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Planejamento Participativo

O PLANEJAMENTO COMO FERRAMENTA DE TRANSFORMAÇÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA

Danilo Gandin

Considerações Gerais

1. É fundamental pensar o planejamento como uma ferramenta para dar mais eficiência à ação
humana. É claro que é uma ferramenta de organização, de decisão. Não é, por exemplo, uma
ferramenta para a execução de alguma tarefa material, como a faca o é para cortar batatas.
Mas o princípio é o mesmo: assim como a faca auxilia a tarefa de cortar batatas (sem ela seria
muito mais difícil) o planejamento facilita as decisões e lhes dá consistência e auxilia na
organização da prática.

2. O planejamento é natural ao ser humano; para qualquer ação que produzimos, fazemos o
que é essencial ao planejamento: motivados por algum problema, acompanhado de alguma
esperança de alcançar mudança, propomos um futuro desejável; fazemos uma avaliação da
realidade para ver a distância a que estamos deste futuro e quais são as possibilidades de
alcançá-lo ou dele nos aproximarmos; finalmente propomos ações, atitudes, regras e rotinas
para realizar esta aproximação. Desde que o ser humano se constituiu como tal, isto é, desde
que se reconheceu como ser humano, distinguiu-se dos animais por ter esta capacidade de
produzir o futuro de forma consciente.

3. Contudo, as pessoas, mesmo em seu trabalho, normalmente não planejam no sentido


comum do termo; em vez de assumirem suas próprias decisões e serem sujeitos da
organização de sua prática, seguem o que já está constituído como problema, como idéia,
como análise da realidade e como solução. Embora planejem, dão outro significado a esta
tarefa: ela passa a ser a escolha entre duas ou mais possibilidades que estão constituídas como
válidas pelo senso comum. Um professor, por exemplo, não pensa o que é a educação, como
ela se produz e a partir daí decide o que ele vai fazer; ele está submetido a “passar” uma
disciplina e não pode perguntar-se se isto é bom ou mau, ele apenas tem que fazer; seu
planejamento vai ser uma prática secundária: vai apenas perguntar-se como ele fará para
“passar” o tal conteúdo, como vai fazer com que os alunos prestem atenção, como vai dar
nota… Se planejar significa[3]atacar um problema com um corpo de idéias claras, examinar a
realidade e a prática para ver a distância entre elas e este conjunto de idéias e propor um
conjunto de ações, regras, rotinas e atitudes para mudar a realidade e a prática na direção
daquele conjunto de idéias, temos que afirmar que o professor não planeja e que, talvez, nem
possa nem deva[4]fazê-lo.

Daí decorre que as pessoas, no dia-a-dia:

1. não descobrem com clareza quais são os problemas; em geral, julgam que é problema
aquilo que o senso comum assim estabelece; se os professores, por exemplo, tem, em sua
sala, um aluno inquieto, que não se contenta com estas disciplinas sem significado e com este
“saber” que não faz as pessoas crescerem, dizem que este é o problema;

2. não constroem conjuntos de idéias e de ideais bem claros; adotam elementos teóricos
que estão no dia-a-dia, mas que não têm fundamento real; acreditam, por exemplo, como
muita gente diz, que quem se esforça, consegue; não conseguem compreender coisas tão
simples como a relação entre dinheiro e resultado na escola: se ouvirem que os reprovados
são sempre os pobres e os que vão adiante na escola são os ricos, pensam que quem diz isto é
doido ou subversivo;

3. não conseguem fazer uma avaliação de sua prática pessoal e da do grupo ao qual
pertencem; dizem que encontrar o que vai mal é fazer desanimar as pessoas ou sentem como
culpa o não se alcançar aquilo com o que se sonha;

4. muito menos conseguem propor mudanças na realidade ou na prática; o que se tem que
fazer, julgam, já está determinado e ninguém pode querer fazer diferente; no máximo, poderia
alguma autoridade mandar que se mudasse isto ou aquilo; mas, de qualquer modo, se for
necessária uma mudança real no fazer das pessoas, nem aquilo que a autoridade diz será
levado a sério.

