideração que

Os estudos sobre a obra da arquiteta Lina Bo Bardi São conscienciosos no


seguinte ponto: a arquiteta italiana participou ativamente da construção do movimento
moderno, e seus desdobramentos no século XX, na arquitetura nacional. Em suas poucas
obras, se comparado aos outros arquitetos de sua geração, ela revelou a capacidade de
articular as questões filosóficas e estéticas do movimento moderno internacional do qual o
Brasil participou como expoente virtuoso de 1936 a 1960. E ainda soube transformar de
forma crítica e humana o contexto pós-Brasília, quando o país mergulhou na cultura de
massa e consolidou-se periférico no cenário internacional (seja do ponto de vista
socioeconômico, seja da cultura arquitetônica pós-moderna). (GRINOVER, 2010, p.25)

Assim sendo mostra-se inegável a importância do trabalho e do pensamento de Lina


Bo Bardi para o Modernismo no Brasil e sobretudo para os campos da arquitetura e do
urbanismo.
1 Citações de Lina Bo Bardi in: https://www.archdaily.com.br/br/758509/citacoes-de-lina-bo-bardi, acesso em
24/06/2019
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Muito se fala da influência de escolas como a Bauhaus do Modernismo no trabalho
de Lina Bo Bardi, uma vez que essas são influências que adquirem uma expressão imagética
bastante relevante. Contudo, bem mais do que processos de expressão puramente estética as
vanguardas do início do séc XX carregavam, em si, também um teor revolucionário de caráter
utópico e poético.

Aurélio Michiles, em seu documentário2 Lina Bo Bardi ,(1993), nos diz que no

Começo do século na Europa.


O ideal de renovação pela arte, pela dança, e pela fantasia definem, de modo
original, a modernidade. No projeto artístico das vanguardas europeias, do começo do
século, estavam presentes, ao mesmo tempo, um programa de intervenção social, de caráter
poético e revolucionário, e uma racionalidade, associada ao maquinismo e ao
desenvolvimento industrial.
A arquitetura de Lina é profundamente marcada pelos sonhos desses pioneiros
do século XX; esse impulso revolucionário acompanhou toda sua obra. (MICHILES, Lina
Bo Bardi ,1993)

Tendo em vista que a obra de Lina é fortemente influenciada pelas vanguardas do


século XX, como nos diz Walter Lima Júnior, e segundo nos apresenta Lima quando nos fala
a respeito da arquitetura teatral de Lina

Simultaneamente, a arquitetura teatral de Lina – inspirada, a meu ver, na arte


surrealista e subjetiva – demonstra que a principal preocupação da artista é o ser humano e
suas necessidades físicas e lúdicas. De fato, o homem encontra-se no cerne da obra da
arquiteta, mas o que se verifica uma busca pelo lado humano que se mantém autêntico, não
contaminado pela cultura de massa. (LIMA, 2009, p.124)

Para ela as vanguardas, ainda eram extremamente atuais e pertinentes em suas


colocações, além de, ainda traduzirem, de forma premente, as preocupações e os problemas
do mundo do qual faziam parte, como podemos ver em entrevista com a arquiteta

O moderno de hoje é ainda a vanguarda moderna de 1909 no campo existencial


e no campo das artes plásticas. O grande esforço moderno da civilização ocidental ainda
não se esgotou e o ocidente está ainda comendo os restos de um grande capital. (Lina Bo
Bardi no documentário de mesmo nome,, MICHILES, 1993)

2 Documentario Lina Bo Bardi dirigido e editado por Aurélio Michiles, com roteiro e pesquisa feitos por Isa G.
Ferraz, produção e assistencia de direção de Elaine Cesar e musica de Paulo Tatit e Sandra Peres; realizado
pelo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, lançado no ano de 1993 . Disponivel em:
https://www.youtube.com/watch?v=YBIK0-17VF0&list=PLcOkguloMOvwvee6SqjawF86-
AMda14Pf&index=5, acesso em 30/06/2019
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Em outra ocasião ela é ainda mais clara ao demonstrar suas crenças afirmando que

Depois de sessenta anos setenta anos; a vanguarda internacional, verdadeira,


russa... da França... internacional; não perdeu a metáfora e é ainda hoje a verdadeira
vanguarda. (Lina Bo Bardi no documentário de mesmo nome,, MICHILES, 1993)

Podemos perceber, por meio do seu pensamento arrojado, demonstrado em suas


obras, pelas formas e técnicas utilizadas, o quanto, para Lina, os pensamentos e as obras de
vanguardistas como Walter Gropius, Le corbusier, Piet Mondriant, entre outros do inicio do
século XX guardavam, em si, uma atualidade e um frescor ainda a ser explorado; buscar
possíveis conexões entre o trabalho de Lina e o trabalho das vanguardas europeias se
apresenta, dessa forma, como uma possibilidade para que se possa analisar de forma
pertinente a obra de tão importante figura do modernismo brasileiro.

Tendo sido ela educada no Liceu Artístico em Roma e tendo em seu pai um grande
incentivador das artes, Lina tinha contato desde cedo com os movimentos artísticos que
circulavam pela Europa. O conhecimento dessas correntes de pensamento influenciou
fortemente seu trabalho de muitas formas. Lina traduzia por meio da racionalidade do
desenho modernista características que eram somente suas, aliadas a uma valorização da
cultura popular e utilização de técnicas vernaculares, tidas como técnicas e conhecimentos à
margem do que era considerado cultura erudita.

Estar ‘à margem’ também parece uma constatação comum aos trabalhos sobre
sua obra e, para nós, uma virtude para sua posição artística e crítica. Seja porque seus
projetos não se ‘encaixam’ e ‘desviam’ das normativas do movimento moderno, da escola
paulista, do brutalismo, do pós-modernismo, ou outro catálogo que queiram, seja porque
trocou seu país de origem pelo Brasil e sempre houve um subtexto de outsider, de
estrangeira, por parte da elite cultural nacional, o que de fato revela-se mais um fator de
angústia pessoal do que uma desconexão com nossa realidade. (GRINOVER, 2010, p.25)

Lina, em seu trabalho, manifesta fortemente o caráter utópico, advindo da dimensão


da vida, que não pode ser contido. Esse caráter pode ser visto em suas obras que contemplam
sempre a multiplicidade de públicos e conformam espaços propícios para a criação de
relações entre os indivíduos e o espaço.

Defendeu os valores culturais autóctones em harmonia com procedimentos do


cotidiano que constroem a cultura. E a primeira peça para a construção de uma conduta
mutuamente aceita, de um código de valores significativamente cultural, consiste no
reconhecimento do outro. Este código de valores está presente nos projetos idealizados
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para as plateias de Salvador, do Bexiga, da Pompéia, entre outras" (LIMA, 2009, p.122)

Lina, por meio de sua arquitetura, cria meios para que os indivíduos possam intervir
no espaço se tornando, assim, co-criadores da espacialidade, co-criadores do lugar. Convidar
o indivíduo a exercer o direito de se expressar e se apropriar no e do espaço são elementos
fortemente presentes na obra de Lina Bo bardi.

