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JOSEPH A.

PAGE

A REVOLUÇÃO
QUE NUNCA
HOUVE V,

*■
Tradução de
ARIANO SUASSUNA


IKCO O O

CDITORKRECORD
Título original norte-ameciano
THE REVOLUTION THAT NEVER WAS

Copyright © 1972 by Joseph A. Page


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A REVOLUÇÃO
QUE NUNCA
HOUVE
\ordeste do Brasil, 1955-1964

A história do Nordeste brasileiro, vasta e superpovoada região situada entre o Rio São
Francisco e o Amazonas, é um microcosmo da política revolucionária da América Latina,
um fascinante caso de estudo para abordagens sobre o subdesenvolvimento em ação e em
conflito. O Nordeste é, de fato, “ subdesenvolvido” , se é que uma palavra tão indulgente
pode descrever uma das mais extensas, pobres e calamitosas terras-áridas do mundo. Uma
terra onde legiões de pobres subsistem com uma alimentação de tal modo parca que a Medi­
cina afirma que de fato não vivem.
Dadas essas condições, era natural que revolucionários e reformistas radicais floresces­
sem na região; que o Governo brasileiro criasse a Sudene para planejar seu desenvolvimen­
to; e que, quando John F. Kennedy viesse a criar a Aliança para o Progresso, o Nordeste
fosse sua primeira prioridade.
O destino que tiveram todos esses esforços é o assunto deste livro: como o facciosismo
ea postura romântica frustraram as revolucionárias Ligas Camponesas, de Francisco Ju-
lião; como os “ revolucionários legalistas” , do tipo de Miguel Arraes, foram desamparados
pela esquerda quando a lei era assumida por eles; como os economistas brasileiros viram
seus planos sonhadores afundarem numa enchente de mal aplicados dólares americanos;
e como a Aliança para o Progresso, castrada por seus planejadores da política de Guerra
Fria, virtualmente entrou em colapso e abriu caminho para a catástrofe.
Enquanto o caos se espalhava pelo Nordeste e por todo o Brasil, o Governo Goulart
fez um último esforço para manter a paz através de uma virada súbita para a esquerda,
anunciando reforma agrária em massa e apoio para as reformas de base. Foi um desastroso
erro de cálculo. Dentro de poucas semanas as Forças Armadas apossavam-se do Governo
e impunham ao Brasil as normas totalitárias de poder que duravam até os dias em que o
livro foi publicado nos Estados Unidos (1971).
A REVOLUÇÃO QUE NUNCA HOUVE é uma erudita e ao mesmo tempo excitante
. colorida avaliação dos acontecimentos que levaram ao Golpe de 1964, um estudo incisivo
da falência da política americana para a América Latina e um retrato do tipo de movimento
revolucionário ainda hoje existente na maior parte do Continente latino-americano. Seu autor,
Joseph A. Page, é Professor Assistente de Direito da Universidade de Georgetown. Viajou
largamente pelo Brasil e escreveu artigos, sobre o Brasil e outros assuntos, para diversas
revistas e jornais, inclusive The Nation, The Atlantic, The Repórter, The New Republic,
The Progressive, Commonweal, The New York Times Magazine, assim como para as pu­
blicações jurídicas das Universidades de Yale, Denver, Califórnia e Georgetown. Possui o
grau A.B. magna cum lande (distinção com louvor) do Harvard College e duas graduações
em Direito pela Harvard Law School. Habitualmente é ele quem prepara o relatório sobre
segurança e saúde no trabalho do Grupo de Estudos Ralph Nader. Ralph Nader que, aliás,
sob o pseudônimo de Roland Snyder, aparece neste livro pois foi personagem, ainda que
indireto e ausente, da breve mas desagradável aventura vivida por Joseph Page numa pri­
são do Recife durante a ditadura militar.
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SUMÁRIO

Introdução 11

PRÓLOGO 15

UM O Elenco 17
dois o Cenário 30

PRIMEIRA PARTE 47

três Francisco Julião e as Ligas Camponesas 49


quatro Miguel Arraes e a Frente Urbana 69
CINCO Celso Furtado, a Sudene e a Usaid 83

SEGUNDA PARTE 97

seis Julião em Alta 99


sete Julião em Baixa 114
OITO A Ascensão de Miguel Arraes 136
NOVE Entram os Americanos 148
dez Os Americanos e os Nacionalistas 161

TERCEIRA PARTE 177

onze Caos no Campo 179


DOZE A Revolução em 40 Horas 202
treze A Conta da Catástrofe 210

9
Q U A R TA PA R TE 227

QUATORZE O Golpe Militar 229


quinze Conseqüências 237
EPÍLOGO: Ou, Finalmente, o que Aconteceu com
o Nordeste do Brasil? 257
INTRODUÇÃO
Apêndice 277

Notas 279
Notas de uma prisão no Recife* 298 Nos prim eiros an o s da década de 60, o público americano to­
índice analítico e onomástico 309 mou conhecimento de que uma parte do Brasil estava à beira de
uma violenta insurreição. Pelo menos assim parecia aos jornalis­
tas e políticos que faziam soar o alarme sobre a situação explosi­
va no vasto e superpovoado Nordeste brasileiro. Visitantes da
região relatavam que milhões de camponeses, vivendo em infini­
ta pobreza, vinham demonstrando evidentes sinais de desconten­
tamento, e que agitadores — políticos, estudantes e os inevitáveis
comunistas — eficazmente atiçavam as chamas. Os americanos,
perturbados pelo êxito da revolução cubana, começaram a ver
o Nordeste do Brasil como um campo de batalha onde a recém-
fundada Aliança para o Progresso poderia ser testada contra o
desafio do castrismo.
O Nordeste tornou-se, então, uma verdadeira arena; mas a
luta que se seguiu foi muito mais complexa do que muita gente
compreendeu na época.
A Aliança para o Progresso achou-se dividida entre seus pú­
blicos e declarados objetivos humanitários e reformistas, e as con­
siderações sobre a segurança dos Estados Unidos, que eram a
oculta razão de ser do programa de ajuda. A segurança prevale­
ceu facilmente sobre os objetivos declarados; o envolvimento ame­
ricano visou primeiro preservar a estrutura básica do status quo
e apenas incidentalmente procurou melhorar as condições na re­
gião por caminhos que não enfraquecessem a ordem estabelecida.
Por sua vez, o Nordeste forneceu o cenário para o choque
entre os defensores de uma revolução imediata e aqueles que cla­
mavam por uma radical redistribuição do poder através de mu­
danças ordeiras, graduais e democráticas. Os admiradores de Fidel

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Castro eram os expoentes da via revolucionária, enquanto os co­ gens para Paris, Cuernavaca e outros lugares, assim como mi­
munistas da via soviética estavam entre aqueles que preconiza­ nha presença em Washington durante os últimos três anos. Na
vam o caminho legal e pacífico para a mudança radical. Os minha opinião, a história que estou para contar realmente acon­
revolucionários eram prejudicados por lideranças ocasionais e er­ teceu.
rantes, e não conseguiram desenvolver uma ampla base de apoio Vários desvios de rota do destino, incluindo-se aí minha breve
entre as massas rurais e urbanas. Os reformadores radicais estada numa prisão do Recife em 1964 (ver os detalhes no Apên­
mostraram-se ao mesmo tempo indecisos e por demais confian­ dice), tornaram singular meu acesso a pessoas que representam
tes. No fim, ambos os grupos foram surpreendidos pelos aconte­ todas as facções em luta no Nordeste brasileiro. Espero ter feito
cimentos no resto do Brasil, e, tanto do ponto de vista mental justiça a elas.
quanto do físico, estavam totalmente despreparados quando che­
gou a hora da verdade. Hoje, o Nordeste é uma terra esquecida Seria impossível para mim agradecer às inumeráveis pessoas que
onde milhões de camponeses continuam vivendo numa pobreza ajudaram na preparação deste livro. A lista seria muito longa e
abissal. Uma vez que não exibem manifestações exteriores de des­ teria que excluir as que me falaram confidencialmente ou que se
contentamento, não mais ameaçam os interesses da segurança dos veriam em dificuldades caso fossem identificadas. Posso apenas,
Estados Unidos; e o programa americano de ajuda que se suce­ de todo coração, deixar aqui bem clara minha gratidão a todas
deu à já defunta Aliança para o Progresso foi reduzido às mo­ elas.
destas dimensões desejáveis. Um regime militar autoritário Não posso calar, porém, minha expressão de particular apre­
suprimiu revolucionários e reformadores radicais; tudo está cal­ ço a Emily Flint, do Atlantic M onthly, que me deu a primeira
mo — mortalmente tranqüilo, poder-se-ia dizer. oportunidade de escrever sobre a América Latina; ao Instituto
O Nordeste do Brasil merece ser resgatado da poeira da His­ de Estudos Políticos, por seu apoio à minha odisséia de 1967 pe­
tória. Seu breve instante de lampejo na atenção mundial consti­ lo Nordeste; ao meu inigualável editor, Dick Grossman; e ao meu
tui uma atraente possibilidade de estudo das várias abordagens revisor, Tom Stewart.
do problema do subdesenvolvimento em ação e em conflito: op­
ções políticas versus opções militares; mudança versus reaciona­ J oseph A . P age
rismo. Além disso, a luta no Nordeste esclarece consideravelmente Washington, D.C.
o papel, nesse problema, dos fatores culturais e sociais, assim co­ 7 de julho de 1971
mo das personalidades individuais. Por isso, é necessário manter
atenção sobre a mistura especial do fermento que convuisionou
a região.

Ao escrever, tentei, quanto possível, manter o rigor e as normas


de trabalho que se exigem para um livro como este. Entretanto,
existem alguns fatores que julguei necessário incluir, se bem que,
por motivos óbvios, não pudessem ser explicitados em notas de
pé de página. Comprovei escrupulosamente esses fatos através
de conversações repetidas com os participantes dos acontecimentos
que descreví e de testemunhos de primeira mão, aproveitando ao
máximo as seis visitas que fiz ao Nordeste em 1963 e 1971, via-

12 13
PRÓLOGO
UM

O Elenco

U m a h o r a an tes do nascer do sol, Pedro Mota subiu num ôni­


bus estacionado em uma rua lateral, a vários quarteirões de dis­
tância da zona portuária do Recife, juntando-se a diversos
organizadores, membros e simpatizantes do movimento das Li­
gas Camponesas do Nordeste do Brasil©Muitos deles tinham
dormido durante a noite no chão poeirento de um salão próxi­
mo, que servia de quartel-general das Ligas Camponesas na ci­
dade. Agora, apenas despertos, eles se encaminhavam para o
Norte, em direção a Mamanguape, a cerca de oito horas de dis­
tância.
O ônibus tinha visto melhores dias. Era um exemplar típico
da sucata que é encontrada nos mais remotos confins da terra,
constituindo a sacolejante espinha dorsal dos sobrecarregados e
subdesenvolvidos sistemas de transporte. Pedro Mota tentou dor­
mir, mas os assentos eram muito próximos uns dos outros, e as
estradas demasiadamente cheias de lombas e buracos. Pela jane­
la aberta, ele observava os pequenos sítios de bananeiras, coquei­
ros e mangueiras, densos trechos de matagal não cultivados e os
campos familiares de cana-de-açúcar. Colinas suavemente ondu­
ladas tornavam amena a paisagem, ao contrário de tudo quanto

17
queno palanque de madeira, colocado diante de uma loja dando
ele tinha visto no Chile, Bolívia, Peru, Equador e Venezuela, paí­ para a praça. Uma cobertura provisória de folhas de palmeira
ses que havia visitado em maio de 1962, numa tentativa de forjar e de ramos de árvores fornecia sombra para as pessoas impor­
um elo entre as Ligas Camponesas e outros movimentos revolu­ tantes que se comprimiam no palanque. Pedaços de pano colori­
cionários na América Latina. O cenário lembrava mais, talvez, dos flutuavam ao vento em linhas estèndidas que cruzavam a praça
Cuba, que ele tinha visitado no verão de 1961.2 aberta.
Pouco depois, o ônibus cruzou a fronteira com a Paraíba. Uns poucos tinham vindo a cavalo e permaneciam monta­
A parte oriental do estado, que então atravessavam, era, essen­ dos, observando, de um trecho de terra coberto de grama, o mo­
cialmente, o domínio privado de duas famílias. Era, também, a vimento nas vizinhanças. Um deles, um negro enrugado, curvou-se
região que produzia os mais gostosos abacaxis de todo o Brasil. para a frente, sobre a manta dobrada que lhe servia de sela, es­
Várias horas depois, o grupo chegou à pequena cidade de Ma- preitando tudo por baixo das abas largas de seu chapéu. Os cam­
manguape, local de um comício que iria celebrar a fundação de poneses tinham suportado pacientemente, durante três horas, os
um sindicato de trabalhadores rurais. raios de um sol escaldante, enquanto os políticos locais, os líde­
A perspectiva de dirigir-se a um grande audiência de cam­ res trabalhistas e, agora, um estudante tentavam incitá-los.
poneses estimulava Pedro Mota. Ele sabia o que estava errado Até ali, a multidão tinha reagido apenas a uma oradora, uma
no Brasil e nunca hesitava em dizê-lo: dar fim ao sistema apo­ mulher vestida de preto. Elisabete Teixeira era a viúva de João
drecido sob o qual o proprietário rural explora o camponês, o Pedro Teixeira, rendeiro, britador e organizador dos trabalha­
industrial explora o operário e o imperialista explora todo mundo. dores rurais.4 Os proprietários de terra no leste da Paraíba ha­
Pedro Mota tinha sido expulso, recentemente, do Partido Co­ viam resistido fortemente a todos os esforços para implantar entre
munista Brasileiro porque, de acordo com o Partido, engajara- seus trabalhadores a noção de que eles tinham alguns direitos le­
se em “ atividades aventurosas e divisionistas, incompatíveis com gais. Sua repressão tinha gerado a contraviolência por parte dos
o senso de responsabilidade e disciplina que deve inspirar os ver- camponeses, e esta escalada alcançou seu clímax quando um pro­
dadeiros revolucionários” :3 atividades tais como falar aos cam­ prietário e político local contratou dois policiais da zona rural

Í
poneses sem a permissão do Partido e trabalhar com os estudantes
que ajudavam camponeses armados a invadir e ocupar os enge­
nhos de açúcar.
para emboscar João Pedro. Uma tarde, quando ele ia voltando
para casa, para Elisabete e seus 11 filhos, eles o mataram a tiros.
Elisabete, uma mulher miudinha, de olhos penetrantes e voz fir­
Agora ele mal podia esperar. Quando chegou a sua vez, deu me, fez o voto de continuar o trabalho do marido e pouco depois
um passo à frente, agarrou o microfone com a mão esquerda tornou-se presidente da Liga Camponesa local. Três meses mais
e gesticulou colericamente ao denunciar os “ imperialistas nor­ tarde, outro tiro, disparado de emboscada, feriu na testa Pedro
te-americanos” que estavam “ sugando o sangue vital do Brasil” . Paulo, seu filho de 13 anos, levando-o a hospitalizar-se e
Gotas de suor pingavam irregularmente pelos lados de sua fa­ marcando-o, permanentemente, com uma cicatriz. Ao mesmo
ce lisa e simpática, enquanto ele jogava a cabeça para a fren­ tempo, Elisabete vivia recebendo ameaças à sua própria vida. Ela
te e para trás e balançava-a de um lado para o outro. As pa­ asseverava que o proprietário responsável por toda essa violên­
lavras brotavam-lhe facilmente, sem hesitação, refletindo seu cia estava agora oferecendo uma substancial recompensa à pes­
aprendizado político como líder estudantil na Faculdade de Di­ soa que lhe trouxesse a língua dela. Sua filha mais velha, Marluce,
reito. de 18 anos, ficou tão perturbada com tudo isso que se matou com
Cerca de 600 camponeses que constituíam a audiência escu­ uma dose letal de veneno. Destemida, Elisabete visitou Havana,
tavam atentamente. Atraídos por estouros de fogos de artifício, onde deixou um de seus filhos na escola. Na reunião de Maman-
eles se haviam reunido, no começo da tarde, na frente de um pe-
19
18
Eles estariam exatamente aqui, lutando do lado dos camponeses.
Jesus Cristo, um rebelde que lutou contra o imperador romano,
guape, conclamara o povo a seguir o exemplo da revolução cu­
e que disse aos ricos para serem humildes, também estaria aqui
bana e todos lhe haviam respondido com gritos excitados, levan­
conosco.
tando os braços para significar concordância.
Pedro Mota não estava obtendo a mesma resposta. Foi tal­ O efeito nos camponeses foi eletrizante, com freqüentes ex­
plosões de aplausos.
vez uma felicidade para ele que os dissonantes acordes de uma
pequena banda de metais interrompessem seu discurso. Uma pro­ — Vocês devem permanecer unidos, ombro a ombro com
cissão aproximou-se, vinda de uma rua lateral. Padres, freiras, seus irmãos. Sozinhos, vocês são uma gota d’água. Unidos, vo­
crianças bem arrumadas e pessoas da cidade cuidadosamente ves­ cês são uma cachoeira. Havendo união, vocês podem se tornar
tidas encheram um canto da praça. No meio, um grupo de ho­ uma Liga Camponesa, coesa como um punho fechado. A Liga
mens carregava, suspensas no ar, as imagens policromadas de São é o povo marchando, o proprietário fugindo, seus capangas de­
Pedro e São Paulo. Poucos dos intrusos puderam resistir a uma sarmados. É o nascimento da verdadeira justiça, o alvorecer da
espiadela ansiosa à multidão em frente ao palanque. verdadeira liberdade. E a primeira tarefa da Liga será a reforma
A contrademonstração distraiu os camponeses, que se vol­ agrária, que destroçará os grandes latifundiários pelas raízes.
taram para olhar, impassivelmente. Quando o último dos acom­ A audiência esqueceu os outros no palanque. Ali só havia
panhantes da procissão desapareceu numa esquina, a atenção da Julião, uma esbelta e pálida figura, irradiando uma presença mís­
audiência retornou ao palanque. Pedro Mota tinha saído. O tica. Os camponeses pareciam ver somente a ele e ouvir apenas
mestre-de-cerimônias, um negro de voz suave e pele de ébano, suas palavras, pois ele falava nos seus próprios termos, de sua
apresentou o principal orador da tarde. Uma girândola de fogos própria angústia. Ele os prendia com sua maneira distinta e uma
fez eco aos aplausos e um cavalo sem cavaleiro avizinhou-se pe­ linguagem simples que seus ouvintes entendiam totalmente.
rigosamente de um pequeno grupo de crianças. — É o sistema vigente o responsável pela fome, a doença,
Os últimos a entrar no ônibus do Recife tinham estranhado a prostituição e o analfabetismo que vemos ao nosso redor. O
que Francisco Julião não estivesse ali. Somente quando Maman- que devemos fazer é criar um sistema novo que proporcione es­
guape estava a uma hora de distância foi que uma pilha de co­ colas, hospitais e empregos para todo mundo. Não importa co­
bertas se mexeu e o presidente honorário das Ligas Camponesas mo chamemos este sistema de governo. O importante é que ele
sentou-se na cadeira de frente, onde estava cochilando. beneficiará cada brasileiro, e não os proprietários rurais, os in­
Por toda a longa tarde, ele tinha permanecido no palanque, dustriais e as companhias americanas.
passeando seu olhar preocupado da multidão para os campos de “ Hoje, no Brasil, há 80 milhões de pessoas, mas apenas 15
cana-de-açúcar à distância e depois para o tablado sob seus pés. milhões de eleitores. A Câmara dos Deputados é composta de 250
Sua camisa estava desabotoada no colarinho, que caía frouxa­ proprietários rurais, 80 banqueiros, 50 industriais e somente 20
mente sobre o decote de uma suéter marrom de mangas compri­ ou 25 homens que lutam pelo camponês. Como podem vocês es­
das. A protuberante estrutura óssea acima de seus olhos e sua perar que tais pessoas aprovem uma lei de reforma agrária? Eu
testa inclinada para trás emprestavam uma aparência caracterís­ lhes confesso que não acredito mais em eleições.
tica a seu perfil. A forma triangular de sua cabeça e a saliência Com a palma afilada de sua mão direita, ele riscou um ágil
de seus ossos malares sugeriam um traço de ancestralidade indí­ traçado de gestos no ar quente e pesado, apunhalando-o ocasio­
gena. Julião apossou-se do microfone manual e começou a falar nalmente com um dedo para pontear uma frase.
de modo claro, deliberado, enfático. — Diante disso, que o povo pobre do Brasil se reúna, a fim
— Se São Pedro e São Paulo estivessem vivos hoje, não dei­ de conquistar de volta seu próprio país. Que haja terra sem pro-
xariam que os carregassem por aí sobre os ombros de ninguém.
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20
prietários, fábricas sem industriais e bancos sem banqueiros. Ela fornecia as condições necessárias para chocar qualquer pes­
“ Há aqueles que dizem que querem trazer mudanças, mas soa com uma centelha de consciência e levá-la à ação.
insistem que isso deve ser conseguido sem violência. Mas nós não Havia, por exemplo, o problema habitacional. As estimati­
estamos vivendo, agora mesmo, no seio da violência? Uma criança vas mostravam que o número de moradores das áreas pobres, no
em cada duas nascidas no Nordeste do Brasil não sobrevive ao Recife, era de mais de 60 por cento dos seus habitantes, calcula­
primeiro ano. A fome e a doença estão em toda parte. Isto não dos aproximadamente em um milhão. Colônias de casebres, cha­
é violência? Os proprietários torturam e matam os camponeses mados mocambos, agrupavam-se na lama ao longo das margens
e queimam seus casebres. Isto não conta como violência? Eu pro­ dos rios, para serem arrastados por uma ocasional inundação du­
meto a vocês que, de uma forma ou de outra, nós vamos ter uma rante as chuvas, sempre renascendo, entretanto, quando as águas
revolução. baixavam. Um constante fluxo de camponeses da zona do açú­
Seguiu-se uma ovação, e uma multidão de congratulantes ro­ car e do interior alimentava essas fétidas pústulas urbanas. Um
deou Julião. Sua esposa Alexina, uma loura de olhar duro, com caso típico era o Coque, aninhado entre os dedos de terra que
calças jeans e botas de couro — principal mensageira entre as Li­ acenavam para as águas pardas do rio Capibaribe. Diminutos ca­
gas e Fidel Castro —, ficou de pé silenciosamente a seu lado. Os sebres de madeira, com teto de telhas ou cobertos com papelão,
camponeses, com as palavras de Ju’<ão ressoando em seus ouvi­ abrigavam uma comunidade que crescera até ultrapassar 20.000
dos, retornaram para suas casas no ampo. pessoas. Pequenos botes e jangadas constituíam, no Coque, o mo­
do mais conveniente para alguém entrar e sair, desviando-se das
O Recife é a capital do estado de Pernambuco, a maior e mais privadas colocadas sobre estacas que mergulhavam descuidada­
importante cidade do Nordeste do Brasil, um viveiro de radica­ mente na água. A estrada para o aeroporto municipal passava
lismo, a Calcutá do Hemisfério Ocidenta,: — a “ Veneza Brasi­ pelo Coque, mas uma fila de construções caiadas poupava essa
leira” , como alguns imaginosos incent vadores gostam de visão aos visitantes.
chamá-la. Ou, como no trocadilho de algumas línguas mordazes As pessoas que habitavam os mocambos ao longo dos rios
locais, “ Resífilis, Cidade Venérea” . eram as dramati personae, os personagens daquilo que o nutri­
No alvorecer dos anos 60, um sopro de excitação e prenún- cionista Josué de Castro havia chamado o “ Ciclo do Carangue­
cios atravessou a mortalha tropical da cidade. O poder político jo” . Elas se alimentavam de caranguejos, que, por sua vez, se
parecia estar se deslocando, de modo lento mas perceptível, de alimentavam de excrementos humanos na lama do rio. “ E com
um círculo de famílias ricas para um movimento populista de am­ esta carne feita de lama, elas [as pessoas] fazem a carne de seus
plas bases. Liberais e progressistas de todos os matizes, desde de­ corpos e a carne dos corpos de seus filhos. São 100.000 indiví­
votos católicos até membros do Partido comunista, estavam se duos, 100.000 cidadãos feitos de carne de caranguejo. O que seus
* unindo num esforço maciço. Sua meta era democratizar o gover­ corpos expelem retorna à lama, para se tornar de novo carne de
caranguejo.” 6
no da cidade e do estado, utilizar o poder político para fazer jus­
tiça econômica e social às massas pobres urbanas e rurais, Brasília Teimosa exemplifica como apareceram essas comu­
mudando, assim, as estruturas da sociedade que eles sentiam te­ nidades paupérrimas. Fugitivos da grande seca de 1958 começa­
rem condenado o Nordeste ao atraso e à extrema pobreza. ram a ocupar um aterro que se projetava dentro do porto do
O Recife forneceu mais do que um simples cenário para o Recife, construído para abrigar tanques de petróleo. A polícia vi­
novo movimento. Merecendo, na verdade, sua reputação de ca­ nha e derrubava os casebres. Quando a polícia saía, os proprie­
pital do subdesenvolvimento na América Latina, a cidade por­ tários voltavam para reconstruí-los. Finalmente as autoridades
tuária servia como um constante lembrete da magnitude da tarefa. desistiram e um aglomerado de casas miseráveis espalhou-se ali

22 23
como uma chaga. Era inteiramente apropriado que tal aglome­ Muitos deles têm os corpos cruelmente deformados, como se féi-
rado tomasse o nome de Brasília Teimosa, um tribüto à tenaci­ tos por algum louco praticante das artes plásticas. As formas po­
dade dos seus habitantes. deríam sugerir toda sorte de imagens a alguém cuja sensibilidade
Somando-sé aos mocambos ao longo do rio e da praia, as não estivesse embotada pelo contato freqüente com tais quadros
comunidades pobres cobriam os morros nos arredores da cida­ — a alguém que procurasse escapar dessas visões sub-humanas.
de. Um dos maiores problemas ali era que, na estação das chu­ Desse modo, poder-se-ia encontrar nas ruas o Ponto de Interro­
vas, o solo cedia causando deslizamentos que arrastavam os gação, com sua espinha curvada, e o Número Quatro, sentado
casebres ladeira abaixo. A qualidade dos locais de moradia piora na ponte, com uma perna torcida sobre a outra. Havia a Rã, uma
(e a cor da pele dos habitantes escurece) na medida em que se mulher cujo tronco era dobrado contra as coxas mantendo-a perto
deixa a rua principal e se sobe ao topo de uma dessas íngremes do chão enquanto saltava de um lugar para outro. E a Serpente,
colinas. É uma ironia que os mais pobres dos pobres tenham a um homem sem nariz e de membros retorcidos, coleando, de um
melhor vista da luxuriante paisagem verde que se espalha lá em­ lado a outro, pelas calçadas. O pior de todos era o Amontoado,
baixo, entremeada de telhados vermelhos e dos brancos arra­ uma bola de carne com barbatanas, empoleirado como Humpty-
nha-céus da cidade, com o azul do mar mais além. (Um fenômeno Dumpty numa cadeira de rodas, um lado da cabeça afundado,
semelhante ocorre no Rio de Janeiro, onde as classes mais baixas grunhindo aos passantes. Nas manhãs de domingo, numa igreja
constroem suas “ favelas” nas montanhas espetaculares que ro­ perto do centro da cidade, vários mendigos faziam regularmente
deiam a cidade, enquanto os ricos e a classe média vivem na bei­ sua própria coleta, tremendo e sacudindo o corpo num grotesco
ra da praia. É instrutivo notar que os desenvolvimentistas já contraponto à melodia do órgão.
começaram a remover as favelas e tanger seus habitantes para no­ Esta foi a miséria que gerou a nova coalizão populista, a qual,
vas comunidades em terra nua, a muitos quilômetros do centro por seu turno, alimentou a esperança de crescente número de
da cidade.) “ marginais” que estavam se tornando politicamente conscientes.
O desemprego e o subcmprego afetavam a maioria daqueles O movimento emergente tinha sua causa: o opressivo subdesen­
que moravam nos mocambos. Era comum referirem-se a eles co­ volvimento do Recife, do estado de Pernanbuco e de todo o Bra­
mo “ marginais” . Por outro lado, a pobreza urbana contribuía sil; e também tinha o seu líder: Miguel Arraes, um homem de
para gerar dois tipos distintos de trabalho, pelos quais a cidade esquerda, nacionalista e defensor declarado de uma mudança ra­
se tornou bem conhecida. dical por meios legais. Arraes, um político cauteloso e hábil, ti­
O Recife é um dos grandes centros de prostituição do mun­ nha sido eleito recentemente prefeito do Recife. Agora ele estava
do. Em julho de 1961, um monge francês, que conduziu extensa procurando eleger-se governador do estado. Os políticos popu­
pesquisa sobre o assunto no Brasil, estimou que havia 30.000 pros- listas estavam se movimentando, e uma genuína revolução demo­
, \ titutas em Recife.7 Destas, ele calculou que 20 por cento traba- crática parecia ao alcance de suas mãos.
lhavam em tempo integral, enquanto as restantes tinham empregos
regulares em bares ou restaurantes, ou mesmo trabalhavam co­ Havia também, trabalhando no Recife, alguns “ revolucionários
mo empregadas domésticas em casas particulares. O engodo de legais” apolíticos, tais como Celso Furtado, um economista que
empregos, que se revelavam inexistentes, arrastava muitas delas lutava para modernizar a economia do Nordeste do Brasil e que
para a cidade. tinha declarado guerra ao subdesenvolvimento da região. Sua ar­
O outro tipo de “ emprego” pelo qual o Recife se tornou fa­ ma era um órgão especial, do governo, a Superintendência para
moso é a prática de pedir esmolas. O centro da cidade é infesta­ o Desenvolvimento do Nordeste.
do de pedintes, que agarram e puxam os presumíveis doadores. A Sudene, como a Superintendência era comumente conhe-

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cida, era um órgão federal diretamente subordinado ao presidente te para caminhar imediatamente na direção do progresso e do de­
do Brasil. Estava encarregada da tarefa monumental de plane­ senvolvimento. Havia algo quase hipnótico nos seus cinzentos
jar, coordenar e implementar o desenvolvimento ec onômico de olhos de aço e no tom suave que ele usava para transmitir a ur­
todo o Nordeste do Brasil. Como criador e'primeiro diretor da gência do que estava tentando fazer pelo Nordeste.
Sudene, Celso Furtado assumiu a responsabilidade de descobrir A despeito desses formidáveis créditos, Celso Furtado cedo
soluções para os problemas mais prementes e persistentes do Brasil descobriu que tinha que desenvolver e utilizar um agudo senso
— o atraso e a extrema pobreza do imenso Nordeste, densamen­ político a fim de sobreviver. A Sudene tinha autoridade para dis­
te populoso. tribuir grande parte do dinheiro alocado para o Nordeste pelo
Celso Furtado parecia mais do que preparado para o desa­ governo federal. Entretanto, no exercício dessa autoridade, Cel­
fio. Suas qualificações para o trabalho incluíam realizações no so Furtado tinha que andar na corda bamba, balançada pelos ca­
âmbito universitário, versatilidade intelectual e magnetismo pes­ prichos da política nacional, pela ascensão meteórica de Miguel
soal, além da vantagem primordial de ser um nativo da região. Arraes e pela agitação de Julião e suas Ligas Camponesas no in­
Economista de reputação internacional, ele tinha obtido um terior. Ao mesmo tempo, os mais violentos de seus inimigos da
doutorado pela Sorbonne de Paris em 1949 e havia trabalhado, direita continuavam a insistir que ele era um agente do Partido
por uma década, em problemas de subdesenvolvimento, primei­ Comunista, enquanto um pequeno grupo de industriais e proprie­
ro como membro da Comissão Econômica das Nações Unidas tários rurais do Nordeste altamente inteligentes se dispusera, desde
para a América Latina e depois como diretor do Banco Nacional o começo, a solapar, de maneira calma, firme e insidiosa, as fun­
de Desenvolvimento do Brasil.8 Seu livro, O Crescimento Eco­ dações da sua incipiente superintendência.
nômico do Brasil, era, desde muito, um texto padrão em diver­ O posto de comando da Sudene no Recife era no edifício Jus-
sos países. celino Kubitschek, um exemplar típico dos altos prédios de ci­
Ao mesmo tempo, ele possuía um toque de homem da Re­ mento e vidro que tinham chegado a simbolizar o progresso no
nascença. Quando jovem, quase se tornara um concertista de pia­ Brasil. Seus andares superiores tinham sido destinados original­
no. Também tinha experimentado uma carreira literária, mente a um hotel, mas a falta de verbas havia adiado indefinida­
ascendendo, por seu esforço, de repórter a editor-chefe de uma mente a sua conclusão. A Sudene, então à procura de alojamento,
popular revista do Rio de Janeiro, para a qual contribuira com simplesmente ocupou-o, negociando, depois, o aluguel.
ensaios que iam desde Mahatma Gandhi até os filmes de cowboy Do seu escritório no último andar, Celso Furtado podia com-
americanos. Também escrevera um livro de histórias curtas inti­ templar uma tranqüila extensão do Atlântico Sul ou, olhando para
tulado De Nápoles a Paris: Contos da Vida Expedicionária, ba­ o interior, os canaviais dos arredores da cidade. Ele teve pouco
seado em suas experiências na Segunda Guerra Mundial, como tempo para gozar a vista.
tenente do Exército Brasileiro na Itália, o qual recebeu notas fa­ y
voráveis da crítica. Enquanto isto, em Washington, John F. Kennedy tinha começa-\
&
Além dos seus dotes intelectuais, Celso Furtado possuía ca­ do a ouvir falar do Nordeste do Brasil. Ele havia destacado a Amé­
risma em abundância. Mostrou-se notavelmente apto a impres­ rica Latina como uma área de especial interesse desde os
sionar as pessoas. O jornalista canadense Gerald Clark, por primeiríssimos dias de sua administração e tinha lançado a Aliança
exemplo, chamou-o certa vez, “ o homem mais excitante e inspi­ para o Progresso como um “ vasto esforço da cooperação, sem
rador que já encontrei” .9 Jovem, simpático, frio e competente, paralelo em magnitude e nobreza de propósito, para satisfazer
Celso Furtado atraía uma geração mais nova, cansada do slogan as necessidades básicas de casa, trabalho e terra, saúde e escolas
muitas vezes repetido: “ O Brasil é o país do futuro” e impacien­ do povo [latino] americano...”’10Ele fez rapidamente do Nordes-

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te o alvo de máxima prioridade para a Aliança. Como afirmou das outras, escuros casebres de barro, crianças de pernas finas
em 15 de julho de 1961, “ nenhuma área tem maior e mais urgen­ e ventres inchados, e praticamente nenhuma pessoa idosa... Num
te necessidade de atenção do que o vasto Nordeste do Brasil” .11 casebre, um bebê, deitado desamparadamente nos braços da mãe,
O interesse do presidente Kennedy era resultado direto da estava morrendo de sarampo” .12 4
enorme influência do jornal The New York Times. Em 31 de ou­ Ao mesmo tempo, um filme documentário da ABÇ-TV —
tubro de 1960j os leitores do Times ficaram espantados ao des­ A Terra Conturbada — emprestou um impacto ainda maior aos
cobrir que “ o surgimento de uma situação revolucionária é cada relatórios que o presidente Kennedy estava recebendo. Numa cena
vez mais nítido por toda a vastidão do Nordeste brasileiro, gol­ memorável, um proprietário rural brandia uma pistola para a ob­
peado pela pobreza e afligido pela seca” . A advertência tinha soa­ jetiva e jurava que mataria qualquer dos seus trabalhadores que
do num artigo de primeira página pelo ativo correspondente tentasse se organizar.
latino-americano/Tàd Szulc í Para traduzir a ansiedade em ação, o presidente Kennedy ins­
Depois de um sinistro esboço dos horrores atribuídos ao sub­ talou no Recife uma missão da Agência dos Estados Unidos pa­
desenvolvimento econômico e social da região, Szulc descreveu ra o Desenvolvimento Internacional, a fim de coordenar os
como os extremistas da esquerda estavam se aproveitando da si­ esforços da Aliança para o Progresso por toda a região. O enten­
tuação para causar agitação e desordem nas cidades e no campo: dimento que rapidamente se cristalizou nos meios oficiais de Was­
“ O premier de Cuba, Fidel Castro, e Mao Tsé-Tung, presidente hington era de que, enquanto a negligência e os erros americanos
do Partido Comunista da China, estão sendo apresentados co­ no passado podiam ter ajudado a causar a revolução cubana, o
mo heróis que devem ser imitados pelos camponeses, trabalha­ Nordeste do Brasil era a segunda rodada do circuito — na verda­
dores e estudantes do Nordeste.” Ele sublinhava o valor estra­ de um desafio mais crítico, pois estavam em jogo o Brasil inteiro
tégico da região para os Estados Unidos. “ O Recife é a base de e o resto da América do Sul.
i Nos dois anos seguintes, o Nordeste do Brasil tornou-se uma
suporte para a cadeia meridional de estações de rastreamento de
mísseis teleguiados da Força Aérea dos Estados Unidos espalha­ - ? parada obrigatória nas viagens de todo mundo à América do Sul.
da no Atlântico Sul.” Seu enfoque principal destacou-se de uma ^ Políticos e funcionários do governo, universitários, jornalistas e
citação atribuída a um “ alto funcionário municipal” , o qual ad- T ^ escritores, distintos visitantes procedentes de vários países
vertiu que “ o Nordeste se tornará comunista e terá uma situação seguiam-se uns aos outros, entrando e saindo do Recife, a fim
dez vezes pior do que Cuba se alguma coisa não for feita” . Um de dar uma olhada em primeira mão nas agitações revolucioná­
segundo artigo, intitulado “ Marxistas estão organizando os cam­ rias. A lista incluía: o diretor do Corpo da Paz, Sargent Shriver;
poneses no Brasil” , apareceu numa página interna, no dia spgui George McGovern, diretor do Programa de Alimentos para a Paz;
te, focalizando as Ligas Camponesas de Julião. 3 1 I Á 0 £ Edward M. Kennedy, um procurador-assistente de Massachusetts
O tom sensacionalista da reportagem de Szulc tocou nervos interessado em assuntos estrangeiros; Yuri Gagarin; dr. Henry
sensibilizados pela revolução cubana. Nos dias finais da campa­ Kissinger; Adiai Stevenson; John Dos Passos; e um jovem escri­
nha presidencial, quando os artigos foram publicados, Kennedy tor independente do Christian Science Monitor chamado Ralph
anotou-os cuidadosamente. Logo depois de sua posse, seu je - Nader.
cém-designado assistente especial, Arthur M. Schlesinger Junior, , Os nordestinos podiam verdadeiramente sentir que o mun­
Tiz u m a viagem à América Latina em busca de fatos e retornou J 1g do inteiro os estava observando. Se o mundo entendia ou não
do Nordeste com mais histórias de horror. DurâlHe súaT5Teve és- o > o que via, essa era outra questão.
tada no Recife, Schlesinger tinha visitado o campo com Celso FurO^^o
tado e ficara abalado à vista de “ vilas desoladas, umas depois

28 29

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ao longo da costa, nunca penetra mais de 112 quilômetros no in­

Í terior. O solo é de barro escuro, rico e úmido, nutrindo original­


mente a floresta tropical e agora destinado ao cultivo de cana.
As cidades costeiras, inchadas nos anos recentes como resultado
das migrações do interior, incluem o Recife —\ a “ capital” do
DOIS Nordeste Fortaleza, Natal e João Pessoa. Aproximadamente
' metade dos habitantes da região está concentrada na zona do açú­
car e nas cidades costeiras. O agreste, montanhoso e subtropical,
O Cenário produz alimento para as cidades da costa e para as do interior.
A parte mais afastada do interior engloba três quartos da super­
fície do Nordeste e abriga cerca de 29 por cento dos habitantes
da região. Este é o árido sertão, coberto de garranchos e de árvo­
res espinhentas e mirradas que os índios chamavam de caatinga
— a mata branca. As secas ocorrem ali na média de uma por 7,3
anos. Alcançando, às vezes, proporções desastrosas, elas deram
aos sertanejos a alcunha dejlagelados*, pois expulsam muitos de­
les dos seus lares. Entretanto, a população sertaneja permanece
surpreendentemente densa.
Se o N ordeste do B rasil fosse um país independente, seria a se­ . As estimativas para a renda per capita do Nordeste variam
gunda nação mais populosa e a terceira em tamanho da América dgfuSS 50 a USÜT140 por ano, /Esses números são falhos para
do Sul.1 Somente o resto do Brasil abrangería mais gente. Em traduzir as enormes disparidades na distribuição da renda entre
1955, a população nordestina era, aproximadamente, de 20 milhões os setores da população. Cerca de 2,5 por cento das pessoas no
de pessoas. Agora está passando de 30 milhões. Embora as fron­ Nordeste recebem 40 por cento da renda total da região. A pro­
teiras do Nordeste variem ligeiramente, dependendo do órgão do priedade e a distribuição da terra são balanceadas de modo se­
governo, ou do autor sobre o qual nos apoiemos, somente a Ar­ melhante. Um levantamento feito em 1963, no estado de Pernam­
gentina e o resto do Brasil teriam maior número de quilômetros buco, revelou que 690.000 famílias do meio rural estavam viven­
quadrados do que mesmo a menor configuração da região. do numa terra adequada para a manutenção de somente 110.000
O Nordeste ocupa a borda mais oriental do continente. A famílias.2 O índice de analfabetismo é alto. Nas áreas rurais, po­
oeste, as florestas tropicais do vale do Amazonas se estendem por de exceder os 80 por cento. Os dados contam apenas uma parte
centenas de quilômetros. O Rio de Janeiro fica numa linha 1.861 da história. Um voluntário do Corpo da Paz disse ao autor, em
quilômetros ao sul e ligeiramente a oeste. Assim, de uma pers­ 1969, que alguns camponeses com os quais estava trabalhando
pectiva geográfica, o Nordeste não está, estritamente, na corren­ não se apercebiam da conexão de causa entre a relação sexual e
te principal da vida sul-americana (ou mesmo da brasileira), um a reprodução.
fato que os proponentes da “ teoria do dominó” tendem a consi­ A expectativa de vida é baixa: 35 anos para 80 por cento da
derar superficialmente. população. A mortalidade infantil durante o primeiro ano de vi­
A região contém quatro partes perfeitamente distintas: a zona da foi estimada em 60 por cento. No campo e nos bairros pobres
do açúcar, as cidades costeiras, o sertão e uma área de transição das cidades, aqueles que sofrem de apenas uma espécie de para­
conhecida como o agreste. A zona açucareira, uma faixa úmida sita intestinal são uma pequena e afortunada minoria.3

30 31
Um levantamento feito em 1957 pela Organização para Ali­
mentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) concluiu que Era essa, portanto, a violência incessante e silenciosa à qual
o consumo médio diário de alimento no Nordeste era do mon­ Julião, Arraes e Celso Furtado estavam reagindo nos começos
tante de apenas 1.990 calorias, consideravelmente abaixo das mí­ da década de 1960. Eram esses os abismos de degradação dos quais
nimas recomendadas, 2.500.4 Uma amostragem no setor sul da os pobres, arrastando-se, tentavam sair. É importante ter em men­
zona do açúcar em Pernambuco revelou a existência de campo­ te que se essas condições geravam fermento no Nordeste, tam­
neses consumindo somente 1.299 calorias diárias.5 O que torna bém impunham certas limitações àqueles que buscavam
isto digno de nota é que, de acordo com as leis da ciência médi­ mudanças. Camponeses cobertos de doenças e morrendo de fo­
ca, uma pessoa, sem fazer absolutamente nada durante vinte e me não são os melhores soldados de um exército de libertação
quatro horas, necessita, supostamente, de 1.440 a 1.512 calorias nacional.
para manter seu metabolismo básico. O entendimento das condições do Nordeste durante este pe­
Dados comparativos, compilados por uma força-tarefa do ríodo requer algum conhecimento de como elas se desenvolveram.
governo dos Estados Unidos em 1963,6 mostraram o resultado Diante disso, façamos uma breve pausa para examinar seu pano
dessa subalimentação crônica. O peso e a altura das meninas e de fundo histórico.8
meninos do Nordeste, entre as idades de cinco e dezoito anos, Os portugueses primeiro vieram para o Nordeste nos anos
eram 10 por cento mais baixos do que os padrões de peso e altu­ iniciais do século XVI. Eles estabeleceram uns poucos postos de
ra das crianças americanas do mesmo grupo etário. Homens e comércio ao longo da costa para negociar com os índios. Em 1534,
mulheres acima de 45 anos de idade mostram um declínio cons­ a Coroa portuguesa deu a Duarte Coelho a chamada “ capitania”
tante no peso. Nos Estados Unidos, ocorre o oposto. de Pernambuco — uma data de terra que se estendia por 400 qui­
Mas coisa ainda pior pode-se dizer sobre a fome no Nor­ lômetros ao longo da costa e que, no interior, ia, teoricamente,
deste brasileiro. Um grupo de nutricionistas da Universidade até a linha traçada pelo papa como parte do famoso Tratado de
Federal de Pernambuco advertiu que a subnutrição das crian­ Tordesilhas (dividindo o Novo Mundo entre a Espanha e Portu­
ças no seu primeiro ano de vida podia produzir debilidade men­ gal). No regime da capitania, o donatário gozava virtualmente
tal.7 Um estudo das crianças na zona açucareira revelou que so­ de poderes soberanos, que incluíam os direitos de fundar vilas,
mente 4,4 por cento eram amamentadas pelas mães depois de distribuir terras e cobrar impostos. Em troca, a Coroa podia ar­
ultrapassarem a idade de seis meses. A razão mais comum era recadar as taxas de exportação.
que a mãe não tinha leite para amamentar. Outras causas in­ Duarte Coelho chegou a Pernambuco em 1535. Ele se im­
cluíam doença por parte da mãe ou da criança, ou uma nova pôs a tarefa de fundar uma colônia cujo propósito era plantar
gravidez. Uma vez privadas do leite materno, essas crianças pas­ cana-de-açúcar. Os portugueses tinham aprendido a cultivar ca­
savam a uma dieta seriamente deficiente em vitaminas e proteí­ na na Ilha da Madeira e haviam descoberto que a planta prospe­
nas. Entre os legados da subnutrição na infância estão: a fadiga, rava no clima e no solo do Nordeste. Para ajudar na produção
o nervosismo, um limitado alcance da atenção e um inadequado de açúcar, Duarte Coelho importou técnicos, muitos dos quais
desenvolvimento muscular. O professor que dirigiu o estudo de­ eram judeus, os chamados cristãos-novos (na realidade converti­
nunciou que a falta de nutrição adequada durante esses primei­ dos à força), que estavam começando a sentir a quentura da In­
ros anos está produzindo, no Nordeste, uma legião de seres quisição e buscavam refúgio no Novo Mundo.
humanos mentalmente retardados. Nas palavras de um jovem pro­ Embora os índios opusessem alguma resistência, Duarte Coe­
fessor universitário do Recife, “ a pobreza aqui paralisa tanto a lho foi capaz de estabelecer duas vilas e cinco engenhos nos pri­
mente quanto o corpo”
meiros 15 anos da capitania. O trabalho era um problema. Os
índios capturados se revelaram totalmente inadequados para as
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rigorosas exigências de trabalho num engenho de açúcar. Logo
Foi durante esse período que o sistema de engenho se desen­
ficou claro que a única solução estava no mercado escravo afri­
volveu como uma instituição que iria ter efeitos profundos sobre
cano. Em 1559, 120 negros do Congo foram embarcados para
a vida no Nordeste.9 Os engenhos eram virtualmente empresas
Pernambuco — o ponto de partida daquilo que iria se tornar um
auto-suficientes. Os proprietários, chamados senhores de enge­
florescente comércio de escravos entre o Brasil e a África.
nho, tinham controle absoluto sobre suas propriedades. Eles man­
Os negros preenchiam perfeitamente as necessidades. Vinham
tinham, no engenho, uma relação paternalista altamente perso­
de uma sociedade agrária, na qual o trabalho escravo não era des­
nalizada com os escravos, trabalhadores assalariados, rendeiros
conhecido. Eram fortes e saudáveis, qualidades necessárias para
e fazendeiros independentes (muitas vezes parentes). O senhor
a sobrevivência nos engenhos. Ao longo dos anos, fundaram sua
de engenho proporcionava segurança física àqueles que viviam
própria República dos Palmares, que durou até 1697.
na sua terra. Sua influência muitas vezes se estendia além dos li­
Os engenhos começaram a se multiplicar e a prosperar, e
mites do engenho. Se as autoridades locais prendiam um de seus
seu sucesso atraiu a atenção do exterior. Os franceses fizeram
homens, não era raro que ele entrasse na cidade à frente de uma
várias tentativas de invasão no Norte do Brasil, mas não con­
seguiram assegurar uma base duradoura. Os holandeses foram força armada, para libertá-lo da cadeia.
Os escravos que trabalhavam na mansão do engenho ou em
mais persistentes. Em 1624, eles capturaram a cidade da Bahia,
seu redor muitas vezes gozavam da vantagem de serem tratados
ao sul de Pernambuco, e a conservaram em seu poder por qua­
como membros da família do proprietário. Os filhos dos proprie­
se um ano. Em 1630, tomaram Olinda, uma das duas vilas ori­
tários eram amamentados por mulheres negras, cresciam com os
ginalmente fundadas por Duarte Coelho quando chegou, e o vi­
jovens pretos e eram iniciados nos mistérios do sexo por preco­
zinho porto do Recife. Os holandeses não fizeram qualquer es­
ces mocinhas negras. Por outro lado, os rendeiros (principalmente
forço para mudar a vida econômica e social de Pernambuco,
ex-escravos e mulatos) tinham vida particularmente insegura. O
e sua ocupação não deixou qualquer legado quando, em 1654,
senhor de engenho podia expulsá-los de seus lotes de terra a qual­
uma longa luta com portugueses nativos, índios, negros e pes­
quer tempo e sem nenhuma razão, e muitas vezes impunha seus
soas de sangue mestiço culminou com sua expulsão do país. Mas
desejos sexuais a suas esposas e filhas.
enquanto estiveram no Nordeste, os holandeses haviam aprendi­
O catolicismo exercia uma influência substancial sobre a vi­
do tudo acerca da tecnologia da produção de açúcar e logo cria­
da do engenho. Muitos proprietários construíam suas próprias
ram uma indústria própria nas remanescentes colônias do Novo
capelas e contratavam padres para atender às necessidades espi­
Mundo. Isto marcou o começo do declínio da indústria do açú­
rituais dos habitantes. Isto incluía a educação religiosa, que ser­
car no Nordeste, uma queda da qual a região está ainda por se
recuperar. via para reforçar o sistema do engenho. Os camponeses eram
imbuídos de senso de fatalidade acerca das lidas da sua vida ter­
Pernambuco e as outras capitanias do Nordeste se fixaram rena, juntamente com um forte respeito pela autoridade. Seu ca­
durante um século e meio de relativa estabilidade. Embora os co­ tolicismo tendia a ser primitivo, entremeado de superstição e das
lonizadores, entrando mais para o interior, começassem a plan­
crenças pagãs que os negros tinham trazido da África para o Brasil
tar algodão e a criar gado, a prosperidade ainda dependia do preço
e às quais nunca haviam realmente renunciado.
do açúcar. A competição das índias Ocidentais causou dificul­ Inevitavelmente, o sistema político que evoluiu dessa estru­
dades econômicas, que se atenuaram na última parte do século tura neofeudal estava destinado a preservá-lo. Certos senhores
XVIII, quando uma série de revoltas desmantelou a produção das de engenho da zona açucareira e grandes proprietários de todo
índias e a guerra na Europa aumentou a demanda pelo açúcar
brasileiro. o resto do Nordeste assumiram o papel de chefes políticos dos
seus arredores imediatos. Tornaram-se conhecidos como coronéis.
i _ \
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sos de capital, levaram à construção de grandes indústrias de açú­
Seu domínio permaneceu incontestado em muitos lugares até a car, chamadas usinas, por toda a zona açucareira. Estradas de
década de 1950.10 ferro ligavam as usinas aos portos. Os proprietários de engenho
O século XIX foi marcado por uma grande turbulência po­ mais ricos participaram dessa expansão, o mesmo fazendo inves­
lítica no Brasil. Em 1807, a família real portuguesa, fugindo de tidores de fora da região. As usinas tornaram não-econômico re­
Napoleão, veio a estabelecer um governo em exílio, no Brasil. finar o açúcar nos engenhos, onde juntas de bois forneciam a
Quinze anos depois, quando a corte retornou para Lisboa, os bra­ energia para as máquinas, e como resultado disso os senhores de
sileiros declararam sua independência de Portugal e estabelece­ engenho tiveram de limitar suas operações ao plantio de cana,
ram uma monarquia própria sob um imperador, dom Pedro, filho tornando-se meros fornecedores. As usinas começaram a com­
do rei português. Em 1889, a monarquia foi derrubada e o Brasil prar muitos dos engenhos e a cultivar sua própria cana. Os go­
se tornou uma república. vernos dos Estados, cujas fronteiras correspondiam, grosso modo,
Nesse meio tempo, uma longa campanha contra a escrava­ às das antigas capitanias, apoiaram esta mudança drástica, tor­
tura tinha conseguido a abolição, em 1888. Embora os nordesti­ nando fácil para os donos das indústrias (chamados usineiros) con­
nos tivessem desempenhado papéis proeminentes na campanha, trair empréstimos em dinheiro. A longo prazo, isso resultou numa
esse acontecimento tivera pequeno efeito real sobre os negros que concentração do poder político e econômico do Nordeste. Um
trabalhavam nos engenhos de açúcar da região. A maior parte número relativamente pequeno de grupos familiares que possuíam
deles permaneceu tão dependente de seus patrões quanto antes. usinas sobreviveu aos altos e baixos da primeira metade do sécu­
Esse tempo assistiu também à evolução de um novo relaciona­ lo XX.
mento entre o proprietário de terra e o rendeiro, popularmente Os usineiros logo desenvolveram uma tradição de não rein­
conhecido como1cambão\ A palavra se refere literalmente à can­ vestir nenhuma parte dos seus lucros nas operações do açúcar.
ga com que se atrelam dois bois, e passou a descrever um arranjo Em vez disso, preferiram entregar-se a um verdadeiro consumis-
de contrato pelo qual o rendeiro, em vez de pagar a renda em mo — viagens ao exterior, apartamentos caríssimos na cidade etc.
dinheiro ou em colheitas, tinha de trabalhar vários dias por se­ — e investir em outras empresas, algumas das quais nem eram
mana, e sem pagamento, para o proprietário. Uma aplicação es­ localizadas no Nordeste. Demonstrando uma notável falta de ini­
trita do cambão efetivamente sujeitava os rendeiros aos ditames ciativa para os negócios, recusaram-se a modernizar suas usinas
dos proprietários de engenho. Para os pretos recém-emancipados, locais.
esta era uma continuação, não muito sutil, do seu anterior esta­ Nas décadas de 1950 e 1960, a indústria do açúcar no Nor­
do de servidão. deste estava começando a mostrar os resultados das atitudes dos
Ainda assim, uma mudança significativa chegou ao Nordes­ usineiros. A maquinaria estava velha e depreciada. O plantio e
te durante esse período. Enquanto a indústria do açúcar conti­ a colheita da cana eram muito pouco mecanizados. Permitia-se
nuou a declinar por causa da competição de Cuba, um novo que fossem deixadas sem cultivo terras que poderíam ter sido uti­
produto, o café, tomou seu lugar como o mais importante artigo lizadas para outras culturas destinadas à subsistência ou à ven­
de exportação, e o local do poder econômico, no país, deslocou-se da. Somente 34 por cento, da área destinada à cultura da cana
permanentemente do Nordeste para as regiões de cultura de café eram tratadas com fertilizantes; destas, 36 por cento eram locali­
do Sul. zadas em encostas com inclinação de 20 graus ou mais, e por isso
Além disso, o desenvolvimento tecnológico ocorrido no fim tinham que ser tratadas pelo trabalho braçal." De acordo com
do século XIX e começo do século XX trouxe consigo uma pro­ uma história popular, um certo proprietário de engenho conti­
funda transformação na estrutura da indústria do açúcar no Nor­ nuou a cultivar as encostas de uma colina perto de sua casa pelo
deste. Novos métodos de produção, exigindo extensos desembol­
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36
prazer estético de poder contemplar de sua cama, pela janela, uma alimentos em elevação. O preço dos alimentos nos armazéns dos
cortina verde de cana.
engenhos era, geralmente, 30 a 50 por cento mais alto do que nas
Enquanto isso, uma emergente indústria de açúcar no Sul cidades, e os proprietários dos armazéns exploravam seus fregue­
do Brasil começou a suplantar os produtores nordestinos. Os su­ ses como coisa natural. Nos períodos de entressafra, os donos
listas logo estavam cultivando e refinando açúcar a custo mais adiantavam crédito ao camponês. A usina, então, pagava o salá­
baixo que seus competidores no Nordeste. Entre 1946 e 1961, rio do camponês diretamente ao dono do armazém, que deduzia
quando a demanda generalizada de açúcar estava em grande ex­ o que alegava lhe ser devido e devolvia o restante ao camponês.
pansão, o Nordeste dobrou sua produção de açúcar. No mesmo Este, usualmente analfabeto, não tinha meios de conferir a con­
período, os sulistas apresentaram uma produção dez vezes maior. ta com o dono do armazém, que podia reter quase tudo sem que
Em 1960, a produção por hectare, no Sul, alcançou 60,7 tonela­ nada lhe acontecesse. Uma variante não muito incomum era a
das de açúcar, em comparação com 40,1 toneladas no Nordes­ usina pagar seus trabalhadores com vales permutáveis por alimen­
te. Num mercado livre, os usineiros do Nordeste teriam saído do tos no armazém da usina ou do engenho. O resultado líquido deste
negócio.
sistema de distribuição era que o camponês terminava pagando
Os produtores nordestinos de açúcar, diante disso, usaram cerca de um terço do seu magro salário pelo privilégio de gastar
todos os recursos políticos à sua disposição para forçar o gover­ os outros dois terços. Não é de admirar que ele se voltasse para
no federal a ajudá-los. Toda vez que surgiam tempos duros, eles o consolo da cachaça, uma bebida alcoólica forte, feita de ca-
insistiam que era dever do governo tirá-los do aperto com em­
na-de-açúcar.
préstimos bancários e subsídios imediatos. Além disso, eles tira­ Havia várias categorias de trabalhadores na zona do açúcar.
vam vantagem da superpopulação da zona do açúcar — sua Já foi mencionado o rendeiro, que pagava sua renda trabalhan­
abundância de mão-de-obra barata — como base de um argu­ do vários dias sem pagamento — o arranjo do cambão. Alguns
mento que importava numa grosseira chantagem: o governo ti­ trabalhadores do açúcar moravam nas cidades dos arredores. Ou­
nha de impedir que se afogasse a indústria do açúcar no Nordeste tros, ainda, eram migrantes do interior mais longínquo, vindos
para evitar que toda essa gente morresse de fome. para a zona do açúcar no tempo da safra. Mas, de modo geral,
E desse modo o governo conservou os usineiros no negócio, o tipo mais comum de trabalhador era o morador, ao qual era
permitindo-lhes manter seus trabalhadores num estado de se- dado para uso um pequeno casebre na propriedade da usina ou
mi-inanição e, assim, de prontidão para a próxima crise. For­ do engenho. Ali ele vivia com sua mulher e numerosos filhos, api­
mou-se um círculo vicioso cuja preservação era objetivo do nhados em um quarto ou dois, sem luz, sem água e sem instala­
Instituto do Açúcar e do Álcool, um órgão federal criado duran­ ções sanitárias. Algumas vezes, em redor do casebre, eles tinham
te a Grande Depressão e, como era de esperar, sob o controle po­ direito de usar um pequeno lote de terra, onde podiam plantar
lítico da indústria de açúcar nordestina. O Instituto compra o açú­ culturas de subsistência. O trabalhador hão tinha quaisquer di­
car das usinas do Nordeste a preços artificialmente altos e depois reitos legais a essa terra e podia ser expulso a qualquer tempo,
o vende no mercado interno ou no exterior. Os Estados Unidos, virtualmente ao capricho do proprietário rural. Isso desencora­
sob sua quota de açúcar, pagam preços de suporte por muito desse java o camponês a realizar melhoramentos. Do mesmo modo, as
açúcar e participam assim da perpetuação do sistema.12 longas horas que ele tinha que despender nos canaviais dificul­
Os camponeses, que dependiam da monocultura do açúcar tavam-lhe a luta pela sobrevivência. Ocasionalmente, permitiam-
para sua existência, acharam-se presos na armadilha de um pro­ lhe limpar alguma terra não utilizada no topo de uma colina, on­
cesso incrivelmente explorador. Seus salários permaneceram bai­ de ele podia cultivar algum alimento, mas na maior parte das ve­
xíssimos e não puderam acompanhar o ritmo dos preços dos zes o proprietário rural, no ano seguinte, reclamava de volta a
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terra, para o cultivo de cana. Naturalmente, não era feito qual­ ros. Além disso, um grande número de pequenos proprietários
quer pagamento pelo esforço do trabalhador para limpar a terra. de terra — uma baixa classe média rural — começou a emergir, ^
Até a década de 1960, nenhum desses trabalhadores gozava O descontentamento surgiu entre aqueles que pagavam o cam-ci^' " ^ ^
de qualquer proteção legal efetiva, pois antes desse tempo as pou­ bão quando os salários na região alcançaram um nível qué fez rr [ '
cas leis que existiam em seu benefício nunca eram aplicadas. Co­ com que o valor do trabalho de vários dias por semana, num pe­
mo, na sua maioria, os trabalhadores do açúcar eram analfabetos, ríodo de vários anos, excedesse o valor da terra que os campone­
não podiam votar. Muito poucos tinham algum dinheiro para gas­ ses vinham arrendando.
tar com qualquer coisa, exceto o meramente necessário. Eles vi­ Originariamente explorado por aventureiros à procura de me­
viam, assim, além do alcance dos processos legais e políticos, e tais preciosos, o sertão (interior árido) logo atraiu uma raça va­
fora da economia monetária. No meado da década de 1960, a lente de habitantes permanentes, dispostos a rechaçar os índios
indústria do açúcar no Nordeste empregava cerca de 450.000 cam­ e suportar o clima inóspito. Os governadores das capitanias que
poneses, enquanto mais de dois milhões eram dependentes da in­ se espalhavam pelo sertão adentro distribuíram com a família e
dústria para seu sustento. com os amigos grandes datas de terra que geralmente se esten­
Na década de 1930 e começo da de 1940, os engenhos dis­ diam das margens dos rios para o interior. Além disso, o solo
tantes da usina mais próxima, e não servidos por estradas ade­ junto aos rios era propício ao cultivo do algodão. Aqui também
quadas, estavam sendo fechados por seus proprietários. Os o cambão evoluiu como um sistema de posse da terra e de em­
camponeses que viviam e trabalhavam nesses engenhos perma­ prego, e eventualmente despertou o mesmo tipo de insatisfação
neceram como rendeiros. Mas no fim da Segunda Guerra Mun­ que brotara no agreste.
dial, o preço do açúcar subiu consideravelmente. Vários senho­ O sertão sempre tinha sido a área número um de catástrofe
res que tinham abandonado suas plantações agora retornavam no Brasil. Somando-se às secas, chuvas pesadas muitas vezes cau­
e queriam começar novamente a cultivar cana. Primeiro, entre­ savam repentinas inundações e danificavam severamente os po­
tanto, tinham de expulsar os camponeses dos lotes onde eles ti­ voados ao longo das margens dos poucos rios que atravessam o
nham estado plantando cultura de subsistência. Esses rendeiros interior. Desde a Grande Seca de 1877-79, que matou estimada-
reagiram, como qualquer camponês cuja fome por um pedaço mente meio milhão de pessoas no estado do Ceará, o governo
de terra tivesse sido satisfeita. Aferrando-se a seus lotes, eles re­ federal iniciara uma série de programas destinados a ir além do
sistiram aos proprietários, e a agitação, inquietação e perturba­ mero socorro de emergência e defender os habitantes do sertão
ção espalharam-se por toda a zona do açúcar. Foi no meio dessa contra os estragos de futuras secas.13Foram criados órgãos e co­
agitação que nasceu a primeira Liga Camponesa. missões federais, traçados planos, e iniciados projetos de obras
Enquanto isso, no vasto interior do Nordeste as condições públicas. Ainda assim, as secas continuavam a vir como de cos­
econômicas e sociais evoluíram a partir de um conjunto de cir­ tume, destruindo tudo na sua devastação.
cunstâncias completamente diferentes. O agreste, que marca a Um motivo para esse fracasso em resolver o problema das
transição da zona úmida do açúcar para o sertão semi-árido, de­ secas era a ausência de um programa consistente e de grande al­
via seu povoamento à indústria do açúcar. Grandes latifúndios cance. O governo estava sempre tomando falsas iniciativas e pa­
de criação de gado forneciam a força animal para os engenhos recia incapaz de decidir sobre a quantidade de verbas federais que
caò ^
e carne para a população concentrada ao longo da costa. Ali tam­ deveríam ser alocadas ao Nordeste. O instinto natural dos brasi­
bém se plantavam algodão e culturas de subsistência. O agreste leiros para improvisar era um hábito difícil de quebrar, e a im­
não atraiu um grande proletariado rural. Muitos camponeses ar­ provisação não era a maneira de tratar com o recorrente fantasma
rendavam a terra sob o regime do cambão. Outros eram meei- da seca.
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A calamidade do interior nordestino encontrou caminho até dos, exigindo penitência e sacrifício. A tradição da promessa, pela
as profundezas da consciência nacional brasileira por meio de vá­ qual um indivíduo garante fazer algum ato de sacrifício se Deus
rias obras-primas literárias emanadas da região. Vidas Secas, de lhe concede um pedido, era derivada dessa crença.
Graciliano Ramos, por exemplo, delineia um sucinto e inesque­ Essas atitudes misturavam-se de modo admirável com uma
cível relato de um ciclo doloroso na vida de um vaqueiro e sua crença popular conhecida como sebastianismo que os primei­
família, que sobrevivem a uma seca apenas para enfrentar a de­ ros povoadores do interior haviam trazido consigo de Portugal
vastação de outra. Os Sertões, de Euclides da Cunha, transmite e implantado na região. De acordo com essa tradição, um rei por- -
um quadro rude e desumano da repressão, pelo governo federal, tuguês, dom Sebastião, que desaparecera na África em 1578,
de um levante camponês no sertão. Por influência desses clássi­ quando combatia os mouros, retornaria algum dia em triunfo,
cos, os brasileiros tendem a encarar o Nordeste com pontadas de trazendo consigo grandes recompensas terrenas para aqueles que
culpa temperadas apenas com um senso de romantismo. nele acreditassem.
Os habitantes do sertão originariamente incluíam escravos A primeira manifestação violenta do sebastianismo no Bra­
fugitivos e libertos, bem como a gama usual de misturas que se sil ocorreu na serra do Rodeador em Pernambuco, em 1819-20.
encontra no Nordeste (negro-português, português-índio, índio- Um profeta reuniu junto a si um grupo de seguidores para aguar­
negro e uma combinação de todos três). Exceto por uns poucos dar o rei dom Sebastião, que era esperado de volta a qualquer
planaltos que escaparam às secas, o sertão dificilmente parece momento, a fim de conduzi-los numa cruzada para a libertação
apropriado para a habitação humana. Mas o sertanejo sobrevi­ de Jerusalém. O movimento incluía preces, cerimônias religiosas
veu e multiplicou-se. e exercício militar, em preparo para a aparição iminente de dom
Entre as características que distinguem o sertanejo, está o Sebastião. Em vez disso, chegaram as tropas do Exército brasi­
fato de que ele é um homem honesto. Os proprietários de fazen­ leiro com ordem para dispersar o acampamento. Os fiéis perma­
das, acostumados a pagar a seus empregados um de cada quatro neceram imperturbáveis, firmes na crença de que o seu rei os
bezerros nascidos no rebanho cada ano, podiam ficar descansa­ protegeria e que as tropas atacantes baixariam suas armas e se
dos, seguros de que nada além dessa percentagem seria tirado. juntariam ao movimento. Elas não o fizeram.
O isolamento do resto do país torna o sertanejo suspeitoso em O sebastianismo alcançou o seu ponto mais alto com o inci­
relação à gente de fora e marca a sua fala com interessantes ana- dente da Pedra Bonita, também no sertão do estado de Pernam­
cronismos. Se ele tem de viajar para outras partes do Brasil à pro­ buco. Em 1836, um psicótico carismático atraiu um grupo de
cura de trabalho ou é compelido a deixar sua casa rumo a uma homens do interior com suas profecias de um iminente retorno
cidade costeira por causa de uma seca (o sertão parece viver cons­ do rei, que iria criar um paraíso na terra para os fiéis. Os segui­
tantemente nas angústias da migração), nunca perde seu apego dores desse profeta mergulharam nas usuais práticas religiosas
a essa terra devastada e retornará tão cedo quanto possa. ocultas, que tinham lugar em redor de pedras gêmeas com 30 me­
Um dos aspectos mais fascinantes da vida no interior é a cons­ tros de altura. Em 14 de maio de 1838, o profeta declarou que
tante explosão de fanatismo religioso, usualmente inspirado pela o rei dom Sebastião não podia quebrar o encanto que o impedia
aparição de alguma figura messiânica, barbada e envolta num de aparecer, a menos que o solo ao pé das pedras fosse banhado
manto. Esses profetas do interior jogam com o misticismo pro­ com sangue. Os seguidores aceitaram a sua palavra e por três dias
fundamente arraigado do sertanejo, tendência gerada por uma se entregaram a uma orgia sacrificatória. As mães atiravam seus
fusão de isolamento, frustração e doutrina católica parcialmente filhos do alto das pedras. Os adultos pulavam ou eram empurra­
digerida. Pensa-se, assim, que a luta pela existência que marca dos. O computo final de mortos: 30 crianças, 12 homens, 11 mu­
a vida diária do homem do interior é uma punição por seus peca­ lheres e 14 cachorros.
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A mais famosa dessas explosões de fanatismo religioso no lamento que produziu o misticismo apocalíptico de Antônio
sertão não envolveu o rei dom Sebastião. Antônio Conselheiro Conselheiro e padre Cícero. Do mesmo modo que os proprie­
era a própria imagem do profeta do interior, saindo diretamente tários de engenho eram, por si sós, a lei na zona do açúcar,
do elenco central: cabelos compridos, barba flutuando ao vento, bandos de fora-da-lei erravam pelo interior, desafiando as fra­
um manto azul esfarrapado, olhar hipnótico. Ele tinha se dedi­ cas tentativas das autoridades federais, estaduais e locais para
cado à vida ascética depois que sua mulher fugira com um oficial estabelecer a lei e a ordem. Esses bandidos adotavam um estilo
de polícia, e finalmente adquiriu a reputação de ser um santo. distinto de se vestir e muitas vezes gozavam de uma reputação
O povo vinha até ele para se aconselhar: daí o nome de Antônio tipo Robin Hood. O mais conhecido de todos era Lampião,16
Conselheiro. Logo se havia reunido a seu redor um número con­ um bandido de óculos cujo bando só chegou a ser desbaratado
siderável de seguidores, cujas necessidades espirituais ele admi­ em 1938. Os oficiais do governo decapitaram Lampião, sua aman­
nistrava do modo mais estrito. Seu ensinamento básico era que te Maria Bonita e o resto dos seus companheiros que foram cap­
o sofrimento é a virtude mais sublime. Seus seguidores construí­ turados, e exibiram as cabeças por todo o interior, para provar
ram uma cidade, Canudos, no interior do estado da Bahia, e atraí­ aos camponeses céticos que o legendário chefe estava morto de
ram a atenção nacional quando se recusaram a reconhecer o verdade. Por muitos anos, depois disso, os oficiais do governo
governo republicano que tomou o poder depois da queda da mo­ responsáveis pela aniquilação do bando receberam ameaças de
narquia em 1889. Várias expedições do Exército tentaram esma­ morte dos admiradores de Lampião. As cabeças decepadas final­
gar a rebelião, mas os sertanejos de Antônio Conselheiro usaram mente foram encaminhadas à Escola de Medicina da Universida­
suas aptidões inatas para a guerrilha e inflingiram pesadas per­ de da Bahia. Elas foram preservadas em formol e se tornaram
das aos invasores. Finalmente, uma grande força suplantou os uma atração turística, até que os restantes parentes de Lampião
defensores e exterminou até os últimos homens, mulheres e convenceram o governo de que isso não era cristão, e as cabeças
crianças. receberam por fim um sepultamento apropriado. Lampião e Ma­
Quase ao mesmo tempo, ao norte de Canudos, na parte ria Bonita tornaram-se o assunto favorito dos cineastas brasilei­
do sertão onde os estados de Pernambuco, Paraíba e Ceará se ros em anos recentes.
juntam, um clérigo baixinho, chamado padre Cícero, estava Esse era o cenário do qual emergiram as Ligas Campone­
começando a ganhar fama como um fazedor de milagres.15 Sus­ sas. Os primeiros membros das Ligas eram rendeiros e traba­
penso pela Igreja e exilado naquele remoto lugar do interior, lhadores assalariados da zona do açúcar. Suas atitudes, moti­
ele oferecia uma mensagem de esperança aos camponeses que vi­ vações e reações refletiam um ambiente que tinha mudado muito
viam numa região crestada por terríveis secas. Nas primeiras dé­ pouco durante séculos. O mesmo poderia ser dito dos proprie­
cadas do século XX, seu domínio espiritual se traduziu em po­ tários de engenho e das famílias da classe alta que controlavam
der político, e o estado do Ceará ficou inteiramente sob seu con­ a riqueza do Nordeste. Em todos os níveis sociais, os nordesti­
trole. Elaborando um modus vivendi com a Igreja, ele institu­ nos tendem a ser introspectivos, abraçando um regionalismo di­
cionalizou sua regra em uma confusão de procissões, flagela- fuso que é reforçado e celebrado pela tradição e fortes raízes
ções públicas e outros rituais diários marcados por um conside­ culturais.
rável fervor e um ocasional milagre. Já um santo popular ao tem­ Quando as Ligas despertaram interesse no mundo inteiro no
po de sua morte em 1934, ele ainda hoje é venerado por todo começo da década de 1960, os observadores estrangeiros tende­
o vasto interior do Nordeste. Há a lenda de que ele algum dia ram a ignorar esses fatores. Eles foram apressados ao presumir
voltará. que uma “ revolução” no Nordeste podia acender levantes.no resto
Uma tradição de banditismo brota da mesma pobreza e iso- do país, em encarar as Ligas nos termos de uma guerra fria e em

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acentuar a comparação com a revolução cubana. Mas a despeito
da monocultura do açúcar, o Nordeste não é Cuba. E a questão
relevante naquele tempo não era saber se Francisco Julião era ou­
tro Fidel Castro, mas se ele podia se tornar outro padre Cícero
ou Antônio Conselheiro.

