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Escola de Arquitetura
Belo Horizonte
2019
- ENTRE POESIA E CRUELDADE -
POSSIVEIS RELAÇÕES ENTRE O ANSEIO À VIDA, O PROJETO DA SEDE DO
GRUPO TEATRO OFICINA UZYNA UZONA DE LINA BO BARDI E AS IDEIAS DO
TEATRO DA CRUELDADE DE ANTONIN ARTAUD
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Sumário
9. Do caminho a percorrer_________________________ 24
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1. Do Trabalho que se apresenta
Mas o tempo linear é uma invenção do Ocidente, o tempo não é linear, é
um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer intante, podem ser escolhidos
pontos e inventadas soluções, sem começo nem fim.
Lina Bo Bardi
Tendo como base o projeto da sede do grupo de teatro Oficina Uzyna Uzona propõe-
se uma analise urbanistico-arquitetonica deste por meio do pensamento exposto por Antonin
Artaud no Teatro da Crueldade.
Durante Durante os últimos anos o meio acadêmico tem apresentado muitos escritos a
respeito do trabalho da arquiteta italiana, naturalizada brasileira, Lina Bo Bardi, muitas são as
comparações apresentadas e as análises das obras da arquiteta.
Aurélio Michiles, em seu documentário2 Lina Bo Bardi ,(1993), nos diz que no
2 Documentario Lina Bo Bardi dirigido e editado por Aurélio Michiles, com roteiro e pesquisa feitos por Isa G.
Ferraz, produção e assistencia de direção de Elaine Cesar e musica de Paulo Tatit e Sandra Peres; realizado
pelo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, lançado no ano de 1993 . Disponivel em:
https://www.youtube.com/watch?v=YBIK0-17VF0&list=PLcOkguloMOvwvee6SqjawF86-
AMda14Pf&index=5, acesso em 30/06/2019
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Em outra ocasião ela é ainda mais clara ao demonstrar suas crenças afirmando que
Tendo sido ela educada no Liceu Artístico em Roma e tendo em seu pai um grande
incentivador das artes, Lina tinha contato desde cedo com os movimentos artísticos que
circulavam pela Europa. O conhecimento dessas correntes de pensamento influenciou
fortemente seu trabalho de muitas formas. Lina traduzia por meio da racionalidade do
desenho modernista características que eram somente suas, aliadas a uma valorização da
cultura popular e utilização de técnicas vernaculares, tidas como técnicas e conhecimentos à
margem do que era considerado cultura erudita.
Estar ‘à margem’ também parece uma constatação comum aos trabalhos sobre
sua obra e, para nós, uma virtude para sua posição artística e crítica. Seja porque seus
projetos não se ‘encaixam’ e ‘desviam’ das normativas do movimento moderno, da escola
paulista, do brutalismo, do pós-modernismo, ou outro catálogo que queiram, seja porque
trocou seu país de origem pelo Brasil e sempre houve um subtexto de outsider, de
estrangeira, por parte da elite cultural nacional, o que de fato revela-se mais um fator de
angústia pessoal do que uma desconexão com nossa realidade. (GRINOVER, 2010, p.25)
Lina, por meio de sua arquitetura, cria meios para que os indivíduos possam intervir
no espaço se tornando, assim, co-criadores da espacialidade, co-criadores do lugar. Convidar
o indivíduo a exercer o direito de se expressar e se apropriar no e do espaço são elementos
fortemente presentes na obra de Lina Bo bardi.
Lina cria espaços com os quais o corpo pode interagir, espaços que permitem ao
corpo sentir, e assim, dessa forma, Lina demonstra em suas obras a possibilidade da
realização do desejo de uma revolução sensível, uma revolta poética!
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ator de si mesmo por meio do "abandono absoluto à realidade vivida, à vida real". Tal
definição ainda guarda em si elementos ligados às vanguardas europeias do início do século
xx no que tange a expressão de seus ideais ligados aos processos de manifestação do
indivíduo e promoção de uma revolução sensível através da atitude de abandono à realidade
vivida.