Soube articular muito bem as tensões humanas, e transformar espaços em


verdadeiros “lugares”. Sempre lutou pela criação de condições efetivas de bem-estar social
contra as injustiças; buscando estimular o conhecimento e a criatividade. (LIMA, 2009,
p.122)

No tocante a arquitetura de teatros produzida por Lina Bo Bardi, Evelyn Furquim


Werneck Lima nos apresenta a seguinte visão

A sua metodologia quebra “a quarta-parede” saindo de uma “moldura” pré-


estabelecida e parte para o cotidiano na concepção do espaço. Porém o que mais
surpreende é constatar sua sensibilidade a respeito da vivência humana, possivelmente por
ter se formado e vivido numa Itália muito sofrida em meio a bombardeios e misérias.
(LIMA, 2009, p.122)

Lina cria espaços com os quais o corpo pode interagir, espaços que permitem ao
corpo sentir, e assim, dessa forma, Lina demonstra em suas obras a possibilidade da
realização do desejo de uma revolução sensível, uma revolta poética!

Se fosse necessária uma definição de Arquitetura, seria talvez de “aventura”, na


qual o homem é chamado a participar como ator, intimamente; a definir a não gratuidade
da criação arquitetônica, a sua absoluta aderência ao útil, mas nem por isto menos ligada à
parte do homem “ator”; e talvez esta pudesse ser, sempre que fosse necessária, uma
definição de arquitetura. Uma aventura estreitamente ligada ao homem vivo, verdadeiro,
ligado aos problemas mais urgentes da vida humana, à experiência verdadeira, viva e
intimamente ligada à capacidade de criar seus pressupostos teóricos, sem crítica, a priori,
aquela que na linguagem filosófica se chama “suspensão do juízo”, isto é, ao abandono
absoluto à realidade vivida, à vida real, da parte do arquiteto, condição essencial para a
vitalidade da sua obra. (Bardi, Lina Bo. 1a conferência na EBA. Escritos de Lina Bo Bardi
para o Magistério. Salvador, 17abr.1958. Apud: LIMA, 2009, p.123-124)

Ao apresentar essa definição do que vem a ser a Arquitetura Lina demonstra


claramente a dimensão do seu pensamento sobre o espaço, no qual este é visto como elemento
relacional, "ligado aos problemas mais urgentes da vida humana, à experiência verdadeira,
viva" e, assim, denota a importância que a arquitetura tem ao ‘des(a)fiar’ o homem a se tornar

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ator de si mesmo por meio do "abandono absoluto à realidade vivida, à vida real". Tal
definição ainda guarda em si elementos ligados às vanguardas europeias do início do século
xx no que tange a expressão de seus ideais ligados aos processos de manifestação do
indivíduo e promoção de uma revolução sensível através da atitude de abandono à realidade
vivida.

Ideais estes expressados, de varias maneiras por muitos vanguardistas, e que ganham
na obra de Antonin Artaud tamanha profundidade e amplitude de alcance que não tinham sido
antes alcançados

Como poeta, ele pensou para além das palavras. Como ator e dramaturgo ele deu
liberdade ao teatro, transbordou o teatro e, por intermédio do teatro, nos lançou a uma nova
maneira de interpretar e se posicionar diante do mundo. (BARBARA, 2017, p. 17)

Seu nome [Antonin Artaud] aparece em obras de pensadores como Gilles


Deleuze, Michel Foucault, Jacques Derrida, Maurice Blanchot, Edgar Morin, entre outros,
que partiram de seus escritos e também de sua própria trajetória de vida para pensar a arte,
a cultura, a literatura, a filosofia e até mesmo a medicina, que é o caso da forte influência
de Artaud na luta antimanicomial.
Apesar de sua grande atuação ter se dado no campo artístico, mais
especificamente no teatro, não podemos considerá-lo simplesmente um teórico teatral, pois
foi antes de tudo um poeta da vida, que fez transbordar em sua existência todas as
conseqüências possíveis de estar-no-mundo: 'Falar de Artaud tendo em vista apenas aquilo
que nele concerne ao teatro, é mutilá-lo, é desnaturar seu grito, é, enfim, nada compreender
de sua obra' (VIRMAUX, 2000, p. 4-5). Para compreender esse grito, recusar a sua
existência é impossível. Foi com o corpo que Artaud escreveu sua poética. O pensamento
artaudiano está então contido em todas as suas manifestações em vida, desde seus
primeiros escritos poéticos da juventude, passando pelo seu envolvimento com o
movimento surrealista (acontecimento que anuncia a inquietação de Artaud frente a uma
cultura inerte e separada da vida), suas experiências e várias criações no teatro, cinema,
desenho e pintura, suas viagens (antropoéticas) e nas experiências constantes em sua vida,
enfim, os passos desse poeta são regidos por forças cruéis que ele mesmo, por uma decisão
implacável, resolveu fazer de sua existência uma obra de arte ímpar. (FREITAS, 2010,
p.12)

Ao meu ver, o trabalho, a obra, a vida, do vanguardista Antonin Artaud se mostra


como um possível caminho para que possamos empreender uma análise comparativa ao
trabalho de Lina no que tange a experiência do espaço, por meio de um corpo sensível, e da
revolução poética defendida por ambos para a sociedade.

3. Da Crueldade implacavel de Antonin Artaud

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Tudo o que age é uma crueldade. E a partir dessa ideia de açao levada
ao extremo que o teatro deve se renovar.
Antonin Artaud3

Movidos por uma urgência de mudança da sociedade na qual viviam, tanto Lina
quanto Artaud se envolveram em diversas atividades relacionadas a diferentes campos de
atuação; contudo, o desejo que os une é o de criar um mundo melhor, um mundo no qual seja
possível vivenciar a vida real por meio de corpos sensíveis e construtores de lugares no
espaço que os envolve, que buscam e anseiam pela vida.

Segundo o pensamento artaudiano, não existe um teatro separado da vida, uma


vida separada da cultura. As coisas, na linguagem artaudiana, dão-se em um complexo
rizoma, coexistindo, confluindo. Esse teatro reinventado é então o que veio a chamar de
Teatro da Crueldade. E a crueldade aparece pela via do teatro como uma exigência da vida
que, como já foi dito, retira suas forças dela mesma. A linguagem nua transfigurada em
atos pelo Teatro da Crueldade: deve permitir, pela utilização do magnetismo nervoso do
homem, a transgressão dos limites comuns da arte e da palavra para realizar ativamente, ou
seja, magicamente, em termos verdadeiros, uma espécie de criação total. A crueldade é
utilizada então para dizer o que Artaud buscava no teatro, e como teatro e vida para ele se
fundem, podemos dizer que este poeta reivindica a crueldade na existência como a própria
força de viver. (FREITAS, 2010, p.15)

Contudo se faz necessário esclarecer qual é a acepção da palavra Crueldade dentro


do pensamento de Antonin Artaud para que possamos então compreender qual o real sentido
de crueldade para ele

A palavra crueldade deve ser considerada num sentido amplo e não no sentido
material e rapace que geralmente lhe é atribuído. E com isso reivindico o direito de romper
o sentido usual da linguagem, de romper de vez a armadura, arrebentar a golilha, voltar
enfim às origens etimológicas da língua que, através dos conceitos abstratos, evocam
sempre uma noção concreta.
Pode-se muito bem imaginar uma crueldade pura, sem dilaceramento carnal. E,
alias, filosoficamente falando, o que é a crueldade? Do ponto de vista do espírito a
crueldade significa rigor, aplicação e decisão implacáveis, determinação irreversível,
absoluta. (ARTAUD, 2006, p.118)

