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Planejamento Dialógico, Projeto Político-Pedagógico e proposta pedagógica da

escola: desfazendo nós, apontando caminhos


Paulo Roberto Padilha[1]
Planejamento, projeto, proposta. Palavras afins, mas com significados diferentes, ainda
mais se acompanhadas, respectivamente, dos qualificativos “dialógico”, “político-
pedagógico” e “pedagógico”. Há quem sinta mal estar só de ouvir essas palavras, como se
elas fossem sinônimos de burocracia, obrigação enfadonha, atividades distanciadas da
prática etc. Mas é possível, com algum esforço de pesquisa e de reflexão, compreender e
distinguir esses termos.[2] No entanto, se apenas esclarecer termos ou conceitos bastasse
para resolvermos os problemas da nossa realidade ou das nossas escolas, os dicionários
seriam as ferramentas mais importantes do mundo, principalmente nas instituições de
ensino e de aprendizagem, que tantos problemas têm para enfrentar e que sempre são
chamadas a planejar, a projetar e a planificar... visando, justamente, a sua superação. Será
que planejar, projetar e planificar realmente nos ajuda a resolver os problemas da
escola? Quem de nós poderia dar um exemplo? Comece quem quiser.
Se for difícil relatar uma experiência efetiva de planejamento, de projeção e de
planificação na escola, tudo bem. Por mais que estejamos acostumados a ouvir falar desse
assunto, dá para entender a dificuldade de se localizar, eventualmente, uma ação concreta,
da qual tenhamos participado, que tenha a ver com planejamento. De qualquer forma, quem
trabalha numa instituição escolar ou em qualquer outro tipo de organização governamental
ou não-governamental ou empresa — na verdade qualquer profissional de qualquer área —
poderia responder a essa pergunta. Mas queremos facilitar ainda mais.
Pensemos na nossa vida pessoal. Fazemos o convite para que reflitam conosco: será que
uma pessoa, criança, adolescente, adulta ou idosa, homem ou mulher, faz planos, elabora
projetos de vida e planifica as suas ações? Certamente que sim. Vejamos: acordamos de
manhã, geralmente com vontade de dormir mais. O que faremos hoje? Começamos o nosso
dia lá mesmo, no calor do cobertor, no macio da cama, a planejar e a projetar o que faremos,
resgatando na memória o que ficou por fazer, desde ontem. Lá se vão alguns minutos,
sempre, é claro, com o risco de esquecer o próprio processo do planejamento e da projeção,
pois o contexto é tão, mas tão confortável, que se pode acabar pegando novamente no sono,
a menos que algum compromisso muito importante — ou simplesmente a possibilidade de
perder o horário, por exemplo — faça-nos dar um pulo da cama, levantar de súbito e sair
correndo. Estaremos, de qualquer forma, planejando mentalmente o nosso dia: tomando
algumas decisões para a nossa ação e, para tanto, refletindo sobre essa mesma ação futura,
considerando as nossas condições momentâneas — físicas, psicológicas, financeiras — e
analisando rápida e racionalmente (mesmo com sono) o que faremos... e, ao fazê-lo,
preparamos as condições prévias para o nosso momento futuro. Se pararmos para pensar,
mesmo os que não se permitem os cinco minutos a mais no conforto do colchão passam por
esse processo e projetam as suas ações, isto é, antecipam o futuro, ordenam as atividades e
organizam mentalmente, a partir das suas condições concretas, o que virá adiante, o que
faremos em seguida. Dependendo do dia, são tantas as nossas atividades que chegamos
mesmo a planificar as nossas ações: tomamos nota e registramos a ordem dos nossos
compromissos, sistematizando a seqüência dos afazeres do dia, definindo itinerários,
horários, pessoas que não podemos deixar de encontrar, contas que precisamos pagar e,
melhor ainda, valores que temos a receber! Acabamos, sim, planificando as nossas ações, ou
seja, documentando-as, “botando-as” no papel, sistematizando-as.