PRIMEIRA PARTE

46 47
TRÊS

Francisco Julião e as Ligas


Camponesas

Ao iniciar -se o terceiro a n o do primeiro mandato presiden­


cial de Dwight D. Eisenhower, as relações entre os Estados Uni­
dos e a América Latina refletiam aquela atitude de “ não me
incomode agora, pois estou ocupado” que se cristalizara em Was­
hington durante a Segunda Guerra Mundial e deveria continuar
até a revolução de Cuba. O Departamento de Estado mantinha
uma orientação política de firme apoio à estabilidade e ao status
quo. Em editorial, com o título abrangente de “ Nosso Hemisfé­
rio” , em que dava o tom para sua análise crítica anual dos negó-
cios e finanças no Canadá e na América Latina, o The New York
Times expressava um otimismo cauteloso para 1955 e concluía 5
reiterando a prescrição básica dos Estados Unidos para o desen­
volvimento da América Latina: os latino-americanos deveríam
“ ajudar através da criação de um clima favorável ao investimen­
to e ao comércio” .1A suposição era de que o progresso exigia
a promoção de condições estáveis que atrairíam o capital estran­
geiro (isto é, americano).
Em janeiro de 1955, a estabilidade da América Latina resul-

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tava de uma relação de ditadores ilustres, a qual incluía Batista, do rapidamente a se desvanecer na história. E um senador do Te­
em Cuba; Perez Jiménez, na Venezuela; Perón, na Argentina; Ro­ xas, ao se tornar líder da maioria, tentava abafar os rumores de
jas Pinilla, na Colômbia; Somoza, na Nicarágua; Stroessner, no que era um candidato presidencial em perspectiva comentando:
Paraguai; e Trujillo, na República Dominicana. O Chile, o Peru “ Estou consciente de minhas limitações. Devo dizer que ninguém,
e o Equador gozavam de governos respeitavelmente conservado­ a não ser minha mãe, pensou, alguma vez, que eu chegasse até
res. Em 1954, o suicídio de Getúlio Vargas, no Brasil, e a deposi­
onde já cheguei” .3
ção de Arbenz, da Guatemala, haviam eliminado dois presidentes
que tinham estado tumultuando as águas, ao pressionarem mu­ Enquanto isso, em Caxangá, um bairro afastado da cidade do
danças. De fato, no dia de Ano-Novo o novo governo da Guate­ Recife, um grupo de camponeses fez uma visita, sem qualquer
mala anunciou que a terra da United Fruit Company que Arbenz publicidade, a um advogado," dando início a uma série de acon­
tinha desapropriado, como parte integrante de uma reforma agrá­ tecimentos que teriam uma repercussão muito mais ampla do que
ria, havia sido devolvida à sua dona anterior. o assassinato de um presidente do Panamá ou uma confusão em
O público americano permanecia completamente desinteressa­
Costa Rica.
do dos acontecimentos e condições ao sul do Rio Grande, um fato No Nordeste do Brasil, o mês de janeiro é o meado do ve­
reconhecido (e encorajado) pela escassa cobertura dada à América rão, uma época de calor estafante e seco. Os camponeses tinham
Latina pela imprensa dos Estados Unidos. Somente quando explo­ vindo de carroça puxada a cavalo pela ampla e mal conservada
sões de violência abalaram a calma foi que as cabeças se voltaram avenida Caxangá e, passando pelo único clube de golfe do Reci­
para o Sul. Nesse sentido, janeiro de 1955 foi um mês excepcio­ fe, chegaram ao limite da cidade, à margem direita do rio Capi-
nal.2O ano mal havia começado quando assassinos mataram, a baribe. O tráfego da manhã de domingo tinha sido mínimo,
tiros de metralhadora, o “ homem forte” do Panamá, presidente apenas uma fração do torvelinho usual de caminhões, ônibus e
José Antonio Remón. Uma semana depois, no dia 10 de janeiro, bondes. Mesmo assim, os camponeses sentiram-se muito mais à
vieram a público os primeiros relatos de uma invasão da Costa Rica vontade ao entrar para uma rua lateral suja e sem pavimento,
pela vizinha Nicarágua. Daquela data até o final do mês, os ameri­ atravessando um denso tapete de vegetação que parecia abafar
canos acompanharam o ataque malsucedido contra o presidente da qualquer vestígio de barulho da cidade. Pararam em frente a um
Costa Rica, José Figueres, membro proeminente da chamada “ es­ casarão em estilo colonial, com paredes de um amarelo desbota­
querda democrática” na América Latina. O caso assumiu tons de do, dentro de um sítio de bananeiras e mangueiras que escondiam
ópera cômica quando o ditador Somoza, da Nicarágua, desafiou
o sol da manhã.
o pequeno Figueres para um duelo. Nesse mesmo período de tem­ O porta-voz dos camponeses, um homem alto chamado Jo­
po, surgiram histórias de instabilidade política no Peru e na Bo­ sé dos Prazeres, estava carregando alguns papéis enrolados e
lívia, conspirações “ vermelhas” em Cuba e na Guatemala, e o iní­ amarrados com um pedaço de cordão. Enquanto seus companhei­
cio dos ataques de Perón contra a Igreja Católica na Argentina. ros esperavam na entrada da casa, ele passou por uma ante-sala
Acostumados a tais comportamentos ao sul da fronteira, os e encontrou-se em um escritório. Um lustre pendia do teto. Per­
americanos não podiam levá-los a sério. Fatos mais importantes sianas azul-claras ladeavam as janelas. Uma escrivaninha, entu­
vinham acontecendo no Oriente, onde os comunistas chineses es­ lhada de papéis, bloqueava parcialmente a lareira branca oposta
tavam fazendo pressão sobre Formosa e sobre as ilhas litorâneas. à porta. Prateleiras com pesados e bolorentos livros de Direito
Em seu próprio país, os democratas haviam ganho o controle de cobriam as paredes. À esquerda ficava a sala de visitas, onde se
ambas as casas do Congresso. O senador McCarthy, com seu bri­ encontravam sentados dois homens, trajados à vontade, lendo
lho empanado pelo interrogatório do Exército, estava começan- os jornais de domingo. Um deles, um mulato alto, barrigudo, com
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Galiléia poderíam melhorar sua situação se se unissem em algum
o cabelo ralo cortado muito curto, levantou a vista ao ouvir ba­ tipo de associação de benefício mútuo. Eles poderíam, por meio
ter o relógio e deu com José dos Prazeres, que, com o chapéu de contribuições mensais, estabelecer um fundo que seria utiliza­
na mão, esperava respeitosamente de pé, na soleira. do para contratar uma professora para as crianças e para formar
— O que é que você quer? — perguntou, levando instinti- uma cooperativa de crédito para a compra de sementes e imple­
vamente a mão à boca, mas não suficientemente rápido para es­ mentos.
conder a falta de um dente na frente. Além disso, os dependentes de membros falecidos poderíam
— Preciso falar com o deputado — respondeu José dos Pra­ sacar do fundo o dinheiro para custeio das despesas do funeral.
zeres. Dessa maneira, os membros poderíam evitar a humilhação, ain­
O outro homem, sentado numa cadeira de balanço verme­ da que póstuma, de serem levados ao cemitério em um caixão
lha e cuja cabeça havia permanecido enterrada no Diário de Per­ público fornecido pela prefeitura para todos os enterros de cari­
nambuco, dobrou o jornal no colo e ergueu a vista. dade do município. Seus objetivos eram tão modestos que, se ti­
— Eu sou o deputado — disse em voz mansa. — Entre, por vessem podido esperar mais uma década, poderíam ter tido um
favor. voluntário do Corpo de Paz designado para ajudá-los.
Francisco Julião, advogado, deputado estadual e escritor nas Assim sendo, Zezé, José dos Prazeres e os outros morado­
horas vagas, fez um gesto para o seu visitante. José dos Prazeres res do Galiléia, 140 famílias ao todo, formaram o que chama­
preferiu permanecer em pé, e após trocar os cumprimentos de pra­ ram solinemente de Sociedade de Agricultura e Criação de Gado
xe com Julião, explicou o motivo de sua visita. dos Plantadores de Pernambuco. Preocupados com formalida­
José dos Prazeres era morador de um engenho chamado Ga- des legais, foram a um juiz local, dr. Rodolfo Aureliano, que re­
liléia, no município de Vitória de Santo Antão, a uns 60 quilô­ digiu os documentos exigidos por lei para qualquer associação
metros a oeste do Recife, no limite extremo da zona açucareira. beneficente. Também visitaram o dono da terra, em Vitória.
O engenho, como muitos outros, havia parado de produzir açú­ Oscar Beltrão, cuja família havia possuído o Galiléia desde
car nos fins da década de 1930, e o seu proprietário, Oscar de 1887, inicialmente nada viu de errado com a sociedade. Na ver­
Arruda Beltrão, tinha ido residir em Vitória. Antes de sair, ha­ dade, ele podia distinguir pelo menos uma vantagem positiva que
via repartido a maior parte das terras do engenho entre as famí­ ela poderia oferecer, desde que Zezé sugeriu que um dos seus pro­
lias de camponeses que tinham trabalhado para ele. Como mo­ pósitos colaterais poderia ser criar um fundo especial, onde os
radores, eles continuaram a plantar cana e outras culturas para membros incapacitados pela doença ou acidente poderíam bus­
a própria alimentação e para venda. Mensalmente pagavam uma car ajuda para pagar suas rendas. Também ficou bastante satis­
renda, em dinheiro ou colheita, ao administrador do engenho, feito quando os moradores o convidaram para ser seu presidente
José Francisco de Souza, um velho camponês mais conhecido pelo honorário. (Um jornalista brasileiro depois descreveu isso como
apelido de Zezé. um gesto humilde, “ o de um cachorro lambendo a mão daquele
As condições de vida no Galiléia sempre tinham sido primi­ que lhe bate.” )5 No dia 1? de janeiro de 1955, discursos, fogos,
tivas, mas não eram piores do que em outros lugares da zona ca­ danças e outras festividades formalmente inauguraram a socie­
navieira. Em dias passados, os camponeses tinham trabalhado dade. Num estado de espírito eufórico, Beltrão anunciou aos seus
para Beltrão, plantando cana e produzindo açúcar. No momen­ moradores que eles poderíam usar sua madeira para construir uma
to trabalhavam para si mesmos, mas as condições não haviam capela como projeto inicial da sociedade.
melhorado muito. Não demorou muito a acabar a lua-de-mel. O filho e herdei­
Ao ver a penúria dos camponeses, Zezé, José dos Prazeres ro de Beltrão, que residia no Recife, desde algum tempo havia
e alguns dos outros moradores acreditaram que os habitantes do
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planejado transformar o engenho em uma fazenda para criação Julião era, no Recife, um dos poucos advogados capazes de re­
de gado. Uma vez que tal medida exigiría a expulsão dos mora­ presentar os camponeses em assuntos legais. Apesar de residir e
dores, ele ficou alarmado com o fato de sua organização. Alguns trabalhar na cidade, ele nunca esquecera sua infância no inte­
donos de engenhos vizinhos também se alarmaram diante da pos­ rior.6 Estava sentimentalmente ligado à vida rural por raízes
sibilidade de propagação da idéia. Juntos, convenceram o presi­ profundas, qualidade esta comum a vários intelectuais do Nor­
dente honorário de que ele tinha sido enganado, que uma deste.
sociedade de camponeses era coisa desconhecida, subversiva, pos­ • Francisco Juliano Arruda de Paula nasceu no dia 16 de fe­
sivelmente comunista, e certamente intolerável. Concluindo, dis­ vereiro de 1915, no município de Bom Jardim, a aproximadamen­
seram também que os camponeses, possivelmente, estavam te 130 quilômetros do Recife, na periferia da zoná açucareira de
querendo reduzir o pagamento de suas rendas. Pernambuco. Tomou o nome do avô paterno, Francisco de Pau­
Imediatamente Beltrão viu o erro de suas atitudes. Após con­ la Gomes dos Santos. Sua mãe, católica devota, tinha por costu­
sultar seu advogado, ele renunciou ao cargo de presidente hono­ me dar aos filhos nomes de santos, e o dia 16 de fevereiro era
rário e deu ordem aos camponeses para desfazer a sociedade. Para a festa de São Juliano. Quando chegou na escola primária, o seu
sua surpresa, eles resistiram. Ele tentou expulsar alguns. Eles re­ nome já havia sido abreviado para Julião.
sistiram. Ele se zangou. Zezé, José dos Prazeres e outros foram Seus avós eram ambos senhores de engenho. Francisco de
ao Recife. Apelaram para o governador do Estado, general Cor­ Paula era meio romântico, alto, magro, dado a tratar seus escra­
ss
deiro de Farias, uma autoridade conservadora que dava credibi­ vos como se fossem parte da família. O seu engenho, Boa Espe­
lidade ao título de “gorila” tradicionalmente atribuído aos oficiais rança (ou Espera, como era chamado pelos camponeses), era um
brasileiros que se metem em política. Ele expulsou os campone­ dos mais prósperos da área. Julião escreveu que “ no coração de
ses, queixando-se, depois, aos seus funcionários da atitude “ se- cada menino camponês existe um senhor de engenho” .7 Para o
diciosa” deles. Eles procuraram alguns advogados, mas todos jovem Julião, o seu xará dentro em breve assumia proporções he­
exigiam pagamentos altos. Pediram ajuda à Assembléia Legisla­ róicas.
tiva. Alguém os instruiu a procurar um deputado estadual, cha­ Manoel Tertuliano Travassos de Arruda, o seu avô mater­
mado Julião. no, era um proprietário mais tradicional. Baixo, corpulento, im­
José dos Prazeres fez uma pausa e pareceu suster a respira­ perioso, gritava ordens com voz estrondosa. Em conversa, seu
ção. Julião não hesitou. tom era só ligeiramente menos impetuoso. Não era raro vê-lo em
— Eu o defenderei — disse. — Sou um deputado. O Esta­ longas caminhadas, supervisionando suas propriedades. Suas
do me paga. Você não terá de me pagar coisa alguma. energias se expandiam em outras direções. Casado duas vezes,
Seu companheiro, um advogado local e amigo de muitos teve 27 filhos de suas esposas legais e um número desconhecido
anos, chamado Jonas de Souza, Unha estado examinando os do­ de filhos ilegítimos. O cavanhaque branco, que se tornou uma
cumentos enquanto José dos Prazeres falava. de suas peculiaridades, dava-lhe um ar de respeitabilidade que
— Estes papéis terão de ter firma reconhecida e ser regis­ muito o ajudou como advogado e líder político local. Manoel Ter­
trados, e a taxa de registro terá de ser paga — disse para Julião. tuliano governava os seus domínios com mão firme. Dizia-se que
— Sim, e a sociedade terá que eleger uma diretoria o mais fora ele quem introduzira o cambão naquela zona, distinção du­
cedo possível. Você poderá fazer eleições esta semana? vidosa da qual o seu neto jamais se esquecería.
— Sim, doutor — disse José dos Prazeres, agradecido. Julião passou sua juventude no engenho, juntamente com
— Então visitaremos o Galiléia no próximo domingo, para seus quatro irmãos e três irmãs (uma de suas irmãs morreu quan­
verificar o que precisa ser feito. do criança). Ele era um típico menino de engenho, amamentado

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por uma ama-de-leite, endurecido pelo trabalho árduo durante antiga do Brasil. Muitos deles eram filhos de ricos e tinham em­
a colheita, cavalgando e nadando com os filhos dos empregados pregos na indústria e no comércio à sua espera. Uns poucos fica­
e moradores, totalmente dedicado às atividades simples da vida ram no Recife para exercer a profissão, e outros, ainda, foram
do interior. para as cidades maiores do interior do estado a fim de trabalhar
Quando Julião completou 13 anos, seu pai mandou-o estu­ no que aparecesse. Julião estava neste último grupo.
dar fora. Viajando primeiramente a cavalo até Limoeiro e daí até Ele se casou em 1943 com uma menina de 15 anos que havia
o Recife de carro, ele se matriculou no Instituto Carneiro Leão, sido sua aluna durante o tempo em que fora professor. O casal
um colégio particular que possuía internato. Seus colegas eram, alugou uma casa modesta no bairro de Caxangá, na periferia do
na maioria, fiihos de grandes proprietários rurais. Inicialmente, Recife, perto da estrada que vai para Bom Jardim. Julião man­
a experiência foi infeliz. A combinação de vida de cidade com teve um estreito contato com o engenho, que não estava mais pro­
a disciplina escolar fez com que ele se sentisse como uma fera na duzindo açúcar. Diariamente recebia em casa frutas e verduras
jaula. Eventualmente, porém, adaptou-se e sobreviveu. Tímido mandadas de Espera. Alexina lhe deu duas filhas e dois filhos:
e introvertido, lia muito (novelas na maioria) e devaneava ainda Anatailde (por apelido, Tatá), Anatilde (Tininha), Anatólio (Tu-
mais. Foi durante esse período que ele entrou em contato com lito) e Anacleto (Teto). Julião e Alexina casaram-se na Igreja Ca­
o marxismo, conforme desenvolvido por Engels em Anti- tólica e todos os seus filhos foram batizados — fatos estes que
Düring.8 O livro o impressionou demais, e embora estivesse ain­ sugerem que o casal continuou a respeitar as tradições do Nor­
da à procura de uma ideologia, ele começou a se considerar “ um deste.
homem de esquerda” . Julião seguiu a carreira de advocacia no Recife, e parte do seu
Julião completou os quatro anos do curso em 1933 e, por trabalho era dedicado a representar os camponeses. Isso era tare­
causa de dificuldades financeiras, ensinou, depois, durante um fa difícil. Um governador de Pernambuco disse certa vez: “ Aos
ou dois anos numa escola primária em Olinda, cidade vizinha do meus inimigos, a lei; aos meus amigos, as facilidades.” Tal afo­
Recife. Depois de alimentar a idéia de se tornar cirurgião, resol­ rismo diz bem da grande brecha existente no Brasil entre a letra
veu ingressar na Faculdade de Direito do Recife. da lei e a sua aplicação real. A administração da justiça brasileira
Nos últimos anos da década de 1930, o Brasil era governado era, costumeiramente, flexível, mas só se inclinava num sentido —
por Getúlio Vargas, um ditador que moldou o chamado Estado na direção das riquezas e do poder. Mesmo assim, a partir de 1941
Novo de acordo com os regimes fascistas da Itália, Espanha e Julião defendeu os camponeses nos tribunais do Recife e em ou­
Portugal. A polícia política andava por toda parte e mantinha tras cidades de Pernambuco e estados vizinhos, e logo adquiriu re­
sob vigilância especialmente os estudantes universitários. Assim, putação entre os trabalhadores rurais, moradores e pequenos
quando um amigo de Julião lhe escreveu uma longa carta defen­ agricultores, especialmente na área em redor de Bom Jardim.
dendo Karl Marx e, sem saber como, tal carta acabou nas mãos Ao mesmo tempo, ele desenvolvia o gosto pela política. O
das autoridades, foi expedida uma ordem para prender Julião. processo eleitoral em Pernambuco operava em dois níveis. Os po­
Os policiais invadiram a casa onde ele estava morando, derosos grupos familiares e seus aliados rurais (os coronéis) do­
prenderam-no, revistaram o seu quarto e até cortaram o seu col­ minavam o estado e excluíam os estranhos do exercício de
chão.9 Deixaram-no preso durante um dia e uma noite. No Es­ qualquer poder efetivo. As únicas oportunidades para recém-che­
tado Novo, a experiência não era rara, mas esta deixou uma viva gados ambiciosos estavam na periferia do sistema, onde os pe­
impressão. quenos partidos competiam por postos menores. Julião mergulhou
No dia 16 de dezembro de 1939, Julião e mais 119 colegas no jogo com entusiasmo. Em 1945 filiou-se ao Partido Republi­
de turma receberam seus diplomas na Faculdade de Direito mais cano, um dissidente do partido central conservador.10O líder do

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Partido Republicano era um ex-presidente do Brasil, Artur Ber- quando a fama do autor assegurava um progresso sobre a limita­
nardes, um conservador, mas também um nacionalista em ter­ da circulação de Cachaça (que é atualmente uma espécie de peça
mos econômicos, o qual se opunha às concessões de mineração de colecionadores).
a estrangeiros e apoiava o desenvolvimento dos recursos petrolí­ Desde o início, estava bem claro que Julião e a Sociedade
feros pelo estado. Essas posturas nacionalistas atraíram Julião, de Agricultores e Criação de Gado dos Plantadores de Pernam­
que se alinhou com a ala esquerda do Partido. Ele se candida­ buco estavam destinados um para o outro. Era uma dupla per­
tou, sem sucesso, a deputado federal em 1945 e a deputado esta­ feita. Quando Julião tomou a defesa dos camponeses do Galiléia,
dual em 1948. Nesta última eleição, o Partido Republicano seus sonhos sentimentais e sua consciência social se fundiram. Ele
apresentou seu próprio candidato a governador, o qual pronta­ devia saber, desde o início, que uma campanha para ajudar a so­
mente encorajou os seus eleitores a votar em um dos outros can­ ciedade teria mais implicações comprometedoras do que proces­
didatos. Essas maquinações desgostaram de tal forma Julião que sos legais envolvendo individualmente os camponeses. Nunca,
ele resolveu deixar o Partido Republicano e filiar-se ao Partido porém, poderia ter imaginado a extensão e amplitude de tais im­
Socialista Brasileiro (PSB), cuja orientação ideológica era muito plicações.
mais parecida com a sua. O PSB, conhecido originalmente como Uma semana após a visita de José dos Prazeres à casa de Ca-
a Esquerda Democrática, era composto de um pequeno círculo xangá, Julião viajou para o Galiléia. Um grande grupo de cam­
de intelectuais, que falavam muito mas, na maior parte das ve­ poneses recebeu-o com aplausos e fogos. Jogaram-lhe flores. Essa
zes, apenas para si mesmo. Eles não possuíam nenhuma base po­ cena seria repetida muitas vezes. A sua mensagem a eles também
pular real, falha esta demonstrada amplamente em todas as seria repetida muitas vezes: “ Farei tudo o que puder para que
eleições. Julião, pelo menos, injetou um pouco de frescor na ban­ estas pétalas não se transformem em pedras.” " Uma reunião foi
cada do Partido, em Pernambuco, e, em 1954, foi eleito deputa­ realizada em frente à casa de Zezé, que havia sido eleito presi­
do estadual, o único candidato do PSB a ganhar assento no dente da sociedade.
Legislativo naquele ano. Julião tornou-se seu conselheiro legal (depois seria promo­
Além de fazer política e advocacia, Julião possuía, também, vido ao antigo posto de Beltrão, presidente honorário). Inicial­
ambições literárias. Gostava de escrever sonetos e também expe­ mente, ele tomou as providências para que a sociedade fosse
rimentou seu pulso pa ficção..Seu primeiro livro, uma coletânea corretamente organizada e registrada de acordo com as leis Ho
de contos 'múivã&ás^Cachaça, foi publicado localmente em 1951. estado, e, então, tomou a si a defesa dos moradores que Beltrão
A história-título descrevia a prática dos proprietários rurais, em estava tentando expulsar. Também fez uso de sua cadeira na As­
certas áreas, de pagar seus trabalhadores com o uísque local e sembléia Legislativa, de onde falou em apoio dos galileanos. Não
barato, a cachaça, feita de cana-de-açúcar. O estilo de prosa de era esta a primeira vez em que tomava, de público, uma posição
Julião captou o sabor do campo e ganhou aplausos no meio da em assuntos do campo. No término da Segunda Guerra Mundial,
pequena elite intelectual do Recife. Gilberto Freyre, o renomado quando caiu a ditadura de Vargas e a democracia conslitucional
sociólogo do Brasil que reside no Recife, escreveu uma introdu­ foi restabelecida, ele'publicou um manifesto conclamando que r-
ção elogiosa, que apontava as “ páginas de interesse intenso para algo fosse feito para aliviar a miséria dos camponeses do Nor­
todos aqueles que se dedicam, no Brasil, ao estudo do homem deste.12 Nenhuma palavra, porém, por mais eloqüente que fos­
do interior, do homem comum, e do homem do poyo” .^oucix, se, efetuaria mudanças no campo brasileiro. A situação estava
tempo depois, Julião completou sua primeira novela, Irmão Jua­ exigindo um aumento de pressão ao nível da raiz do problema.
zeiro/, que focalizava o conflito entre um trabalhador e uqj pro­ Os galileanos, com sua organização modesta, sem querer haviam
prietário de terras no interior. O livro só foi publicado em 1961,.. descoberto um mecanismo que poderia criar essa pressão e tra-

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duzi-la em movimento. Um jornal apelidou a sociedade de “ Li­ nha trabalhado duro para melhorar a pequena propriedade que
ga Camponesa” , com certeza para despertar lembranças e suge­ arrendara e com a qual podia manter sua família. Um certo dia,
rir uma conexão com as Ligas Camponesas organizadas pelo o proprietário lhe disse que ele tinha de pagar uma renda maior
Partido Comunista Brasileiro em 1945 e dissolvidas logo depois. ou então entregar uma parte da terra. Quando o velho Antônio
O nome pegou. Vicente recusou ambas as opções, o proprietário mandou que ele
A estrutura do poder na zona rural não aceitava de bom gra­ derrubasse um dos dois casebres que havia construído no terre­
do nenhum tipo de organização de camponeses. Desde o início, no. José, um filho aleijado de Antônio Vicente, morava no case­
os proprietários de terra fizeram todo o esforço possível para cor­ bre com sua família. As ameaças ‘que acompanharam a ordem
tar o novo movimento ainda em botão. Algumas vezes, suas táti­ fizeram com que Antônio Vicente obedecesse, e ele então cons­
cas eram um tanto extravagantes e ingênuas. Julião descreveu a truiu outro casebre para José, a vários quilômetros de distância.
reação de um de seus próprios parentes, um rico proprietário, ao Como era parcialmente paralítico, José não podia plantar e pre­
ouvir que seus moradores estavam em vias de formar uma Liga. cisava andar até a casa de seu pai para obter comida. A cami­
Ele os reuniu e fez com que todos recitassem algumas rezas, jun­ nhada exigia que ele tomasse uma estrada que atravessava o
tamente com ele. Depois pronunciou o seguinte discurso: engenho. Um dia, o filho do proprietário, Clélio, que morava no
— A terra em que vocês agora vivem eu herdei do meu pai. engenho e era seu administrador, decidiu divertir-se um pouco
E vocês, o que é que herdaram? Nada. Portanto, eu não sou cul­ e, ao mesmo tempo, dar uma lição a qualquer um dos demais
pado de ser rico e vocês não são culpados de serem pobres. Tudo camponeses que pensassem em resistir a uma ordem de seu pai.
foi ordenado por Deus. Ele sabe o que está fazendo. Se Ele dá Ele e dois capangas (polícia particular armada) do engenho fo­
a terra a mim e não a vocês, será uma rebelião contra Deus rejei­ ram caçar e usaram José como caça. A sua presa não podia se
tar tal ato. Uma rebelião dessas constitui um pecado mortal. Que movimentar muito bem por causa da paralisia, portanto não de­
todos os homens aceitem a vontade de Deus para não incorrerem morou muito para que os três o derrubassem e atirassem nele.
em Sua ira e nem perderem as próprias almas. Vocês têm de acei­ As autoridades locais não demonstraram nenhum interesse em
tar a pobreza na terra a fim de obter a vida eterna no Céu. Os investigar o crime. Também não se movimentaram sequer quan­
pobres vivem na graça de Deus. Os ricos, não. Dessa forma vo­ do outro filho de Antônio Vicente, Manoel, foi amarrado atrás
cês são mais felizes do que eu, visto que estão mais perto do Céu. de um jipe e arrastado por dentro do matagal. (Na verdade, seria
Escutem o que eu lhes digo e aceitem o meu conselho. Aqueles difícil investigar este caso, porque o motorista do jipe era o che­
que aderiram à Liga devem deixá-la.13 fe da polícia local.) Manoel ficou tão ferido que enlouqueceu e,
Os camponeses não gostaram da pregação do seu rico pa­ pouco depois, rasgou o próprio estômago com um facão. Antô­
trão e não abandonaram a Liga. Duas semanas depois, o pro­ nio Vicente, então, filiou-se à Liga Camponesa mais próxima.
prietário mandou prendê-los e Julião teve de libertá-los mediante Vários outros incidentes ocorreram, talvez não tão dramáti­
habeas corpus. cos, porém igualmente brutais. A atitude corrente entre os pro­
A reação do parente de Julião foi muito amena comparada prietários de terra foi muito bem expressa por Chico Romão, um
com o modo como os proprietários costumavam lidar com os cam­ dos coronéis mais famosos do sertão, quando disse:
poneses desobedientes. A história de Antônio Vicente e seus fi­ — As Ligas são como epidemias... Nossa reação é à bala, ^ '
lhos tem sido citada como o exemplo mais típico daquilo que os muitas balas. O Nordeste não é um parque de diversões.15
camponeses tinham de suportar. A atitude do governador de Pernambuco, general Cordeiro de
Antônio Vicente era um velho que tinha vivido por muitos Farias, foi o que mais contribuiu para este “ reino de terror” nos
anos como morador num engenho chamado Califórnia.14Ele ti- anos iniciais do movimento das Ligas Camponesas.16Seus inimi-

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gos gostavam de assinalar como o seu nome fora mal escolhido, vis­ publicado sobre as Ligas, o próprio José dos Prazeres participou
to que a palavra “ cordeiro” pressupõe mansidão. Ele adotou uma dos esforços do Partido Comunista depois da guerra para conse­
posição inflexível em favor da lei e da ordem como existia tradi­ guir uma base no interior, e tinha em mente muito mais do que
cionalmente no campo. A polícia estadual apoiava o statusquo até uma sociedade beneficente quando ajudou a formar a Socieda­
o fim e fazia todo o possível para esmagar qualquer resistência dos de de Agricultura e Criação de Gado dos Plantadores de Per­
camponeses ao exercício das prerrogativas dos proprietários. nambuco.19
Apesar do clima intensamente repressivo criado e mantido Outro fator que poderá ter beneficiado as novas Ligas foi
pelos proprietários e pela polícia, as Ligas Camponesas conse­ o despertar dos intelectuais e dos elementos da classe média, pos­
guiram multiplicar-se. Há falta de dados confiáveis sobre este pe­ suidores de consciência social, para a situação desesperadora do
ríodo de formação do movimento. Provavelmente vários fatores interior nordestino e para a necessidade urgente de uma reforma
contribuíram para a sobrevivência e crescimento das Ligas. agrária. Em agosto e setembro de 1955^os intelectuais da ala es­
^ ^ Primeiro de todos, uma corrente subterrânea de inquisição querda patrocinaram um “ Congresso para a Salvação do Nor-
permeava as margens da zona canavieira, fazendo com que pelo jieste” no Recife e também o “ I Congresso de Camnoneses~dè
menos alguns camponeses fossem receptivos à idéia de organiza­ Pernambuco” , do qual participaram camponeses das novas Li­
ção. Os galileanos não eram os únicos moradores que tinham plan­ gas.20Tais reuniões serviram para encorajar os camponeses e po­
tado culturas de subsistência em terras arrendadas e agora se dem ter fortalecido sua resistência aos esforços dos proprietários
sentiam ameaçados pelas intenções dos proprietários de utilizá-las para reprimir suas incipientes organizações.
novamente para produção de açúcar, ou transformar suas plan­ Um velho costume nordestino contribuiu para dar publici­
tações em fazendas para criação de gado. Estes camponeses, ao dade às novas Ligas através da região. Os cantadores cruzavam
contrário dos trabalhadores rurais sem terra que eram emprega­ todo o Nordeste, tocando violão e entretendo os camponeses com
dos nos engenhos de açúcar, podiam, pelo menos, alimentar-se cantigas sobre esses tópicos. Foi por este meio que o bandido Lam­
do mínimo necessário, estando portanto em posição de se arris­ pião e outros galgaram o status de heróis populares. Este era tam­
carem a participar do novo movimento. bém o meio mais efetivo para atingir os camponeses analfabetos.
Além disso, vários destes camponeses pertenciam a seitas pro­ Os violeiros começaram a cantar louvações às Ligas e ao cres­
testantes fundamentalistas que não possuíam clero instituciona­ cente número de heróis e mártires camponeses nascidos da luta.
lizado, tendo assim de desenvolver suas próprias lideranças.17 Apresentando-se nas cidades, em frente aos armazéns e vendas
! - j Alguns destes líderes leigos desempenharam papéis proeminen­ dos engenhos e nas grandes fazendas e usinas, eles espalharam
tes na organização das Ligas. a informação sobre o movimento em todo o agreste e mesmo den­
Os esforços abortados do Partido Comunista para estabele­ tro das fronteiras do árido sertão.21
cer suas próprias Ligas Camponesas imediatamente após a Se­ Durante este período inicial, Julião fez o que pôde para aju­
gunda Guerra Mundial talvez tenham colaborado para criar a dar as Ligas. Sua reputação como advogado que defendia os cam­
conscientização de alguns camponeses, tornando-os mais recep­ poneses contribuiu para atrair novos membros. Como as
tivos ao novo movimento. É difícil avaliar se houve qualquer im­ atividades das Ligas e as reações dos proprietários produziram
pacto da organização comunista sobre os camponeses do Nor­ um número crescente de litígios, logo ele estava sozinho, com ex­
deste. Quando as Ligas Camponesas foram estabelecidas e se tor­ cesso de trabalho jurídico para cuidar; por isso, mandou Jonas
naram bem conhecidas no início da década de 1960, os escritores de Souza e outros advogados amigos para o interior, a fim de
comunistas, como era de esperar, atribuíram todo o crédito ao dar assistência legal aos membros da Liga. Sua idéia de instalar
Partido.18 Realmente, de acordo com um artigo recentemente em vários municípios um escritório da Liga, que ele chamou de

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“ delegacia” , deu um estímulo psicológico aos camponeses. Eles
normalmente associavam o termo com as delegacias de polícia; constantemente salientavam a necessidade de se produzirem mu­
Agora tinham a sua própria “ delegacia” , o que lhes dava um sen­ danças radicais no sistema global de posse da terra e da produ­
timento de proteção que ajudava a contrabalançar seu medo da ção agrícola do Nordeste. Mas raramente elaboravam uma
polícia. Finalmente, um dos seus associados escreveu que a casa descrição detalhada do novo sistema que estavam defendendo ou
de Julião em Caxangá possuía todo o ambiente de uma casa- dos métodos específicos para alcançar os seus objetivos.
grande de engenho, só que os camponeses que lá iam eram aco­ A primeira tentativa de Julião para levar adiante um proje­
lhidos como hóspedes.22 Este tratamento acolhedor em ambien­ to específico de reforma agrária dificilmente poderia ser consi­
te familiar, coisa a que não estavam acostumados, causou, nos derada radical. A controvérsia sobre o engenho Galiléia havia
camponeses, uma impressão altamente favorável. persistido por vários anos. Finalmente, Julião, com o apoio do
Outras pessoas, porém, tinham uma impressão negativa so­ governador Cid Sampaio, tentou conseguir a aprovação de uma
bre os esforços de Julião para proteger e expandir as novas Li­ lei para desapropriação do engenho. Um jornalista do Rio, An­
gas. A manifestação mais notável desta atitude em relação a ele tônio Callado, observou que o Estado estava pagando a Oscar
foi o “ incidente com o capitão Jesus” , no final de 1956.23 Num Beltrão um preço elevado pela sua propriedade cheia de pedras
sábado à tarde, quando Julião estava se reunindo com os cam­ — “ um preço que não teria ocorrido nem mesmo a Shylock” .24
poneses do Galiléia, um capitão da polícia estadual, capitão Je­ A desapropriação antecipou o que se tornaria uma fórmula po­
sus Jardim de Sá, cortou a linha telefônica entre o Recife e Vitória. pular (pelo menos em alguns setores) para a solução do proble­
A seguir, prendeu Julião, apesar da circunstância de os deputa­ ma agrário na América Latina: “ reforma agrária = transação
dos gozarem supostamente de imunidade contra processos legais. vantajosa de propriedade imobiliária para os proprietários.” Real­
Levando seu prisioneiro para Recife, ele entregou o impertinente mente, alguns proprietários posteriormente abordaram Julião, in­
advogado a um coronel do Exército que servia como ajudan- sinuando que ele agitasse para obter a desapropriação de suas
te-de-ordens do governador Cordeiro de Farias. O coronel ficou terras.
horrorizado diante do desafio do capitão Jesus e imediatamente A crítica de Callado pode ter sido prematura, pois Julião sa­
libertou Julião. O deputado enfurecido foi direto para a Assem­ bia o que estava fazendo. Para os membros das Ligas Campone­
bléia Legislativa, onde, em altos brados, expressou seu protesto. sas, a desapropriação tinha valor político. Era a primeira vez que
Os demais deputados, que, em sua maioria, não tinham especial os camponeses forçavam o governo a fazer alguma coisa. Isto
afeto por Julião, ficaram, não obstante, revoltados com esse des­ pressagiava que fatos mais importantes iriam advir.
respeito à sua imunidade e exigiram a instauração de um inquéri­ Julião fez outras tentativas para instilar uma consciência po­
to. Uma semana depois, Julião, com dois de seus colegas de lítica nos seus seguidores do campo. No dia 1? de maio de 1957,
legislatura, retornou ao Galiléia. Desta vez foram cercados por ele trouxe para o Recife aproximadamente 600 camponeses, a fim
um exército de capangas contratados por um dos proprietários de participarem das comemorações tradicionais do dia dos tra­
locais. Só a presença de espírito dos deputados (um dos quais, balhadores. No dia 13 de maio de 1958, ele reuniu uns 3.000 cam­
vale a pena notar, era Miguel Arraes) evitou o derramamento de poneses na cidade, para comemorar o aniversário da abolição da
sangue. O incidente demonstrou quão perigoso era, mesmo para escravatura no Brasil.
as autoridades estaduais, mexer com o estilo de vida que havia Os proprietários de terra e seus representantes políticos rea­
evoluído através de séculos no Nordeste do Brasil. giram, invocando o fantasma da Conspiração Comunista Inter­
A meta visada pelo movimento das Ligas Camponesas era nacional. De acordo com sua maneira de pensar, qualquer
a reforma agrária. Julião e todos os que com ele trabalhavam conversa sobre reforma agrária tinha que ser parte integrante de
uma conspiração “ vermelha” . Julião tinha uma resposta pron-
64 . '
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ta. Em sua Cartilha do Camponês, ele contou que um proprietá­ Na campanha presidencial de 1960, a esquerda brasileira (in­
rio certa vez dissera a seus trabalhadores que as Ligas estavam clusive os comunistas) apoiou o marechal Henrique Teixeira Lott,
trazendo o comunismo para o Nordeste. Quando um camponês um oficial do Exército que se dizia nacionalista, contra Jânio Qua­
perguntou o que era o comunismo, o proprietário respondeu que dros, governador do estado de São Paulo. Foi uma escolha infe­
o comunismo tomava os bens das pessoas, maltratava suas filhas liz, desde que o apagado Lott contrastava desfavoravelmente com
e destruía sua religião. O camponês observou que, desde que se o colorido e carismático Jânio. Julião acompanhou o resto da
entendia por gente, eram os proprietários que estavam tomando esquerda, especialmente porque Lott tinha apoiado os campone­
as terras dos camponeses, estuprando suas filhas e perseguindo ses com um pronunciamento enérgico, afirmando que “ as Ligas
qualquer pessoa que pertencesse a uma seita protestante. têm tanto direito de existir quanto os clubes militares” . Ele fez
— Se o que o senhor está dizendo é comunismo — concluiu o possível para que seus seguidores apoiassem Lott. Em 27 de
o camponês —, então nós já o temos por cá, e as Ligas estão con­ setembro de 1960, os camponeses fizeram uma passeata no Reci-
tra ele.25 ie em apoio a Lott e ouviram um discurso do líder comunista Luís
Esta interessante história não pôde esconder o fato de que Carlos Prestes. Por trás do palanque dos oradores estavam colo­
as Ligas Camponesas estavam merecendo atenção do Partido Co­ cados gigantescos cartazes com as figuras de Lott, Prestes, Ar-
munista. O Partido apoiou Julião desde o começo. O semanário raes, Julião e um cubano barbudo que era o mais recente herói
comunista do Recife deu-lhe bastante cobertura, indo ao extre­ da esquerda brasileira. Um mês depois, quando os votos foram
mo de publicar o horário de sua chegada no aeroporto, quando contados, Jânio havia recebido 48 por cento e Lott somente 28
retornava para casa após uma viagem.26 Clodomir Moraes, um por cento do total de 11,7 milhões de votos das urnas.
advogado e deputado estadual que freqüentemente ajudava Ju­ Em 1960, Julião fez uma descoberta que afetou profunda­
lião, era um esteio do Partido. Quando o líder do Partido, Luís mente o seu relacionamento com o Partido Comunista e o resto
Carlos Prestes, fazia suas visitas políticas ao Recife, muitas ve­ da esquerda radical. Em março daquele ano, ele empreendeu sua
zes Julião estava no palanque com ele. Em 1957, uma delegação primeira viagem a Havana. As circunstâncias da viagem foram
da Assembléia Legislativa de Pernambuco foi convidada a visi­ curiosas. O imprevisível Jânio tinha decidido visitar Cuba, como
tar a Europa Oriental. Julião estava entre aqueles que viajaram parte de sua campanha para a presidência, e convidou Julião, en­
à Polônia, Tcheco-Eslováquia e União Soviética. tre outros, para acompanhá-lo. Julião não pôde resistir ao con­
Condicionados pela guerra fria, os americanos chegaram a to­ vite. Ele havia desenvolvido um gosto por viagens ao exterior e
do tipo de conclusões sinistras no tocante às ligações de Julião com estava em vias de se tornar um inveterado turista político. Acei­
os comunistas. Apesar de existir realmente um relacionamento de tou e justificou-se dizendo que ia “ a Cuba com Jânio, mas às
trabalho durante este período, é essencial ter em mente o seu con­ urnas com Lott” .
texto. O Recife ainda era uma cidade muito pequena, pelo menos A visita deveria ter durado oito dias, porém Jânio, fiel ao
quanto à sua comunidade intelectual. Os comunistas não eram, de seu costume, interrompeu abruptamente a viagem depois de cin­
forma alguma, socialmente marginalizados; ao contrário, muitas co dias e trouxe o grupo consigo para casa. Ele nunca esclareceu
vezes eram membros respeitáveis dessa comunidade. Todos se co­ por que voltou (como também por que foi a Cuba), mas este era
nheciam, e laços pessoais, oriundos da família ou de amizades, o seu estilo político. Entretanto, a viagem foi bastante longa pa­
transcendiam as ideologias. Na realidade, um oficial americano, ra estimular o apetite de Julião, e, pouco tempo depois, ele re­
fixado no Recife durante os últimos anos da década de 1950, esta­ tornou para uma longa visita. Daí por diante foi um “ fidelista”
beleceu um relacionamento cordial com Hiram Pereira, líder do ardente, proclamando repetidamente sua solidariedade a Castro
Partido, ao descobrirem, ambos, um mútuo interesse pelo teatro. e à revolução cubana.

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Socialista há algum tempo, Julião tinha trabalhado consis­
tentemente para o estabelecimento de um sistema no Brasil co­
mo um objetivo a longo prazo, mas descobriu em Havana que
um país latino-americano tinha alcançado esta meta no decorrer
de uma luta relativamente breve. O sonho tinha se tornado reali­ QUATRO
dade e Julião não via qualquer razão para que isso não pudesse
acontecer tembém no Brasil.
Sua retórica rapidamente mudou de tom. Em 1956, ele ha­
via escrito: “ Eu não quero fazer qualquer revolução no sentido Miguel Arraes e a Frente Urbana
de derramar o sangue do meu vizinho ou de tomar o poder pela
força.” 27 Agora ele começava a apontar aos camponeses do
Nordeste o exemplo de Cuba e da China. No término de 1961, Pe - -yvo 4/>*Xt
£
ele estava dizendo que o Brasil precisava de mudanças radicais nas
suas estruturas, o que só poderia acontecer como resultado da
wSU-
pressão das massas; e, tendo em vista a resistência inevitável da­
queles que agora estavam no poder, era impossível que esse pro­
cesso fosse pacífico. Em entrevista concedida a uma revista, ele
observou que “ não faltarão armas, pois nunca há escassez de ar­
mas em uma guerra civil, seja qual for o país.” 2" Ele enfatizava Enq u a n to J u l iã o e seus camponeses estavam se descobrindo
constantemente que se opunha à aplicação maquinai de soluções mutuamente no interior do estado, um político populista, na ci­
estrangeiras a problemas brasileiros, mas não deixou qualquer dú­ dade do Recife, começava a reunir os elementos de uma frente
vida sobre seu objetivo imediato: começou a clamar por “ refor­ que logo se convertería numa séria ameaça ao status quo pernam­
ma agrária ou revolução” e por uma reforma da terra “ na lei bucano.1Eleito prefeito do Recife em 1959, Miguel Arraes re­
ou na marra” . presentava uma vaga coalizão de liberais, socialistas, comunistas,
Os Estados Unidos descobriram Julião sete meses após sua católicos progressistas, trabalhadores, estudantes e intelectuais.
primeira visita a Cuba, quando os artigos de Tad Szulc no The Não era esta a primeira vez que um líder esquerdista tomava a
New York Times o elevaram ao status de celebridade internacio­ frente do governo municipal do Recife. No entanto, o que tor­
nal. Julião não tomou conhecimento de que tão boa fortuna ti­ nou a vitória de Arraes digna de observação especial foi o fato
nha caído sobre si. Na época da publicação dos artigos, ele estava de que seu futuro político incluía claramente a possibilidade de
visitando a República Popular da China. que as coisas maiores iriam surgir. Muitos daqueles que o apoia­
vam insistiam em que sua habilidade política e sua imagem po­
pular o impulsionariam para um cargo mais elevado e contri­
buiríam para que alcançasse objetivos revolucionários dentro da
estrutura da democracia constitucional já existente. Ao contrá­
rio de Julião, Arraes, pelo menos à primeira vista, não parecia
ter nascido para o papel que estava prestes a desempenhar. Sua
personalidade, tanto pública quanto privada, mostrava os traços

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inegáveis do matuto, ou sertanejo — qualidades que não combi­ tro golpe para criar o que proclamou ser um “ Estado Novo” ,
navam com um líder político urbano. Era um homem consuma­ mas que veio a se tornar uma versão branda dos regimes já esta­
damente desconfiado, e essa qualidade dava tom a todos os seus belecidos em Portugal, Itália e Alemanha. Mesmo assim, Vargas
movimentos, enquanto abria caminho através dos emaranhados não parecia um ditador: baixinho, gordo, uma figura paternal,
políticos. Fumante inveterado, de físico robusto e projetando uma conhecido por todos simplesmente como Getúlio. Mestre em ma­
imagem ancestral, era capaz de tirar partido de sua forma abrupta nipulações políticas e em governar por improvisação, ele, entre­
e franca de falar e de sua reputação de honestidade — qualida­ tanto, operou uma grande mudança institucional ao centralizar
des estas que provaram ser extremamente valiosas durante sua grande parte do poder no governo federal.
subida espetacular à proeminência política. Acima de tudo, era Durante a Segunda Guerra Mundial, Getúlio se opôs aos di­
um homem complexo que conhecia bem os “ meios políticos an­ tadores fascistas e enviou tropas brasileiras para guerrear na Itá­
tigos” mas navegava na crista de uma nova onda que, na opi­ lia, ao lado dos Aliados. No final da guerra, a contradição
nião de muitos, se espraiaria por todo o país. existente entre o governo autoritário do Brasil e as democracias
Miguel Arraes de Alencar vinha do sudoeste do estado do junto às quais os soldados brasileiros haviam lutado ofereceu
Ceará, da terra de padre Cícero. A pequena cidade de Araripe, apoio substancial aos inimigos de Getúüo. No dia 29 de outubro
onde ele nasceu em 1916, está situada no sopé de uma cadeia de 1945, os militares depuseram-no.
de montanhas perto do ponto onde o Ceará se limita com Per­ A restauração da democracia no Brasil significava a volta
nambuco e o Piauí, este o estado mais atrasado do Nordeste. da política partidária. E Getúlio tinha deixado a sua marca no
É uma árida terra de ninguém. Arraes era o único filho de uma processo político. Os seus antagonistas tradicionais pertenciam
família que incluía seis irmãs mais jovens. Seus pais eram da classe à União Democrática Nacional (UDN), um partido conservador
média e de recursos modestos, tendo, porém, assegurado a edu­ com base predominantemente composta da classe alta urbana.
cação dos filhos. Arraes foi para a Faculdade de Direito no Reci­ Para se opor à UDN, Vargas tinha fundado não somente um,
fe. Cinco de suas irmãs tornaram-se professoras, e uma cursou mas dois partidos. O Partido Social Democrático (PSD) repre­
a universidade, graduando-se em Filosofia. Após obter o bacha­ sentava uma tentativa de unificar os elementos da estrutura do
relato, Arraes permaneceu no Recife, trabalhando no Institu­ poder rural que estavam prontos a colaborar com ele (ou ser com­
to do Açúcar e do Álcool. Casou-se, em 1945, com uma moça prados por ele). Após a sua queda do poder, o PSD herdou a
do Recife, cuja irmã era esposa do político e industrial Cid Sam­ máquina que ele havia criado a partir do círculo dos políticos lo­
paio. Logo depois, o próprio Arraes mergulhou na política em cais que o tinham apoiado e dos interventores que ele havia no­
Pernambuco. meado para ocupar os estados, em substituição aos governadores
A fim de entender melhor a ascensão meteórica de Miguel que se lhe haviam oposto. Também durante a guerra, Getúlio ti­
Arraes, é preciso primeiramente conhecer algo sobre a cena polí­ nha criado o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), para mobili­
tica de Pernambuco, o que, por sua vez, exige uma compreensão zar a classe trabalhadora e formar um movimento populista,
da cena política nacional. De 1930 a 1964, a política no Brasil tirando vantagem de sua imagem de “ Pai dos Pobres” e atrain­
refletia a influência indelével de um só homem, Getúlio Vargas.2 do o apoio que, do contrário, iria para os comunistas.
Quase tudo que aconteceu nesse período, mesmo depois que ele Em 1950, Getúlio voltou, para surpresa de todos, vencendo
saiu do centro de ação, só é compreensível em termos da luta con­ as eleições presidenciais pela chapa do PTB. Ele conseguiu isso
tínua entre seus seguidores e seus inimigos. mediante a ajuda considerável recebida dos seus velhos amigos
Getúlio Vargas assumiu a presidência do Brasil em 1930, co­ do PSD, apesar de o PSD ter apresentado um candidato próprio.
mo resultado de um golpe militar. Sete anos depois, encenou ou­ Mas quatro anos depois, frustrado pelos seus inimigos políticos,

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ele se suicidou de forma dramática. Nas eleições de 1955, o can­ Em 1954, o PSD apresentou como seu candidato ao gover­
didato do PSD, Juscelino Kubitschek, obteve suficiente apoio do no, o general Oswaldo Cordeiro de Farias, um oficial do Exérci­
PTB para se eleger presidente. to que desde muito tempo estava envolvido em política e cujas
Embora teoricamente a UDN e o PSD fossem conservado­ ambições pareciam crescer com o tempo. Ele se havia transfor­
res, e o PTB progressista, nenhum destes partidos apresentava mado num conservador anticomunista da linha dura, com uma
uma ideologia clara. Suas tramas originaram-se de conchavos hostilidade irreversível contra Vargas. De fato, fora um dos es- es­
“ por baixo do pano” e de surtos personalísticos. Isto era dupla­ trategistas do golpe de 1945, que tinha derrubado Getúlio. A UDN
mente verdadeiro quanto ao que acontecia localmente nas várias escolheu, como seu porta-bandeira, João Cleofas, oligarca apa­
áreas subdesenvolvidas do país. No Nordeste, o jogo político cons­ gado e constante perdedor, que Getúlio tinha nomeado ministro
tituía a preocupação dos ricos grupos familiares que se envolviam da Agricultura em 1951, como recompensa pelo apoio da UDN
nas bandeiras dos partidos, sem levar em consideração as posi­ em Pernambuco. Cleofas era candidato sem esperança e perdeu,
ções ocupadas pela liderança nacional. Quase não existia disci­ feio, as eleições.
plina partidária. Se o seu inimigo local pertencia à UDN, você Cordeiro de Farias manteve o governo estadual de Pernam­
se aliava ao PSD. Simplesmente isso. Assim, nas eleições presi­ buco na linha antiga. Continuou sua orientação conservadora e
denciais de 1950 Vargas descobriu que não podia seduzir os che­ rural, zelando pelos interesses das famílias do PSD e dos coro­
fes do PSD em Pernambuco e, por isso, procurou obter o apoio néis seus aliados. A oposição aumentou em várias frentes na m e-'
da UDN no estado — apesar do fato de que a força motivadora dida em que a cidade do Recife continuou a crescer e seus
da UDN era, supostamente, a oposição a Vargas. problemas a proliferar. A indiferença do governo estadual por
Grupos familiares pertencentes ao PSD tinham estado no go­ esses problemas não era novidade, e os eleitores urbanos sempre
verno de Pernambuco por muitos anos. Seu sucesso era devido tinham manifestado antipatia pelo governador empossado. Esta
a uma aliança com os chefes locais, os coronéis, que podiam dis­ animosidade tradicional intensificou-se. Os estudantes e intelec­
por do voto do interior. As exigências de alfabetização dos elei­ tuais, geralmente esquerdistas e, portanto, hostis ao caráter eli­
tores, feitas pela Constituição federal, eram interpretadas libe­ tista do governo estadual, aumentaram seus protestos. Miguel
ralmente quando os coronéis traziam vários caminhões cheios de Arraes, então membro da Assembléia Legislativa, desempenhou
camponeses para as urnas. O procedimento usual era entregar a um papel proeminente no movimento crescente da oposição. Li­
cada camponês um pedaço de papel com o seu nome escrito. O derou muitas lutas do Legislativo contra a administração e rece­
camponês, então, copiava a sua “ assinatura” em frente de um beu o título de “ Deputado do Ano” , numa homenagem da
membro da mesa eleitoral e votava conforme as instruções do co­ Associação Estadual de Jornalistas pelos seus esforços neste setor.
ronel. O que realmente preocupava o PSD, porém, era a força cres­
Miguel Arraes experimentou pela primeira vez o gosto ver­ cente da oposição da UDN. Vários industriais do Recife, com
dadeiro da política em 1948, quando um dos governadores do PSD idéias relativamente progressistas para a época e o local, sen-
o nomeou secretário da Fazenda. Apesar de seu cunhado Cid Sam­ tiam-se extremamente desgostosos com a política econômica de
paio pertencer à UDN, Arraes sempre evitava identificação com Cordeiro de Farias. Eles viam que as oportunidades de expandir
aquele partido ou com qualquer outro. Essa cautela inicial ser- o desenvolvimento industrial e os mercados internos estavam sen­
lhe-ia de grande valor no futuro, visto que facilitou seu esforço do limitados por medidas de curto alcance, destinadas ao benefí­
para formar uma nova coalizão de eleitores em Pernambuco. Du­ cio imediato dos oligarcas da terra. Em protesto contra um
rante a sua participação no governo do PSD, ele fez muitos con­ aumento de impostos promulgado pelo governo estadual em 1957,
tatos úteis com os chefes do PSD no interior. esses industriais declararam-se em greve, fechando fábricas e ca-

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sas comerciais no Recife e em algumas outras cidades. A greve A intensidade emocional gerada pela campanha conseguiu
durou pouco tempo, e seu objetivo não era fazer uma guerra eco­ obscurecer completamente os itens importantes que separavam
nômica total contra o governo do estado. Tratava-se apenas de os candidatos. Pela primeira vez em Pernambuco foram utiliza­
um jogo puramente político, destinado a projetar no cenário o das intensivamente as técnicas modernas das comunicações de
nome do líder das forças da UDN, Cid Feijó Sampaio. massa: quando Cid atacava a máquina do PSD, os partidários
Cid Sampaio não parecia ser o tipo de pessoa para liderar do PSD gritavam contra Cid: “ Comunista” . O PSD tinha boas
um rompimento político que teria implicações assustadoras para razões para se preocupar. O governo federal havia recentemente
Pernambuco. Na ocasião da greve, ele tinha cinqüenta anos de feito uma revisão das listas eleitorais. Como resultado disso, Per­
idade e era um industrial e usineiro pertencente a uma das famí­ nambuco perdera 200.000 eleitores registrados (freqüentemente
lias mais antigas do estado. Por qualquer critério, além daquele nomes de mortos), utilizados pelos chefes do PSD para assegu­
do dia, ele seria considerado um conservador seguro e respeitá­ rar a vitória dos candidatos do governo. No final, Cid assegurou
vel. Em Pernambuco, porém, em 1958, ao apresentar sua candi­ sua base conservadora entre os industriais e comerciantes do Re­
datura para governador, ele foi alvo de forte reação da direita, cife, e a sua maioria esmagadora na cidade deu-lhe a vitória. Ele
pois havia decidido fazer algo — não muito, mas alguma coisa ganhou a eleição por mais de 100.000 votos.
— pela população pobre do estado, o que parecia ser de bom sen­ Os vencidos do PSD naturalmente reagiram, dizendo que os
so, errr termos práticos. Afinal de contas, pessoas sem dinheiro comunistas estavam a ponto de tomar tudo em Pernambuco. Até
não podiam comprar nada. espalharam a história de que Luís Carlos Prestes, o líder do Par­
O Partido Comunista apoiou Cid abertamente, e ele, aber- tido, estava comprando uma casa no Recife para ficar perto de
tamente, aceitou seu apoio. Apesar de não ser novidade o apoio todas as atividades. Cid ignorou o barulho e começou a desmon­
comunista a um candidato não-comunista, os oponentes de Cid tar a máquina do PSD no interior, substituindo-a pela sua pró­
no PSD reagiram muito, transformando-o num caso de grandes pria máquina da UDN. Pouco tempo depois, mantendo sempre
proporções, especialmente quando o arcebispo de Olinda e Reci­ o seu espírito de desafio, ele visitou a China, onde teve uma cor­
fe, antes de uma viagem à Europa, declarou: “ Candidatos que dial entrevista com Mao Tsé-Tung.
adotam princípios ideológicos e ações contrárias à doutrina da Miguel Arraes chefiou toda a campanha de Cid e fez bom
Igreja não poderão receber votos. Nem mesmo aquele que, ape­ uso dos seus contatos com o PSD no interior. Sua preocupação
sar de oriundo de uma família católica, torna-se um mero instru­ com as eleições governamentais fez com que ele negligenciasse sua
mento dos vermelhos e sobe aos palanques em comícios própria campanha para reeleição à Assembléia Legislativa, per­
promovidos por líderes comunistas cujas mãos estão manchadas dendo assim o seu lugar. Mas Cid o nomeou para o seu antigo
de sangue.” 3 cargo de secretário da Fazenda.
O vigário-geral da Arquidiocese, subseqüentemente, citou a Ele não permaneceu muito tempo na nova administração,
condenação do papa Pio XII às alianças com o Partido Comunista, visto que 1959 foi ano de eleições nas cidades. Com o gosto da
como justificativa da posição tomada pelo arcebispo. No entanto, vitória recente servindo de estímulo, os novos elementos popu­
o assunto não se achava bastante claro. O povo estava lembrado listas no Recife viram uma oportunidade de ouro para se asse-
de como a hierarquia, pelas mesmas razões, se havia oposto à can­ nhorear da prefeitura. Estavam certos de que Miguel Arraes era
didatura para prefeito do esquerdista Pelópidas Silveira, que, por o candidato que poderia fazer isto para eles.
coincidência, tinha uma irmã que era freira. Entretanto, quando A nova força representava uma coalizão dos grupos da es­
Pelópidas venceu as eleições, o arcebispo não recusou sua libera­ querda e centro-esquerda, que abrangiam comunistas, socialis­
ção de verbas municipais para a construção de um seminário. tas, liberais, católicos progressistas, trabalhadores, estudantes e

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intelectuais. Viram inicialmente Arraes como o sucessor de Peló- o serviço telefônico da cidade e distribuíam panfletos publicados
pidas Silveira, o “ gordo papai da esquerda” que havia sido re- por uma dita Aliança Libertadora Nacional, exigindo “ PÃO,
TERRA E LIBERDADE para o povo” .
centemente um prefeito popular. Cid e seus amigos conservadores
da UDN não estavam gostando da possibilidade da candidatura Ao mesmo tempo, rebentavam revoltas em várias instalações
de Arraes. Cid tinha ambições políticas mais elevadas e via em militares. No quartel da 7? Região Militar no centro da cidade,
seu cunhado um rival em potencial. Os industriais e comercian­ um sargento de rosto avermelhado, cuja figura atlética testemu­
tes da cidade olhavam desfavoravelmente as forças que davam nhava seu trabalho como instrutor de educação física, deu sinal
suporte a Arraes. No final, porém, ainda que relutantemente, aos seus parceiros de conspiração e atirou em dois tenentes,
deram-lhe seu apoio, visto que a alternativa seria a vitória para atingindo-os no estômago. Um deles morreu do ferimento. Por
este ato de violência, o Exército nunca esquecería o nome de Gre-
o grupo do PSD. gório Lourenço Bezerra.
Arraes venceu facilmente. Novamente houve boatos de que
os comunistas iam tomar tudo, apesar de ninguém especificar o Esta insurreição foi um despropósito, visto que apenas uns
que achava que os comunistas fariam com uma cidade (além de poucos trabalhadores e soldados aderiram à “ revolução” . Os re­
> governá-la à maneira dos numerosos prefeitos “ vermelhos” na beldes enviaram parte de suas forças para a vizinha cidade de Ja-
França e na Itália). Apesar de Cid manter distância do Partido boatão, cuja simpatia pela esquerda era notória, a ponto de ser
após eleito governador, Arraes não o fez. Ele nomeou Hiram Pe­ chamada pelo povo de “ Moscouzinho” . O restante do contigen­
reira, um dos líderes do Partido em Pernambuco, para o cargo te rebelde se escondeu na torre da igreja do largo da Paz, que
de secretário de Administração, e Aluísio Falcão, um membro comandava o acesso à cidade pelo sul. Fortificaram a torre com
do Partido, como diretor da Divisão de Assuntos Culturais da metralhadoras pesadas e esperaram. Logo depois, as forças go­
vernamentais chegaram e cercaram a igreja. Seguiu-se um gran­
cidade. de tiroteio, que levou à demolição da torre e forçou a rendição
A presença de comunistas declarados dentro do governo mu­
nicipal foi o ápice de um retorno espetacular do Partido no Nor­ do que restava do grupo rebelde. Aqueles que fugiram para Ja-
deste, e refletiu seu crescente poder e prestígio a nível nacional. boatão tiveram o mesmo destino. O número de mortos, em am­
O que tornou este fato digno de nota foi que, 25 anos antes, o bos os lados, chegou a 150, de acordo com os dados oficiais. Há
Partido parecia ter cometido um erro de proporções suicidas, tan­ quem diga que os rebeldes perderam muito mais do que isso, tanto
to em Pernambuco como em outras partes do país. durante como após a rebelião. Por algum milagre, Gregório Be­
Numa manhã de domingo, no dia 24 de novembro de 1935, zerra sobreviveu, não só à batalha mas também à sua captura.
enquanto o governador de Pernambuco atravessava o Atlântico Foi condenado a uma longa pena de prisão.
em direção a Lisboa, a bordo do dirigível alemão Hindenburg, Outras rebeliões ocorreram simultaneamente no Rio de Ja­
o Partido Comunista desencadeou uma rebelião armada no esta­ neiro, Natal e outros pontos isolados em todo o país. Os comu­
do, como parte de um esforço coordenado para derrubar o go­ nistas obtiveram sucesso somente em Natal, capital do Rio Grande
verno do Brasil.4 Se não se levar em conta um golpe abortado do Norte, onde conseguiram derrubar o governo estadual e per­
em El Salvador em 1932, foi esta a primeira e única vez que um maneceram no poder durante três dias. No final de novembro,
Partido Comunista, ligado à linha de Moscou, tentou fazer uma todo o movimento havia terminado, e o status quo sobreviveu.
revolução violenta na América Latina. O putsch em Pernambu­ Até o início da década de 1930, o Partido Comunista Brasi­
co começou pela madrugada, quando civis armados atacaram os leiro havia sido um movimento pequeno, sem muita base popu­
postos policiais e as cadeias em vários distritos das classes traba­ lar.5Nestes anos de formação, o Partido tinha devotado a maior
lhadoras no Recife. Já às 10:30 os rebeldes haviam interrompido parte do seu tempo e energia a disputas, primeiramente com os

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anarquistas e depois com os trotskistas, acerca de quem deveria dada rebelião para reprimir a esquerda. Prestes, que havia sido
liderar a extrema esquerda no Brasil. O que capacitou o Partido proclamado pelos insurretos como o novo “ presidente do Bra­
a se desenvolver tão rapidamente, a ponto de, em poucos anos, sil” , conseguiu se manter fora do alcance da polícia até março
se julgar em condições de tentar uma revolução violenta, foi a de 1936, quando finalmente foi preso. Tanto ele como os outros
liderança de Luís Carlos Prestes, uma das figuras mais notáveis líderes e militantes do Partido foram condenados a longas penas
na história do Brasil. de prisão, e o Partido Comunista foi declarado ilegal.
Prestes era um capitão do Exército encarregado de uma for­ Várias semanas depois do término da Segunda Guerra Mun­
taleza no Sul do país, quando aderiu a uma revolta que tinha ex­ dial, Getúlio Vargas ordenou a libertação de Prestes e todos os
plodido em São Paulo em 1924, uma das várias rebeliões presos políticos do Brasil. Com seu governo cambaleando em fa­
comandadas então por jovens oficiais do Exército. O que tornou ce da oposição crescente daqueles que exigiam o retorno da de­
a rebelião de Prestes tão espetacular foi o fato de ele conseguir mocracia constitucional, Getúlio precisava de toda a ajuda que
sustentá-la durante quase três anos, palmilhando o vasto interior fosse possível angariar. Por sua vez, os comunistas apoiaram o
do país, utilizando táticas de guerrilha, e tentando, embora sem presidente — prova está, se alguma fosse necessária, da firme ade­
êxito, incitar as massas rurais à revolta. A marcha da Coluna Pres­ são de Prestes à linha do Partido, visto que Vargas tinha entre­
tes foi algo de admirável, cobrindo 34.700 quilômetros, e o pró­ gue a esposa de Prestes à Gestapo alemã e os nazistas a haviam
prio Prestes tornou-se uma figura popular cujas dimensões assassinado. Todas estas manobras não foram capazes de deter
heróicas raramente têm sido igualadas no Brasil. Ele e seus ho­ o inevitável, e no dia 29 de outubro de 1945 os militares depuise-
mens chegaram a sintetizar a luta do pobre contra o rico. Dentro ram Vargas.
do próprio Exército, a admiração pela estratégia e coragem de Mesmo assim, Prestes e os comunistas conseguiram manter
Prestes era ilimitada. Acontecesse o que acontecesse, sua mística uma grande parcela do sentimento público a seu favor. Nas elei­
continuava intacta. Ele sempre iria ser conhecido pelo seu cog- ções que se seguiram à queda de Vargas, os candidatos comunis­
nome, Cavaleiro da Esperança. tas saíram-se muito bem. O Cavaleiro da Esperança, lançando
Apesar de exilado em Buenos Aires, Prestes começou a se mão de regras eleitorais peculiares ao Brasil, conseguiu eleger-se
envolver com política, aproveitando o fato de ter grande número para o Senado pelo Distrito Federal (a cidade do Rio de Janeiro)
de seguidores. Ao declarar, em 1931, que havia entrado no Par­ e para a Câmara dos Deputados pelo Distrito Federal e mais qua­
tido Comunista, ele deu ao Partido um tremendo impulso. Pas­ tro estados, inclusive Pernambuco. Ele preferiu o Senado. O can­
sou uns tempos em Moscou, onde trabalhou pelo Comintern didato comunista para presidente recebeu 10 por cento do total
(Internacional Comunista). Em 1934, o governo brasileiro per­ de votos nacionais. Quatorze comunistas foram eleitos deputa­
mitiu seu regresso, e ele colocou seu prestígio ao serviço do Par­ dos federais. Entre eles estava Gregório Bezerra, cujo papel na
tido. No ano seguinte, tornou-se presidente honorário da Aliança revolução de 1935 não impediu que o povo de Pernambuco vo­
Libertadora Nacional, uma coalizão de forças esquerdistas lide­ tasse nele. Esta tendência continuou nas eleições estaduais de 1946.
radas por comunistas, cujo objetivo era mobilizar a oposição po­ O Partido ganhou 12 dos 25 lugares na Câmara dos Vereadores
lítica ao governo do presidente Getúlio Vargas. A Aliança tentou do Recife e colocou 13 deputados na Assembléia Legislativa de
ganhar o poder através de meios legais e constitucionais, mas, Pernambuco.
nos meados de 1935, extremistas do Partido acharam que o tem­ Mas os comunistas não permaneceram no seu papel de par­
po estava maduro para uma revolução violenta, conseguindo con­ tido de oposição política. Com o surgimento da guerra fria, o
vencer Prestes disto. Foi um monumental erro de cálculo. novo governo federal brasileiro assumiu cada vez mais uma po­
Vargas lançou mão da oportunidade fornecida pela malfa- sição militante anticomunista. Em maio de 1947, o Supremo Tri-