Ideais estes expressados, de varias maneiras por muitos vanguardistas, e que ganham
na obra de Antonin Artaud tamanha profundidade e amplitude de alcance que não tinham sido
antes alcançados
Como poeta, ele pensou para além das palavras. Como ator e dramaturgo ele deu
liberdade ao teatro, transbordou o teatro e, por intermédio do teatro, nos lançou a uma nova
maneira de interpretar e se posicionar diante do mundo. (BARBARA, 2017, p. 17)
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Tudo o que age é uma crueldade. E a partir dessa ideia de açao levada
ao extremo que o teatro deve se renovar.
Antonin Artaud3
Movidos por uma urgência de mudança da sociedade na qual viviam, tanto Lina
quanto Artaud se envolveram em diversas atividades relacionadas a diferentes campos de
atuação; contudo, o desejo que os une é o de criar um mundo melhor, um mundo no qual seja
possível vivenciar a vida real por meio de corpos sensíveis e construtores de lugares no
espaço que os envolve, que buscam e anseiam pela vida.
A palavra crueldade deve ser considerada num sentido amplo e não no sentido
material e rapace que geralmente lhe é atribuído. E com isso reivindico o direito de romper
o sentido usual da linguagem, de romper de vez a armadura, arrebentar a golilha, voltar
enfim às origens etimológicas da língua que, através dos conceitos abstratos, evocam
sempre uma noção concreta.
Pode-se muito bem imaginar uma crueldade pura, sem dilaceramento carnal. E,
alias, filosoficamente falando, o que é a crueldade? Do ponto de vista do espírito a
crueldade significa rigor, aplicação e decisão implacáveis, determinação irreversível,
absoluta. (ARTAUD, 2006, p.118)
E aqui é preciso atentar para o termo crueldade em seu sentido ampliado, posto
Em seguida continua sua explicação acerca do que vem a ser compreendido como a
crueldade em Artaud para que possa ficar bem clara a acepção utilizada e quais as implicações
da sua noção pratica no trabalho desenvolvido pelo escritor.
Lá onde outros propõem suas obras, eu não pretendo fazer outra coisa senão
mostrar meu espírito. A vida é de queimar as questões. Eu não concebo uma obra separada
da vida. Eu não gosto da criação separada. (ARTAUD, 2004, p. 207).
O abandono absoluto à vida real preconizado e vivido por Lina Bo Bardi e as ideias
do teatro da crueldade, escritas e registradas em próprio corpo por Antonin Artaud são, de
certa forma, um chamado à vida, uma busca pela virtualidade esquecida, e por isso, perdida,
no mundo atual.
Nunca como neste momento, quando é a própria vida que se vai, se falou tanto
em civilização e cultura. E há um estranho paralelismo entre esse esborroamento
generalizado da vida que esta na base da desmoralização atual e da preocupação com uma
cultura que nunca coincidiu com a vida e que é feita para reger a vida. (ARTAUD, 2006,
p.1)
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O mais urgente não me parece tanto defender uma cultura cuja existência nunca
salvou qualquer ser humano de ter fome e da preocupação de viver melhor, mas extrair,
daquilo que se chama cultura, ideias cuja força viva é idêntica à da fome.(ARTAUD, 2006,
p. 1)
Quais seriam essas “ideias cuja a força viva é identica à da fome”? De onde elas
viriam? Precisamos ir mais fundo e nos perguntar qual seria a fonte de tais ideias. Eduardo
Galeano, escritor, em entrevista a Silvio Tendler no documentario “Utopia e Barbarie” nos diz
que,
Seria este direito de sonhar o que desperta o anseio à vida? Seria ele o gerador das
“ideias cuja a força viva é identica à da fome”? Seguramente o sonho é um dos elementos
mais fortemente presentes nas vidas e obras de Lina Bo Bardi e Antonin Artaud, não o sonho
onirico, perdido nas noites escuras, mas sim o sonho impulsionador, como o raiar do dia, que
com força identica à da fome, os conduziu pelo caminho de seus objetivos de transformação
fazendo-os superar as dificuldades e singrar mares afim de realizar seu pro-jeto de
transformação.