Com esses exemplos pretendemos mostrar que a atividade de planejar, de projetar e de
planificar são eminentemente humanas e, em certa medida, acontecem quase sempre na
nossa vida. Por isso, não são nem estranhas a nós nem algo necessariamente complicado de
se fazer. E na escola não é diferente, a não ser pelo seu caráter mais formalizado,
organizado, intencional e coletivo, como veremos. O importante, nesse âmbito, é não
simplificarmos demais e acharmos que, mesmo ficando parados, como se estivéssemos no
conforto da nossa cama, o planejamento, o projeto ou a planificação vão acontecer de
qualquer jeito, porque alguém vai acabar fazendo. Por outro lado, é bom que não
entendamos esses processos como se fossem muito complexos ou sofisticados porque, nesse
caso, acabamos nos afastando deles e nos considerando sempre incompetentes para a sua
realização. Diríamos, mesmo, que o melhor seria encarar de frente o desafio — até porque
sempre teremos diante de nós vários problemas para resolver — e, assim, assumirmos a
nossa parcela de responsabilidade nesse processo e, sem complicarmos muito,
“arregaçarmos as mangas” e partirmos para a ação-reflexão-ação. Reflexão e ação sempre
críticas, coletivas, intencionais, organizadas, pensando o futuro e confirmando a nossa
própria humanidade. E, dentro do possível, fazendo-o de bom humor, no sentido da
disposição para a atividade, da abertura para a mudança, para o encontro com outras
pessoas. Até porque, da mesma forma que quem acorda de mau humor e nada faz para
mudar isso — achando que é normal acordar assim [3] — quem mal pensa em planejamento ou
no projeto da escola e já começa a torcer o nariz, a olhar “atravessado” e a apresentar
resistências e mil problemas para a sua realização, está fazendo coro para não mudar, não se
atualizar e conservar as coisas como estão, mesmo que elas não estejam tão boas para a
maioria das pessoas e para si próprio. Por isso é que fazemos este convite inicial para a
seguinte reflexão: o que temos feito para alterar a nossa rotina, a nossa atitude, melhorar
o nosso trabalho, alegrar a nossa vida, ressignificar a nossa escola? Afinal, qual é o nosso
projeto individual e coletivo de vida, de trabalho, de sociedade, de mundo, de futuro?
Pensando agora, mais no/a educador/a, perguntamo-nos: temos o nosso projeto político-
pedagógico individual e coletivo? Individual, porque se não o tivermos sequer há como
pensar coletivamente, porque não veremos sentido na nossa ação. Trata-se de querer,
desejar mais, buscar sempre novas cores, novos horizontes; afinal, o ser humano é o ser da
necessidade e está sempre querendo mais e procurando superar os seus desafios. É assim na
vida e na vida que levamos na escola ou em qualquer outra atividade profissional. Quem
separar artificialmente (ou tecnicamente) uma coisa da outra estará, na nossa visão,
artificializando a sua própria existência, o seu próprio ser-fazer-estar.
Estamos sempre, de certa forma, projetando a nossa ação, isto é, antecipando o nosso
futuro, ordenando as nossas atividades, organizando mentalmente, a partir das nossas
condições concretas, o que virá depois, o que acontecerá no dia que inicia, pensando no
horizonte das nossas possibilidades cotidianas. Pelos exemplos aos quais nos referimos,
observamos que a atividade de planejar nos exige, em primeiro lugar, um local adequado às
atividades sobre as quais estaremos nos debruçando — e não nos deitando. Debruçar
significa, aqui, fazer coletivo, envolvimento, responsabilidade social. Trabalho em conjunto
visando a um fim, em prol de todos.