4. Planejar é, sempre, buscar a transformação da realidade. É, sempre, propor ações, atitudes,


regras e rotinas que possam levar à satisfação de necessidades descobertas na realidade (ou
na prática) através da avaliação que é a comparação do que se quer com aquilo que existe.
Mas há o planejamento que muda para manter (para conservar) e o planejamento que muda
para transformar. Se você conserta uma casa, o que você quer é conservar, embora esteja,
realmente, mudando a realidade. Se você a derruba para construir outra, você quer
transformar. Se você pune um aluno que transgrediu alguma regra, você quer conservar, se
você muda as regras, de modo participativo e baseado em necessidades descobertas na
avaliação que compara uma teoria e um querer com a prática, você quer transformar. Se você
introduz novas tecnologias para tornar menos tormentoso o conteúdo tradicional que só serve
para o vestibular, você mudou para manter as condições de quem tem dinheiro seguir em
frente e os pobres nada conseguirem; se você acaba com o conteúdo preestabelecido, com o
vestibular, você muda pra permitir condições mais parecidas para todos. Se você faz um
viaduto na cidade, você muda para privilegiar os automóveis; se você cria grandes espaços
onde os carros não possam ir, você muda para permitir vida mais tranqüila às pessoas.

5. Há níveis diferentes de planejamento porque há diferença nas ações humanas. Se


alguém quer ir ao teatro ou a uma pescaria, deve planejar. Mas este planejamento é diferente
daquele que fosse para ajudar a decidir sobre a construção de uma casa e a organizar o
trabalho para construí-la. Bem diferente de um plano global de escola. Se professores têm que
decidir sobre “como” vão “dar” uma aula, este planejamento é diferente daquele necessário
para um grupo de escola que queira dar uma direção democrática, dialogal ou de justiça social
ao seu trabalho[5].

Os Passos para uma Prática Lúcida

Todo o fazer humano está ligado a ser um conjunto de ações, rotinas, regras e atitudes para
transformar idéias em realidades.

1. Só pensamos a partir de problemas, isto é, a partir de algo que nos causa mal-estar. Algumas
vezes este mal-estar diz respeito a coisas que diretamente nos afetam, tanto pessoas ou
instituições, e outras vezes a coisas que, infligindo sofrimentos a pessoas e a grupos longe de
nós[7], passam a ser da nossa preocupação ou do nosso interesse. Poderíamos, talvez,
caracterizar os primeiros como internos e os outros como externos. Assim, os primeiros seriam
coisas como uma doença pessoal, uma escola com diminuição constante de alunos… Os
segundos seriam situações como a degradação do planeta, a violência, o terrorismo… Por isto,
há sempre uma dose de esperança, de desejo e de amor em qualquer pessoa ou grupo que
inicia um processo de planejamento.
Abrir a mente ao mundo é extremamente importante. Há, inclusive, uma linha de pensamento
muito consistente que diz: a pessoa ou a instituição que se prende a seus problemas
imediatos, geralmente adoece. É preciso considerar, com cuidado, se o fato de as escolas
ficarem “passando” ao aluno um conteúdo sem significado para não especialistas não é uma
verdadeira doença. Também vale a pena considerar se a síndrome da desistência não é doença
que afeta professoras e professores pelo mesmo motivo: enquanto o planeta sofre sérias
possibilidades de deterioração, a escola lhes pede para serem repetidores, para não ousarem…

Pode-se chegar a pensar que escolas e professores não planejam, isto é, não instituem
processos novos, porque não têm problemas. Dizendo melhor: não planejam porque os
problemas para os quais abrem os olhos são insignificantes e têm soluções pré-determinadas.
Tais soluções não funcionam, mas são tentadas sempre por dois motivos: desenvolveu-se todo
um discurso de culpabilização que parece explicar os maus resultados e a escola perdeu a
relação entre prática e resultado, de modo que fica mais importante trabalhar do que
conseguir resultados.