4 Eduardo Galeano, escritor, em entrevista dada a Silvio Tendler para o documentario Utopia e
Barbarie.,2010, Utopia e barbarie é um documentario dirigido por Silvio Tendler , com produção de Ana
Rosa Tendler, montagem de Bernardo Pimenta, assistência de direção , pesquisa e roteiro de Renata Ventura
e trilha sonora de Caiaue Botkay, Cabruêra. Disponivel em : https://youtu.be/cn9li_NePro acesso em
02/06/2019
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Thiago de Mello5
É ela que, até hoje pelo menos, sempre esteve presente nas sociedades humanas,
apresentando-se como o elemento de impulso das invenções, das descobertas, mas,
também, das revoluções. É ela que aponta para a pequena brecha por onde o sucesso pode
surgir, é ela que mantém em pé a crença numa outra vida. Explodindo os quadros
minimizadores da rotina, dos hábitos circulares, é ela que, militando pelo otimismo, levanta
a única hipótese capaz de nos manter vivos: mudar de vida. (TEIXEIRA COELHO, 1981,
p.9)
Esse anseio pela vida, e mais, o trabalho pela transformação do mundo no qual se
vive, por meio de uma "intervenção social de caráter poético e revolucionário e uma
racionalidade", é um elemento que fortemente influencia Lina Bo Bardi ao longo de sua vida
e experiência profissional. Desde sua juventude na Itália, Lina apresenta um desejo e uma
prática pela mudança!
Aqueles que deveriam ter sido anos de sol, de azule alegria, eu passei debaixo da
terra correndo e descendo sob bombas e metralhadoras.
Em Tempo de Guerra um ano corresponde a 50 anos e o julgamento dos homens
é um julgamento de pósteros.
Entre bombas e metralhadoras fiz um ponto da situação: o importante era
sobreviver. Mas como? Senti que o único caminho era o da objetividade e o da
racionalidade, um caminho incrivelmente difícil quando a maioria opta pelo distanciamento
literário e nostálgico. Sentia que o mundo podia ser salvo, mudado para melhor; que esta
era a única tarefa digna de ser vivida. Entrei na resistência com o partido comunista
clandestino, só via o mundo em volta de mim como realidade imediata e não como
exercitação literária abstrata. ( Lina Bo Bardi, no documentário de mesmo nome,
MICHILES, 1993)
5 MELLO, Thiago de, Estatutos do Homem, Martins Fontes, São Paulo 1977
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vida real.
Acima de tudo precisamos viver e acreditar no que nos faz viver e em que
alguma coisa nos faz viver - e aquilo que sai do interior misterioso de nós mesmos não
deve perpetuamente voltar sobre nós mesmos numa preocupação grosseiramente digestiva.
(ARTAUD, 2006, p. 2)
É preciso acreditar num sentido da vida renovado pelo teatro, onde o homem
impavidamente torna-se o senhor daquilo que ainda não é, e o faz nascer. E tudo o que não
nasceu pode vir a nascer, contanto que não nos contentamos em permanecer simples órgãos
de registro. (ARTAUD, 2006, p. 8)
Uma criadora por meio da objetividade e da racionalidade, o outro criador por meio
do drama e da entrega. Essas duas pessoas manifestam desejos de transformação em suas
vidas e no mundo ao redor. Tais desejos de mudança para melhor são comuns a todos, traços
da imaginação utópica e componentes indissociáveis do humano.
É preciso não nos esquecermos da existência destes que são adversários ao pro-jeto
de revolução sensível e poética.
Cada um, à sua maneira, lutou, com as armas que tinha, o combate em nome da vida.
Por meio de sua obra Artaud, construiu importantes fundações sobre as quais muito do que se
pensa sobre teatro na atualidade foi construído, influenciando fortemente grupos teatrais e
estudiosos em todo ocidente e mudando radicalmente a maneira do fazer teatral.
Experimentar Artaud é alçar vôo. Viajar também por entre seu corpo sem
órgãos. Sentir um não sentir dilacerado e desespero que grita por uma ânsia de força. Esse
experimentar é labiríntico. Artaud é um universo de possibilidades. É a revolta, é a poesia,
a arte, a cultura, o ritual. Nos desenhos, no teatro, nos escritos, em sua voz. (FREITAS,
2010, p. 99)
Lina, por meio de suas arquiteturas sensíveis e seu olhar diferenciado sobre a vida e a
sociedade contribuiu, e contribui, para o que conhecemos como arquitetura moderna
brasileira.