Lembramos que realizar planos e planejamentos educacionais e escolares significa
exercer uma atividade engajada, intencional, científica, de caráter político e ideológico e
isento de neutralidade. Planejar, em sentido amplo, é um processo que visa a dar respostas
a um problema, através do estabelecimento de fins e meios que apontem para a sua
superação, para atingir objetivos antes previstos, pensando e prevendo necessariamente o
futuro, mas sem desconsiderar as condições do presente e as experiências do passado,
levando-se em conta os contextos e os pressupostos filosófico, cultural, econômico e político
de quem planeja e de com quem se planeja” (Padilha, 2001:63).
O resultado do processo do planejamento será influenciar e provocar transformações nas
instâncias e nos níveis educacionais que, historicamente, têm ditado o como, o porque, o
para que, o quando e o onde planejar. Num sentido mais específico, pensar o planejamento
educacional e, em particular, o planejamento visando ao projeto político-pedagógico da
escola é, essencialmente, exercitar nossa capacidade de tomar decisões coletivamente.
Não há relação pedagógica sem diálogo amoroso e conflitivo, da mesma forma que não há
relação amorosa que resista à falta do diálogo e à ausência do conflito. Como nos ensina
Paulo Freire, o diálogo é “o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o
‘pronunciam’, isto é, o transformam, e, transformando-o, humanizam para a humanização de
todos” (FREIRE, 1982:43).
Mas nos perguntamos agora: o que é, afinal, um projeto político-pedagógico da escola
(PPP)? Se compreendermos bem o seu significado, estaremos caminhando para a
compreensão do significado, também, conforme as distinções que consideramos válidas, de
proposta pedagógica (PP), ou seja, a alma do PPP. Vamos em frente.
O projeto político-pedagógico da escola pode ser inicialmente entendido como um
processo de mudança e de antecipação do futuro, que estabelece princípios,
diretrizes e propostas de ação para melhor organizar, sistematizar e significar as
atividades desenvolvidas pela escola como um todo. Sua dimensão político-pedagógica
caracteriza uma construção ativa e participativa dos diversos segmentos escolares — alunos
e alunas, pais e mães, professores e professoras, funcionários, direção e toda a comunidade
escolar. Ao desenvolvê-lo, as pessoas ressignificam as suas experiências, refletem as suas
práticas, resgatam, reafirmam e atualizam os seus valores na troca com os valores de
outras pessoas, explicitam os seus sonhos e utopias, demonstram os seus saberes, dão
sentido aos seus projetos individuais e coletivos, reafirmam as suas identidades,
estabelecem novas relações de convivência e indicam um horizonte de novos caminhos,
possibilidades e propostas de ação. Decidem o seu futuro. Esse movimento visa à promoção
da transformação necessária e desejada pelo coletivo escolar e comunitário. Nesse sentido,
o projeto político-pedagógico é práxis, ou seja, ação humana transformadora, resultado
de um planejamento dialógico, resistência e alternativa ao projeto de escola e de
sociedade burocráticas, centralizadas e descendentes. Ele é movimento de ação-reflexão-
ação que enfatiza o grau de influência que as decisões tomadas na escola exercem nos
demais níveis educacionais.
Elaborando o projeto político-pedagógico da escola
A idéia básica é resgatar o sentido do fazer político-pedagógico na escola. Cada pessoa e
cada segmento escolar ressignificando as suas práticas, o seu ser-estar-sentir-saber-pensar-
vivenciar-ensinar e (re)aprender na escola e no mundo em que vive refletindo individual e
coletivamente sobre condições concretas em que a instituição escolar, a sua comunidade e a
sociedade se encontram. Nesse encontro todos os sujeitos, ao colaborarem para tal projeto
e, como conseqüência dele, para a definição do currículo da escola em sentido amplo são,
em alguma dimensão, educadores e educandos. Certamente os diferentes segmentos
escolares têm experiências e funções particulares, específicas mesmo, que devem ser
respeitadas. Mas como nos ensina Paulo Freire, todos se educam em comunhão, ensinam ao
aprender e aprendem ao ensinar.