Na tentativa de auxiliar na compreensão do que vem a ser a ideia de crueldade para


Antonin Artaud, Freitas nos apresenta que

E aqui é preciso atentar para o termo crueldade em seu sentido ampliado, posto

3 ARTAUD, 2006, p.96


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que ele usa-o em sua acepção filosófica, retomando a origem etimológica da palavra.
'Cruor, o sangue que corre, é o signo da vida e significa: „vida, força vital?; mas
também, e por isso mesmo, é signo de violência infligida a essa carne. (...) Cruor é a vida.
(...) Cruor é a violência, porém a violência em nós mesmos: o sangue de nosso sangue, a
vida-morte que se agita lá embaixo, sob a pele, nesta carne que não somos e, no entanto,
fora da qual não existimos.' (DUMOULIÉ, 1996, p.23 in FREITAS, 2010, p.15-16 )

Nessa perspectiva pensamos uma Cultura da Crueldade, exercida na vida e pela


vida. Uma cultura que não se distancia da existência, mas que nela mesma se faz e refaz,
corporificando as formas em constante estado de criação. (FREITAS, 2010, p.15-16)

Em seguida continua sua explicação acerca do que vem a ser compreendido como a
crueldade em Artaud para que possa ficar bem clara a acepção utilizada e quais as implicações
da sua noção pratica no trabalho desenvolvido pelo escritor.

A crueldade aqui entendida filosoficamente. Como “turbilhão de vida que


devora as trevas”, desmistificando o conceito tal como é entendido corriqueiramente, pois
para Artaud a crueldade atravessa o sentido usual da palavra e se amplia até romper com os
limites da linguagem. É antes uma ação pela qual o teatro, e assim também a vida, podem
se renovar. (FREITAS, 2010, p.16)

Assim apresentado o sentido da palavra crueldade para Artaud, torna-se mais


compreensível a utilização do termo e podemos ainda notar a semelhança entre o chamado
Teatro da Crueldade Artaudiano, que se inscreve no corpo do indivíduo e no espaço ao seu
redor, através da expressão desse “turbilhão de vida que devora as trevas” e a visão de Lina a
respeito do que ela chama de "abandono absoluto à realidade vivida, à vida real"

Lá onde outros propõem suas obras, eu não pretendo fazer outra coisa senão
mostrar meu espírito. A vida é de queimar as questões. Eu não concebo uma obra separada
da vida. Eu não gosto da criação separada. (ARTAUD, 2004, p. 207).

O abandono absoluto à vida real preconizado e vivido por Lina Bo Bardi e as ideias
do teatro da crueldade, escritas e registradas em próprio corpo por Antonin Artaud são, de
certa forma, um chamado à vida, uma busca pela virtualidade esquecida, e por isso, perdida,
no mundo atual.
Nunca como neste momento, quando é a própria vida que se vai, se falou tanto
em civilização e cultura. E há um estranho paralelismo entre esse esborroamento
generalizado da vida que esta na base da desmoralização atual e da preocupação com uma
cultura que nunca coincidiu com a vida e que é feita para reger a vida. (ARTAUD, 2006,
p.1)

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O mais urgente não me parece tanto defender uma cultura cuja existência nunca
salvou qualquer ser humano de ter fome e da preocupação de viver melhor, mas extrair,
daquilo que se chama cultura, ideias cuja força viva é idêntica à da fome.(ARTAUD, 2006,
p. 1)

Quais seriam essas “ideias cuja a força viva é identica à da fome”? De onde elas
viriam? Precisamos ir mais fundo e nos perguntar qual seria a fonte de tais ideias. Eduardo
Galeano, escritor, em entrevista a Silvio Tendler no documentario “Utopia e Barbarie” nos diz
que,

O direito de sonhar que é o pai e a mãe de todos os direitos. é o que dá de comer


a todos os demais.
O que seria de nós se não pudessemos ver além da tristeza, de lançarmos além
do desamparo. que seria de nós? Que probres seriamos! Não somente pobres no sentido
material, dessa pobreza que tanta gente sofre no mundo. Mas uma pobreza mais tragica.
Todavia pior. Pobres na falta deste pão imprescindivel que dá de comer à esperança.
(Eduardo Galeano, Utopia e Babárie, TENDLER,2010)4

Seria este direito de sonhar o que desperta o anseio à vida? Seria ele o gerador das
“ideias cuja a força viva é identica à da fome”? Seguramente o sonho é um dos elementos
mais fortemente presentes nas vidas e obras de Lina Bo Bardi e Antonin Artaud, não o sonho
onirico, perdido nas noites escuras, mas sim o sonho impulsionador, como o raiar do dia, que
com força identica à da fome, os conduziu pelo caminho de seus objetivos de transformação
fazendo-os superar as dificuldades e singrar mares afim de realizar seu pro-jeto de
transformação.

4. Da Utopia indispensável à vida

Fica decretado que agora vale a verdade,


que agora vale a vida
e que de mãos dadas
trabalharemos todos pela vida verdadeira

4 Eduardo Galeano, escritor, em entrevista dada a Silvio Tendler para o documentario Utopia e
Barbarie.,2010, Utopia e barbarie é um documentario dirigido por Silvio Tendler , com produção de Ana
Rosa Tendler, montagem de Bernardo Pimenta, assistência de direção , pesquisa e roteiro de Renata Ventura
e trilha sonora de Caiaue Botkay, Cabruêra. Disponivel em : https://youtu.be/cn9li_NePro acesso em
02/06/2019
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Thiago de Mello5

Seria esse um apelo à utopia? Uma manifestação da chamada Imaginação Utópica?


Afinal Teixeira Coelho em seu livro “O que é utopia” nos diz acerca da Imaginação Utópica
que,

É ela que, até hoje pelo menos, sempre esteve presente nas sociedades humanas,
apresentando-se como o elemento de impulso das invenções, das descobertas, mas,
também, das revoluções. É ela que aponta para a pequena brecha por onde o sucesso pode
surgir, é ela que mantém em pé a crença numa outra vida. Explodindo os quadros
minimizadores da rotina, dos hábitos circulares, é ela que, militando pelo otimismo, levanta
a única hipótese capaz de nos manter vivos: mudar de vida. (TEIXEIRA COELHO, 1981,
p.9)

Esse anseio pela vida, e mais, o trabalho pela transformação do mundo no qual se
vive, por meio de uma "intervenção social de caráter poético e revolucionário e uma
racionalidade", é um elemento que fortemente influencia Lina Bo Bardi ao longo de sua vida
e experiência profissional. Desde sua juventude na Itália, Lina apresenta um desejo e uma
prática pela mudança!