2. Não pode haver idéias transformadas em processos se não houver idéias. É um terrível
engano, mais comum do que parece, a prática de partir do problema para o processo. No caso
da mãe com que abri o texto, um problema (desarmonia mãe/filha) suscitou, sem pensamento
e sem análise da realidade, um processo: briga e xingamento. Existem até correntes de
planejamento que se basearam (não tão grosseiramente, é verdade) nesta relação direta
problema-processo. Nada se consegue, evidentemente, desta maneira; os resultados podem
ser desastrosos, como ainda hoje acontece nas escolas: o menino incomoda muito na sala de
aula (problema) e é posto de castigo ou enviado à direção da escola (processo, solução).
Observe-se que não será suficiente analisar o problema sob vários ângulos; é necessário
chegar a ele com um conjunto de idéias e de crenças sobre o processo educativo, a fim de
descobrir qual é a necessidade ou quais são as necessidades que deve(m) ser satisfeita(s) para
solucionar ou diminuir o problema. Agir com a ligação direta problema/processo seria como se
fôssemos ao médico com a mão doendo e ele nos mandasse cortar a mão para que não doesse
mais.

A organização de idéias é, nas circunstâncias atuais, uma das necessidades mais importantes.
Estamos em crise, isto é, naquele momento de nossa História em que as idéias do senso
comum já não resolvem e as idéias novas ainda não demonstraram sua força.

No caso da escola, estas idéias podem organizar-se no instrumento que se chamou projeto
político-pedagógico.

A. Situação Existente (problemas e desafios da realidade global e institucional)

B. Marco Político (proposta ideal de sociedade e de ser humano que desejamos ajudar a
construir)

C. Marco Pedagógico (princípios, prioridades e características ideais do processo educativo que


se deseja)

3. Ouso dizer que o ponto mais fraco desta cadeia de construção de novos processos
pedagógicos nas escolas é a falta de análise da prática. Não sabemos o que é um diagnóstico e
temos medo de fazê-lo. É imprescindível avaliar a prática, comparando-a com o projeto
pedagógico que se elaborou, e analisar a realidade para descobrir a distância que se está
daquele ideal proposto e para ver que possibilidade e que limites temos para a caminhada na
direção daquele horizonte.

Já estou eu, de novo, a falar em situações mais complexas! Quero acentuar que esta
necessidade de diagnóstico assim entendido é válida para as práticas simples também. Se
alguém quer ver um filme, examina a realidade (sem, muitas vezes, dar-se conta disto) para
ver a que distância está, de que meios dispõe, quais são as dificuldades, se pode ir ao cinema
ou alugar o filme ou esperar quando passe na televisão…

Na escola esse diagnóstico equivale a uma análise de todos os processos em andamento a fim
de verificar até que ponto eles são adequados para realizar as idéias que constaram no projeto
pedagógico. Talvez este seja o nó da questão: se o projeto pedagógico tem a idéia de escola
democrática, de ligação da escola com a realidade (são apenas exemplos), ela precisa analisar
com atenção e rigor até que pontos os processos (ações, atitudes, regras e rotinas) estão
construindo democracia, até que pontos conteúdos escolares brotam da realidade e levam a
compreendê-la. É essencial esta compreensão dos processos existentes para poder descobrir
necessidades de novos processos e de correção dos que podem ser mantidos, mas precisam de
mudanças.

4. Se fosse possível transformar idéias em processos e fazer isto com utilidade sem depender
dos passos anteriores, poderíamos ter uma economia de tempo, de trabalho e, até, de
recursos. Muitos pensam que isto é possível e trabalham séria e duramente, por longos
períodos, sem ter resultados convincentes. Nem sabem por que, tendo eles (pessoas ou
instituições) se esforçado tanto, com tanta boa vontade, se encontram na mesma situação (às
vezes pior) depois de anos e anos. É proverbial o esforço de pais, de educadores, de escolas,
de igrejas… É também evidente o pouco resultado, a repetição de processos ineficazes, a
manutenção da mesma sociedade que criticam.