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i
bunal Eleitoral do Brasil declarou que o Partido era “ antidemo­
crático” e portanto ilegal perante a Constituição. Em outubro, Quando se considera, retrospectivamente, com que surpreen­
Prestes e todos os deputados comunistas no Congresso perderam dente rapidez os fatos se seguiram no curto espaço de tempo en­
seus lugares. Durante os 17 anos seguintes o Partido funcionou tre 1958 e 1964, vê-se que a estratégia comunista, sem qualquer
à margem da lei, nunca apresentando seus próprios candidatos, dúvida, foi correta. As eleições de 1958 não somente quebraram
mas trabalhando com outros partidos e instituições políticas, e a hegemonia do PSD, mas também provaram aos elementos pro­
por vezes dentro deles. gressistas de Pernambuco que eles podiam desequilibrar o status
Em Pernambuco, os comunistas cultivaram a base de apoio quo. O que ninguém podería ter previsto, porém, era o súbito
e simpatia que os tinha levado a escolher o Recife como alvo prin­ aparecimento de um político que podería galvanizar esta nova for­
cipal no golpe de 1935. Em 1955 aumentaram sua popularidade ça política e utilizá-la para fins radicais.
ajudando a eleger Pelópidas Silveira, um administrador vigoro­ Naturalmente, os comunistas foram rápidos em reconhecer
so e progressista, para a prefeitura do Recife. o potencial de Miguel Arraes, e usaram toda a sua influência en­
Mesmo assim, a experiência de 1935 havia deixado suas mar­ tre intelectuais, estudantes e trabalhadores para promovê-lo. Por
cas. Para os comunistas, serviam de lembrete os anos de cadeia sua vez, Arraes incluiu membros do Partido no seu círculo ínti­
que se haviam abatido sobre eles como resultado de suas ações mo de conselheiros.
precipitadas e mal dirigidas. Não repetiríam seu erro. Para as uni­ Este novo movimento populista desafiou mais do que os in­
dades militares estacionadas no Nordeste, a vitória sobre os re­ teresses econômicos e políticos entrincheirados no Recife e no es­
beldes era conservada viva mediante uma tradição de constantes tado de Pernambuco. O sistema cultural dominante, presidido
comemorações. Isto era especialmente observado no meio dos ofi­ por Gilberto Freyre, também se colocou na defensiva.
ciais, que não poderíam esquecer os companheiros que haviam O morador mais distinto do Recife era um alvo convidati­
sido mortos nem perderíam de vista aqueles que tinham partici­ vo, pois sua estrela já estava declinando. Em 1933, com a publi­
pado da revolta. cação do seu trabalho fundamental Casa-Grande & Senzala* o
O Partido Comunista em Pernambuco geria suas atividades sociólogo-historiador de cabeça prateada teve o mérito de apre­
de acordo com as exigências da liderança do Partido. O alto co­ sentar ao Brasil o seu próprio passado cultural. Conseguiu insti-
mando, no Rio, seguia fielmente a linha determinada por Mos­ lar em muitos patrícios um apreço pela força de sua herança mul­
cou. Esta estrutura centralizada e rigidamente disciplinada era tirracial, o que, até aquele momento, era fonte de um complexo
virtualmente o inverso da maneira pela qual outros partidos po­ de inferioridade para os brasileiros da classe alta e educada.
líticos operavam no Nordeste brasileiro. Nos fins da década de 1950, entretanto, o tempo estava co­
Em 1954, os comunistas discretamente apoiaram o candida­ meçando a ultrapassar Gilberto Freyre. Os intelectuais mais no­
to da UDN, João Cleofas. Ainda estavam apoiando Getúlio Var­ vos do Brasil já não o encaravam como a última palavra no seu
gas em âmbito nacional, e Cleofas era homem de Getúlio. Além campo. Muitas das suas obras posteriores foram consideradas ape­
disso, o Partido reconhecia a necessidade de quebrar o jugo do nas uma repetição fragmentada do que ele tinha dito em Casa
PSD sobre Pernambuco. Grande & Senzala. Sua imagem idílica da vida nos engenhos foi
Em 1958, Cid Sampaio recebeu apoio total e aberto dos co­ questionada e ele foi acusado de sufocar o desenvolvimento da
munistas. No auge da campanha, o Partido trouxe o seu maior sociologia no Nordeste, principalmente por sua influência sobre
trunfo, Luís Carlos Prestes, e o Cavaleiro da Esperança atraiu o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, órgão federal
multidões no Recife e nos subúrbios. Prestes apareceu no mes­ que era sua criação pessoal e sua base de operações no Recife.
mo palanque, com Cid, e foram fotografados juntos.
•Publicado pela Recora.
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O ponto de vista político de Gilberto Freyre tornou inevitá­
vel seu conflito com Arraes e seus correligionários. Nascido em
1900, ele era descendente de uma família cujas raízes podem ser
rastreadas até o século XVII. Durante a década de 1930 ele se
opôs fortemente à ditadura de Vargas e passou vários anos exila­
do no exterior. Com a restauração da democracia após a Segun­
da Guerra Mundial, foi eleito deputado federal, mas perdeu CINCO
subseqüentemente uma campanha para a reeleição. Frequente­
mente ele se chamava a si próprio de “ esquerdista” e certa vez
chegou a afirmar que era um “ anarco-sindicalista” . Mas no Re­ Celso Furtado, a Sudene e a
cife — um canteiro de esquerdismo — o povo o conhecia como
o conservador que era. Seus laços políticos ligavam-no à UDN. Usaid
No cenário internacional, ele tinha servido como fiel apologista
da política colonialista de Portugal na África, fazendo conferên­
cias e escrevendo sobre o assunto. Por sua vez, os portugueses
outorgaram-lhe um diploma honorário de doutor pela famosa
Universidade de Coimbra e frequentemente o convidavam para
visitar Portugal e as colônias africanas.
Foi uma ironia o fato de que, apesar de Freyre ter recebido
uma parte substancial de sua educação formal nos Estados Uni­
dos (bacharel em Artes, por Baylor; mestre em Artes, por Co- Na esteira d a desastro sa seca de 1958, Antônio Callado fez
lumbia), o seu trabalho não tenha obtido amplo reconhecimento uma viagem através do Nordeste brasileiro e regressou ao Rio de
nesse país até que saiu de moda no Brasil. A Universidade do Re­ Janeiro com material para uma sensacional série de artigos jor­
cife criou um Instituto de Ciências do Homem, o qual conseguiu nalísticos. Escreveu sobre uma indústria que encontrou em ple­
funcionar fora do âmbito de sua influência. A Sudene, através no desenvolvimento numa terra nua onde não se pensava que
da Divisão de Recursos Humanos, logo utilizaria seus recursos qualquer indústria pudesse sequer existir. Os artigos, publicados
financeiros para subsidiar a pesquisa sociológica por intelectuais em setembro de 1959, expuseram à publicidade nacional os “ in­
jovens que não pertenciam ao círculo de Gilberto Freyre. dustriais da seca” , ricos proprietários que estavam tirando lucros
Portanto, o ataque ao status quo no Recife amargurou Gil­ tremendos do auxílio federal contra as secas.
berto Freyre, que, por sua vez, nem sequer tentou esconder seu A principal revelação de Callado era concernente à constru­
desagrado pelo novo movimento populista. Enquanto isso, os cor­ ção de açudes que ele intitulou “a loteria mais fantástica e injus­
religionários de Arraes não faziam segredo de suas esperanças de ta do mundo” .1A irrigação resultante desses projetos de obras
elegê-lo governador de Pernambuco, promovê-lo a vice-presi­ públicas enriquecia os proprietários no sertão da noite para o dia.
dente, e depois, sonho maior e último, a presidência da Repú­ A decisão quanto ao local dos açudes constituía assunto pura­
blica. mente político, não dependendo da alocação racional de recur­
sos, mas das disposições dos políticos locais que eram
proprietários de terras. Estes haviam ganho o controle do Depar­
tamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), o órgão
federal responsável pelos programas contra a seca no Nordeste,
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lidade, Callado havia realizado sua viagem à região a pedido de
e, portanto, construíram açudes para satisfazer os seus próprios Celso Furtado.
interesses. O proprietário conseguia o dinheiro, irrigava sua pro­ O presidente Juscelino Kubitschek havia procurado o con­
priedade e podia fazer o que quisesse com a sua terra recém- selho de Celso Furtado após a seca de 1958 no Nordeste.2 A
irrigada. Um dispositivo da Constituição federal só faltava mes­ pressão do público estava se avolumando na medida em que mi­
mo proibir o governo de desapropriar terreno particular em be­ lhares de flagelados deixavam o interior em busca de alimento
nefício público. Não havia meio de forçar um proprietário a e trabalho, enquanto circulavam histórias sobre o mau uso dos
adotar técnicas modernas de agricultura e utilizar sua terra irri­ recursos federais destinados à sua ajuda.
gada de forma a criar empregos e fornecer alimentos aos seus nu­ > Kubitschek era um executivo extraordinário que gostava de
merosos moradores. Desse modo, o dono enchia os seus bolsos, grandes empreendimentos. Estava construindo a nova capital,
e os camponeses sem terra, vivendo e trabalhando na sua pro­ Brasília, no sertão. Ele possuía idéias grandiosas sobre o desen­
priedade ou perto dela, continuavam a levar uma existência mar­ volvimento econômico. Durante os anos de seu governo, o Bra­
sil estava crescendo rapidamente, pelo menos no Sul. Entretanto,
ginal.
Callado também esclarecia o motivo pelo qual alguns pro­ o Nordeste permanecia estagnado. Em 1955, a região continha
prietários não queriam receber assistência federal contra a seca. 32 por cento da população do Brasil, porém gerava apenas 13
Suas propriedades estavam localizadas nas adjacências de rios se­ por cento da renda do país.' E as coisas não tinham melhorado
cos, onde estavam plantando um tipo de palmeira (carnaúba) que muito. Portanto, Juscelino resolveu usar a seca para fazer algo
fornecia cera para velas. A venda de cera constituía uma lucrati­ de grandioso para o Nordeste.
va fonte de renda. Maior umidade seria prejudicial às palmeiras; Celso Furtado, que naquela ocasião trabalhava como eco­
portanto, os proprietários se opunham a qualquer projeto que nomista no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, no
pudesse perenizar esses rios e se recusaram até a levar em conta Rio, preparou o que ficou conhecido como o Relatório Furtado.
os benefícios que uma maior quantidade de água poderia trazer Ele deu ênfase, no relatório, à disparidade existente entre o de­
aos camponeses dos arredores. senvolvimento no Sul e no Nordeste, e afirmou que inúmeros pro­
Não eram novidade os relatórios sobre a irregularidade dos gramas econômicos efetuados pelo governo federal eram respon­
programas federais cujo objetivo era auxiliar o Nordeste. Desde sáveis por manter, e até piorar, esta disparidade, favorecendo o
o início de tais esforços, a incompetência era companheira da cor­ crescimento do Sul à custa do Nordeste. Como o valor das ex­
rupção. As barragens e os açudes foram construídos em lugares portações do Nordeste para o exterior se deteriorava, enquanto
errados, e os recursos de emergência contra as secas achavam sem­ os custos de importação do Sul industrializado do Brasil aumen­
pre o caminho para os bolsos dos políticos e seus amigos. Já em tavam, o capital se escoava do Nordeste para o Sul! Ele então
1959, o DNOCS tinha adquirido uma imagem desagradável, es­ formulou um plano que propunha uma abordagem radicalmente
pecialmente depois dos relatórios sobre propinas durante o pro­ diversa dos problemas do Nordeste. Até aí as preocupações do
grama de ajuda financeira contra a seca em 1958. governo tinham sido apresentadas em termos defensivos.
Callado, um jornalista urbano com leitores espalhados por Formulavam-se medidas para aliviar os efeitos da seca. Celso Fur­
todo o território nacional, ajudou a catalisar a indignação públi­ tado desejava um programa positivo que alcançasse as causas do
ca. Seus artigos eram vividos e explícitos. Mais importante ainda subdesenvolvimento através de toda a região. O seu relatório ofe­
é que apareceram no momento oportuno, pois Celso Furtado, recia várias sugestões para lidar com essas causas.
grande amigo de Callado, estava, no mesmo momento, engaja­ A estratégia proposta envolvia: (1) uma política de industria­
do numa luta para persuadir o Congresso Nacional a adotar uma lização para a área; (2) um projeto de colonização que transferi-
política econômica completamente nova para o Nordeste. Na rea­
85
84
ria gente para fora do Nordeste superpovoado; (3) uso mais ra­ tado voou para Washington, com um pedido de ajuda aos Esta­
cional de terras na zona açucareira; e (4) uma política de irriga­ dos Unidos no montante de US$400 milhões.
ção que estimulasse uma crescente produção de alimentos no No dia 14 de julho de 1961, ele foi recebido pelo presidente
sertão. A elaboração e execução desta grande estratégia seria da Kennedy, a quem causou sua habitual boa impressão. Ao mes­
responsabilidade de um novo órgão federal, com amplos pode­ mo tempo, sentiu-se encorajado pelo interesse do presidente por
res e grandes recursos financeiros à sua disposição. suas propostas. Vários homens das “ Novas Fronteiras” opina­
Celso Furtado submeteu seu relatório a Kubitschek no iní­ ram que o plano diretor poderia ser exatamente o tipo de progra­
cio de 1959, e o presidente o aceitou entusiasticamente. Uma le­ ma imaginativo que os Estados Unidos deveríam apoiar, como
gislação foi rapidamente elaborada, incorporando algumas das contrapartida à crescente aceitação de Fidel Castro na América
suas recomendações. A chave fundamental da nova estratégia era Latina. Como ponto inicial, Kennedy despachou uma equipe de
uma nova autarquia federal, a Superintendência para o Desen­ averiguação e estudo para o Recife.
volvimento do Nordeste (Sudene), que deveria elaborar um pla­ Não foi esta a primeira descoberta do Nordeste do Brasil pe­
no diretor para o desenvolvimento de toda a região. los americanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, a região ser­
A Sudene teria autoridade geral e seria diretamente subordi­ vira como área de estágio para o transporte de homens e material
nada ao presidente. Para seu orçamento, recebería dois por cen­ pelo Atlântico Sul até Dakar, na costa ocidental da África. Os
to da receita fiscal de todo o Brasil. Os governadores dos estados Estados Unidos construíram uma grande base áerea perto de Na­
do Nordeste seriam membros do Conselho Deliberativo da Su­ tal, capital do estado do Rio Grande do Norte, bem como insta­
dene, envolvendo interesses locais nas funções de estabelecer uma lações no Recife e em outros locais ao longo da costa. Em 28 de
política para o órgão. janeiro de 1943, o presidente Franklin D. Roosevelt e o presiden­
Após uma luta política estafante, a Câmara dos Deputa­ te Getúlio Vargas tinham conferenciado a bordo de um navio de
dos, em maio, aprovou a legislação. Em dezembro, o Senado, guerra americano, no porto de Natal.
ajudado pelo impacto dos artigos de Callado, também aprovou Os dólares gastos pelas tropas americanas deram estímulo
a legislação. Logo após, sem causar surpresa a ninguém, Kubits­ temporário à economia do Nordeste. Os americanos também mon­
chek nomeou Celso Furtado como primeiro superintendente da taram inúmeros postos de saúde e fizeram algumas tentativas para
Sudene. expandir a produção de alimentos na região. Os Estados Unidos
Também não causou surpresa que o plano diretor, detalha­ também prestaram assistência técnica na pesquisa de recursos na­
damente executado pela Sudene, seguisse de perto o Relatório Fur­ turais, mas a maior parte deste esforço ficou centralizada na ba­
tado. O passo seguinte seria assegurar a aprovação do plano pelo cia amazônica. No final da guerra, as tropas foram retiradas,
Congresso, um esforço que foi retardado pelas eleições presiden­ doando-se aos da terra a base aérea e diversas construções. Tam­
ciais de 1960 e a sucessão de Kubitschek pelo controvertido Jâ­ bém foi deixado um transplante híbrido, o tomate, que haviam
trazido consigo e introduzido no Brasil.4
nio Quadros.
Enquanto isso, Celso Furtado estava fazendo pressão para De 1950 até a revolução cubana, o auxílio dos Estados Uni­
assegurar o que ele considerava uma importante fonte de apoio dos ao Brasil constou de assistência técnica, sob o programa do
para a Sudene e o seu plano diretor. O jornalista Tad Szulc tinha Ponto Quatro, e, ocasionalmente, de empréstimos para o desen­
usado a primeira página do The New York Times para dar o si­ volvimento. O Nordeste do Brasil recebera uma pequeníssima par­
nal de alarme quanto ao surgimento do “ castrismo” no Nordes­ cela deste modesto esforço. O professor Stefan H. Robock sugere
te brasileiro, e a administração de Kennedy estava se tornando que uma razão para isto foi que “ vários altos oficiais brasileiros,
apreensiva com o desassossego na região. Portanto, Celso Fur- que estavam junto à embaixada americana e aos funcionários do

86 87
Ponto Quatro, acreditavam sinceramente que o Nordeste era uma Comissão Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Eco­
causa perdida e que não se deveria desperdiçar ajuda com aquela nômico, fundada no começo da década de 1950, como parte de
região” .5(Além da pequena quantia que os Estados Unidos ca­ um esforço americano para estudar os meios de remover os obs­
nalizavam para o Nordeste, várias agências das Nações Unidas táculos ao desenvolvimento do Brasil. A equipe que ele liderava
conseguiram prover alguma assistência técnica, a despeito dos par­ apreciou integralmente o papel da Sudene no Nordeste e traba­
cos recursos da ONU para o desenvolvimento econômico.) lhou estreitamente com Celso Furtado e os seus jovens técnicos.
Portanto, os Estados Unidos haviam feito pouco no Nor­ As recomendações do Relatório seguiram bem de perto a arran­
deste antes de chegar ao Recife, em 23 de outubro de 1961, o eco­ cada do plano diretor da Sudene. Até aí, tudo bem.
nomista Merwin L. Bohan, para iniciar um estudo profundo das A esta altura, porém, fatores políticos começaram a apre­
necessidades de desenvolvimento da região. Trabalhando rapida­ sentar suas horríveis implicações. Em âmbito nacional, o impre­
mente para satisfazer às determinações do presidente Kennedy, visível Jânio Quadros excedeu-se a si mesmo, renunciando à
Bohan e sua equipe produziram um extenso documento, recomen­ presidência no dia 25 de agosto de 1961, para surpresa completa
dando com urgência um comprometimento substancial de ajuda da maioria dos seus compatriotas. O vice-presidente João Gou­
americana. Seu relatório sugeria programas de longo e curto pra­ lart, do PTB (os brasileiros podiam dividir o seu voto entre can­
zo. Estes últimos foram indicados para “ mostrar resultados ime­ didatos à presidência e à vice-presidência), assumiu o poder
diatos, como expressão clara de preocupação dos governos do somente depois de suplantar uma tentativa de elementos do Exér­
Brasil e dos Estados Unidos, agindo dentro da Aliança para o cito para realizar um golpe preventivo. Alguns oficiais não con­
Progresso, pelo bem-estar econômico e social da gente da re­ fiavam em Goulart porque este havia sido um protegido de Getúlio
gião” .6 Incluíam a perfuração de poços artesianos, cacimbas, a Vargas e, mais recentemente, vinha colhendo um forte apoio da
construção, na zona açucareira, de tendas tipo Quoset, destina­ esquerda. Um compromisso de última hora permitiu que Jango,
das a servir como “ Centros de Trabalho da Aliança para o Pro­ como ele era chamado popularmente, se tornasse presidente, de­
gresso” para os serviços de educação e saúde, alfabetização e pois que concordou na redução de alguns de seus poderes consti­
treinamento vocacional, e a formação de unidades volantes de tucionais. Mas a preocupação aumentou em Washington quando
saúde. O custo deste programa de impacto teria sido de US$33 o governo de Goulart começou a demonstrar algo que pareciam)
milhões. tendências esquerdistas. Ao mesmo tempo, as forças de apoio do
O programa de longo prazo incluía medidas contra as secas, prefeito Miguel Arraes estavam iniciando sua campanha para
construção de estradas, projetos de saúde e de água para as co­ colocá-lo no palácio do governo, e Julião falava cada vez mais
munidades e a criação de colônias agrícolas que tirariam parte em revolução. Essas tendências aumentaram muito o nível de an­
do excedente de população do Nordeste para o vasto e vazio in­ siedade em Washington.
terior do Brasil. O programa se estendería por um período de cinco É crucial ter em mente a situação política doméstica dos Es­
anos e custaria aproximadamente US$400 milhões (exatamente tados Unidos. Kennedy acabava de sofrer o fiasco da baía dos
a quantia que Celso Furtado havia procurado obter originaria- Porcos e a revolução cubana tinha se deslocado para uma linha W
mente de Washington). abertamente marxista-leninista. Os democratas estavam altamente
Considerando-se as pressões de tempo sob as quais foi pro­ sensíveis a acusações de que haviam “ perdido” Cuba, da mesma
duzido, o Relatório Bohan constituía uma tentativa competente forma que haviam “ perdido” a China quinze anos atrás. O bri­
e recomendável para começar com o pé direito. Bohan, um expe­ lho liberal da administração Kennedy não podia sobreviver a qual­
rimentado funcionário do Departamento de Estado, estava fa­ quer coisa que sugerisse ser outra “ perda” .
miliarizado com o cenário brasileiro. Tinha sido membro da Portanto, antes mesmo que a missão Bohan chegasse ao Bra-

88 89
sil, a embaixada americana no Rio de Janeiro estava preocupa­ so, beneficiando o candidato que seria apresentado pelas forças
da, avaliando se o Nordeste brasileiro constituía uma ameaça po­ de Cid Sampaio para se opor a Arraes no pleito para governador.
lítica ao resto do Brasil e aos Estados Unidos. A conclusão a que Não foi esta, naturalmente, a única vez que a Aliança para
chegou a embaixada foi que forças radicais no Nordeste repre­ o Progresso foi utilizada para servir a fins políticos de curta dura­
sentavam, de fato, uma séria ameaça, que precisava ser enfren­ ção. Em 1966, o senador Ernest Gruening, então presidente da Sub­
tada de modo efetivo e rápido. comissão de Despesas com Ajuda Externa no Senado, efetuou um
Fazer isto significava interferir nos problemas domésticos do estudo pouco conhecido, intitulado “ Ajuda Financeira dos Esta­
Nordeste brasileiro, tática esta da qual a embaixada não se es­ dos Unidos ao Exterior em Ação” , o qual documentou como os
quivou. E o veículo mais conveniente através do qual esta políti­ Estados Unidos tinham usado seu programa de assistência para ten­
ca de intervenção poderia ser efetuada era a Aliança para o tar influenciar as eleições presidenciais no Chile em 1964.9
Progresso. A decisão americana de tornar político seu programa de ajuda
Assim, a embaixada decidiu utilizar o programa de assistên­ ao Nordeste do Brasil iria amontoar sobre Celso Furtado uma
cia americana no Nordeste para fins políticos imediatos. Isto re­ carga adicional de proporções vertiginosas. Apesar de ser um téc­
sultaria em rejeição da possibilidade de um trabalho efetivo com nico altamente habilitado e insistir, repetidamente, que “ não me
a Sudene. A autarquia de Celso Furtado tinha se comprometido treinei para ser um político” , ele bem sabia que o seu programa
com o desenvolvimento econômico a longo prazo, cujo sucesso para o Nordeste teria um profundo impacto político sobre a re­
dependia, em grande parte, da sua abstenção de envolver-se em gião. Através de toda a sua carreira na Sudene, ele demonstraria
desgastantes emaranhados políticos. Como observou o professor o nexo inevitável entre o desenvolvimento econômico e o proces­
Riordan J. A. Roett, III, da Universidade de Vanderbilt, em seu so político. Sua norma central de conduta era permanecer afas­
extenso estudo das relações da Sudene-EUA: “ Forçados a esco­ tado do jogo da política partidária. “ Deve-se evitar uma ligação
lher entre apoiar a Sudene e a modernização a longo prazo e o com a política” , disse ele numa entrevista no Recife em 1963,
impacto imediato, com a possibilidade de opor obstáculo à es­ “ pois esta é a única maneira de sobreviver aqui” . Sua estratégia:
querda radical, os Estados Unidos escolheram esta última hipó­ “ Eu me dou com todos os grupos. É assim que conservo meu
tese e alienaram o órgão de desenvolvimento.” 7 poder.” Mas enquanto ele lutava para manejar o que côrrespon-
Enquanto Bohan e sua equipe realizavam seu estudo, a em­ dia a um poder político sem se deixar envolver em política parti­
baixada pensava em como manipular a assistência dos Estados dária, os americanos estavam planejando mergulhar o seu
Unidos ao Nordeste para obter o impacto político desejado. Um programa de assistência nas profundezas do matagal político.
técnico americano com experiência nos assuntos educacionais bra­ Enquanto isso, elementos conservadores no Congresso bra­
sileiros tinha acabado de visitar o Nordeste e regressara ao Rio sileiro estavam obstinadamente bloqueando o plano diretor da
com o plano para um projeto de construção de escolas no estado Sudene e as verbas necessárias para sua execução. Um senador
do Rio Grande do Norte. O embaixador Lincoln Gordon rejei­ do PTB (um rico proprietário de terras do estado de origem de
tou sua escolha do local. A embaixada resolveu ir adiante com Celso Furtado, a Paraíba) só faltou acusá-lo de ser membro do
o projeto, mas em Pernambuco, e não no Rio Grande no Norte, Partido Comunista, denunciando ojjlano diretor como uma ma­
com o pretexto principal de que as “ forças democráticas” , su­ nobra para fomentar a guerra civil no Nordeste.10 Isto era uma
postamente representadas pelo governador Cid Sampaio, neces­ acusação antiga contra Celso Furtado. De acordo com Arthur
sitavam de ajuda dos Estados Unidos.8 Com a proximidade das Schlesinger, Jr., “ durante a década de 50, a embaixada america­
eleições de 1962, a estratégia era tentar um rápido programa de na o encarava com desconfiança, como um marxista e até mes­
construção que fornecesse alguma evidência tangível de progres- mo como um comunista” ." E existiam histórias fantásticas que

90 Ovd £ov-v^yOJÍ>
apareciam ocasionalmente nos jornais do Brasil, de que o Depar­ de ajuda, não podia fazer empréstimos gerais deste tipo, Celso
tamento Federal de Segurança Pública, o FBI do Brasil, possuía Furtado aceitaria empréstimos para aplicação em projetos espe­
cíficos da Sudene.
um dossiê em que ele figurava na lista dos participantes na fun­
dação do Bureau Informativo Comunista (Cominform) da Iugos­ O Relatório Bohan, submetido a Washington em fevereiro
lávia em 1947, e como líder de uma célula do Partido Comunista de 1962, seguia de perto o plano diretor da Sudene, pelo menos
no Rio.12 Apesar de tudo, Celso Furtado foi obrigado a se de­ no que dizia respeito a projetos de longo prazo, sendo portanto
aceitável a Celso Furtado. Ele supôs que o Relatório estabelece­
fender de todas essas ferozes acusações.
Ao mesmo tempo, Cid Sampaio tentava solapar as bases do ría a base para um programa americano de ajuda, dando ênfase
poder de Celso Furtado, insistindo em que fosse dado ao presi­ aos projetos de longo prazo. Posteriormente admitiu também que
dente do Conselho Deliberativo da Sudene poder igual ao do Su­ um programa de ajuda deste gênero exigiria uma presença ame­
perintendente. Isto constituía um movimento sutil por parte do ricana modesta no Nordeste. (Na verdade, esta parece ter sido
representante dos mais inteligentes industriais e proprietários de uma suposição do próprio Relatório Bohan.) O que ele não en­
terras do Nordeste para paralisar a instituição no nascedouro, co­ tendeu foi que os funcionários dos Estados Unidos estavam ago­
mo prelúdio ao controle total do que restasse. ra encarando a região como um importante problema de segu­
Um número surpreendente de defensores da Sudene reuniu- rança. Ele não sabia que o Relatório fora virtualmente engaveta­
se para dar apoio à nova autarquia. Em 8 de dezembro de 1961, do porque falhava em levar suficientemente em conta estas con­
siderações políticas.
uma reunião de massa foi realizada no Recife, com uma greve
de uma hora, pró-Sudene, sendo deflagrada, fechando quase to­ Nesse meio tempo, o presidente João Goulart fora convida­
da a cidade. (O professor Albert I. Hirschman observou que foi do a visitar Washington, onde, entre outras coisas, assinaria um
este “ o único movimento de protesto, no conhecer do escritor, acordo para o estabelecimento de um programa de ajuda ao Nor­
a ser realizado em apoio de uma instituição de planejamento eco­ deste. O acordo, formulado em Washington de conformidade com
nômico” .)13 A pressão surtiu efeito, e o Congresso brasileiro as normas da Aliança para o Progresso, foi enviado ao Rio antes
imediatamente deu a Celso Furtado o que ele desejava. de Goulart embarcar. Celso Furtado leu o projeto antes de Gou- y
Uma vez obtidas as verbas e a aprovação do seu plano, Cel­ lart sair e fez determinadas restrições, baseadas em seu ponto de f ' ‘
so Furtado dirigiu sua atenção para o problema da ajuda estran­ vista sobre o papel da ajuda estrangeira. Ele achou que o projeto
geira.14 Ele tinha a firme opinião de que o desenvolvimento do implicava que a missão de ajuda americana a ser estabelecida no
Nordeste era responsabilidade exclusiva do Brasil. Nacionalista Recife teria algum controle sobre o programa total de desenvol­
algum poderia tolerar qualquer outra premissa. Do ponto de vis­ vimento do Nordeste, inclusive sobre projetos a serem totalmen­
ta de Celso Furtado, o papel correto da ajuda estrangeira era te financiados pelo Brasil.15 Do seu ponto de vista, tal arranjo
apoiar os planos brasileiros para projetos que o país doador de­ levaria a ataques políticos desagregadores por parte de elemen­
cidisse ser de seu interesse apoiar. Estes planos ou projetos per- tos nacionalistas da região. Em reunião na casa do ministro do
maneceriam brasileiros e de forma alguma deveriam ser Exterior, Santiago Dantas, em Petrópolis, Celso Furtado insis­
considerados como ações empreendidas “ conjuntamente” . As­ tiu em que a missão americana funcionasse como um banco, apro­
sim sendo, Celso Furtado idealmente preferia receber dos Esta­ vando ou desaprovando empréstimos dos Estados Unidos para
dos Unidos empréstimos que a Sudene poderia utilizar como realização de projetos. Goulart e o ministro do Exterior concor­
daram.
melhor entendesse para realizar o plano diretor (logicamente, en­
tendido que os Estados Unidos aprovassem o plano diretor). Visto No dia 13 de abril de 1962, como parte da agenda de Gou­
que a Aliança para o Progresso, de acordo com sua legislação lart em Washington, os Estados Unidos e o Brasil assinaram o

92 93
que chamaram de Acordo do Nordeste, dando provimento à alo­ duzir. Uma desavença sobre o Acordo teria servido para expor
cação de US$131 milhões de ajuda americana para o Nordeste, Celso Furtado a acusações de que estava sendo um obstrutor ideo­
num período de dois anos. O Acordo comprometia os Estados lógico da ajuda externa (ou “ comunista” ). Isso poderia, também,
Unidos a um esforço de cinco anos, que aparentemente seguia colocá-lo em conflito com Goulart. Além disso, nos dias que se
as recomendações do Relatório Bohan, porquanto incluiría tan­ seguiram à assinatura do Acordo, houve a garantia, de Goulart
to projetos de impacto, de curta duração, quanto programas de e de outros, quanto ao fato de que a Aliança para o Progresso
desenvolvimento a longo prazo. A responsabilidade de decidir so­ de forma alguma competiría com a Sudene, mas, ao contrário,
bre os projetos e programas que receberíam ajuda americana ca­ complementaria o trabalho daquela instituição. Em outras pala­
bería à missão Usaid, à Sudene ou “ outros órgãos... que poderão vras, a Sudene manteria o controle e a direção.
ser designados pelo governo do... Brasil” . Os projetos e progra­ Celso Furtado foi adiante com seu plano diretor, e a Usaid
mas deveríam ser tirados do Relatório Bohan e do plano diretor começou a montar no Recife o que se tornaria uma missão de
da Sudene, ou poderíam ser encargos “ mutuamente aprovados” . grandes proporções. E no dia 6 de junho de 1962, o órgão assi­
y O professor Riordan Roett analisou extensamente o Acordo nou um acordo com o governador de Pernambuco, Cid Sampaio,
e as negociações que levaram a isto, a fim de identificar as fontes no valor de US$1 milhão, para empreender um programa de cons­
de conflito que subseqüentemente surgiram entre a Usaid e a Su­ trução de escolas.
dene. Ele aponta um desacordo básico de interpretação: a Sude­ A utilização da Aliança para o Progresso para conter o cres­
ne acreditava que seria a representante exclusiva do governo cente movimento político de Miguel Arraes não foi a única inter­
brasileiro em todas as negociações de ajuda estrangeira na região venção direta dos Estados Unidos nos negócios internos do
e portanto teria o direito de examinar projetos de outras institui­ Nordeste. A Agência Central de Informações (CIA) estava de olho
ções brasileiras em que a Usaid pudesse querer entrar. A posição na efervescência no interior, e secretamente planejava sua pró­
americana era de que o Acordo permitia à Usaid lidar diretamente pria estratégia para abafar o ardor revolucionário de Julião e de
com outras instituições, desde que isso fosse de antemão aprova­ outros iguais a ele.
do pelo governo federal do BrasiL Outra diferença resultou da V
suposição de Celso Furtado de que o programa de ajuda ameri­ I ,- - ? Cvòl hUJLhc JlAvfw bÀYvo f í o5hrókA, CU aA í A . o ia .
cana seguiría de perto as linhas básicas de seu plano diretor. Mas
como escreveu o professor Roett: “ Para os Estados Unidos, o
Acordo significava que eles poderíam agora começar a combater
diretamente a ameaça comunista que haviam identificado no Nor­
deste.” 16Se a participação em tal luta exigisse o fornecimento de
ajuda externa a instituições estaduais isoladas, a Usaid estava
pronta para tal, a despeito do fato de que isto levaria a um tipo
' de envolvimento na política local que Celso Furtado achava po­
der comprometer qualquer programa de desenvolvimento econô­
mico regional.
Por que, então, Celso Furtado aceitou o Acordo sem qual­
quer protesto? Em parte, a resposta se encontra na pressão que
começava a ser feita sobre a Sudene, especialmente por parte das
forças da direita, para que parasse de planejar e começasse a pro-

94 95
SEGUNDA PARTE

97
SEIS

Julião em Alta

U ma d a s h istórias mais interessantes sobre Julião, e que pro­


vavelmente contém partes iguais de verdade e mito, tem início
em uma reunião secreta de vinte grandes latifundiários, ansiosos
por uma retaliação contra o líder das Ligas Camponesas.1 Um
deles sugeriu que Julião poderia ser comprado, visto que era ad­
vogado. Outro retrucou: “ Talvez ele recuse a oferta.” “ Pior ain­
da, ele poderá aceitar o dinheiro e usá-lo para comprar metra­
lhadoras. Seria melhor fazê-lo calar-se para sempre.” Todos pen­
saram mais um pouco, e finalmente um anunciou: “ Deixem co­
migo. Eu darei conta dele.” O seu plano era atirar no deputado
enquanto ele estivesse discursando na Assembléia Legislativa. O
presumível assassino, no dia determinado, carregou seu revólver
e dirigiu-se de carro até a Assembléia. Mas, logo em seguida, co­
meçou a mudar de pensamento e, subitamente, sentiu um estra­
nho pressentimento que fez em pedaços sua resolução. Naquele
momento, uma voz dentro de si pronunciou claramente as seguin­
tes palavras: “ Não o mate. Não faça isto.” O homem sempre
tinha acreditado no espiritismo e nunca menosprezara tais men­
sagens. Ele deu uma volta no carro e rumou para sua casa, a uma
velocidade fora do comum, mesmo para o Recife. No dia seguinte,

99
de todas as maneiras possíveis, tática esta dificultada pelo idea­
lismo romântico de Julião e pelo fato de ele não sucumbir a uma
arrependido, confessou tudo à sua pretensa vítima. Julião agra­ fraqueza compartilhada por muitos luminares políticos na Amé­
deceu e mais tarde fez uma lista dos nomes de todos os que ti­ rica Latina — ele não utilizava sua posição j)ara ficar rico.
nham estado presentes à reunião clandestina. Deu a lista a seus A acusação predileta, levantada inicialmente pelos oposito­
assistentes, dizendo: “ Se qualquer coisa acontecer comigo, que­ res políticos4 e depois pelos obsçrvadores estrangeiros3, era que
o próprio Julião era um grande latifundiário que precisava co­
ro me encontrar com estes vinte no inferno.”
A oposição a Julião, no seu próprio estado de Pernambuco, meçar a reforma agrária em casa, dividindo sua terra com os cam­
* era sempre frenética, mas nunca tão cheia de iniciativa quanto poneses que moravam nela. Em várias ocasiões, seus inimigos
a reunião dos vinte latifundiários. Alguns oponentes, como o go­ chegaram a descarregar caminhões cheios de camponeses em sua
vernador Cid Sampaio, tentaram solapar as Ligas Camponesas fazenda, e depois acusavam-no de chamar a polícia para retirá-los.
através de reformas. Em discurso pronunciado em 6 de julho de (Os que o apoiavam negavam isto e sustentavam que a fazenda
1961, Cid exaltou seus esforços de reforma, predizendo confian­ oferecia pelo menos abrigo temporário a um sem-número de cam­
temente que “ no final do meu governo não haverá mais qual­ poneses que haviam sido expulsos de suas casas pelos latifundiá­
quer problema de reforma agrária em Pernambuco” .2 Tal rios.) Este tipo de ataque parece não ter sido levado a sério, a
não ser por uns poucos comentaristas estrangeiros. Por mais ima­
otimismo estava terrivelmente mal colocado.
Cid estava tentando acalmar o tumulto no interior através ginativo que se fosse, não se podia pensar em Julião como um
* de uma reforma da terra administrada pela Companhia de Re­ grande proprietário de terras. Espera tinha 280 hectares. Enquanto
venda e Colonização (CRC), uma chamada companhia “ mista” , vivo, o pai de Julião dividira a propriedade igualmente entre seus
com 80 por cento das verbas provenientes do governo estadual sete filhos, de modo que Julião era dono de apenas 40 hectares.
e o restante de fontes federais e privadas. A CRC comprou ter­ Esta acusação, como outras dirigidas contra ele, tinha colo­
ras para estabelecer cooperativas de camponeses (tendo assumi­ ração política e não recebeu muita publicidade até 14 de abril de
do o engenho Galiléia depois da desapropriação). O programa 1962, quando um artigo numa revista nacional se propôs a mos­
foi um fracasso. A CRC possuía pouco dinheiro e podia apenas trar “ A Outra Face de Julião” .6 As acusações feitas pelo autor
aflorar o problema agrário. O órgão planejou assentar 5.000 fa­ do artigo pareciam moldadas para uso dos oponentes de Julião
mílias em colônias num período de cinco anos. De acordo com nas eleições para deputado federal, em outubro. Tratava-se, tam­
dados oficiais, mais de 200.000 famílias de camponeses estavam bém, de uma tática divisionista. Seus inimigos se deliciariam em
sem terra em Pernambuco. Além do mais, circularam relatórios vê-lo devotar todo o seu tempo e energia na administração de uma
com notícias de que a CRC estava exaurindo seus modestos re­ cooperativa de camponeses, assim como aqueles que detestavam
cursos ao pagar preços elevados por terra pobre e ruim, enquan­ qualquer revolução na América Latina sentiram-se felizes ao ver
to os donos dos engenhos se livravam de propriedades das quais Che Guevara no campo, com uma arma na mão.
não poderíam descartar-se de outra maneira. De acordo com um % Outras acusações foram lançadas contra ele. Dizia-se, por
dos relatórios, os preços eram estabelecidos por uma comissão exemplo, que ele era um covarde; que fugia dos palanques ao pri­
tríplice, composta de representantes dos latifundiários, do governo meiro sinal hostil de dissolução dos comícios ou reuniões políti­
estadual e da CRC,3 um processo de avaliação passível de enco­ cas; que uma vez se refugiara numa igreja quando a polícia
chegara para dispersar uma demonstração no centro do Recife;
rajar farsas. e que tinha hesitado em ir ao vizinho estado de Alagoas para or­
Outros se opunham às Ligas Camponesas atacando Julião
pessoalmente. Os inimigos e críticos de Julião, tanto no país quan­ ganizar as Ligas Camponesas.7Acontece que Alagoas é o equi-
to no estrangeiro, não podiam se limitar a avaliar o mérito de
suas idéias e atividades. Em vez disso, contestavam seus motivos 101

100
valente brasileiro da Sicília, ou do estado de Guerrero no Méxi­ ta, conforme se desenvolvia nos anos iniciais da década de 1960.
co, lugares remotos cuja pretensão à fama repousa na predispo­ Os camponeses- completamente condicionados pelos gritos de
sição de seus habitantes para atos de violência. A vida de qualquer f t rrbicho-Dapâo!’Ada partedos proprietários, não pareciam incô-
pessoa que tentasse organizar os camponeses em Alagoas esta­ ' TtíÕdãdos com a acusação feita.
ria, indubitavelmente, sem qualquer segurança. Na verdade, Ju- Tendo em vista a persistência da acusação, é curioso obser­
lião uma vez recebeu a seguinte mensagem: “ Se você vier a var que um incidente ocorrido no início de dezembro de 1961, du­
Alagoas, terminará doutrinando cadáveres.” 8 Julião nunca pre­ rante a visita de Julião a Goiânia, capital do Estado de Goiás, na
tendeu ser um militante que conduzisse seus camponeses a con­ parte central do Brasil, tenha sido completamente ignorado pelos
frontos violentos. Ele não gozava de boa saúde e freqüentemente seus inimigos em Pernambuco. Ele pronunciou na Universidade
ficava incapacitado por fortes enxaquecas. Ele também não gos­ um discurso inflamado, que provocou uma reação hostil por par­
tava de bancar o tipo másculo, “ durão” , imagem que outros lí­ te de alguns setores da população local. Num encontro subseqüente
deres políticos brasileiros tentavam projetar. Ocasionalmente na mesma cidade, teve que se confrontar com alguma hostilidade
defendeu camponeses alagoanos na justiça; no geral, porém, pa­ por parte de seu auditório. O jornal altamente respeitado O Esta­
recia pensar que uma revolução por meio de suicídio era uma con­ do de São Paulo descreveu-o como “ contraditório e inseguro” e
tradição em termos. atribuiu-lhe a seguinte citação: “ Na verdade, o que eu desejo é a
Os inimigos de Julião também se deliciavam em chamá-lo revolução e a implantação do regime de Cuba e da Rússia no Bra­
de “ chifrudo” , uma acusação séria no Brasil, como em todos os sil. Sou comunista e não me incomodo que me marquem como
países latinos, onde a infidelidade da mulher é vista como uma tal.” 9 De acordo com esse relato, o auditório começou a vaiá-lo
substancial negação da masculinidade do marido. O seu casamen­ e a gritar “ Pega Julião! ” ; o orador fugiu do palanque e a reunião
to não tinha sido feliz, apesar da participação integral de Alexi- terminou com um puxa-e-empurra entre os membros da audiência.
na no trabalho das Ligas Camponesas. Julião nunca deixara de Como Fidel Castro se havia declarado marxista-leninista três
ter várias relações amorosas extraconjugais, o que é considerado dias antes deste incidente, a afirmativa de Julião foi citada como
uma prerrogativa dos maridos brasileiros. Alexina, possuidora um exemplo da sua devoção de escravo ao primeiro-ministro cu­
de espírito elevado e visão moderna, fizera o mesmo, e Julião pa­ bano.10Por outro lado, o relato do jornal sugere que Julião po­
rece ter fugido do padrão duplo prevalecente no mundo latino. de ter perdido a cabeça sob a pressão do momento e falado
Pelo menos até 1963, ambas as partes, aparentemente, concor­ precipitadamente como um ato de desafio. Agora Julião nega ter
davam em que cada qual estava livre para cuidar, por fora, de feito tal afirmação. Dada a confiabilidade da imprensa brasilei­
seus interesses amorosos, mantendo, porém, a fachada da vida ra, é possível que ele esteja dizendo a verdade.
de casados. Não existe qualquer evidência de que a campanha de De qualquer forma, o incidente passou completamente des­
cochichos de seus inimigos, baseada nesse arranjo pouco comum, percebido em Pernambuco. Os oponentes políticos de Julião não
tenha tido qualquer efeito maléfico no trabalho de Julião. utilizaram tal declaração nem no momento em que supostamen­
j/ Naturalmente, Julião foi acusado de ser comunista, e, des­ te foi feita, nem tampouco durante a campanha eleitoral de 1962.
de que a guerra fria ainda vigorava com toda a sua fúria e vio­ $ Baseado na teoria de que a melhor defesa é uma boa ofensi­
lência, tal acusação tinha* a conotação clara de que ele fazia parte va, Julião respondeu às diversas acusações feitas contra ele, ti­
da Conspiração Internacional emanada de Moscou. Os latifun­ rando vantagem de seu acesso à imprensa nacional e internacional
diários, que enxergavam uma conjura “ vermelha” por trás de para fazer acusações sensacionais contra seus críticos. A mais fa­
qualquer ameaça sobre eles, nunca podiam ser dissuadidos disso mosa destas apareceu numa entrevista que ele concedeu à revista
pela evidência da real relação entre Julião e o Partido Comunis- Stern," da Alemanha Ocidental. Ele descreveu três incidentes de

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brutalidade que igualavam qualquer daquelas do catálogo exis­ to ao curso do desenvolvimento político do Brasil no futuro. Es­
tente sobre histórias de atrocidades. Uma das histórias envolvia tes planos excluíam um papel para revolucionários rurais inde­
um camponês que roubara comida de um dono de engenho. O pendentes, mas exigiam os serviços de um subordinado que
senhor de engenho mandou despir o ladrão, cobri-lo de mel e pudesse aparecer na frente, como líder de um movimento cam­
amarrá-lo a estacas, no chão, junto a um enorme formigueiro de ponês nacional. Julião era a escolha natural para o serviço, e tanto
vorazes formigas vermeihas. Na segunda história, um senhor de Jango como os comunistas estavam tentando seduzi-lo.
engenho puniu um dos seus camponeses forçando-o a ficar em Em 1960, Julião foi convidado para um congresso campo­
pé dentro de um tanque cheio de água até a altura de sua boca. nês em Londrina, no Estado do Paraná, no Sul do Brasil.13 O
Uma vez por dia o camponês era alimentado com um pedaço de Partido Comunista, com a ajuda do então vice-presidente João
pão seco. Ele tinha que beber a água em que estava mergulhado Goulart, organizou a reunião. Julião levou consigo uma delega- o&. \
e na qual se acumulavam seus próprios excrementos. Após três ção das Ligas Camponesas de Pernambuco e também Zezé, do
dias, ele sucumbiu, caiu de joelhos e morreu afogado. O terceiro Galiléia, que já se havia tornado uma espécie de celebridade na­
caso era sobre um camponês que roubou cana de um engenho. cional. O deputado e advogado do Recife foi nomeado presiden­
Como castigo e também como um exemplo para outros campo­ te honorário do congresso. Mais tarde, ao regressar de sua viagem
neses com a mesma mentalidade, o seu corpo foi cortado em pe­ à China, ele cruzou caminho com João Goulart em Moscou. Nu­
quenos pedaços e jogado aos cães. Quando a entrevista foi ma entrevista subseqüente no Rio de Janeiro, Julião informou
republicada, a repercussão foi grande, porque Julião asseverou que ambos se haviam encontrado num hotel e declarou que Jan­
que dois dos proprietários envolvidos nesses incidentes eram de­ go tinha concordado em fundir o seu PTB com o Partido Socia­
putados estaduais na Assembléia Legislativa de Pernambuco. lista Brasileiro.14Nada resultou desse encontro, o que sugere que
Como um todo, tais acusações e contra-acusações tinham talvez Goulart estivesse apenas jogando uma isca para Julião.
pouco ou nenhum impacto sobre Julião e seus inimigos. As acu­ Enquanto isso, os comunistas, apesar de terem apoiado Ju­
sações fluíam para lá e para cá numa época em que a estrela de lião desde os primeiros dias das Ligas Camponesas, vinham des­
Julião e de suas Ligas parecia estar em ascensão total, tanto no de algum tempo alimentando certos receios contra ele. Simone
horizonte nacional quanto no internacional. de Beauvoir relatou que, já em 1960, durante a campanha presi­
Sempre visionário, Julião planejou criar um movimento na­ dencial Quadros-Lott, Luís Carlos Prestes tinha expressado em
cional de camponeses que uniriam a sua Liga Camponesa com particular uma crítica vigorosa contra as Ligas Camponesas.15
grupos camponeses em outras partes do país, permanecendo, po­ Mesmo assim, o Partido preservou seu apoio de fachada a Ju­
rém, sob sua liderança. Como parte deste amplo esquema, ele ti­ lião e em 1961 parecia em boa disposição para apoiá-lo.
nha esperança de forjar alianças com a classe trabalhadora e as lí Os comunistas se movimentaram logo no início no ano. Ju­
organizações estudantis e, ao mesmo tempo, de construir uma coa­ lião encontrou-se secreta e privadamente com Prestes, no Rio de
lizão política entre o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e seu Janeiro.16 Conversaram sobre as possibilidades de formar uma
próprio Partido Socialista Brasileiro (PSB).12 Com sua união espécie de movimento nacional camponês. Por algum tempo os
camponesa, Julião possivelmente pensou que podia dominar o comunistas haviam controlado um grupo de camponeses conhe­
PSB em pé de igualdade, efetuando assim uma aliança de âmbi­ cido como União de Fazendeiros e Trabalhadores Agrícolas do
to nacional entre operários e camponeses. Brasil (ULTAB), que eles usaram com o objetivo de organizar
Estas grandiosas ambições exigiam que Julião se articulasse os trabalhadores do café e do açúcar no estado de São Paulo,
com João Goulart (Jango), do PTB, e Luís Carlos Prestes, do no Sul do Brasil. A ULTAB era reformista quanto à orientação,
Partido Comunista, os quais tinham seus próprios planos quan- gastando a maior parte do seu tempo em barganhas coletivas e

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outros esforços para melhorar as condições de trabalho. Prestes lio da posse da terra pelos grandes latifundiários, principalmente
sugeriu fundir a ULTAB com as Ligas Camponesas. Julião seria através da desapropriação da terra pelo governo federal, substi­
o líder desta nova união, mas naturalmente teria de aceitar de­ tuindo a posse monopolística pela propriedade dos camponeses...
terminadas condições, tais como a retenção do controle final pe­ e propriedade do Estado” 18
lo Partido. A proposta não conseguiu tentar Julião no mínimo A esta altura, a Constituição brasileira declarava inequivo­
aspecto, visto que ele compreendia muito bem o que tais condi­ camente que o governo federal não poderia desapropriar terras
ções representavam para a sua posição de liderança. Ele também sem pagar ao dono “ indenização prévia, a preço justo em dinhei­
sabia que, naquele momento, suas Ligas eram muito mais dinâ­ ro” . A lei brasileira também não permitia o voto do analfabeto,
micas e possuíam um potencial de crescimento muito maior do tornando impossível, portanto, que os camponeses elegessem re­
que a ULTAB. Ele reagiu, insistindo para que Prestes aceitasse presentantes que pudessem promulgar, no Congresso, uma lei efe­
o desenvolvimento de grupos e líderes camponeses em várias partes tiva de reforma agrária. Não é de admirar que Julião expressasse
do país, argumentando que a diversidade poderia trazer mais força suas dúvidas de que a Declaração de Belo Horizonte pudesse ser
ao movimento do que a concentração de todas as organizações realizada através da legislação. A realidade da situação tornou
de camponeses dentro de uma estrutura monolítica. Assim sen­ bem claro que a Declaração era um documento revolucionário,
do, um programa conjunto poderia ser forjado, de forma demo­ j, A Conferência de Belo Horizonte constituiu uma virada es-
crática, numa conferência nacional. Prestes, que acreditava ^ tratégica na carreira de Julião. Enquanto a reunião ainda estava
firmemente nas necessidades hierárquicas da organização revo­ em progresso, o presidente Goulart fez-lhe uma oferta concreta,
lucionária, não ficou satisfeito com a proposta de Julião. a qual, apesar de nenhum dos dois jamais ter revelado os termos
jf A conferência que Julião tinha em mente realizou-se mais exatos da proposta, colocaria Julião na posição de utilizar e
tarde naquele ano, quando o presidente João Goulart, num es­ beneficiar-se dos recursos do governo federal. Por mais tentado­
forço para ampliar sua base política, convocou o I Congresso Na­ ra que tal possibilidade pudesse ser, Julião recusou, pois temia
cional de Camponeses. Mais ou menos 1.600 delegados, repre­ que, aceitando-a, viesse a comprometer sua independência e se
sentativos dos movimentos rurais de todo o Brasil, reuniram-se tornar um mero agente pago do governo. Deste momento em dian­
em meados de novembro em Belo Horizonte, para discutir pro­ te, João Goulart fez tudo quanto pôde para se descartar de Ju­
blemas agrários. Ao congresso compareceram esquerdistas bra­ lião. E, ao mesmo tempo, a Conferência abriu uma fenda
sileiros de todos os matizes, bem como grande número de políticos irreparável entre Julião e os comunistas, os quais não estavam
nacionais proeminentes, pegando as deixas de Goulart e visando satisfeitos com o tom revolucionário dos procedimentos e com
uma parcela da emergente união rural. Enquanto os comunistas a recusa contínua de Julião em aceitar a linha do Partido. Em ­
da ULTAB puxavam por uma linha reformista, Julião tomou con­ bora isso não tivesse ficado logo evidente, dessa hora em diante
ta do espetáculo. Apesar de apenas três meses antes, na I Confe­ Julião estava agindo por conta própria.
rência de Camponeses e Trabalhadores Rurais de Pernambuco, Ij. A separação dos comunistas surgiu primeiro. Em 6 de feve­
ter assinado um manifesto fazendo exigências relativamente mo­ reiro de 1962, apenas três meses após a Conferência, um jornal
deradas para mudanças progressivas no campo,17ele agora des­ de Recife publicou o que dizia ser um telegrama de Clóvis Melo,
fraldava a bandeira da “ Reforma Agrária Radical” . O seu lema um jornalista local que o jornal chamava de líder do Partido Co­
captou o clima do momento e atingiu os estudantes presentes à munista em Pernambuco. O telegrama dizia o seguinte: “ As via­
conferência. Ele obteve maioria na sessão plenária e o congresso gens internacionais do deputado socialista à Assembléia de
adotou uma Declaração que exigia “ uma transformação radical Pernambuco resumem-se num negócio que traz vantagens pes­
na atual estrutura agrária do país, com a liquidação do monopó- soais a Julião, e nada mais.” 19O artigo também citava um ofi-

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ciai comunista não identificado, que tinha chamado Julião de mentos pró-chineses que se separaram do Partido Comunista Bra­
“ impostor e oportunista” . (Vários dias depois, em carta ao edi­ sileiro, em 1962, e formaram o seu próprio “ Partido Comunista
tor, Clóvis Melo negou que fosse o líder do Partido em Pernam­ do Brasil” , nem expressou simpatia por eles. Os comunistas da
buco e que tivesse feito referências ofensivas a Julião,20 mas os linha de Moscou, dizia ele, estavam ligados inflexivelmente ao
leitores com maior conhecimento do assunto não levaram a re­ dogma de que a revolução deveria emanar da classe operária ur­
tratação a sério.) Em 11 de setembro, Julião deu uma entrevista bana; queriam converter os camponeses em comunistas ortodo­
que não deixou qualquer dúvida sobre seus sentimentos em rela­ xos, sem consideração pelas forças culturais que, durante séculos,
ção ao Partido.21 Ele acusou os comunistas e determinados ele­ haviam moldado a vida no interior no Nordeste; tentavam um
mentos da classe média (isto foi provavelmente uma referência compromisso com a classe média, numa tentativa de manipular
a Goulart) de conspirarem para formar uma “ República Sindi­ a revolução de cima para baixo, em vez de encorajar os campo­
calista” por meio de um golpe de estado. O que seria uma repú­ neses que despertavam a fazer sua própria revolução de baixo para
blica sindicalista, ele nunca esclareceu, porém possivelmente tinha cima.23
em mente algo como a Argentina de Perón, com Goulart no pa­ Por sua vez, os comunistas diziam que Julião estava deslum­
pel principal, os comunistas apoiando-o e os dissidentes, como brado pelo sucesso e pelo seu próprio carisma, e era um egocen-
ele próprio, marcados para serem eliminados. Na mesma entre­ trista que pensava ser capaz de dirigir pessoalmente a revolução
vista ele disse que os comunistas não o apoiavam mais porque brasileira. Também, sem dúvida, estavam apreensivos quanto ao
ele se recusara a ser o fantoche do Partido. O jornal comunista uso que ele fazia da retórica revolucionária. A violência nesta oca­
do Recife, A Hora, publicou dois artigos respondendo a Julião sião, argumentava o Partido, seria contraproducente, visto que
em tom firme e pouco fraternal.22 Um deles argumentou que os poderia provocar elementos da direita e derrubar o governo. Os
reacionários poderíam facilmente destruir as Ligas Camponesas pontos de vista de Julião foram descartados em termos conheci­
se estas falhassem em formar uma frente única com os trabalha­ dos: “ extremismo esquerdista, a doença infantil do comunismo.”
dores urbanos (cujos sindicatos eram dominados pelo Partido, A rixa entre Julião e o Partido Comunista Brasileiro pertur­
o que o artigo não citou). O outro observou, em tom condescen­ bou até Fidel Castro, que foi informado disso pouco antes do
dente, que as Ligas de Julião eram meramente uma reestrutura­ dia 1? de maio de 1962. Julião estava em Havana, e Fidel sugeriu
ção das Ligas Camponesas que o Partido Comunista tinha que ele viesse ao aeroporto para receber Prestes, que estava che­
fundado logo após a Segunda Guerra Mundial. Daí em diante, gando para as festividades. Como não era pessoa para dizer não,
o nome de Julião nunca mais apareceu nas páginas do jornal do Julião acompanhou Fidel, porém foi rudemente censurado pelo
Partido. Cavaleiro da Esperança quando este desembarcou. Mais tarde,
O rompimento de Julião com os comunistas resultou de uma no hotel, Julião falou a Fidel sobre a briga. Castro resolveu visi­
divergência profunda em suas atitudes com relação ao estilo e tar Prestes no seu quarto para tentar consertar o rombo. Meia
substância daquilo que ambos os lados viam como a revolução hora depois retornou para onde estava Julião e disse desconsola­
que se aproximava no Brasil. Julião, baseado nas tradições au­ do, com um dar de ombros: “ O Cavaleiro está lá, mas toda a
tênticas da região, achava que a fé religiosa dos camponeses e Esperança se foi.”
seu misticismo inato poderíam servir de fontes de conscientiza­ Enquanto isso, a disputa de Julião com Goulart estava em
ção revolucionária. O Brasil é essencialmente uma nação rural, ebulição e finalmente ferveu no verão de 1962, no estado da Pa­
e Julião acreditava que a revolução brasileira se assemelharia à raíba, logo ao norte de Pernambuco.24 O movimento das Ligas
chinesa, começando no interior. Freqüentemente expressava ad­ Camponesas havia se espalhado para a Paraíba no início de 1959,
miração pela revolução chinesa de Mao. Mas não se uniu aos ele­ quando João Pedro Teixeira, um camponês que tinha estado em

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Pernambuco e testemunhado o crescimento do novu movimento sabete, que sucedeu a João Pedro na presidência da Liga Cam­
de Julião, fundara uma Liga em Sapé. Sapé está localizada na ponesa de Sapé. Ela o acompanhou em várias viagens a Havana
área de transição entre a zona açucareira e o agreste, onde mui­ e ao Sul do Brasil, mas começou, também, a ultrapassar outros
tos trabalhadores do açúcar moravam em casebres nos engenhos líderes camponeses do estado, com seus discursos cada vez mais
e podiam usar um pedaço de terra para plantar culturas de sub­ militantes sobre revolução.
sistência e para venda. Eles eram obrigados a vender seus produ­ À medida que as Ligas Camponesas na Paraíba se multipli­
tos ao dono do engenho, freqüentemente a preços vis, e a trabalhar cavam e expandiam, Julião encontrou crescentes dificuldades para
para o proprietário três vezes por semana, por um salário muito controlá-las. Um jqvem agrônomo paraibano,|Francisco de As­
abaixo do mínimo. O direito do camponês a seu casebre e ao pe­ sis Lemos de Souza, ascendeu a uma posição de liderança dentro
daço de terra era incerto, e os donos das terras freqüentemente dó movimento e logo começou a rivalizar com seu colega do Re­
mudavam os moradores de um casebre para outro, a fim de evi­ cife. Assis Lemos, que gozava de bom relacionamento com o Par- ('■'
tar que reivindicassem quaisquer direitos especiais como resulta­ tido Comunista, manteve uma abordagem mais pragmática e me­
do dos melhoramentos feitos na propriedade. Assim, a região nos revolucionária do que Julião. Ele desejava concentrar seu
fornecería solo fértil para a organização dos camponeses. trabalho na melhoria das condições de vida dos camponeses. No
A principal atividade da nova Liga paraibana era fornecer início de 1962, ele atraiu a atenção do presidente João Goulart,
assistência legal aos camponeses que desejavam indenização pe­ que estava procurando uma oportunidade para neutralizar Ju­
los melhoramentos feitos, ou pagar uma renda anual em vez de lião. Jango deu instruções ao ministro da Agricultura para for­
trabalhar três dias por semana para o proprietário da terra. Os necer verbas destinadas ao estabelecimento de postos de saúde
camponeses reclamavam na justiça, podendo assim evitar a ex­ nas zonas rurais onde as Ligas Camponesas da Paraíba eram ati­
pulsão enquanto estavam pendentes os procedimentos legais. Os vas. Tal medida constituiu um benefício tangível para os campo­
donos, desacostumados a qualquer desafio por parte dos traba­ neses e aumentou substancialmente o prestígio de Assis Lemos.
lhadores, freqüentemente recorriam à violência, e ocasionalmente Logo ele se tornou o presidente da Federação das Ligas Campo­
eclodiam conflitos sangrentos. No dia 17 de março de 1962, os nesas da Paraíba. Em julho de 1962, Goulart visitou a Paraíba
trabalhadores de um engenho, ao norte de Sapé, mataram a fa­ e foi saudado por 16.000 camponeses em passeata.
cadas dois pistoleiros particulares dos donos das terras e feriram Em 1962, quando Assis Lemos se candidatou a deputado es­
o administrador do engenho, numa luta que também resultou na tadual, Elisabete também entrou no páreo. Falava-se que Julião
morte de dois camponeses. Os latifundiários juraram vingança. a havia convencido a entrar na disputa, numa tentativa de tirar
Pouco tempo depois, dois homens vestidos como vaqueiros votos de Assis Lemos. Se este foi o caso, o plano deu errado, pois
emboscaram João Pedro Teixeira e o mataram a tiros. Os crimi­ Elisabete perdeu por muito. Depois disso, Julião tinha muito pou­
nosos foram logo capturados e descobriu-se que pertenciam à po­ co a dizer sobre o curso do movimento da Liga Camponesa na
Paraíba.
lícia local. Eles implicaram vários latifundiários, inclusive um
político proeminente. Os policiais foram presos, mas os verda­ % Apesar de ainda não saber de nada, Julião estava em apu­
deiros responsáveis nunca foram processados. Julião protestou ros. Afastando-se tanto de Goulart quanto dos comunistas, ele
vigorosamente contra o crime e mandou ao ministro da Guerra se isolou na ala esquerda da política nordestina, e as conseqüen-
de Goulart uma carta que recebeu bastante publicidade, exigin­ cias, especialmente as do seu rompimento com os comunistas, fo­
do que fossem confiscadas as armas que, segundo ele, os donos ram profundas. O movimento das Ligas Camponesas do Nordeste
de terras na Paraíba estavam armazenando.25 Ele também pro­ exigia liderança e coordenação, especialmente se se tratava de
jetou em cena, como uma figura de primeiro plano, a viúva, Eli- manter uma atitude revolucionária. Entretanto, Julião sabia muito

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bem que uma revolução regional nunca poderia ter sucesso, e,
portanto, ele teria de procurar aliados em outras partes do país,
além de necessitar de financiamento, o qual só poderia vir do Sul passar a outrem o direito de advogar a causa revolucionária com
do Brasil e do exterior. Ele precisava, também, manter seus con­ um certo grau de credibilidade. Assim, a estabilidade que os co­
tatos internacionais. munistas haviam criado na esquerda não podia mais continuar.
Mas Julião era apenas uma pessoa, e teve de delegar respon­ A conclusão de Celso Furtado foi que “ quando você passa das
sabilidades e depender de subordinados. Como havia rompido palavras para a ação, tem que pagar um preço muito alto, espe­
com os comunistas, não mais podia utilizar a máquina deles, que cialmente quando não existem condições para uma revolução” .
funcionava às mil maravilhas, e foi obrigado a expandir sua pró­ tf O ano de 1962 começou com Julião flanqueando o Partido
pria organização. O Congresso de Belo Horizonte ajudou a rea­ Comunista e encontrando-se na extrema esquerda do aspecto po­
lizar isto, pois capacitou-o a atrair vários adeptos, na maioria lítico do Nordeste. Havia chegado o momento para as Ligas Cam­
estudantes, que estavam totalmente desencantados com o que ponesas produzirem um avanço visível em direção à revolução,
achavam ser um conservadorismo do Partido Comunista. Estes não necessariamente um movimento armado, mas pelo menos sus­
novos adeptos estavam ansiosos para agir. Seu entusiasmo cria­ citando com êxito uma consciência revolucionária entre os cam­
va outros problemas — se podiam agir sob a direção de Julião poneses e forjando uma espécie de infra-estrutura revolucionária.
e se permaneceríam sob seu controle. Em suma, estava na hora de acontecer alguma coisa.
W A oposição comunista significava muito mais do que a mera
ausência do apoio do Partido. As Ligas Camponesas, por terem
uma estrutura imprecisa e estarem espalhadas em toda a zona açu-
careira, ofereciam um alvo irresistível para infiltração. Os comu­
nistas começaram a se imiscuir nas Ligas e a tentar tirar o seu
controle das mãos dos elementos pró-Julião. Tal competição ser­
viu apenas para confundir os camponeses e desviá-los da luta pe­
la reforma agrária. O faccionalismo, a doença congênita da
esquerda, tinha feito sua inevitável aparição e logo sc espalharia
com grande intensidade.
Em entrevista concedida em 1963, Celso Furtado, com mui- ;
~ ta percepção, expôs outra dificuldade que Julião enfrentava, ao
adotar uma instância abertamente revolucionária. Ele observou
que, desde 1935, o Partido Comunista havia ocupado a extrema
esquerda do espectro político brasileiro e tinha conseguido o mo­
nopólio do uso da retórica revolucionária. Mas o Partido nunca
havia realmente feito qualquer coisa revolucionária. À medida
que os comunistas começaram a ser desalojados do seu confor­
tável lugar na extrema esquerda, por Julião e outros revolucio­
nários esquerdistas inspirados por Cuba, estes últimos acharam
que não podiam copiar a inação do Partido Comunista. Come­
çaram a sentir a pressão de ter de fazer alguma coisa, ou então

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inevitável. Desde que as condições não haviam chegado ao pon­
to no qual os camponeses se levantariam em revolta espontânea
contra seus agressores, parecia lógico que aqueles que estavam
insuflando o que resultaria em revolução teriam que apresentar
um plano de ação, uma organização disciplinada, e um grupo de
SETE líderes que executariam o programa. A agitação em si não era
mais suficiente.
A tarefa não seria fácil. Para começar, ninguém sabia quan­
Julião em Baixa tas Ligas Camponesas já existiam e quantos camponeses delas par­
ticipavam. As estimativas iam da afirmação solene de Julião de
que o número dos membros das Ligas tinha ultrapassado a mar­
ca dos 100.000,3 até a declaração de um padre católico, que
atuava junto aos trabalhadores rurais em Pernambuco, de que
ficaria muito surpreso se, em janeiro de 1962, existissem vinte Li­
gas no estado.4
Julião realmente acreditava que as Ligas estavam tão espa­
lhadas e numericamente fortes quanto ele continuava a insistir.
Seus escritos presumiam a existência de um movimento campo­
As h a b il id a d e s retóricas de Francisco Julião não incluíam a nês de massa através de todo o Nordeste. Tamanha auto-ilusão
sensibilidade para um epigrama feliz. No entanto, no curso de idílica refletia o triunfo da teoria e da ideologia sobre os duros
sua carreira no Nordeste, ele produziu uma máxima memorável. ditames da realidade. Isso provaria ser uma séria fraqueza no pe­
Durante uma entrevista com Antônio Callado, em 1963, ele fez, ríodo crucial que se aproximava, quando a necessidade de ação
com certa tristeza, a seguinte observação: “ Agitar é uma coisa exporia a impotência da palavra falada e escrita.
bela. O difícil é organizar.” 1 É discutível que a violência planejada tenha se tornado uma
Em meados de 1962, Julião já podia olhar com nostalgia os parte do programa de ação das Ligas em 1962. Mas nos primei­
primeiros anos do movimento camponês. Este fora um período ros dias estava bem claro que as Ligas não adotavam a violência.
romântico e relativamente sem complicações, já começando a as­ Apesar de jornais do Recife culparem as Ligas por várias lutas
sumir a aura de uma legenda viva. Com certa ajuda de Julião, armadas no interior, tais acusações nunca foram comprovadas.
as Ligas tinham se reproduzido de uma forma mais espontânea Às vezes os donos dos engenhos acusavam os membros das Li­
do que planejada. Talvez Julião não fosse “ um agitador social gas de tocar fogo nos canaviais, mas Julião sempre negava tais
como Cristo e Moisés” , o qualificativo histórico que ele aplicara acusações. Ele argumentava que os camponeses poderiam quei­
a si mesmo num discurso em 1962,2mas durante os anos de for­ mar toda a zona açucareira se realmente quisessem, mas não fa­
mação ele desempenhou um papel muito simples em seus esfor­ zia sentido destruírem recursos que eventualmente lhes
ços para agitar os camponeses do Nordeste. Agora, porém, as pertenceríam na eventualidade de uma efetiva reforma agrária.
coisas estavam mudando. Julião e outros começavam a falar so­ As Ligas também não parecem ter adotado um plano de ação
bre a necessidade imediata de uma reforma radical, que não po­ para provocar, durante este período inicial, invasões dos enge­
dia ser obtida por meios pacíficos, dadas as circunstâncias então nhos ou das usinas pelos posseiros, apesar de se encontrarem nos
existentes. Havia insinuações tenebrosas de que a violência era jornais vagas referências a estes choques, usualmente após os cam-