É necessário mais plantar do que implementar e implantar o projeto. Concretamente:
refletir individual, coletiva e participativamente sobre a escola, sobre os seus problemas,
sobre os seus êxitos. Resgatar a alegria, a felicidade no espaço educacional, festejar o
encontro das pessoas e dos grupos, multiplicar os espaços de trocas e de relações
intertransculturais na escola (Padilha, 2003). Conviver nessa instituição e entender o seu
espaço como um jardim, a escola como jardim (Gadotti).
O projeto do qual falamos possui a sua dimensão estética e se caracteriza por ser eco-
político-pedagógico: ética e estética, sustentabilidade e virtualidade — referências e
princípios indispensáveis para a operacionalização, concretização e realização efetiva do
projeto escolar e do currículo da escola, como os entendemos hoje. Nesse processo, cada
sujeito e cada segmento escolar também constrói o seu projeto político-pedagógico e o seu
currículo com base na relação que estabelecem com o projeto e com o currículo coletivo e
institucional. Todos são, nesse sentido, agentes curriculares.
Ao elaborar o projeto político-pedagógico, parte-se da reflexão sobre a prática, da
experiênciaacumulada, instituída, para em seguida fundamentar tal prática. As ações e
relações propostas e executadas são objeto de avaliação processual, permanente, visando à
melhor compreensão e entendimento do significado conceitual e vivencial do que seja um
projeto político-pedagógico. E tudo isso exige, sem dúvida, a formação continuada do/a
professor/a e de todos os segmentos escolares, um processo de formação hoje requerido
pelas escolas e pela comunidade. Mas formação se dá também no momento mesmo em que a
comunidade escolar se encontra e se dedica à leitura do seu mundo, ao resgate de sua
cultura, ao reconhecimento e superação de (algumas) de suas diferenças, e trabalha na
construção do seu projeto. Aprende-se fazendo e, ao se (re)fazer, aprende-se a (re)aprender.
E apreende-se o que se fez. O conjunto dessas (re)aprendizagens, reflexões, relações e
ações, somado ao trabalho pedagógico, administrativo, financeiro e comunitário da escola,
pensado principalmente no projeto como princípios, diretrizes e propostas de ação, nos dá o
que chamamos de currículo intertranscultural (Padilha, 2003).
Por onde começar a construção do projeto político-pedagógico?
É fundamental não transformarmos a experiência educativa em algo puramente técnico,
pois isso seria amesquinhar o caráter humano da formação da pessoa (Paulo Freire, 1997). O
mesmo autor nos fala da importância do incentivo a curiosidade, imaginação, emoção,
intuição do aluno e do professor, sempre associado à necessária rigorosidade da
pesquisa científica. Nesse contexto, consideramos que vários são os caminhos para iniciar,
na escola, a elaboração do seu projeto político-pedagógico. Optamos, neste momento, por
oferecer um indicador que visa à construção ou à reconstrução de uma escola mais bela,
prazerosa e aprendente. (Paulo Freire, 1997)
Quem gosta de freqüentar uma escola suja, feia, depredada, pichada, cheia de muros e de
grades? Que prazer sentimos em adentrar numa escola assim? Sentir-se bem na escola exige
a preocupação constante com a sua estrutura física, com a conservação das suas
dependências e diferentes espaços como o seu jardim, a sua horta, as suas possíveis áreas
livres e esportivas para que alunos, professores e comunidade possam ocupar, freqüentar e
explorar de forma lúdica, alegre, científica, pedagógica. Mas isso não basta. Importância
ainda maior devemos dar à qualidade e à beleza das ações e das relações pessoais,
interpessoais e grupais que lá se estabelecem, nos seus diferentes espaços. Se a escola
não conta com esses espaços, razão maior possui para que se dedique a reivindicá-los, a
lutar politicamente por eles e, por conseguinte, a conquistá-los. Nenhuma conquista ou
mudança fundamental acontece gratuitamente, sem esforços, sem luta e sem conflito. Aí
está a dimensão política do ato educativo. Daí a necessidade do projeto político-pedagógico,
processo no qual registramos tais demandas, criando movimentos favoráveis ao alcance das
mudanças desejadas. Daí, também, cada pessoa resgatar o prazer de participar do processo
de mudança da escola porque, ao fazê-lo, estará mudando a si mesma e construindo também
o seu projeto político-pedagógico individual.