E com essa "saudade do futuro" Lina Bardi, juntamente com Edson Elito, projeta de
1984 a 1990 a sede do grupo Teatro Oficina Uzyna Uzona, no bairro do Bixiga em São Paulo.
Um projeto feito com a maturidade de quase cinquenta anos de profissão, no qual a arquiteta
expressa toda sua ousadia e sua capacidade criativa através da reinvenção de um edificio que
introduz os espectadores, de tal maneira no acontecimento teatral que estes se tornam
indissociáveis; os espectadores são convidados a penetrar a cena, e junto aos atores, construí-
la em um ato de crueldade.
Suprimimos o palco e a sala, substituídos por uma espécie de lugar único, sem
divisões nem barreiras de qualquer tipo, e que se tornará o próprio teatro da ação. Será
restabelecida uma comunicação direta entre o espectador e o espetáculo, entre ator e
espectador, pelo fato de o espectador, colocado no meio da ação, estar envolvido e marcado
por ela. Esse envolvimento provém da própria configuração da sala. (ARTAUD, 2006, p.
110)
Assim descreve Artaud como deveria ser uma sala apropriada para a realização do
teatro da crueldade. No mesmo sentido esta é uma descrição que caberia perfeitamente à sede
do grupo de teatro Oficina Uzyna Uzona, proposto por Lina Bo Bardi e Edson Elito. Mais
adiante, em sua descrição do que seria a sala mais apropriada para a realização do teatro da
crueldade, Artaud, continua,
Além disso, no alto, correrão galerias por toda a sala, como em certos quadros de
Primitivos. Essas galerias permitiram aos atores, toda vez que a ação exigir , caminhar de
um ponto a outro da sala, e também que a ação se desenrole em todos os níveis e em todos
os sentidos da perspectiva em altura e profundidade. Um grito emitido num canto podera se
Mais uma vez essas parecem palavras usadas para descrever o teatro Oficina e,
contudo, são palavras de Antonin Artaud acerca do que seria, a seu ver, a melhor forma para
um edifício capaz de suportar um teatro da crueldade.
Reflete o teatro moderno, o teatro total 7 que vem dos anos 20, de Artaud. Um
7 TEATRO TOTAL
Representação que visa usar todos os recursos artísticos disponíveis para produzir um espetácul o que apele a
todos os sentidos e que crie assim a impressão de totalidade e de uma riqueza de significações que subjugue o
público. Todos os recursos técnicos (dos gêneros existentes e vindouros), em particular os recursos modernos
da maquinaria, dos palcos móveis e da tecnologia audiovisual, estão à disposição desse teatro. Os arquitetos
da Bauhaus realizaram seu esboço mais completo: "O teatro total deve ser uma criação artística, um conjunto
organico de feixes de relações entre luz, espaço, superfície, movimento, som e ser humano , com todas as
possibilidades de variações e de combinações desses diversos elementos" (SCHLEMMER, citado
MOHOLY-NAGY, 1925).
1. Realizações e Projetos
O teatro total é mais um ideal estético, um projeto futurista, que um a realização concreta da história do
teatro. Certas formas dramáticas figuram umesboço dele: o teatro grego, os mistérios medievais e as peças
barrocas de grande espetáculo. Mas é sobretudo a partir de WAGNER e de seu "Gesamtkunstwerk" que essa
estética toma corpo na realidade e no imaginário do teatro. Ela atesta o desejo de tratar o teatro em si e não
como subproduto literário. "O que queremos é romper com o teatro considerado como gênero distinto, e
trazer novamente à luz aquela
velha idéia, no fundo jamais realizada, do espetáculo integral . Sem que, é claro, o teatro se confunda em
momento algum com a música, a pantomima ou a dança , nem, sobretudo, com a literatura" (ARTAUD,
1964a : 149).