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Cuba é nossa. Não apenas simbolicamente, porém concretamen­
poneses terem sido expulsos de suas casas. Ocasionalmente, tais te. Quem hoje tiver a audácia de tocar em Cuba... estará direta­
expulsões resultavam do desejo do proprietário de desencorajar mente provocando o povo brasileiro a uma luta imediata e sem
o alistamento nas Ligas Camponesas. (Numa situação extrema limite.” 7
surgiu o relato de que a polícia particular de um latifundiário te- 1^ Assim começaram a circular as histórias de que o pessoal das
ria ferrado um camponês na testa com as iniciais do dono da ter­ Ligas Camponesas estava recrutando voluntários do Nordeste do
ra, diante de sua mulher e filhos, porque ele tinha se associado Brasil para ir a Cuba e ajudar aquela ilha oprimida a defender-se
às Ligas Camponesas.)5 Para as Ligas, reagir com demonstra­ da agressão americana; que camponeses e estudantes do Nordes­
ções ou invasões constituía mais um ato de autodefesa, e mesmo te estavam recebendo treinamento na tática de guerrilhas duran­
de necessidade de organização, do que uma política oficial. te suas visitas a Cuba; que carregamentos misteriosos de
Em 1962, as Ligas haviam definitivamente tomado a ofensi­ armamento e dinheiro estavam chegando do exterior para o Nor­
va. O Chicago Daily News relatou um incidente no qual os cam­ deste. Um político do Recife chegou a ponto de afirmar que Ju­
poneses que estavam fazendo um piquete numa usina perto de lião possuía um depósito de armas tchecas escondidas no quintal
Vitória de Santo Antão circulavam uma petição com os seguin­ de sua casa no Recife.8
tes dizeres: Eram variadas as reações a tudo isso. O general Artur da
Costa e Silva, comandante do Exército no Nordeste (e depois pre­
Os nossos homens estão com uma fome danada. Pre­ sidente do Brasil), não se perturbou com os boatos de revolução
cisamos de comida decente. armada. Ele disse sem rodeios: “ Julião blefa muito.” 9
Os 1.500 camponeses que estão fazendo demonstração Os comunistas encaravam o tumulto causado pelas Ligas co­
pela reforma agrária nas terras desocupadas de Constâncio mo uma mera extensão do programa de agitação de Julião. Não
Maranhão exigem: 30 quilos de farinha, açúcar, feijão e acharam que o que estava acontecendo fosse digno de ser consi­
carne. derado como parte de qualquer plano revolucionário. Um jornal
Se esta petição do povo não for atendida, estas mes­ do Partido indagou: “E agora? O que poderíam oferecer aos cam­
mas pessoas, com o seu espírito perturbado, terão que usar poneses como forma de luta? A ordem do dia era a reforma agrá­
“ a marra” , porque o nosso objetivo é que a terra seja da­ ria. Mas que tipo de reforma agrária? Isto não interessava. A
quele que nela trabalha.6 única coisa que importava era agitar.” 10O respeitado Jornal do
Brasil, do Rio, atirou farpas de ridículo sobre os rebeldes das Li­
Pelo menos a Liga tinha escolhido um alvo apropriado. Cons­ gas Camponesas. Um editorial declarou: “ O senhor Julião, um
tâncio Maranhão era o latifundiário que brandia a pistola no fil­ conspirador e agitador, fala de barbas e armas. Ele esquece que
me documentário da TV-ABC infitnladn A Terra C.nnturhada. isto aqui não é Cuba. Homens barbudos armados, num Brasil
As Ligas também desenvolveram um apoio fervoroso a Fi- civilizado e democrático (neste país nunca houve Batistas), não
del Castro em 1962. Apesar da insistência de Julião de que Cuba são revolucionários — são casos de polícia. Pior ainda, são cari­
era apenas um símbolo e Castro apenas mais um herói no seu pan­ caturas. Caricaturas que não metem medo. Provocam risos...” "
teão revolucionário terrivelmente eclético (juntamente com Moi­ Ao mesmo tempo, alguns observadores estavam avançando
sés, Jesus, São Francisco de Assis, Mao Tsé-tung, Ben Bella, a teoria de que Julião era uma influência moderadora sobre ele­
Thomas Jefferson, Abraão Lincoln e outros), suas palavras fre- mentos explosivos no Nordeste. Os que assim acreditavam olha­
qüentemente continham implicações veladas de que Cuba era para vam sua linguagem inflamada apenas como um recurso para
ele mais do que uma simples inspiração. Certa vez ele disse a um apressar as reformas. Argumentavam que este tipo de oratória
jornalista no Rio: “ Todos nós somos cubanos. A revolução de
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ajudava seus seguidores oprimidos a liberar tensões e, ao mesmo grupos de combatentes, compostos, em sua maioria, de estudan­
tempo, pressionar por mudanças significativas na estrutura agrá­ tes. Estes centros também tentariam angariar o apoio ativo e pas­
ria. O fato de ele nunca ter especificado qualquer programa en­ sivo de camponeses locais. Julião objetou vigorosamente a isto,
volvendo o uso da violência fortificou esta interpretação mais ou mas em vão.
menos benevolente do seu movimento. y ° ‘‘acampamento de Dianópolis” representava um desvio
Finalmente, deve ser notado que, durante este período, uma drástico da estratégia que Julião havia planejado para as Ligas, as
comissão especial do legislativo federal estava efetuando uma in­ quais tiravam sua força das condições existentes na zona açuca-
vestigação das Ligas Camponesas. A comissão não conseguiu en­ reira de Pernambuco e Paraíba, e que tinham crescido e prospe­
contrar qualquer evidência de subversão e a certa altura publicou rado em resposta a específicas pressões sociais e econômicas. Agora
uma nota observando que as Ligas estavam, de fato, procuran­ seria feita uma tentativa para conseguir radicalização instantânea
do mudanças estruturais no interior.12 de camponeses em diferentes áreas, bem longe destas pressões. Do
O que faziam as Ligas na realidade? Muitos dos rumores so­ ponto de vista puramente militar, é verdade que o interior remoto
bre suas atividades não eram baseados em fatos. Por exemplo: e pouco habitado oferecia certas vantagens sobre a zona açucarei-
o próprio Julião admitiu, numa entrevista a Tad Szulc, do Ti­ ra relativamente compacta. Estas vantagens, porém, nunca con­
mes, que nunca havia feito planos reais para mandar voluntários seguiram sobrepujar os obstáculos ao plano. O paralelo com a
para lutar em Cuba, mas que a agitação contra a agressão dos operação de Che Guevara na Bolívia é óbvio. O “ acampamento
Estados Unidos constituía apenas um método para politizar os de Dianópolis” foi um precursor daquela malfadada aventura.
camponeses.13 As freqüentes viagens a Cuba não parecem ter A idéia brotou na imaginação fértil de Clodomir dos Santos
produzido nenhuma guerrilha camponesa legítima. Como obser­ Moraes, o principal lugar-tenente de Julião. Clodomir era um ad­
vou depois um dos lugar-tenentes de Julião, “ não existia nada vogado do estado da Bahia, no limite sul do Nordeste. Ele veio
para aprender em Cuba sobre as lutas no Nordeste. Para aqueles trabalhar no Recife e serviu, durante certo tempo, na Assembléia
camponeses que foram até lá, era mais como um piquenique, um Legislativa. Fez amizade com Julião e era um dos poucos depu­
fim de semana. Em suma, tudo foi um desperdício tremendo” .14 tados estaduais que podiam acompanhar o líder das Ligas Cam­
Finalmente, apesar do falatório sobre armamentos, ninguém des­ ponesas em viagens de investigação pelo interior. Ele era também
cobriu qualquer estoque significativo de armas que pudessem membro oficial do Partido Comunista. Quando estava de veia,
constituir uma séria ameaça contra o governo. Clodomir podia ser um maravilhoso contador de histórias,
M Mesmo assim, seria errado descartar o movimento das Li­ embelezando-as com uma vivaz torrente de detalhes. Trazia qua­
gas Camponesas como gerador de palavras sem ações, pois hou­ se sempre um cigarro no canto da boca. Mas havia nele uma in-
ve de fato uma tentativa, por parte de pessoas ligadas às Ligas, disfarçável dureza, que sua inteligência rápida tendia a exagerar.
para realizar uma revolta verdadeira em 1962. Apesar de os agen­ Alguns o consideravam feio, mas ele projetava um magnetismo
tes de segurança do Brasil haverem apresentado evidência docu­ que atraía seguidores. Dizia-se que sua esposa, uma linda tche-
mentada com o propósito de incriminar Julião,15 ele continuou ca, falava nove línguas.
a declarar que não tinha qualquer conexão com o “ acampamen­ Clodomir era um homem com ligações em Havana. Foi ele
to de Dianópolis” . O que realmente aconteceu foi que Julião per­ quem aproximou Julião de Fidel Castro. Por volta de 1961, ele
deu o controle sobre certos militantes dentro do movimento das se havia dedicado completamente à causa de Julião, e em dezem­
Ligas Camponesas, e eles agiram por conta própria para plane­ bro foi censurado abertamente na primeira página do jornal do
jar e preparar uma insurreição armada no interior do Brasil. A Partido Comunista, no Recife.16Em junho de 1962, foi expulso
idéia era estabelecer vários acampamentos para treinar pequenos do Partido por “ aventureirismo” .17

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Desse modo, Clodomir mudou-se da ala esquerda do Par­ ção de suscitar o desenvolvimento dessa remota região tropical
tido Comunista para a ala esquerda do movimento das Ligas nos planaltos centrais. Na verdade, a especulação imobiliária por
Camponesas. Neste último, encontrou uma importante aliada, A- estrangeiros (na maioria americanos) atestou a validade desta vi­
lexina. A esposa de Julião era uma ativista dentro do movimen­ são do futuro. Obviamente, os imigrantes que se estabeleciam em
to, e neste caso, como em muitos outros, continuou não que­ Brasília, ou ao redor, assim como ao longo da nova estrada, pre­
rendo subordinar-se aos interesses do marido. Ambos, Clodo­ cisariam de alimentos. Havia lógica, portanto, quando os nor­
mir e Alexina, estavam convencidos de que a revolução esta­ destinos, chegando a Dianópolis, anunciaram planos para plantar
va ao seu alcance. Julião discordava, mas deixou-se levar. Nis­ grãos e criar gado nas fazendas que estavam comprando. Tam­
to ele demonstrou uma das suas fraquezas mais sérias, uma in­ bém fazia sentido eles dizerem que seus esforços estavam sendo
capacidade para dizer “ não” e manter suas posições. Olhando financiados por um grupo de investidores nordestinos que haviam
em retrospecto esse período crucial, Julião observou, numa en­ formado algo chamado (sem dúvida com um certo tom de grace­
trevista em 1969, que Clodomir “ não podia dizer onde acaba­ jo) “ Companhia Capitalista do Nordeste” , com o objetivo de ti­
va a realidade e começava a fantasia. Então começou a viver rar vantagens das oportunidades que Goiás oferecia.
num mundo de fantasia. É muito perigoso trabalhar com um ho­ Com o passar dos meses, os representantes da Companhia
mem desse tipo” .18 Capitalista do Nordeste começaram a demonstrar uma consciên­
Dado o caráter clandestino do “ acampamento” , não é de cia social fora do comum. Pagavam bem aos seus trabalhadores
surpreender a escassez de detalhes que o confirmem. Tanto as acu­ e forneciam serviços médicos e dentários. Também encorajavam
sações feitas pelo governo brasileiro como as negativas por fon­ os seus trabalhadores e os da vizinhança a se organizar. Em ju­
tes das Ligas Camponesas parecem refletir um considerável nho de 1962, já se falava na formação de Ligas Camponesas na
exagero. Na verdade, um professor americano sem muita simpa­ área de Dianópolis.
tia pelas Ligas expressou dúvidas quanto a ter o “ acampamen­ ■Jlc Clodomir Moraes estava encarregado do grupo de Dianó­
to” realmente acontecido.19 Um exame de fontes publicadas,20 polis. Utilizando a Companhia Capitalista como cobertura, ele
comparadas com referências esporádicas feitas por pessoas das reuniu um pequeno núcleo, composto em sua maioria de estu­
Ligas Camponesas ainda relutantes em discutir o incidente, su­ dantes. A operação Dianópolis foi um dos vários projetos seme­
gere a ocorrência dos seguintes eventos: lhantes iniciados em 1962. Outros acampamentos foram
Em novembro de 1961, um pequeno grupo de nordestinos estabelecidos nos estados da Bahia e Maranhão, em áreas nos li­
viajou para o estado de Goiás e comprou várias fazendas no mu­ mites do Nordeste. Os futuros guerrilheiros juntavam armas curtas
nicípio de Dianópolis e seus arredores, a uns 965 quilômetros ao e treinavam-se em longas marchas pelo interior. Tentaram tam­
norte e ligeiramente a leste de Brasília, a capital do Brasil. Goiás bém, sem muito resultado, alistar camponeses locais. As armas
é um dos vários estados, enormes e com pouca população, no não foram enviadas do exterior, como alguns disseram: foram
interior do Brasil. Sua ponta norte estende-se acima da latitude compradas, ou roubadas, do Exército. Nessa época era fácil ob­
do Recife e sua base alcança quase o sul do Rio de Janeiro. A ter armas no Brasil.
leste da parte superior do estado encontra-se o vasto sertão do O grupo de Dianópolis tinha problemas internos. Os estu­
Nordeste do Brasil. Quando os brasileiros falam de abrir o inte­ dantes não se ajustaram bem aos rigores da vida de guerrilha.
rior do gigantesco subcontinente que é o seu país, invariavelmente De acordo com Clodomir, “ as despesas dos campos de treina­
citam o potencial de Goiás em termos esperançosos. A fundação mento se elevaram muito, como resultado da insistência desses
de Brasília, na parte sul do estado, e o início da construção de jovens em complementar a dieta frugal da guerrilha com um cons­
uma estrada de Brasília até a foz do Amazonas tinham a inten­ tante suprimento de biscoitos, geléias e comidas enlatadas. Além

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disso, eles sustentavam que tinham direito a visitar semanalmen­ O pior, porém, ainda estava por vir. No dia 13 de dezem­
te as prostitutas dos vilarejos vizinhos...” 21 bro, a polícia estadual do Rio de Janeiro prendeu, numa cami­
A segurança do “ acampamento” não era adequada. Em São nhonete, na periferia da cidade, Clodomir, uma moça chamada
Paulo, os estudantes falavam livremente sobre suas atividades e Célia (a esposa de Clodomir aparentemente havia regressado à
alguns até mesmo visitaram Dianópolis, brincando de guerrilhei­ Tcheco-Eslováquia) e um rapaz não identificado. Na caminho­
ros no tempo disponível. nete, que pertencia a Julião, encontraram algumas armas. De
As autoridades brasileiras naturalmente estavam totalmente acordo com uma versão da história, os comunistas tinham de­
a par do que acontecia e mantinham os vários acampamentos sob nunciado Clodomir à polícia. Julião descartou toda a história co­
estreita vigilância. De acordo com Julião,22 no outono de 1962, mo uma armadilha e acrescentou, aparentemente com expressão
Pelópidas Silveira, então vice-governador de Pernambuco, avi- séria, que as armas encontradas no veículo pertenciam ao Ponto
sou-o de que os agentes de segurança o ligavam a essas ativida­ Quatro, demonstrando claramente e inocência de Clodomir. O
des de guerrilha. Julião insistia que nada tinha a ver com isso, governador, militante conservador, do estado da Guanabara, que
mas imediatamente mandou uma mensagem aos estudantes nos corresponde à cidade do Rio de Janeiro, ficou feliz ao ver Clo­
acampamentos, para fechar a casa e regressar ao Recife, a fim domir nas mãos da sua polícia, a mesma que, dentro de um mês,
de ajudar na campanha eleitoral de 1962, que estava começan­ receberia publicidade nacional por sua tentativa de conseguir uma
do. Clodomir afirma que “ camponeses e trabalhadores” expul­ solução final para o problema da mendicância no Rio de Janeiro
saram os estudantes dos acampamentos.23 De qualquer forma, jogando um grupo de mendigos desvalidos na baía de Guanaba­
no final de novembro o Exército invadiu a fazenda Dianópolis. ra. O ex-deputado de Pernambuco desapareceu de cena, sendo
É difícil afirmar com segurança o que realmente aconteceu colocado no porão de uma cadeia da Guanabara.
durante e após a invasão com base nas histórias, conflitantes e Como se a perda de Clodomir não fosse suficientemente sé­
muitas vezes patentemente exageradas, que emanavam da área. ria, um avião comercial brasileiro, no dia 27 de novembro de 1962,
Um jornal relatou que Clodomir fora preso no local e alguns dias espatifou-se perto de Lima, no Peru, num vôo procedente do Rio.
depois afirmou que ele havia surgido no Sul do Brasil. O item Foi descoberta, entre os destroços do avião, uma bolsa perten­
mais imaginoso foi uma sugestão de que os guerrilheiros haviam cente a um dos infortunados passageiros, um oficial cubano que
escolhido Goiás por causa de sua terra plana e sua rede de rios, tinha participado de uma conferência internacional no Rio. A bol­
especialmente'adequadas para a aterrissagem de aviões.24Como sa continha documentos que se referiam às atividades clandesti­
o governador de Goiás era um reformista suspeito de tendências nas de Clodomir e dos outros no interior do Brasil e estabeleciam
esquerdistas, os seus inimigos estavam ansiosos por associá-lo a uma conexão entre os cubanos e os supostos guerrilheiros.
qualquer espécie de atividade ilegal ou subversiva. Desse modo, Esta descoberta embaraçosa resultou na suspensão do peque­
os relatos do incidente mencionaram que entre as pessoas presas no apoio financeiro que as Ligas Camponesas vinham recebendo
encontrava-se um funcionário do governo estadual. (Depois, o de Cuba, pelo menos até 1961. Mesmo naquela época, Castro re­
governador foi isentado de qualquer participação no “ acampa­ lutava em contribuir para as Ligas, porque tinha dúvidas quanto
mento” .) As autoridades realmente fizeram algumas prisões e en­ ao seu potencial revolucionário. Agora ele estava certo disso. A
contraram algumas armas. O jornal das Ligas Camponesas, A perda de Clodomir também prejudicou a solvência do movimen­
Liga, publicou que as armas haviam sido colocadas no acampa­ to, visto que ele tinha se encarregado de obter ajuda financeira,
mentos por oficiais do governo e pertenciam de fato ao Ponto tanto em seu país como no exército. Isto deixou Julião com duas
Quatro, o programa de assistência técnica dos Estados Unidos fontes internacionais de recursos: um comitê em Paris, que cole­
que precedeu a Aliança para o Progresso.25 tava dinheiro dos sindicatos trabalhistas na Europa Ocidental,

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e um grupo de estudantes na Tcheco-Eslováquia, que estava an­ ses indivíduos, poderá submeter o espírito do homem a uma pro­
gariando dinheiro para ser enviado ao Nçrdeste.26 No âmbito va martirizante. Assim mesmo existem aqueles que, de alguma
nacional, o seu maior contribuinte era um grande proprietário forma, têm sucesso em preservar sua humanidade e a pureza de
de terras do Rio, que acontecia ser também um marxista prati­ seus ideais diante de pressões .que convidam ao rancor e a uma
cante.27 Portanto, o “ acampamento de Dianópolis” teve êxito corrosiva'amargura. Joel Câmara era este tipo de pessoa. Suas
no sentido de piorar a situação financeira, já bastante abalada, convicções ideológicas eram diretas e simples. “ Sou socialista,
cristão e revolucionário” , disse ele uma vez, durante uma entre­
das Ligas.
Os acontecimentos em Dianópolis corroboraram o ponto de vista. “ Socialista porque acredito que a riqueza deveria ser divi­
vista de Julião no tocante à inoportunidade das operações de in­ dida entre todas as pessoas. Cristão porque o exemplo de Cristo
surreição, porém isso lhe trouxe pouco conforto. Dada a nature­ como líder revolucionário é mais relevante e mais fácil de com­
za ambígua da sua conexão com o “ acampamento” , o líder das preender do que o de Marx. A cristandade é espiritual. Eu sou
Ligas Camponesas sofreu uma desgastante perda de prestígio, ar­ espiritual. O Brasil está mergulhado em espiritualidade. O mate-
cando com abusos de todos os lados do compasso político. Os rialismo nunca poderá enraizar-se aqui. O socialismo da Bíblia,
revolucionários militantes consideraram o ocorrido como uma de­ e não o de Marx, Lênin e Trotsky, é o que eventualmente preva­
monstração de incompetência. Os elementos conservadores da es­ lecerá no Brasil. Finalmente, eu sou revolucionário porque esta
é a única maneira de tomar o poder.”
querda desaprovaram o que consideraram como um perigoso
“ aventureirismo” . Julião ficou preso no meio, e não havia mui­ À primeira vista, Joel não se parecia muito com um revolu­
cionário. Era magro, pálido, bem-educado, com dentes protube-
to a fazer.
^ Enquanto isso, a nível local, o movimento no sentido de uma rantes e amarelados. Pertencia a uma família da classe baixa, e
ação mais militante das Ligas Camponesas de Pernambuco não seu pai era ator. Um de seus professores, na universidade,
estava se mostrando eficaz para levar o Brasil mais perto da re­ recordava-se dele como “ um bom rapaz, sempre sorrindo ou dan­
volução. (O problema principal que as Ligas enfrentavam — com­ do gargalhadas, até mesmo quando falava sobre metralhadoras” .
petição por parte da Igreja Católica, do Partido Comunista e de (Na verdade, Joel tinha uma fascinação por metralhadoras.) Po­
outros grupos que buscavam estabelecer uma base de poder no rém, ele nem sempre sorria ou gargalhava. Havia ocasiões em que
interior — será discutido no capítulo 11.) Julião também tinha ficava excitado por alguma coisa que o tocava profundamente,
que lidar com a dificuldade de contar com lideranças efetivas a e um brilho duro cintilava nos seus olhos. Foi este olhar que assi­
nível local. Um dos seus lugar-tenentes de maior confiança era nalou que ele não hesitaria em colocar o seu corpo na linha de
um estudante de Direito chamado Joel Câmara.)28 Ao contrário frente quando achasse necessário.
de Clodomir, Joel não tinha ilusões grandiosas no sentido de im­ Joel atraiu a atenção pública pela primeira vez em 1961,
plantar uma insurreição no interior do Brasil. Pelo contrário, pen­ quando juntamente com um colega da Faculdade de Direito, ga­
sava, com,o Julião, em alimentar um movimento revolucionário nhou um concurso com um ensaio analisando as condições exis­
interno entre os camponeses da cana açucareira. Mesmo assim, tentes na Casa de Detenção do Recife. O seu trabalho expôs a
em janeiro de 1963, Joel, como Clodomir, estava na cadeia. doença, a brutalidade, o homossexualismo e a loucura reinantes
O processo de radicalização é conhecido como desumanizante na cadeia tipo fortaleza, vizinha de uma das piores favelas da beira
até mesmo para aqueles cujos primeiros passos na estrada da re­ do rio. As autoridades não reconheceram o valor da análise feita
volução foram motivados pelos mais elevados impulsos humani­ pelos estudantes e os classificaram de subversivos.
tários. A dinâmica da frustração e da repressão, na medida em No final do mesmo ano, Joel viajou para Belo Horizonte a
que interage com o enorme senso de urgência que impulsiona es- fim de comparecer ao Congresso Nacional dos Camponeses. Foi

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uma experiência renovadora. Ele conheceu e fez-se amigo de um Acendi a oomba e joguei-a contra eles. Houve uma grande ex­
grupo de jovens trotskistas cuja sinceridade muito o impressio­ plosão, e quando olhei, vi os pistoleiros fugindo às carreiras. Eu
nou. Por instigação dos comunistas, eles haviam sido excluídos poderia escrever um livro inteiro sobre isto” , concluiu ele com
do Congresso. Joel protestou e ajudou-os pelo menos a obter per­ um piscar de olhos, “ se você pudesse me mandar uma metralha­
missão para distribuírem seus panfletos no encontro. Em vista dora” .
disto, os comunistas iniciaram uma série de ataques contra Joel. Os incidentes que ocorreram em Bom Jardim, em julho de
A grande descoberta de Joel durante o Congresso foi a exis­ 1962, resultaram em mais publicidade para Joel. A fim de defen­
tência de um grupo revolucionário do seu próprio estado. Ele se der José Firmino dos pistoleiros que estavam tentando expulsá-lo
apresentou a Julião, alistou-se no movimento das Ligas Campo­ de sua casa, Joel decidiu que já era hora de uma operação para-
nesas e rapidamente assumiu uma posição de responsabilidade. militar, baseada nas táticas de guerrilha defensiva. Colocou cam­
Apesar de ter nascido e se criado na cidade, Joel resolveu poneses armados com suas primitivas espingardas de caça nas
fazer seu trabalho no campo, tornando-se um conselheiro legal proximidades do casebre de José Firmino e inventou um sistema
no dia-a-dia dos camponeses que pertenciam às Ligas. Cedo ele de sinalização baseado na explosão de fogos, para avisar da apro­
aprendeu que a lei viva, operando na realidade do campo, era ximação do inimigo. (Um tiro = aproximação dos pistoleiros do
bastante diferente daquela que estava estudando na faculdade. proprietário; dois = ferimento de camponês; três = aproxima­
“ Você pergunta sobre a lei” , ele disse em uma entrevista dè ção da polícia ou do Exército.) Até deu um nome ao plano, “ Ope­
1963, “ e eu falarei sobre a lei. Num engenho, o dono tinha o há­ ração Espada” , que era o nome do engenho onde estas atividades
bito de se embriagar e depois sair correndo nu por dentro dos aconteceram. O seu principal companheiro na “ Operação Espa­
casebres dos camponeses. Estes deram queixa à polícia, mas os da” era um tal de Dequinho, que por coincidência era irmão de
policiais encolheram os ombros e riram. Finalmente um dos cam­ Julião e administrador da fazenda da família, Espera, que não
poneses pegou o dono do engenho em uma das suas visitas no­ ficava longe dali.
turnas e ameaçou-o de tirar fora sua masculinidade com uma fa­ Foi tudo muito bom enquanto durou, o que não aconteceu
ca. Depois disto, o latifundiário manteve suas calças no lugar. por muito tempo. A imprensa do Recife publicou histórias ame-
“ Tentei usar métodos legais, mas foi inútil. O caso de José drontadoras sobre as operações de guerrilha em Bom Jardim e
Firmino é um exemplo. O proprietário queria expulsá-lo de sua citou um oficial de polícia local, que teria declarado que “ a ati­
fazenda, em Bom Jardim, e José me pediu assistência legal. Con­ vidade de Joel é parte de um golpe subversivo bem organizado
seguimos testemunhas e preparamos os autos do processo. Mas, para implantar a anarquia em todo o interior” .2* Pouco depois
ao entrarmos no cartório, os pistoleiros do proprietário assusta­ disto, a polícia prendeu Joel, Dequinho e alguns camponeses, e
ram as testemunhas. O juiz viu tudo, mas a única coisa que disse os entregou ao Exército. Infelizmente, por causa de sua inclina­
foi: ‘Tenham calma, tenham calma.’ Tinha medo de protestar. ção para a literatura ou talvez com olho na História, Joel descre­
“ No dia seguinte, fui informado de que os pistoleiros esta­ veu por escrito toda a “ Operação Espada” , chegando ao ponto
vam preparando uma emboscada para mim na cidade. Tive en­ de desenhar um mapa detalhado do casebre de José Firmino e
tão uma nova idéia. Consegui uma grande bomba, pois estava seus arredores. O comandante do Exército imediatamente con­
próxima a festa de São João, e entrei na vila com vários campo­ vocou uma conferência da imprensa, exibiu os documentos
neses. Um menino nos informou onde os pistoleiros estavam se apreendidos e anunciou que tudo era tirado diretamente do ma­
escondendo. Aproximei-me sozinho, e quando ouvi o clique dos nual de Mao Tsé-tung sobre operações de guerrilhas. “ Eles fica­
seus revólveres, pulei num buraco à beira da estrada. Começa­ ram me perguntando e perguntando sobre isto e eu fiquei
ram a atirar, mas fiquei bem quieto. Então saíram atrás de mim. insistindo que tinha feito o plano todo e não copiara nada de ne-

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nhum manual” , relembrou Joel em 1969, ‘‘mas não me acredi­
taram. Finalmente disse-lhes que tinha tirado a idéia da ‘Opera­ na delegacia de polícia. Quando tentamos sair, os pistoleiros ati­
ção Espada’ de um artigo publicado na Revista Militar e isto raram contra nós e um policial atirou de volta. A procissão das
pereceu satisfazê-los.” Os jornais deram ao fato uma cobertura crianças estava no meio do fogo cruzado, e uma menina de cinco
sensacional, chegando até a publicar o mapa, e proclamaram o anos foi morta.”
início da atividade revolucionária em Pernambuco. Mas logo pa­ A atividade de Joel se restringia, em sua maior parte, à par­
raram com a história quando o Exército não prosseguiu com suas te norte da zona açucareira. Ele, claramente, não se achava en­
acusações e soltou os prisioneiros. Relembrando o incidente du­ volvido em qualquer insurreição planejada, mas estava utilizando
rante nossa recente entrevista, Joel animou-se e declarou, com a violência como uma defesa contra agressões reais ou imaginá­
um sorriso: ‘‘Joe, fiz o que fiz com cinco camponeses, armados rias por parte dos latifundiários. (Existe também evidência indi­
com cinco rifles velhos, armas do tèmpo de Buffalo Bill. Imagi­ cativa de que um pouco desta violência poderia ter sido parte da
ne, imagine só o que eu poderia ter feito com uma metralhadora!” disputa intramuros dos diferentes grupos que estavam tentando
Naturalmente os comunistas denunciaram com veemência o organizar os camponeses.)30Apesar de contar com muito pouca
que Joel estava fazendo e tentaram ridicularizá-lo. Começaram ajuda externa — se é que existia alguma — em forma de dinheiro
a chamá-lo de “ general Joel” e espalharam a história de que ele e suprimentos, ele via com prazer todos os rumores sobre a exis­
era doido. Mesmo assim, os camponeses gostavam dele e sempre tência de bandos de camponeses armados e organizados, porque
matavam uma galinha e preparavam uma comida especial em sua “ isso mantinha os latifundiários e a polícia num estado de gran­
honra, por ocasião de suas visitas. A polícia tomou nota disso de confusão” . A sua melhor arma era o segredo. “ Um minuto
e vivia dizendo aos camponeses que a única razão pela qual Joel de surpresa vale um avião com uma bomba atômica.”
voltava para o interior era porque gostava de galinha. O fato de Mas a carreira de Joel durou apenas até o final de 1962. Em
Joel ter sobrevivido em suas constantes incursões pelo interior deve janeiro de 1963, no município de També, onde os seus amigos
ser atribuído, pelo menos em parte, à sua grande sorte (e talvez trotskistas estavam organizando os sindicatos de camponeses, al­
também ao revólver Smith & Wesson que carregava consigo). guns membros da Liga local haviam invadido três engenhos. A
Houve várias ocasiões críticas. Um exemplo foi o incidente em polícia dispersou-os, prendeu vários deles e apreendeu, confor­
Sirinhaém, um município da costa de Pernambuco, ao sul do Re­ me relatou, vários rifles e coquetéis-molotov. Debaixo de um ri­
cife: goroso interrogatório, os camponeses aprisionados culparam Joel
“ Um latifundiário tinha destruído o casebre de uma cam­ por ter organizado as invasões, e no dia 14 de janeiro ele foi apa­
ponesa viúva, e a Liga local organizou um protesto numa cidade nhado pela polícia, em També. Seguiu-se uma comédia de erros,
vizinha. Os camponeses fizeram uma passeata, carregando o res­ quando a polícia o r^ltou por engano e colocou-o num ônibus
tante dos bens pessoáís da viúva. Eu me achava na linha de fren­ para o Recife. Ao d< scobrir o engano, telegrafaram à polícia es­
te e um repórter americano estava comigo. Os políticos e o padre tadual do Recife para prendê-lo novamente e mandá-lo de volta,
da cidade organizaram uma contrademonstração, uma procissão mas isto foi desnecessário, uma vez que o próprio Joel, ao che­
de crianças. Ao nos aproximarmos da igreja, as crianças come­ gar ao Recife, tomou o ônibus de volta a També, sendo preso
çaram a sua procissão, enquanto o padre tocava os sinos da igre­ assim que chegou. Passou algum tempo na prisão de També, on­
ja e gritava pelo alto-falante instalado na torre: ‘Livrai-nos, São de se apaixonou por uma moça do lugar que tinha ido à cadeia
Jorge, destes demônios; rezemos, irpiãos, para que São Jorge nos com um grupo de amigos para ver o “ famoso líder das guerri­
defenda.’ Tentamos falar com o padre, mas dois pistoleiros saí­ lhas” que estava enfeitando a prisão local. Pouco depois, ele foi
ram da igreja. Nós recuamos e o repórter e eu nos refugiamos enviado para o Recife e preso como subversivo sob a chamada
Lei de Segurança Nacional, obtendo a oportunidade de experi-
128
129
mentar, pessoalmente e por algum tempo, as condições da Casa mento “ escandaloso” , o arquiconservador cardeal do Rio de Ja­
de Detenção do Recife. neiro baixou uma ordem proibindo-lhe o exercício das funções
Certa vez, falando de Joel, Julião disse que seus únicos de­ eclesiásticas. Isto não o deteve de forma alguma. Em 26 de ju­
feitos eram a pureza, o idealismo e a coragem.31 Existiam outras nho, ele enviou uma carta ao cardeal, declarando que a ordem
pessoas, dentro das Ligas Camponesas, que exibiam uma faixa era desnecessária, visto que achava impossível desempenhar os
mais ampla de defeitos. Tomemos, por exemplo, o padre Alípio deveres de um padre sob a “ orientação pastoral” dele.33 A car­
de Freitas, cognominado “ o padre do povo” ; calvo, rosto ver­ ta também atacou os conselheiros do cardeal, um grupo de “ eli­
melho, cheio de energia, e que rodopiou pelo movimento como te” que funcionava como “ instrumento de dominação imperia­
um dervixe apalhaçado, trazendo um toque de cor, distribuindo lista” .
confusão a mancheias e terminando, como Clodomir e Joel, atrás Apesar da ordem do cardeal, padre Alípio continuou usan­
das grades. do a batina e despontou no Nordeste, onde fez campanha com
O passado do padre Alípio era obscuro, tanto assim que um Julião, na Paraíba e em Pernambuco, durante as eleições de 1962.
cínico sugeriu que ele se infiltrara no movimento das Ligas Cam­ Seu papel permaneceu pouco claro. Julião nomeou para o Dire­
ponesas como um espião da Igreja. Outros duvidavam que ele tório Nacional das Ligas Camponesas um grupo que parecia existir
fosse mesmo um padre. ‘‘Ele não falava como um padre” , che­ somente no papel e até revelou à imprensa que o padre era o seu
gou a comentar um funcionário das Ligas. “ Se era padre, não confessor. A presença de um padre no palanque junto a ele, sem
levava isso muito a sério.” O padre era originário de Bragança, dúvida, ajudou a anular qualquer tentativa de convencer os elei­
em Portugal. De acordo com um boato, havia sido expulso de tores de que Julião era o Anticristo, ou a encarnação do Diabo.
Angola, uma das colônias portuguesas na África, porque estava O problema é que o padre não ficava apenas em pé no palanque,
incitando os pretos contra os seus governadores coloniais. Numa mas fazia discursos e simplesmente não podia controlar o impul­
entrevista à imprensa, em 1962, Julião informou que ele era um so de usar uma linguagem provocativa e antimilitar. Oficiais do
“ teólogo, multilíngüe, professor de Direito Internacional e capi­ Exército prenderam-no no Recife, após uma explosão verbal de
tão da OTAN” .32 Outro relatório retratou-o como um capelão palavras ofensivas, na qual incitou os camponeses e trocarem suas
das forças de paz da ONU no Congo. As causas da esquerda enxadas por rifles; porém soltaram-no poucas semanas depois.
atraíam-no muito. Ele compareceu, em 1962, a um Congresso Após um discurso semelhante na Faculdade de Direito de João
Mundial de Desarmamento e Paz, em Moscou, assim como a um Pessoa, na Paraíba, tropas armadas com metralhadoras
Congresso de Líderes da Esquerda Cristã, no Brasil. Na entre­ prenderam-no quando deixou o prédio. Mais ou menos em mea­
vista de 1962, Julião o descreveu como “ um cristão autêntico” . dos de novembro, já estava novamente solto e regressou ao Rio,
Sete anos depois, numa posição mais reflexiva, Julião admitiu onde, numa entrevista na televisão, não demonstrou qualquer per
que o padre Alípio “ realmente era um anarquista. Ele seguia mais da de entusiasmo. Ele contou que, enquanto estivera preso, fize­
a Bakunin do que a Cristo” . Julião disse ainda que, apesar de ra duas greves de fome, uma das quais em protesto contra o blo­
suas inclinações esquerdistas, o padre não era um bom marxista. queio dos Estados Unidos a Cuba; que não existia verdade alguma
Padre Alípio passou algum tempo trabalhando com campo­ na história de que ele estava de partida para um país socialista,
neses no Maranhão, um estado grande e pouco povoado no Nor­ uma vez que não era merecedor de tal recompensa e, de qualquer
te do Brasil. Vários jovens sentiam-se atraídos por ele e tornou-se forma, “ há uma revolução a ser feita aqui” ; e que, pelo fato de
moda entre os estudantes convidá-lo para participar de reuniões 70 por cento dos congressistas brasileiros serem latifundiários,
em que ele denunciava violentamente os “ oligarcas” . Em 1962, a reforma agrária só poderia ser obtida “ na marra” .34
passou outro tempo no Sul, e, tendo em vista o seu comporta­ Julião não estava muito satisfeito com a viagem de padre

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exemplo de atividade “comunista” dentro da organização de Cel­
Alípio ao Rio. Ele sugeriu que o padre regressasse ao Maranhão so Furtado.36 Maria Ceales demonstrou ser extrovertida demais
e tomasse conta da “ região norte” das Ligas Camponesas. Mas e um tanto autoritária na sua abordagem. Ela também gostava
a “ região norte” , ao que parecia, era tão inexistente quanto de receber crédito por coisas com as quais não tinha qualquer li­
o diretório nacional, e o padre não tinha intenção alguma de gação e logo entrou em choque com alguns dos organizadores das
retornar àquele fim de mundo. Ele preferia muito mais as delí­ Ligas Camponesas. Julião, finalmente, teve que retirá-la, com cui­
cias do Rio, onde escreveu alguns artigos para A Liga, o jor­ dado, do movimento.
nal das Ligas Camponesas, e ao mesmo tempo teve um caso Esses reveses, entre outros que o movimento das Ligas Cam­
de amor, quentíssimo, com uma loura bonita, estudante de Me­ ponesas sofreu nos fins de 1962 e início de 1963, foram apenas
dicina. Logo depois, separou-se do movimento de Julião e tor­ superficialmente compensados pela eleição de Julião para depu­
nou-se ativista de um grupo católico radical denominado Ação tado federal. O seu triunfo na eleição de outubro de 1962 foi uma
Popular. Dentro de pouco tempo, estava de volta à cadeia. Em virada da qual ele poderia tirar grande satisfação, visto que tan­
28 de maio de 1963, um jornal do Recife publicou que o Exér­ to o “ sistema” de Pernambuco como o Partido Comunista se opu­
cito o estava mantendo incomunicável e que ele havia requisi­ nham à sua candidatura. O cargo lhe trazia imunidades contra
tado uma batina limpa e uma Bíblia. Exceto por um artigo em a prisão, novo prestígio, benefícios de viagem e a oportunidade
A Liga, lamentando a morte do papa João XXIII, e que ele, de fortalecer ligações no Sul. Mas existiam, igualmente, sérias des­
escondido, conseguiu enviar da cadeia em junho,35 nunca mais vantagens. Significava que Julião seria removido para mais lon­
se ouviu falar dele. ge de sua base de poder na zona açucareira do Nordeste, e
O fato de Julião ter decidido utilizar os talentos duvidosos devotaria ainda menos tempo ao desenvolvimento de uma cons­
do padre Alípio refletiu falta de discernimento, e o atormentaria ciência revolucionária entre os camponeses, desvantagem esta tor­
bastante. Esta falha, na realidade, era, de certo modo, efeito co­ nada ainda mais severa pela falta de um quadro de subordinados
lateral de outra de suas fraquezas. Maria Ceales, por exemplo, eficazes. Também tornava manifesta uma contradição, visto que
era uma jovem estudante de Direito cuja capacidade oratória era ele estava condenando a versão brasileira do processo democrá­
grandemente aumentada pelo seu cativante aspecto físico. Julião tico e ao mesmo tempo participando do jogo eleitoral.
achava seus olhos verdes irresistíveis, e, durante algum tempo, Por que se candidatou ele a um cargo federal? Algumas pes­
ela passou por sua “ secretária” , acompanhando-o na viagem ao soas que lhe eram mais chegadas acharam que isso fora um grande
Congresso de Camponeses em Londrina, em 1960. Apesar de vir equívoco. Os seus inimigos encaravam o fato como prova de que
de uma família de grandes proprietários rurais no estado do Ceará, ele não passava de um oportunista. O próprio Julião deu uma res­
seus pontos de vista eram definitivamente progressistas. Ela gos­ posta que está longe de ser satisfatória. Numa entrevista em 1969,
tava de fazer discursos revolucionários para camponeses, e rapi­ ele explicou que se candidatara a deputado federal a fim de obter
damente ganhou o cognome de “ La Pasionaria do Nordeste” . uma tribuna através da qual pudesse denunciar as eleições. Ele po­
Foi sua a idéia de “ infiltrar” a Sudene e utilizar os recursos da­ deria ter feito a mesma coisa recusando-se abertamente a participar
quele órgão de desenvolvimento para ajudar as Ligas Campone­ do jogo político, ou renunciando a seu mandato após as eleições.
sas. Julião tinha suas dúvidas quanto a isto, pois não queria se A decisão de se candidatar parece ter sido uma extensão ló­
chocar com Celso Furtado; mas novamente foi incapaz de dizer gica dos outros esforços de Julião para ampliar o movimento das
“ não” . Ela conseguiu um emprego na Sudene e utilizou-o para Ligas Camponesas. Reflete o dilema em que ele se encontrava em
coordenar a atividade das Ligas Camponesas em todo o Nordes­ 1962: viu a futilidade de tentar uma revolução regional, que po­
te. Entretanto, não foi muito discreta sobre o que estava fazen­ deria ser esmagada facilmente pelo governo federal, mesmo sem
do e dentro em breve os inimigos da Sudene apontavam-na como
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a ajuda militar dos Estados Unidos, e portanto tentou desenvol­ sa. Um líder socialista afirmou: “ Ele não é um canalha: é um
ver um tipo de aliança nacional do trabalhador rural, que pode­ místico, um Savonarola às avessas, loucamente ansioso para pu­
ría adequar-se a modelos mais tradicionais da revolução socialista. lar dentro da fogueira.” 39
Pensava que sua eleição para a Câmara dos Deputados em Bra­ Enquanto isso, no Nordeste a revolução pregada por Julião
sília facilitaria este processo. No entanto, os acontecimentos no vinha sendo varrida sob seus pés. Ele estava sendo substituído
Brasil estavam se processando rápido demais. As pessoas não es­ como a figura revolucionária mais importante da região. O líder
tavam mais perguntando se haveria uma revolução, mas sim quan­ mais importante começava a se destacar no estado justamente
do ela aconteceria e qual a direção que tomaria. Os camponeses quando as Ligas estavam caindo na desordem. O ano de 1962 tes­
do Nordeste, entretanto, simplesmente não estavam prontos pa­ temunhava o raiar de uma “ política nova” em Pernambuco. E
ra participar. Não possuindo um grupo confiável de organizado­ o homem da hora era Miguel Arraes.
res, Julião cedo descobriu não só que era incapaz de manter o
seu movimento político na dianteira da marcha dos acontecimen­
tos nacionais, como também que estava mal preparado para en­
frentar o desafio de outros grupos que tentavam organizar os
camponeses em seu próprio estado de origem.
Se a candidatura de Julião era uma contradição entre o que
ele dizia e o que fazia, o recém-eleito deputado federal rapida­
mente redescobriu sua consistência em janeiro de 1961, quando
denunciou o plebiscito nacional que determinaria se o presidente
Goulart deveria assumir ou não todos os poderes inerentes a seu
cargo. Quando assumiu o poder em seguida à súbita renúncia de
Jânio Quadros, Jango teve que concordar com a limitação dos
poderes da presidência, a fim de acalmar os elementos do Exér­
cito e da ala direita, que se opunham tenazmente a ele. O acor­
do, alcançado sem qualquer violência, de forma tipicamente
brasileira, exigia um plebiscito nacional para a restauração de to­
dos os poderes constitucionais do presidente. Julião chamou o
voto uma “ farsa” e aconselhou seus seguidores a se absterem de
votar.57Explicou que o plebiscito não seria de nenhuma utilida­
de para os camponeses, visto que não os traria mais para perto
de uma radical reforma agrária. Seu posicionamento conseguiu
apenas isolá-lo do resto da esquerda, que deu apoio total a Gou­
lart e ajudou-o a conseguir de volta a autoridade que havia cedi­
do para alcançar a presidência. Dentro do contexto da política
nacional no Brasil, Julião realmente nunca se recuperou das con-
seqüências desta confusa demonstração de independência. O Par­
tido Comunista usou a oportunidade para culpá-lo do fiasco em
Dianópolis.'8 O Partido Socialista Brasileiro quase que o expul­

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porte público; 48 por cento eram beneficiadas pelo serviço de abas­
tecimento d’água; 36,8 por cento eram servidas pela coleta de li­
xo; 45,4 por cento tinham iluminação; 12 por cento tinham acesso
a linhas telefônicas; e 20,1 por cento estavam ligadas ao serviço
de esgoto da cidade.' Incrível que pareça, numa cidade cuja po­
OITO pulação estava rapidamente se aproximando da marca de um mi­
lhão, só existiam 6.500 telefones em operação.
Em sua campanha de 1959, Arraes tinha invocado a neces­
A Ascensão sidade de casas populares de baixo custo, expansão da rede de
água, melhor transporte e mais escolas. Mas os recursos finan­
Miguel Arraes ceiros à disposição de um prefeito brasileiro são mínimos. Por
exemplo, em 1956 os municípios haviam recebido apenas 9 por
cento de todas as rendas federais provenientes de impostos.2
Portanto, Arraes não poderia fazer mais do que uma mossa
na armadura de miséria em que a cidade estava envolvida. Ele
conseguiu iniciar alguns projetos de serviços públicos em fave­
las da periferia, e ganhou a reputação de ser um bom adminis­
trador.
ti Seu programa mais significativo e mais controvertido foi
aquele cujo objetivo era possibilitar as reformas radicais — o Mo­
E mbora o movimento das Ligas Camponesas estivesse começan­ vimento de Cultura Popular (MCP), um esforço para promover
do a emitir sinais de desintegração em 1962, a inquietação no in­ atividades educativas e culturais começando pela raiz. O projeto/
terior e nas cidades do Nordeste intensificou-se e a imprensa principal do MCP foi o programa de alfabetização de adultos.
internacional continuou a colocar Julião na vanguarda do que As pessoas que ministravam o programa usavam uma cartilha 3
muitos estavam chamando de “ pré-revolução brasileira” . Já em especialmente executada para os analfabetos do Recife. Os opo­
1962, no entanto, o prefeito do Recife havia substituído o líder sitores de Arraes acusavam a cartilha de ser subversiva, e, no con­
das Ligas Camponesas como o porta-voz mais importante do ra­ texto das condições do Recife e de todo o Nordeste, realmente
era. A primeira lição ensinava que “ o voto pertence ao povo” .
dicalismo nordestino.
Não que Miguel Arraes se proclamasse um revolucionário, Na lição n? 24, o aluno aprendia que “ um bom político sempre
no sentido usual da palavra. Ele acreditava firmemente em tra­ fica do lado do povo” . Outras noções perigosas propagadas pela
balhar dentro do sistema para efetuar mudanças radicais — e mui­ cartilha: “ Fome, doença, desemprego e analfabetismo são alguns
tas pessoas achavam que ele podia conseguir isso dentro da dos males sociais do Nordeste” ; “ Um trabalhador, num sindica­
estrutura da Constituição brasileira e sem violência. Sua Frente to de trabalhadores, é um homem forte” ; “ Democracia é o go­
Popular estava em marcha. verno do povo, pelo povo, e para o povo” . A teoria por trás desta
>1 Os problemas urbanos com que Miguel Arraes se defronta­ abordagem era que os adultos analfabetos do Recife poderiam
va eram de proporções alarmantes. Um levantamento efetuado ficar mais motivados pela esperança de que a alfabetização leva­
durante sua administração revelou que 27 por cento das ruas do ria à emancipação, a qual, por sua vez, possibilitaria ao novo elei­
Recife eram pavimentadas; 6,6 por cento eram servidas por trans- tor qualificado fazer alguma coisa acerca de sua própria miséria./

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Naturalmente, o que ele com toda a probabilidade faria era vo­ apoiou Jânio Quadros. O esfuziante Jânio Quadros atraiu a fan­
tar em Miguel Arraes e outros como ele. tasia dos eleitores com uma campanha excitante e venceu facil­
^ Assim sendo, os críticos do MCP clamaram que o progra­ mente. Ele conseguiu maioria, não somente no estado de
ma constituía uma tentativa gritante para radicalizar os pobres Pernambuco, mas também no Recife — uma indicação de que
da cidade e para consolidar e expandir a base eleitoral de Arraes. a esquerda estava longe de controlar à política da cidade. No en­
O fato de que um certo número de comunistas conhecidos havia tanto, do ponto de vista político, Cid capitalizou pouco com a
penetrado no MCP intensificou o coro de protestos. Os que apoia­ vitória de Jânio. O novo presidente começou a fazer tanto baru­
vam o MCP retrucavam que a função da cultura e educação po­ lho quanto qualquer nacionalista de esquerda. Quando ele de­
pulares era conscientizar os indivíduos em relação a si mesmos monstrou interesse pelos problemas do Nordeste, foi o prefeito
e a seu ambiente; se tal processo produzia insatisfação e senti­ Miguel Arraes e não o governador Cid Sampaio quem foi cha­
mento de urgência para mudar as coisas, isto era culpa das con­ mado a Brasília para consulta. E quando ele renunciou abrupta­
dições do Recife e do Nordeste. Mas, de fato, certas atividades mente, o seu sucessor, João Goulart, claramente esposava maior
do MCP tinham matizes políticos diretos. Um festival de canta­ simpatia pelos pontos de vista políticos de Miguel Arraes. En­
dores de viola trazidos do interior para o Recife a fim de apre­ quanto isso, a morte da esposa de Arraes, cunhada de Cid, em
sentar o tema “ A terra pertence àqueles que nela trabalham” 1961, dissolveu o relacionamento pessoal que havia ligado os dois
obteve um extraordinário sucesso. (Por outro lado, uma exposi­ homens.
ção de fotografias da Albânia pareceu completamente alheia aos J Cid Sampaio nutria a esperança de poder ser indicado para
camponeses e operários que foram vê-la.) o mais alto posto nacional nas eleições de 1965. Assim sendo, era
jji Não há qualquer dúvida de que o programa de alfabetiza­ essencial que escolhesse o seu sucessor, como prova de sua força ^ -
ção ajudaria os partidários de mudanças radicais, mesmo que in­ política no Nordeste. A esta altura, Arraes tinha se inclinado tanto
diretamente, e parecia ter muito maior oportunidade de funcionar para a esquerda que os elementos conservadores que compunham
do que os esforços que vários nacionalistas de esquerda estavam a base de apoio de Cid Sampaio estavam horrorizados com a pos­ n,
efetuando no sentido de emendar a Constituição federal para dar sibilidade de Arraes entrar no palácio do governo. Assim sendo,
o direito de voto a todos os adultos, independentemente de alfa- Cid tinha que deter Arraes a qualquer custo,
betização. A feição conservadora da Câmara dos Deputados e tf O jogo político que caracterizava as eleições estaduais em Per­
do Senado não ofereceu nenhuma oportunidade para que a emen­ nambuco foi muito mais frenético em 1962 do que de costume.
da conseguisse passar. Mas se um número suficiente de analfa­ Desde o início, Arraes era o homem a ser derrotado. Ele conse­
betos aprendesse a ler e escrever, qualificando-se para votar, a guiu a indicação pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) do pre­
composição daquelas casas legislativas poderia mudar o suficiente sidente Goulart, que era forte no âmbito nacional, porém fraco
para possibilitar a emenda à Constituição. no estado de Pernambuco. A liderança do PTB tinha indicado
Enquanto o MCP se esforçava para reduzir o analfabetismo outro candidato, mas a ala esquerda queria Arraes, e os dirigen­
e, presumivelmente, aumentar a força eleitoral de Arraes, o pre­ tes do PTB não conseguiram resistir às pressões.
feito do Recife passou a tentar ascender ao governo de Pernam­ O PSD (Partido Social Democrático) se mostrava insatisfei­
buco. Sua aspiração o levava, no caminho, a um choque com o to por estar fora do poder desde 1958, especialmente porque o
então governador, seu cunhado Cid Sampaio. governador Cid Sampaio, da UDN (União Democrática Nacio­
O rompimento inevitável entre Arraes e Cid Sampaio veio nal), estava fazendo nomeações que diminuíam o poder dos che­
à luz durante a campanha presidencial de 1960, na qual o prefei­ fes do PSD no interior. Mas o partido não podia chegar a um
to apoiou o marechal Henrique Lott, enquanto o governador acordo sobre uma estratégia eleitoral. Uma aliança com a detes-

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tada UDN estava fora de questão. Um político latifundiário do É duvidoso que o amplo apoio popular de Arraes pudesse
PSD, Paulo Guerra, já havia aceitado a indicação para vice-go- ter prevalecido sobre sua oposição, a qual podia jogar com ver­
vernador na chapa de Arraes, um indicativo da disposição deste bas aparentemente sem limite. Felizmente para Arraes, ele se viu
último de levar o jogo político até as últimas conseqüências. Mas beneficiado pelo apoio financeiro de um dos homens mais ricos
do Brasil.
os líderes do PSD não podiam se decidir a fazer um acordo com
Arraes diante de sua firme recusa de denunciar publicamente o O maior contribuinte para a campanha de Arraes foi José
comunismo e de prometer que não nomearia comunistas para Ermírio de Moraes, um empresário de meia-idade que tinha jun­
o t& - - j

qualquer cargo na sua administração. Portanto, depois de muita tado uma enorme fortuna através de ousados investimentos, tanto C
deliberação e hesitação, o PSD indicou o seu próprio candidato no Nordeste quanto em São Paulo. Suas posses no Nordeste in­
a governador, um homem com pequeno apoio popular e sem qual­ cluíam usinas, fazendas, a única fábrica de cimento de Pernam­
quer possibilidade de vencer. buco, fábricas de cerâmica e tijolos, e minas de rocha calcária.
áf- Cid Sampaio estava em situação mais difícil. João Cleofas, Quando vinha à região, ele ficava numa majestosa mansão mo­
derna, à beira da praia.
o perene perdedor, desejava muito ser indicado pela UDN. Cid,
que por lei não podia se candidatar à reeleição, procurou desespe­ José Ermírio era um novo-rico típico. Ele não pertencia ao
radamente, dentro do seu partido, um candidato mais dinâmico. sistema, no Nordeste, e, como freqüentemente acontece com pes­
Todos os seus esforços foram em vão, visto que o velho cabo-de- soas trabalhadoras e ambiciosas que são de fora, desejava o pres- f ,
guerra obteve a aprovação do Partido. Cid nada pôde fazer, ex­ tígio que viria do reconhecimento social por parte das famílias
estabelecidas. No
estabelecidas. No entanto,
entanto tal ------—não
tal reconhecimento ~ lhe foi dado.
ceto usar toda a sua influência em favor de Cleofas e esperar pelo
melhor. Na mesma ocasião, aproveitando-se de uma peculiarida­ Além disso, uma vez ele esteve prestes a ser embaixador brasilei­
de da lei brasileira, o governador de Pernambuco se candidatou ro na Alemanha Ocidental, uma honraria que ele considerava a € ✓'1
a deputado federal pelo estado de Alagoas, numa tentativa, como façanha que coroaria sua carreira; mas sua nomeação foi bloquea­ CK
dizia ousadamente, de conseguir a “ união do Nordeste” .4 da pela aliança PSD-UDN, que controlava o Senado, e pelo Mi­
A maioria dos grupos familiares que dominavam a econo­ nistério do Exterior. Finalmente, ele era um nacionalista e
mia de Pernambuco apoiavam Cleofas, que era um latifundiário antiamericano declarado, que freqüentemente criticava a compe­
e tinha fortes ligações dentro da estrutura de poder existente. Cleo­ tição, por ele julgada injusta, dos interesses comerciais dos Esta­
fas fazia parte do que era referido como o “ sistema” , assim co­ dos Unidos no Brasil. Estes fatores combinaram-se para motivá-lo
mo Cid Sampaio também tinha sido parte do sistema, pois Cid, a apoiar Arraes financeiramente, bem como a se candidatar ao
apesar de suas atitudes progressistas, realmente nunca fora além Senado pelo estado de Pernambuco. Arraes, por sua vez, pro­
daquilo que um astuto observador chamou de ^‘desenvolvimen­ meteu apoio político à campanha de José Ermírio. Para o indus­
to dlvêrsionista” , ou de programas que não perturbassem o sis- trial gordo e de cabelos grisalhos, isto significaria uma doce
temar^Mas Afrafes era outra pessoa. Ele constituía uma real vingança contra os nordestinos da classe alta, contra o Senado,
ameaça ao status quo. Entretanto, curiosamente, existiam alguns e, últimos mas não menos importantes, os “ trustes norte-
membros do sistema que achavam Arraes aceitável. Ele havia cul­ americanos” . Os inimigos de Arraes se deleitavam em dizer que
tivado cuidadosamente certos contatos que fizera durante sua pas­ José Ermírio era “ de fora” , apesar de pernambucano nato. Os
sagem, como secretário da Fazenda, pelo gabinete de um jornais conservadores chamavam-no muitas vezes de “ o bilioná-
governador do PSD. O maior dividendo que tirou disto foi o apoio rio de São Paulo” .5No entanto, se Arraes tinha apoio de fora,
de uma poderosa família do PSD que possuía a maioria das ter­ Cleofas também tinha. A campanha eleitoral para governador ti­
nha despertado grande interesse nacional. Os elementos da ala
ras na parte ocidental do estado.

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direita no Centro-Sul do Brasil reconheciam muito bem os peri­ das eleições. Naturalmente, não havia qualquer ligação oficial en­
gos representados por Arraes e seu movimento, especialmente com tre estas reuniões e a excitação política que se apoderava da cida­
o potencial deste para se difundir além do Nordeste. Por isso, de, porém seria ingênuo supor que a sua programação, tão perto
tentaram cortá-lo logo de início. Sua arma era uma organização das eleições, fosse mera coincidência.
chamada Instituto Brasileiro para a Ação Democrática, ou IBAD. cU O arcebispo que fizera campanha contra Cid Sampaio nas
Uma das principais funções do IBAD era canalizar fundos para eleições de 1958 fora transferido do Recife, e o seu sucessor deci­
uma cidade ou estado, com o objetivo de influenciar o resultado diu permanecer formalmente neutro em 1962. Possivelmente is­
das eleições locais. Logo no começo da campanha, o IBAD mon­ to beneficiou Arraes, bem como o apoio que recebeu de muitos
tou uma sede no Recife. Cid Sampaio, que estava dirigindo a cam­ liberais e católicos da ala esquerda, que expressaram veemente­
panha de Cleofas, indicou um de seus cunhados para atuar como mente seu desprezo pelo argumento de que a vitória de Arraes
ligação entre o IBAD e as forças anti-Arraes e pró-Cleofas. Sua resultaria numa imposição forçada do “ comunismo ateu” sobre
atividade não constituía segredo e forneceu a Arraes um bom as­ os cidadãos de Pernambuco. A irmã de Arraes, Violeta, era mui­
sunto. Ele utilizou-o ao máximo, queixando-se bem alto da pre­ to ativa dentro da ala progressista da Igreja Católica, e seus con­
sença do IBAD.6 Havia até rumores de que as firmas americanas tatos provaram ser úteis. A fim de contrabalançar a propaganda
que tinham negócios no Brasil canalizavam dinheiro para o fun­ religiosa que os seus inimigos estavam espalhando no interior, Ar­
do que o escritório do IBAD no Recife tinha à sua disposição. raes começou a viajar acompanhado de três padres, cuja presen­
f O impulso principal da estratégia de “ deter Arraes” era jo­ ça no palanque junto a ele, durante os comícios, efetivamente di­
gar com o medo do “ comunismo ateu” , medo arraigado em mui­ minuiu o efeito dos boatos de que ele era o candidato das forças
tas famílias católicas das classes média e baixa. Ao aproximar-se do mal.
o dia das eleições, um grupo conhecido como Movimento de Ação O resultado total da introdução de fatores religiosos na cam­
> t./Católica para Adullolfnublicáva diariamente, na primeira pági­ panha foi resumido por um observador americano que comen­
na de um dos jornais locais, anúncios contra a “ ameaça verme­ tou: “ O povo recebeu a mensagem de que o comunismo é o mal,
lha” . Foram também utilizadas outras abordagens menos sutis. mas não ficou convencido de que Arraes era comunista.” Inicial­
Distribuíram retratos de Arraes, de joelhos, rezando, com um ro­ mente Arraes se recusou a comentar a acusação, constantemente
sário do qual pendiam, em vez de uma cruz, a foice e o martelo. repetida pela imprensa local, de que era o “ candidato da subver­
Em 29 de agosto, uma coluna de jornal do Recife publicou a se­ são” . Finalmente declarou: “ Todos sabem que não sou comu­
guinte história: “ Após um comício em També, o candidato Mi­ nista e que não fiz qualquer acordo com os comunistas, do mesmo
guel Arraes foi convidado para almoçar com o prefeito em sua modo que não fiz qualquer acordo com as outras forças que me
residência. O convite foi aceito. Exatamente no momento em que apóiam.” 8 Os comunistas, sensíveis à atmosfera política, ajuda­
o sr. Miguel Arraes atravessou o portão da residência do prefei­ ram, não trazendo Luís Carlos Prestes ao Recife para fazer cam­
to, caiu ao chão, com um estrondo, um quadro do Sagrado Co­ panha pró-Arraes.
ração de Jesus. No dia seguinte, os habitantes de També t O desmentido público feito por Arraes serviu apenas para
começaram a apanhar os pedaços de vidro e fragmentos do qua­ intensificar os ataques sobre suas ligações comunistas. Os segui­
dro a fim de exorcizar o mau espírito.” 7 O colunista então pu­ dores de Cleofas construíram uma réplica do muro de Berlim no
blicou um poema em que se referia a Arraes como o “ Anticristo” . centro da cidade do Recife. Gilberto Freyre denunciou Arraes por
t Finalmente, para culminar o aspecto religioso da campanha, suas aceitação do apoio comunista. As coisas chegaram ao pon­
o padre Patrick Peyton, da Cruzada Internacional do Rosário em to culminante quando, pouco antes das eleições, uma propagan­
Família, apareceu no Recife para efetuar reuniões pouco antes da que ocupava uma página inteira do jornal9 reproduziu um

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desenho em quadrinhos mostrando Arraes construindo o seu pró­
prio “ muro de Berlim” ; Fidel Castro segurava a planta baixa; medidas contra ele por usar temas “ subversivos” tais como “ Re­
Nikita Kruchev empurrava um carrinho de mão cheio de aviões forma Agrária ou Revolução” e “ Reforma Agrária na Lei ou na ,r
e armas com o dístico “ acordos comerciais” ; José Ermírio de Mo­ Marra” . E numa cerimônia tranqüila, realizada no Recife durante
raes, usando uma gravata-borboleta, mexia um tonel onde esta­ a última semana da campanha, o general Artur da Costa e Silva
va escrito “ $cimento$” ; e Luís Carlos Prestes empilhava tijolos. passou o comando do IV Exército a um general austero e baixi­
No rodapé estava escrito: “ O Preço da Liberdade é a Eterna Vi­ nho chamado Humberto Castelo Branco.
gilância.” Quando a campanha eleitoral chegou a um final tempestuo­
Talvez as forças que tentaram “ parar Arraes” ganhassem so, os jornais conservadores do Recife confiantemente prediziam
as eleições se tivessem encontrado um candidato mais ou menos a vitória de Cleofas. O corpulento candidato da UDN ainda foi
à altura. Mas Cleofas era um caso perdido. No meio da campa­ mais longe. No dia 30 de setembro, sete dias antes das eleições,
nha, um jornal publicou uma fotografia dele sentado na varan­ anunciou com gravidade: “ Certos de perder, os comunistas pla­
da do seu engenho, usando botas, e olhando para todo mundo nejam sacrificar vidas — plano sangrento que estará para ser exe­
como se fosse um velho senhor de escravos. Ele não tinha nada cutado muito antes do dia da eleição.” "
de positivo a dizer e, pior do que isto, do ponto de vista político Nenhuma das duas previsões aconteceu. Quando todos os
era identificado popularmente como o candidato apoiado pelos votos foram contados, Arraes foi declarado vencedor. A margem
Estados Unidos. (Não é segredo que os americanos também es­ de 40.000 votos obtida na cidade do Recife foi mais do que sufi­
tavam nervosos acerca de Arraes. Um jornal do Recife citou um ciente para sobrepujar a força de Cleofas no interior. A diferen­ 'U/Q
governador do Nordeste como havendo dito que durante a sua ça total pró-Arraes foi apenas de 13.000 votos. José Ermírio de
última viagem a Washington, numa entrevista na Casa Branca, Moraes venceu o pleito para senador e Francisco Julião foi eleito yW -
o presidente Kennedy indagava se Arraes iria ganhar.)10 por uma pequena maioria como deputado federal. Em Alagoas,
% Enquanto isso, o prefeito do Recife estava tirando vantagem os eleitores resolveram que não precisavam de um pernambuca­
da publicação de um folheto popular intitulado|“ As façanhas de no para representá-los em Brasília e impuseram a Cid Sampaio
Mipuel Arraes”t que fazia dele um herói legendário do povo. Os uma clamorosa derrota. No todo, foi uma grande vitória para
cantadores do Nordeste apoderaram-se do folheto e cantavam- a esquerda.
no por todo o interior. Algum tempo depois, im campanha, o Cleofas viajou para o Rio de Janeiro, onde comunicou à im­
pessoal de Cleofas começou a chamar Arraes de “ Zé Ninguém” , prensa que “ o comunismo tomara o poder em Pernambuco” .12
uma expressão depreciativa na linguagem do povo do Brasil. O Os da ala direita, aborrecidos com a derrota, estavam querendo
apelido teve efeito contrário, pois era um apelido perfeito, mui­ saber em particular por que os chefões da UDN e do PSD no in­
to melhor do que o que qualquer um dos seus seguidores tinha terior “ não tinham arranjado as coisas” para que Cleofas obti­
sido capaz de inventar. Miguel Arraes, o taciturno homem do ser­ vesse ali a maioria suficiente para contrabalançar os votos do
tão, era na verdade um “ Zé Ninguém” , um rosto na multidão, Recife. OIBAD fechou seu escritório no Recife, porém o cunha­
o candidato que representava todos os “ Zés Ninguéns” cuja par­ do de Cid Sampaio manteve intacta a organização de forças anti-
ticipação na vida política do estado nunca tinha sido permitida. Arraes.
A controvérsia sobre a candidatura de Arraes obscureceu tu­ No dia da posse, 31 de janeiro de 1963, Arraes proferiu o
do o mais. Ninguém pareceu ter notado a campanha de Julião melhor discurso de sua carreira, elevando-se à altura que a oca­
para deputado federal, a não ser alguns membros do Tribunal sião exigia com uma alocução inspirada, digna das frases elegan­
Eleitoral do Estado, que, por algum tempo, cogitaram de tomar tes, escritas para ele por um seu primo, professor de literatura
brasileira:

145
— Tentaram apresentar-me como agitador e incendiário, o
homem que iria perturbar a tranqüilidade e a paz da família per­ berto Freyre]. Ninguém é mais herdeiro das tradições do nosso
nambucana, e convulsionar o país, se eleito governador do esta­ passado do que o próprio povo: mas herdeiro daquela autêntica
do — declarou ele para um plenário abarrotado de gente na * e legítima tradição pernambucana e nordestina; tradição de tra­
Assembléia Legislativa.13 “ Depois passaram a dizer que eu era balho, de resistência ao invasor, de luta pela independência; tra­
um bom-moço, que iria modificar minha posição política, aban­ dição de bravura, de coragem e do heroísmo de que deram prova
donar aqueles princípios que, por serem os princípios do povo brancos, negros e índios, senhores e escravos, militares, comer­
brasileiro, sempre nortearam a minha vida pública. Pois que nin­ ciantes e sacerdotes, de que deu prova o povo do Nordeste, o po­
guém se iluda: assim como não conseguiram me transformar em vo de Pernambuco... Acredito ter tudo o que um homem precisa
agitador e incendiário, também não conseguiram e jamais conse­ ter para o trabalho, e que outra coisa não é senão o que foi dito
pelo poeta:
guirão me transformar num bom-moço, acomodatício aos privi­
légios que sempre combati e posso agora mais e melhor combater Tenho apenas duas mãos
no governo do estado. e o sentimento do mundo!
Um Cid Sampaio desgostoso tentava com dificuldade mas­
carar seu cansaço e ouvir atentamente. O governador que estava
para sair permanecera em seu gabinete no palácio do governo,
com dois assessores, até as 4:30 daquela manhã. Tinham feito
uma final e desesperada avaliação de maços de documentos, pa­
ra ver se não havia nada de politicamente embaraçoso deixado
para trás e que o novo governador pudesse explorar.
— Aqui mesmo nesta casa e fora dela, neste e em outros es­
tados — continuava Arraes — há milhões de brasileiros que pen­
sam como eu, que têm a mesma atuação que eu tenho, que são
capazes de administrar e governar, de governar e administrar com
honestidade e sofrimento, homens que são da Revolução Brasi­
leira. Esses brasileiros constituem uma espécie de fraternidadéUos
inconformado^: inconformados com a miséria, com a fome, com
o atraso, com o analfabetismo. Inconformados com a condição
de país subdesenvolvido e atrasado. Inconformados porque sa­
bem que o Brasil, o Nordeste inclusive, por força das mudanças
sociais e econômicas que aqui estão ocorrendo, está condenado
ao progresso, e esse progresso deve vir em benefício de todo o
povo e não apenas de alguns grupos. Fraternidade dos que detes­
tam o culto da miséria e por isso lutam contra o falso culto do
passado e da tradição, em que ainda se comprazem intelectuais
saudosistas, muito mais interessados na manutenção do status quo
que em qualquer outra coisa. Para esses, a tradição significa o
povo na senzala e eles na casa-grande [era uma tapa sutil em Gil­