Os processos, muitas vezes, são predeterminados. Funcionam, por exemplo, na medicina:


quando o diagnóstico, feito a partir de idéias que sustentam uma teoria, estabelece uma
doença ou um mal qualquer, o médico apela para o processo que já foi estabelecido por
estudos anteriores. Isto poderia levar médicos a usarem sanguessugas para tratar certas
doenças. Isto não acontece (coisas similares devem estar acontecendo com médicos menos
atentos ou menos estudiosos) porque estes processos são continuamente submetidos à prova
da eficácia. Se outro mais eficaz é descoberto, ele é logo adotado e o que é fundamental
acontece: um resultado, motivado por um processo engendrado pela análise da realidade
em confronto com uma idéia, tudo isto deslanchado por um problema. Na escola não é tão
simples. (Isto não é sugestão para que se abandone o trabalho sério; ao contrário, é para que
se sigam com mais exatidão os passos necessários). Não é tão simples porque, além da ciência,
as idéias educacionais são sempre permeadas pelas crenças, pela Filosofia, pela arte, pela
ideologia. Há quem queira fugir disto, como o reitor de quem falei antes, mas isto não é
possível

Em educação temos processos preestabelecidos. Eles foram construídos a partir de problemas


velhos, derivados do confronto entre um conjunto de idéias que serviam a humanidades
passadas e uma realidade não mais existente. Não servem mais para os problemas, para as
idéias e para a realidade de hoje, mas se firmaram. Pior: algumas idéias comerciais, como a do
livro didático e a da preparação para o vestibular, superaram a força das idéias educacionais e
pedagógicas e dificultaram significativamente a construção de processos adequados à
realidade, às idéias e aos problemas que são, a cada dia, apresentados por todos. A
inoperância das autoridades (Conselhos de Educação, Ministério, Congresso…) deixou escolas
e professores sufocados num torvelinho de tentativas, frustrações, enganos, desesperanças…

É preciso desenvolver clareza sobre educação. Mas cada vez é mais necessário desenvolver ou
apropriar-se de ferramentas de planejamento adequadas para construir processos,
permitindo, assim, que educadores sejam sujeitos do seu desenvolvimento.

Para isto é necessária persistência para:

· exigir das autoridades a preocupação não apenas com pôr todo mundo na escola, mas
com saber o que fazer com estas multidões de alunos e de alunas;

· ir construindo novos processos, mesmo que em quantidade pequena em relação a todo


o tempo que a escola tem.

Se representarmos a seqüência e a relação entre eles da forma como penso que


ocorrem, teremos o seguinte quadro:

O Planejamento e as Necessidades Humanas

Há vários tipos de planejamento porque há vários tipos de ação humana. Uma coisa é,
por exemplo, ir a um cinema (precisa de um tipo de planejamento), outra é construir mais
participação numa cidade (outro tipo de planejamento) e uma terceira construir uma ética
planetária (outro tipo).

Vale a pena, por isto, verificar alguns tipos de situação humana[13] e analisar a especificidade
do planejamento por ela exigido. Claro que cada exemplo abaixo é uma possibilidade entre
muitíssimas parecidas ou iguais.

A – O Conserto de um Automóvel

Para consertar máquinas, certamente há necessidade de planejamento. Ele consistirá de três


passos:

 compreensão do padrão da máquina, isto é, da estrutura que lhe permite o


funcionamento, ou seja, do seu estado ideal; deste passo em geral não se fala e as
pessoas não se dão conta de que ele existe porque naturalmente ele é preexistente na
mente de quem vai fazer o conserto e não precisa ser enunciado;

 um diagnóstico – é o que mais aparece – buscando descobrir as diferenças existentes


na máquina real em relação ao padrão ideal desta mesma máquina; o conceito central
deste diagnóstico é o de problema e o seu resultado mais forte é a relação de
problemas detectados; faz parte deste diagnóstico, também, a avaliação de
possibilidades e de recursos;

 decisão do que se vai fazer, incluindo aqui as ações diretas de solução do(s)
problema(s) e/ou as orientações (propostas como estratégias) de uso da máquina.