Há vários caminhos para realizar o PPP da escola, mas todos eles passam pelo
reconhecimento da realidade, do contexto no qual estamos e que desejamos melhorar. Os
nossos desejos de mudanças não nascem do aleatório, mas do reconhecimento do que
encontramos diante de nós, às vezes mais evidente, às vezes de maneira menos visível.
Nesse sentido, a “leitura do mundo” é etapa prévia e indispensável para iniciarmos a
(re)construção do PPP. Ler o mundo, conhecer a realidade da escola, da comunidade, e
desenvolver essa atividade de forma alegre, prazerosa, descontraída é a nossa proposta para
realizar, por exemplo, o resgate da cultura popular, que pode se traduzir em atividades
potencializadoras de processos altamente pedagógicos para a escola.
Mas sempre vem a pergunta: como fazer isso? Como nos organizarmos, na escola, para
que possamos conseguir a participação da comunidade e, por conseguinte, de todos os
segmentos escolares? Na perspectiva em que nos encontramos, temos defendido,
reiteradamente, a formação continuada dos diversos segmentos escolares para a
participação. Isso significa o fortalecimento, na escola, da gestão democrática, ampliando
não apenas a consulta à comunidade, mas, sobretudo, o seu envolvimento cotidiano nas
decisões sobre os diversos fazeres escolares, através, por exemplo, do maior envolvimento —
sempre mais prazeroso, dialógico, aprendente e curioso — nas diversas atividades da escola,
através dos seus colegiados (conselhos) escolares, grêmio estudantil e potencialização da
parceria entre escola, comunidade e suas respectivas associações que se aproximam da
escola para, junto a ela, mais e melhor significar o trabalho desenvolvido pela instituição
escolar.
Temos também defendido a efetivação e a ampliação do processo democrático e de
construção do projeto político-pedagógico da escola com base no princípio da lisura nos
processos de definição da gestão e agilização das informações que circulam na
instituição escolar, no âmbito de todas as suas atividades. Nesse sentido, objetivamos
organizar o que é mais caro àquela instituição, ou seja, as suas relações humanas,
democráticas e pedagógicas para, em seguida, construirmos ou reconstruirmos um trabalho
pedagógico verdadeiramente significativo para os alunos e professores, com base na “leitura
do mundo” e na realização do trabalho interdisciplinar pelo tema gerador, visando ao
alcance dos objetivos da educação escolar que se voltam para a formação de cidadãos e de
cidadãs emancipados. Por isso a necessidade de uma proposta pedagógica na escola, que,
ao mesmo tempo em que é a alma do próprio projeto político-pedagógico, se transforma na
ferramenta que operacionaliza as ações propostas no próprio projeto como antecipação do
futuro que é. Nesse sentido, a proposta pedagógica da escola não se separa do projeto
político-pedagógico. Ela nasce no processo da construção daquele e nos ajuda a concretizar
os objetivos gerais, específicos e as metas presentes no projeto.
Podemos, assim, concluir e simplificar esta nossa reflexão: enquanto o projeto político-
pedagógico, que é (re)construído aos poucos e, portanto, processualmente, nos ajuda a
identificar os princípios, as diretrizes e as propostas de ação para mudar e melhorar a nossa
escola, a sua proposta pedagógica, na perspectiva da escola cidadã, vai se constituir na
ferramenta necessária que destaca o fazer didático-pedagógico docente, dá centralidade a
ele e organiza as ações da escola de modo que garanta o processo de ensino e de
aprendizagem dos alunos.