2. Princípios Fundadores
a. Construir " literalmente e em todos os sentidos " (RIMBAUD)
Livre da compulsão da ação literária, o teatro total explora todas as dimensões das artes cênicas, não limita o
texto a um sentido ex plicitamente posto em cena e, sim, multiplica as in terpretações possíveis e deixa a cada
sistema sua própria iniciativa para prolongar o sentido imediato da fábula.
b. Inserir o gesto original e definitivo - Sendo o ator geralmente considerado material básico, o teatro total
atribui grande importância à gestualidade. Além de seu caráter de hieróglifo, ele insere a relação do homem
com os outros, com seu parceiro, com seu meio (gestus brechtiano). As atitudes" que resultam dessas trocas
gestuais dão a chave de todo o universo dramático: "As palavras não dizem tudo. A verdadeira relaçã o entre
as pessoas é determinada pelos gestos , pelas atitudes, pelo silêncio [...] As palavras se dirigem ao ouvido, à
plástica , ao olho. Desta maneira, a imaginação trabalha sob o impacto de duas impressões, uma visual e o
utra auditiva. E o que distingue o antigo teatro do novo é que, neste último , a plástica e as palavras são
submetidas cada uma a seu próprio ritmo, e se divorciam , mesmo, havendo oportunidade" (MEIERHOLD,
1973, vol. I: 217).
c. Orquestrar o espetáculo para a encenação - Todo teatro total implica uma consciência unificante ou, pelo
menos, organizadora. Da encenação depende a impressão de globalidade ou de fragmentação. Assim, quando
J.-L.BARRAULT encena o Christophe Colomb de CLAUDEL ( 1953): "O ponto mais precioso na
montagem de um a obra teatral consiste portanto em encontrar o meio de elevar suficientemente o nível do
espetáculo (cenários, acessórios, luzes, sons, música) para que este não se contente com seu papel secundário
do 'quadro ' ou mistura das artes, mas consiga humanizar, a tal ponto que faça de certo modo parte da ação e
para trazer sua cota da mesma maneira que o homem; em suma, que ele consiga servir o teatro em sua
totalidade - e naquele instante - o teatro encontre sua unidade" ( World Theatre, 1965:543).
d. Ultrapassar a separação palco-platéia e participar ritualmente - Uma das intenções do teatro total é
reencontrar uma unidade considerada perdida que é a da festa, do rito ou do culto. A exigência de totalidade
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teatro despido, sem palco, praticamente apenas um lugar de ação, uma coisa de
comunidade, assim como uma igreja. (Bardi, Lina Bo. Em entrevista à Haifa Sabbag.
Publicada em AU – Arquitetura e Urbanismo, n. 6, agosto 1986, p. 53 apud LIMA, 2009, p.
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Antonin Artaud e Lina Bo Bardi não se conheceram. Pelo menos não encontramos
ainda nenhuma documentação relativa a isso; contudo o teatro projetado por Lina apresenta
características quase exatas do que vinha a ser o ideal de sala teatral para Artaud. Mesmo se
não tiverem se conhecido Lina e Artaud compartilharam um desejo de liberdade e uma ânsia
por transformação próprias da imaginação utópica.
Lina Bo Bardi também não pode ver o teatro Oficina completamente construído; ela
se vai antes de sua finalização, antes da completa realização de seu projeto, até hoje não
finalizado, por motivos políticos e econômicos. Mais uma vez, em nosso tempo, "os
adversários da plena realização do homem, os poderes constituídos (por natureza
conservadores e, mesmo, reacionários)" impedem a realização da Utopia. Mesmo assim a
escapa ao plano estético: ela se aplica à recepção e à ação exercida sobre o público. Visa fazer com que todos
os indivíduos participem.
e. Reencontrar uma totalidade social - É preciso observar que mesmo o teatro épico de um PISCATOR ou de
um BRECHT reivindica uma participação do público no acontecimento. PISCATOR foi mesmo um dos
primeiros a empregar, com W. GROPIUS, a expressão Total theater, que ele traduz por teatro da totalidade e
não teatro total, reservado para um "conceito dramático-estético , uma idéia, bastante vaga , de libertação do
conjunto das artes figurativas" , (World Theatre, 196 5: 5) . Teatro da totalidade é para ele sinônimo de teatro
épico , "isto é, um teatro de análise quase científica, de objetividade crítica . Não mais se expunham sobre o
palco conflitos pessoais, não se esmiuçavam mais sentimentos, mas se apresentavam , cruamente e sem panos
quentes, processos sociais. Pedia-se ao público que tomasse posição e não mais que usufruísse do espetáculo.