147
tro em busca de fatos. Ele chegou ao Recife no curso de uma ex­
tensa viagem através da América Latina, e passaria 42 horas exa­
minando os problemas do Nordeste. Sua comitiva incluía seu
colega de quarto na Faculdade de Direito (John V. Tunney, que
chegaria a ser deputado federal e depois senador pelo estado da
Califórnia), um professor de História Latino-Americana, um ho­
NOVE mem de negócios do Texas e um jornalista.
O grupo passou a tarde do domingo com o governador Cid
Sampaio e no dia seguinte viajou ao engenho Galiléia para uma
Entram os Americanos olhadela, em primeira mão, na Liga Camponesa original. O ve­
lho Zezé reuniu uns 50 camponeses em frente à sua casa para ou­
vir o jovem visitante. (Julião estava fora da cidade naquela
ocasião.) Kennedy, em mangas de camisa, transmitiu os cumpri­
mentos de seu irmão e, em seguida, fez um discurso de cinco mi­
nutos, o qual foi traduzido por um intérprete ilustre — ninguém
menos do que Celso Furtado.1As conversações que se seguiram
demonstraram o nível de compreensão mútua que caracterizou
o encontro. Kennedy fez aos camponeses perguntas da seguinte
natureza: “ Como desejam ver seus filhos quando eles crescerem?”
As ta r d e s de d o m in g o , no aeroporto dos Guararapes, nos ar­ (Aparentemente ninguém deu a resposta óbvia: “ Vivos.” ) O gru­
redores do Recife, são ocasiões curiosamente festivas. Grande nú­ po respondeu com solicitações tais como: “ Doutor, o que dese­
mero de pessoas passeia pelos salões de recepção, ou sobe para jamos é que peça a seu irmão para tirar a polícia daqui. Não existe
o terraço, no primeiro andar, a fim de observar a saída e chega­ desordem, e a polícia é desnecessária.”
da dos aviões. Como é costume na América Latina, grupos de Finalmente, alguém mencionou que a cidade vizinha preci­
parentes e amigos sempre se reúnem para receber os visitantes ou sava de um gerador para resolver um problema sério de falta de
apresentar suas despedidas, mas uma vez por semana ninguém energia elétrica.2 O jovem promotor-assistente tomou nota dis­
precisa de uma razão especial para ir ao aeroporto. As famílias to; quando voltou para casa, manobrou alguns dos seus cordões
apreciam o passeio, os casais passeiam de mãos dadas, os jovens em Washington e um gerador foi enviado ao Recife. Cid estava
trocam boatos. Para alguns, durante os anos iniciais da década relutante em oferecer qualquer ajuda ao quartel-general das Li­
de 60, isso constituía uma oportunidade de parar na livraria e fo­ gas Camponesas e adiou a remessa do gerador ao Galiléia. Só
lhear a mais extensa coleção de literatura esquerdista e ultra- quando Miguel Arraes se tornou governador é que a máquina foi
esquerdista encontrável em qualquer lugar do Nordeste brasileiro. entregue. Houve muita publicidade em torno da “ inauguração”
No dia 30 de julho de 1961, a multidão, maior do que de do novo gerador. O único problema era que a população lo­
costume, achava-se em estado de excitação. O irmão do presi­ cal não possuía o dinheiro para instalá-lo corretamente e pa­
dente Kennedy estava chegando. ra comprar a gasolina necessária. Assim, quando terminou a
Edward M. Kennedy, 29 anos, promotor-assistente no esta­ “ inauguração” o gerador foi guardado num mocambo. Final­
do de Massachusetts, estava se preparando para coisas muito mente foi colocado em uso. O professor Neale Pearson relatou
maiores e melhores prestes a acontecer. Um aspecto chave desta que, em junho de 1965, Zezé e outros camponeses o levaram
preparação consistia em cruzar o mundo de um lado para o ou-
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para ver o gerador, que estava fornecendo eletricidade para uma dificuldades de levar seus peixes para o mercado. Mais tarde, um
escola.3 Eles afirmaram que o gerador lhes tinha sido dado pe­ dos técnicos comentou: <í‘Nós éramos o tipo de pessoas tecnica­
lo presidente Kennedy. mente habilitadas a dar ajuda estrangeira real; não éramos como
Outras formas de ajuda externa, tipo “ do povo para o po­ aqueles meninos do Corpo da Paz.” 4
vo” , provaram ser mais bem-sucedidas. Durante certo período, Tais incidentes sugerem que ajyuda externa pode ser um as­
em 1963, um grupo de técnicos americanos, contratados pelos La­ sunto delicado, dependendo o seu sucesso, em grande parte, do
boratórios Bell para trabalhar na estação de rastreamento de mís­ bom relacionamento e concordância de propósitos entre o doa­
seis dos Estados Unidos, localizada na ilha de Ascensão, ficou dor e o receptor. Na ausência destes fatores, os esforços de aju-
retido por algum tempo no Recife, que era ponto de substituição dã poderão produzir resultados contrários aos objetivos do
de homens e materiais em trânsito para aquela estação. Alguns programa a que se destinam.
dos homens fizeram-se de “ nativos” e passaram a morar com Os cidadãos do Recife, desde muito tempo, tinham se acos­
prostitutas, na zona de prostituição ao longo da praia. Certa noite, tumado a ver estrangeiros, tanto residentes como de passagem.
numa festa em um edifício de apartamentos num bairro elegante Navios de várias nações atracam no porto do Recife, e seus pas­
à beira-mar, onde moravam muitas das prostitutas mais caras da sageiros e tripulação vão à cidade em busca de descanso e recrea­
cidade, as mulheres se queixaram do sistema elétrico do edifício. ção. De acordo com Gilberto Freyre, um missionário americano
Ao que parece, o suprimento de energia elétrica nos apartamen­ visitou o Recife em 1838.5Muitos outros se seguiram, tanto pro­
tos era inadequado, e algumas das mulheres possuíam toca-discos testantes como católicos. Os batistas americanos do Sul e os pres­
de alta-fidelidade, que causavam curto-circuito em ocasiões in­ biterianos mantêm escolas na cidade. A Força Aérea dos Estados
convenientes. Os técnicos americanos, já bem embriagados, se- Unidos possui uma base no Recife, com oficiais e soldados para
gabaram de que, se quisessem, eram capazes de consertar a rede operar uma pequena estação de rádio e facilitar o envio de mate­
elétrica do prédio todo em apenas dois dias. Os brasileiros riram rial para as estações de rastreamento de mísseis dos Estados Uni­
de tal afirmação e seguiu-se uma discussão amigável, até que os dos na ilha brasileira de Fernando de Noronha e na ilha inglesa
americanos declararam que estavam prontos a realizar aquilo de de Ascensão, no Atlântico Sul. Vários países têm consulado no
que se haviam jactado. No dia seguinte, visitaram o galpão da Recife e por algum tempo os Estados Unidos mantiveram na ci­
Pan American, no aeroporto dos Guararapes. A Pan American dade uma pequena missão para assistência técnica.
administrava a instalação da ilha de Ascensão e mantinha no seu Mas o fluxo maciço de verbas e pessoal da Aliança para o
galpão todo o equipamento que seria levado à base. Os funcio­ Progresso era algo muito diferente — uma tentativa de conseguir
nários brasileiros encarregados do galpão não tinham fama de afetar de forma significativa os progressos econômicos, sociais
serem bons vigilantes e a perda de material em trânsito era co­ e políticos da região, de uma forma coerente com os objetivos
mum. Silenciosamente, os técnicos furtaram fios e outros mate­ e necessidades da política externa dos Estados Unidos. Em 1962,
riais do armazém para efetuar o trabalho no edifício de a presença americana no Nordeste brasileiro começou a prolife­
apartamentos. Dentro do prazo prometido, não só substituíram rar aos saltos por causa da instalação de uma grande missão da
toda a fiação como também instalaram, como bonificações para Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid)
suas amigas, luzes mais fracas, sem dúvida de considerável utili­ no Recife. E em curto tempo os americanos se encontravam em
dade profissional. Noutra ocasião, os técnicos irrepreensíveis to­ sério conflito com um número substancial de brasileiros.
maram material emprestado do galpão a fim de construir uma A Missão da Usaid no Recife nasceu como resultado do cha­
estrada rudimentar de uma praia ao interior, para grande alegria mado Acordo do Nordeste assinado entre os Estados Unidos e
dos parentes das mulheres, que eram pescadores e estavam com o Brasil em 13 de abril de 1962. Nos termos do acordo, a Usaid

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deveria supervisionar a aplicação de US$131 milhões das verbas vens e agressivos que estavam chegando dos Estados Unidos pa-
da Aliança para o Progresso a serem alocadas num período de • ra preencher cargos da Usaid no Brasil. Tinha também proble­
dois anos. A fim de cumprir esta decisão, os americanos resolve­ mas em seu relacionamento com a imprensa local, que estava do
ram estabelecer uma missão formada de técnicos que, trabalhan­ lado receptor de uma quantidade incrível de publicidade sobre
do com a Sudene, planejariam e administrariam projetos de o que a Aliança para o Progresso iria fazer pelo Brasil, e vivia
assistência, de acordo com as normas preestabelecidas pelo atormentando o novo diretor da missão por informações especí­
Acordo. ficas.
Bruno B. Luzzatto foi nomeado para dirigir a missão em abril Em meados de julho de 1962, o embaixador Lincoln Gor­
de 1962.6 Nascido e educado na Itália, diretor de produção das don subitamente removeu Luzzatto da missão no Recife e
fábricas de alumínio italianas por 12 anos, antes da Segunda Guer­ mandou-o de volta a Washington. Para preencher a vaga, Gor-
ra Mundial, Luzzatto havia se naturalizado cidadão americano Jon apelóu para John C. Dieffenderfer, diretor-assistente para
e, no período imediatamente após a guerra, trabalhara no Plano planejamento e programas da missão da Usaid no Rio de Janeiro.
Marshall em Roma e Paris. Na década anterior à sua indicação Deveria ser evidente, mesmo então, que o cargo do Recife
para a missão, ele tinha trabalhado com o Banco Mundial, no era um lugar agitado. Os problemas de desenvolvimento no Nor­
Rio de Janeiro. Portanto, o seu currículo incluía experiência com deste eram assustadores, o clima político era tenso, e a pressão
problemas de desenvolvimento econômico e um contato direto para produzir resultados era sempre crescente/ numa progressão
com o modo de vida no Brasil. Ele tinha que começar o seu tra­ aparentemente geométrica. Além do mais, a inflação que estava
balho a partir do zero, visto que, até então, a única presença da arruinando a economia brasileira tornava imperativa uma ação
ajuda americana no Recife consistia num punhado de técnicos, rápida e decisiva nos projetos de ajuda, antes que a verba aloca­
trabalhando sob o velho programa do Ponto Quatro. da (na sua maior parte, em moeda local) perdesse muito do seu
Luzzatto não durou muito. Ele tinha algumas idéias bem de­ valor. Apesar disso tudo, Lincoln Gordon enviou para a refrega
finidas de como manter e dirigir a missão, em termos de pessoal um homem que possuía pouca experiência em assuntos lati­
e administração, e uma infeliz brusquidão que facilmente o ini- no-americanos e sem o conhecimento da língua portuguesa ne­
mizava com as outras pessoas. Do seu ponto de vista, a chave cessário ao seu trabalho.
para o sucesso ou falha do esforço da Usaid estava em obter a John Dieffenderfer tinha estudado Economia em Amherst,
confiança e a cooperação total dos técnicos brasileiros da Sude­ Direito Romano e Comparado em Oxford, e Direito Americano
ne. A fim de conseguir isto, ele desejava uma missão pequena em Yale. Exercera a advocacia em Cleveland e depois passara cin­
e que não chamasse atenção, com um quadro de pessoal forma­ co anos com uma firma de consultoria e administração em Chi
do por americanos com um bom conhecimento da língua portu­ cago. Em algum ponto na sua carreira, ele desenvolvera um
guesa e com sensibilidade para a maneira brasileira de fazer as profundo interesse pela América Latina, e, por coincidência, fa­
coisas. Suas idéias eram muito parecidas com as de Celso Furta­ lou sobre isto a um dos seus sócios. Acontece que este havia tra­
do: a Usaid deveria funcionar como um banco, financiando pro­ balhado para Lincoln Gordon, e quando Gordon foi nomeado
jetos aprovados pela missão como compatíveis com os objetivos embaixador no Brasil, o sócio recomendou-lhe Dieffenderfer. Um
da Aliança para Progresso. dia, em agosto de 1961, Gordon comunicou-se com Dieffender­
No entanto, a embaixada dos Estados Unidos no Rio de Ja­ fer e convidou-o para trabalhar com a missão da Usaid no Rio
neiro decidiu que a missão seria grande. Luzzatto não se dava de Janeiro. Bastante pressionado por Lincoln Gordon e concor­
bem com o consul-geral no Recife nem com o embaixador Lin- dando entusiasticamente com a política que estava sendo traça­
colo Gordon. Não se enquadrava na imagem dos executivos jo- da para a América Latina pelo presidente Kennedy, Dieffenderfer

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aceitou, e em 8 de fevereiro de 1962 chegou ao Rio. Até que o Nordeste. A necessidade de reunir um grupo grande de funcio­
embaixador lhe jogasse em cima a missão do Recife, seu único nários no Recife, dentro de um curto espaço de tempo, ocasio­
contato com o Nordeste tinha sido através da leitura cuidadosa nou o recrutamento de pessoas tais como os cinco técnicos que
do Relatório Bohan. vieram para o Nordeste diretamente do Haiti, como resultado da
Inicialmente, Dieffenderfer foi designado diretor provisório decisão de “ Papa Doc” Duvalier de expulsar a missão da Usaid
da missão, mas, tendo em vista que esta era uma fase crucial de de Porto Príncipe. O conhecimento do francês crioulo não lhes
formação, e«|ue algumas decisões de vastas conseqüências tinham foi de muita ajuda ao chegarem no Recife. A concorrência por
de ser tomadas, a sua interinidade terminou em 1? de novembro pessoal qualificado era intensa, desde que existiam muitos outros
de 1962. projetos da Usaid que exigiam funcionários no Centro e no Sul
O novo diretor aceitou com entusiasmo o desafio e talvez do Brasil. O resultado final foi que, enquanto alguns dos técni­
tenha ousado demais. Orientado para vencer e auto-exigente por cos atraídos para o Nordeste tinham entusiasmo pelos raros pro­
natureza, ele se sentiu forçado também por uma combinação de blemas com os quais lidavam, outros, na maioria, eram apenas
outros fatores: seu próprio idealismo; o curto espaço de tempo; funcionários de carreira do serviço exterior que estavam contan­
seu contrato de dois anos; o período de dois anos em que, pelo do seu tempo.
Acordo do Nordeste, os US$131 milhões em ajuda dos Estados O sociólogo Gilberto Freyre comentou certa vez que “ a
Unidos deveríam ser alocados; e a atenção que a missão estava Aliança para o Progresso chegou num período difícil para come­
atraindo no seu país. Havia constantes visitas de jornalistas ame­ çar a trabalhar, e alguns dos líderes enviados para cá não pos­
ricanos e de figuras políticas, e relatórios semanais dos progres­ suem conhecimento das condições do Brasil para atuar de maneira
sos feitos tinham que ser enviados à Usaid em Washington. Não psicologicamente correta” .7Os observadores queixaram-se espe­
era segredo que o presidente Kennedy estava observando o Nor­ cificamente de que John Dieffenderfer e outros da missão não
deste. Problemas superpostos, domésticos e de saúde, durante o eram sensíveis aos brasileiros — uma acusação séria, tendo em
seu turno no Recife não ajudaram Dieffenderfer. À medida que vista a importância das relações pessoais dentro da fechada so­
as coisas foram se desenvolvendo, ele se tornou o protótipo do ciedade do Nordeste.
homem tenso. A linguagem provou ser uma barreira substancial, visto que
Embora o Nordeste tivesse sido declarado área de alta prio- poucos nordestinos falavam inglês. O fato de que muito contato
riedade na mira da Aliança para o Progresso, e a publicidade que pessoal com funcionários brasileiros exigia o uso de um intérpre­
envolvia o Acordo do Nordeste fosse suficiente para despertar te retardou o trabalho, aumentou o risco da incompreensão e não
as maiores expectativas, o sucesso da ajuda dos Estados Unidos foi muito bem encarado pelos brasileiros ultranacionalistas. O pes­
à região dependia obviamente do tipo de americanos que admi­ soal da Usaid estudou português em cursos rápidos, porém, ine­
nistrassem o programa no Recife. A decisão de estabelecer uma vitavelmente, isto serviu para consumir o tempo que teria sido
grande missão da Usaid no Recife fez do Nordeste um caso sin­ mais bem empregado em projetos de desenvolvimento.
gular, visto ter sido a única região do mundo julgada merecedo­ Considerações quanto a saúde, educação e alojamento fize­
ra de ter a sua própria missão. (Todos os outros países que ram com que os técnicos que tinham família hesitassem em vir
recebiam ajuda americana tinham uma única missão na capital, para o Recife, que era qualificado como um posto de sacrifício.
exceto o Paquistão, que tinha duas por óbvias razões geográfi­ O fluxo de americanos exigiu a organização de uma escola para
cas.) O problema estava no fato de não haver disponibilidade de seus filhos ainda dependentes, o que resultou na fundação de uma
técnicos americanos hábeis e dedicados, suficientemente familia­ colônia americana de residências à beira-mar, no bairro elegante
rizados com a língua e a cultura, para operar com eficiência no de Boa Viagem. Os americanos que trabalhavam para o governo

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dos Estados Unidos podiam trazer seus automóveis para o Reci­ A grande missão da Usaid exigia considerável apoio administra­
fe, e a presença de carros enormes nas ruas estreitas da cidade tivo, uma razão para o aumento do corpo consular americano
acrescentava-lhe um toque incongruente. O costume de vender no Recife. Antes de os Estados Unidos “ descobrirem” o Nor­
esses carros com um lucro fantástico — um benefício a mais pa­ deste brasileiro, o consulado era um posto pequeno, funcionan­
ra os americanos em serviço na América Latina — pode ter de­ do apenas com um cônsul e dois vice-cônsules. O tamanho do
leitado alguns poucos brasileiros ricos que podiam comprá-los, consulado começou a aumentar gradativamente nos fins de 1961,
mas não refletia bem no programa de assistência como um todo. e durante os anos seguintes a posição do mais graduado funcio­
Uma crítica forte sobre a qualidade da operação da Usaid nário diplomático no Recife passou de cônsul para cônsul-geral,
veio à tona em 1963, quando a missão do Recife recebeu a distin­ e depois para ministro.
ção de ser a primeira agência governamental dos Estados Unidos Os funcionários consulares, naturalmente, estavam envolvi­
a ser “ naderizada” . O que tornou isto deliciosamente apropria­ dos em atividades que iam muito além de administrar as necessi­
do — embora de forma acidental — foi o fato de o chefe da mis­ dades da missão da Usaid. A seção econômica e comercial do
são, John Dieffenderfer, ser a única pessoa que dirigia um consulado reunia dados sobre o equilíbrio da economia da região
e colocava as informações econômicas e financeiras à disposição
Corvair8 no Recife.
Ralph Nader estava em sua segunda parada, numa viagem de qualquer americano que desejasse fazer investimentos ou ne­
através da América do Sul, e originalmente havia planejado de­ gócios no Nordeste. (Durante esses anos de desassossego, os ho­
dicar apenas uns dois dias ao Recife. Mas ficou fascinado com mens de negócio americanos mostraram pouco entusiasmo em
a sua efervescência e permaneceu por mais de um mês, concen­ investir dinheiro na região.) A seção política mantinha constante
trando sua atenção na missão da Usaid. Ele escreveu uma série observação sobre o pulso político da região. Muito desse traba­
de três artigos que foram publicados no Christian Science Moni­ lho consistia somente em ler e recortar jornais e em colecionar
tor de setembro, e concluiu que a missão estava em uma situação os documentos que aparecessem. Os funcionários políticos man­
tinham um arquivo completo sobre todas as figuras políticas da
triste. região.
Nader anotou o baixo estado de ânimo e a frustração do pes­
soal da Usaid e citou queixas dos técnicos do escalão mais baixo A seção política do consulado também fornecia cobertura
de que não eram encorajados a oferecer críticas ou sugerir modi­ para a execução do serviço de informação pelos agentes da Agên­
ficações na política. Ele também apontou a falta geral de um cia Central de Informações (CIA), disfarçados como funcioná­
“ comprometimento entusiástico” por parte do pessoal da Usaid. rios consulares. Virtualmente, todas as embaixadas e consulados
maiores dos Estados Unidos tinham seus “ fantasmas” , como estes
“ Parece que o tempo pesa em suas mãos, e se não estão agentes eram comumente conhecidos. Em 1960 e 1961, o homem
fazendo palavras cruzadas ou envolvidos em discussões ami­ da CIA no consulado do Recife era um dos dois ou três vice-
gáveis, é provável que se debrucem sobre as coleções de li­ cônsules designados para este posto, gozando da reputação de ser
vros de bolso e escolham um para ler durante a tarde. Um extremamente bem informado sobre as ocorrências locais. “ Ele
visitante pode indagar o que é que livros como O Caso da trabalhava bem” , disse, dele, um observador, com admiração.
Mulher que Gritava, Uma Ilha M uito Particular, A Estra­ Os seus substitutos não foram tão considerados. No início de 1962,
da para Laramie, ou O Pecado de Susan Slade têm a ver existiam dois homens da CIA no consulado, e dois anos depois
com a melhoria do padrão de vida no Nordeste brasileiro. o número tinha aumentado para três — uma amostra da atenção
Mais preocupante, talvez, é o tipo de liderança que tolera que a Agência Central de Informações estava dispensando ao Nor­
deste do Brasil.
tais diversões.” 9

156 157
O funcionário mais graduado da CIA no consulado coorde­ Seu trabalho no interior foi além da obtenção de informa­
nava tanto a obtenção de informações como a execução de ativi­ ções e organização de cooperativas. Ele também distribuiu ver­
dades operacionais encobertas, aproveitando-se da disposição de bas da CIA numa tentativa de influenciar a luta pelo controle do
cooperar dos brasileiros. A extensão da participação da CIA em movimento dos trabalhadores rurais (atividade esta que será des­
tentativas de derrotar Miguel Arraes nas eleições permanece des­ crita no Capítulo 11).
conhecida, mas é difícil acreditar que os operadores da Agência Já em 1960, um grupo de técnicos da assistência america­
tenham se sentado sobre as mãos durante a campanha de 1962. na no Recife incluía um chamado Conselheiro de Segurança Pú­
A CIA obteve um sucesso notável no Nordeste. No final de blica, cuja função era ajudar as delegacias de polícia locais. A
1962, um jovem simpático e bem-apessoado chegou ao Recife com missão da Usaid, em expansão, continuou a administrar um
sua esposa para começar a trabalhar, promovendo a formação programa de segurança pública. O interesse demonstrado por fun­
de cooperativas agrícolas no interior. Representava ostensivamen­ cionários americanos quanto à capacidade das forças policiais bra­

f>'
te a Liga Cooperativa dos Estados Unidos da América (CLUSA), sileiras tinha implicações óbvias, do ponto de vista político e de
uma organização privada dedicada ao movimento cooperativis- segurança. O Manual da Área do Exército Americano para o Bra­
ta. Não era coincidência o seu aparecimento nesse momento de sil, preparado pelo Escritório de Operações Especiais da Univer­
crescente inquietação no Nordeste. Na verdade, ele era um agen­ sidade Americana (que também realizou o malfadado “ Projeto
te secreto da CIA. Camelot” no Chile) e publicado em julho de 1964, apresentou
Depois de completar seu treinamento como agente, ele tinha uma análise detalhada da polícia militar estadual de Pernambu­
feito um curso intensivo de cooperativismo. O funcionário da co e concluiu: “ O problema de equipamento e facilidades para
CLUSA que conseguiu que ele fosse despachado para o Brasil as forças de Pernambuco, juntamente com o das polícias esta­
foi H. Jerry Voorhis, um ex-deputado federal pela Califórnia (cu­ duais de todo o país, está continuamente em estudo pelos peritos
jo lugar fora tomado por Richard Nixon em 1946) e que, nessa da polícia dos Estados Unidos em cooperação com o governo bra­
época, era presidente e diretor executivo da Liga Cooperativa.10 sileiro.” 12
As verbas eram canalizadas para dentro da CLUSA por funda­ A Agência de Informações dos Estados Unidos (USIA) fun­
ções privadas conhecidas como sendo condutos da CIA. Em 1967, ciona no exterior sob o título de Serviço de Informação dos Es­
o The New York Times informou que, entre 1963 e 1965, a CLU­ tados Unidos (USIS), para evitar que alguém faça confusão da
SA recebera US$526.500 destas fundações." sua sigla com a da Agência Central de Informações. No Recife,
O homem da CIA-CLUSA provou ser extremamente bem- uma das principais tarefas assumidas pelo USIS foi a promoção
dotado. O seu círculo de conhecidos próximos incluía persona­ da Aliança para o Progresso. Seguiu-se uma campanha publici­
gens chaves da comunidade americana, intelectuais da esquerda tária, até o ponto de saturação. Um funcionário do USIS obser­
no Recife e líderes dos trabalhadores rurais. Um estudante de pós- vou: “ Vendemos a Aliança como se fosse uma novela de
graduação, que não estava sabendo de sua filiação e o utilizou Jacqueline Susann.” 11
como fonte para uma monografia sobre o movimento trabalhis­ Certa vez, o USIS demonstrou interesse na maneira como
ta rural em Pernambuco, observou, um tanto ingenuamente, que os cantadores que andavam pelo Nordeste davam publicidade aos
sua “ reputação como o maior perito entre os observadores da feitos de Julião e suas Ligas Camponesas. Tad Szulc, do The New
política nordestina é bem merecida” . Um americano residente no York Times, noticiou que “ quando um agente de propaganda dos
Recife, e que suspeitava do que ele estava fazendo, ao avaliar sua Estados Unidos foi informado recentemente das atividades dos
habilidade em obter informações secretas concluiu: “ A CIA bem tocadores de viola brasileiros, sugeriu que um cantor folclórico
que saiu ganhando ao investir nele.” famoso, de um sindicato de trabalhadores dos Estados Unidos,

158 159
fosse enviado ao Nordeste para cantar contra a propaganda de
Julião — em inglês” .14O projeto proposto nunca foi executado.
As corporações americanas tinham pouca presença visível no
Nordeste durante este período. As mais importantes eram duas
jírmas têxteis que transportavam algodão do interior para fábri­
cas na zona do litoral. O First National City Bank e várias outras
companhias tinham operações modestas no Recife e em outros
locais. A Firestone e a Union Carbide participaram da constru­ DEZ
ção de uma fábrica de borracha sintética perto do Recife. Uma
firma americana possuía a companhia de eletricidade brasileira,
mas, nos termos expressos de sua concessão, estava em fase de Os Americanos e os Nacionalistas
ser tomada pelo estado de Pernambuco de forma relativamente
inquestionável. As corporações dos Estados Unidos, com uma
fábrica no Centro-Sul do Brasil, mantinham distribuidores na re­
gião. Portanto, os esquerdistas não tinham realmente bons alvos
físicos sobre os quais pudessem descarregar seu rancor contra o
imperialismo americano. Na análise do teórico marxista André
Gunder Frank, a economia do Nordeste era um satélite dos inte­
resses econômicos do Centro-Sul, que, por sua vez, era um saté­
lite do poder econômico dos Estados Unidos.15
O esboço feito acima sobre a quantidade e qualidade da pre­ “ O NOSSO DEVER aqui é explodir a Aliança para o Progresso.”
sença americana no Nordeste do Brasil durante os começos da O proponente desta violenta afirmação não era, como se poderia
década de 1960 estabelece o cenário para uma avaliação dos con­ imaginar, um extremista de esquerda. Tratava-se de um jovem
flitos explosivos que distorceram as relações entre os Estados Uni­ magro, atraente, que havia passado vários anos numa universi­
dos e o Brasil na região. Dentro de um espaço de tempo dade americana e, no momento, estava atuando num programa
relativamente curto, a missão da Usaid tinha se envolvido em vá­ de alfabetização patrocinado pelo governo estadual. O ponto de
rias controvérsias que frustravam totalmente as esperanças de se­ vista que ele expressou durante uma entrevista em junho de 1963
rem alcançados quaisquer dos grandiosos objetivos do programa refletia a radicalização experimentada por um certo número de
nacionalistas moderados e católicos progressistas que tinham si­ adU
americano de assistência.
do atraídos pela bandeira de Miguel Arraes.
“ Nós precisamos de dinheiro, mas os Estados Unidos só que­
rem propaganda, com todos aqueles cartazes sobre a Aliança pa­
ra o Progresso que estão espalhando por toda parte. Até que ponto
a Aliança ajuda o Brasil a moldar o seu próprio destino, e até
que ponto o impede de ser independente?”
Os movimentos graciosos de suas mãos, a expressão séria do
seu rosto e o tom de voz comedido davam um ar sacerdotal ao
seu discurso. Era fácil descartar certas inconsistências lógicas que
ocasionalmente vinham à tona através de sua retórica emocional.
160 “ O que precisa ser feito é remover 90 por cento do pessoal

161
americano daqui. E Dieffenderfer deve ser mandado de volta a ria do pessoal da Usaid para estereotipar a Sudene como não-coo-
plantar batatas. O Departamento de Estado fez uma grande con­ peradora. Esta atitude é rapidamente transmitida aos que vão che­
fusão. Eles sempre fazem a coisa errada, e os russos sempre fa­ gando para a Usaid. Um certo técnico, no seu segundo dia no
zem a coisa certa.” Recife, diz a um funcionário consular dos Estados Unidos: “ É
Sua abordagem da alfabetização: impossível trabalhar com o pessoal da Sudene. Ele nem sequer
“ Precisamos mostrar ao camponês que ele deverá ser um su­ tinha ido até os escritórios da Sudene.” 1
jeito e não um objeto; que é capaz de fazer escolhas e não deverá O pessoal da Usaid trouxe consigo atitudes políticas inflexí­
nunca permitir que alguém lhe tire esta capacidade de escolher. veis que não podiam se adaptar logo ao cenário turbulento do
Precisamos chamar sua atenção para os duros fatos da vida e Nordeste brasileiro. Ficavam horrorizados ao menor vislumbre
ajudá-lo a ver o que a Aliança para o Progresso realmente é.” de comunismo, e eram rápidos em tirar conclusões nefastas so­
Os conflitos que se desenvolveram entre a Usaid e a Sudene bre a onipresença e onipotência do Partido. Suas ansiedades fo­
logo após instalada a missão americana contribuíram significan- ram aumentadas pela linha dura que os agentes da CIA no
temente para a atmosfera de hostilidade que logo obscureceu as consulado do Recife estavam seguindo com respeito ao que eles
relações entre os Estados Unidos e o Brasil no Nordeste. Como viam como uma séria ameaça comunista ao Nordeste. Histórias
foi observado anteriormente, os problemas com a língua e a bar­ periódicas na imprensa brasileira sobre a alegada filiação de Cel­
reira cultural tornavam difícil para a maioria dos técnicos dos Es­ so Furtado e alguns dos seus assistentes ao Partido Comunista
tados Unidos tratar com qualquer brasileiro. Existiam outros pioravam a situação,2 como também relatórios de que a CIA
fatores que causavam tensões específicas entre o pessoal da Usaid considerava um dos principais auxiliares de Celso Furtado como
e seus congêneres da Sudene. integrante do Partido e tinha informações de que os técnicos da
Os brasileiros que tinham se unido à equipe de Celso Furta­ Sudene haviam comparecido a congressos comunistas realizados
do eram jovens e entusiasmados, fortes em idealismo, porém com em Cuba e na União Soviética. Desde que isto era uma explica­
pouca experiência nos aspectos técnicos de planejamento e de­ ção conveniente para o que eles consideravam ser uma obstrução
senvolvimento econômico. Acreditavam no plano de Celso Fur­ por parte da Sudene, o pessoal da Usaid chegou a acreditar logo
tado e no que estava nele subentendido. Alguns eram arrogantes em seguida que a Sudene estava sob a influência do comunismo.
e talvez abertamente agressivos. Os técnicos da Usaid eram ho­ Os brasileiros nacionalistas de esquerda não viam nada er­
mens de mais idade. Tinham tendência para tratar seus congêne­ rado em trabalhar com o Partido Comunista para alcançar obje­
res da Sudene de forma paternalista. Também tendiam a que as tivos mutuamente desejados. Eles consideravam as alegadas
coisas fossem feitas à “ maneira americana” . Os brasileiros re­ implicações vermelhas como irrelevantes e divisionistas. Dada a
sistiam a isso. sua natureza reformista, a Sudene atraía muitos nacionalistas de
Os funcionários da Usaid sentiam que podiam trabalhar com esquerda e até mesmo alguns comunistas. O próprio Celso Fur­
Celso Furtado, cuja inteligência e boa vontade respeitavam. Mas, tado sabia que sua autarquia continha um pequeno número de
em novembro de 1962, o presidente Goulart nomeou-o ministro comunistas, mas não via mal nenhum nisto, desde que realizas­
do Planejamento, cumulativamente com o cargo de superinten­ sem seu trabalho. A guerra fria anticomunista dos americanos
dente da Sudene. Durante os meses seguintes — um período cru­ tornou-se irreconciliável com a tolerância política dos reformis­
cial na relação Usaid-Sudene —, Celso Furtado teve de gastar tas radicais, tanto dentro da Sudene como do movimento popu­
muito tempo em Brasília e no Rio de Janeiro, e a relação passou lista de Arraes, que estava surgindo.
de mal a pior. O artigo de Ralph Nader no Christian Science Mo­ Os funcionários da Usaid citaram unanimemente o caso de
nitor descreve esta deterioração e observa “ a tendência da maio­ Naílton Santos como a corporificação de seus problemas com a

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econômico do Nordeste, os elaboradores da política dos Estados
Sudene. Naílton era um negro de 27 anos, com um diploma de Unidos ainda acharam necessário despachar para o Recife, no fi­
bacharel em Direito pela Universidade de Salvador, no estado da nal de 1961, a equipe de estudo que em pouco tempo produziu
Bahia. Inicialmente ele era chefe do departamento da Sudene en­ o Relatório Bohan. Como foi apontado no Capítulo 5, o Relató­
carregado de treinar os técnicos, e depois foi nomeado chefe da rio Bohan concordava com o plano diretor da Sudene em certos
Divisão de Recursos Humanos da instituição. De acordo com o aspectos, especialmente em relação aos programas de longa du­
pessoal da Usaid ele era comunista (com tendências pró-chineses) ração, mas também sugeria um número de projetos de impacto
e antiamericano (especialmente o americano branco); acima de que iam de encontro à ênfase de Celso Furtado quanto à necessi­
tudo, era inteiramente impossível trabalhar-se com ele. Um arti­ dade crucial de mudanças na estrutura econômica da região. Al­
go numa revista brasileira havia se referido a Naílton como um guns nacionalistas brasileiros ressentiam-se até da existência do
dos simpatizantes do comunismo dentro da Sudene,3 talvez por Relatório Bohan. Achavam que o Nordeste constituía problema
causa de sua amizade pessoal com um ex-líder do Partido em Per­ brasileiro, que tinha de ser resolvido por brasileiros; além do mais,
nambuco, o qual havia sido um agente comunista na América do se uma estratégia brasileira para o desenvolvimento já havia sido
Sul e um amigo pessoal de Stalin. concebida, era uma presunção dos estrangeiros intrometerem-se
Os fatos sugerem que estas descrições de Naílton foram um com propostas que não estavam em harmonia com esta estratégia.
pouco exageradas. Solteirão gordo, com voz ressonante e um O próprio Celso Furtado esperava originalmente que a fun­
atraente senso de humor, Naílton não podia ser muito racista, ção da Usaid pudesse ser limitada ao aval financeiro dos progra­
visto que um dos seus amigos mais íntimos no Recife era um téc­ mas da Sudene que atraíssem os americanos. Isto tinha sido uma
nico branco da Usaid. Os dois eram companheiros de bebida e suposição básica do Relatório Bohan, que Celso Furtado apro­
freqüentavam juntos os pontos noturnos da cidade. Na verdade, vava em linhas gerais. No entanto, logo ficou claro que os Esta­
o técnico da Usaid era um homem forte e bem-humorado, cuja dos Unidos deveríam ir além do mero desembolso de verbas e que
principal responsabilidade parece ter sido fornecer à sua missão os técnicos americanos e brasileiros trabalhariam em equipe em
um meio de comunicação com Naílton. projetos específicos. Alguns brasileiros interpretaram que isto sig­
Um americano que teve oportunidade de observar Naílton nificaria que cada projeto da Sudene do qual a Usaid participas­
no trabalho achava que ele gostava muito de jogar iscas para os se teria co-diretores americanos e brasileiros, arranjo este, como
funcionários da Usaid e depois levá-los na conversa. Ele citou um era natural, politicamente indigesto. O fato de que alguns proje­
incidente em que Naílton estava travando uma discussão caloro­ tos conjuntos utilizariam dinheiro brasileiro, bem como ameri­
sa com duas pessoas-chave da Usaid e começou a agitar a sua gra­ cano, serviu para fortalecer as objeções brasileiras a qualquer
vata em frente deles. A gravata era uma lembrança de uma viagem vestígio de controle dos Estados Unidos sobre tais projetos. Além
que ele fizera à China, enquanto líder estudantil na Bahia, e ti­ disso, nos entendimentos originais os brasileiros tinham aceita­
nha um dragão chinês pintado. Um observador americano mais do a criação de uma pequena missão da Usaid no Recife. A acu­
objetivo concluiu que o problema de Naílton era que ele levava mulação rápida de pessoal, que, até 30 de junho de 1963, já incluía
em baixa conta a maioria do pessoal da Usaid e não tinha a me­ 133 técnicos americanos, pegou os brasileiros de surpresa e cau­
nor satisfação em tolerar idiotas. sou considerável ressentimento.
Mais sério, ainda, do que as diferenças lingüísticas, cultu­ A missão da Usaid tinha de agir dentro das diretrizes esta­
rais e de personalidade entre americanos e brasileiros era o de­ belecidas pelo Congresso dos Estados Unidos na legislação sobre
sentendimento básico e profundo que chegava até o cerne das ajuda externa, que regia a Aliança para o Progresso. Algumas
relações Usaid-Sudene. Apesar de Celso Furtado ter elaborado dessas restrições, tais como a necessidade de estreitas prestações
detalhadamente seu próprio programa para o desenvolvimento
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de contas, irritavam os brasileiros, que nos melhores casos viam existentes para estabelecer e manter a supervisão e o controle de
isto como um incômodo formalismo, e, nos piores, como uma uma ampla série de atividades relacionadas com o desenvolvimen­
interferência não solicitada nos problemas domésticos. Esta últi­ to econômico do Nordeste. A fim de manter o apoio local de que
ma acusação foi levantada quando a Usaid insistiu que tinha o precisava, Celso Furtado tinha que tomar muita cautela no exer­
direito de suspender o financiamento de um programa a qualquer cício do considerável poder à sua disposição, uma vez que deci­
tempo, se fosse provado que tal programa estava em desacordo sões sobre quais projetos a realizar e onde localizá-los obviamente
com a política dos Estados Unidos. Este foi um dos maiores obs­ afetariam a política local por dar prestígio ao governador em exer­
táculos à assinatura de um acordo que envolvia um projeto edu­ cício. Portanto, é fácil compreender por que a Sudene interpre­
cacional. Dieffenderfer tomou a posição de que a Usaid poderia tou que o Acordo do Nordeste lhe dava o direito exclusivo para
interromper sua participação se concluísse que o que estava acon­ representar o governo do Brasil nas negociações de ajuda finan­
tecendo nas escolas em construção com dinheiro americano não ceira do exterior. A situação era bastante complexa sem o im­
seria aceitável pelo Congresso dos Estados Unidos.4 A Sudene pacto adicional de decisões orientadas politicamente por um
encarou tal restrição como uma tentativa dos americanos de exer­ governo estrangeiro sobre a ajuda externa.
cer controle sobre a educação brasileira. Uma proposta para le­ Não se pode argumentar que a “ não-cooperação” da Sude­
vantar o mapa aéreo de uma grande parte do interior do Nordeste, ne forçou a Usaid a procurar meios de embair a autarquia de Celso
sem dúvida um pré-requisito para a construção de estradas e pa­ Furtado, pois a primeira oportunidade de um acordo direto com
ra pesquisas sobre água e recursos minerais, não foi aprovada pela o Estado ocorreu logo no início do funcionamento da missão,
Sudene por razões puramente nacionalistas. O projeto era para no Recife. O programa escolar para o qual a Usaid entrou em
ser executado com assistência técnica da Força Aérea americana, acordo com o governador Cid Sampaio em 6 de junho de 1962
e a Usaid submeteu-se a pressões de cima para impor a condição já foi descrito no Capítulo 9. Foi financiado por fora dos US$131
de que os Estados Unidos recebessem uma cópia do mapa. A Su­ milhões comprometidos pelos Estados Unidos e representou uma
dene recusou, para espanto dos funcionários da Usaid, que de­ tentativa desesperada e malsucedida, por parte da Usaid, de aju­
monstraram sua falta de sensibilidade ao nacionalismo brasileiro dar a derrotar Miguel Arraes. O fracasso desta intromissão na
não compreendendo por que isto ofendia os brasileiros. política local não desencorajou os americanos, pois, como os fun­
Estas diferenças entre a Usaid e a Sudene dentro em breve cionários dos Estados Unidos haviam determinado que o gover­
foram turvadas por uma decisão dos responsáveis pela política no do presidente João Goulart estava se voltando para a esquerda,
dos Estados Unidos, decisão que destruiu qualquer vestígio de a Aliança para o Progresso tornou-se o instrumento principal de
esperança de que os dois órgãos pudessem trabalhar juntos de uma ação política para apoiar os governos estaduais que se mos­
forma produtiva. A Usaid começou a utilizar a Aliança para o traram amigáveis para com os Estados Unidos.5
Progresso para fins políticos imediatos, negociando diretamente A estratégia americana para o Nordeste foi exposta de ma­
com certos governadores estaduais que a embaixada desejava neira feliz por um funcionário da Usaid no Rio, cujo memoran­
apoiar. Naturalmente, isto significava passar por cima da Sudene. do sobre o assunto tem sido citado pelo professor Riordan Roett:
São óbvias as implicações desta decisão. Desde o seu nasci­ “ ...parece-me que cada um dos nove governadores deve ser for­
mento, a Sudene tinha se engajado em ações de equilíbrio delica­ çado a sentir tão agudamente quanto possível que está competin­
do que exigiam seu afastamento das lutas políticas locais, a fim do para demonstrar aos Estados Unidos que se acha pronto a fazer
de conseguir resultados que, em termos de desenvolvimento, te- bom uso do nosso dinheiro com maior rapidez e melhor seguran­
riam implicações políticas de vasto alcance. Além dos mais, a in­ ça do que os outros oito governadores” .6 Nesta estratégia esta­
cipiente autarquia teve que manipular os outros órgãos federais va implícito que os americanos decidiríam o que constituía “ bom

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uso” e utilizariam critério político ao tomar tais decisões. Por­ tado. Além disso, a Divisão de Recursos Humanos da Sudene,
tanto, a “ competição” entre os governadores do Nordeste esta­ com a qual o governador Aluísio Alves estava negociando, era
va relacionada com suas atividades políticas, que os americanos dirigida por Naílton Santos, que não gostou do que a Usaid e A-
esperavam correspondessem ao “ aceno” da ajuda em dólares. luísio Alves tinham feito. Outras pessoas dentro da Divisão ti­
O governador do Rio Grande do Norte tornou-se o princi­ nham a mesma opinião. Um fator adicional que tornou os fun­
pal candidato do Nordeste a estes dólares. Apesar de membro da cionários da Sudene ainda mais relutantes em cooperar foi o
UDN — um partido conservador —, Aluísio Alves gozava da re­ fato de que o acordo com Aluísio Alves tinha motivação políti­
putação de ser um político progressista, com um futuro brilhan­ ca e eles não estavam querendo se envolver em qualquer ativi­
te. Para John Dos Passos, ele representava “ um jovem apaixo­ dade contra o presidente Goulart, pois Celso Furtado fazia parte
nado por serviço social e que representa uma nova estirpe de po­ do seu Gabinete e a Sudene dependia do contínuo apoio do pre­
líticos brasileiros” .7 De certo modo, ele era semelhante a Cid sidente.
Sampaio. Os funcionários americanos rapidamente o rotularam Em fins de novembro, o projeto de construção de escolas
como um homem com o qual os Estados Unidos podiam nego­ do Rio Grande do Norte ainda não havia sido concluído, e o go­
ciar, e, em julho de 1962, ele visitou Washington e encontrou-se vernador Aluísio Alves estava zangado. Ele foi a Brasília e exi­
com o presidente Kennedy. Logo após o seu regresso, assinou, giu uma ação do presidente Goulart, que, aparentemente, cedeu
com os funcionários da Usaid do Rio, um acordo pelo qual aquela a esta pressão. Em seguida, Aluísio Alves enviou um telegrama
agência se comprometia a contribuir para o desenvolvimento eco­ à Sudene informando que o presidente apoiava o seu projeto, e
nômico e social do Rio Grande do Norte.8 Não passou desper­ poucos dias depois a Sudene assinou o acordo.
cebido que eles também estariam contribuindo para criar um Talvez seja conveniente notar aqui qual o resultado do pro­
opositor político do presidente Goulart. O acordo foi realizado jeto de construção de escolas no Rio Grande do Norte. O gover­
sem consulta à Sudene, embora o órgão brasileiro tivesse de par­ nador Aluísio Alves e sua equipe não hesitaram em fazer uso
ticipar de sua implementação, pois as verbas seriam tiradas dos político da ajuda americana em suas decisões no tocante à locali­
US$131 milhões do Acordo do Nordeste, que fazia da Sudene um zação das novas escolas. O secretário de Educação do estado even­
parceiro necessário. O governador Aluísio Alves desejava come­ tualmente pediu demissão, apontando, entre outras coisas, a
çar com um projeto de construção de escolas, e viajou ao Recife interferência política e a transferência de verbas em violação do
com alguns planos específicos. acordo com a Usaid e a Sudene. A missão da Usaid viu-se envol­
Como é de imaginar, a Sudene não ficou muito satisfeita com vida numa confusão quando da inspeção do programa. Em abril
a nova tática da Usaid. A divisão educacional da Sudene estava de 1965 haviam sido construídas apenas 45 salas de aula de um
em processo de organização. O plano original de Celso Furtado total de 1.000 que tinham sido planejadas. Quanto ao futuro po­
não tinha a educação primária como alvo. Em vez disso, a Sude­ lítico de Aluísio Alves, o governo federal cassou seus direitos ci­
ne dedicou-se ao treinamento de peritos de variadas capacidades vis em 1969, sob a acusação de corrupção enquanto no governo.
técnicas a nível universitário. Isto refletia uma decisão conscien­ A eleição de Miguel Arraes acrescentou complicações ainda
te de Celso Furtado a respeito da alocação de recursos. Ele acha­ maiores à relação Usaid-Sudene. O fato de que a maioria dos ame­
va que as necessidades de desenvolvimento do Nordeste, a longo ricanos no Recife preferia Cleofas não constituía segredo. Os
prazo, seriam mais bem servidas se os esforços se concentrassem agentes da CIA no consulado americano tinham confiantemente
na Universidade. Só depois que a Usaid assinou o acordo de edu­ predito a.vitória fácil do latifundiário da UDN, em parte porque
cação com o governador Cid Sampaio foi que a Sudene começou seu pequeno conhecimento de português os forçava a depender
a demonstrar interesse em ir além do plano original de Celso Fur­ quase totalmente de informações dos poucos nordestinos (da clas­

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se alta, em sua maioria) que sabiam falar inglês. A política ado­ rias semanas depois, em entrevista a um repórter da revista News­
tada pelo consulado refletia este julgamento e dava o tom às ati­ week, ele falou da Aliança para o Progresso: “ Vocês só estão nos
vidades de muitos funcionários da Usaid. Quando Arraes venceu, dando chocolates e confeitos, quando o que precisamos é de em­
a colônia americana facilmente aceitou a declaração feita pelos prego. Falam de nós como se fôssemos uma ameaça internacio­
conservadores pernambucanos de que os comunistas estavam pres­ nal, e o que somos é uma região pobre, cheia de sofrimento e
tes a tomar o estado. de problemas humanos. Na realidade, o que queremos é muito
Logo depois das eleições, o Relatório Hispano-Americano ob­ pouco — a sua compreensão. Mas vocês se comportam como
servou que “ o embaixador Lincoln Gordon e os representantes da aqueles soldados na Casa de Chá do Luar de Agosto — vocês
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacio­ insistem em fazer de nós alguma coisa que não podemos ser.” 12
nal (AID) estavam observando Arraes [sic] na esperança de que em Um artigo na Newsweek de fevereiro de 1964 apresentou Ar­
1963 ele se tornasse mais moderado” .9Se genuína, esta esperan­ raes como sendo um antiamericano da linha dura: “ Virtualmen­
ça qualifica-se facilmente como subproduto de pura arrogância. te os únicos americanos não denunciados por Arraes são os
Os americanos tinham feito um esforço (embora frágil) para der­ cigarros Marlboro e Wiston que ele fuma constantemente. ‘Ame­
rotar Arraes. Agora ele iria supostamente tornar-se “ moderado” ricanos são para serem queimados’, ele diz com um encolher de
e trabalhar com eles. É de se indagar se um governador america­ ombros.13 Uma repartição do governo estadual reforçou esta
no, abordado por um órgão estrangeiro (ou mesmo federal) que imagem ao exibir desenhos a bico-de-pena, muitos dos quais ata­
ele acreditasse ter trabalhado ativamente para sua derrota, teria cavam os Estados Unidos, num barco atracado no rio, perto da
sido mais cooperador do que Arraes provou ser. agência central dos correios. Um dos desenhos mostrava um bra­
Durante sua campanha eleitoral, Arraes mencionara o que sileiro faminto deitado no chão, com Tio Sam em pé em cima
seria sua posição no tocante à Aliança para o Progresso. Dissera dele. Com uma mão, Tio Sam tirava sangue, com uma seringa,
em várias ocasiões, quando indagado sobre o seu ponto de vista das veias do brasileiro e com a outra pingava os dólares da assis­
quanto à ajuda estrangeira: “ Não negociarei com potências es­ tência com um conta-gotas.
trangeiras. Não sou presidente da República.” 10 Entretanto, considerável evidência apóia o argumento de que
O seu discurso de posse deu indicações mais avançadas do Arraes não recebia ordens do Partido Comunista e não era irre­
que estava por vir. Numa inclinação de cabeça para a esquerda, mediavelmente hostil aos Estados Unidos. Um alto funcionário
filosoficamente falou da necessidade de “ liquidar a exploração americano que o observou de perto descreveu-o como “ um polí­
pelo capital estrangeiro” . Ele disse especificamente o seguinte, tico astucioso, pragmático, difícil de enganar, que estava usando
sobre os americanos: “ Hoje constituímos uma das áreas de atra­ o Partido Comunista mais do que este o usava.” 14O governo es­
so, fome e miséria conhecidas internacionalmente, um câncer que tadual sempre fornecia proteção policial aos prédios ocupados
o mundo todo conhece e cuja propagação todos temem. O cân­ pelos funcionários dos Estados Unidos nos momentos de demons­
cer do Nordeste preocupa os americanos, que imaginam que a trações políticas e para a eventualidade de qualquer ameaça, por
nossa doença possa ser politicamente contagiosa e contaminar os menor que fosse, contra a presença americana. (Tais ameaças nun­
nossos vizinhos; por isso — não sei se o fazem ingenuamente — ca se concretizaram.) Os funcionários estaduais de Pernambuco
nos dão leite em pó, como se a nossa fome fosse diferente da sua, ajudaram muito a fazer passar em massa o pessoal da Usaid nos
como se ela não estivesse constantemente renascendo, como acon­ exames para obtenção da carteira de motorista. Nunca houve qual­
tece no mundo todo. Isto é humor negro; não é engraçado, nem quer indício de uma política por parte do estado de Pernambuco
resolve, nem poderá resolver a situação angustiosa de uma única para importunar americanos. E o próprio Arraes mantinha rela­
família nordestina; quanto mais o problema do Nordeste.” 11Vá­ ções cordiais com vários funcionários dos Estados Unidos.

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Vários observadores americanos locais expressaram a opi­ no Recife para falar perante o Conselho Deliberativo da Sudene.
nião de que Miguel Arraes era suficientemente pragmático para O relatório considerou que os acordos de Pernambuco violavam
reconhecer os benefícios que poderia colher da assistência ameri­ tanto a Constituição do Brasil quanto o Acordo do Nordeste e
cana que fosse dada de uma forma que não comprometesse sua recomendou que o governador os revogasse. Arraes aceitou.a su­
posição política na esquerda. Aqueles que sustentam este ponto gestão, resultando disso que, para todos os intentos e propósi­
de vista apontam os objetivos comuns à Aliança para o Pro­ tos, a Aliança para o Progresso estava morta no estado mais im
gresso e aos nacionalistas brasileiros de esquerda e concluem portante e populoso do Nordeste.
que algum trabalho poderia ter sido feito pelos americanos con­ A reação americana ao relatório variou desde o comentário
juntamente com o governo de Pernambuco. No entanto, os fun­ brusco do embaixador Lincoln Gordon: “ Eu não sou advogado,
cionários americanos não fizeram qualquer proposta séria a Ar­ portanto não posso discutir os aspectos legais da Aliança para
raes. o Progresso” 17, até os comentários feitos em particular por fun­
Durante os meses cruciais de 1962 e o início de 1963, o côn­ cionários da Usaid de que o relatório era “ falso” e “ mal infor­
sul-geral dos Estados Unidos no Recife era D. Eugene Delga- mado” , embora afetasse muito conhecimento.
do-Arias, um diplomata da “ velha escola” , atraente, inteligente O argumento da inconstitucionalidade dos acordos estava ba­
e culto, que parecia um conde espanhol mas que não se esforça­ seado na premissa de que um estado do Brasil não podia, por si
va para lidar com Arraes e seus correligionários em nenhum ní­ só, entrar em acordos com potências estrangeiras, desde que a
vel. Da mesma forma que vários nordestinos da classe alta, ele Constituição brasileira reservava tal função ao governo federal.
considerava Arraes como a personificação do demônio e nem se­ Com relação ao acordo educacional, esta restrição foi enfraque­
quer compareceu à sua posse como governador. cida pelo fato de que um dos signatários era o Ministério da Edu­
Pouco tempo depois de Arraes assumir o governo, Dieffen- cação e Cultura. A insistência de que o Acordo do Nordeste exigia
derfer visitou-o e informou-o de que a Usaid estava pronta a tra­ a participação da Sudene em todos os acordos que envolviam a
balhar com ele nos acordos que haviam sido assinados pelo seu Aliança para o Progresso era derivada da interpretação brasilei­
predecessor15(como vã tentativa de conservar Arraes fora do pa­ ra do texto do Acordo. O mesmo texto foi interpretado diferen­
lácio do governo). Estes incluíam o acordo sobre educação, que temente pela Usaid, e, por mais surpreendente que pareça, estes
já foi discutido, bem como acordos sobre a saúde, habitação, co­ pontos de vista conflitantes nunca foram resolvidos.
lonização e fornecimento d’água. Arraes mostrou-se frio e dis­ O relatório também atacou vários aspectos da Aliança para
tante para com o diretor da missão americana e transpirou o Progresso e a maneira pela qual as restrições ao desembolso
desconfiança por todos os poros. Ele despachou Dieffenderfer das verbas da Assistência americana davam à Usaid o poder de
e em 12 de fevereiro de 1963 estabeleceu uma equipe de estudo intervir nos negócios brasileiros de um modo que os autores do
para examinar todos os acordos. O grupo de seis homens foi li­ relatório consideraram inaceitável. A decisão unilateral da Usaid
derado pelo recém-nomeado secretário de Educação, um católi­ de reter os fundos do acordo sobre a educação em Pernambuco,
co de esquerda. Rumores sobre as tendências comunistas do gru­ por ter este estado encomendado um relatório, foi citada como
po começaram imediatamente a circular na missão dos Estados exemplo específico de interferência estrangeira não solicitada, pois
Unidos. isto significava que a Usaid poderia conseguir a paralisia imedia­
O relatório final da equipe de estudo16chegou a Miguel Ar­ ta de um programa — o que, por sua vez, causaria o fechamento
raes no dia 1? de maio. Poucos dias depois, ele entregou o docu­ de escolas brasileiras.
mento a um dos jornais da cidade, que o publicou na íntegra, Como se isto tudo não fosse suficiente para exacerbar as re­
exatamente no dia em que o embaixador Lincoln Gordon estava lações brasileiro-americanas no Nordeste, no mesmo dia em que

172 173
o relatório foi publicado outro jornal do Recife publicou a tra­ rios dos Estados Unidos estavam ali para se intrometer nos pro­
dução de um artigo da Newsweek no qual John Dieffenderfer acu­ blemas locais.
sava a Sudene de impedir o trabalho da Aliança para o Progresso: Para fazer justiça aos americanos, deve-se notar que Arraes
“ Não posso gastar um centavo do dinheiro americano sem a apro­ nunca se queixou das atividades do cônsul francês, que era um
vação da Sudene. Eles determinam como os recursos serão utili­ tipo gordo e jovial; ex-combatente da Resistência, costumeira­
zados e se nossa participação é desejável. Estamos relegados a mente aparecia em importantes círculos políticos locais e apoia­
um papel negativo. O nosso único poder de decisão é para di­ va Arraes abertamente. No entanto, a presença dos Estados
zer não.” 18 Mais incisivamente, ele observou que a Sudene es­ Unidos estava apoiada por força muito maior do que a francesa
tava tão precariamente organizada, com jovens tão inexperien­ sequer poderia querer apresentar, e isto fazia com que os nordes­
tes, que não podia utilizar os recursos à sua disposição. E acrescen­ tinos nacionalistas se sentissem nervosos e indignados.
tou que dentro da Sudene havia certas pessoas que “ não esta­ Parecia haver uma troca de informações secretas entre os
vam particularmente interessadas em ver o sucesso dos esfor­ agentes de segurança dos Estados Unidos e os do Brasil. A acusa­
ços dos Estados Unidos” . No dia seguinte, o superintendente- ção de Julião de que a polícia da Paraíba e de Pernambuco vende­ $ . V)
adjunto da Sudene replicou que “ se nós tivéssemos a experiência ra ao “ FBI” cópias dos arquivos sobre líderes camponeses locais22
dos norte-americanos, não estaríamos num estado de subdesen­ pode não estar inteiramente longe da verdade. O consulado dos Es­
volvimento.” 19 tados Unidos no Recife mantinha um arquivo completo de todas
Os comentários de Dieffenderfer certamente se achavam em as figuras políticas da região, e estas fichas continham fotografias
desacordo com a posição da Usaid no programa do Rio Grande que poderíam muito bem ter sido obtidas da polícia local. Tendo
do Norte (que estava longe de ser “ negativo” ). Mais tarde ele em vista a utilização de dados semelhantes durante a intervenção
declarou que suas informações ao repórter da Newsweek não eram dos Estados Unidos na República Dominicana muitos anos depois,
para ser publicadas.20 Desde o início do seu período de ativida­ é totalmente compreensível a inquietação de alguns brasileiros pela
de no Recife ele tinha estado sob pressão de uma corrente contí­ presença americana em seu país.
nua de jornalistas e políticos americanos, todos procurando O elemento humano certamente ocupou importante papel na
alguma evidência visível de progresso para relatar. A extensão da deterioração das relações entre os Estados Unidos e o Brasil no
culpa da Sudene pela ausência de tal evidência é questionável, mas Nordeste durante o início da década de 60. É possível que fun­
é fácil imaginar um repórter experiente e vivo conseguindo que cionários e técnicos americanos aptos a falar português, familia­
um funcionário do governo inexperiente e completamente frus­ rizados com as condições e costumes do Nordeste, e simpatizantes
trado falasse à vontade. das aspirações dos nacionalistas de esquerda pudessem ter ame­
Apesar de a missão da Usaid ser o foco principal da tensão nizado parte da hostilidade que os nordestinos estavam dirigin­
existente nas relações Brasil—Estados Unidos, outros aspectos da do aos Estados Unidos. Porém, a decisão de usar a Aliança para
presença americana no Nordeste também causavam problemas. o Progresso como meio para interferir na política local, as pres­
Por exemplo, o aumento do tamanho do consulado americano sões intensas de Washington para se alcançarem resultados rápi­
no Nordeste atraiu críticas de pessoas no movimento de Arraes. dos, e a má vontade muito arraigada dos responsáveis pela política
Em agosto de 1963, o próprio Arraes se queixou da presença de americana para tolerar uma radical mudança de estrutura no Nor­
15 vice-cônsules no Recife.21 Seus números não estavam corretos deste combinaram-se para produzir sérias restrições no que qual­
— no ponto máximo, o consulado tinha 10 funcionários consu­ quer funcionário dos Estados Unidos poderia efetuar. A falha
lares, uma enfermeira e uma secretária —, porém o impacto da dos indivíduos manietados por estas restrições serviram meramen­
sua acusação implicava claramente que todos aqueles funcioná- te para tornar as coisas muito piores.

174 175
TE R C E IR A PA R TE

177
ONZE

Caos no Campo

A estrada principal em direção ao sul parte, no Recife, de um


dos lados do aeroporto dos Guararapes e corre paralelamente ao
litoral, atravessando o que os nordestinos otimistas chamaram,
era 1963, “ parque industrial” . Poucas indústrias tinham se loca­
lizado ali, mas haviam sido feitos muitos planos e foram desper­
tadas muitas esperanças. Antecipando o futuro desenvolvimento
industrial, o governo estadual tinha até iniciado um projeto de
construção de casas nos morros por trás do aeroporto. Um car­
taz desbotado dá publicidade à contribuição de recursos por par­
te da Aliança para o Progresso.
Um posto fiscal na estrada marca o limite dos subúrbios do
Recife e uma mudança na topografia. Algumas manchas de vege­
tação interrompem uma longa extensão de terra arenosa semelhan­
te a um deserto. Então os canaviais fazem sua inevitável aparição,
um denso e macio tapete verde cobrindo os morros. Num local on­
de a estrada passa entre dois morros altos, cobertos de talos, di­
zem que aparece à noite o fantasma de um trabalhador negro de
um engenho próximo assustando os descuidados motoristas. A es­
trada sai dos canaviais, passa por uma grande fábrica de borra­
cha sintética e volta-se suavemente em direção à cidade do Cabo.