O projeto político-pedagógico, num determinado momento de sua (re)construção,
transforma-se num documento que pode ter uma estrutura básica[4] de acordo com o que
sugerimos anteriormente, no nosso livro Planejamento dialógico (Padilha, 2001:90-93).
Retomamos aqui aquela sugestão, com algumas atualizações, mais no sentido de mostrar
que estamos falando da necessária sistematização de uma experiência — a experiência da
(re)construção do projeto político-pedagógico da escola — mas sempre com o cuidado de
não a transformarmos em uma “camisa-de-força” e de acharmos que conseguiremos
contemplar nesse documento toda a diversidade e a riqueza da experiência da escola nesse
processo. Por outro lado, cabe a cada unidade escolar e a cada instituição educacional que
estiver elaborando o seu PPP fazer as devidas adequações desse documento, levando em
consideração as orientações específicas de cada rede ou sistema de ensino e,
principalmente, respeitando as suas próprias vivências, o seu ritmo, o seu tempo político e
institucional, os elementos facilitadores e dificultadores da sua própria construção (Gadotti
& Romão, 1997).
Enfatizamos que a escrita do PPP é momento privilegiado para que a escola conte e
registre a sua história, não se permitindo desperdiçar tal oportunidade. Seria muito fácil
para um especialista escrever, sozinho, o projeto da/para a escola, o que infelizmente já
aconteceu muito em nosso país. O desafio agora é este: tornar esse processo efetivamente
participativo, democrático, coletivo, envolvente e vivencial, significativo para todos. Para
tanto, pode-se começar a discussão do PPP nas salas de aula com os alunos, nas reuniões
com pais e funcionários, com professores, nos diversos espaços da comunidade,
aproveitando, como já vimos, cada momento da leitura do mundo, cada registro do processo,
todas as experiências acumuladas e o conjunto de informações que contribuem para a
escrita do PPP da escola.
É fundamental eleger uma comissão de relatoria do PPP na escola, que ficaria
responsável pela sistematização final do documento do projeto, mas sempre submetendo a
escrita do texto, em plenárias diferenciadas, à apreciação e avaliação dos representantes da
comunidade escolar. Assim, submetendo o documento com a estrutura do PPP, por exemplo,
ao Conselho de Escola — ou ao Conselho Deliberativo e Consultivo Escolar (o nome varia de
município para município) —, de forma que os representantes dos vários segmentos
escolares possam dar retorno aos seus pares sobre o andamento do processo e, sobretudo,
sobre a consolidação de suas decisões no documento final do projeto, chegamos à plenária
final que vai referendar o PPP, naquele colegiado escolar, com uma versão escrita que
pertence a todos os segmentos e não apenas à equipe relatora. Isso é importante para
garantir a lisura, a transparência e a democratização do processo, conforme analisamos
anteriormente. É fundamental registrar no projeto o sentimento das pessoas, as vivências
durante o processo de construção do projeto, a subjetividade do grupo ou dos grupos, de
cada segmento, o imaginário deles.
Sugerimos no livro Planejamento dialógico: como construir o projeto político-pedagógico
da escola (Padilha, 2001-90-93) uma estrutura básica do PPP. Ela se constitui de
identificação do projeto, histórico da instituição e histórico do processo — sobre
como se deu toda a construção do PPP: um texto explicativo e descritivo sobre como foi o
processo de elaboração do “marco referencial”, a escolha das prioridades, do tema gerador,
o resultado da “leitura do mundo”, como foi encaminhada a definição das prioridades do
PPP e quais são elas, como se deu a escolha do tema gerador. Além desses, a justificativa
do projeto, seus objetivos gerais e específicos, as metas, o desenvolvimento
metodológico do projeto (estratégias), os recursos humanos, materiais e financeiros
necessários para a execução do projeto, o cronograma de desenvolvimento das ações do
PPP, o processo de sua avaliação (no tempo, no espaço, com quem, com quais instrumentos,
com que periodicidade).