Aqueles que deveriam ter sido anos de sol, de azule alegria, eu passei debaixo da
terra correndo e descendo sob bombas e metralhadoras.
Em Tempo de Guerra um ano corresponde a 50 anos e o julgamento dos homens
é um julgamento de pósteros.
Entre bombas e metralhadoras fiz um ponto da situação: o importante era
sobreviver. Mas como? Senti que o único caminho era o da objetividade e o da
racionalidade, um caminho incrivelmente difícil quando a maioria opta pelo distanciamento
literário e nostálgico. Sentia que o mundo podia ser salvo, mudado para melhor; que esta
era a única tarefa digna de ser vivida. Entrei na resistência com o partido comunista
clandestino, só via o mundo em volta de mim como realidade imediata e não como
exercitação literária abstrata. ( Lina Bo Bardi, no documentário de mesmo nome,
MICHILES, 1993)

Artaud também apresentava uma visão que mirava a transformação da sociedade, de


uma maneira diferente, de forma mais anárquica. Para ele, a revolução viria através de um
processo pelo qual arte e vida se fundiriam, fazendo do indivíduo um criador sensível, ao
reinterpretar e reorganizar as narrativas constituintes de seu horizonte cultural e social, de seu
mundo; só assim, para ele, haveria uma destruição das estruturas que impedem a vivência da

5 MELLO, Thiago de, Estatutos do Homem, Martins Fontes, São Paulo 1977
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vida real.

Acima de tudo precisamos viver e acreditar no que nos faz viver e em que
alguma coisa nos faz viver - e aquilo que sai do interior misterioso de nós mesmos não
deve perpetuamente voltar sobre nós mesmos numa preocupação grosseiramente digestiva.
(ARTAUD, 2006, p. 2)
É preciso acreditar num sentido da vida renovado pelo teatro, onde o homem
impavidamente torna-se o senhor daquilo que ainda não é, e o faz nascer. E tudo o que não
nasceu pode vir a nascer, contanto que não nos contentamos em permanecer simples órgãos
de registro. (ARTAUD, 2006, p. 8)

Uma criadora por meio da objetividade e da racionalidade, o outro criador por meio
do drama e da entrega. Essas duas pessoas manifestam desejos de transformação em suas
vidas e no mundo ao redor. Tais desejos de mudança para melhor são comuns a todos, traços
da imaginação utópica e componentes indissociáveis do humano.

A imaginação utópica é, assim, inerente ao homem; sua presença nas sociedades


históricas, uma constante. Não se trata, portanto, de componente da estrutura psíquica do
homem cuja existência e aparecimento tenham sido provocados por circunstâncias desta ou
daquela época, por características insatisfatórias das sociedades deste momento ou de uma
outra ocasião do passado. Não: esteve sempre presente, pelo menos, como se disse sob a
forma de um excedente utópico, uma vez que o realizado nunca está à altura do projeto
humano. (TEIXEIRA COELHO, 1981, p.14)

Algumas vezes mais fortemente presente e outras menos, a imaginação utópica


sempre esteve a nos acompanhar, como o sonho de olhos abertos que nos alimenta e o ideal o
qual perseguimos. Esse elemento sempre presente na humanidade desde seu alvorecer é
inseparável do humano e, por isso, constituinte indissociável de nossa sociedade e do espaço
com o qual nos relacionamos. Precisamos, porém, levarmos em conta os processos sócio-
espaciais e de poder inerentes à vida social e inscritos no espaço no qual nos inserimos e
construimos; é também preciso saber que, assim como existem pessoas que desejam a
mudança para melhor e o empoderamento do sujeito enquanto participante criador ativo de
seu drama, existem também aqueles que querem impedir a plena realização humana, que
representam "o juízo de deus" para Artaud.

É preciso não nos esquecermos da existência destes que são adversários ao pro-jeto
de revolução sensível e poética.

Desde sempre os adversários da plena realização do homem, os poderes


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constituídos (por natureza conservadores e, mesmo, reacionários), procuraram reprimir e
esmagar a imaginação utópica. (TEIXEIRA COELHO, 1981, p.18)

E não se pode deixar de levar em consideração os marcantes encontros com os


"adversários da plena realização do homem", que teve Antonin Artaud através dos processos
de internação em sanatórios, e Lina Bo Bardi por meio da vivência e da constatação dos
horrores resultados da guerra. Através desses encontros eles puderam perceber o potencial
para barbárie presente na sociedade e, frente à barbárie, encontraram a crueldade necessária
para viver e direcionar suas existências à criação de um mundo melhor.

5. Dos Legados utopicos

Cada um, à sua maneira, lutou, com as armas que tinha, o combate em nome da vida.
Por meio de sua obra Artaud, construiu importantes fundações sobre as quais muito do que se
pensa sobre teatro na atualidade foi construído, influenciando fortemente grupos teatrais e
estudiosos em todo ocidente e mudando radicalmente a maneira do fazer teatral.

Experimentar Artaud é alçar vôo. Viajar também por entre seu corpo sem
órgãos. Sentir um não sentir dilacerado e desespero que grita por uma ânsia de força. Esse
experimentar é labiríntico. Artaud é um universo de possibilidades. É a revolta, é a poesia,
a arte, a cultura, o ritual. Nos desenhos, no teatro, nos escritos, em sua voz. (FREITAS,
2010, p. 99)

Lina, por meio de suas arquiteturas sensíveis e seu olhar diferenciado sobre a vida e a
sociedade contribuiu, e contribui, para o que conhecemos como arquitetura moderna
brasileira.

Com uma produção arquitetônica bastante emblemática Lina se destaca no cenário


nacional e internacional como uma das grandes Arquitetas do século XX. Suas contribuições
para a arquitetura e o design são indiscutíveis.

A grande contribuição da Lina é a introdução do olhar antropológico no fazer


arquitetônico; esse olho que vai e vê la no fundo como que as pessoas vivem como que elas
se organizam como elas se comportam, essa capacidade única de entender as pessoas na
maneira viver na maneira de ser, esse respeito aliado a uma poesia enorme, a uma poética
enorme, a uma vontade de sonhar tão grande e de construir um mundo novo fez com que a
Lina tivesse feito uma obra tão grande como essa uma obra que não é grande em volume
mas que é de uma força descomunal.
 15 | 27
Lina projetava e tudo o que ela fez toda sua obra foi sempre feita com saudade
do futuro. (Marcelo Ferraz in Lina Bo Bardi , MICHILES,1993)

6. Dos encontros dionisiacos nos tropicos

E não é um sonho, que nenhum dentre vos vos lembrais de haver


sonhado, que edificou vossa cidade e conformou tudo isso que ela abriga?
Khalil Gibran6

E com essa "saudade do futuro" Lina Bardi, juntamente com Edson Elito, projeta de
1984 a 1990 a sede do grupo Teatro Oficina Uzyna Uzona, no bairro do Bixiga em São Paulo.
Um projeto feito com a maturidade de quase cinquenta anos de profissão, no qual a arquiteta
expressa toda sua ousadia e sua capacidade criativa através da reinvenção de um edificio que
introduz os espectadores, de tal maneira no acontecimento teatral que estes se tornam
indissociáveis; os espectadores são convidados a penetrar a cena, e junto aos atores, construí-
la em um ato de crueldade.