O teatro não mais se contentava em captar fragment os de realidade, ele a queria total. [...] "Teatro da
totalidade" é uma construção "totalmente" concebida pelo jogo teatral, na qual o espectador, centro espacial,
é cercado por um palco total, é " totalmente" confrontado com ela. A simultaneidade dos acontecimentos
históricos, a sincronização da "ação" e da " reação" sociais e políticas podem, neste palco, neste conjunto de
palcos, serem representadas ao mesmo tempo. "Teatro total ", em contrapartida, designa apenas a passagem
constante de um gênero de jogo, de uma forma de expressão a outra, postulando que os dons e a formação do
intérprete permitem realizar a passagem com felicidade. Dentro desta acepção, o teatro total é, por tanto, a
fusão perfeitamente homogênea de todas as artes figurativas (o que lembra irresistivelmente a "obra de arte
total" de Richard WAGNER) [...] o pretenso teatro total, enquanto teatro eclético, não produz quase mais do
que uma totalidade de aparências. Ele se encena para si mesmo. É um teatro formalista" (World Theatre,
1966: 5-7). Em tudo isto que precede, cumpre de fato levar em conta o projeto e as realizações. O tom,
muitas vezes profético e dogmático das diversas definições, lembra-nos que há muitas estéticas do teatro, e,
mais ainda, concepções da totalidade do real a representar. No fundo. o teatro total não é outra coisa senão o
teatro por excelência. In: PAVIS, Patrice, Dicionario de Teatro, Trad. J. Guinsburg e Maria Lucia Pereira do
original de 1996, Ed. Perspectiva, São Paulo 2008
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força do sonhar de Lina Bo Bardi é tão grande que a parte do seu sonho construída permitiu e
permite uma nova forma do fazer teatral.
Foi em "Gracias Señor", espetáculo feito com a direção de José Celso Martinez
Correa, que Lina apresenta, segundo o diretor a capacidade de dar "à poesia um valor de
concreto". José Celso relata também o processo de trabalho e construção que Lina empreende
em busca de um cenário que pudesse representar a crueldade expressa no espetáculo.
Você ter a Lina numa obra ou você ter a Lina numa peça é você ter toda a
equipe, assim, uma coisa tal maoista, toda a equipe mobilizada. Toda aquela massa criando
e trabalhando com ela e ela dá muito mais atenção a todo esse pessoal exatamente do que
as estrelas, do que as vedetes e tal, e ouvia muito e se inspirava muito mais nisso, num é?
Nós fomos fazer por exemplo o cenário de "Gracias, Señor", eu me lembro que a
gente queria fazer uma camisa de força e ela fez uma camisa de força enorme, enorme
enorme enorme... Que era como se fosse uma camisa de força que pudesse amarrar toda a
loucura brasileira, mas como no espetáculo de repente aquela camisa de força, a própria
loucura em plena época da loucura , em pleno setenta e um, lá que o dilema era Loucura ou
luta armada; ela diz: Da minha camisa de força eu faço uma vela! É isso que é bonito nesse
tipo de artista que vai pelo... que começa pela poesia, num é?, pelo conceito e dá à poesia
um valor de concreto, de cimento de madeira, dessas coisas todas, num é? Quer dizer,
acredita na potência física do sonho.
Ela não quer uma caixa preta, fechada isolada, um laboratório não., ela quer uma
coisa escancarada pro mundo, num é?
Nesse sentido, ela que veio da Itália daquele teatro que é coberto de saias pretas
de velha, de rotunda e etc... Ela é a escancaradora disso tudo e ela viu no Brasil essa
possibilidade, num é? (José Celso Martinez Corrêa, “Lina Bo Bardi”, MICHILES,1993)
Lina Bo Bardi escolheu o Brasil como país para viver para que pudesse realizar a
Existiria, assim, alguma possível relação entre o projeto da sede do grupo de teatro
Oficina Uzyna Uzona, de Lina Bo Bardi, e as ideias propostas por Antonin Artaud, no seu
Teatro da Crueldade?