Um outro item que consideramos importante, a ser incluído no PPP da escola, refere-se à
Proposta Pedagógica (PP), que é a alma do PPP. A PP, que se refere mais propriamente à
ação didático-pedagógica docente, operacionaliza os objetivos do PPP.
A escola pode ter uma única PP ou, se preferir, cada período (diurno ou noturno ou, até
mesmo, matutino, vespertino e noturno) pode realizar uma PP diferenciada. Se assim for,
todas nascerão do processo de (re)construção do PPP da própria escola. Tal decisão depende
exclusivamente da escola, da sua organização didático-pedagógica e da dinâmica que a
unidade escolar desenvolve em relação a cada um dos cursos que, eventualmente, oferece.
Sugerimos, dessa forma, que a proposta pedagógica contemple e responda às seguintes
questões:
 Como chegaremos ao tema gerador? Para tanto, considerar a definição dos princípios
de convivência (quais serão e como serão trabalhados nas salas de aula, em cada
disciplina, nas atividades interdisciplinares, nos demais espaços escolares).
 Qual será ou quais serão as opções metodológicas no que se refere ao trabalho
disciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar etc.?
 Como os professores estarão organizando os espaços de ensino e de aprendizagem?
 Como associar a gestão democrática às aprendizagens cotidianas dos alunos?
 Como os professores incluirão e contemplarão, nos estudos a serem realizados em
sala de aula, as prioridades definidas no PPP da escola, o resultado da “leitura do
mundo”, o “marco referencial”, as “situações significativas”, o “tema gerador” e, ao
mesmo tempo, os conhecimentos historicamente acumulados? Se possível, elaborar
um cronograma mostrando o que será feito, e quando, dentro das reais possibilidades
do corpo docente.
 Em que espaços e tempos pedagógicos os professores estarão realizando as suas
reuniões pedagógicas?
 Qual será a concepção de planejamento e de avaliação que orientará o trabalho do
corpo docente? Como será definida a avaliação do processo de ensino e de
aprendizagem (critérios, padrões, instrumentos etc.)?
 Qual a nossa visão ou concepção de currículo? O que é conhecimento significativo na
nossa escola, o que é fundamental aprender e que conhecimentos são mais ou menos
importantes para os nossos alunos?
 Quais os demais projetos que serão desenvolvidos pela escola para enriquecer o
processo de ensino e de aprendizagem dos alunos? Quantos projetos teremos? Por
quê? Para quê? Que professores estarão envolvidos em cada um deles? Como serão
avaliados? Com que freqüência?
 Quais as condições básicas necessárias e requeridas para o bom trabalho pedagógico,
o que já temos, o que nos falta, como avaliar dialogicamente o nosso próprio trabalho,
no seu sentido mais ampliado? Nesse sentido: quais recursos humanos, materiais e
financeiros necessitaremos?
 Qual será o cronograma da nossa proposta pedagógica (deve ser coerente e
compatível com o cronograma do PPP)?
O último item do PPP da escola — a conclusão — oferece elementos para a elaboração ou
para a atualização do Regimento Escolar e, por conseguinte, do próprio currículo da
escola na sua dimensão mais ampliada (conjunto dos princípios, diretrizes, ações, relações,
textos e contextos que lá se estabelecem). O regimento disporá sobre todas as decisões dos
segmentos escolares em relação às diferentes atribuições e competências administrativas,
financeiras, pedagógicas e comunitárias relacionadas à escola. Partirá dos princípios de
convivência da escola e disporá, por exemplo, sobre como a unidade escolar compreende a
questão da avaliação institucional, da gestão dos colegiados, da utilização das novas
tecnologias na educação e sobretudo da relação entre professores e alunos e entre escola e
comunidade. Inclui-se também, na conclusão do projeto, tudo aquilo que a comunidade
escolar julgar que foi ou poderá vir a ser uma aprendizagem significativa desse processo,
mas sempre considerando o que é, realmente, resultado do processo. Aqui, também se
registrarão sugestões de encaminhamentos que não foram incluídos nos itens anteriores.