Suprimimos o palco e a sala, substituídos por uma espécie de lugar único, sem
divisões nem barreiras de qualquer tipo, e que se tornará o próprio teatro da ação. Será
restabelecida uma comunicação direta entre o espectador e o espetáculo, entre ator e
espectador, pelo fato de o espectador, colocado no meio da ação, estar envolvido e marcado
por ela. Esse envolvimento provém da própria configuração da sala. (ARTAUD, 2006, p.
110)

Assim descreve Artaud como deveria ser uma sala apropriada para a realização do
teatro da crueldade. No mesmo sentido esta é uma descrição que caberia perfeitamente à sede
do grupo de teatro Oficina Uzyna Uzona, proposto por Lina Bo Bardi e Edson Elito. Mais
adiante, em sua descrição do que seria a sala mais apropriada para a realização do teatro da
crueldade, Artaud, continua,

Além disso, no alto, correrão galerias por toda a sala, como em certos quadros de
Primitivos. Essas galerias permitiram aos atores, toda vez que a ação exigir , caminhar de
um ponto a outro da sala, e também que a ação se desenrole em todos os níveis e em todos
os sentidos da perspectiva em altura e profundidade. Um grito emitido num canto podera se

6 GIBRAN, Khalil, Le prophète, trad. Didier Sénécal, Ed Pocket, Paris 2012


 16 | 27
transmitir de boca em boca com amplificações e modulações sucessivas até o outro canto
da sala. A ação romperá seu círculo, estenderá sua trajetória de nível em nível, de um ponto
a outro, paroxismos nasceram de repente, acendendo-se como incêndios em pontos
diferentes; e o caráter de ilusão verdadeira do espetáculo, assim como a influência direta e
imediata da ação sobre o espectador não serão palavras vazias. (ARTAUD, 2006, p. 111)

Mais uma vez essas parecem palavras usadas para descrever o teatro Oficina e,
contudo, são palavras de Antonin Artaud acerca do que seria, a seu ver, a melhor forma para
um edifício capaz de suportar um teatro da crueldade.
Reflete o teatro moderno, o teatro total 7 que vem dos anos 20, de Artaud. Um

7 TEATRO TOTAL

Representação que visa usar todos os recursos artísticos disponíveis para produzir um espetácul o que apele a
todos os sentidos e que crie assim a impressão de totalidade e de uma riqueza de significações que subjugue o
público. Todos os recursos técnicos (dos gêneros existentes e vindouros), em particular os recursos modernos
da maquinaria, dos palcos móveis e da tecnologia audiovisual, estão à disposição desse teatro. Os arquitetos
da Bauhaus realizaram seu esboço mais completo: "O teatro total deve ser uma criação artística, um conjunto
organico de feixes de relações entre luz, espaço, superfície, movimento, som e ser humano , com todas as
possibilidades de variações e de combinações desses diversos elementos" (SCHLEMMER, citado
MOHOLY-NAGY, 1925).
1. Realizações e Projetos
O teatro total é mais um ideal estético, um projeto futurista, que um a realização concreta da história do
teatro. Certas formas dramáticas figuram umesboço dele: o teatro grego, os mistérios medievais e as peças
barrocas de grande espetáculo. Mas é sobretudo a partir de WAGNER e de seu "Gesamtkunstwerk" que essa
estética toma corpo na realidade e no imaginário do teatro. Ela atesta o desejo de tratar o teatro em si e não
como subproduto literário. "O que queremos é romper com o teatro considerado como gênero distinto, e
trazer novamente à luz aquela
velha idéia, no fundo jamais realizada, do espetáculo integral . Sem que, é claro, o teatro se confunda em
momento algum com a música, a pantomima ou a dança , nem, sobretudo, com a literatura" (ARTAUD,
1964a : 149).
2. Princípios Fundadores
a. Construir " literalmente e em todos os sentidos " (RIMBAUD)
Livre da compulsão da ação literária, o teatro total explora todas as dimensões das artes cênicas, não limita o
texto a um sentido ex plicitamente posto em cena e, sim, multiplica as in terpretações possíveis e deixa a cada
sistema sua própria iniciativa para prolongar o sentido imediato da fábula.
b. Inserir o gesto original e definitivo - Sendo o ator geralmente considerado material básico, o teatro total
atribui grande importância à gestualidade. Além de seu caráter de hieróglifo, ele insere a relação do homem
com os outros, com seu parceiro, com seu meio (gestus brechtiano). As atitudes" que resultam dessas trocas
gestuais dão a chave de todo o universo dramático: "As palavras não dizem tudo. A verdadeira relaçã o entre
as pessoas é determinada pelos gestos , pelas atitudes, pelo silêncio [...] As palavras se dirigem ao ouvido, à
plástica , ao olho. Desta maneira, a imaginação trabalha sob o impacto de duas impressões, uma visual e o
utra auditiva. E o que distingue o antigo teatro do novo é que, neste último , a plástica e as palavras são
submetidas cada uma a seu próprio ritmo, e se divorciam , mesmo, havendo oportunidade" (MEIERHOLD,
1973, vol. I: 217).
c. Orquestrar o espetáculo para a encenação - Todo teatro total implica uma consciência unificante ou, pelo
menos, organizadora. Da encenação depende a impressão de globalidade ou de fragmentação. Assim, quando
J.-L.BARRAULT encena o Christophe Colomb de CLAUDEL ( 1953): "O ponto mais precioso na
montagem de um a obra teatral consiste portanto em encontrar o meio de elevar suficientemente o nível do
espetáculo (cenários, acessórios, luzes, sons, música) para que este não se contente com seu papel secundário
do 'quadro ' ou mistura das artes, mas consiga humanizar, a tal ponto que faça de certo modo parte da ação e
para trazer sua cota da mesma maneira que o homem; em suma, que ele consiga servir o teatro em sua
totalidade - e naquele instante - o teatro encontre sua unidade" ( World Theatre, 1965:543).
d. Ultrapassar a separação palco-platéia e participar ritualmente - Uma das intenções do teatro total é
reencontrar uma unidade considerada perdida que é a da festa, do rito ou do culto. A exigência de totalidade
 17 | 27
teatro despido, sem palco, praticamente apenas um lugar de ação, uma coisa de
comunidade, assim como uma igreja. (Bardi, Lina Bo. Em entrevista à Haifa Sabbag.
Publicada em AU – Arquitetura e Urbanismo, n. 6, agosto 1986, p. 53 apud LIMA, 2009, p.
127)

Antonin Artaud e Lina Bo Bardi não se conheceram. Pelo menos não encontramos
ainda nenhuma documentação relativa a isso; contudo o teatro projetado por Lina apresenta
características quase exatas do que vinha a ser o ideal de sala teatral para Artaud. Mesmo se
não tiverem se conhecido Lina e Artaud compartilharam um desejo de liberdade e uma ânsia
por transformação próprias da imaginação utópica.

Sendo o Teatro da Crueldade a obra-prima de Antonin Artaud e tendo este buscado e


vivido ele mesmo a crueldade em seu corpo; Artaud muito escreveu sobre o Teatro da
Crueldade, entretanto, infelizmente, não viu nenhuma sala que atendesse seus ideais de espaço
para a realização de seu acontecimento teatral, não na Europa de seu tempo. Seria no Brasil da
decada de 1990 que tal empreitada seria realizada.