Com mais complexidade por causa do “humano” nele existente, o trabalho do médico usa um
esquema igual a este.

B – A Administração de um Aeroporto (este tipo inclui, também, quase todas as situações de


planejamento de empresas comerciais e similares, como as de serviços mais simples).
Muito parecido com o caso anterior é a administração de alguns serviços públicos, não
necessariamente governamentais, cujo padrão esteja quase totalmente dado. Há idéias de
segurança, bem-estar, bom atendimento, rapidez, etc. que devem ser realizadas. Estas idéias
dão os critérios – pode-se falar aqui de indicadores – para a prática.

As três etapas do planejamento descritas acima permanecem. O que é diferente são os


conteúdos que se acrescentam em relação ao que se realiza no caso anterior.

 Além da compreensão do padrão básico do serviço que é dado pela cultura dos
usuários e pelo costume que se cria, é necessária aqui a complementação deste
padrão, no sentido de buscar mais contentamento para os que usam o serviço,
incluindo ou não maneiras próprias de servir. O levantamento de sugestões junto ao
público é a forma primeira de participação dos usuários na fixação deste padrão.

 O diagnóstico, além de verificar a existência e a extensão de problemas, incluirá o grau


de satisfação das pessoas que trabalham no serviço e dos que usufruem seus
benefícios.

 A decisão sobre o que se vai fazer é mais abrangente em virtude dos acréscimos
anteriores. Além disto, estas decisões insistirão mais em estratégias, visando aos
modos de ser e de se comportar que aumentem a qualidade do serviço, dentro do
padrão estabelecido. Pode contar com mais mudanças, algumas estruturais, que são
geradas pela modificação do padrão referencial estabelecido.

C – A Fábrica de Sapatos

As indústrias e as empresas de serviços mais complexas aumentam os campos de liberdade na


ação e no planejamento, forçando a utilização de modelos, técnicas e instrumentos mais
elaborados e o alargamento dos conceitos embasadores. Há necessidade de posições
estratégicas mais claras e de aumentar a análise da realidade social, chegando,
eventualmente, à idéia mais alargada de missão, que inclua fortemente o bem-estar de
pessoas e até de grupos que, às vezes, não são ligadas diretamente à empresa.

D – O Sonho e a Prática da Escola, do Partido Político, do Sindicato…

Pouco se tem escrito sobre o planejamento de instituições, grupos e movimentos cujo


primeiro fim seja o de gerar riqueza não material, isto é, o de contribuir para a construção do
ser humano e da humanidade. Pensa-se, em geral, que planejá-las quer dizer administrá-las.
Gerenciar recursos parece suficiente: os planos de uma escola ou sindicato devem seguir os
mesmos enfoques dos planos de uma fábrica ou, quando muito, de uma prestadora de
serviços. Embora, enquanto delas se fala, se distinga o público do privado, se façam exigências
maiores quanto à lisura do uso de recursos, quase sempre estas entidades são remetidas, para
efeitos de ferramenta de planejamento, aos mesmos modelos, técnicas e instrumentos que
são oferecidos às empresas cujo primeiro fim é o lucro. Ora, estas ferramentas não
servem para instituições como escolas, partidos políticos, sindicatos,… nem para grupos e
movimentos da sociedade civil, porque estas entidades precisam de uma ferramenta que lhes
permita cumprir melhor sua função de participar da luta de dar estrutura à sociedade.

Mas, até para estas entidades, os pontos básicos do planejamento são os mesmos. De fato,
não há planejamento sem estes três momentos que indiquei nos casos anteriores. O que é
novo é a abrangência social que o Planejamento Participativo dá a estes momentos,
especialmente ao primeiro, o que traz conseqüências para os outros.
As Grandes Linhas de Planejamento e seu Uso

O planejamento, embora inerente ao ser humano para encaminhar as questões do dia-


a-dia, torna-se uma ferramenta com conceitos, modelos, técnicas e instrumentos bem
definidos a partir do começo do século passado, com a revolução comunista que constrói a
União Soviética. No mundo capitalista, o planejamento, para as questões mais complexas,
passa a ser usual, nos governos, depois da segunda guerra mundial. A partir desta adoção
pelos governos, o planejamento passa a ser uma das preocupações de instituições, grupos,
movimentos, organizações não governamentais: podemos dizer que ele se universaliza.