179
Uma visita feita ao Cabo em meados de 1963 revelou-nos
Um fluxo de visitantes fez a viagem do Recife ao Cabo em um padre Melo em plena torma e até um pouco desconcertante,
1962 e 1963, pois a Igreja Católica, que havia tolerado a pobreza mesmo para alguém prevenido sobre suas excentricidades. Sua
e a injustiça no interior durante séculos, tinha reagido rapidamente casa paroquial era anexa à igreja e servia também como sala de
ao clamor de Julião pela revolução e movimentara-se para neu­ recepção e refeitório. A um canto do grande salão escassamente
tralizar o apelo das novas Ligas Camponesas. A resposta da Igreja mobiliado, havia uma rede na qual o jovem padre de 29 anos se
a Julião foi o padre Antônio Melo, o jovem pároco do Cabo.' deitou, sem o menor vestígio de acanhamento. Ele começou a se
O padre Melo, proveniente de uma família de 15 filhos, era balançar em ritmo vigoroso, reforçando com a expressão do seu
um nordestino, natural do pequeno e modesto estado de Sergi­ rosto e de suas mãos delicadas o tom emocionado de sua voz.
pe, na parte sul da região. Ele havia sido designado para traba­ — A estrutura agrária está velha. Não tem havido qualquer
lhar no Cabo em 1961, quando o governador Cid Sampaio estava mudança desde os tempos coloniais. O velho sistema é a causa de
fazendo os preparativos para um dos seus projetos favoritos, a nossa pobreza. O problema é mudar a estrutura. Se o Congresso
construção de uma fábrica que, para fabricar borracha sintética, não aprovar uma lei de reforma agrária, haverá uma convulsão so­
utilizaria o álcool, um subproduto da indústria do açúcar no Nor­ cial da qual participarão todos os grupos. — A rede rangia suave­
deste. Os recursos da Aliança para o Progresso, bem como in­ mente enquanto as palavras jorravam, com vigor mas sem pressa.
vestimentos de várias companhias americanas, ajudaram a tornar Os únicos sinais visíveis de excitação eram o brilho do seu olho es­
possível esta aventura que criaria uma nova indústria e novos em­ querdo (o olho direito era nublado), uma elevação no timbre de
pregos para a região, bem como novos mercados para os donos sua voz e uma tendência a bater nas pernas de seus ouvintes.
das usinas. (Tais esperanças continuam irrealizadas até a presen­ — As terras que não estão produzindo deveriam ser confis­
te data.) A fábrica seria construída no lugar de uma usina. O go­ cadas pelo governo e distribuídas entre os camponeses. — Ao ser
verno estadual tinha prometido tomar conta dos camponeses que interrogado quanto a indenização aos proprietários das terras,
seriam desalojados, mas o bispo a que o padre Melo era subordi­ ele quase saltou da rede. — Pagar? Por quê? Para quê? É con­
nado teve a inteligência de prever que tais promessas nao eram trário à doutrina social da Igreja permitir que um latifundiário
feitas para serem cumpridas e, portanto, designou o jovem pa­ fique com terras que não produzem, enquanto ao seu redor os
dre para zelar pelos interesses dos camponeses. camponeses passam fome. — Ele observou, à parte, que o prín­
Foi uma sábia resolução que colocou a Igreja na base de um cipe Rainier possuía um enorme pedaço de terra ociosa no Brasil
problema social sério, pois o governo estadual, como fora pre­ central, e caracterizou Julião como “ o despertador que nos acor­
visto, voltou atrás nas suas promessas e começou a forçar os cam­ dou para o problema, porém com intuitos políticos e não para
poneses a deixarem suas casas mediante o recibo de um pagamento encontrar uma solução” . Depois, colocou ambas as pernas den­
nominal irrisório. O padre Melo protestou sem êxito. Então ten­ tro da rede e ficou deitado de lado. — O The New York Times
tou algo mais dramático: foi às casas dos camponeses, encora­ esteve aqui para me entrevistar e também me filmaram para a
jou-os a resistir à expulsão e anunciou que bloquearia fisicamente televisão americana.
a polícia na próxima vez que esta tentasse expulsar um campo­ A entrevista retomou um tom mais sério.
nês. A sua tática funcionou. O governo estadual desistiu, decla­ - O presidente Kennedy, sim, é um verdadeiro cristão -
rando por escrito que os camponeses poderiam permanecer no isse ele, sentando-se subitamente e reassumindo o seu balançar
local até que fossem encontradas casas apropriadas para eles. tom ompassado. - Mas os capitalistas de Wall Street controlam o
a publicidade gerada pelo incidente, o padre Melo tornou-se um
herói nacional. Ele continuou a trabalhar com os camponeses 3 ! ° 6 qUerem manter a América Latina escravizada. Que-
m continuar a tirar os seus lucros do Brasil.
dentro de pouco tempo estava competindo com Julião.
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180
O padre Melo concluiu com uma declaração: sua batina de balas. Outro proprietário disse a um oficial
— Eu sou tanto contra o capitalismo como contra o com(J CfÍVarcano que a maior ameaça de subversão não vinha do Parti-
nismo. Sou a favor de uma forma de governo socialista, com0 ^C om unista, que pelo menos era visível, mas de “ padres ver-
ihos” como o padre Melo, que estavam subvertendo o sistema,
o de Israel, o da Iugoslávia e o da Suécia.
A esta altura ele falou para o quarto vizinho e vários can,. A dentro, defendendo a “ praga” da reforma agrária.
poneses entraram no salão. Eles apanharam uns papéis que esla /v verdade sobre o assunto, no entanto, serve como um co-
vam sobre uma escrivaninha no canto da sala e formaram um ntário acerca da mentalidade desesperadamente retrógrada dos
grupo. A um sinal do padre Melo, começaram a cantar, nasala. m nrietários de terras. Pois o padre Melo não comungava com
darneníe mas com determinação: “ Camponês, avança na bata­ os elementos esquerdistas da Igreja, os quais viam as mudanças
radicais como a única solução para os problemas do Brasil, e tra­
lha...” — Padre Melo sorriu com aprovação. ^ ■■■—----- M
___ | ________________
— É o ^ in o do Camponês. Letra e música de Aurelianny, balhavam com líderes como Miguel Arraes e com comunistas co­
cente Silva/que também é camponês — anunciou eíê quando 0 nhecidos — na verdade, com qualquer pessoa tentando reestru­
“canto terminou, balançando a cabeça na direção de um homem turar a sociedade brasileira. O padre Melo era o representante
de cabelo encarapinhado, cujo rosto barbado se abriu num sor­ mais loquaz de um grupo de padres jovens que procuravam des­
viar o movimento trabalhista rural dos objetivos estabelecidos por
riso de acanhamento. „
_Ele é protestante — interferiu outro camponês solenemen- julião e outros. A influência exercida por esses padres foi, pelo
menos a curto prazo, profundamente contra-revolucionária, fa­
te —, mas toca órgão na igreja para o padre Melo.
Os meios de comunicação brasileiros, sempre rápidos em criar to este devidamente notado por agentes secretos em Washington.
e explorar novos “ astros” , fizeram do esperto padre Melo um O padre Melo fez uma barulhada marxista,7 embora, na maio­
símbolo do padre rural radicalizado. O padre não se esquivouà ria das vezes, soasse mais como Harpo e Chico do que como Karl,
projeção. Em 1961, declarou que era “ meramente um acende­ mas no final de 1963 ele estava abertamente aceitando dinheiro
dor de fogueiras” .2 Ao testemunhar, em Brasília, perante uma do ultraconservador Instituto Brasileiro de Ação Democrática
comissão federal que investigava as Ligas Camponesas em 1962, (IBAD), denunciando Miguel Arraes e proclamando seu apoio
ele insistiu que os responsáveis pela violência no campo nao eram às ambições presidenciais de um político da ala direita,8 descri­
os camponeses, mas os “ reacionários” .3 Após a eleição gover­ to pelo jornal New Republic como um candidato “ do leite, da
namental em Pernambuco, ele negou vigorosamente que Miguel maternidade e da bandeira americana” .9
Arraes, a quem ele tinha apoiado, fosse com unista/ Apesar de O interesse da Igreja Católica pela angustiosa situação dos
professar publicamente preocupação acerca de relatórios sobre camponeses nordestinos refletia os esforços pioneiros de um bis­
o uso de violência pelas Ligas Camponesas, as suas relações com po no estado do Rio Grande do Norte.10 Durante os anos da dé­
Julião eram cordiais. Após sua bem-sucedida defesa dos campo cada de 1950, ele fundara uma organização conhecida como
neses contra o governo estadual, o chefe das Ligas Camponesas Serviço de Assistência Rural e que executava programas de edu­
cação e de saúde no interior, começando a organizar os traba­
o visitou para parabenizá-lo, visita esta que recebeu bastante pu­
lhadores rurais em sindicatos. O Serviço declarou-se livre de
blicidade da imprensa.5 quaisquer ligações políticas, mas era explicitamente anticomunista
Em alguns lugares, a postura do padre Melo suscitourj
e não procurava mudanças radicais na estrutura sócio-econômica
ções nada simpáticas. Em fevereiro de 1963, um dos direitist
do campo. Os sindicatos tentavam ajudar os trabalhadores ru­
mais causticantes incluiu o nome do jovem padre numa teto
rais a defender seus direitos legais e a levar a cabo uma reforma
católicos proeminentes que ele acusou de serem criptocom uj
agrária suave. As condições no interior do Rio Grande do Norte
tas” .6 No Cabo, um proprietário de terras enraivecido am aç#
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não eram tão cruéis quanto as de Pernambuco, um fator que J Carisma entre os camponeses. Mas o cérebro por
tribuiu para a popularidade e o sucesso dos programas do b' enúnistrado>- de ^ mulat0 g0rdo e cheio de energia, o pa-
(apesar de os proprietários rurais resistirem ao que ele estava írás da °PeraÇ n sd o is homens trabalharam bem em conjun- 'n
tando fazer). pa»lo £ £ £ ” icia„ , „ padre Melo cabriolando |
Enquanto isso, em Pernambuco, a Igreja observava, ala w ÓKlo • » ' da publicidade e o padre Crespo estru- |
mada, as atividades de Julião e de suas ligas. Os clérigostradi'
cionalistas se contentavam em manter a identificação da Igre' *
com os donos de terras e denunciar a difusão do “ comunismo”
no interior. Mas os elementos progressistas, especialmente entre
pata'a Cuma organização por trás do pano.
turando u m a^.°rJTm
A chave do
ovirnçnto era ojServiçc
c<3„ movimento
— =--------- q
ojServiço de Orientação Ru-
.. um órgã0 patrocinado pela Igreja e
raL ? r H^d^acordo com ò Serviço de Assistência Rural do Rio
V
os pádres jovens influenciados pelas encíclicas do papa j 0ã0
-fljgfdelado de ac° ^ destinava a enc0ntrar lideres campo- in
XXIII, reconheciam que uma abordagem mais positiva seria ne­ Grandef ° n á os’no^sindicalismo cristão." Estes líderes campo-
cessária. Alguns deles tinham visitado o Rio Grande do Norte e neses e trem l organizar sindicatos rurais que seguinam .
neses seriam a P Qs novos sindjcatos procurariam uma so-
visto com admiração o trabalho do Serviço de Assistência Rural as diretrizes do So p ^ ^ diferenças existentes entre 0s campo- ^
Em 25 de julho de 1961, portanto, 25 padres pernambucanos se
luÇão harmomos; P g entre QS trabaihadores do açúcar e
reuniram para discutir a crescente agitação política no campo e
decidiram quç a forma mais efetiva de enfrentar o problema se­ neses e os q uma alternativa preferível ao conflito de clas-
ria organizar sindicatos rurais. °SUSFlees também encorajariam, como meio de melhorar a situa-
A essa altura, o status legal dos trabalhadores rurais não era SCS' Ho camponês, a formação de cooperativas, assim como o
muito claro. Em 1943, as leis do salário mínimo foram alteradas çao do camp legais e outros necessários,
para incluir os trabalhadores rurais; mas nunca foram cumpri­ fomecimen enfatizou a distinção entre os novos sindi-
das, pelo menos no Nordeste." Outras leis trabalhistas afetando f o Sorne estava organizando e as Ligas Camponesas de
todos os trabalhadores eram teoricamente interpretadas como f S o “ As\ i g a s Camponesas, por si sós... não constituem o
aplicáveis aos trabalhadores rurais, mas na prática também eram JU,I hor instrumento para solução do problema dos camponeses.
ignoradas. Em 1944 entrou em vigor uma legislação que sancio­ mei nstituicão elas se assemelham mais de perto a uma
nava a formação de sindicatos rurais. Uma vez reconhecidos pe­ P H^de beneficente’ sem objetivos positivos. São mais uma or-
lo Ministério do Trabalho, estes sindicatos supostamente tinham S E E S a » do que uma sociedade em que os prd-
o mesmo status legal que os sindicatos urbanos. Mas a situação S S Í neses lutam pelo seu desenvolvimento... No metode
política no campo estava tão desequilibrada que era ao mesmo iodas estas contradições, surgiu o movimento sindicalista rur ,
tempo inútil e perigoso encorajar a formação de tais organiza­ como uma força de pressão, para o aPerfe>Çoament° da n
ções camponesas. Realmente, quando os padres pernambucanos democracia. É a última esperança para o camponês...
realizaram seu encontro existiam apenas cinco sindicatos rurais É necessário notar que, apesar destes altos sentimentos
reconhecidos em todo o Brasil. abordagem do-sindicalismo rural pelo Sorpe desenvolveu um pa­
Mesmo assim, os jovens padres tinham certeza de que um ternalismo próprio. Os jovens advogados que se JU^aram^w mo­
movimento trabalhista rural organizado dentro dos quadros que vimento dentro de pouco tempo assumiram PO SN ^ de liderança;
a lei teoricamente fornecia poderia, com efeito, contrapor-se às e tanto o padre Crespo como o padre Melo nunca demonstrara
forças que Julião havia desencadeado no interior. Portanto, eles qualquer inclinação para entregar aos líderes camponeses que -
começaram a trabalhar. tavam treinando o controle geral das forças que haviam posto
O padre Melo tornou-se uma combinação de chefe, intérprete

184 185
^ Nem tampouco sabiam que estavam recebendo an • os padres mantinham monopólio sobre as atividades
Agência Central de Informações americana. O jovem ag ° ° da ficava q sandonadas do sindicato dentro do município inteiro,
legalmen io ^ J962j reaiizou-se no estado da Bahia o I Con-
CIA que trabalhava como técnico da Liga CooperativaTri ^
SA) tinha se movimentado de modo rápido e silencioso n a ^ de Trabalhadores Rurais do Norte e do Nordeste. Os re-
senvolver contatos estreitos com o Sorpe e com o padre C 8 ^ ° , antes dos sindicatos controlados pela Igreja dominaram
Dentro de pouco tempo ele estava canalizando recursos dar}0- preSe" ão que os comunistas depois acusaram de ter sido patro-
para dentro do movimento a fim de ajudar no pagamento d ^ 2 rCHa e financiada pelos grandes proprietários rurais.'4 Om inis-
lários e despesas do Sorpe e atrair pessoas que, de outro mod3 cina7 Trabalho aproveitou a ocasião para reconhecer 23 novos
poderíam não ter contribuído com seus esforços para o sind' °’ ‘^ T rlto sn n iísrc ín c o dos quais estavam localizados em Pernam-
lismo rural. Ele também trabalhou de maneira efetiva com as ne!' i í dl Em junho, uma parte dos sindicatos de Pernambuco se uniu
soas do Sorpe para estimular os novos sindicatos rurais e fund ' UCOforma7um ãFéderação de Sindicatos Rurais, de âmbito es-
cooperativas que poderíam fornecer uma ampla variedade de se^ Ç ^ - j que, em outubro, obteve reconhecimento do Ministério
viços agrícolas. Estas cooperativas futuramente produziram be* d Trabalho.15 A Federação estava sob o firme controle do pa­
nefícios materiais para os seus membros. Mas de maior im po' dre Crespo e de seus associados do Sorpe.
tância para os interesses da segurança dos Estados Unidos foi 0 ° Enquanto os padres organizavam sindicatos no Nordeste, o
fato de que sua organização e sua administração desviaram Congresso Brasileiro estava debatendo a reforma agrária. O pro­
os líderes camponeses das lutas políticas no interior pernambu­ blema subitamente havia se tornado muito popular a nível na­
cano, onde eles poderíam ter sido envolvidos nos esforços para cional — fato notável, tendo em vista que, apenas uns poucos
obter modificações radicais no status quo. Embora tenha sido uti­ anos antes, a “ reforma agrária” era considerada um tópico “ sub­
lizado o descontentamento para convencer os camponeses a for­ versivo” , que não podia ser discutido em ambientes polidos. Po­
mar as cooperativas, o movimento cooperativista nunca negou líticos, dò presidente Goulart para baixo, estavam agora falando,
alto e bom som, sobre a necessidade de uma solução para os pro­
A sua aceitação das estruturas políticas e econômicas existentes. Cer-
ta vez, o próprio homem da CIA-CLUSA observou: “ Ao con­ blemas rurais brasileiros. É claro que cada um tinha uma solu­
%y vencer o camponês de que a miséria de sua condição é desne­ ção diferente e a Constituição federal ainda proibia a desapro­
cessária, deve-se tomar o cuidado de não empurrá-lo até o extre­ priação de terras particulares sem indenização total e imediata,
mo da revolta contra as autoridades e os interesses constituídos tornando portanto impossível ao governo acabar com as grandes
que o têm mantido no seu estado atual.” Ao todo, a estratégia propriedades no interior.
— da CIA de financiar o Sorpe e de estabelecer cooperativas agrí­ Mas uma coisa estranha ocorreu no dia 2 de março de 1963.
colas foi uma ação bem concebida e bem executada para ajudar O Co*hgresso Brasileiro aprovou uma Lei do Trabalhador Rural
a reduzir o potencial revolucionário do movimento trabalhista ru­ bastante ampla. A lei estipulava os vários direitos e benefícios
ral em Pernambuco. garantidos aos trabalhadores rurais e formalizava os direitos e
O governo federal não se mostrava de forma alguma satis­ responsabilidades dos sindicatos de trabalhadores rurais. Foi a
feito com o que os padres estavam fazendo, especialmente quan­ primeira legislação federal a tratar exclusivamente dos trabalha­
do o pessoal do Sorpe tentou obter reconhecimento do Ministério dores rurais, mas não provocou muita reação.16Talvez a falta de
do Trabalho para os sindicatos rurais que estavam organizando. entusiasmo fosse devida ao fato de ela repetir coisas que já ha­
De acordo com as leis brasileiras, somente era permitido um sin­ viam sido objeto de legislação anterior (tais como a aplicação da
dicato de trabalhadores rurais em cada município. Assim sendo, lei de salário mínimo ao trabalhador rural). Além disso, a lei não
o reconhecimento oficial de um sindicato filiado ao Sorpe signi- dava cobertura a todas as classes de trabalhadores rurais encon-

186 187
tA
fr base de apoio entre os trabalhadores urbanos. Agora
trados no interior. Talvez também as pessoas tivessem adm t H
■ £ que a nova lei sofreria a mesma sorte de outras leis semelham ° Cef reconhecia que a chave do controle dos trabalhadores ru-
que nunca tinham sido aplicadas. Gou a )mí, nas estruturas sindicais que vinham tomando forma
rais estava
...Entretanto,
....................
a nova lei veio a ser altamente significativa a
í l\■ assumir o governo de Pernambuco, Miguel Arraes realizou al ° 00 1Adieis trabalhistas brasileiras atribuem ao governo federal
der decisório. O Ministério do Trabalho supervisiona a cole-
mas mudanças surpreendentes. Deu ordem à polícia estadualêU'
ra se manter neutra em disputas entre camponeses e proprienT ° P°distribuição do chamado “ imposto sindical” , que é pago pe-
rios de terras. Estes, privados dos seus aliados tradicionais f trabalhadores e pelos patrões. O Ministério também tem poder
r y reclamaram em altos brados. A 10 de abril de 1963, uma associa’ lusivo sobre o reconhecimento de sindicatos particulares e de
' " ção de proprietários fez publicar, em página inteira de um jornal federações de sindicatos nos estados. O delegado regional do tra-
do Recife, uma carta aberta ao governador, na qual eram enu- b lho que representa o Ministério do Trabalho em cada Estado,
£Á ^ merados atos de violência que alegavam terem sido cometidos pe- ade ‘‘intervir” num sindicato local, removendo a sua lideran­
2 los camponeses em semanas anteriores.17 No dia seguinte, em ça O presidente Goulart não hesitava em lançar mão destes po­
resposta, Miguel Arraes fez publicar, em página inteira do mes- deres numa tentativa de assegurar o controle do movimento
f - j s mo jornal, uma lista de todos os atos de violência alegadamante trabalhista rural que estava surgindo em Pernambuco.
cometidos pelos proprietários contra os camponeses durante o Mas Miguel Arraes tinha seus próprios planos para os tra­
<5 mesmo período de tempo.18 Era grande novidade em Pernambu- balhadores rurais. Não constituía segredo que ele estava consi­
co o reconhecimento oficial dos problemas de lei e ordem do la­ derando seriamente lançar sua candidatura para vice-presidente,
do dos camponeses. Ao descobrirem que uma fonte de intimi­ ou mesmo para presidente, nas eleições nacionais de 1965. Ele
dação contra eles havia sido removida, os camponeses criaram teria que se apresentar como o candidato do Nordeste — o que
ânimo para se organizar e exigir seus direitos legais com ainda exigiría o apoio dos trabalhadores rurais da região, e dos seus
maior vigor. sindicatos. Embora Goulart não pudesse legalmente candidatar-
Além disso, Arraes decidiu que a lei do salário mínimo na se à reeleição como presidente, ainda buscava o poder político,
zona açúcareira deveria ser observada, e usou toda a sua influên­ e suas ambições constituíam uma fonte de especulação. De qual­
cia para forçar os proprietários de engenhos e usinas a cumprir quer maneira, ele via Arraes como um adversário. E tanto ele
suas obrigações legais, e não apenas fingir que as observavam. mianto Arraes se opunham aos sindicatos patrocinados pela
Isto também contribuiu para o crescimento dos sindicatos rurais, Igreja.
que podiam agora pressionar os proprietários e assegurar benefí­ O Partido Comunista, com sua base urbana tradicionalmente
cios financeiros reais para os seus membros. segura, resolveu seguir uma política de dois gumes, infiltrando-se
À medida que os sindicatos rurais começaram a assumir uma nas Ligas Camponesas já existentes e, ao mesmo tempo, formando
nova importância na zona açúcareira, tornou-se cada vez mais sindicatos rurais que ficariam sob o controle do Partido. O pro­
óbvio que os padres tinham se adiantado a todo mundo, visto grama de infiltração aparentemente não funcionou e também se
que já vinham organizando sindicatos há muito tempo. Políticos tornou desnecessário, pois as Ligas mergulharam num mar de con­
esquerdistas e grupos políticos sempre tinham reconhecido o po­ fusão. Por outro lado, o Partido conseguiu algum êxito contra
tencial de poder de uma organização rural, especialmente se a os padres na competição para organizar sindicatos. Arraes deu
Constituição federal pudesse ser modificada para dar o direito suporte aos comunistas, e estes, por sua vez, apoiaram Arraes
de voto aos analfabetos. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em suas manobras diante de Goulart.
do presidente Goulart, tinha usado os sindicatos para estabele- O movimento trabalhista rural em Pernambuco finalmente

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acabaria com as Ligas Camponesas, na falta de uma explosà ois virtualmente todos os líderes rurais (inclusive o padre
revolta no campo. Os sindicatos tinham status legal e esta° ^ l962’ P nadre Crespo) apoiaram a candidatura de Miguel Ar-
em posição muito superior para assegurar benefícios finance^^ MCl°M as em janeiro de 1963, várias semanas antes de Arraes
médicos e educacionais aos seus membros, bem como uma Dlr°S’ raCS’ > o governo, explodiu uma luta sangrenta numa grande usi-
cipação no poder político. Logo no início da jogada, Julião ^ 355111111 arte sul do estado, numa terrível advertência de que os
sumiu a posição de que as suas Ligas e os sindicatos poderi^' 113 ndes proprietários não estavam prontos a se deitar no chão
existir lado a lado. “ As Ligas são as mães dos sindicatos” ^ fse"fazer de mortos.
tava de repetir. Ele encorajou os membros das Ligas a se'fipS' O incidente resultou de uma mamfestaçao feita por um gru­
rem aos sindicatos e vice-versa. Mas continuou a passar bastant' de cerca de 80 camponeses em frente ao escritório da usina.
tempo afastado do Nordeste, em viagem ao exterior e ao Sul d6 P°_ cainponeses trabalhavam nos engenhos pertencentes à usina
Brasil, e nunca desenvolveu uma organização local forte. Com° p estavam exigindo o pagamento da gratificação que a lei obnga-
resultado, os padres, com seus sindicatos, começaram a deixá-l° os proprietários a lhes pagar no fim do ano. Acontece que o
a reboque, e Arraes e os comunistas drenaram parte do seu apoio V oürietário era deputado federal e membro do Partido Traba­
Apesar de Julião ter apoiado a candidatura de Arraes, o gover­ lhista Brasileiro de Goulart. Entre os manifestantes havia mulheres
nador não escondia o seu desdém pelo líder das Ligas Campone­ e crianças, e os homens, de forma agressiva, estavam armados
sas. Em conversa com um repórter da revista Newsweek Arraes de cacetes e facas. De acordo com um relatório, vários campone­
disse o seguinte sobre Julião: “ Eu tenho os meus próprios méto­ ses portavam revólveres. Aparentemente a manifestação era apoia­
dos e ele os dele: cabe ao povo julgar quem está certo.” 19 Em da pelas Ligas Camponesas.
uma entrevista subseqüente ele se referiu a Julião como “ apenas O proprietário e político saiu do seu escritório para falar com
mais um político” .20 os camponeses, acompanhado de seus pistoleiros. A discussão lo­
Assim, Julião tentou conservar suas Ligas intactas, enquan­ go degenerou num verdadeiro confronto, que, por sua vez, ex­
to competia ao mesmo tempo com os padres e os comunistas pe­ plodiu em violência. Cinco camponeses foram mortos e muitos
lo controle dos sindicatos rurais. O que adicionou mais lenha à outros ficaram feridos. Pelo menos um dos pistoleiros foi tam­
fogueira foi a aparição de um grupo de jovens trotskistas e outro bém ferido. A polícia estadual tomou sua posição costumeira,
grupo de comunistas que tinham abandonado o Partido e esta­ mantendo o direito dos proprietários de se proteger utilizando pis­
vam seguindo a linha chinesa. Estes elementos dissidentes tam­ toleiros contratados. O máximo que Julião pôde fazer foi recair
bém entraram na competição, não se mostrando capazes de numa desgastada reação liberal e exigir uma investigação.
penetrar além da orla, mas contribuindo muito para a confusão Pouco depois deste incidente, surgiu na parte sul da zona açu­
maciça que caracterizou o campo pernambucano em 1963 e iní­ careira de Pernambuco um organizador carismático e dinâmico,
cio de 1964. A competição freqüentemente era do tipo bizanti­ que começou a compor um sindicato rural. O cabelo de Gregó-
no: Arraes versus Goulart, a nível superior; padres versus rio Bezerra agora estava branco, mas o antigo sargento do Exér­
comunistas, versus Julião, versus trotskistas, versus maoístas, a cito e deputado federal estava, como sempre, em plena forma
nível local, com várias alianças sendo formadas e dissolvidas em física. Sua presença não tinha qualquer relação com o tiroteio
rápida sucessão.21 E no meio de toda esta barulhada, os técnicos recente, mas assinalou o início da campanha do Partido Comu­
da Sudene estavam tentando o seu próprio projeto-piloto de re­ nista para obter uma base entre os trabalhadores rurais.
forma agrária em Pernambuco. A área em que Gregório estava trabalhando era a parte mais
As atividades de organização na zona açucareira haviam si­ miserável da zona açucareira, dominada por grandes usinas que
do suspensas durante a campanha para eleição do governador em exploravam um proletariado rural sem terra. Existiam apenas al­

190 191
guns meeiros e pequenos rendeiros ligados aos senhores de
nho numa relação feudal. As Ligas Camponesas haviam oh"86' neíveis em favor dos trabalhadores da zona açucarei-
muito pouco sucesso ali no sul, e por causa disso Julião e r a * * nefíci°s ta ^ sindjcat0 constantemente enfatizava o tema da
sado de proteger os interesses de grandes proprietários de t e ^ ' ra- ^lasses entre os proprietários de terra e os camponeses.
A verdade era que, como regra geral, apenas aqueles c a m n ^ ' lUta de C0 ano seguinte, o Sindicato promoveu várias greves e ma-
ses que tinham o uso de alguma terra própria ousavam se j»°?e' Durante pafa alguns camp0neses, aquilo era como uma fes-
às Ligas. Aqueles que trabalhavam para as grandes usinas ge i ° ÍfeSta tinham oportunidade de fazer passeatas pelos engenhos
mente não possuíam terra de onde pudessem tirar sua subsistê t3’ P° dade mas sem captar o significado real do que estava acon-
cia e, portanto, eram mais vulneráveis à retribuição dos d o ^ 6113 d Outros começaram a desenvolver uma consciência polí-
das usinas. É claro que as Ligas Camponesas não podiam ofer°S teCCn o^rialmente depois de serem organizados pelos comunistas
cer a esses trabalhadores proteção e benefícios que os comp *" ^'neouenas células em cada engenho.
sassem por sua filiação. Mas os sindicatos eram bem diferente11 eI" De mais imediata importância para todos os trabalhadores
especialmente após a promulgação da lei de 2 de março de 1903’ área foi o fato de os usineiros, sob a pressão de Arraes, esta-
Eles eram legalmente reconhecidos como representativos dos in m pagando o salário mínimo legal. Como disse a Newsweek:
teresses dos trabalhadores rurais e estavam mais capacitados a “ O dinheiro novo atingiu a moribunda economia de Pernambu­
suportar as pressões dos proprietários de terras! co como a explosão de uma nuvem no deserto.” 22 Os campone­
Gregório concentrou todo o seu esforço em Palmares a ses subitamente viram-se com dinheiro no bolso e apressaram-se
maior cidade na área. O governador Miguel Arraes colocou à sua exercer seus novos privilégios como consumidores. Palmares
disposição certas facilidades que o ajudaram nos seus esforços e as cidades vizinhas refletiam a nova prosperidade, à medida que
e outros membros do Partido se uniram a Gregório no campo' comerciantes e donos de lojas lucravam com o poder de compra
Um destes veio de distância tão grande quanto o território do dos trabalhadores do açúcar.
Acre, um lugar remoto do Brasil nos limites com o Peru e a Bolí­ Além do sucesso obtido em Palmares, os comunistas tam­
via. Mas o presidente do sindicato recém-formado não pertencia bém ajudaram a ministrar um duro golpe no movimento contro­
ao Partido. Era, sim, um ex-membro das Ligas Camponesas que lado pela Igreja na cidade de Jaboatão, nos limites do Recife.
tinha visitado Cuba com Julião. Esta era a base onde residia o padre Crespo, que havia organiza­
As atividades de organização do Partido surtiram efeito, pois do o sindicato rural do lugar. Jaboatão estava situada perto do
o ministro do Trabalho não apenas deu reconhecimento ao Sin­ Recife e, ao mesmo tempo, se estendia pela zona canavieira. Vá­
dicato de Palmares, mas também incluiu nele 22 municípios! A rias indústrias estavam ali localizadas, assim como duas usinas.
criação deste sindicato gigante resultou na impossibilidade de os A cidade sempre tinha fornecido uma grande quantidade de tra­
padres tomarem do Partido o seu controle; mas também deu aos balhadores que podiam ser transportados facilmente ao Recife,
comunistas apenas um voto potencial na Federação Estadual de para passeatas e manifestações. Também tinha a reputação de ser
Sindicatos Rurais, o que seria de pouco valor em qualquer tenta­ um viveiro de adeptos dos comunistas — tanto assim que as pes­
tiva para tomar dos padres o controle da Federação. Consequen­ soas comumente se referiam à cidade como “ Moscouzinho . As­
temente, o Sindicato de Palmares nunca se preocupou em se filiar sim sendo, não era de admirar que fossem feitos esforços para
à Federação. arrancar do padre Crespo o sindicato rural da cidade.
Em comparação com a retórica violenta das Ligas Campo­ Um líder camponês que havia tomado parte na organização
nesas, as posições tomadas pelo Sindicato de Palmares pareciam do padre Crespo começou a fazer agitação contra o seu sindica­
meio conservadoras, pois os comunistas faziam agitação por be- to. Ele contava com a ajuda do governo de Arraes e dos agitado­
res do Partido Comunista e das Ligas Camponesas, que acen­
192
193
, „„ as mãos do negócio todo e não mais retornou ao
deram a centelha das manifestações contra o padre Crespo o
legado regional do trabalho, representando o presidente Goui E m e n t o das Ligas C“ P0“ S“ havia co„hecido em 1961 du-
finalmente “ interveio” no sindicato, removendo sua lider **** “ -*S 5 3 T * S tX o n e s e s em Be,o Horiaonte
pró-Crespo em agosto de 1963 e programando novas eleições1153 nte 0 Congress0 Na diferente. Esses estudantes do Sul
ra novembro. Seguiu-se um período de grande confusão cn ro ram um Leninista” , acha-
ameaças e contra-ameaças, demonstrações e contrademonst ^ d°o Brasil, pelo fermento que con-
ções. Até o próprio padre Melo entrou na briga, defendendo ' ram irresistivel a P eira de Pernambuco. Ansiosos por
seu colega pelo rádio e pela televisão. No seu estilo inimitável° vulsionava a zon .&^ uma experiência genuinamente
ele chegou ao ponto de denunciar Arraes como “ um homem do' participardo qU'J s abandonaram os livros para carregarem a ban-
minado pelo ódio, que não faz outra coisa senão odiar” .» Na revolucionana, . , de jro tsk y , no Nordeste. O jorna
véspera das eleições, o padre Crespo reconheceu que a chapa de S r a da IV mais próximos do a-
seus candidatos não podia ganhar de forma alguma, e recuou lista brasileiro Anton “ Para mim, pareciam mais
entregando o controle do sindicato a um grupo de líderes que ti­ aTNorman S r . digamos assim, do t,ue do ,e-
nha estreitas relações com Arraes e com os comunistas. Em feve­
reiro de 1964, o delegado regional do trabalho atacou novamente ího Trotsky.” " trotskista escolheu como teatro de suas ope-
O pequeno grupo u ^ ^ setentnonai da zo-
intervindo no sindicato do padre Melo, no Cabo, e instalando
novos líderes que pertenciam às Ligas Camponesas. rações o muni^ p ambuc0. Começaram a trabalhar entre os
Entregues a seus próprios recursos, as Ligas não se saíram na açucareira de Per Q controle do sindicato rural que
bem na competição com os padres. Na cidade natal de Julião, camponeses, ^ ntan id do padre Crespo e do padre Melo.
Bom Jardim, e até mesmo em Vitória de Santo Antão, municí­ era dirigido pelos segu d P trabalhava em coordena-
Até sua prisão em11 * 3 . doel^Camar abordagem de-
pio onde começara o movimento das Ligas Camponesas, os sin­
ça0 com eles. Embora u m ™ t o d t o o q « a menor
dicatos rurais eram controlados pelos grupos ligados à Igreja.
ks (“ vieram do Su , « na zona açucareira” ),
Vitória continuou sendo um viveiro para a atividade das Ligas
compreensão do que estav p temp0 depois, os seus es-
Camponesas. Um jovem estudante de Direito, João Alfredo, e
uma professora de nome Maria Celeste coordenavam a agitação, ele admirava o seu do sindicato. Mas,
forços frutificaram e e es ^ ^ ^ que usava 0 pSeu-
que consistia principalmente na invasão de engenhos. No final
de 1963, João Alfredo rompeu com Julião, aparentemente por em agosto, ff u ^ ’ T füi morto numa emboscada pelos pisto-
divergência de tática, resultando disso uma amarga rivalidade. dômmo de Jeremia , Tal acontecimento fez com
leiros de um proprietário Congresso de camponeses
Enquanto isso, Joel Câmara se consumia na Casa de Deten­ que o resto do grupo co n v o casse^ C ^ S anunciando
ção do Recife, escrevendo suas memórias e freqüentando as au­
em Tambe, em 7 de outu , Unida d Trabalhadores,
las de Direito na companhia de vários guardas da prisão. A
competição pelo controle dos sindicatos rurais tinham-no amar­
gurado completamente. “ Era ridículo” , ele relembrou em 1967.
“ O interior é enorme. Havia lugar para todo mundo. Existiam
muitos camponeses a serem tornados politicamente conscientes.
O inimigo era o latifundiário. Mas os grupos estavam lutando
entre si. Por que perder tempo com estas rixas mesquinhas?” Joel
foi libertado em dezembro de 1963. Tão grande foi sua desilusão
195
194
. hn Começou a beber novamente, a usar óculos es-
v0iuçã° s 0 Z Í ,;m revólver e até mesmo a ter os seus pistoleiros
outubro, o delegado regional do trabalho interveio no sindic curos, a Porta' U Antônio Callado chamou Júlio de “ uma mistu-
de També, expulsando a liderança e pondo fim à aventura trot° particulares- bandido” , e “ um anarquista de primeira
kista no Nordeste do Brasil. ' ra de líder político c
Ainda mais bizarra foi a breve mas aventurosa carreira d categoria”-2. f no dia 7 de julho Júlio reuniu os seus
Júlio Santana, líder camponês. Júlio era um pescador e faze^
1>e qUl ntre os camponeses e apoderou-se do sindicato a for-
deiro de 40 anos, da cidade do Cabo. Ele se envolvera com j u seguidores de q de uma luta frenética, com as forças da
lião no movimento das Ligas Camponesas e em pouco tempo ça. Isto mar as de jújio tomando e perdendo o sindicato
ascendera a uma posição de liderança, resultante de sua natural Liga Campon^ dQ lugar tinha um medo horrível de
inteligência, habilidade oratória e personalidade agressiva. No en­
r S os camponeses da Liga. Júlio tinha seu apoio pró-
tanto, Júlio gostava de beber, e seu uso da garrafa revelou um júhoe ajuaü juliãQ sustenta que 0s trotskistas estavam
traço de caráter violento que perturbou sobremaneira seus com­
prl0’ l t l i o para exercer uma influência decisiva no interior. Ou-
panheiros das Ligas. Certo dia, embriagado, ele assustou terri­
r das Ligas Camponesas insiste em que Miguel Arraes es-
velmente a mulher de um funcionário das Ligas. Este, com a ajuda
tr0ahdu nd0 Júlio para combater a influência de Julião. A certa
de três amigos, correu atrás de Júlio com um facão e feriu-o se­
T túlio apareceu em Sirinhaém num jipe oficial do delega-
riamente. Levado a um hospital, lá foi deixado como morto. Vá­
C e íio n a l do trabalho, o representante de Goulart em Peruam-
rios meses mais tarde, numa reunião da Liga, Julião estava
t n Se Arraes estava dando cobertura a Júlio, esse apoio nao
cumprimentando alguns camponeses quando um homem com um
duíou muito. No dia 11 de outubro, a polícia estadual deteve Ju-
grande bigode preto se aproximou dele e disse: “ Julião, não está
lin e prendeu-o na Casa de Detenção do Recife, com base na Lei
me reconhecendo?” Era Júlio, com as marcas de uma rudimen­
He segurança Nacional. Foi uma ironia ter aparecido no mesmo
tar cirurgia plástica. “ Era como se fosse um cadáver voltando
Hia num jornal do Recife um anúncio da criaçao do “ Sindicato
do cemitério” , recordou Julião recentemente.25 Júlio assegurou
Central dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco” ,28 que cla­
que não estava mais bebendo, e pediu para ser aceito novamente
mava pela aliança entre trabalhadores, camponeses e soldados e
no movimento das Ligas Camponesas. Julião consultou outros
denunciava Júlio. Constava, como vice-presidente do novo gru­
funcionários da Liga e eles concordaram em dar mais uma opor­
po o nome de Júlio; e João Alfredo, outro ex-líder das Ligas
tunidade a Júlio.
Camponesas, aparecia como membro do Conselho Consultivo.
Isso resultou num grande erro. Júlio foi trabalhar no muni­
Somente os trotskistas protestaram contra a prisão de Júlio.
cípio de Sirinhaém na parte sul de Pernambuco. No início de 1963,
Depois, então, chegou a referência apropriada. Um estudante
as Ligas Camponesas haviam organizado o sindicato rural de Si­
de Direito com inclinação para 0 drama (e que, talvez, também
rinhaém, aparentemente com o apoio de um dos usineiros do lu­
poderia estar agindo de acordo com os trotskistas) seguiu o te­
gar. Júlio tornou-se um dos funcionários do sindicato e dentro
de pouco tempo começou a sentir que suas qualidades de lide­ nente da polícia que tinha prendido Júlio, capturou-o de surpre­
sa tomou-lhe a metralhadora e o fez desfilar, a ele e a seu
rança não estavam sendo plenamente apreciadas. De acordo com
motorista, pelas ruas da cidade. O tenente conseguiu escapar, e
Julião: “ Esta era uma época em que os usineiros estavam sendo
forçados a pagar o salário mínimo legal. Os camponeses de Siri­ finalmente a polícia prendeu o estudante, que logo se juntou a
nhaém não possuíam qualquer experiência sindical. Eles eram Júlio, aos trotskistas e a Joel Câmara como os únicos presos po­
muito impressionáveis e creditaram a Júlio tudo o que estava acon­ líticos em Pernambuco.
Diante de uma oposição crescente, o padre Crespo, o padre
tecendo. Começaram a olhá-lo como seu salvador. Isto subiu à
cabeça de Júlio. Ele começou a pensar que estava fazendo a re- 197
196
Melo e seus associados do Sorpe conseguiram repelir os esfo f deração Nacional dos
Conhecida c o m o ^ o n ta ^ v Goulart viu na
em curso para tirar a Federação de Sindicatos Rurais do seu Ç°$
trole. Em 18 de novembro de 1963, a Federação determinou u°n S é s estaduais a nive ortante para a manipulação política do
greve contra a indústria açucareira de Pernambuco, diante do f 3 rontag u"1 velCU ° al e estava determinado a manter con-
casso de negociações entre os trabalhadores do açúcar, os usine3' emergente P - a conseguir isso foi a cria-
ros e os senhores de engenho. As Ligas Camponesas e ' trole sobre ela. Um e federações de sindicatos, especial-
comunistas cooperaram, e cerca de 90 por cento dos trabalhado cão de sindicatos de P P Entretanto, o primeiro pre­
res do açúcar do estado abandonaram o seu trabalho. Depois dè mente nas áreas ^ ^ da União de Fazendeiros e Traba-
três dias, a greve chegava ao seu término, já que os usineiros con sidente da Contag do Brasii (ULTAB), que era controlado pelos
cordaram em aumentar o salário mínimo em 80 por cento, pagar lhadores Ag" L va.se de um homem que o Partido tinha apre-
a gratificação anual exigida pela lei e pagar os dias perdidos du­ comumstas. T com j uiião no período inicial, quando os
rante a paralisação. sentado tentando enfraquecer a posição de Juliao co-
Apesar de os líderes da Federação terem obtido grande pres­ comunistas j dos jnteresses dos camponeses.
tígio com a greve, os seus problemas estavam longe de serem re­ m0 porta-voz nac1 ° " ^ , política das convulsões na zona açu-
solvidos. O delegado regional do trabalho anunciou que ia criar A natureza menQS gm parte) uma omissão curiosa no
mais duas “ federações” de trabalhadores rurais em Pernambu­ careira exphcam, P ado para a Sudene. O problema agrá-
co, uma para representar os trabalhadores do agreste e outra pa­ plano diretor de Ce ^ ^ prioridade dentro de qualquer es-
ra incluir os trabalhadores do sertão. Havia uma certa lógica rio certamente • nto Dara a região; entretanto, as propos-
superficial nesta decisão, uma vez que os trabalhadores, em cada
uma das três regiões distintas de Pernambuco, tinham interesses
“tas“Tde Celso A—- distoera
•0iIT,<»nte nolítica do problema agrario,
e problemas diferentes. No entanto, não era esta a razão verda­ a natT o assimforà do âmbúo das atividades da Sudene. Celso
deira existente por trás da proposta do delegado. Os padres con­ colocando-o assi colônias de nordestinos,
trolavam a única Federação existente por causa do seu poder sobre Furlado. X n s dc um rio na p a r,. oes,e da re-
quase todos os sindicatos, no agreste e no sertão. Se estes sindi­ t J o n to ç ã o era uma solução mui,o dispendiosa e qua-
catos fossem colocados em federações separadas, o controle que rn k õ T a ria « r e n ç a na superpopulação da zona açucare,ra.
os padres exerciam sobre a federação restante, que englobaria ape­
nas a zona açucareira, seria muito precário e sujeito a mudan­
ças. E naturalmente a federação da zona açucareira seria a maior
e mais poderosa do estado.
Além disso, existia desacordo, dentro da Federação dos pa­
dres, sobre o problema das relações com os comunistas. O presi­
dente da Federação era um católico de boa-fé da ala esquerda
que favorecia a colaboração com os comunistas, a fim de alcan­ e plantar cana, que então venderíam ao dono d a u s m a .O p
çar objetivos específicos. O padre Crespo sustentava uma posi­ to seria administrado nas bases de uma cooperat‘ • ®entos e
ção rigidamente anticomunista e lutou com sucesso contra toda Brasil deveria fornecer crédito para compra de equipamentos e
tentativa de permitir aos comunistas qualquer influência dentro a missão da Usaid ofereceu a a ju d ad o prograina *
da Federação. '\J T ^
Outra complicação foi a formação, em dezembro, da Con-
199
198
urP a nosição de deixar como está,
iniciais. Apesar da oposição de usineiros e donos de engenho pouco se P°de ^'as condições genocidas no interior do Nor-
cionários, e da crítica hostil por parte dos comunistas a ^ ntava prolonga sofria de várias desvantagens. Ex
rativa de Tiriri foi aberta formalmente em 30 de junho dep)*6* fluetf A abordagem radica tidade das mudanças radicais que
Alguns observadores consideraram ter sido esta a última od de mUmite na natureza Q ^ um contexto regional. A neces-
nidade para o capitalismo na zona açucareira. 113 U J, Ter realizadas dent internacional, exi-
As atividades dos grupos em competição no interior r fl
tiam as várias abordagens filosóficas e ideológicas em relação^
« e U " "
a Também os radicais eram
Jaum * ^ S £^ S “ S f àà competição de ou,ros
S t .adepeo«"d outros grupos que
reforma agrária. Na verdade, estas abordagens receberam u " narucularmente vulnerá íveis e imediatas aos camponeses O
análise geral no Recife em maio de 1963, quando o Instituto j 0aa Sereciam recompensas ta n g .^ ^ ^ dependia, em te da
quim Nabuco de Pesquisas Sociais promoveu um simpósio sobre problema
’ oblema da P O ^ e°strmura
Posiça° ° ra de poder já
já existente, que havtatra-
“ O Problema Agrário na Zona Açucareira de Pernambuco ” » cooperação de uma atitude insensível para com os
Julião, o padre Melo, João Alfredo, um líder camponês da Fe MLonalm ente demonstrado levados a efeito pelos re-
deração dos Sindicatos Rurais, um representante dos donos de càmponeses*Além T „ S s apenas a um número «mirado da
engenhos, vários professores, jornalistas, burocratas e políticos formistas tr0UX^ a™a Xant0 os radicais como os reformistas es-
trocaram idéias e opiniões, num debate notavelmente livre e aber­ população camP° õ ue exigiríam desembolsos maciços de
to. O comandante do IV Exército, general Humberto Castelo
»*»» Pr°mas nenhum dos grupos tinha a menor noçao de como
Branco, presidiu uma das sessões e o governador Miguel Arraes dinheiro, m® uv*
proferiu o discurso de encerramento. obter tal apoio fi"ance" zona açucareira surgia como um obs-
Sob as camadas de retórica, três posições básicas emergiram. A s u p e r p o p u l a ç ã o abordou este problema.
Num dos extremos do espectro, vários donos de engenho e de usi­ táculo definitivo,* * ais pressionavam para obter o sa-
nas estavam convictos de que não existia nada a reformar. Viam À medida que os gratifiCação anual, os do-
como sendo imutável a relação altamente paternalística entre os lário mínimo legal e 0 * êsinas começaram a cortar as despesas
donos de terras e os camponeses, um produto da mentalidade bra­ nos dos engenhos e d ^ suas indústrias. Isto sigmfi-
sileira e do caráter nacional. Para este grupo, qualquer mudança e, em alguns c*s0 ’ trabalho. Ao mesmo tempo, o atrativo
no status quo era um anátema. caria redução daforça conservando no Nordeste campone-
No outro extremo estavam aqueles que sustentavam que a cau­
sa da miséria na zona açucareira tinha sua raiz na forma vigente *ses que, de outra tor , níveis pmuito
- —altos> re8iôes-
aumen-
de distribuição e posse da terra. Isto foi definido pela Comissão ^ T ^ ^ r S - l e proiongou peio ano de .96.
Interamericana de Desenvolvimento Agrícola como um problema
“ de relações entre aqueles que podiam ceder os direitos sobre a ter­ ““T o mesmo tempo, a influência das Ugas Campon^as «nha
ra e aqueles que procuravam terras para cultivar” .51 Para alterar
esta inter-relação, seriam necessárias mudanças radicais na estru­
tura política, econômica e social da região.
Uma posição de centro procurava benefícios tangíveis para
os camponeses dentro do sistema vigente. Isto era essencialmen­
campo e se tornava cada vez mais claro que algum lado tena qu
te uma abordagem reformista que oferecia a considerável atra­
ção de recompensas imediatas mas deixava intacta a estrutura do ceder.
poder na região.
201
200
mar governador deixou os guardiães do status quo
depois d ese J®.. idos de medo. A cartilha dentro de pouco tem-
positivament ^ sendo substituída por um método de alfa-
po tornou-se ya as pessoas a ler os jornais e escrever cartas
betizaçaoqu ^ dg instrução.. ist0 seria “ a Revolução em
DOZE após duayfn prometiam os proponentes do novo método.
40 HnTnm em que estava por trás do método era Paulo Freire,
fpssor ligeiramente calvo e com um tórax levemente abau-
A Revolução em 40 Horas UIT1P nual irradiava entusiasmo e inocência em proporções
lad0, ° Mascido em 1921 no Recife, de uma família de classe
iguJ * ‘ sofrerá uma exposição direta aos rigores da pobreza du-
t í à Grande Depressão, após a morte do seu pai, um policial
ran do A experiência deixara uma marca duradoura na sua
rnnsciência social. Ele se diplomara em Direito, mas achara de-
nteressante o exercício legal da advocacia, voltando-se então para
n estudo da Sociologia e da Educação. Católico praticante e de­
voto levava a sério as doutrinas sociais da Igreja e decidiu fazer
1 o sobre um problema nacional que havia ocupado os discur­
Uma razão pela qual eram tão altos os lances na competição sos dos políticos durante décadas. E lançou um ataque direto con­
pelo controle do movimento trabalhista rural era a possibilidade tra a chocante taxa de analfabetismo no Brasil.
de uma emenda à Constituição brasileira que estendesse aos anal Em 1961, o MCP de Arraes estava indo de vento em popa.
fabetos o direito de voto. A população do Brasil era predomi- Paulo Freire, então professor universitário no Recife, trabalha­
nantemente rural. Se os trabalhadores rurais fossem organizados va com o programa de alfabetização do MCP, mas, ao mesmo
e persuadidos a votar em bloco, poderíam exercer uma influên­ tempo, elaborava o seu próprio método de alfabetização, verda­
cia decisiva nas eleições. Sem dúvida, tal possibilidade explica­ deiramente singular. Em 1962, ele foi nomeado diretor do Servi­
va, em parte, a preocupação do governador Miguel Arraes com ço de Extensão Cultural da Universidade (SEC), entre cujas
os sindicatos rurais. Mas Arraes, demonstrando, com grande coe­ funções constava a educação de adultos. Isto lhe permitiu colo­
rência, uma sensibilidade aguda para o que fosse politicamente car suas teorias em ação.
praticável, reconhecia plenamente os obstáculos que tornavam Apesar de o SEC promover um certo número de pequenas
aquela emenda constitucional quase sem valor algum. Assim sen­ experiências com o Método Paulo Freire, o melhor teste para o
do, ele procurou um caminho alternativo para sua ação. método, o que obteve maior publicidade, veio, surpreendentemen­
Como prefeito do Recife, ele tinha apoiado o trabalho de te, da Aliança para o Progresso. A missão da Usaid, no Recife,
alfabetização do Movimento de Cultura Popular (MCP), um ór­ havia resolvido testar alguns projetos de curto impacto na edu­
gão da prefeitura que atuava ensinando os habitantes adultos dos cação de adultos, um campo de realização fértil e quase intoca­
mocambos a ler e escrever. Já foi mencionada aqui a controvér­ do. Ao mesmo tempo, o acordo sobre educação que a Usaid havia
sia sobre a natureza “ subversiva” da cartilha que o MCP estava assinado com o governador Aluísio Alves, do estado do Rio Gran­
usando. Se a cartilha do MCP tinha enfurecido os conservado­ de do Norte, estava em processo de execução. A Usaid, então,
res, o programa de âmbito estadual que Arraes instituiu pouco resolveu, no início de 1963, lançar um projeto-piloto com o Mé-
202 203
I

todo Paulo Freire, no município de Angicos, no Ínterim h . llfn gesto simpático se Goulart tivesse se comovi-
Teria sido u seu perdão imediato. Mas ele não
Grande do Norte.’ Sendo esta a cidade natal do eov d° Rio
Aluísio Alves, naturalmente ele ficou emusiasmadíssim,fnador d° C01o cíntador permaneceu na cadeia, onde começou a publi­
idéia. 0 coni a
car o seu Pf°P"°^ s e n tim e n ta l resultante do projeto de Angi-
Embora o tempo real utilizado para as aulas, no nroW ,
Angicos, ultrapassasse um pouco as 40 horas, em todos de ° Utr0pnem mesmo um fim agridoce. Uma das senhoras lo-
cos não teve i encarregado do projeto de alfabetização
tros aspectos o Método Paulo Freire cumpriu o prom eti? ° U'
ais dirigm-se
n de discriminação contra
J contra asas nrostitutas
prostitutas da
da cidade.
cidade. “ To-
Usaid financiou o treinamento de 70 professores, os qua ’ A
e acusou-o a dendo a ler” , argumentara ela. Então ele
seguida, utilizaram o Método para ensinar 299 analfabeto^’ 7 °
e escrever. O presidente Goulart veio de Brasília para a s s is H ^ d° T .n rc a n iz a r uma classe especial para as prostitutas. O único
aula final de algumas das classes. ra reS° 7 n n n ív e l para as aulas era a sala de visitas da cadeia. Oito
Uma dessas sessões finais teve lugar na cadeia de Aneicn 10Cnove mulheres vieram para as aulas, realizadas à noitinha. Nao
onde um grupo de prisioneiros estava sendo alfabetizado. Um d ’ houve problema algum até a próxima noite de encontros conju-
les cumpria pena de prisão perpétua por ter cometido um homi­ h a cadeia que infelizmente coincidiu com a noite em que
cídio quando tinha 12 anos. Tornara-se um cantador de certa" g3ISia estava sendo realizada. Quando as esposas dos prisionei-
reputação, tomando conhecimento dos fatos ocorridos e dos boa­ ^ v i r a m as prostitutas, tiraram imediatamente a conclusão ób-
tos da cidade pelos passantes que paravam perto da janela üe sua mas errada, e apresentaram uma queixa vigorosa as autori­
cela, e entretendo, depois, os seus companheiros de cadeia com dades Como resultado, as aulas tiveram que ser canceladas. Uma
versos em que contava as notícias do dia. Durante a última aula das iovens, de 18 anos de idade, mandou uma carta ao governa­
que contava com a presença do presidente Goulart, o cantador dor Aluísio Alves: “ Tenho sido prostituta desde os 12 anos de
levantou a mão. O professor recusou-se a prestar-lhe atenção, mas idade quando descobri a única parte do meu corpo que valia al-
ele continuou abanando a mão. Finalmente Goulart interveio uma coisa. Por um momento, enquanto estava freqüentando a
“ Deixe-o falar.” O cantador levantou-se e falou, com o ritmo classe quase acreditei ter achado uma maneira de me libertar.
e a inflexão característicos do sertanejo do Nordeste. Ele disse Mas agora tudo terminou e eu estou muito triste.” As aulas nun­
que por vários anos tinha cantado seus versos, mas que ali, pela ca recomeçaram. .
primeira vez, iria escrever uma poesia. Pegou um pedaço de giz Apesar do efeito do Método Paulo Freire em projetos-piloto
e escreveu no quadro-negro uma poesia em homenagem a Gou­ tanto em Angicos como em outros locais do Nordeste, apesar do
lart. Ao escrever as palavras, ele recitava os versos com uma voz crescente interesse que educadores do Centro-Sul do Brasil e até
tão trêmula quanto suas mãos, e quando terminou repetiu tudo do exterior demonstravam pelo programa, a Usaid interrompeu
novamente. Depois virou-se para Goulart. seu apoio financeiro em janeiro de 1964.
Senhor presidente — começou ele, recitando um pequeno O Método ensinava somente palavras simples, fonéticas, na
discurso que havia decorado —, durante 27 anos tenho tentado ob­ maioria substantivos, e Paulo Freire não tinha podido desenvol­
ter perdão. Fiz um requerimento ao seu antecessor e ao anteces­ ver mais do que planos rudimentares para continuar a educação
sor dele e nenhum me respondeu. Fiz um requerimento ao senhor do adulto além do estágio de alfabetização. A inadequação de
e nunca recebi resposta. Mas não irei requerer novamente. Agora materiais e de procedimentos complementares explica, em parte,
posso escrever minhas poesias e mandá-las para fora desta cadeia. a decisão da Usaid.
Não sou mais um prisioneiro. Este jovem — disse, apontando pa­ Outro fator também contribuiu para a resolução america­
ra o protessor — ensinou-me a escrever e com isso me libertou. na: o Método tinha se tornado altamente controvertido. Os seus

204 205
• mnderna que ele via a seu redor. Uma
críticos entoavam o coro bastante conhecido de que era “ ç a c u U u r a t e c « l ^ 0qt r e s . a lacuna era a causa do seu
sivo” . De acordo com os seus inimigos mais declarados 0 d ***'
to católico Paulo Freire estava em vias de tornar o r CV°'
“ bolchevista” . rasil
Os críticos estavam certamente corretos quanto ao fato d
t auando os alunos aP de duas letras, os grupos de som
gU1a contendo várias silab dente a um objeto co-
o Método Paulo Freire ser “ subversivo” . A aquisição de direit mapa inham uma palavra corre ^ ^ Enquanto
políticos por um grande número de camponeses recentemente aT
que C° cJja fotografia era ta™ gais. Desse ponto em diante,
fabetizados poderia substancialmente “ subverter” a distribui ã ' mum,cUJ aorendiam as cinco g . USUalmente com
do poder político existente no Brasil. Além disso, a essência d
* -5 £ S ÍS m— a s - P ^ T a U V s eram apre-
Método era confrontar o indivíduo analfabeto com a realidade
de sua privação de direitos, levá-lo a captar a relação existente gr da mesma maneira. Den v’ h e como mUi-
entre a sua pobreza e a sua falta de cidadania e canalizar sua rea t í e s de escrever não a= asU , vogals das
ção diante dessa conscientização, transformando-o numa força N u t r a s que podiam con realizava uma competição
capaz de motivá-lo a alfabetizar-se e a fazer algo para ajudar a i vras-chave. O moderador, ema , longa (em
si mesmo. ^ m v e r quem poderia escrever em c ^ a a pala ^ ^ & palavra
Havia várias etapas para este processo. Primeiro, um grupo
uma horas, os alunos podiam ler
de estudantes visitava a área onde as aulas seriam ministradas e
entrevistava um certo número dos seus habitantes. Esta era a fa­
'e escrever^OO PalavraS/atisfeit0S COm o Método Paulo Freire ar-
se “ romântica” , em que os estudantes coletavam respostas que Os que estavam m ^ concebido mais para incentivar
descreviam as condições locais com uma certa pureza arcaica de
gumentavam Que el®. maSsas sem instrução do que mesmo
expressão. Destas respostas produzidas pelas questões, os entre­ um espeto de rebeldia nas m assas^ ^ da Usaid:
vistadores compilavam uma lista de 12 palavras comumente usa­ para alfabetiza-las Çomo^ ^ alfabeüzaçã0) mas um meio
das e que refletiam o ambiente imediato e ao mesmo tempo “ Não era realmente ® M dQ método era despertar os poli-
continham todas as combinações possíveis de consoantes e vo­ de politizar o povo. O objrt ^ convulsao- U m dos auxilia-
gais freqüentemente repetidas. ticamente apaticos e levá- üentemente, Se tornou amar­
As classes variavam em tamanho, desde os grupos pequenos
res de .nrn òs acomecirnentos no Nordeste, agora
de oito até os de 25 a 30 pessoas. O professor, geralmente um pamente desiludido com o . - (jm a acusaçao pa-
estudante universitário, assumia o papel de moderador da discus­
são. Durante cada uma das oito primeiras sessões, a classe assis­ ralela era que muitos dos qu q govemador Arraes decidiu
tia à projeção de fotografias que mostravam objetos e cenas tização em Pernambuco, d P ^ estad0( eram comums-
conhecidas. O moderador, utilizando o método socrático de ques­ usar o Método em lafga escala manipulando o Meto-
tionar, tentava tornar os alunos conscientes de si mesmos e do tas e extremistas da esquerda que estavam
mundo em que viviam. O objetivo era conseguir que os alunos do para doutrinar seus a ua° s , âQ de que o Método Paulo
alcançassem a conscientização, pela qual o indivíduo se tornava Havia muita verdade na al ? a ficar altamente insa-
criticamente cônscio de sua situação existencial. A motivação ex­ om taria r>« analfabetO S e OS 1 VI — rpc.
plodia quando o analfabeto reconhecia a lacuna existente entre
o seu nível de educação, que o colocava no mesmo nível dos ín­
dios mais primitivos do Brasil, e o nível de conhecimento refleti- 207

206
do método. Se os pobres das zonas urbanas e rurais, toma a tinha a ver com o movimento de alfabeti-
conhecimento do que o homem tem feito e pode fazer ■ 0 . MCP-Mas elC pro de estudantes universitários dentro do
rem que podem melhorar sua condição e que a sociedade d° Um certo numero de e comunistas. Muitos deles
vés de seus processos políticos, não tem direito de passá-los d * **Çr P nertencia a um grupo J J Q Método Paulo Freire
trás, que assim seja. ' ^onsegu'rain sef dCS1S onde os comunistas controlavam o Sindi-
Até que ponto certos grupos estavam utilizando o método C í e a de Palmares, onde os provável que eles
para fins políticos é questionável. A essência do método era fa
zer o aluno pensar criticamente e desse modo humanizá-lo Co &ordenavam
* * o*seu£ & £ °deprPernambuco.
ogramaHdeaçã0d0part1'
mo declarou um dos assistentes de Paulo Freire: “ O Partido d o V ra a zona ^ ^ ^ p r e ir e não era o único programa de alfa-
Comunista não apresenta opções. O Método ensina o camponês P0 Método Paulo época. Q Serviço de Assistem
betizaçâoem^gor n o ^ a s , ^ ^ ^ dQ Norte estava
a fazer sua escolha. Os comunistas ditam as respostas. O Méto­
do diz ao camponês que ele deve se manter um sujeito em vez ,ia R uraU a ^ j jia de alfabetização ativa que utilizava,
de um objeto, e que não deverá permitir que pessoa alguma reti­ fTrí^ndouma camp mas de rádio para alcançar os cam-
re dele o direito de escolha.” 4
Um moderador comunista poderia, naturalmente, usar as au­
las para uma doutrinação política pura, e os seus alunos pode­ Movimeni° u LU V
ríam nunca ter acesso ao método. Além disso, as discussões em piu6‘“-— ... . as técnicas da campanha do Serviço
classe, especialmente durante as oito primeiras sessões, tocavam (MEB), que u ^ * sob a direção da Conferência Nacional
em assuntos políticos, e um moderador hábil poderia abusar do sistência Rural , João Goulart continuou o programa.
seu papel, tentando influenciar o pensamento dos alunos sobre dos Bispos dos B n dQ MEB estavam começando a
política. Nesse sentido, o método estava sujeito à possibilidade Nos fins de 1963, os n« criando quase taj^ c o n tr o v é r-
de uso impróprio. utilizar uma aulo Q seu títui0 era Viver e lutar
Quando Miguel Arraes decidiu lançar uma campanha de al­ sia quanto o M mo- ‘‘É justo que as pessoas vivam
fabetização em todo o estado de Pernambuco com o Método Pau­ necessidade de uma mudança completa no
lo Freire, expandiu o Movimento de Cultura Popular (MCP) para
que este pudesse atuar como um órgão estadual, e deu-lhe juris­
H ò - e n u n t o , o^Método
dição sobre o programa de educação para adultos no estado. O
Serviço de Extensão Cultural (SEC) de Paulo Freire, na universi­ ginação dos educadores por esDalhar-se como uma das
dade, deveria trabalhar com o MCP e treinar pessoas (estudan­ cerro do governo f e d e r r d C u r s o s de trei-
tes universitários, em sua maioria) para serem moderadores den­
tro do Método. Não há qualquer evidência de influência comu­
nista dentro do SEC. Paulo Freire conduzia o seu próprio
S S S S J™ . SgSZZSS
espetáculo, e o seu assistente imediato era um padre católico. Duas (adicionando-os portanto ao eleitorado). A Revolução
pessoas que, dentro do SEC, ensinavam o método aos modera­
Horas” parecia estar ao alcance da mao.
dores do MCP eram consideradas comunistas, mas nada indica
que não tenham executado corretamente seu trabalho.
O principal comunista dentro do MCP era Abelardo da Ho­
ra, um artista do Recife encarregado do Centro de Arte Popular

208 209
mar de rostos morenos, de olhos fixos, pres-
julião ° lh0U ° netácul0 à sua frente. O povo da cidade, par-
tando atençao ao emente do interior, estava atento, mas
te do qual chegado nec£ssária a explosão da claque, obvia-
poucoentusiasmad ^ para acender os aplausos Quase
mente i n f ^ f am roupas surradas, sujas e rasgadas. Na
TREZE todos os Prese"te ês cujos olhos brilhantes refletiam uma into-
frente, um campon ^ tristemente deteriorado, mergulhou
xicação ou ume- que escorreu entre os seus dedos. Am­
A Conta da Catástrofe os pés descalÇ estavam num ângui0 absurdo em relaçao ao pe.
bos os artelho atraVessava o seu rosto. Por trás dele, estava em
Um sorriso to ^ ^ cachimbo pendurado na boca, um
pé outro campo^ os olhos e uma lata de conserva segu-
chapeu velho so ^ ^ ^ U m gm p0decrianças s e entretinha
ra entre os dos oradores.
ÍmÍWr í.mfnação atraía toda espécie de insetos, que desceram
A *«dos campos vizinhos. Os políticos, em sua maioria can-
em massa dos camPa ^ demonstraram completa indiferença
didatos a p ente quando um enorme besouro de cor viva
Numa noite de julho de 1963, um jipe percorria vagarosamente
um labirinto de ruas e becos pavimentados de pedras irregulares Pd0 nu no ombro de um dos candidatos a prefeito houve uma
em Goiana, uma cidade tristonha do nordeste de Pernambuco.1 P°Urde?ensTva do homem junto a ele, que matou o inseto com
O veículo, todo salpicado de lama, havia trafegado pelos sulcos ^alma da mão. O candidato agradeceu o serviço com um cum
e buracos cheios d’água da estrada vinda do Recife, e estava agora nrimènto ligeiro de cabeça, sem tomar conhecimento da grande
tentando localizar uma pequena praça no extremo da cidade. De­
man^uanlío chegou a v e z^ Íju lião falar, o mestre-de-cerimônias,
pois de muitas voltas pelas ruas vazias, o motorista finalmente
fez as manobras necessárias e parou na retaguarda de um comí­ um tavem de aspecto limpo, usando óculos com armaçao escu­
cio político que já estava sendo realizado. ra apresentou-o como “ o homem que poderá salvar o Brasil ,
— Ele acaba de chegar — gritou o locutor, interrompendo- ^ Z l idão aplaudiu devidamente. Mudando o peso do corpo
se no meio de uma sentença quando viu os ocupantes do jipe atra­ de um pé para o outro, o deputado federal começou com uma
vessando a multidão. — Um grande líder latino-americano aca­ explicação de sua presença ali. r • «nda-
ba de chegar. _ No dia 1? de maio, 3.000 camponeses de Goiana anda
O povo começou a aplaudir enquanto Francisco Julião se di­ rama pé até o Recife para um comício. Naquela ocasiao prometí
rigia para um palanque colocado na parte traseira de um grande devolver a visita, e esta é a razão pela qual estou aqui. _
caminhão. Sobre a carroceria, um cordão de lâmpadas ilumina­ Passou, então, para a denúncia já conhecida das condiçoes
va os políticos locais reunidos no palanque. Julião subiu a esca­ existentes no Brasil e declarou a sua falta de fé no processo eta-
da bamba encostada no lado do caminhão, trocou abraços com toral. Ninguém pareceu ter observado quando ele passou discre-
os homens no palanque e assumiu uma atitude de interesse, en­ tamente para um tom ^ ito re iro . 20verno
quanto o orador voltava a seus comentários.
211
210
- até irritavam Julião; parece que ele não havia au-
estas invasões a ^ mesmo nenhumai e eram a causa de
honesto. Vamos colocar no governo homens como os cancTri torizado mUlta é’rsia entre ele e o estudante João Alfredo.
tos presentes aqui esta noite, homens que apoiarão o govern d uma amarga os seus esforços para transferir o mo-
Miguel Arraes. Arraes está fazendo o mais que pode para 01
COnCOmnonês para as cidades estavam sendo infrutíferos,
lhorar as condições de Pernambuco. Ele abriu as portas do p ^ ' vjinento c a m p e ã , numa revista mexicana, que a revolução
cio do governo aos camponeses. Eles agora podem sentar-se
Em 1 .A L demonstrado que a revolução pode ser feita do cam-
poltronas onde antes só os ricos tinham lugar. " cubana es No Brasilj a Revolução também poderá ser
As palavras de Julião receberam uma resposta morna da mui
P° P3ín campo para a cidade...” 2 Apesar de as Ligas terem fra-
tidão. Ele falava igual a todos os outros mascates políticos, bem felta 7 acender uma revolta que se ampliasse para as cida-
longe do agitador social cujo desdém por eleições havia evocado
CaSSar l ão seguiu o que tinha dito em 1962, tentando organizar
visões revolucionárias em muitas mentes na zona rural do Nor­
des.’ J A banas” no Recife e em outras cidades. Um dos seus
deste. “ Ligas assistemes encarregou-se dessas novas Ligas, que nun-
A viagem de volta ao Recife parecia sem fim. Julião estava
pn"C'Pm orande resultado. Outras ligas semelhantemente plane-
com a garganta irritada e falou muito pouco. Um companheiro
“ í tafe como as “ Ligas das Mulheres” , as “ Ligas dos
no banco traseiro do jipe cortava roletes de cana e os distribuía
ja dores” e as “ Ligas dos Estudantes” sofreram o mesmo des-
com os demais passageiros, que mastigavam com vigor, extrain­
PeSCa0 r ganizar na cidade significava competição direta com os
do o caldo doce e cuspindo depois o bagaço.
tin ' nistas que há muito tempo vinham atuando entre os traba­
Ao se aproximarem dos limites da cidade do Recife, saíram
lhadores urbanos. Se Julião já tinha sérios problemas para ad­
da estrada principal e passaram por dentro das poças d’água e
ministrar o movimento rural, seguramente não teria meios para
de lama que tornavam o caminho quase intransitável. Subitamen­
desenvolver as “ Ligas Urbanas .
te, uma massa de objetos em movimento encheu a estrada estrei­ Mesmo assim, estas considerações práticas não impediram
ta na sua frente. O jipe parou de repente e inclinou-se para um
aue Julião e os seus seguidores “ sonhassem alto” . De forma pou­
lado, pois a roda entrara num profundo buraco. Um bando de
co caridosa, pode-se dizer que os seus sonhos não tinham limi­
bois zebus, com suas grandes orelhas pendentes, rodeou rapida­
tes. Em outubro de 1963, eles resolveram amalgamar estes grupos
mente o veículo. Um homem a cavalo entrou no meio deles,
que mal existiam em uma “ Organização Política das Ligas Cam­
tocando-os para fora com um grito lamentoso que parecia não
ponesas do Brasil” , a fim de criar uma frente única para a luta
ser deste mundo. O motorista do jipe permaneceu fiel ao seu há­
revolucionária.3 Este novo órgão político era confessadamente
bito de apagar as luzes toda vez que parava. Todos ficaram sen­
marxista-leninista, apesar de nunca ter sido esclarecido exatamente
tados calmamente, sem perceber que um chifre poderia penetrar
em que diferia ideologicamente do Partido Comunista e dos gru­
a coberta de lona do jipe. Julião, meditativo, olhava para a es­
pos dissidentes maoístas e trotskistas.
curidão. Esse foi também o período em que o casamento de Julião
e Alexina chegou ao ponto de rompimento. Seu liberal arranjo
O movimento da Liga Camponesa não mais apresentava qual­
sexual tinha sobrevivido a muitas dificuldades, mas em fins de
quer semelhança com uma ameaça revolucionária coerente con­
1963 Julião estava vivendo abertamente com uma morena boni­
tra a estrutura do poder na zona açucareira de Pernambuco. A
ta chamada Regina de Castro. Na verdade, em meados de janei­
fortiori, tinha pouca importância nacional. As Ligas podiam ainda
ro de 1964 um jornal do Rio publicou, erradamente, que ele havia
organizar protestos e até mesmo invasões de engenhos, mas es­
casado novamente e estava em lua-de-mel no Rio.4
sas práticas eram mais de natureza a molestar as autoridades e
estavam limitadas à área de Vitória de Santo Antão. Por vezes 213

212
Regina, uma advogada, esposa de um advogado Ho o ■ lemas do homem do campo. Ele os empobreceu
sensível aos Pr° os seus cinco anos de governo. Ele os ma-
tinha trabalhado com Julião desde os tempos do Sudene- violentamente a a sQbre QS cadáveres de centenas de mi-
cional dos Camponeses em 1961. Tendo se apaixona*!?,^0 Na' tou. Brasíha foi ^
permaneceu dentro do movimento, utilizando um an?rtP° rele-
que possuía perto da praia de Ipanema, no Rio O P amento lhares de cãm^ l . ãla[s problemas por causa de sua cautela e
tornou-se o quartel-general das Ligas Camponesas no A/ rf nnlhica consumada. Gozava de sábia identificação com
habilidade P nunca se comprometera, retoricamente ou de
onde Juliao, padre Alípio e outros ficavam durante suaT, S u' a esquerda, ^ com posições que 0 impedissem de traba-
a° Rio. Com o tempo, as pressões começaram a se elevar qualqueroui ^ moderados do espectro nacional.
na obteve uma separação legal do seu marido e manteve a V ,
dia de seus dois filhos. Durante uma das viagens de Alexin. lhaf c?"Ira cauteloso, em parte porque estava sendo constante-
Cuba no fim de 1963, Regina mudou-se para a casa de ? Ú S “ E hRervado por representantes importantes do estamento
mente ods q Exército tjnha o seu quartel-general no
bases mais ou menos permanentes, e dentro de pouco temno r?
cou gravida. po militfapreC° responsável pela segurança do Nordeste. Embora os
£ atividade política de Julião no período de julho e agosto Reclfne Questionassem sua capacidade real de luta em termos de
cínicos d a bélica” 5 diziam alguns) e pessoal (camponeses
de 1963 centralizou-se nas eleições locais para prefeito e verei
dores, realizadas em todo o estado de Pernambuco. No prónnõ mater,!?HnO era o único exército da cidade. Arraes controlava a
Recife, o movimento esquerdista que havia levado Miguel Arraes M ítica do estado, mas não tinha milícia estadual. As Forças Ar-
ao governo tentou instalar na prefeitura um engenheiro Pelóoi P°adas brasileiras durante vários anos haviam desenvolvido uma
das Silveira, integrante da ala esquerda do Partido Socialista Bra~ tradição de manter-se fora dos assuntos civis, exceto para e-
sileiro e que havia sido um prefeito popular do Recife vice- fender a Constituição” . Portanto, quando foram feitos esforços
governador de Pernambuco durante a administração de Cid Sam nara impedir Kubitschek de assumir a presidência, apos sua elei­
paio e secretário dos Transportes de Miguel Arraes. Pelópidas ção em 1955» e para evitar que Goulart lhe sucedesse no mais al­
o gordo “ papai da esquerda” , com estreitas ligações com o Par­ to cargo do país, após a renúncia de Jânio, foi o Exército (ou,
tido Comunista, contava com amplo apoio do cabo-de-guerra co­ Delo menos, elementos poderosos dentro dele) que interveio para
munista Luís Carlos Prestes e até atraiu sua presença num manter os procedimentos constitucionais. Uma vez restauradas
comício. A oposição indicou Lael Sampaio, irmão de Cid. Peló­ a iei e a ordem, as tropas voltavam aos quartéis. No entanto, o
pidas venceu, mas com uma margem de menos de 9.000 votos,5 sistema militar decidia por si só quando a Constituição necessi­
sugerindo que, apesar de seu otimismo crescente, a esquerda ra­ tava ser defendida; assim, a esquerda política tinha de conside­
dical não tinha aumentado sua maioria, mesmo no Recife. En­ rar como o Exército reagiría às abertas tentativas de conseguir
tretanto, os esquerdistas não escondiam seus planos de apoiar mudanças radicais no Brasil.
Miguel Arraes para vice-presidente em 1965 (colocando suas es­ Duas das figuras mais influentes dentro do alto comando ser­
peranças numa chapa encabeçada pelo popular ex-presidente Jus- viríam como comandantes do IV Exército durante os primeiros
celino Kubitschek), e de promover Pelópidas ao palácio do anos da década de 1960. O general Artur da Costa e Silva e o
governo em 1966. Os seus sonhos também não pareciam ter li­ general Humberto Castelo Branco tiveram oportunidade de ob­
mites. servar em primeira mão o nascimento do movimento de traba­
Este cenário ameaçava isolar Julião ainda mais, por causa lhadores rurais no Nordeste e o surgimento das forças populistas
de sua crítica aberta a Kubitschek. “ Juscelino foi o líder que mais que apoiavam Miguel Arraes. Nenhum dos dois generais tinha
traiu o Brasil” , declarou ele certa vez. “ Ele era totalmente in- muita simpatia pela esquerda, e em agosto de 1963 Goulart subs-

214 215
tituiu Castelo Branco por Justino Alves Bastos „ :<.c0 o presidente Goulart estava provando, cada
EnqUanto is para lidar nem com a inflação que
ele acreditava lhe ser leal. Na verdade, as instruçõesfínais
vez mais, nao dQ BrasU nem com as pressões que se cho-
30 a Justino Alves foram: “ Mantenha um olho em a d G° U~ devastava aecon ^ reformas>,„ E k se recnsava a adotar me-
é muito perigoso.” 7 Mas se Goulart p e n sa v a í iT oÍ X *
cuidar dos interesses políticos do presidente iria ver „ la cavam Pr° e Cü as> desde que uma política antiinflacionária
redondamente enganado. ’ Cr que e«ava didas econOI" 1“ neir duramente o bolso dos seus seguidores per-
ortodoxa ma *■ * ^ que 0 apoiava; e obstáculos políticos
A nível nacional, havia alguns altos oficiais do Exército
tencentes a ■cia ^ ^ d e efetuasse reformas estruturais bá-
tinham a reputação de se inclinar para a esquerda. P o h tic o s t'
dicais esforçavam-se ao máximo para cultivá-los Ao mesmo, jnsuper^e^ dantes falM sobre reforma serviam SOmente para
po, segundo se pensava, o elemento revolucionário mais nrnm; sicas. Suas dQS insatisfeitos e torná-lo malquisto pelos
aumentar o da ^ direita estavam ag0ra conspi-
dentro das Forças Armadas eram os sargentos.» Certos elTmen'
tos radicais trabalhavam para politizar estes suboficiais na esr>P conservad • derrubá-lo; os oficiais do Exército esta-
rando ativam ^ „ deveres constitucionais” ; os trabalhadores
rança de que eles não pegariam em armas caso houvesse „ L '
tentativa de golpe militar da ala direita; esperavam também a Z vam discu i mobüizados pela esquerda, viam suas expecta-
eles pudessem se tornar um grupo de pressão política capaz de “ .«"fmsmdas; e grupos, em ambos os extremos do espectro po-
contrabalançar seus superiores hierárquicos mais conservadores qv. falavam em adquirir armas.
Parte desse programa incluía uma proposta para mudar a Cons' llUC°No dia 4 de outubro de 1963, Goulart requereu que o Con-
tituiçao, a fim de remover a cláusula que impedia os soldados lhe outorgasse poder para governar sob estado de sitio du-
de votar. Em várias ocasiões, os protestos de grupos de sargen­ grnte 30 dias Pressentindo que o presidente poderia estar buscando
tos transformaram-se em insubordinação. Uma revolta de subo uma solução autoritária de acordo com o modelo do seu mentor
ficiais da Força Aérea, da Marinha e dos Fuzileiros Navais £ 1 Getúlio Vargas, tanto a direita quanto a esquerda reje.ta-
irrompeu em Brasília no dia 12 de setembro de 1963, mas foi ra ràmveementemente o pedido. No dia 7, Arraes programou um dis­
pidamente esmagada. O corpo de oficiais ficou bastante pertur­ curso para denunciar o requerimento de estado de sitio. Antes de
bado e agora tinha um problema, a disciplina de suas tropas, que pronunciá-lo, chegou ao Recife a notícia de que Goulart tinha re­
os levava a uma opinião ainda mais sombria sobre a esquerda tirado o pedido. Uma vez que já estava com um auditorio a sua
radical. A influência dos poucos oficiais que simpatizavam com disposição, Arraes, de todo modo, fez o discurso. Uma hora de­
a esquerda ficou enfraquecida, e certos oficiais começaram a pen­ pois tropas e tanques do IV Exército apareceram no centro da ci­
sar que dentro de pouco tempo poderia ser necessário defender dade e cercaram o palácio do governo." O general Justino Alves
a Constituição. Bastos anunciou que eram apenas “ manobras” . Mais tarde foi re­
Desde que Arraes não possuía força militar à sua disposi­ velado que uma das primeiras coisas que Goulart havia planejado
ção, seu único caminho para o poder estava no processo demo­ realizar sob o estado de sítio era remover do cargo tanto o gover­
crático e na adesão estrita à Constituição, com a qual ele nador Miguel Arraes como, no Sul, Carlos Lacerda, governador
constantemente reiterava um firme compromisso. De acordo com militantemente conservador do estado da Guanabara. Aparente­
o jornalista Antônio Callado, Pernambuco era “ o estado mais mente o presidente perdera o sangue-frio.
democrático da U n i ã o . O quanto isto ajudaria o governador Enquanto isso, no interior continuava, acelerada, a compe­
em sua aspiração a um posto nacional era outra questão. Muitas tição pelo controle dos sindicatos rurais. Em novembro, a Fede­
figuras políticas no Centro-Sul olhavam-no como provinciano de­ ração de Sindicatos Rurais realizou uma greve bem-sucedida, que
mais, ou cauteloso demais, para o seu gosto. envolveu a maior parte dos trabalhadores da zona açucareira.