Lina Bo Bardi também não pode ver o teatro Oficina completamente construído; ela
se vai antes de sua finalização, antes da completa realização de seu projeto, até hoje não
finalizado, por motivos políticos e econômicos. Mais uma vez, em nosso tempo, "os
adversários da plena realização do homem, os poderes constituídos (por natureza
conservadores e, mesmo, reacionários)" impedem a realização da Utopia. Mesmo assim a

escapa ao plano estético: ela se aplica à recepção e à ação exercida sobre o público. Visa fazer com que todos
os indivíduos participem.
e. Reencontrar uma totalidade social - É preciso observar que mesmo o teatro épico de um PISCATOR ou de
um BRECHT reivindica uma participação do público no acontecimento. PISCATOR foi mesmo um dos
primeiros a empregar, com W. GROPIUS, a expressão Total theater, que ele traduz por teatro da totalidade e
não teatro total, reservado para um "conceito dramático-estético , uma idéia, bastante vaga , de libertação do
conjunto das artes figurativas" , (World Theatre, 196 5: 5) . Teatro da totalidade é para ele sinônimo de teatro
épico , "isto é, um teatro de análise quase científica, de objetividade crítica . Não mais se expunham sobre o
palco conflitos pessoais, não se esmiuçavam mais sentimentos, mas se apresentavam , cruamente e sem panos
quentes, processos sociais. Pedia-se ao público que tomasse posição e não mais que usufruísse do espetáculo.
O teatro não mais se contentava em captar fragment os de realidade, ele a queria total. [...] "Teatro da
totalidade" é uma construção "totalmente" concebida pelo jogo teatral, na qual o espectador, centro espacial,
é cercado por um palco total, é " totalmente" confrontado com ela. A simultaneidade dos acontecimentos
históricos, a sincronização da "ação" e da " reação" sociais e políticas podem, neste palco, neste conjunto de
palcos, serem representadas ao mesmo tempo. "Teatro total ", em contrapartida, designa apenas a passagem
constante de um gênero de jogo, de uma forma de expressão a outra, postulando que os dons e a formação do
intérprete permitem realizar a passagem com felicidade. Dentro desta acepção, o teatro total é, por tanto, a
fusão perfeitamente homogênea de todas as artes figurativas (o que lembra irresistivelmente a "obra de arte
total" de Richard WAGNER) [...] o pretenso teatro total, enquanto teatro eclético, não produz quase mais do
que uma totalidade de aparências. Ele se encena para si mesmo. É um teatro formalista" (World Theatre,
1966: 5-7). Em tudo isto que precede, cumpre de fato levar em conta o projeto e as realizações. O tom,
muitas vezes profético e dogmático das diversas definições, lembra-nos que há muitas estéticas do teatro, e,
mais ainda, concepções da totalidade do real a representar. No fundo. o teatro total não é outra coisa senão o
teatro por excelência. In: PAVIS, Patrice, Dicionario de Teatro, Trad. J. Guinsburg e Maria Lucia Pereira do
original de 1996, Ed. Perspectiva, São Paulo 2008
 18 | 27
força do sonhar de Lina Bo Bardi é tão grande que a parte do seu sonho construída permitiu e
permite uma nova forma do fazer teatral.

O Teatro Oficina, o grupo teatral, é, no Brasil, o um dos representantes do Teatro da


Crueldade.

Em 1967, o Oficina encena O Rei da Vela, espetáculo que, carregado da força


poética de Oswald de Andrade, retrata de forma ácida e grotesca a elite brasileira. Tal
agressividade torna-se ainda mais explícita em Roda Viva (1968), peça montada fora do
Oficina, mas dirigido por José Celso Martinez Corrêa, que acrescenta à agressão - verbal e
até física - a reconfiguração do espaço cênico e dos limites entre palco e plateia; e também
na radicalização autodestrutiva de Selva das Cidades (1969)
Nos anos seguintes, torna-se ainda mais intensa a assimilação do Teatro da
Crueldade por parte do Oficina, seja na convivência com o Living Theatre, durante sua
estada no Brasil, seja na viagem do Oficina pelo país durante a preparação de "Gracias,
Señor", que faz temporada em 1972, no Rio de Janeiro e em São Paulo. ( Teatro da
Crueldade: Enciclopédia Itaú Cultural) 8

Foi em "Gracias Señor", espetáculo feito com a direção de José Celso Martinez
Correa, que Lina apresenta, segundo o diretor a capacidade de dar "à poesia um valor de
concreto". José Celso relata também o processo de trabalho e construção que Lina empreende
em busca de um cenário que pudesse representar a crueldade expressa no espetáculo.

Você ter a Lina numa obra ou você ter a Lina numa peça é você ter toda a
equipe, assim, uma coisa tal maoista, toda a equipe mobilizada. Toda aquela massa criando
e trabalhando com ela e ela dá muito mais atenção a todo esse pessoal exatamente do que
as estrelas, do que as vedetes e tal, e ouvia muito e se inspirava muito mais nisso, num é?
Nós fomos fazer por exemplo o cenário de "Gracias, Señor", eu me lembro que a
gente queria fazer uma camisa de força e ela fez uma camisa de força enorme, enorme
enorme enorme... Que era como se fosse uma camisa de força que pudesse amarrar toda a
loucura brasileira, mas como no espetáculo de repente aquela camisa de força, a própria
loucura em plena época da loucura , em pleno setenta e um, lá que o dilema era Loucura ou
luta armada; ela diz: Da minha camisa de força eu faço uma vela! É isso que é bonito nesse
tipo de artista que vai pelo... que começa pela poesia, num é?, pelo conceito e dá à poesia
um valor de concreto, de cimento de madeira, dessas coisas todas, num é? Quer dizer,
acredita na potência física do sonho.
Ela não quer uma caixa preta, fechada isolada, um laboratório não., ela quer uma
coisa escancarada pro mundo, num é?
Nesse sentido, ela que veio da Itália daquele teatro que é coberto de saias pretas
de velha, de rotunda e etc... Ela é a escancaradora disso tudo e ela viu no Brasil essa
possibilidade, num é? (José Celso Martinez Corrêa, “Lina Bo Bardi”, MICHILES,1993)

Lina Bo Bardi escolheu o Brasil como país para viver para que pudesse realizar a

8 Termo Teatro da Crueldade da Enciclopédia Itaù Cultural in:


http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo13540/teatro-da-crueldade acesso em 20/06/2019
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transformação que desejava no mundo. Tão grande foi sua força de realização e tão vasta a
sua capacidade de atuação que ainda hoje não se pode ter noção do alcance total de sua obra.
Podemos ver sim que as suas são obras que transformam a realidade urbana e social dos locais
nos quais se inserem; aproximou meios de expressão e valoração de tudo o que para os
"eruditos" estava à margem! Assim como Artaud, Lina também caminhou sobre o fio da
navalha que é a Margem, esse ponto de tensão, este campo de forças que magnetiza e
engendra a vida real; a margem, fronteira na qual a crueldade se mostra sem máscaras no
drama da vida.

7. Do teatro mutante ao urbanismo observante

Existiria, assim, alguma possível relação entre o projeto da sede do grupo de teatro
Oficina Uzyna Uzona, de Lina Bo Bardi, e as ideias propostas por Antonin Artaud, no seu
Teatro da Crueldade?

Esta pode parecer uma pergunta descabida uma vez que, à primeira vista, nada têm a
ver teatro e urbanismo, ou arquitetura, a não ser no tocante a cenografia e à construção do
edifício. Entretanto, seria precipitado limitar o teatro àquilo que somente os olhos encontram.

Para que possamos compreender as possíveis relações entre teatro e urbanismo, ou


arquitetura, é preciso esclarecer o que é teatro.