Mais uma vez esclarecemos: estamos diante de sugestões para a elaboração do PPP da PP
da escola. Cada instituição educativa estará contemplando o que julgar mais pertinente e
possível, de acordo com a sua própria experiência. Nesse sentido, pode-se ampliar ou
diminuir a quantidade de informações aqui sugerida. O que vai determinar a qualidade do
projeto não é a maior ou a menor quantidade de informações, mas sim em que medida o
processo foi realmente construído, vivenciado e consolidado pela comunidade. É importante
não burocratizar o processo e realizar o que for exeqüível e possível à escola, respeitando e
fazendo um esforço para responder satisfatoriamente às demandas da comunidade escolar,
em consonância com legislação vigente, que institucionaliza as atividades da escola e dá a
elas o devido respaldo.
Procuramos, neste item final, oferecer indicadores sobre como construir o PPP e a PP da
escola, visando à melhor organização do processo de mudança da escola.
Que caminhos vamos trilhar e escolher para a nossa escola? Que outras perguntas
necessitamos fazer para construir o nosso PPP e a nossa PP? Este é o nosso desafio: pensar
a nossa prática, refletir sobre ela e, num permanente movimento de ação-reflexão-ação, dar
a nossa contribuição, por mais singela que possa parecer, para criarmos a escola cidadã que
queremos para nós e para os nossos alunos. O desafio está posto. Vamos enfrentá-lo juntos?
Vamos fazer e escrever a nossa história?
Então, mãos-à-obra!
BIBLIOGRAFIA
ANTUNES, Ângela. Aceita um conselho? Como organizar os colegiados escolares. São Paulo,
Cortez/IPF, 2002.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 8. ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e
Terra, 1997.
GADOTTI, Moacir & ROMÃO, José E. Autonomia da escola: princípios e propostas. São
Paulo, Cortez/IPF, 1997.
PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento dialógico: como construir o projeto político-
pedagógico da escola. São Paulo, Cortez, 2001.
_____. Projeto político-pedagógico: caminho para uma escola cidadã mais bela, prazerosa e
aprendente. In: Pátio Revista Pedagógica. Ano VII, n. 235. fev./abr. 2003.
_____. Currículo intertranscultural: por uma escola curiosa, prazerosa e aprendente. Tese de
doutorado. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2003. 360p.
PRAIS, Maria de Lourdes Melo. Administração colegiada na escola pública. Campinas:
Papirus, 1990.
[1]
Mestre e doutor em educação pela Faculdade de Educação da USP, Diretor Pedagógico do
Instituto Paulo Freire, Docente e professor licenciado da Universidade Camilo Castelo
Branco (UNICASTELO/SP. Autor do livro Currículo Intertranscultural: novos itinerários para
a educação. São Paulo, Cortez/IPF, 2004.
[2]
Em nosso livro Planejamento dialógico: como construir o projeto político-pedagógico da
escola (2001), faço um esforço inicial nessa direção.
[3]
Será que pessoas que agem assim não estariam deixando de considerar a necessidade de
buscar os porquês do seu mal-estar, mesmo depois de algumas horas de descanso? De
repente, um colchão duro ou mole demais, uma alimentação inadequada, excesso ou falta de
“líquidos” ou outras circunstâncias mais particulares que influenciam mais ou menos para
que tenhamos um repouso de melhor qualidade?
[4]
Agradeço à professora Maria de Lourdes Melo Prais, ex-secretária de educação do
Município de Uberaba-MG, atualmente docente e assessora educacional da equipe do
Instituto Paulo Freire, pelas excelentes contribuições dadas à atualização da estrutura do
PPP.

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