216 217
n Furtado não fora caP
o-» ítp recusar o pedido de Gou-
de mjnistro do Plane-
Mas, como já foi salientado, a Federação e os padres catór CelS° ^ s u m i s s e o 1962, ele trabalhara
que a apoiavam estavam sob pressão constante da esquerda nM lart para ^ 0 ^ n0 Trienal para a economia
cal. No início de 1964, greves e invasões de terra ainda estav iament°- ~ para formular um ^ Redfe durante um pe-
perturbando a tranqüilidade dos canaviais. Em meados de ia ^ h e ro ic a ^ fo £ abaiho mante^ do a Sudene estava começando
ro, segundo as reportagens, 10 camponeses foram mortos e m brasileira- ^ formaÇao, Q enfrentar 0 crescimento da mts-
feridos numa usina da Paraíba, numa luta entre a polícia esta ríodo Cr r e tendo também os esforços para por
dual e um grande grupo de manifestantes supostamente perten*
centes às Ligas Cam ponesas.12 Um sargento usou umà S tfS fiS S S S E - o-
metralhadora durante a luta, em que também perderam a vida
vários policiais. As autoridades culparam Julião, que havia visi­
tado a área dias antes da explosão de violência. 0
Durante os meses de janeiro e fevereiro, os camponeses per­
tencentes à Ligas de Julião ocuparam um engenho em Vitória de
Santo Antão. O dono o havia abandonado em abril de 1963, mas
agora o queria de volta. Os camponeses que tinham ocupado o
engenho recusaram-se a sair. O governador Miguel Arraes fez mes­
mo um apelo pessoal, prometendo comida, abrigo e emprego
àqueles que saíssem. Alguns concordaram em aceitar o ofereci­
mento e foram transportados para o local do Parque de Exposi­
ção do Estado. Finalmente, em 3 de março, o órgão federal
^ sS E S r££t
encarregado da reforma agrária desapropriou o engenho.
Em meados de março, Clodomir Moraes emergiu de uma ca­
deia da Guanabara e retornou a Pernambuco. Ele reassumiu seu
trabalho com as Ligas Camponesas e foi para Vitória de Santo
Antão. Em 25 de março, explicou, em uma entrevista a um jor­ investimento estrangeiro atr da tendência esquerdista do
nal do Recife, que as Ligas se opunham às invasões de terras e administração Kennedy,des^ f cer 0 extremamente necessá-
acusou os proprietários de provocarem invasões para que alguns governo Goulart, recusou-se faltaram a Goulart
órgãos estaduais ou federais desapropriassem a terra por um preço
inflacionado. O que as Ligas desejavam, insistia Clodomir, era
“ o confisco puro e simples” .13
O crescente tumulto nos fins de 1963 e início de 1964 torna­ o°esforço de&Celso Furtado para salvar a economia brasi
va extremamente difícil para a Sudene a realização do seu traba­ ca teve oportunidade de mais ou menos em tempo m-
lho. Alguns dos problemas encontrados pela Superintendência do Quando retornou ao Nordest , enlre a sua Supenn-
Desenvolvimento poderíam ser debitados às ausências freqüen- regral, Celso Furtado encontrou as ^ diss0> por causa
tes de Celso Furtado no Nordeste. Realmente, durante todo este tendência e a Usaid em ni*“ s subordinados haviam c° n*tru‘‘
período ele morava apenas temporariamente num pequeno apar­ de sua ausência, alguns d da en0rme burocracia da Sudene.
tamento perto da praia, no Recife, mantendo sua residência per­ do pequenos impérios dentro
manente no Rio de Janeiro. 219

218
, ♦ „ma certa percentagem dos impostos
tir no Nordeste um as lavraSi a empresa po­
Isso tornava difícil tomar de maneira flexível e efetiva qual
deria inve 0verno federal. jmp0stos e investi-lo no Nor-
medida contra os variados problemas de desenvolvimento^1*^ devidos ao ê heir0 destinado ao P ,ano semelhante
As relações entre Arraes e Celso Furtado durante este d
do eram enigmáticas. O próprio Celso Furtado não se identif * * P - H » “ E E Ü S S . ao Norte para o Sul.
cou com o movimento de Arraes; no entanto ele deve te * * % - * > » I,ília P ? autoridade para aprovar ou desapro-
reconhecido que as reformas estruturais que procurava atingir com 5 S S V .3 S de— , o s aures oue esta tsençao
a Sudene exigiam o tipo de apoio político que poderia ser mais
var Pr°iet°* funcionasse. cautelosamente com tal pro-
bem atendido por uma força política nacionalista de esquerda
d£ 11S s tia m razões válidas para^g^ ^ ideológica a qual-
Por sua vez, Arraes se uniu com o resto da esquerda para denun
a Certa oposição a e e parlido Comunista no Recife
ciar o Plano Trienal de Celso Furtado; mas, dentro de sua linha ^T solução capitalista. O omal ^ ^ ^ de fora
de inata reserva política, o governador mantinha, em todos os
sentidos, uma atitude apropriada para com o diretor da Sudene qU^cava de forma esPec1^ d da esquerda não gostaram de
Arraes não parecia ter qualquer idéia profunda própria sobre as Cr reeião.'5 A'Suns nacl° dincentivos fiscais de modo a per-
negócios no Centro-
necessidades econômicas do Nordeste. Seu plano predileto, a pro­ um Pnne companhias nao-bras exoandindo assim sua
moção de pequenas indústrias “ caseiras” por todo o estado, nun­
ca progrediu além das conversações iniciais e não podia competir
Penetração na econorn dominada pelos comunistas trans-
com as prescrições de Celso Furtado para o desenvolvimento de Puma organização traba h i^ a d o ™ para 0 ReCife e
toda a região. Um funcionário da Sudene caracterizou a relação
dos dois como sendo do tipo “ amor e ódio” , com Celso Furtado portou de da Sudene, numa tentativa de impe-
mandou-os cercar o p * discuüria a conveniência ou nao de se
perturbado com o que considerava lapsos ocasionais de demago­
gia por parte de Arraes, e Arraes periodicamente desencantado dir uma reunião on eiras obtivessem a vantagem dos
com o frio intelectualismo de Celso Furtado.
Nos fins de 1963 e início de 1964, Celso Furtado achava-se
sob pressão crescente dos elementos esquerdistas dentro da Su­
dene. Os funcionários da autarquia estavam organizados em sin­
dicato; conseguiram entrar em greve e fechar a Sudene em várias a mamfestaçao segu1^ dores de Pernambuco tentaram resis
Os elementos conservadores a e ^ convulsionando 0 es-
ocasiões. Parecia que a agitação dos trabalhadores, que estava tú acrescente onda de grev ram ao fechamento de
se tornando bastante comum no Recife e no interior, havia se es­
tado. No micio de fe^ reir anos anteS( havia promovido
palhado dentro da própria repartição governamental.
empresas,17 uma arma que se Agora, com as posi-
Mais graves foram os esforços para barrar a aplicação, pela
com sucesso as ambições nroDrietários de terra, industriais
Sudene, de um programa de incentivos fiscais destinado a atrair
ções políticas polarizadas, os P P ameaça da esquerda. Arraes
capital para o Nordeste. Um ponto-chave do plano diretor de Cel­
e comerciantes se uniram c de “ Operação Terror”
so Furtado para o Nordeste era procurar industrializar a região, denominou o esforço dos ç o n * ™ d o « um te Pegrama de 28 de
numa tentativa de utilizar a mão-de-obra que era um subprodu­ e denundou-a ao pres,dente Goularttem un“ 0 o u ,art>
to da superpopulação e do desemprego. Se novos empregos pu­ fevereiro.18 Se Arraes realmen e P . [ia do presidente
dessem ser criados, os empregados, com o recém-adquirido poder
de compra, exigiríam bens e serviços, que, por seu turno, cria­
riam empregos adicionais. De acordo com a lei, uma empresa po- 221
220
c r* ele exigiu proteção de um grande
charam as portas. Arraes, deixado à sua própria sorte por c
lart, conseguiu de certa forma resolver a disputa trabalhista °U' que foi apedreiada ^
havia dado início à controvérsia, e o fechamento das e m n r ^
durou apenas um dia. O incidente serviu para aumentar ainH
mais a considerável popularidade de que o governador já gozav *
Enquanto isso, a “ Revolução em 40 Horas” foi empurrad 4 •£ £ £ £ foi Aprop
para o fundo do quadro. O Método de Paulo Freire ainda não um esfum a sexta' f5'r oreanização do comício foi feita pelos sin-
havia passado da porta de entrada. Os programas rápidos, qUe te’ \ maior parte da 8 ,QS comunistas. Cartazes cia-
deveríam tornar milhares de camponeses alfabetizados, ainda não dicatos « * £ £ £ £ £ » » Comunista CTam ^
haviam começado. O Método exigia tempo para tornar os cam
poneses conscientes de suas necessidades, mas os acontecimen­ ma?anue na platéia. 3o se apresentaram no palan-
d£S o s líderes esquerdistas d Ç do federal e cunhado
tos em Pernambuco e no resto do Brasil estavam se processando . com Goulart- Leonel B m oia o P violent0, claman-
depressa demais. Os líderes dentro da Secretaria de Educação do
Estado, do MCP e do SEC de Paulo Freire não podiam chegar S ^ “ rdlS,,-d0r S S ^ e T t a criação de uma Assem-
a um acordo sobre o que fazer. O próprio Paulo Freire era poli­ * pela i « olufa0rd“ fã” M ando com grande emoção, que por
bléia Constituinte. Goulart- promulgou e assinou
ticamente ingênuo e não sabia lidar com o que estava acontecen­
do a seu redor. (Em certo momento, um de seus associados * « chegara ás . ^ ^ “ oípmsidenciais: um, nacionaton-
informou o consulado americano de que ele se filiara ao Partido com grande n” el° d* d“ «culares, rodas pertencentes a brast-
Comunista por “ razões oportunísticas” , mas esta informação d0 refinariasde pet Piando terras localizadas dentro de uma
nunca foi corroborada.) Além do mais, problemas técnicos esta­ leiros; e outroi . ^ a ™ torno de estradas federais, ferrovias,
faixa de dez quilômetros em econsideradas“ SUbutilizadas .
vam retardando a administração do programa. Havia uma séria barragens e projetos de'm gaç . (uturas ^ m ta r da [eforma
falta de recursos e de pessoal treinado. Paulo Freire, que tinha
em vista utilizar o seu Método em toda a América Latina e até S á r t f “d T r e C a tr i b u tá r ia e da extensão do voto aos analfa-
mesmo na África, não conseguiu fazê-lo funcionar realmente se­ Z e às F orçy A ™ adaa. sensação. N Re.
quer no Brasil.
o comício de 13 de ‘ ç um cabeçalho com letras
Cada vez mais a ebulição crescente no Nordeste refletia o
cife, um jornal de esquer f de Morte nas Grandes Pro-
tumulto que estava tomando conta do país. O presidente Gou­ maiúsculas proclamando o GO P uma vez que 0 pro­
lart parecia estar se inclinando para a esquerda, numa tentativa priedades” .21 Era muito barulho p o n » ^ das ^ junt0 às
de acabar com o impasse político que o impedia de resolver os
blema agrário do Brasil ia a l e , M assim, a esquerda
problemas econômicos e sociais que estavam rapidamente alcan­ estradas, às ferrovias e as barrage . jado Goulart
çando dimensões de crise.
No Centro-Sul, os conservadores estavam tomando medidas
militantes em sua oposição ao presidente e aos políticos que o
— um80lpe
apoiavam. Organizações de mulheres católicas interrompiam reu­ d' C o n s e r v a d o r e s t i n h a m T Í h
niões políticas da esquerda.19 Em várias ocasiões o seu alvo era br. um golpe desde que Goulart a u aUos „ r,.
Miguel Arraes. Em fevereiro, numa entrevista televisionada em
São Paulo, ele teve de entrar pelos fundos do prédio, para evitar
um grupo que estava à sua espera para atacá-lo. Depois, durante
223
222
Constituição” e agora estavam considerando planos específjc
para tal ação. O comício do 13 de março possibilitou à direi
da conspiração viria embrulhada numa bandeira
ta montar uma campanha de “ pânico” de tais proporções q^. qUe nascesse
500 mil pessoas fizeram uma manifestação contra Goulart nas ru^
arne^ ; uael Arraes voltou do Rio para o Recife cinco dias após
de São Paulo no dia 19 de março. Grupos de católicos conserva.
'cio sendo saudado nos cabeçalhos dos jornais como quem
dores organizaram a marcha, que tinha um cunho inegavelmente
anticomunista. Ainda mais significativo foi o fato de que os ma. ° C-vera prestes a lançar uma “ Corrida para as Reformas” . Não
eSt'ressava, pelo menos à imprensa, que os decretos presidenciais
nifestantes, em sua maioria, eram da classe média, uma indica­
int^nados no comício de 13 de março não dessem quaisquer po-
ção de que agora a burguesia se mostrava totalmente assustada
íteres novos aos governos estaduais. A euforia estava na ordem
com o que o presidente estava fazendo. Outras manifestações fo.
do dia. A esquerda exalava confiança. O líder de uma Liga Cam­
ram planejadas.
ponesa relembrou: “ Nos fins de março um dos comunistas me
Ao mesmo tempo, os conspiradores estavam recebendo for.
disse: ‘Nós vamos tomar o poder’, e eu respondí: ‘Com quê?’,
te encorajamento de Washington. A nova administração vinha
mas ele não escutou. Acreditava que o determinismo histórico es­
realizando uma abordagem mais “ pragmática em relação à Amé­
tava prestes a deixar cair o Brasil no seu colo.”
rica Latina. Em março de 1964, Thomas C. Mann, secretário-as- Os conservadores não falavam muito. Estavam muito ocu­
sistente para Assuntos Interamericanos no governo do presidente
pados juntando armas.27 Cid Sampaio liderava os conspiradores
Johnson, anunciou que os Estados Unidos não mais se oporiam
de Pernambuco e permanecia em contato com os do Centro-Sul.
automaticamente à derrubada das democracias latinas.22 Charles
Um dos seus cunhados se encarregou das estações de rádio. Um
Bartlett, um colunista político com fama de ter excelentes conta­
chefe político proprietário de terras estava comprando em São
tos em Washington, confidenciou a seus leitores que essa mudança
Paulo metralhadoras tchecas que eram embaladas de uma ma­
de tática tinha por objetivo encorajar os militares brasileiros a neira inocente e transportadas para o Recife em ônibus comer­
se movimentarem contra Goulart.23 Um oficial do Exército dos
ciais Cinco ou seis homens da Federação das Indústrias de
Estados Unidos, ligado à embaixada do Rio, tinha relações ex­ Pernambuco, uma organização de homens de negócios domina­
tremamente próximas com o alto comando brasileiro. De acordo da por Cid Sampaio, estavam tomando lições, durante os fins de
com o professor Thomas Skidmore, em sua excelente história Po-
semana, num engenho perto do Recife, sobre como usar armas.
lítica no Brasil, o embaixador Lincoln Gordon tinha total conhe­ Seu instrutor era um oficial pertencente à Associação Estadual
cimento da crescente conspiração.24 Na verdade, o embaixador de Senhores de Engenhos, e eles guardavam as armas em suas
cancelou uma viagem ao Nordeste, programada para o fim de residências.
março, a fim de poder permanecer no Rio durante aquele mo­ É curioso que, enquanto tudo isso estava acontecendo, o go­
mento crucial.25 A embaixada assegurou aos conspiradores que vernador consultava os seus auxiliares sobre o instável clima po­
os Estados Unidos lhes dariam cobertura. Isto significava que o lítico. Arraes, cauteloso como sempre, não estava muito exube­
regime que substituísse Goulart poderia contar com uma subs­ rante. Sua preocupação era que Goulart fizesse um jogo pelo po­
tancial assistência americana. De acordo com um respeitado jor­ der que resultasse em sua expulsão do governo. Ele continuava
nal de São Paulo, a embaixada chegou a oferecer armas, se fosse a se apoiar no processo democrático.
necessário.26 J
A conspiração não foi concebida em Washington, como al­ de m ^al na n°Üe de 29 de març0 a sorte foi Iançada. Um grupo
guns brasileiros depois disseram. Os acontecimentos de fevereiro sn^r inheir° nhavia efetuad0 um Protesto Violento contra os seus
super,ores no R,o, no dia 26 de março. Goulart, que havia per-
e março, no entanto, indicaram claramente que qualquer coisa
Sllia a°nUd ° EXerCK° Sufocasse a revolta dos sargentos em Bra­
de setembro, desta vez tomou o partido dos manifes-
224
225
r
tantes. Nessa noite fatal ele fez um discurso pela televisão
qual virtualmente fechou os olhos à quebra da disciplina mii,n°
pelos sargentos. “ Foi uma decisão quase igual a um suicídio* **
lítico” , escreveu o professor Skidmore.28 Na madrugada de tn
de março, um general, no estado-chave de Minas Gerais, deu °
dem para suas tropas marcharem sobre o Rio. As coisas não ti'
nham sido planejadas exatamente desta maneira, mas
conspiração agora tinha se transformado numa insurreição
Durante dois dias, Goulart e seus aliados da esquerda tenta­ Q UARTA parte
ram reunir suas forças para defender o governo. Um grupo tra­
balhista e comunista convocou uma greve geral, O trabalho
continuou como sempre. Goulart mandou tropas para intercep­
tar a coluna rebelde. Elas pareciam não poder encontrar o inimigo
No Recife, durante os dias 30 e 31 de março, sentia-se a con­
fusão reinante e até mesmo uma sensação de paralisia. Algumas
notícias filtravam-se do Centro-Sul, mas ninguém parecia saber
o que estava acontecendo ou o que fazer. Uma organização tra­
balhista controlada pelos comunistas publicou, no jornal, anún­
cios que conclamavam à união de todos os trabalhadores em face
da reação e denunciava os “ inimigos do progresso e da emanci­
pação nacional” .29
Na noite de 31 de março, Miguel Arraes’escreveu um mani­
festo em nome dos governadores dos estados nordestinos, expres­
sando sua “ serena confiança na pacificação fsic] da família
brasileira” , e sua “ determinação em preservar seus legítimos di­
reitos.” 30 Ele também deu, por si mesmo, a seguinte declaração:
“ O Estado está calmo e a nossa posição é a de apoiar a legalida­
de, os princípios democráticos, as liberdades individuais e as prer­
rogativas do presidente da República.” 31
O prefeito Pelópidas Silveira deu uma declaração de que per­
manecia, “ como sempre, a favor da liberdade” .32

226 ■l- •»

QUATORZE

O Golpe Militar

Celso Furtado participava de uma sessão do Conselho Con­


sultivo da Aliança para o Progresso em Washington e não estava
totalmente a par do que acontecia no Brasil. Ele regressou ao Re­
cife no dia 31 de março, em cima da hora da crise.1Ao voltar,
uma das primeiras coisas que fez foi dar à imprensa uma decla­
ração na qual expressava a necessidade de reformular o impulso
da Aliança, pois os grupos da Aliança que detinham o poder na
América Latina não tinham qualquer intenção de renunciar ao
que ele denominou “ constelação de privilégios” .2 As implicações
deste pronunciamento iriam cair sobre ele de uma forma total­
mente inesperada.
Mesmo após um telefonema para Brasília e uma visita no­
turna ao palácio do governo, o diretor da Sudene não conseguiu
descobrir se Goulart fora capaz de subjugar a insurreição. Algu­
mas horas de sono em seu apartamento o reanimaram, e às sete
horas da manhã ele se dirigiu novamente ao centro da cidade pa­
ra ver Arraes.
Exceto pelos obstáculos costumeiros apresentados pelo trá­
fego matutino, o acesso à cidade ainda estava livre. Ao passar
pela praça da República, parque espaçoso que separa o palácio

229
, Celso Furtado, inteiramente confuso com
do governo do restante do centro do Recife, Celso Furtado
0 .e le f ^ C do gê"™>. « “ " Vida<i0 “ " r a , m '
observar como era solitária e excessivamente vulnerável a P^ e
construção — colocada numa extremidade delicadamente ene ^ os d0 Bf f , l 0câo militar, encabeçada pelo almi-
da do bairro de Santo Antão e debruçada sobre o rio C a n íh * depois, uma de ega« baseadas „0 Recife, vtst-
be, que, ali, se enrola num arco de 180 graus, misturando-se 1 t comandava as força5 começou a fazer-lhe certas
ranteoQg0vernador Miguel A § pedisse a renúncia de Gou-
as águas túrgidas do rio Beberibe, desembocando ambos no m°m
Miguel Arraes estava andando de lá para cá, fumando f t0U ° Í a s . Eles queriam qu SegUrança Pública (o funcio-
riosamente um Marlboro, e num estado de espírito obviame I S f dem>tisse 0aSedefazer cumprir a lei) e prometesse não usar
agitado, quando Celso Furtado chegou ao seu gabinete. Ele re^6 lio encarregado de fa evidente que estavamfor-
na ?- * rontra o Exercito. Logo Arraes Ouando Celso Fur-
tou ao diretor, minuciosamente, o que estava acontecendo até
aquele minuto. Começara a ouvir rumores de que o IV Exército 3 ndo indnetamente a p a l á c i o e foi informado do que estava
estava ocupando partes de Pernambuco. Um oficial do Exército Sdo dseob“ amen°te compreendeu que o general Justino A -
tinha estado ali pouco antes para lhe perguntar qual seria sua rea­
ção se as tropas cercassem o palácio. O governador respondera S ”b S " s o eslivcrac S T u n a d o compreendeu a extensão do
que absolutamente não havia razão para tal manobra, uma vez Somente dep0is • momentos da conspiração, Justino
que o estado estava calmo; que ele já havia comunicado ao gene­ engano- Desde os prime anti.Gouiart; na realidade,
ral Justino Alves Bastos seu intento e esperança de impedir que /çlves tinha se alia nQ Nordeste foi o primeiro dos oficiais
o Nordeste fosse arrastado para o conflito que parecia estar ocor­ o homem do presl COmandos militares do Brasil a expres-
rendo no Centro-Sul; que havia tomado medidas para prevenir comandantes dos ^ Isto tinha dado consideravelcon-
sar seu apoio aos conspi em Pernambuco. Os es-
a ocorrência de greves no Recife; e que já dera ordens à polícia
estadual para cooperar integralmente com o Exército. Ele tinha fiança a Cid Sa^ pai° e demasiad’amente ocupados para ave-
dado ao oficial uma cópia do manifesto dos governadores do Nor­ querdistas, 5up^ ^ f;ap0siça0 dos militares, tinham permaneci-
deste, dizendo-lhe que a entregasse ao general Justino Alves. Mas riguar com cu,dad0nfa P° ados sobre a decisão do general.
Arraes ainda estava apreensivo quanto ao que o general iria fa­ d0 totalmente desin os militares tinham tido
zer. Ele pediu a Celso Furtado para fazer uma visita a Justino Tarde da informações de que um
Alves e sondar quais eram suas intenções. um susto serio quan mUnições estava para atracar nas do-
navio carregado de armas írio de Moraes, o principal
O quartel-general do IV Exército estava localizado conve­ cas particulares do senador o . E r m ^ ^ ^ Fora
nientemente no vizinho bairro da Boa Vista, do outro lado do apoio fmance.ro de Arraes ^ cafga de mercuno
rio Capibaribe. Em poucos minutos Celso Furtado foi admitido
um alarme falso. O navio car g um ofl.
à presença do general Justino Alves Bastos. Oficial de carreira, Durante a maior parte da manha do d » b ®
baixo, de tez escura, Justino Alves era conhecido pelo agudo senso
ciai militar fez proclamações « 8 governo estadual
de oportunismo que compensava seus limites intelectuais. (Seguin­
aos ouvintes que o Rec.fe t I a nortnalida-
do o costume bem brasileiro de fazer gracejo com todas as pes­ e o IV Exército estavam coopemndo para man ^ ^
soas que ocupam cargos públicos, seus detratores gostavam de'
de; justamente para poder pr d d Pernambuco. Ao
parodiar seu nome, chamando-o de “ Justino cheio de bosta” .)
— Goulart deverá renunciar ou mudar o seu Gabinete — in­ dera o em consulta cons-
formou o general a Celso Furtado. — O que ele deve fazer é co­
locar gente séria como você no seu governo.
231
230
raçao. Unidades do Exército estavam se dirigindo às nvt k, mon o funcionário graduado presente na Su-
retona de alguns sindicatos de trabalhadores onde noHi da di' ,as armas” - Naí" ’ nvidou-o a dar uma busca em tantos es-
perada certa resistência ao golpe. As tropas tornaram $eres' dene nad“ela ^ T s e ia s s e . Wandenkolk e seus homens reviraram
cidade, porque Arraes, em sua ânsia de evitar um c o n f l i ? 13 da critóriosduant°* as não acharam qualquer arma. Com os olhos
dado ordens a policia estadual para que se mantivesse n ° ’ tlnha Ho o prédm, ma g rossas dos seus óculos, a saliva
téis. Isto criava apenas um problema real: achar um nrem ,qUar' lemicerrad0S POrfo da boca, o vereador chamou Nailton de “ co-
ra a deposição do governador, que, teimosamente se 1
a unica coisa que lhe restava - a legalidade de
Pa' -S S Í Í S -n * » « >*• Lo*°depois NaíU°"
munista e s ,ornen*e tratou de se esconder.
Naquele dia, de manhã cedo, dois ardentes seguidores «I a SÚU, * ve,erano da rebdião de 1935, pode ler sen-
raes se encontravam na rua de um dos bairros modestos Ha i* ' 0reg S o nostálgico que impeliu Wandenkolk a agit.
tido 0 mesmo imp erad0 sacrificável por seUs superiores do
se med,a do Recife. Um deles tinha estado tentando, sem snce' ^
ouvir pelo rádio alguma notícia da insurreição no C e n tro ? ,° ’ Ou pode ter si talvez estivesse sendo simplesmente im-
Acho que teremos problemas aqui — disse baixinho*1' Partid° C°nmeUaualquer forma, na manhã do dia 1? Gregório co-
Juliao trara seus camponeses para a cidade. Será que d e v Pm prudente. De J q 2 com seis balas, sob seu cinturão, pulou
tentar conseguir algumas armas? eni0s locou um rev ^ do Recife em direção a Palmares,
- Deveriamos ter pensado nisto há muito tempo - resnn„ dentro de um IP Q escritório da Usaid estava trabalhando
deu seu amigo com um tom de amargura na voz. - Quamo N? ‘nte Algumas funcionárias foram mandadas para casa
normalmente. A g manha> mas iogo depois um oficial
u íao esta em Brasília, e mesmo que estivesse aqui não ajudariÜ
em nada. Os camponeses não lutarão. Não há nada a fazer J dUrante .nciou ^ ío rádio que o IV Exército tinha aderido à “ re-
ml!,wra" e que tropas estavam agora cercando o palacio do go- & $
Go°ulanerar' N° SSa ÚnÍCa CSperança é que 0111 Exército fique com n De um dos prédios ocupados pela missão, podiam ser vistos
Sediado no Rio Grande do Sul, estado natal do presidente ,eIdoTinstalando metralhadoras perto da ponte que leva ao pa-
o Exercito tinha interferido num momento crucial para asse’ ” “ 1 wve,„o. Os americanos deram um suspiro de alivio, pois Xo*
nreocupados com a possibilidade de violência, como re-
8UT oaiG£U ^ 3 SUCeSSã0’ depois da renúncia de Jânio Quadros
em 1961. Estado mais meridional da União, o Rio Grande do Sul eSímdo de uma cisão dentro do Exército. No consulado, do ou­
estava longe, muito longe de Pernambuco. tro lado do rio, não existiam tais preocupações. Cid Sampaio e
Nailton Santos, o chefe da Divisão de Recursos Humanos seus conjurados de Pernambuco tinham mantido os funcionários
da Sudene nao tinha ilusões sobre o III Exército. A primeira coi­ consulares dos Estados Unidos informados dos seus planos des­
sa que ele fez naquela manhã foi passar no seu escritório no pré­ de o início da conspiração.
dio da Sudene e limpar suas gavetas.’ O som de altas vozes no Tropas e tanques apareceram em massa nas ruas do Recife
corredor interrompeu-o. Ele saiu do escritório a tempo de se con- durante a tarde. Às 14:00, um grupo de estudantes universitários
rontar com um vereador de rosto avermelhado, Wandenkolk se reuniu nos degraus da faculdade de Engenharia.; O presidente
Wanderley, rodeado por um grupo agressivo. Wandenkolk era da União de Estudantes de Pernambuco fez um discurso ped
um dos maiores direitistas militantes do Recife, apresentando cre­ do calma e ponderando que qualquer mamfestaçao seria inútil.
denciais impecáveis para isso sob a forma de um ferimento que As cabeças mais quentes prevaleceram, e uma multidão iniciou
recebera como oficial militar lutando contra o levante comunista uma passeata em direção ao centro da cidade. Quando chegaram
de 19:35 em Pernambuco. Ele havia organizado um grupo de vi­ à praça da Independência e tentaram dobrar a rua que conduz
gilância e estava agora exigindo que a Sudene “ entregasse todas *• i' «rt.iamo manifestantes toDâram tâcc

232 233
a face com uma linha de soldados, com fuzis e baionetas em .. _ aue os meios legais poderíam trazer mudanças
sição de combate. Os estudantes começaram a cantar “ Ar- ^°* r0 foi acred lt,e radicais no Brasil. Mas tinha inteligência sufi-
sufi-
verdadeirameni
verdadeira» taf esse erro, recorrendo
aumentar recorrendo à
a força>
tor nur si-
numa
Ar-raes” e a importunar os soldados, que atiraram para o ar
gritos, mais tiroteio, porém desta vez as tropas atiraram na n,915 ciente p a r a inimig0S claramente o superavam em número.
tuaçâoem du müitar entrou n0
tidão, que rapidamente se dispersou. Dois estudantes ficaram in
tos na sarjeta. Foi quase uma cópia em papel carbono de _________ Desta vez: não foi feita ne-
A D Toortavam metralhadoras.
d0shom ensporta^^ fQ. presQ e> às 2
fflenSê2 apol\da! Arraes foi preso e, às 20:00, conduzido
confronto entre estudantes e soldados em 1945, durante uma
de manifestação contra a ditadura de Vargas. Naquela ocasiào' S T c T d o «iiflcio.
um estudante, Demócrito de Souza Filho, foi morto. Tornou ’ .J af ci tta
Par a _Í0X&A a dd oo no
no palácio
1 durante toda a tarde, Celso Furta-
um mártir, e seu nome ainda hoje é lembrado. Desta vez, a ma TCIld nnsciente de que o fim tinha chegado quando a ulti-
d0 estava coi &escadaria. Saiu sem qualquer problema e
nifestação foi considerada de maneira geral uma loucura. Os dois
estudantes assassinados foram esquecidos há muito tempo. ma delegaç Um oficiai acenou para ele sair do carro,
entrou no s ordens de levar todos os que estavam no palá-
Enquanto isso, Miguel Arraes almoçava no palácio com
membros de sua família e de sua equipe. Os militares rebelados dizendo quauartel-general do IV Exército. O diretor da Sudene
e seus companheiros civis ainda não sabiam exatamente o que fa. cio para 0 q . de que era exatamente para lá que estava
zer com ele. No mesmo dia, à tarde, uma delegação de oficiais ÍDf mo° ofidaH e' uma continência e Celso Furtado saiu.
retornou ao palácio, agora completamente cercado pelas tropas Índ° rid Sampaio e alguns dos seus companheiros de conspira-
Um deles informou Arraes de que ele havia sido afastado do go­ - Iavam negociando com o general Justino Alves Bastos quan-
verno. 5o S iso Furtado chegou. O general foi cortês porém firme com
— O senhor está livre para ir aonde quiser — acrescentou.
O governador consultou sua equipe. O consenso era que seria pe­ elC' _ Você não nos ajudou em nada. O governador nos tem
rigoso sair, visto que até então os militares eram responsáveis por causado muitos problemas. .
ele; uma vez porém fora do palácio, ele se arriscaria a ser ferido Celso Furtado disse a Justino que fecharia a Sudene e aguar­
ou mesmo morto. Arraes respondeu à delegação: daria o desenrolar dos acontecimentos. Deixou o quartel sem ser
— Não concordo em ser deposto. Recebi meu mandato do
povo e só ele poderá tirá-lo de mim. Permanecerei aqui, com mi­ deUdEnquanto isso, na Assembléia Legislativa os deputados es­
nha família. — Vendo sua armadilha rejeitada, os oficiais enco­ taduais estavam debatendo sobre o que fazer quanto a Arraes,
lheram os ombros e partiram. que se recusara a renunciar formalmente. Um cordão de tropas
Alguns dos seguidores mais zelosos de Arraes criticam-no rodeou o prédio, dando um ar de urgência às deliberações. Uma
agora por não ter ido para o interior do Estado, num carro equi­ solução engenhosa para o impasse foi finalmente encontrada. As
pado com rádio e com tantos policiais fiéis quantos pudesse mo­ 23:30, enquanto Miguel Arraes era mantido prisioneiro numa de­
bilizar. Assim, argumentam, ele poderia ter iniciado uma pendência militar na cidade, uma maioria do Legislativo estadual,
resistência ao golpe, resistência que teria obtido amplo apoio por após um debate formal, votou de cara dura (45 a 17 votos, com
todo o Nordeste. Com a vantagem de uma visão posterior, não uma abstenção) por sua remoção do governo, porque ele agora
se pode fugir à conclusão de que tal ação teria sido um suicídio. estava impedido de exercer as funções do seu ofício. O vice-
Arraes nunca pretendeu ser um revolucionário. Sempre tinha si­ governador Paulo Guerra, um dos maiores criadores de gado de
do a favor da legalidade, da democracia e da Constituição. Não Pernambuco, assumiu então o mais alto posto do estado. De acor­
era um líder militar. Até o fim, defendeu seus princípios. Seu er- do com a descrição feita por um repórter brasileiro: “ Paulo Guer-

234
ra passou pela peneira militar e, sendo reconhecido com
mem sério, foi considerado capaz de assumir o govern^- v"1h°-
galidade havia triunfado. ' A le_
Enquanto isto, o presidente João Goulart estava exn •
tando o mesmo sabor dos estranhos aspectos legais nn r niner>-
manhã do dia I? de abril, ele saiu, por via aérea, do S ' N» q u in z e
neiro para Brasília, onde não encontrou qualquer apoio 6 ^
cativo contra a insurreição. Naquela noite, seguiu n a r a T ^
Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul Logo h n° Conseqüências
o presidente do Senado brasileiro anunciou que a presddên^15’
República estava vaga, e Ranieri Mazzilli, presidente da Câ '3 ^
dos Deputados e o seguinte na linha de sucessão c o n s t i t u S ?
toi empossado como presidente em exercício. a’
Doze horas depois, enquanto Goulart ainda estava no R
sil, esses atos solenes receberam a sanção final. Lyndon John/3
enviou a Mazzilli uma mensagem, transmitindo seus “ mais calo"
rosos votos por sua posse como presidente” ,4 e expressando 3h
miraçao pelo “ resoluto desejo de que a comunidade brasileira
resolva suas dificuldades dentro da estrutura da democracia cons rgFGÓRio BEZERRA quase não chega a Palmares.- A policia ha-
titucional” . Incapaz de persuadir o III Exército a arriscar uma ^ n iz a d o vários bloqueios na estrada, mas por alguma ra-
guerra civil, Goulart fugiu para o Uruguai no dia 4 de abril vIa S e i i t o u que aquele duro sexagenário de rosto avermelhado
fia s s e . Quando, finalmente, ele chegou à cidade onde tinha ob-
Assim, um movimento que começara no final da década de 1950 fido tão notável êxito como organizador comunista do sindicato
e que estava ameaçando alterar o equilíbrio entre o poder político rural, elementos da polícia estadual e do IV Exército o prende­
e o econômico no estado mais importante do Nordeste do Brasil ram imediatamente.
desmoronou no curso de um único dia como um castelo de cartas! Felizmente para Gregório, a polícia estadual assumiu a res­
Apoiada na cuidadosa preparação de um grupo de conspiradores ponsabilidade por sua segurança. Os oficiais do Exército, em Pal
civis, a força militar prevaleceu, num golpe súbito e aparentemente mares, queriam matá-lo na hora. Os militares não tinham es­
facil. As massas, que supostamente apoiavam Arraes, não levan­ quecido que, em 1935, quando era sargento do Exército, Gregó­
taram um dedo para ajudá-lo. Após a confusão inicial no Recife rio desempenhara um papel de destaque na revolta comunista no
durante horas incertas da manhã e no começo da tarde, não hou­ Recife e matara um tenente. Chegava a hora de acertar as con­
ve virtualmente qualquer resistência à tomada do poder. tas. Alguns soldados levaram o ex-deputado federal para uma usi­
Isto marcou o início de um tempo de grande angústia para na próxima e o teriam eliminado se não fossem os protestos da
a esquerda. Os novos administradores teriam que justificar suas polícia.
ações. A culpa teria que ser lançada sobre aqueles grupos e indi­ Assim, Gregório foi trazido de volta ao Recife. Aí sua sorte
víduos que haviam “ provocado” o golpe militar, o qual, agora, piorou. Ele caiu nas garras do tenente-coronel Darcy Villocq Via­
em vista do seu sucesso, tinha sido transformado em “ revolução” . na, cujo espírito vingativo submeteu o físico robusto de Gregó­
A ventania do revide ia começar a varrer o Nordeste do Brasil. rio a uma prova severa. Inicialmente o coronel e seus homens

236 237
o burguesa e calma desde que
bateram nele com canos de ferro. Um médico que tentou int o rn ara tinha levado um ^ dQ Recife> em dezembro de
rir recebeu, por sua intromissão, um soco no queixo. Deno' 6l*e' J°el < * | o da Casa d itQ de suas experiências no cam-
piram o velho, deixando-o de cuecas. O coronel Villocq y- fora llb ã0 ser porum rC * ente sua vida anterior como revo-
estava possesso de fúria vingativa e macabra. Deu ordem a **** ' ^ ♦ nha renegado C°®P curs0 de Direit0 e estava atualmente
homens para amarrar uma corda em torno do pescoço de Gr ^ p° ’ nário; terminara o uma firma comercial na cidade do
rio e exibi-lo, assim, pelas ruas do Recife. h»cl° ndo trabalho leg p tenente um sargento e quatro sol-
A procissão hedionda só fez foi embrulhar o estômago h % dia 2 ^ bnl: “ t S - ° tenente tinha uma metra-
circunstantes: alguns tiveram que virar a cabeça, e duas mulh°S r a T t ^ ^ T i r a o escritório onde Joel estava
res desmaiaram. Os soldados ficaram batendo em Gregório*' dad°Sl foram, de jip ’ , . mentee depois mandaram
insultando-o com gritos de “ Comunista” e “ Traidor” , o espe* ^ S n d ó . F “ te r a m a ' Uaas m £ f £ T L a . As pessoas que
táculo atingiu o clímax quando o coronel ordenou que passai traba í toel que saísse com as ™ , P do 0 jovem magro e
sem em frente da sua própria casa, com a idéia, talvez, de que S Í a m por Pert0 [S o n d ad o por essa surpreendente mostra de
a família que esfola unida permanece unida. Sua esposa, obser­ lesai das
vando aquela paródia macabra da procissão da Semana da Pai­
xão, caiu em prantos e implorou-lhe que parasse. Gregório, num S à patrulha e f(j m ^ p i s ^ u 45 dias num cubículo dimi-
último gesto de desafio, conseguiu forças para gritar: Sfrer maus-tratos fisie^ m P.bmdade de a polícia revistar sua
— Eis aqui como é a civilização cristã do Ocidente! — Sem nuto. Pre0CUPí aualquer documento que pudesse incriminá-lo,
se comover, o coronel mandou que seus homens continuassem. casa em busca de qua q manuscritQ de suas memónas.
Era difícil imaginar que uma pessoa da idade de Gregório seu pai queimou o um ttrevoiução” , o Exército e a poli-
conseguisse sobreviver a tal provação. Na verdade, começou a Nos primeiros dias apos estadual) aprisiona-
circular um história de que Gregório havia caído morto com um d . («ora sob o controle do no™ ^ que puderam
ataque cardíaco. Um jornal recifense chamou isto de “ boato co­ ram todos ° s bde. f MS aes foi preso numa cidade do interior.
munista” ,2 tarde demais para evitar que um correspondente encontrar.1 Clodorm ,, fQi trazido para o Recife, es-
americano incluísse a notícia num despacho para Nova York. A Assis Lemos, detido na A ’polícia invadiuMaria
o engenho Gali-a
pancadoe colocado na pnsao.^01 Celeste>
revista Time subseqüentemente relatou a morte de Gregório,5de
uma maneira bastante exagerada. léia, em Vitória de Ligas Camponesas nas ínva-
O coronel Villocq Viana entregou o homem sob sua guarda professora que vinha hderan onde estava 0 gerador
a uma das prisões do Recife, mas o comunista de cabeça branca sões de terras. Descobriram t modesta oferta americana co-
estava em condições tão precárias que o oficial-comandante da de Ted Kennedy, e utilizaram fnrnecer energia a um trans-
cadeia não o aceitou. Assim, levaram Gregório a um hospital e m0 “evidência” de uma tram a o interior.
roissor de rádio que emitiría nwnsagenssubversrv^p^or sj_
finalmente deram-lhe algum tratamento médico. Ele foi devolvi­
do à prisão, onde conseguiu reabilitar-se fazendo exercícios físi­ (A explicação dadajrel^,S!!?K ennedy” não conseguiu quebrar
cos, juntamente com um padre católico que também tinha sido do um presente do presidente segurança Pública or-
o gelo da polícia.5) O novo secretario de Scsun g todQ
preso depois do golpe e agora estava compartilhando sua cela.
Permaneceu ali durante cinco anos e finalmente foi levado para denou que todas as Llgas ^ amJ ° J m ã o de Julião, Dequinho,
o seu matenal ■apreend • ^ ^ Jardim , mas fi.
o México, em setembro de 1969, como um dos presos políticos
libertados em troca do embaixador americano no Brasil, Burke
Elbrick, que havia sido seqüestrado.
239
238
notável a escapar do desastre foi Maria Ceciles, a ex-“ o nrpstes a cassar um certo número de
ria” de Julião. A polícia, por alguma razão, queria pegá-i^*6^ ' ovo govern0 estaV aneceu no edifício e chegou a fazer
do o custo, e revistou todos os recantos possíveis, numa h3 t0" que o eS. Julião perman q d& câm ara. Quando esta-
sem sucesso. DUSc* I ParlJaseseusrar°sdiscarS um contingente de policiais, do la-
O próprio Julião tinha um destino especial à sua es umd'„ to parasair’ ob 1Im dos seus colegas estava com um
Conseguiu evitar a indignidade de uma prisão imediata au ^ * Ç fota, * !UVfereáeu para levá-lo. Ele d e s ta » para dentro
nada, como um caso de justiça poética. Sua carreira no Nord"30 d 0 à porta e se ser nojado pela policia.
chegou ao fim, de uma forma adequada ao seu papel de fi te ^ crxo conseguindo” » arçou.se com roupas rasgadas co-
central de uma revolução que nunca houve. ~ “ d° C * » ,atde’ 1 « m o Í a d o para designar os nordestino,
Por ocasião do golpe, ele e Regina estavam vivendo juntos _0 m ca"d m í°:, . m região à procura de trabalho. Despediu-
em Brasília. Alexina tinha viajado para Havana no começo d' ^ bres que deixam Horizonte num caminhão cheio de
março, a fim de assistir ao casamento de sua filha mais velha com ^de Regina e saiu P Deixando Brasília, estava abrindo mao da
um estudante equatoriano, também revolucionário. No final de candangos f nU1” ocurar asilo político numa das embaixadas es-
março, Julião esteve no Recife por alguns dias, devendo regres oportunidadede p Mas> na0 abandonando aind.
sar a Brasília para passar os feriados da Semana Santa com Re
gina, que se encontrava em adiantado estado de gravidez. Logo
espc— ’ .. rpse refugiar-se nu.» nin&uém P6™*'
cedo, na manhã de 26 de março, um amigo íntimo levou-o ao Dois dias depois, o governo decretou a cassa-
aeroporto dos Guararapes para o que seria o seu último vôo à
capital como deputado federal. O assunto principal de sua con­ ç ã o ^ sen mandato. ^ chegou à capital do estado
versa foi a próxima visita de um jornalista alemão que havia es­ Na tarde do dia ^ ^ gfande triunfo no Congresso N a­
crito uma história sensacional na revista Stern sobre a tortura dos de Minas Gerais, Perambulando pelas ruas,
camponeses pelos donos de terras do Nordeste. cional de CamponeS^ J iocelebrando a vitória da “ revolução
Cintilantes arranha-céus, cuidadosamente alinhados no barro deC r o l s e commaCmultidão. Depois, foi descansar numa pen-
vermelho de um planalto deserto aparentemente sem fim, proje­
tam um isolamento esplêndido, que se tornou a marca de Brasí­ odisséiu. Ele saiu
lia. As grandes distâncias que separam a nova capital dos centros de Bel^ H m ^ont^ voltando o^du^ção^B rasilm p^,
populosos da nação deveríam aliviar as pressões sobre os funcio­
nários do governo e permitir que tomassem decisões numa atmos­ te de táxi, até a cida estado, fez uma parada preesta-
fera repousante, se bem que um pouco rarefeita. Durante todo pouco habitados. No in ramoonesa onde passou al-
o golpe, Brasília permaneceu tranqüila. Havia um tom surrealis­ belecida no casebre de uma Que
ta na rápida visita de Goulart no dia 1? de abril e na posse subse- guns dias. Ali encontrou se desaparecimento
qüente do presidente em exercício — eventos desempenhados lhe trouxe uma notícia trágica. I g & W t a ™ . ^ a notí.
contra um pano de fundo ultramoderno, diante de uma audiên­ de Brasília, um repórter do eci ’ ouvindo o noti­
cia de que ele fora morto. Seu pai, de 86 anos, ouvina
cia modesta engolida por espaços parados e vazios.
Convencido de sua imunidade contra detenção, um dos pri­ ciário, caíra morto com o choque. ambiente na-
vilégios de um deputado federal, Julião continuou a comparecer Julião escapou do pesar mergulha engenho.
a reuniões na Câmara dos Deputados. Mas no dia 7 de abril, ao » « « a rlornada,
* * com eçou
"
Ao continuar a _____ ir m n n
entrar na Câmara para a sessão da tarde, um amigo o avisou de

240 241
notável a escapar do desastre foi Maria Cedles, a ex---o»„ • « a nrestes a cassar um certo número de
ria” de
----- — Julião. *A * rpolícia,
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recantos possíveis, que 0 n tares. Julião Pe recinto da Câmara. Quando esta-
sem sucesso. usca parl^ seseus rarosdis c - vou ^ contingente de policiais, do la-
O próprio Julião tinha um destino especial à sua es Uin rontoparasair’ npra Um dos seus colegas estava com um
Conseguiu evitar a indignidade de uma prisão imediata a u T j v/ PL fora, à sua e sp er^ levá.lo. Ele deslizou para dentro
nada, como um caso de justiça poética. Sua carreira no Nord Í0
» à Porta e SC°ndo não ser notado pela polícia,
chegou ao fim, de uma forma adequada ao seu papel de fi te f l r r o , c o n s e g u i^ " disfarçou_se com roupas rasgadas co-
central de uma revolução que nunca houve. d° £ q u e la tarde, J q designar os nordestinos
Por ocasião do golpe, ele e Regina estavam vivendo junto ^ candango, o term , rocura de trabalho. Despediu-
em Brasília. Alexina tinha viajado para Havana no começo d' ®°bres que deixam sua r e g ^ num caminhão cheio de
março, a fim de assistir ao casamento de sua filha mais velha com S e Regina e ^ D e i x a n d o Brasília, estava abrindo mao da
um estudante equatoriano, também revolucionário. No final de Sndangos genuínos. político numa das embaixadas es-
março, Julião esteve no Recife por alguns dias, devendo regres Í t u ^ d a d e de P J W J » abandonando ainda toda a
sar a Brasília para passar os feriados da Semana Santa com Re S e i r a s aü um plano engenhoso para despistar
gina, que se encontrava em adiantado estado de gravidez. Logo esperança, ele: havi ^ ^ num lugar 0nde ninguém pensa-
cedo, na manhã de 26 de março, um amigo íntimo levou-o ao s e u s ^ g m d o j0 ^ depois, 0 governo decretou a cassa-
aeroporto dos Guararapes para o que seria o seu último vôo à
capital como deputado federal. O assunto principal de sua con­ çã o ^ se u m a n ^ o - ele cheg0u à capital do estado
versa foi a próxima visita de um jornalista alemão que havia es­ Na tarde do dia de triunfo no Congresso Na­
crito uma história sensacional na revista Stern sobre a tortura dos de Minas Gerais, o 1961_ p erambulando pelas ruas,
camponeses pelos donos de terras do Nordeste. cional de Ca^ P° comício celebrando a vitória da “ revolução
Cintilantes arranha-céus, cuidadosamente alinhados no barro ^ r o r S t i d ã o . Depois, foi descansar numa pen-
vermelho de um planalto deserto aparentemente sem fim, proje­
tam um isolamento esplêndido, que se tornou a marca de Brasí­ io , ondeeSeuidf ^ e g o r a T a r t^ d if íd U r s u a odisséia. Ele saiu
lia. As grandes distâncias que separam a nova capital dos centros
populosos da nação deveríam aliviar as pressões sobre os funcio­ de Bdo S b o n t t ' p T lu ^ e s
nários do governo e permitir que tomassem decisões numa atmos­ te de táxi, até a cida . estado fez uma parada preesta-
fera repousante, se bem que um pouco rarefeita. Durante todo pouco habitados. No interi cairmonesa onde passou al-
o golpe, Brasília permaneceu tranqüila. Havia um tom surrealis­ belecida no casebre de uma ^ P e rn a m b u c o que
ta na rápida visita de Goulart no dia 1? de abril e na posse subse- guns dias. Ali encontrou se desaparecimento
qüente do presidente em exercício — eventos desempenhados lhe trouxe uma notícia trágica. Logo^apósseu ia &^
contra um pano de fundo ultramoderno, diante de uma audiên­ de Brasflia, um repórter do Recife espalha , P
cia modesta engolida por espaços parados e vazios. cia de que ele fora morto. Seu pai, de 86 anos, ouvina
Convencido de sua imunidade contra detenção, um dos pri­ ciário, caíra morto com o choque- seu ambiente na-
vilégios de um deputado federal, Julião continuou a comparecer Julião escapou do pesar mergulh . engenho,
a reuniões na Câmara dos Deputados. Mas no dia 7 de abril, ao tural, o que lhe trouxe de volta toda a sua
entrar na Câmara para a sessão da tarde, um amigo o avisou de Ao continuar a jornada, começou * * ,a Irmão

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tava sendo enterrado vivo. A enxaqueca pas-
Juazeiro, ou de alguma história ainda não escrita sohrp „ nensou due estaV® • muit0 forte. Antes astro da ím-
no interior. 1(1a ia numa luta solitária pela
No princípio de maio, chegou ao Distrito Federal E SOUnsainternaCÍOnal'n movimento das Ligas Camponesas esma-
de retornar a Brasília, foi diretamente para um engenho nu ^ prSevivência- c ° m 0 ex-deputado compreendia plenamente
municípios satélites de Brasília. Regina já havia feito os arr • S ó até o e s j i u ^ se ^ m o d a r i a nem um pouco se ele morres-
para a sua chegada e tinha alugado o engenho para ele. Ele a-nj°s l,,e o Exércú0 n a , confinamento.
era o “ sr. Antônio” , agora um pedreiro, vestido com rouna. a í no transcurso do se ^ na câm ara dos Deputa-
camponês e com uma pequena barba. Durante o dia ele fazia ** Enquanto isso, pereira da Silva, um pintor de paredes
viços de pedreiro na construção de uma pequena casa. De ncT * £ £ 3 1 126 votos nas eleições de 1962.
costumava ler a Bíblia para os camponeses, seus companheiros
No dia 2 de junho recebeu a notícia de que dois dias ant qUC ^ “ revolução” foram difíceis para todo
Regina tinha dado à luz uma menina. Mal teve tempo para feste As primeirassema” rural em Pernambuco. Alguns latifun-
jar. Na manhã seguinte, com um denso nevoeiro cobrindo o en fmovimento sinal de que “ os bons e velhos tem-
genho, uma patrulha da polícia invadiu o casebre que ele estava diários viam o g lP deram 0 troco ad hoc aos camponeses
compartilhando com alguns camponeses. Ele protestou que era pos” «nham voltado ^ aüvidades dos sindicat0s rurais ou
apenas o sr. Antônio, um simples camponês, mas os seus dentes que tinham senhores feudais e seus pistolei-
e os seus pés o denunciaram. Os dentes eram bem cuidados e S I J C S Í K Í Í S » formas mais sutis de humilhação
os pés muito macios.7
A caminhada de volta a Brasília foi longa. Seus captores e tortura. renórter do Washington Post, visitou a
ficharam-no e em seguida entregaram-no à imprensa para entre­ Dan Kurzman, ^ mandou de volta um apanhado da
vistas e fotografias. Depois destes atos preliminares, levaram-no te a logo d e p c * d o g jp dos americanos no Recife, os
a uma prisão militar, onde foi relativamente bem tratado duran­ situaçao - para gra 0 “ revolucionário” estava
, «ai, insistiam em ,ue o no,° governo ^ estar
te uma estada de três semanas.
Em 24 de junho, dia da festa de São João, Francisco Julião atuando admtra.elmente bem e que relatos crfti-
retornou ao Recife. Este era o dia em que sua família tinha o cos­ melhores. O ^ „„s Estados Unidos. Fi-
tume de se reunir no engenho; uma de suas irmãs preparava as « danteT l v Erfrcito pôs fim a essas barbaridades. Entretanto,
comidas tradicionais da festa. Mas neste São João ele não cele­
braria a festa em Bom Jardim. Chegou à cidade num avião da « W - * * * tinham
Força Aérea e foi entregue ao IV Exército. ^ 0% t “ n ó r S r t tinha aprovado e que a administração
Levaram-no imediatamente para uma cadeia na vizinha ci­
dade de Olinda, e de sua cela ele podia ver, a distância, as fo­ ■" T a m o S ^ r g o l p e . o novo secretário de Seguran­
gueiras de São João. Naquela noite, sofreu um ataque agudo de ça Pública de Pernambuco determinou as diretnzes p arao s
enxaqueca, a doença que o afligia há muitos anos. Suportá-la sem vidores encarregados da execução da lete que m ^
medicação era apenas um começo. De manhã cedo uma patrulha o movimento trabalhista rural.' A essencta do seu pronun. m
de soldados chegou para transferi-lo para um local mais apro­ mento era que os direitos dos camponeses devenam ser respe
priado. Conduziram-no por um longo corredor escuro, bateram- do, e que os sindicatos rurais legiumos nao deve iam ser
lhe várias vezes nas costas com um cassetete, e jogaram-no no ? .. ... ____ ,.„i^ fatn Hn movimento traba-
chão de cimento de uma cela, pequena como um túmulo. Inicial-
243
242
a , a ordem. Mas nos dias que se segui-
„ . “t f * " * t S v ^ i c o M r indicações dc que des,a ve,
Ihista rural passou para as mãos do único no qual o Exércit
lo golpe era P r diferentes.
fiava — o padre Melo.10 0 c°n- rraie
^ a°^ ^cd ei roi a m
n aseri *jlf^
, ose^c he fes
e f emilitares
s-, que haviam execu-
Sua desavença com Miguel Arraes nos fins de 1%3 . as co** P naCional, o marechal Hum-
ser a melhor coisa que poderia acontecer ao jovem padre d ^ 4 T * ^ ,hera” m s f p S m e . S e u s colegas civis
bo. Quando ocorreu o golpe, ele já era bem conhecido Public ^ tad° 0 gaStelo Branco, pa*a ^ outra aiternativa, do-
mente como um firme adversário do governador; p0rta a' bert° 5L.m e O Congresso, q Branco deveria servir du-
quando o Exército estava à procura de alguém que lhe diss °’ aC t r a > i n couMaSadae“ de Goulart (atõ 1965) e depois disso
o que fazer com o movimento trabalhista rural, a escolha ^ n resto do mandato oc; retornaria às maos dos
recaiu sobre o padre Melo. Por certo tempo, ele se tornou 8 Políticos entendiam que ^^P ^ afirmações de altos oficiais mi-
ditador não oficial, dirigindo o Exército e a polícia para intervjí
virtualmente em todos os sindicatos rurais e nomeando diretores 0105 p Eles decidiram mm
indicando que agora comp
às Forças Armadas limpar
irrevogavelmente no cami-
novos para substituir os líderes que havia removido. S t i c a brasileira e a sugestão de que elemen-
Enquanto isso, o padre Crespo se achava em situação difí nhodamodermzaç _ müitares sentiam que o destino do pai
cil. Graças a algumas renúncias ocorridas em tempo, o novo re t0S importantes entr ado aQS civis, e que agora era dever
gime não interveio na Federação estadual, mas na histeria que
se seguiu ao golpe começaram a aparecer nos jornais artigos cri­ deSenVOlVCr ° P° tenCÍal ^
ticando o padre pela sua “ colaboração” com os comunistas." S há m u i - c * ^ ^ ^ posse de Castdo b ço os
Padre Crespo, como se descobriu, tinha enviado um telegrama Além disto, d chamado eufemisticamente de Pri­
a João Goulart expressando seu apoio às tímidas medidas de re­ m ares publicaram q decreto que dava amplos poderes
forma agrária que o presidente havia decretado no agora infame S m Mo O mais significativo desses poderes
comício de 13 de março. a0 novo chefe do Exerc ^ sumariamente os direitos po-
autorizavaopresiden e a P dez anos. Ist0 significava
Finalmente a tempestade passou, e o padre Crespo perma­
neceu no seu cargo no Sorpe. Uma razão para sua sobrevivência líticos de qualquer bras1^ “ cassação” , como tal processo
foi o fato de os americanos não estarem dispostos a permitir que , «qualquer cargo no governo e
o seu padre favorito fosse expurgado. Alguém da missão da Usaid era chamado. ” P jra lista contmha alguns dos nomes
se comunicou com um advogado que tinha ligações com os ofi­ nem mesmo vot . assim como algumas gran-
óbllos_ G o u la n , A r r a e ^ n „ Kllbitschek e o « -
ciais do IV Exército e insistiu fortemente para que o padre fosse
poupado.12 Seis meses mais tarde, o padre Crespo participou de des surpresas. 0 (»-Presl°* „ tavam incluídos. Nenhum des-
um acordo aberto, firmado pelo Sorpe com a Liga Cooperativa presidente Jânio Quadros ne “ subversivo” , por mais
es dois homens poderia ser considerado subv rs ^ ^
(CLUSA), e que possibilitava à CIA, sob a cobertura da CLU-
SA, carrear fundos diretamente para o movimento cooperativis-
ta no Nordeste do Brasil.
Com a queda do governo de Arraes, os velhos políticos que
representavam a estrutura tradicional do poder em Pernambuco
acharam que preencheríam o vácuo e controlariam o estado co­
mo haviam feito na era pré-Arraes. Quando começou o movi­
mento contra Goulart, não havia razão para que eles acreditassem
que as Forças Armadas não voltariam aos quartéis, uma vez pas- 245

244
■ -e.icas O governador nomeou Marco An-
sidente Castelo Branco poderia determinar “ cassações” „„ridad« K,eSf “ etário do Trabalho. Um jornal rea-
de junho. Nos dois meses seguintes tornou-se um passatem^ altaS \ a c i e ' com° Sevia ciei de “ um soldado da democracia .
cional procurar nomes de cassados nas listas publica ]P° na' tô"'0 0u Marco Macie acordo com a lei estadual,
jornais. as no$ ! (««* CS e ^ d a universidade, era jovem demars
Em Pernambuco, uma manifestação imediata da pree • S ó ^ M o lc ie l. recem' sa d • ,in a lei exigia que os secretários
cia militar ocorreu quando Cid Sampaio tentou colher al* ' ! MarC° r parte do se?r* a" de idade; desse modo, o governador
recompensa pelos seus esforços anti-Arraes. Cid tinha sido*114 Para pelo menos 25 tr0 secretário do Trabalho.
dos primeiros a apoiar a conspiração, tanto a nível estadual ^ tÍV£í Guerra teve de e n c o n ^ pidas Silveira foi detido e le-
to a nível nacional. Ele achava que estava agora na fila para113*1' PaU Ko dia 2 de abril, o prefe Pdente estabelecido pela As-
_ „orieia. Seguindo P . d « ,ife deliberou
nomeação importante, e olhava ambiciosamente para a S u d ^
O controle do órgão de desenvolvimento regional certamente ^ rnbléia LegislaUVd’ ~ ^0 votos contra 1. “ Eu nao tennu —
mentaria o seu status de um dos maiores industriais do Nord31*' destituir Pelópidas P ^ ^ vereadores cornentou depois,
te. Existia, porém, um obstáculo enorme às suas ambições (j pessoalmente, con ^ socialista-comumsta solto por a .
dos principais conspiradores militares tinha sido o general Cor “mas imediatamente a^olícia deti-
deiro de Farias, o ex-governador de Pernambuco a quem Cid ti
nha atacado vigorosamente durante sua própria ascensão ao
veram todas as pesso q órios dando conta do seu rude
governo. No momento, Cordeiro de Farias era uma pessoa-chave
por trás dos bastidores e exercia grande influência sobre o alto .ao de “ subversivo . espalharam-se rapidamente através de
comando. Ele também tinha boa memória. E não apenas vetou desempenho nessa tar ex-marido de Regina de Castro,
todo o estado.16Por foi’ visitar seus dois filhos, logoatf S
a nomeação de Cid para qualquer cargo, como também amea­
çou processá-lo ou submetê-lo a uma “ cassação” , por ter aceita­ um advogado da crianças estavam na casa de Ju
o golpe, infehzmente pa a d e , ^ ^ ^ foi detido quan-
do apoio do Partido Comunista durante a campanha eleitoral para
governador, em 1958. Assim, Cid não teve oportunidade de sa­ lião, que a P°licia ® seus colegas da Sudene, por coincidência
borear o sucesso da “ revolução” , pois estava muito ocupado em do tentou entrar- Um também detido pelo Exército, que des­
de ascendência c h m e , carw escrita em cantones. Ele
neutralizar a ira do general.
cobriu estar ele de posse d captores pudessem
Apesar de terem prometido “ limpar completamente o qua­
dro” , os militares conseguiram fazer certas exceções aos padrões ficou preso durante a carta, que era de
encontrar alguém de confianç P dg sgus famiuares. Outro
utilizados no expurgo. O multimilionário José Ermírio de Mo­
raes, o homem que fornecera a maior parte do dinheiro para a um seu tio, de São Pau ° ’ c ava em Washington por ocasião
campanha de Miguel Arraes, manteve seu lugar no Senado e per­ técnico da Sudene, que se soviética em busca de literatura
do golpe, visitara a embmxada ^ costume, o FBI obtusa-
maneceu intocado pelos novos dirigentes do Brasil.
sobre desenvolvimento agnco . Quando ele regressou ao
A administração de Paulo Guerra assumiu o governo de Per­
mente fotografou-o e anotou s explicar seus negócios
nambuco com apenas uns poucos problemas. Miguel Arraes com­
Recife, a polícia chamou-o e p deDrimente da estreita coope-
provou não ser nenhum destes. Ele foi despachado rapidamente
com a embaixada russa, um Latina.
para a pequena ilha de Fernando de Noronha, perto do litoral
do Nordeste brasileiro, e lá ficou preso, numa instalação militar. m T residéncias de vários in.elec-
Foi feita uma tentativa de incluir o padre Melo no novo governo
estadual, mas a indicação sugerida não recebeu a aprovação das
247
246
J g Homem em Havana* de Graham Greene e /W aos chefes políticos locais, e não podia con-
Cnstao, de Bertrand RussellfDentro de pouco t e m n ^ í ^ ^ l-‘>” enaC p â * Guerra também não demonstrou qual-
estavam superlotadas e houve horríveis incidentes de t
policia retirou das bancas de jornais e das livrarias m í ^ 3- A " ° 'f i « “r t S ® S^ u s caçadores d^oantunistas pegaram muito
qüC lronicainente. seu s Ç iiderança dQ partido em Pernambu-
literatura esquerdista, sem se incomodar sequer em nH° t,p° “e
proprietários. Naturalmente, o jornal comunista 08 ncos comunista ,pe começou. Seus planos de emer-
imediatamente fechado, e algumas semanas depois do « T ®foi P°desapareceU duan . ® efetivos durante a crise, resultando
tro jornal esquerdista da eidaHp . . 0 golPe o 0.,. ^nda provaram ser sio Falcã0 e os outros grandes do Parti-
g..„ Hiram Pereira, , fí>ití,s Hiram Pereira escapou vestido de
jornais conservadores não causaram preocupação aolfn ° Strês
general Justino Alves Bastos elogiou^s, a n S S ^ J ^ 0
nham se comportado muito bem, não merecendo q u a W ‘li'
tnçao por conta de suas ações” .17 q quer res-
A “ Revolução em 40 Horas” terminou um tanto „„ p ■
mente. Uma das principais coisas que o Exército fez foi
Partido, indusi-
a sede do Serviço de Extensão Cultural (SEC) de Paulo p ^
na Universidade do Recife e confiscar todos os m a t e i S ^ VÍ losTestes, também conseguiu-escapar. A figura mais
ve Luís Carlos capturada pelo Exército foi Carlos Ma-
tavam sendo usados no programa de alfabetização. P a u lo V j* '
es.ava em Brasília quando começou o golpe 18 Ele retom lre imP° f nte,P recebeu um tiro no estômago, dentro de um cme-
righella, qu heüa sobreviveu e rompeu com o Partido,
R j .f e com salvo-conduto obtido por um dos p a d ^ T u ™ “ °
vam para ele. Virtualmente sob prisão domiciliar foi finai m3’ n°AR! o líder das guerrilhas urbanas do Brasil. Em 1969
mente arrastado para a cadeia em meados de junho.- Vários dm “ S S S t o não repetiram o erro de 1964: a policia ntattnw
seus colegas também foram encarcerados. 081
A experiência de Paulo Freire ilustrou uma das característi ’ “ C r o r T u S e u pesada repressão foi a esquerda ca.dli-
cas trágicas do período imediatamente após o golpe. Havia mui
to pouco controle ou coordenação sobre as atividades repressivas
dos vários coronéis e capitães do Exército que detinham funções
de comando, e dos vários “ delegados” que desempenhavam a fun
Ç Dd u r P ICar 3 ,C1 C1Vl1, comar,dados pelo secretário de Seguran
* 28 1- os soldados t i n h a t S o
Paulo Freire de sua residência, sua mulher e seus amigos eram cão do Exército disse a este escritor em agosto de 1965, no quartel
incapazes de dizer se ele estava em segurança ou onde se encon­ f f w S S o , em Recife, Pernambuco,
trava. Imcialmente os oficiais do IV Exército negaram que ele ti- tilha por si só, justificava a Revolução de abril de 1964 )
O desmantelamento da esquerda católica coincidiu c o n u '
~ PreS° ' Fmalfmente descobriram que um capitão havia
ado para si a tarefa de jogar o diretor do SEC na cadeia, gada de dom Hélder Câmara ao Recife. O arcebispo de Olinda
urante este tempo, Justino Alves Bastos estava ocupado { Recife, dom Carlos Coelho, tinha falecido no dia 7 de março,
demais viajando por todo o estado, de cidade em cidade, rece- e uma semana depois o progressista dom Helder Camara,, um n -
destino que estava servindo como bispo auxiliar no Rio de Janei­
•Publicado no Brasil pela Record. ro, foi nomeado para o cargo. Os ultraconservadores brasileiros

248 249
npssa forma ele sobreviveu à repres­
a s bastidores- Dessa a única figura pública,
já haviam marcado dom Hélder como um dos integrantes d
r q com unista^do país, por causa de sua constante defesa h
formas e dos seus desacordos com o tradicional e duro ^
do Rio de Janeiro. O prelado baixinho não poderia ter escMk-63*
hora pior para vir para o Recife. Ele chegou no dia 10 de11115*0
e logo no dia seguinte soldados armados invadiram seu pJá •
O pretexto usado para este incidente foi a presença da ^ i»1”®, . relso Furtado. O sup n0 Brasil durante dez
de Arraes no palácio.22 Violeta tinha trabalhado com dom
der no Rio de Janeiro e era sua velha amiga. Ela ouvira o bo '
s rf* «e s s ê .*
ap°Ut Mé mesmo aqueles sua crença nas qualidades
de que o Exército estava prestes a colocá-la num navio para'
juntar-se ao irmão em Fernando de Noronha, e fora solicitar ajuda ^ f „ do ,eom6o.erno depois deste sacrifício, aparen-
de dom Hélder. Uma patrulha de reservistas do Exército vesti
dos com camisas esportivas e carregando metralhadoras seguiu*
a até dentro do palácio. Outra tropa cercou o prédio. Dom Hél
der, que estava lanchando com o bispo de Sergipe, telefonou pa­
ra o general Justino Alves Bastos para se queixar de que aquela
não era a maneira de dar as boas-vindas a um novo arcebispo nomeado um ®eneral P^rivaninha e compareceu à posse do no-
Furtado limpou a sua e s c . dirigiu-se diretamente ao aero-
Os soldados se retiraram e permitiram que Violeta regressasse à
^ n t e n d e ^ ^ p e — por algum tempo, e
sua residência. Lá, ela permaneceu em prisão domiciliar até 29
norto e Viajou para q dg yflCÍ0
de maio, quando foi libertada juntamente com seu esposo fran­
cês, seguindo ambos de avião para Paris. depois deixou o B™ ' 0KS do Recife sempre tinham encara^
Elementos cons de penetração comunista. Em 3
No mesmo dia em que o seu palácio foi invadido, dom Hél­
d0 a Sudene como um à Superintendência como uma
der e os demais bispos do Nordeste brasileiro emitiram uma men­ de abrÜ, um jornalista se f ^ ePquipada-V 2 Portanto, nao
sagem expressando a esperança de que “ os inocentes detidos no
maquinaria comunista Ovadas a efeito para desacredi-
primeiro momento de inevitável confusão fossem devolvidos à são de surpreender as ten Q superintendente-adjunto
liberdade no menor espaço de tempo; e de que mesmo os culpa­ lar a organização de C d « F g ( Naüt on
dos ficassem livres de vexames e fossem tratados com o respeito
foi detido e levado para a ^ m’vários hotéis> antes de escapar
devido a todo ser humano” .23
Santos conseguiu se esco Q Exército iniciou v á n a s,
Naturalmente este pedido tão gentil não recebeu resposta, para o Rio e depois para fora d na Su-
e dom Hélder se estabeleceu no seu novo cargo em meio a rumo­
res de sua iminente prisão. Pode-se especular que, se ele houves­ £ : dS r e ? s a “ uWicou rodo Upo de acusaÇôcs, <*•>— »
se feito um protesto público veemente contra os excessos
cometidos pelos militares e pela polícia, provavelmente teria si­ “ C e r S e , „o periodo
do preso, o que poderia ter provocado uma reação no sentido regime e seus entusiasticosseguiores P sua “ revolução”
de deter a repressão ou, pelo menos, reduzi-la. Por outro lado, raeem de acusações, criando a impressão q . Ha.
como ele tinha acabado d.e chegar ao Nordeste, não estava em
posição bastante forte para falar sobre assuntos pertinentes à re­
gião. Dom Hélder resolveu ficar quieto e tentar trabalhar silen- 251
250
pe a ser executado no dia 2 de abril (os acusadores depois , mudança da História mundial no meado
ram a data para 1? de maio, na verdade um dia mais aD1^ 9' aos P°ntoS v e l a d o do início do Plano Marshall, do fim do
í século XX, a° 1 & derrQta da agressã0 comunista na Coréia
do), bem como de uma “ lista negra” contendo os nomes*5113'
pessoas a serem liquidadas pelos “ vermelhos” assim que t S bl0quei°de 'crise da base de mísseis em Cuba .2
sem o poder. Os jornais constantemente informavam seus 1 •3S' b da solução da Serviço de Informações dos Estados Um-
res da descoberta de material que documentava essas cr ^ e d os escritórios Rio como no Recife, fizeram sua parte na
acusações, mas raramente expunham o que estava realmente ^ dos (USIS>’ tant° n regime. Não hesitaram em distribuir os “ do-
tido nesses documentos. 'n promoção da "°acríveis elaborados pelo governo para justificar
Mas, no dia 7 de abril, as autoridades de Pernambuco final cumentos !^>>> 28 .
mente tornaram pública a prova que tinham prometido — evj' a ‘revolução • ^ £stados Unidos (além do enorme au-
dência irrefutável da planejada “ revolução vermelha” qUe ' O auge d°And a americana ao Brasil, imediatamente apos o
mentodeass>s jdade comercial americana em Sao Pau-
coragem, a devoção e as diligências das Forças Armadas brasi
leiras haviam cortado no início. Num armazém pertencente à golpe) Part'U monaganda favorável que a “ revolução” vinha re-
lo. Apesar da proP g ^ UnidoSf estes cavaihe.ros
Companhia de Revenda e Colonização, um órgão estadual dere
cebendo na om os pouCos artigos editoriais que repro-
forma agrária que tinha estado sob o controle do infame Miguèi
Arraes, o Exército e a polícia tinham descoberto 10.000 macaT" estavam Pre0^up ime por excessos tais como as “ cassaçoes” de
vavam 0 nov g Cels0 Furtado. Assim sendo, orgamza-
coes. Sim, 10.000 macacões. Pouco importava se não existiam
armas ali ou se os macacões não estavam tingidos de vermelho JuSC+ ^ % õ e s da verdade1.* para viajar aos Estados Unidos
Wandenkolk Wanderley, num discurso inflamado na Câmara dos ra^ Ç OS re la tó n o s^ C h e g a ra m a pensar em conseguir
Vereadores do Recife, declarou, em 10 de abril, que ninguém po­ ££ ^ S r d e imprensa" pàra escrever artigos elogiosos sobre o
dería exigir uma prova mais clara de que Arraes e seus amigos ÍasM rtigos que seriam publicados nas revistas e jornais ame-
comunistas haviam planejado distribuir esses uniformes com a
milícia camponesa que estavam em vésperas de organizar a fim rÍCanA missão da Usaid no Recife descobriu que a “ revolução”
de tomar o poder em Pernambuco.25 resolvera o problema de como lidar com a Sudene. O orgao bra-
Em termos de insensatez, o caso dos macacões superou até " adorou uma política de cooperação completa com os ame-
o tumulto feito quando da deportação, no Rio de Janeiro, de nove 1 1 Na v « ld e , o que isto significava era que a op.mao
chineses — membros de uma missão comercial da China conti­ "me” ana sobre o que era melhor para o Nordeste brasile.ro nao
nental — portando dólares americanos. Chineses vermelhos com
dinheiro era igual a subversão. Simplesmente isto. O processo co­ ^ N o in íc U u h fm ê s de junho, o presidente Castelo Branco vi-
mum de pensamento lógico estava suspenso durante esta fase par­ sitou o Recife e teve uma recepção de heroi-conquistador. Uni
ticular da nova “ revolução” brasileira. tropa cerimonial de cavalaria, organizada por Pau o Guerra co­
Os americanos que residiam e trabalhavam no Brasil, como mo um dos seus primeiros atos como governador, liderou a pas­
cidadãos particulares ou funcionários dos Estados Unidos, exal­ seata pelas ruas do centro da cidade. Gilberto Freyre, cujo
taram a “ revolução” com entusiasmo’quase unânime e apoiaram entusiasmo pela “ revolução” não tinha limites — ele recentement
cõmpletamente o novo regime. O embaixador Lincoln Gordon havia escrito que Castelo Branco era “ o De Gaulle brasileiro, mas
era o principal animador da torcida.26 No dia 5 de maio, em dis­ sem a sua arrogância” » ficou junto do presidente no palan­
curso na Escola Superior de Guerra, ele solenemente declarou que que armado para revista das tropas, palanque onde se encontra
a ação do Exército brasileiro “ poderá tomar seu lugar, como um vam outros dignitários e personalidades. Durante sua visita c

253
252
e m e n t e na possibilidade de um golpe
48 horas, Castelo Branco recebeu os títulos de “ Cidadã . -0 sem Pensar * de^aparecido, deixando que os outros
cife” e “ Cidadão de Pernambuco” e foi condecorado corn ° ^ a a^taÇ depois haVia . JJeparo. Outros criticavam Arraes,
dalha de Mérito Guararapes. Ele falou numa reun ' 3 ^ ' o P & ° daí a ’1 r e s S c i a armada ao golpe. Outros
funcionários da Sudene, assinou um acordo para constrn°- d°s PagaS-nTer mobi'izado ,um a ^ ter dado diretamente à Sude-
estradas com a Usaid e foi convidado de honra num alinoç0 ^ p0f "aíain Celso Fartad° o utros, ainda, tentavam racionalizar,
gala patrocinado pelos homens de negócio do estado. ?° c0tlm icn nolitico.
itica imPuls0 p01ÜS aramente que____ imior conflito
qualquer conflito violento
violento
A visita do presidente simbolizou o raiar de uma nov nÊ S S um tanto fraca^ e" ^ e n Ção dos Fuzileiros Navais
a fir m a ♦O tp r iâ p r o v o c n d o
no Nordeste. Apesar das esperanças de alguns ultraconser h* 8fi
“ Nordeste teria Pr0V^ " Uacontecera
Nordestetenap “ ôniecera na DRepublica
p n ú h U ra r * r \ m in ir a -
República Dominica-
res, a “ revolução” não fez regredir o calendário para 10 °' m Estados Uni
dosEstados Unld°oS’>Cus0 de , depressão e desilusão pro profunda pre-
atrás. Apesar de os militares terem destruído as Ligas Campo”08 à Um senti^ d o que muitos desses antigos ativistas, ao saire
sas e as forças políticas populares dirigidas por Miguel Arra”*" valecia, de tal m° d° q pavam em ler os jornais,
esses movimentos tinham deixado uma marca duradoura na cons^ da prisão- ^ uma visão posterior, é fácil compreen-
ciência regional e nacional. Castelo Branco, nordestino de nasci Com a vantag r inaram desse modo em 1964. A recente
mento, reiterou sua determinação de promover o desenvolvimento der por que a sc0isas . praticamente não pudesse ser compa-
da região. Homens de negócio com visão do futuro encaravam ÍevoPluçã° cubana, embom^pracendo nQ Nordeste amedrontava
a “ revolução” como a oportunidade de ouro para resolver os pro­ rada com o que est ^ aumentaram de forma ridícula as pro-
blemas do Nordeste pela expansão e racionalização da empresa tanto as pessoas q movimentos de um campesinato que ha-
privada. Assim fazendo, podiam contar com a cooperação total porções d o s p r u n - éculos uma existência quase animal. Os
da Usaid. O IV Exército, detentor do máximo poder, mantinha via suportado du^ . lmente como se desenrolaram no Cen-
a lei, a ordem e a estabilidade com pulso forte, e às vezes férreo acontecimentos, uitrapassaram o processo lento do desper-
Uma onda de otimismo alentava os adeptos da “ revolução” , que tro-Suldes^ ° ^-requisito essencial à mobilização política efetiva
agora procuravam criar u m ^n o v o Nordeste” . rar que era um v ^
Se alguém estivesse à procürá de um símbolo da totalidade n0 Nordeste. r0mântico do que revolucionário,
da destruição das forças que lutavam por uma mudança radical, T T m o seüpapcl original como catalisador e s.mbolo
uma escolha sentimental poderia ser a prisão de Zezé do Gali- preencheu bOTo sm «P ^ acontecimentos o tentou a assu-
léia, em meados de junho. A polícia deteve para interrogatório, messiânico. M , manifestamente não estava capacita-
e depois prendeu, o velho que havia gozado do status de celebri­ mir tarefas para as qual faltava robustez
dade mundial como presidente da primeira Liga Camponesa.