Esta pode parecer uma pergunta descabida uma vez que, à primeira vista, nada têm a
ver teatro e urbanismo, ou arquitetura, a não ser no tocante a cenografia e à construção do
edifício. Entretanto, seria precipitado limitar o teatro àquilo que somente os olhos encontram.
Um espaço, um homem que ocupa este espaço, outro homem que o observa.
Entre ambos, a consciência de uma cumplicidade, que os instantes seguintes poderão até
atenuar, fazer esquecer, talvez acentuar. (PEIXOTO, 1983, p. 9)
À primeira vista esta resposta pode parecer satisfatória, mas precisa-se levar em
consideração todos os elementos compositores do teatro; é preciso que não nos deixemos cair
na generalidade ou nos conter à superficialidade.
Será possível definir teatro? Será certo e verdadeiro tentar precisar seu
significado se, desde a origem do homem, existe enquanto processo, em permanente
transformação, obedecendo a sempre novas exigências e necessidades do homem que,
através dos tempos, na produção social de sua existência, entra em determinadas relações
de produção, necessárias e independentes de sua vontade, que correspondem a determinado
grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais da sociedade? O que pode valer
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para entender a cultura ocidental vale para a oriental? Enfim, existe um teatro ou, em
função da vida econômica política, o teatro hoje é uma coisa, amanhã outra, ontem foi
diferente? é necessário cuidado para não cair na facilidade de definições abstratas de
discutíveis "essências" inexistentes, ou na armadilha de definições idealistas que aceitem
um instante isolado, seja o hoje ou o ontem, como verdades imutáveis. (PEIXOTO, 1983
p.10)
Muitas têm sido as formas de fazer teatro ao longo do tempo, mas uma coisa é certa:
o teatro existe em todas as sociedades desde a aurora da humanidade, assim sendo, a busca de
uma definição de teatro segue, pois este é um conceito mutante, tão complexo em sua
totalidade quanto a sociedade que o produz.
É preciso que o teatro se transforme para que possa continuar a existir e para que
possa tocar àqueles aos quais é dirigido. Diante dessa necessidade, a de tocar e provocar uma
transmutação no ser, é que Artaud cria o seu teatro da crueldade, por meio do qual propõe
uma revolução na forma de ver o mundo.
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estudar essas construções da vida social, por meio desse campo de estudo e de proposição que
Só por meio do conhecimento das muitas dimensões da cidade é que se pode intervir
de forma eficiente no tecido urbano, criando locais que tem a potência necessária para a
manifestação da cultura de seus habitantes. Somente com um estudo profundo e constante
observação pode-se chegar a compreender as necessidades e particularidades de cada cidade e
mais, ser capaz de apontar suas diferentes nuances no territorios.
E é pelo estudo das pessoas e pelo interesse na sua vida social que Lina Bo Bardi
criou obras que transformaram os locais nos quais se inseriram.
Vou lhe dizer, mais do que todos os outros que participaram desse renascimento,
num e, da cultura de nível erudito em salvador final dos anos 50 início dos anos 60, Dona
Lina Foi a que profundamente mais viu a força do aspecto de criatividade popular da
cidade e da região. E ela dizia muito claramente " Não como folclore, não como
documentação de um estilo exótico ou divertido ou curioso mas como verdadeira força
cultural! Caetano Veloso. (Caetano Veloso in “Lina Bo Bardi”, MICHILES, 1993)
Tal como um Iceberg, que na superfície revela apenas uma fração de sua
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verdadeira dimensão, o urbanismo revela, através de suas intervenções, apenas alguns de
seus aspectos. Em sua dimensão desconhecida e inexplorada, delineia-se uma das ciências
mais fascinantes e instigantes de nosso século, que penetra tanto no íntimo de cada
indivíduo como no âmago da estrutura da cidade e da civilização. (GONÇALVES;
SANT'ANNA; CARSTENS; FLEITH, 1990, p. 11)
A utilização de um pensamento advindo do teatro, que pelo que vimos está muito
mais próximo do urbanismo e da arquitetura que se poderia imaginar à primeira vista, levanta
a questão, até que ponto são distintas essas áreas?