Um espaço, um homem que ocupa este espaço, outro homem que o observa.
Entre ambos, a consciência de uma cumplicidade, que os instantes seguintes poderão até
atenuar, fazer esquecer, talvez acentuar. (PEIXOTO, 1983, p. 9)

À primeira vista esta resposta pode parecer satisfatória, mas precisa-se levar em
consideração todos os elementos compositores do teatro; é preciso que não nos deixemos cair
na generalidade ou nos conter à superficialidade.

Será possível definir teatro? Será certo e verdadeiro tentar precisar seu
significado se, desde a origem do homem, existe enquanto processo, em permanente
transformação, obedecendo a sempre novas exigências e necessidades do homem que,
através dos tempos, na produção social de sua existência, entra em determinadas relações
de produção, necessárias e independentes de sua vontade, que correspondem a determinado
grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade? O que pode valer

 20 | 27
para entender a cultura ocidental vale para a oriental? Enfim, existe um teatro ou, em
função da vida econômica política, o teatro hoje é uma coisa, amanhã outra, ontem foi
diferente? é necessário cuidado para não cair na facilidade de definições abstratas de
discutíveis "essências" inexistentes, ou na armadilha de definições idealistas que aceitem
um instante isolado, seja o hoje ou o ontem, como verdades imutáveis. (PEIXOTO, 1983
p.10)

Muitas têm sido as formas de fazer teatro ao longo do tempo, mas uma coisa é certa:
o teatro existe em todas as sociedades desde a aurora da humanidade, assim sendo, a busca de
uma definição de teatro segue, pois este é um conceito mutante, tão complexo em sua
totalidade quanto a sociedade que o produz.

Nesta trajetória o que mais tem sido modificado é o próprio significado da


atividade teatral: sua função social. Constantemente redefinida, na teoria e na prática, esta
função social tem provocado alterações substantivas na maneira de conceber e realizar
teatro. Muitas vezes negando princípios e técnicas que pouco antes pareciam essenciais e
indispensáveis. Frequentemente transformando o processo narrativo e mesmo os processos
de interpretação e encenação. (PEIXOTO, 1983 p. 12)

É preciso que o teatro se transforme para que possa continuar a existir e para que
possa tocar àqueles aos quais é dirigido. Diante dessa necessidade, a de tocar e provocar uma
transmutação no ser, é que Artaud cria o seu teatro da crueldade, por meio do qual propõe
uma revolução na forma de ver o mundo.

Incapaz de agir diretamente no processo de transformação social, age


diretamente sobre os homens, que são os verdadeiros agentes da construção da vida social.
(PEIXOTO, 1983 p. 13)

E como podemos ver em “O que é cidade”, Raquel Rolnik nos apresenta,

A arquitetura da cidade é ao mesmo tempo continente e registro da vida social:


Quando os cortinados transformam o palacete em maloca, estão , ao mesmo tempo,
chupando e conferindo um novo significado para um território; está escrevendo um novo
texto. É como se a cidade fosse um imenso alfabeto, com o qual se montam palavras e
frases. (ROLNIK, 1988, p.18)

Cabe ao urbanismo analisar estas frases e palavras soltas sobre o território,


conectadas em rizomas e, com cada uma, constrindo um campo de forças, e contendo, em si,
muito mais que sua dimensão tangível imediata. Por meio do urbanismo que buscamos

 21 | 27
estudar essas construções da vida social, por meio desse campo de estudo e de proposição que

Verificamos que a cidade é muito mais que um simples conjunto de elementos


visuais e palpáveis (pessoas, construções etc.), mas também um complexo conjunto de
relações que se estabelece entre esses elementos, compondo o carrossel de nosso cotidiano.
Nessas relações se define a "vida na cidade": o sistema econômico-político, com
seus mecanismos de troca de estrutura e de poder; o comportamento sociocultural, na
geração e preservação do conhecimento etc. (GONÇALVES; SANT'ANNA; CARSTENS;
FLEITH, 1990, p. 9)

Só por meio do conhecimento das muitas dimensões da cidade é que se pode intervir
de forma eficiente no tecido urbano, criando locais que tem a potência necessária para a
manifestação da cultura de seus habitantes. Somente com um estudo profundo e constante
observação pode-se chegar a compreender as necessidades e particularidades de cada cidade e
mais, ser capaz de apontar suas diferentes nuances no territorios.

Foi por meio de estudos profundos da cultura e do artesanato em Salvador


juntamente com a vivência na capital que Lina Bo Bardi chega ao programa do Solar do
Unhão, um programa extremamente atual, que toma partido da construção antiga e a
reconstrói, ressignificar permitindo a essa ser reintegrada à vida na cidade e transformá-la de
forma inquestionável.

E é pelo estudo das pessoas e pelo interesse na sua vida social que Lina Bo Bardi
criou obras que transformaram os locais nos quais se inseriram.

Vou lhe dizer, mais do que todos os outros que participaram desse renascimento,
num e, da cultura de nível erudito em salvador final dos anos 50 início dos anos 60, Dona
Lina Foi a que profundamente mais viu a força do aspecto de criatividade popular da
cidade e da região. E ela dizia muito claramente " Não como folclore, não como
documentação de um estilo exótico ou divertido ou curioso mas como verdadeira força
cultural! Caetano Veloso. (Caetano Veloso in “Lina Bo Bardi”, MICHILES, 1993)

As intervenções de Lina Bo Bardi são intervenções pontuais que geram mudanças


enormes tanto no âmbito social quanto no que tange a cidade e à dimensão sensível desta. Tal
abrangência só é possível por um conhecimento apurado da arquitetura e uma compreensão
refinada das relações, somente assim através de um processo de quase "acupuntura" urbana,
Lina é capaz de gerar transformações tão grandes na vida social do mundo que a rodeia.

Tal como um Iceberg, que na superfície revela apenas uma fração de sua
 22 | 27
verdadeira dimensão, o urbanismo revela, através de suas intervenções, apenas alguns de
seus aspectos. Em sua dimensão desconhecida e inexplorada, delineia-se uma das ciências
mais fascinantes e instigantes de nosso século, que penetra tanto no íntimo de cada
indivíduo como no âmago da estrutura da cidade e da civilização. (GONÇALVES;
SANT'ANNA; CARSTENS; FLEITH, 1990, p. 11)

Fazer uma análise do trabalho arquitetônico e urbanístico por meio de ferramentas


alternativas apresentadas por outras áreas da criação artistica e do conhecimento mostra-se
como uma possibilidade de alargamento do que vem a ser o estudo do urbanismo e como ele
pode ser praticado.

A utilização de um pensamento advindo do teatro, que pelo que vimos está muito
mais próximo do urbanismo e da arquitetura que se poderia imaginar à primeira vista, levanta
a questão, até que ponto são distintas essas áreas?

8. Das impensaveis relações possíveis

Repensar os processos urbanísticos através da ótica artaudiana, tão ligada ao corpo e


ao sensório poderá nos auxiliar no aprofundamento do urbanismo, uma vez que este só tem a
ganhar ao incluir a ludicidade trazida pelo teatro ao dia a dia dos habitantes das cidades, hoje
tão carentes de sonhos e de desejos de vida. O devir utópico se expressa no trabalho de Lina e
Artaud? Verificar os processos pelos quais os mesmos incorporam e aplicam esse desejo
utópico em suas obras pode nos auxiliar, enquanto (con)forma(dores) do espaço, a possibilitar
provocações que compreendam devires lugares, que sejam úteis e convidem os sujeitos para
uma vida com corpos vivos, não partimentados, corpos sem órgãos.