Hoje vivemos a segunda grande onda de planejamento. A primeira entra em crise na


década de 70. A década de 80, embora, na prática, se apresente como uma grande resistência
ao planejamento, contém os mais efetivos anos em termos da compreensão da necessidade,
do estudo, do esclarecimento e da confirmação desta ferramenta.

Como fruto disto, temos agora bem caracterizado o planejamento como ferramenta de
intervir na realidade e, mais do que isto, diversas correntes de planejamento firmadas como
ferramentas próprias para as diversas necessidades dos grupos, das instituições, dos
movimentos, das ONGs e, até, de setores de governo, segundo suas especificidades.

Assim, retomando as diferentes necessidades apontadas acima, seguindo o mesmo


esquema de letras A. B. C. e D. e não fazendo diferenciação para algumas especificidades
muito determinadas que poderão aparecer, teremos o quadro que segue.

A. Para estes casos aperfeiçoou-se o planejamento que se chamou “Solução de Problemas”.

B. Este é o caso típico do “Gerenciamento da Qualidade Total”.

C. Estamos no reino do “Planejamento Estratégico”.

D. Só o “Planejamento Participativo” pode dar conta destes casos.

É claro, também, que, nestas ferramentas, propostas por diferentes escolas de


planejamento, há uma seqüência de menor para maior abrangência. Assim, algumas partes da
prática de uma entidade que está em B. podem ser administradas pela ferramenta A., a
entidade que está em C. poderá utilizar, para alguma de suas áreas, a ferramenta A. ou B. e
assim por diante.

O que é fundamental é que a equipe que coordena qualquer processo de planejamento se dê


conta de que sua primeira grande tarefa é decidir qual ferramenta será usada como
fundamental. Não é possível ser eclético quando se trata de ferramentas: ou você trabalha
com o martelo ou com a pá. Se quiser utilizar as duas ferramentas ao mesmo tempo, pouco
alcançará e ainda correrá o risco de se machucar.

[1] Algumas idéias para propiciar a reflexão.

[2] Professor, escritor e conferencista. Mestre em Educação, especializado em Planejamento


Participativo.
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O Planejamento Participativo, em seu modelo básico, inclui o Marco Situacional com esta
finalidade: a de abrir horizontes, a de compreender os desafios que vêm das grandes questões
que a humanidade enfrenta em cada época. Ver GANDIN, D. A Prática do Planejamento
Participativo. Petrópolis, Editora Vozes, páginas 98-102.

Falar em idéias quando estamos nos referindo a escolas é dizer Projeto Político-Pedagógico.
Diante dos desafios (problemas) sentidos na realidade global, a escola vai propor, num
conjunto de teoria e de ideologia, uma proposta de sociedade e de ser humano e, como
conseqüência, um tipo de educação apropriada a contribuir para a existência daquela
sociedade. Dizer, como fez um reitor de universidade no Rio Grande do Sul, que aquela
instituição teria um projeto pedagógico, mas não um projeto político-pedagógico, é
desconhecer o valor das palavras e é não se dar conta de que todo processo educativo tem,
necessariamente, mesmo que não se a declare, uma finalidade que é sempre política, no
sentido que se destina a contribuir para um tipo de sociedade.

É óbvio que mudanças significativas não ocorrerão por causa da escola. Mas é alarmante que
ela siga mais autoritária que a própria sociedade em que se integra e discutindo (na verdade
repassando) conteúdos muito menos significativos para o todo social do que fazem jornais,
revistas, rádios e televisões.

Texto publicado no blog de DANILO GANDIN

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