No mesmo sentido, Lina apresenta, assim como Artaud, uma grande variedade de
talentos e sua obra sempre aberta, sempre buscando se referenciar na cultura popular a
procura de novas soluções para velhos problemas.
Lina tem passado por um ressurgimento no meio acadêmico nos últimos anos; várias
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são as teses e dissertações sobre ela no momento, algumas tratando de seu trabalho inclusive
no âmbito da arquitetura teatral e cenografia; contudo não foram localizadas pesquisas, tese,
ou artigos que tratassem dos conceitos de Teatro da Crueldade conectando-o ao trabalho de
Lina Bo Bardi.
9. Do caminho a percorrer
Esta será a primeira pesquisa que busca relacionar ao anseio à vida, ao projeto
arquitetônico/urbanístico da sede do grupo teatro Oficina Uzyna Uzona de Lina Bo Bardi e
aos ideais teóricos do teatro da crueldade de Antonin Artaud.
Afim de empreender tal aventura faz-se necessário que alguns elementos sejam
iluminados. É preciso para isso que sejamos capazes de reconstruir as bases do pensamento de
Lina Bo Bardi, no tocante a produção do projeto do teatro Oficina, e de Antonin Artaud,
referente à elaboração do teatro da crueldade, para que tenhamos capacidade de analisar
comparativamente o pensamento de ambos.
- Apresentar suas ideias sobre o teatro da crueldade, corpo sem órgãos, sociedade e
utopia
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- Indicar se e como essas relações se demonstram na sua obra no tocante ao Teatro da
Crueldade
Visando empreender essa aventura temos em mente que muitos são os dados a
coletar e extenso é o material de análise. Tais dados estão sendo coletados das histórias de
vida de Lina e Artaud, dos seus relatos de viagens, das suas cartas, dos seus artigos, das suas
palestras e conferências, de ambos, proferidas e transcritas; tudo publicados em um grade
numero de livros, teses e dissertações, alguns dos quais, apenas poucos, constam em nossa
bibliografia. São também utilizados, como fonte de buscas acerca de suas vidas e obras acervo
audiovisual de livre acesso disponível na internet.
Um espaço longo, estreito, feito uma rua, nos restos carbonizados de um teatro,
mirado por uma parede de galerias construidas de andaimes. Construido para servir às
orgiasticas performances do criador do teatro Zé Celso, que diz que a ideia para o plano
aberto veio quando, em uma viagem de acido e correndo da policia ele se encontrou
encurralado contra uma solida parede.
O Teatro oficina tem desafiantes linhas de visão, assentos duros e não é muito da
forma que os teatros deveriam ser, mas é tudo mais intenso por isso. (the guardian, in:
https://www.theguardian.com/artanddesign/2015/dec/11/the-10-best-theatres-architecture-
epidaurus-radio-city-music-hall acesso em 30/06/2019, acesso em: 30/06)
E no teatro Oficina que Artaud e Lina se encontraram, nada menos do que toda a
crueldade do teatro de Artaud; nada menos do que toda a Poesia da arquitetura de Lina Bo
Bardi, essa é a constituição do teatro Oficina Uzyna Uzona uma obra na qual todos são parte
da cena que ali se passa, todos são atores envoltos pela aventura da arquitetura e, desnudados
de si, sem o julgamento de deus, dos homens ,ou do corpo; sem julgamentos são imersos nas
inebriantes palavras e odores do báquico teatro da crueldade artaudiano, o teatro alquímico
que transmuta todos que dele participam pois este, como dizia o próprio Artaud são
"exorcismos renovados", exorcismos que estrangulam os corpos em nome da crueldade
fazendo com que o ser, despido de si, caminhe; já não fingidor do mundo mas ao contrario,
ator de si mesmo somente entregue à vida como um corpo completo, vivo e presente; um
corpo representante do total holismo antropocêntrico, sem partições, um corpo sem órgãos.
Quando tiverem conseguido um Corpo sem Órgãos, então o terão libertado dos
seus automatismos e devolvido sua verdadeira liberdade. (ARTAUD, 1983, p. 161-162)
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