Buscar relações entre o urbanismo e o pensamento do teatro da Crueldade de


Antonin Artaud se mostra como promissora possibilidade, pois muito se escreveu e falou
sobre o pensamento do teatro da Crueldade de Antonin Artaud em várias áreas do
conhecimento humano, teatro, poesia, filosofia, psiquiatria e sociologia. Artaud é um autor
que trata com acidez seu tempo e propõe novos corpos para um novo mundo.

No mesmo sentido, Lina apresenta, assim como Artaud, uma grande variedade de
talentos e sua obra sempre aberta, sempre buscando se referenciar na cultura popular a
procura de novas soluções para velhos problemas.

Lina tem passado por um ressurgimento no meio acadêmico nos últimos anos; várias

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são as teses e dissertações sobre ela no momento, algumas tratando de seu trabalho inclusive
no âmbito da arquitetura teatral e cenografia; contudo não foram localizadas pesquisas, tese,
ou artigos que tratassem dos conceitos de Teatro da Crueldade conectando-o ao trabalho de
Lina Bo Bardi.

9. Do caminho a percorrer

Esta será a primeira pesquisa que busca relacionar ao anseio à vida, ao projeto
arquitetônico/urbanístico da sede do grupo teatro Oficina Uzyna Uzona de Lina Bo Bardi e
aos ideais teóricos do teatro da crueldade de Antonin Artaud.

Afim de empreender tal aventura faz-se necessário que alguns elementos sejam
iluminados. É preciso para isso que sejamos capazes de reconstruir as bases do pensamento de
Lina Bo Bardi, no tocante a produção do projeto do teatro Oficina, e de Antonin Artaud,
referente à elaboração do teatro da crueldade, para que tenhamos capacidade de analisar
comparativamente o pensamento de ambos.

Para tanto, faz-se necessário:

- Caracterizar Lina Bo Bardi

- Inserir no mundo a arquiteta, espacial e temporalmente

- Apresentar suas ideias sobre arquitetura, sociedade, sujeito e utopia

- Situar e datar a obra da arquiteta

- Apresentar sua relação com a Cultura, erudita e popular

- Indicar se e como essas relações se demonstram na sua obra escrita e no tocante ao


projeto da sede do grupo teatro Oficina Uzyna Uzona

- Caracterizar Antonin Artaud

- Situar o pensador no espaço e no tempo

- Apresentar suas ideias sobre o teatro da crueldade, corpo sem órgãos, sociedade e
utopia

- Situar e datar o pensamento e a obra de Antonin Artaud

- Apresentar a relação de Artaud com a Cultura, erudita e popular

 24 | 27
- Indicar se e como essas relações se demonstram na sua obra no tocante ao Teatro da
Crueldade

- Relacionar os trabalhos de Lina Bo Bardi e Antonin Artaud, suas ideias e a forma


como foram empregadas no projeto da sede e nas montagens do grupo de teatro
Oficina Uzyna Uzona.

- Visitar e realizar levantamento do edificio e entornos da sede do grupo teatro Oficina


Uzyna Uzona

- Participar de alguma encenação do grupo teatro Oficina Uzyna Uzona como


espectador em sua sede.

Visando empreender essa aventura temos em mente que muitos são os dados a
coletar e extenso é o material de análise. Tais dados estão sendo coletados das histórias de
vida de Lina e Artaud, dos seus relatos de viagens, das suas cartas, dos seus artigos, das suas
palestras e conferências, de ambos, proferidas e transcritas; tudo publicados em um grade
numero de livros, teses e dissertações, alguns dos quais, apenas poucos, constam em nossa
bibliografia. São também utilizados, como fonte de buscas acerca de suas vidas e obras acervo
audiovisual de livre acesso disponível na internet.

A partir do levantamento e espacializaçao bem como a coleta, organização, tabulação


e comparação das informações adquiridas acerca de Lina e Artaud, bem como seus
referenciais teóricos e vivenciais, deve-se empreender análise comparativa de dados,
identificar, caracterizar, analisar e catalogar as semelhanças e divergências, encontradas entre
o projeto da sede do grupo teatro Oficina Uzyna Uzona de Lina Bo Bardi e as Ideias do
Teatro da Crueldade de Antonin Artaud. Assim se poderá verificar se realmente existe alguma
relação entre eles, a partir da comparação das propostas será possível construir uma análise
calcada em fatos e escritos, pela qual será possível apontar se tais relações existem e, caso
existam, discernir se estas se tratam de relações de concordância ou de discordância; se e
como tais relações afetam os indivíduos no espaço.

10. Da notória combinação

Em uma reportagem chamada "The 10 best theatres", de 10 de dezembro de 2015,


publicada pelo jornal Inglês "The Guardian", o colunista crítico de arquitetura do "The
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Observer's", Rowan Moore, na coluna "The 10 best" apresenta uma classificação de 10 teatros
que seriam, em sua opinião, os teatros mais impressionantes do mundo. Com o primeiro
colocado desta lista ele elege a sede do grupo de teatro Oficina Uzyna Uzona de Lina Bo
Bardi. A respeito do teatro Moore afirma,

Um espaço longo, estreito, feito uma rua, nos restos carbonizados de um teatro,
mirado por uma parede de galerias construidas de andaimes. Construido para servir às
orgiasticas performances do criador do teatro Zé Celso, que diz que a ideia para o plano
aberto veio quando, em uma viagem de acido e correndo da policia ele se encontrou
encurralado contra uma solida parede.
O Teatro oficina tem desafiantes linhas de visão, assentos duros e não é muito da
forma que os teatros deveriam ser, mas é tudo mais intenso por isso. (the guardian, in:
https://www.theguardian.com/artanddesign/2015/dec/11/the-10-best-theatres-architecture-
epidaurus-radio-city-music-hall acesso em 30/06/2019, acesso em: 30/06)

E no teatro Oficina que Artaud e Lina se encontraram, nada menos do que toda a
crueldade do teatro de Artaud; nada menos do que toda a Poesia da arquitetura de Lina Bo
Bardi, essa é a constituição do teatro Oficina Uzyna Uzona uma obra na qual todos são parte
da cena que ali se passa, todos são atores envoltos pela aventura da arquitetura e, desnudados
de si, sem o julgamento de deus, dos homens ,ou do corpo; sem julgamentos são imersos nas
inebriantes palavras e odores do báquico teatro da crueldade artaudiano, o teatro alquímico
que transmuta todos que dele participam pois este, como dizia o próprio Artaud são
"exorcismos renovados", exorcismos que estrangulam os corpos em nome da crueldade
fazendo com que o ser, despido de si, caminhe; já não fingidor do mundo mas ao contrario,
ator de si mesmo somente entregue à vida como um corpo completo, vivo e presente; um
corpo representante do total holismo antropocêntrico, sem partições, um corpo sem órgãos.

Quando tiverem conseguido um Corpo sem Órgãos, então o terão libertado dos
seus automatismos e devolvido sua verdadeira liberdade. (ARTAUD, 1983, p. 161-162)

Não procurei a beleza, procurei a liberdade. Os intelectuais não gostavam. O


povo gostou, gostou muito! (Lina Bo Bardi, no documentário de mesmo nome, direção
MICHILES, 1993)

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11. Referencias
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