Aqueles que haviam participado ativamente dos movimentos pa­


ra mudança radical antes do golpe, e que não fugiram do Nor­
deste, atravessaram um período de grande angústia, freqüen-
temente tanto físico como mental. A seqüência usual envolvia seus privilégios. Também suPer® . e seus seguidores
ansiedade, investigação, detenção e prisão por períodos de tem­ do seu próprio apoio popular. Migu . ia à realidade
tinham esperança de aplicar a retórica d inerentes à
po variados. A maior parte daqueles que sofreram estava total­ do Nordeste. Falharam em reconhecer as limitações
mente despreparada para tal provação. , , ____ Ati.o n tem tendência a desaparecer diante de
As reações dos derrotados percorriam toda a escala emocio­
nal. Alguns recriminavam os comunistas, que tinham insuflado

254
A tentativa de Celso Furtado, de desenvolver o Nnru
ves do mecanismo de planejamento racional e im p le m ? Steatra-
meio de um órgão federal independente exercendo am",
res, falhou por causa da interdependência fatal entre oh P°de'
vimento econômico e o político. Como ele mais tarde k nvo1'
declaração de certa forma dolorosa, “ a luta pelo pode erv°U'
líderes populistas e a classe dirigente tradicional é o J Sntre 0s e p íl o g o
ciai de um conflito político que tende a frustrar toda? 10 Cru'
de um planejamento coerente por aqueles que de temnn entativa
pos governam o País” .31 p Serntem- nu Finalmente, o que Aconteceu
Finalmente, o curso dos acontecimentos no início da
de 1960 fornece um instrutivo estudo casuístico da inte -a
com o Nordeste do Brasil?
dos Estados Unidos na América Latina e do papel político
da estrangeira. Apesar das armaduras idealistas da Aliant? 3JU'
o Progresso e das preocupações verbalizadas por alguns o f i ^
americanos acerca das massas empobrecidas do Nordeste dn r 3**
sil, estava claro desde o início que os interesses de segurança e / *
sempre predominantes. Desta perspectiva, o trabalho da Usüíü
e da CIA deve ser considerado um grande sucesso. As forcas H
radicalismo foram completamente vencidas, o statusquo nerma°
neceu seguro, e o Nordeste não se tornou “ outra Cuba”
Como estes triunfos a curto prazo serão vistos daqui a 30 FM1969 O PRESIDENTE Richard M. Nixon encarregou o gover-
anos é um assunto completamente diferente. Enquanto o Nor nador Nelson A. Rockefeller de fazer uma série de visitas a Ame-
deste permaneceu relativamente tranqüilo nos anos recentes as' S Latina. O propósito da missão era “ conferenciar, em nome
forças políticas do país inteiro estão se polarizando em extremos do presidente, com os líderes das outras repúblicas americanas
formados por um regime militar crescentemente repressivo e au­ e aiudar a administração de Nixon a desenvolver uma política de
toritário, e uma oposição que não tem outra escolha a não ser conduta para as relações internacionais dos Estados Unidos atra­
funcionar como um movimento de guerrilha urbana. O tumulto vés de todo o Hemisfério Ocidental” .1O governador Rockefel­
pré-golpe pode ainda provar ter sido o 1905 do Brasil. ler e sua comitiva não pararam no Recife nem em qualquer outro
lugar do Nordeste do Brasil.
Antônio Callado escreveu vários artigos para os jornais so­
bre a fermentação pré-1964 no Nordeste, mas depois da“ revo­
lução” ele escolheu a novela como forma de transmitir sua
interpretação final do desmoronamento. Qwarup, publicada em
1967,1descreve a radicalização de um padre pernambucano cu­
jo sonho de formar uma estrutura comunitária para os índios,
incorporando o comunismo puro da Bíblia e modelada na Repú­
blica Indígena Guarani, estabelecida pelos jesuítas no século
XVIII, abre caminho a uma participação ativa nos esforços con-
256
257
temporâneos para mobilizar os camponeses do Norde Regina, que permaneceu livre, estava ia-
sonagens secundários sugerem figuras da vida real c 6 ° S^ Nesteme,0 je P ’ ível para conseguir a liberdade de Ju-
rença de que todos demonstram qualidades heróicas j0"1 3 dife- zendo todo 0’ f ' sada a euforia das primeiras semanas da “ re-
táveis e continuam a sua luta mesmo depois de sobrev-^6^ 911' u ã o .P ^ E S ^ v e rn o militar viu-se na posição de ter de encon-
são e à tortura após o golpe. Na última cena da novela'^ à Pri’ voluçã0 ;. O 8° , , para ____ c p n cna
manter n r cadeia
k i o n e i r oseus
s . prisioneiros,

gonista, agora ex-padre, viaja para o sertão a fim de ° Pr°ta' trar juStlf!CT civis proferiram algumas acusações contra Juliao,
uma insurreição liderada por refugiados do movimen J 6 Unir » M autondaaes Armadas tinham as suas próprias acusações,
nambuco. 0 eni Per- enquanto a s s a d a s num tribunal militar.3 Regina, que tinha
O roman à clef de Antônio Callado reflete escapism que eram pro ■ da> ajudou a impetrar um requerimento cie
sapontamento causados pela incapacidade da esquerda b° ede' preparo corno Q Tribunal Federal, que tinha jurisdi-
ra para oferecer qualquer resistência séria ao golpe militar T * 6*' habeas corp ssos civis. O requerimento foi deferido e Ju-
era moda racionalizar tal passividade repetindo-se a máx’ ^ Çà° fh ío lto em 27 de setembro de 1965.
gundo a qual “ os brasileiros são um povo não-violento” ^ ' lià° Z imediatamente deixou o Recife e viajou de aviao para
acontecimentos recentes, inclusive relatórios de genocídio • •EI d e viveu calmamente na clandestinidade durante um mes.
mático dos índios brasileiros, desmentem este brilho o tim is t^ 0 Rl0; n dia 27 de outubro, ante o desagrado dos militares com
caráter nacional brasileiro. A verdade é que, não obstante O ° Dep,°‘S estaduais que tinham sido então realizadas, o regime
rup, os elementos militares que tomaram o poder no dia 1° d J S S Branco decretou o Segundo Ato Institucional, dissol-
abril de 1964 esmagaram completamente o movimento em favo Jendo todos os partidos políticos e tornando o poder militar mais
de mudanças radicais no Nordeste; aqueles que participaram do
movimento escaparam para o exílio ou permaneceram na região ^ M s im q u tw m o u conhecimento do Ato n? 2, Antônio Cal­
mas sem a mínima disposição para reviver suas atividades de an’ lado compreendeu que os elementos da “ linha dura” dentro das
tes do golpe. Forcas Armadas iriam usar novamente a força contra as suspei­
Julião, por exemplo, conseguiu de alguma forma sobreviver tas de subversão; portanto, comunicou-se com Julião e acon­
a seu sofrimento na prisão, onde foi mantido em confinamento selhou-o a refugiar-se numa embaixada. A primeira providencia
solitário, sem tomar banho nem fazer a barba durante dois me­ de Julião foi disfarçar-se: apresentou-se em casa de Callado com
ses. Os militares transferiram-no, então, para uma cela mais con­ o cabelo alisado e usando uma camisa de cores berrantes. ‘‘Pare­
fortável na prisão, e em outubro de 1964 colocaram-no num cia mais Julião do que nunca” , relembrou Callado recentemen­
quarto espaçoso no Quartel dos Bombeiros nos arredores do Re­ te, “como um místico do sertão.” 4
cife. Durante este período, ele escreveu um relato lírico dos seus Foram infrutíferas as primeiras tentativas para achar uma em­
últimos dias como um homem livre e conseguiq mandá-lo às es­ baixada que o aceitasse. A embaixada do Chile, que dera refugio
condidas para um editor. tAíéQuarta, Isabela foi escrito na for­ a muitos fugitivos em abril de 1964, recusou-se a deixá-lo entrar,
ma de uma carta para sua filha mais nova, uma bela criança loura, o mesmo acontecendo com a embaixada da Argélia. A princípio,
de olhos azuis. É a melhor coisa de tudo o que ele escreveu. os únicos estrangeiros compreensivos, curiosamente, foram os in­
Durante certo tempo ele compartilhou suas acomodações com donésios e os bolivianos. Julião não se entusiasmou a ir para ne­
um ilustre companheiro, Miguel Arraes, que tinha sido trazido de nhum dos dois países. Finalmente os mexicanos concordaram em
volta de Fernando de Noronha para o Recife. Os dois homens ti­ aceitá-lo. Portanto, Julião, com seu disfarce, e uma Regina mui­
veram tempo de sobra para discutir suas diferenças anteriores, e to nervosa esconderam-se no chão do Volkswagen de Callado e o
quando Arraes foi transferido, separaram-se como bons amigos. jornalista os levou para a segurança da embaixada mexicana.

258 259
. nue impedisse os generais de decretarem

As autoridades brasileiras forneceram-lhe o costunieir


vo-conduto e ele seguiu por via aérea para o México. Regina°S9*'
Isabela è dois filhos do seu primeiro casamento, reuniu-Se’COni
ele ali. Viveram por um tempo na Cidade do México e depoi*^111 E de famfl'as estrel . Arraes Toda atividade política, natu
ram residir em Cuernavaca. Sua fuga provou ser oportuna ^ f°~ ^ a s c e n s ã o de Miguel d a do IV Exército, mas a elite
o Tribunal Militar, subseqüentemente, processou-o in ab'se°^ t * d* te, permanece« Q u a lq u e r problema aos militares. Paulo
e condenou-o a dezenove anos de prisão. **• I rnambuco não d Arraes como governador e foi
de?£ aTrminou o mandato de ^ de quase toda a
Atrapalhado por doenças ocasionais e sem qualquer fo
de renda certa, Julião ainda conseguiu manter o seu bom espí f Guer,jd0 por Nilo Coelh , de que ambos tivessem apoia-
to e não deixou de pensar e sonhar com o seu querido Nordeste * Í 9 6 2 não os desqualificou aos olhos dos
Enquanto isso, no subúrbio de Caxangá, no Recife, um velho ami
go mora no seu casarão, entre memórias do passado, tentando
em vão preservá-lo dos estragos do tempo e dos elementos
Após deixar o Quartel dos Bombeiros, no Recife, Miguel Ar-
raes tornou-se objeto de disputa entre elementos das Forças Ar­
madas. O Supremo Tribunal mandou soltá-lo em meados de abril representação- O pr dQ rk)> pert0 do centro da cida-
moravam em mocambos vale por trás do aeroporto.
de 1965, e o presidente Castelo Branco ordenou que a decisão
do Tribunal fosse mantida. Mas os oficiais militares de “ linha de, c reCO'0"am fora da vtata, com difícil acesso à cidade, e sem
dura” , que investigavam suas alegadas atividades comunistas Elas se acharam , meio de vida.
continuaram a mantê-lo preso. Esta perseguição continuou até condições de arranjar ^ ? mantido uma rígida cobertura so-
o final de maio, quando Arraes se asilou na embaixada da Argé­ 0ExérC,t° Z t S que possa desafiar o status quo.
lia e teve permissão para deixar o país. Ele viajou para a Argélia, bre qualquer têm protestado abertamen-
Apenas o s estudantesu ocasionais têm sido reprimidos
onde está residindo desde então. Um tribunal militar brasileiro
sentenciou-o a 23 anos de prisão. tePmas seus ^ ^ ^ ^ X m a n t e s e a técnica de prisões
violentamente. A presenç desm0ralizar os estudantes.
Outras figuras no exílio incluem Paulo Freire, Clodomir Mo­
raes e Maria Ceales. Pelópidas Silveira, Joel Câmara, João Al­
fredo e Paulo Cavalcânti estão entre aqueles que cumpriram penas
de prisão e estão agora levando vidas calmas e completamente
apolíticas no Recife.
Desde o momento em que tomaram o poder, os dirigentes
militares do Brasil reforçaram sua determinação de instalar uma Hélder Câmara.6 O arcebispo do R c ilitares e ofereceu
“ nova ordem” no país. Sua missão era modernizar a nação e efe­ para dentro do vácuo político criado P das’ses média e
tuar as reformas necessárias, eliminar a corrupção da vida políti­ um raio de esperança a todos os e ™ Miguel Arraes em
ca e destruir todo e qualquer traço de comunismo. Pelo menos baixa que anteriormente tinhami se d i r ^ amordaçar dom
assim o disseram. Um cartaz de propaganda amplamente divul­ busca de uma liderança. Q .Exérc f a SOciedade
gado anunciava que “ até 1964 o Brasil era o país do futuro; ago­ Hélder e ele falou sobre a necessidade de re
ra o futuro chegou” .
D esde que o seu tontrole sobre o país era virtualmente ab- 261

260
•a e converteram o Nordeste em um tubo de ensaio
feudal que havia reduzido os camponeses da região a utn c da Usam e e americano.
sub-humano. Ele ressaltou a urgência da formação de u eStac*° heir0desenvolv^ e"t0 antestad0s peios fatos, os promotores da
mpntQliHííHp nup nnççihilitaççp anc ?ar3para
5araPara não ^serem emp^° :ediatamente
diatamente exaltaram o seu sucesso com
quanto rurais uma libertação das cadeias da pobreza, da . estratég'3
.ctratégia quas „...c ia r a m o alvorecer de “ um novo Nor
qua Anunciaram
e da ignorância. Sua ênfase constante era sobre a não-vioi''6''.*'9 n° dosas celebra?0^ ' publicados numa revista nacional,
na tradição do Mahatma Gandhi e Martin LutherLJCing Uma série d e a ' lg< J hidos no local, descreveu o cresci-
Em 1966, dom Hélder enfrentou seu primeiro desafio d' ÍCZ
S ndo t r a t a i de rctóo ^ veementes>, (Ninguém parece
por parte dos militares quando os bispos do Nordeste puhr610 nto da região nos term ^ Q fat0 de os artigos terem
ram um manifesto protestando contra a situação dos ,Ca" í percebido ou se te da literatura promocional.1") As
trabalha.
dores dos engenhos. Vários oficiais do Exército considerava doParafrasea o auae em agosto de 1967, quando o sucessor
documento “ subversivo” e tentaram impedir sua publicação M° ;oisas chegaram ao a g q seu Gabinete passaram uma se-
dom Hélder conseguiu ganhar o apoio do presidente Castelo Bran
co. Vários generais foram transferidos do Nordeste e o document" 10P’ . ,0:ra no Moru” 11- ' ------- ■
nana fvn desenvolvimento da reg.ao
foi publicado. nagnifico dts
) magmfic0 00 Recife
Recife ee outras
ou cidades nordestinas
Esta confrontação e o seu resultado provocaram a ira do sis Não se pode n g Q ansa0 na sua capacidade industrial
tema conservador de Pernambuco, e os direitistas começaram uma ,resentaram uma nota P fábricas g 0 aumento do
campanha para difamá-lo e marcá-lo como um “ comunista” . Gil­ iran.e os M';m“ " n“ °ruas são os sinais mais visíveis de pro-
berto Freyre dirigiu um ataque excepcionalmente violento con­ imero de olhadela por sob esse verniz revela
tra o arcebispo e conseguiu acusá-lo, num mesmo artigo de jornal a t ó X d “ “ ii=idade celebrando o “ novo Nordeste é
de ser um “ dr. Goebbels brasileiro” e um “ Kerensky brasilei­
ro” .7 rrrivelmente Pre™ 1a industrialização deve seu ímpeto a um en-
Nos anos seguintes, dom Hélder e seus seguidores publica­ 0 impulso p pntivos fiscais Uma empresa que faça ne-
ram vários outros documentos, inclusive um panfleto eloqüente ,enhoso ârtifíem de mcen^vestir ^ reinvesür até 50 por cento de
intitulado ^Desenvolvimento sem Justiçq, protestando contra as rocios no B ® 1 vez de pagá-lo ao governo. Esse
condições doTrabalho urbano no Nordéste,8 e uma continuação ieu imposto de renda^anu açâo p d a Sudene. Os investi-
recente, Nordeste: o Homem Proibido. Mas as dificuldades que investimento especifico . g P ç bastante liberais
eles nunca puderam superar foi a de estarem confrontando pro­
blemas políticos sem possuir sequer uma aparência de poder po­
lítico próprio.
Os que detinham o poder possuíam suas próprias idéias de
como desenvolver o Nordeste. Os homens de negócio e industriais
progressistas de Pernambuco mantinham o controle do governo
estadual, tinham cobertura do IV Exército e o apoio entusiástico
da Usaid. Eles iniciaram um plano ambicioso que procurava atrair
novas indústrias para o Nordeste, estimular o investimento de re­ S dificuldades com o programa de industmlfergao.
cursos públicos na infra-estrutura da região (transporte, saúde, o.,... . ainda está em escala muito pequena para ser s g
projetos hidrelétricos etc.) e aumentar a produção agrícola, es­
pecialmente na zona açucareira. Escutavam de perto os conse-
263
262
existente na área do Grande Recife estão desempregados o continue subindo, o governo federal tem sempre per-
bempregados. A população está crescendo aceleradamente \ SU' t0 de vida ^ saiários fiquem para trás, como um dos compo-
dade sobre o assunto é que os desenvolvimentistas do “ Ver' mitido ^ueseu arsena| de medidas antiinflacionárias. Por causa
Nordeste” têm sido obrigados a correr para se manterem d°V° nentes 0 ^ mào_de-obra na região, os trabalhadores acham de­
dos de pé. do eXCe^hável fazer greve. Os sindicatos de trabalhadores conti-
Apesar da crescente magnitude do problema, murmúrio saconse mas sob 0 domínio do empresariado, ou sob a
insatisfação têm se ouvido de industriais do Rio e de São Paui 6 nU3tT1 -a de homens apreensivos com o que o Exército faz a qual-
ele preferiríam investir no Centro-Sul e obter mais lucro com° '‘^ u m que seja rotulado por ele de “ agitador” .
seu dinheiro. Ao mesmo tempo, outras regiões não desenvolví qUelOcasionalmente aparecem reformas significativas, tais como
das ou subdesenvolvidas do Brasil têm obtido incentivos fiscais tativa da Sudene, em 1968, de incluir no seu Quarto Plano
semelhantes que lhes permitem competir com o Nordeste na bus 3 teItor a exigência de as novas indústrias adotarem planos de par-
ca de capital. à0 nos lucros por seus trabalhadores e desenvolverem meios
Além disso, as novas indústrias do Nordeste estão natural- de incluir trabalhadores na administração da empresa. De forma
mente utilizando maquinaria moderna, a qual exige um menor 1 ma jst0 constituía um plano subversivo. A Sudene estava me­
número de trabalhadores altamente habilitados. A força de tra­ ramente implementando mudanças que haviam sido especifica­
balho existente na região é constituída, em sua maioria, de pes­ mente declaradas desejáveis pela nova Constituição federal,
soas analfabetas e sem treinamento, apesar dos esforços que estão promulgada pelo governo militar em 1964. Mas um clamor de
sendo empregados na educação vocacional. protesto, tanto no Nordeste quanto no Centro-Sul, forçou a Su­
O capital que tem chegado para o Nordeste toma a forma dene a retirar a proposta. Um jornalista recifense explicou:
de novas indústrias ou investimentos em indústrias já existentes, — Você pode imaginar um negro sentado no conselho ad­
com o intuito de expansão e modernização. Neste último caso, ministrativo de uma companhia, pedindo para ver os livros de
os empresários nordestinos freqüentemente têm sido forçados a contas, queixando-se de práticas comuns, tais como uma com­
pagar 10 por cento de gratificação (eufemismo para suborno ou panhia pertencente a uma família pagando o salário das empre­
‘‘retorno antecipado” ) ao investir de fora para obter estes recur­ gadas domésticas com os recursos da companhia? Seria impos­
sos. Várias companhias estrangeiras (americanas, francesas, ja­ sível. O nível cultural aqui é muito baixo. Os trabalhadores se­
ponesas) com negócios no Centro-Sul também têm considerado riam manipulados para causar problemas. E também ter traba­
vantajoso montar fábricas no Nordeste sob a nova lei. lhadores ajudando a administrar suas próprias fábricas é socia­
A afluência de novos capitais não destruiu o domínio dos lismo.
grupos de famílias que controlam a economia da região, nem es­ Enquanto isso, o interesse por oportunidades de investimento
timulou qualquer melhoria de condições nas indústrias existen­ no Nordeste tem estimulado uma demanda por outro tipo de em­
tes. Os novos investidores estão interessados primariamente na presário, o consultor local, uma pessoa indispensável para con­
manutenção de um bom clima de negócios. Eles acham conve­ tatos nos bastidores e capaz de orientar o investidor em perspectiva
niente trabalhar dentro da estrutura e não “ entornar o caldo”, através dos intrincados caminhos legais e práticos para o estabe­
competindo com a concentração do poder econômico dentro da lecimento de um negócio na região. Este tipo de trabalho pode
região. ser bastante compensador. Um dos consultores do Recife está ga­
Ao mesmo tempo, os trabalhadores das fábricas de tecidos nhando por ano mais do que o equivalente a US$30.000. Como
e de outras indústrias mais antigas têm tido de aceitar pagamen­ ele observou durante uma recente entrevista: “ Há muito dinhei­
to abaixo do salário mínimo estabelecido por lei. Embora o cus- ro para se ganhar no Nordeste.”

264
mostrou ser inviável. Uma tentativa para re-
O Nordeste continua a sofrer um desfavorável bal
,m su a*aiorPjTeducacional dentro do modelo americano fa-
mercial. Os críticos do atual programa de industrializa
ormar o * s% aordeste quanto em outros lugares por causa da
tentam que é preciso reverter esta evasão de capital u ° SUs" tanto no Norde; dQS estudantes e de outros gru-
causas básicas de subdesenvolvimento no Nordeste. ' 9^
ampía e ^ '^ e n t o de policiais para o controle de rebeliões, den-
Um aspecto interessante do “ novo Nordeste” diz r
nos O tremaI Programa de Segurança Pública da Usaid, reviveu
ao que aconteceu com a Sudene e a Usaid. A demissão de r ^ 0 fr0 do chamad reconhecimento de que era um esforço amen-
Furtado
F u r t a d o retirou
r e t i r o u da
d a Sudene
Sudene a s u a mística ffascinante.
a sua a s c in a n t e Enquant e«10
ressentiment° S* Qstatus qu0 COntra qualquer tipo de mobili-
estava passando um ano exilado no Chile, ensinando durant^** cano Pa^ f° r a^ uitos nordestinos têm expressado serias duvidas
tro ano em Yale, e depois permanecendo como professor de F°U zação P ° P f r ;7ada do ABC” , um programa de alfabetizaçao ad-
nomia
n n m io n nia
oa Q nrK r\nnp p m P tirie q Qiiflpnp Hpivau
:Sorbonne, em Paris, a Sudene deixou de funcionar c ^ □uanto à Cru“ rpsbiterianos brasileiros e americanos com apoio
uma entidade independente subordinada diretamente ao presid ° m i n i s t r a d o p a r a a Paz. A “ Cruzada” rejeita a filo-
te e, numa reorganização do governo, tornou-se parte do Min'' d0 programa -* de paulo Freire) ou seja, tornar os anal-
tério do Interior. O choque causado pela demissão de CeU* sofia de consc.e" portanto críticos de sua posição no sistema
Furtado, a subseqüente depressão psicológica sofrida pelaautar fabetos conscí ^ treiná_los para aceitar as coisas como
quia e um corte nos recursos financeiros resultante do programa social; tenta, tido da sua condiçao atuai.
antiinflacionário do governo estiveram perto de destruir a Sude­
sã° e tira , íunho de 1968, a Usaid tinha gasto US$249.462.000
ne. O fato de sua sobrevivência a todo custo deve ser considera­
Z £ £ e “ubve„çõ'es para o Nordeste.» Outros US$40
do um dos pontos altos do período pós-1964.
milhõesjáhaviam sido comprometidos com projetos em anda-
Depois da “ revolução” , as relações entre a Sudene e a Usaid
melhoraram consideravelmente. Os dirigentes militares do Brasil
meno ‘nrograma de promoção industrial da Sudene e os vários
tornaram claro que não tolerariam qualquer obstrução da políti­
iptns da Usaid descritos deixaram virtualmente intocado o pro-
ca desenvolvimentista aprovada por Washington e avidamente
r nrinciDal do Nordeste — a indústria açucareira. A maqui-
aceita pelos encarregados da economia brasileira. A Sudene se­
continuou antiquada, a tnett.aüdad= feudal da
ria obrigada a cooperar, portanto; de certa forma, aquela autar­
maioria dos donos de usinas e engenhos persistiu, e a miséria dos
quia tinha de se tornar uma chancela, um carimbo para os projetos
trabalhadores do açúcar e de suas famílias aumentou. Um estu­
da Usaid.
Em 1966, as pessoas que trabalhavam para a Usaid no Nor­ do sobre nutrição efetuado em 1968, por amostragem, num gru­
po de trabalhadores rurais na área em torno de Palmares revelou
deste eram mais de 150. Uma parte do seu trabalho estava de acor­
aue eles trabalhavam consumindo menos calorias do que em
do com os temas específicos e a filosofia do plano diretor original
1962 13Um jornal francês relatou que, numa pequena cidade na
de Celso Furtado e do Relatório Bohan. Portanto, a Usaid for­
zona açucareira no sul de Pernambuco, “ em condições‘normais
neceu empréstimos e assistência técnica para vários projetos hi­
todas as crianças nascidas entre junho e dezembro de 1968 tinham
drelétricos ambiciosos, que aumentaram consideravelmente o
morrido” .14Em 1967, várias usinas perto de Palmares entraram
suprimento de energia para a região. A assistência americana aju­
em bancarrota, e relatórios da fome que assolava a região chega­
dou a construir estradas, poços, sistemas de irrigação e postos
ram ao Recife.15Uma história descreveu camponeses desespera­
de saúde.
dos comendo ratos para sobreviver. O proprietário de uma gran
Outros esforços da Usaid são de valor questionável. Um pro­
de usina começou a pagar os seus trabalhadores com valores res
grama amplamente divulgado para estimular pequenas indústrias
estáveis nn arm azém da emoresa. Durante várias semanas o
rurais que seriam financiadas unicamente por investimento local
267
266
, sindicato no Cabo, mas tirou part.do de sua
armazém ficou vazio, e o governo teve de mandar às nr - u com o seUeS^ itares para favorecer seus projetos quanto
primentos de emergência para a área. as$u- man le õ e s com os mil ^ aconteceu o inevitável: os
Donos de usinas e engenhos continuam a infringir a 1 • « £ * *> t C m n u l amarga cuerda. Uma diferença
impunidade. Às vezes simplesmente se recusam a pagar o ' COni a ' f padresseenV° ^ tégia foi a causa da rixa, que chegou ao
mínimo exigido por lei. Ou encontram meios de fugir a — ™ £ opinião sobr;;aCdS eM elo tentou conseguir, sem sucesso, que
suas obri­ d,iee quando o P ls0 da Federaçao. A briga ferveu e ainda
gações contratuais. Um expediente comum para burlar a lei'
rivado do fato de o salário legal ser calculado com base eni a ®dre Crespo f^ P0 dre Cresp0 nunca relaxou sua mao
semana de sete dias. Para recebê-lo, um trabalhador do ca1*1**3 persiste até o ' Federação, um fato que, na opinião de
tem que trabalhar seis dias por semana. Seu trabalho diário é ^ ír r e a sobre o Sorpe u para 0 fraCasso do movimento
tado por tarefas (tantos metros quadrados destocados, tanto^u" alguns observadores, ef uma liderança interna. No ini-
xes de cana cortados, tantos metros arados). A fim de evitai' Snambucano para d deixando a batina para se
pagamento do salário mínimo legal, o proprietário manda o ° S * continuaria reu trabalho com o Sorpe e a Fe-
o feitor anote para o camponês uma carga de trabalho impossí
vel de ser realizado em um dia. Quando o trabalhador não pod' Jração- 1964, a Liga Cooperativa (CLUSA) firmou
terminar a tarefa, perde o direito ao salário mínimo da semana Em dezem lo quai a organização católica conti-
e recebe somente cinco dias por seis de trabalho. “ m° S°TbeUr aiudà financeira da CIA. Foram fundadas vánas
O pagamento por meio de vales, apesar de proibido por lei miou a recebe g a maioria delas ainda hoje funciona. A
continua a ser uma prática comum. Os camponeses de uma das cooperativas agneo , financeir0 em 1967, mais ou menos na
maiores usinas de Pernambuco vêm negociando os seus vales com
CLUSA retirou seu P^ ^ ,igação com a CIA foi publicamente
o pessoal do escritório da usina, trocando-os por 20 por cento mesma epoca sabilidade pela assistência ao movimento coo-
do valor total em dinheiro. Por sua vez, os empregados do escri­ revelada, e a re p para a Usaid e o Corpo da Paz.
tório vendem os vales de volta à usina por 40 por cento do seu ^ E n v o lv im e n to dos Estados Unidos com o movimento tra-
valor. U iv,°ta rural no Nordeste desenvolveu-se no período apos o go -
Uma lei de reforma agrária promulgada pelo governo fede­ balhlS ,. nte a atuação do Instituto Americano para o Desen-
ral logo depois do golpe tem sido ignorada. Uma das exigências pe mediante , ivre (A1F l D), uma corporação pnva-
da lei é que a cada camponês que trabalha na indústria açucarei- voWimento do AFL-CIO primariamente como
ra sejam dados dois hectares de terra perto de sua casa, para o
seu próprio uso. Até agora nenhuma tentativa foi feita para for­
çar os donos de usinas e engenhos a obedecer à lei.
O movimento trabalhista rural, que era ativo em Pernam­ segue de perto a do Departamento de Estado dos Estados ^
buco, não tem sido capaz de assegurar aos camponeses meios efe­ nidos e cujo corpo de diretores inclui representantes das corp -
tivos para conseguir seus supostos direitos ou para obter qualquer rações americanas que têm participação substancial na America
nova legislação que beneficie os trabalhadores na zona rural, uma
vez que os chefes militares do Brasil têm impedido o trabalho or­ LaÜnjá em julho de 1963, os chefes da AIFLD estavam tentando
ganizado de funcionar como uma força política independente. organizar um programa no Nordeste do Brasil. Mas os aconteci­
No Nordeste, o Exército colocou novos líderes na maior parte mentos se sucediam depressa demais, e o AIFLD nao consegu
dos sindicatos rurais logo depois do golpe. O padre Crespo con­ . *____ nara causar um ím-
seguiu manter o controle sobre a Federação. O padre Melo per-
269
268
pacto na agitação que precedeu o golpe no interior ro • às massas empobrecidas, estava completamente
estava ativo em outros lugares no Brasil. Na verdade ° AlFU) or0ver assistênC'as n0ÇÕes de
Washington sobre o desenvolvimen-
chefes tem se gabado orgulhosamente da contribuição h d°s * * Je acordo com “ q parece incrível que aqueles que por mui­
de para a derrubada de Goulart.)17 aaeittida. to de cima Para servado um sistema que trouxera pobreza,
Não muito tempo depois do golpe, uma equine rio a ,as décadastin' a mnhares de camponeses fossem agora re-
chegou ao Recife para se envolver no que restava do • Ld doença e ° tornando-se os beneficiámos diretos de mais aju-
^pensados, 1
trabalhista rural em Pernambuco. O AIFLD program ^°Vlmen,°
de treinamento para líderes trabalhistas e construiu v ° UCUrs°s da g°vernaw n t e o Geran não podia forçar os donos de usinas
tros de Serviço para Camponeses. Tem sido dada ênfa" 05 Cea' Natural ^ ã0 p0ssuía autoridade para compeli-los a fa-
senvolvimento de “ sindicatos livres e democráticos” um^ 3° de' a moderm^umá mas tinha de passar-lhes a idéia de tirar vanta-
altamente duvidoso numa ditadura militar que não tol C° nceit° zer coisa aig ’grama< Havia muita conversa no Recife de que
dade trabalhista independente e atuante, mas o A IFL D ^' at*V'‘ gem do n°v P concentrar na modernização das usinas e esque-
tido problemas por causa desta contradição. Desse modo1130 ^ 0 Geran ir‘ ^ dos trabalhadores que seriam dispensados. A
dicatos rurais de Pernambuco realizam eleições democrátic^ S‘"' cef °a Pvnressou preocupações quanto a esta possibilidade e de-
escolha de líderes que percebem altos salários, assistem aJ !Para U i eu planos para transportar estes camponeses para centros
sos do AIFLD e trabalham muito pouco. CUN Vacão onde receberiam treinamento e assistência técnica.
O governo brasileiro estava totalmente advertido das co h- de? ía la rm o u alguns brasileiros, que viam na proposição uma
ções na zona açucareira e decidiu fazer uma nova abordagem ri*' A ttiva de manter “ campos de concentração” . Mas a proposta
problema. Seguindo as recomendações de um estudo na U a l Ü ultrapassou a fase de planejamento.
sob a direção da Companhia Havaiana de Agronomia Interna O Geran foi anunciado em 1966. No início de 1967, estava
cional,1®o regime militar anunciou, com a publicidade apronria' fase de organização. Seus dirigentes expressavam a esperan-
da, a criação do Geran — Grupo Especial para a Racionalização Tde aue apresentaria resultados dentro de cinco anos. Em agosto
da Indústria Açucareira do Nordeste. Os objetivos do Geran eram àquele ano, o órgão sofreu uma modificação drástica na sua ad­
promover a modernização da zona açucareira e realizar uma ge­ ministração,’ que durou por mais dois anos. Em maio de 1969,
nuína reforma agrária. A idéia era estimular a adoção de nova o governo designou um coronel do Exército como administrador-
maquinaria e novos métodos que capacitassem os donos de usi­ chefe do Geran. Sua fama consistia em ter sido encarregado da
nas a produzir a mesma quantidade de açúcar que vinham pro­ segurança no Recife durante o período repressivo imediatamente
duzindo, porém na metade das terras. As terras restantes ficariam depois do golpe. Em junho de 1969, o Geran ainda se encontra­
então disponíveis para diversificação das culturas e distribuição va em fase de organização. No início de 1971, apenas uma usina
entre os camponeses. em Pernambuco tinha obtido a aprovação dos seus planos de mo­
A criação de um novo órgão federal para lidar côm os pro­ dernização pelo Geran, mas nenhuma ação tinha sido iniciada.
blemas mais urgentes do Nordeste indicava claramente a perda Ao mesmo tempo, tinha sido criado um novo órgão, o GERA
de poder, prestígio e importância da Sudene. A entidade estava (Grupo Executivo para Reforma Agrária). Em junho de 1971, o
representada no Conselho Deliberativo do Geran, mas compar­ regime militar anunciou um novo plano de reforma agrária, que
tilhava responsabilidades com o Instituto do Açúcar e do Álcool, envolvia a desapropriação de terras na zona açucareira (com pa­
o Banco do Brasil e várias outras entidades governamentais. gamento em dinheiro aos proprietários) e o transplante de cam­
A filosofia básica do Geran, que era encorajar os donos de poneses nordestinos para colônias ao longo da nova estrada
usinas a se ajudarem a si próprios e, portanto, incidentalmente Transamazônica. E assim por diante.

270 271

Enquanto o Geran continua fazendo tímidos n da paz, falsamente acusada de esterilizar


esforços , ■ do
ra “ racionalizar” a indústria açucareira do Nordeste *WS Pa' do Corpo d a ™
sumidores americanos têm estado ajudando os donos de°S C°n' um» mrescamponesaS; entre Washington e o regime UV militar
— do
; hostis. Uma
e engenhos a resistir às mudanças. De acordo com o Ato d US'nas estíe’ia 1relatab|acente
m a estre>ta f r e n t e dessas m
manifestações
a n n e -------
car, os Estados Unidos compram cotas de várias nações ^ Juta
í era a causa subjac contra Qgoverno n0 Nor-
a cauÜ ! 1 im iu toda ctíticacontta o gow
&raSl f 0 Exército sUpnI™forneceu um meio indireto para os bra-
dutoras de açúcar, inclusive o Brasil, por um preço m a i s ^
vezq 0 antiamencan'smofo^isfação ^ a política doméstica.
do que o do mercado mundial. Quase todo o açúcar im ^
do do Brasil pelos Estados Unidos, spb o Ato, é proven^ 3 deSte’ expressareIT1 sua. . sentiam que o seu governo tinha
do Nordeste. Um relatório do Escritório de C on tab ilid ad ^ -ile,r0dis o. * ail° s T S r v i e t t t e pata com os Estados
governo dos Estados Unidos calculou que, em 1967 5,0 granado ’nl0'erar e madòs com o que viam como uma política
0 Brasil s®torn estavam alarma os í”, . s ^ intervenção americana
recebeu US$44,4 milhões como subsídio resultante do Ato do A '
" C Ín iaacâo f o t ç a d a ; ^ “ ^ “ ‘d()envo,cimento dos
car.1'' Esse bafejo permite que o Instituto do Açúcar e do Álc^i
compre açúcar do Nordeste por um preço artificialmente alto aumemat as animosi-
tornando rentável para os produtores do Nordeste manter mé' wados Unidos no V e t n ^ reduziram subsla„cialtnenle
todos antiquados de produção e não lhes dando nenhum estí Ides. Ent i » “ n0 Brasil, em parte pelo menos pot causa
mulo para alterar os seus métodos. É uma contradição curiosa
que, enquanto a missão da Usaid no Recife tenta encorajar o o » « * ■ »a- la
programa do Geran, os funcionários do Departamento de Es­ Enquanto isso, 0 general Artur da Costa e Silva
tado em Washington não têm feito nenhum esforço para pres­ afrouxando um p o u c ° c o l e g a s para suceder Castelo Bran-
sionar o Congresso no sentido de propor uma emenda ao Ato foi escolhido pelos o ^ g süva subiu a0 poder em março de
do Açúcar, a fim de criar pressões sobre os antiquados produ­ c0 como Preslde" a intenção de “ humanizar a revolução . Mas
tores de açúcar, como os do Nordeste brasileiro, para reformar 1967 e a n u n c io u ^ , em fazer qualquer progresso real no
sua «dmirnstraçao fracasso estrutural para com-
seus métodos. ^ tídodeuma3u«^ ^ o u u m obtida pe,a pota*
Na medida em que os esforços americanos se intensifica­
ram no Nordeste nos anos que se seguiram ao golpe, a presen­ plem entar a Pe(t a e n
„overno Ao iniciar-se o segundo ano do
ca de estabitocao 0o em ^ ao rcgime aparen,emente
ça americana se expandiu perceptivelmente. O Corpo da Paz
enviou uma multidão de voluntários para a região. Em meados governo de Costa controle. 0 s estudantes organizavam de-
estava ficando for Ocorreram algumas ati-
de 1967, 204 voluntários estavam trabalhando em várias comu­
monstrações violentas p católicos progressistas inten-
nidades através do Nordeste. Até o número de missionários ame­ .idades isoU d^ de guernlh^- Oa c a t ^ l t e ^ ^ ^ ^ politi.
ricanos aumentou. Um dos subprodutos deste influxo foi uma sificaram sua mobilização po . outros) tentaram
onda de antiamericanismo. Na Paraíba, os estudantes aborda­
COS (Kubitschek, Jâmo o única, em
vam os voluntários do Corpo da Paz e os missionários mórmons
formar um partido político ■ tais organizações,
com gritos de “ Vão para casa!” . Um estudo conjunto feito pe­
desafio às leis que determinavam ser ü e g jK £ £ o d e certos ofi-
la Sudene e o Estado de Michigan sobre as práticas de compra
Grupos paramilitares da direita, c nanba terrorista contra
e venda no Nordeste marcou passo por muito tempo por cau­
ciais do Exército, reagiram com o Vatica-
sa da suspeita dos brasileiros de que os americanos estavam li­ a esquerda, e catolicos conserva o r____ „ . j ja bra_
gados a empresas dos Estados Unidos que planejavam mudar-se
para a região. Uma campanha dos jornais do Recife caluniou

272
ambuco foi preso e tão barbaramente tortura­
As coisas atingiram um ponto de crise quando um d r ã o de Pern^ ídi0 tendo quebrado a espinha ao pular de
federal denunciou os militares como “ torturadores”
Üo tent° U ° L te l da polícia. Um grupo de estudantes do Sul
suprimido um congresso de estudantes. O governo exi ^ teren> dma janela doq f/U líc ia após um tiroteio no Recife. Os estu­
Congresso retirasse as imunidades dos parlamentares, o c ^Ue0 fei capturado Pceusados de planejar o seqüestro do cônsul dos Es-
so recusou, e em 13 de dezembro Costa e Silva decretou*11^
d a n te s ^ f ^ p n tr e eles se achava uma moça americana,
Institucional n? 5. O Congresso foi dissolvido e o Exérc'° ^to dos Unidos- b do alguma insatisfação com esta vi-
pôs uma rígida censura à imprensa. A onda de prisões qUe° ltn‘ Washmgto0 ^ ntoPs ^ Brasil Q que em 1964 foi denorni-
guiu foi uma reminiscência de abril de 1964. " ' - rada nos acon fo para 0 hemisfério ocidental e atualmente
As universidades foram submetidas a sérios ataques, e os nadoumgra para aqueles que vêem, confusos, a destrui-
fessores e estudantes foram vítimas de novos expurgos peia , fonte de a n b -cões democráticas, a censura da imprensa e a tor­
cia e pelo Exército. Isto provou ser forte demais até para Lin i ção das instlt" Ç dres e freiras. Para os que fazem a política
Gordon, naquela época presidente da Universidade Johns H * t a d o s as gahnhas voltaram para o poleiro, em casa.
kins, e ele se reuniu a outros especialistas em estudos latino-
americanos para mandar um telegrama de protesto a Costa e Sil . de l97o, uma seca seriíssima, a pior desde 1958, nova-
va/ Eni maio de > Nordeste numa área de desastre nacional.
No Nordeste, o Ato Institucional n? 5 significou a repressão ment£ tr oneses invadiam as cidades do interior e saqueavam lo-
sobre dom Hélder Câmara e seus seguidores. Um grupo católico
05 CamrP: anas e residências, à procura de comida. Chegaram mes-
ultraconservador denominado “ Sociedade para Defesa da Tra- jâs,mer trens e retirar as cargas de alimento. A Sudene,
dição, Família e Propriedade” fez uma campanha para transfe­ m0 3 P a,dhosa criada para defender a região contra os efeitos
rir o arcebispo do Nordeste. O governo expulsou dois padres antes 0rfs secas' rapidamente organizou um programa de “ fren-
americanos que estavam trabalhando no Recife e cujo boletim
d S a l h o ” para que os camponeses pudessem ganhar em
paroquial reproduzia artigos de jornais estrangeiros criticando o
fetos de serviços o bastante para permanecerem vivos. Refu­
regime (um terceiro padre americano retornou aos Estados Uni­
g o s dod sertão - os flagelados - começaram a chegar a cida­
dos pouco antes de sua iminente expulsão). A censura à impren­
de de São Paulo. Le Monde, o conhecido jornal parisiense,
sa excluiu dos jornais o nome e os pronunciamentos de dom
blicou que, “ pela quinta vez em um mês, a policia de Pernam-
Hélder, com exceção de alguma notícia ocasional nas páginas re­
£ parou um caminhão lotado de homens e mulheres que iam
ligiosas. Os espiões da polícia começaram a freqüentar as missas
ser ‘vendidos’ (como trabalhadores escravos) aos grandes propn
de domingo para surpreender sermões “ subversivos” . Terroris­
tários no estado de Minas Gerais por oitenta cruzeiros - menos
tas atiraram contra o palácio episcopal, o escritório arquidioce­
sano e a residência de dom Hélder, e pintaram o muro com os de US$18 por r cabeça” .22
dizeres “ Morte a Dom Hélder, o Arcebispo Vermelho’’. No dia Plus ça change...
26 de maio de 1969, um de seus padres foi brutalmente assassi­
nado. Este fato, somado ao ferimento a bala de um líder estu­
dantil que ficou paralítico, estendeu um manto de terror sobre
os nordestinos que haviam expressado de alguma forma sua crí­
tica ao regime.
O processo de polarização tem continuado rapidamente. Um
jovem estudante de São Paulo que tentou organizar camponeses
275
274
A P Ê N D IC E
NOTAS

CAPÍTULO UM
1 0 autor estava presente no ônibus e no comício, em 29 de
junho de 1963.
2 C o n g r e s s i o n a l Record, 25 de março de 1963, pp. 4866-69.
3 A Hora (jornal do Partido Comunista, Recife), 6 de outu­
bro de 1962.
4 Em relação à história de João Teixeira e sua família, reporte-
se a Lêda Barreto, Julião — Nordeste — Revolução (Edito­
ra Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963), p. 130; An­
tônio Callado, Tempo de Arraes: Padres e Comunistas na
Revolução sem Violência (José Álvaro Editora, Rio de Ja­
neiro, 1965), pp. 65-70; Land Tenure Conditions and Socio-
Economic Development o f the Agricultural Sector: Brazil
(Comitê Inter-Americano para Desenvolvimento Agrícola,
União Pan-Americana, Washington, D.C., 1966), pp. 312-13;
Jornal do Comércio (Recife), 10 e 11 de abril de 1962; A Ho­
ra, 7 de abril de 1962; Última Hora (Recife), 1 e 13 de julho
de 1962; The New York Times, 10 de abril de 1962, p. 17;
id., 11 de abril de 1962, p. 18.
5. Para um retrato interessante do Recife, vide artigo de Ralph
Nader no jornal Christian Science Monitor, 30 de setembro
de 1963.
6. Jornal do Comércio, 11 de julho de 1961.
7. Josué de Castro, Documentário do Nordeste (Editora Brasi-
liense, São Paulo, 1959), pp. 25-28.

279
n c,(. supra, nota 5, PP- 105-27.
8. A fonte para a informação biográfica sobre Furtad - . Vide Tamer’ do da história sócio-econômica do Nordeste
sandro Porro, “ por que ele é um cassado” , Realida / C^*es' ' O melhor e tud Andrade, ,4 Terra e 0 Homem no Nor-
to de 1967, p. 76. e’ a8o$- 8- é d e ^ an0e'?B rasiliense, São Paulo, 1963). V.de também
9. Gerald Clark, The Corning Explosion in Latin A deste (Ed't°ra *r h in the Northeast (Rondom House,
(McKay, New York, 1963), p. 248. mer‘<* Josué de CaSt™;. Andre Gunder Frank, Capital,sm and Un-
10. Discurso do Presidente John F. Kennedy, 13 de ma New York, W > America (Monthly Rev.ew Press,
1961. Public Papers o f the Presidents o f the United de derdeveloP^t ' 4; CelsQ Furtad0) The Economtc
1961 (Escritório da Imprensa do Governo dos Estados Ne* Brazil(University of Califórnia Press, Berkeley,
dos, Washington, D.C., 1962), pp. 170-81. Qrowth 0 ] supra, nota 5.
11. Citado no The New York Times, 15 de julho de 1961 p jq 1965) ; TaIperàl Gilberto Freyre, The Masters and the Sla-
12. Arthur M. Schlesinger, Jr., A Thousand Days (Hought 9. Vide- em.g” t d a (Alfred A. Knopf, New York, 1964); Jose
Mifflin, Cambridge, Mass., 1965), p. 171.
~ í í ^ ^ flo'< AlfredA Knopf, New York,
Lins do iseg<->.
C apítulo D ois 1966) (1 _ V Vilaça e Roberto C. de Albuquerque, Coro-
1. Para material de fundo sobre o Nordeste do Brasil, vide em 1°- Vf c o m néis (Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1965).
geral The Brazilian Northeast (folheto preparado pela em­
baixada do Brasil, Washington, D.C., agosto de 1961), pp !'• vyTTèrome Levinsone'JuarfdeOnis, The Alliance That Lost
1-3; René Dumont, Lands Alive (Monthly Review Press, New
York, 1965), Cap. 3; Celso Furtado, Diagnosis o f the Brazi­
lian Crisis (University of Califórnia Press, Berkeley, 1965),
Cap. 9; Stefan H. Robock, BraziPs Developing Northeast:
A Study o f Regional Planning and Foreign Aid (Brookings 14 " I S D ^ m in Aeiion (Thrupp ed„ M ou.cn, The Ha-
Institution, Washington, D.C., 1963), Caps. 1-3; Charles Wa- M , q62). waldemar Valente, Misticismo e Religião: Aspec-
gley, An Introduction to Brazil (Columbia University Press, Z d o Sebastianismo Nordestino (Instituto Joaquim Nabueo,
New York, 1963), pp. 33-53.
2. Vide Northeast Brazil: Nutrition Study, March-May, 1963 ,5 vide Ralph delia Cava, Milagre em Juazeiro (Columbia Uni-
(Relatório da Comissão Interdepartamental sobre “ Nutrição versity Press, New York, 1970).
para Desenvolvimento Nacional” , maio de 1965). A Comis­ ,6 WdeWagley, opcit., supra, no.a 1, p. 49; Eduardo Barbo
são Interdepartamental é composta de representantes dos de­ ' a L a m p i ã o : Reido Cangaço (Edições dc Ouro, Rio d t
partamentos de Defesa, Estado, Agricultura e Alimentos do
Programa da Paz.
3. Vide Ruy João Marques, Aspectos da Saúde Pública no Nor­ Capítulo T rês
deste (Imprensa Universitária, Recife, 1964).
1 The New York Timeé, 5 de janeiro de 1955.
4. Nutrition Study, supra, nota 2. 2. E.g.,a primeira página do The Ne» p u b lico u
5. Alberto Tamer, O Mesmo Nordeste (Editora Herder, São histórias da América Latina nos dias 3, 4, 6, 9, 1U, n , .
Paulo, 1968), pp. 114-15. 13, 14, 15, 19, 21, 22, 23, e 26 de janeiro de 1955.
6. Nutrition Study, supra, nota 2.
28’
280
3. Id., 2 de janeiro de 1955. Julião. Cuernavaca, México, setembro de
4. A minha principal fonte de informação para a h' ■ 10.
Entrevista com
1969-
visitas dos camponeses à casa de Julião é oriund supra, nota 6, p. 110.
vistas com Jonas de Souza durante minhas pr(w - entre- julião. op. cit., Julião, Cuernavaca, México, setembro de
11 - E n t r e v i s t a com
em julho de 1967 e junho de 1969. A minha versà* V‘Sitas 12 .
contro é coerente com aquela de Antônio Callado ° d° en‘ l9í 9-n OP cit-, supra, nota 6, pp. 111-12.
meiramente escreveu sobre isto em uma série de a if ^ pri' 13. JU13 nara a história de Antônio Vicente são Meira e Pas-
jornal do Rio, Correio da Manhã, em setembro de £ > 14- V supra, nota 4, pp. 9-12; Julião, op. cit., supra,
artigos estão reproduzidos em Os Industriais da S sos. °P- ,7 j uiião refere-se a ele como Antônio da
nota 6, PP- J ‘
“Galileus” de Pernambuco, de Antônio Callado (Edh^ ? °5
vilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1960), pp. 33.43° ? Ci' l5 Vüaça & Albuquerque, op. cit., supra, Cap. 2, nota 10, p.
segunda versão do encontro, bastante diferente, primeir ^
te apareceu em um artigo intitulado “ Nordeste: As s " " ”1' VTde Francisco Julião, Que São as Ligas Camponesas? (Edi-
tes da Subversão” , de Mauritônio Meira e Hélio Passo"1611' 16’ 'ra Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1962), pp. 44-45.
O Cruzeiro de 11 de novembro de 1961, pp. 8-9. Esta ve F trevista com Gilberto Freyre, Recife, junho de 1963.
foi subseqüentemente reproduzida por Gerald Clark od F• 8 Vide, por exemplo, A Hora, 20 e 27 de outubro de 1962; No-
supra Cap. 1, nota 9, pp. 203-04, e Josué de Castro’ op cii‘ ° vos Rumos (jornal do Partido Comunista publicado no Rio
supra, Cap. 2, nota 8, pp. 7-17. É rejeitada pelo pròf. Nealé de Janeiro), 23 e 29 de novembro de 1962.
J . Pearson em sua dissertação SmallFarmer and Rural Pre 19 Moraes, op. cit., supra, nota 4, p. 453.
sure Groups in Brazil (University Microfilms, Ann Arbor 20’ Vide Clodomir Moraes, Queda de Uma Oligarquia (Gráfica
Mich., 1967), p. 103, nota de rodapé 3. Uma terceira versão’ Editora, Recife, 1959).
que diminui o papel de Julião e torna José dos Prazeres ò 2i vide Julião, op. cit., supra, nota 16, pp. 34-41.
principal motivador do movimento das Ligas Camponesas II. Moraes, op. cit., supra, nota 4, p. 453.
veio à tona recentemente em “ Ligas Camponesas do Brasil”’ 23 Vide Gondin da Fonseca, Assim Falou Julião (Editora Ful­
de Clodomir Moraes, publicado em Agrarian Problems and gor, São Paulo, 1963), pp. 49-53.
Peasant Movements in Latin America (Stavenhagen ed., An- 24. Callado, op. cit., supra, nota 4, p. 142.
chor Books, Garden City, N. Y., 1970), pp. 462-64, nota de 25. Francisco Julião, A Cartilha do Camponês (Recife, 1960),
rodapé 10. Esta descrição está distorcida pelo fato de que tan­ p. 5.
to 0 autor como José dos Prazeres discutiram com Julião e 26. Vide, por exemplo, A Hora, de 30 de setembro de 1961.
disputaram a sua liderança das Ligas Camponesas. 27. Citado em Barreto, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, p. 131.
5. Meira e Passos, op. cit., supra, nota 4, p. 9. 28. Citado em Meira e Passos, op. cit., supra, nota 4, p. 13.
6 . Julião escreveu extensamente sobre a sua infância e sua fa­
mília em Cambão: La Cara Oculta de Brasil (Siglo XXI Edi­
C a p ít u l o Quatro
tores, México City, 1968).
7. Id., p. 21. 1. A fonte primeira da carreira de Miguel Arraes é Adirson de
8 . Francisco Julião, A té Quarta, Isabela! (Editora Civilização Barros, Ascensão e Queda de Miguel Arraes (Editora Equa­
Brasileira, Rio de Janeiro, 1965), p. 50. dor, Rio de Janeiro, 1965).
9. Id., pp. 48-51. 2. Sobre a carreira de Getúlio Vargas, vide Thomas E. Skid-

282 283
. sobre Operações Governamentais, U.S. Govern-
0 more,, Politics in Brazil: 1930 - 1964 (Oxford Universit doSenpõnting Office, Washington, D.C., 1966).
te New York, 1967), pp. 3-136; John W. F. Dulles, V a r ' ment P York Times, 12 de novembro de 1961, p. 43.
Brazil: A Political Biography (University of Texas 'pres^ ° S 10. TI,e, V j o p . CU .i upra, Cap. no,a 11, p. 172.
tin, Texas, 1967). Para obter um retrato interessante d ^ Us' 11- Schlesin„ > ^ Paulo, 7 de maio de 1963; Glauco Carnet-
túlio, vide John Gunther, ínside Latin America (Ha C'^e' 12. ° ^ N o r d e s t e : Sinal Vermelho” , O Cruzeiro, 30 de junho
Bros., New York, 1941, Cap. 23. rper & ro»
3. Citado em Barros, op. cit., supra, nota 1, p. 34 U- 'fhnian, op. cit., supra, nota 2, p. 88.
4. A revolta comunista no Recife é descrita no livro de G1 13. H'rS inte descrição do papel de Furtado nas negociações pa-
Carneiro, História das Revoluções Brasileiras (Edições 0 C C° *4’ A ajuda exterior é baseada numa entrevista com Furtado em
zeiro, Rio de Janeiro, Volume 2, 1965). Vide também Diár Paris, maio de 1968.
de Pernambuco, 27 e 28 de novembro de 1935;
5. Vide Robert J. Alexander, Communism in Latin America ( Rut l5 ' R o e tt, op. cit., supra, nota 7, p. 274.
ih
gers University Press, New Brunswick, N.J., 1957), ç ap
Capítulo Seis
Capítulo C inco 1 Mauritônio Meira, “ As Soluções da Estupidez” , O Cruzet-
1. Callado, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 6. ro 25 de novembro de 1961, p. 57.
2 Jornal do Comércio, 1 de julho de 1961.
2. Para uma extensa discussão do problema da seca e a funda­
ção da Sudene, vide Albert O. Hirschman, Journeys Toward 3 Meira, op. cit., supra, nota 1, p. 54.
4 Vide, por exemplo, Diário de Pernambuco, 6 de fevereiro de
Progress: Studies o f Economic Policy-Making in Latin Ame­
rica (Twentieth Century Fund, New York, 1963), Cap. 1. 1962.
5 Vide Anthony Leeds, “ Brazil and the Myth of Francisco Ju-
3. Andre Gunder Frank, Capitalism and Underdevelopment in
Hão” , Politics o f Change in Latin America, Maier e Wea-
Latin America (Monthly Review Press, New York, 1969), p.
therhèad, eds. (Praeger, New York, 1964), p. 190; Roett, op.
245.
cit., supra, Cap. 5, nota 7, p. 282.
4. The New York Times, 31 de julho de 1969, p. 33.
6. Glauco Carneiro,“ A Outra Face de Julião” , O Cruzeiro, 14
5. Robock, op. cit., supra, Cap. 2, nota 1, p. 128.
de abril de 1962, p. 20.
6. Northeast Brazil Survey Team Report (fevereiro, 1962), p. 2. 7. Diário de Pernambuco, 6 de fevereiro de 1962.
7. Riordan J. A. Roett III, Economic Assistance and Political 8. Ibid.
Change: The Brazilian Northeast (University Microfilms, Ann 9. O Estado de São Paulo, 6 de dezembro de 1961, p. 5.
Arbor, Mich., 1968), p. 12, publicado como Political Chan­ 10. Vide Tad Szulc, The Winds o f Revolution: Latin America
ge and Economic Assistance in the Brazilian Northeast pela Today — and Tomorrow (Praeger, New York, 1963), p. 20.
Vanderbilt University Press.
11. Vide Jornal do Comércio, 14 de junho de 1962.
8. Entrevista com funcionário da Usaid, Washington, D.C., ou­
12. The New York Times, 23 de janeiro de 1961, p. 5.
tubro de 1969; entrevista com o dr. Lincoln Gordon, Balti-
13. O Congresso está descrito na Revista Brasiliense, janeiro-
more, Md., março de 1971.
fevereiro de 1961.
9. United States Foreign Aid in Action: A Case Study (Subco­
14. The New York Times, 23 de janeiro de 1961, p. 5.
missão de Despesas com Assistência ao Exterior, Comissão
285
284
15. Simone de Beauvoir, Force o f Circumstances (Putnam' . ta no Recife, junho de 1969.
gntrevisw j ornal do Comércio, 21 de dezembro de
York, 1964), p. 535. s'New
[5 Vide,Pore
16. Entrevista com Julião, Cuernavaca, México set*
1969. ’ Cmbro de l96L ra 9 de dezembro de 1961.
16. A ^ de junho de 1962.
17. Vide Benno G aljart, “ Classe e Seguidores’ no Brasil R
América Latina, julho-setembro de 1964. Ura*”> 17. ,d" cta em Cuernavaca, México, setembro de 1969.
18. EntrCVn
pearson, nn op. c^ it,> supra, Cap. 3, nota 4, p. 125, nota de ro-
18. Citado em Julião, op. cit., supra, Cap. 3, nota 16 n s
19-
19. Diário de Pernambuco, 6 de fevereiro de 1962. ’
20. Id., 9 de fevereiro de 1962. áf t l i d o Comércio, 4, 7, 15, 16, 19 e 21 de dezembro de
20 S Congressional Record, 25 de março de 1963, pp.
Jornal do Comércio, 11 de setembro de 1962.
.

21.
J ^ 7 69. Documentation o f Communist Penetration in La-
22. A Hora, 15 e 29 de setembro de 1962.
48 America (Declarações feitas perante a Subcomissão para
23. Vide Eckstein, “ Um Relatório sobre o Nordeste Brasileiro”
!,W vestieação da Administração do Ato de Segurança Interna
Swiss Review o f World Affairs, dezembro de 1962, p. 15. gar’
n ,trns Leis de Segurança Interna, da Comissão Jurídica do
reto, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 79-84.
24. Vide fontes citadas no Cap. 1, nota 4. Qenado Pt. 1» 2 de outubro de 1963), pp. 99-102; Id, Pt. 3,
b , oq’ - a Liga, 11 de dezembro de 1962, p. 6, republica­
9 2
25. Vide Julião, op.. cit., supra, Cap. 3, nota 6, pp. 159.53
na em Ligas Camponesas: Outubro 1962 - Abril 1964 (F. Ju-
5Jn ed. Cuaderno N? 27, Centro Intercultural de
Capítulo Sete
Documentación, Cuernavaca, México, 1969), pp. 75-84. O
1. Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, p. 58. fato de 0 “ caper” ter realmente ocorrido foi agora confir-
2. Jornal do Comércio, 27 de abril de 1962.
3. The New York Times, 18 de novembro de 1961, p. 9. nota 4, pp. 484-89.
4. Jornal do Comércio, 27 de janeiro de 1962. 21 Moraes, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 487.
5. Vide Gerrit Huizer, “ Algumas Anotações sobre 0 Desenvol­ 22 Entrevista, Cuernavaca, México, setembro de 1969.
vimento de Comunidade e Pesquisa Social Rural” , América 23 Moraes, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 489.
Latina, julho-setembro de 1965, p. 128. 24. Jornal do Comércio, 19 de dezembro de 1962.
6. Citado em Belden Paulson, “ Dificuldades e Projeções para 25. Ligas Camponesas, op. cit., supra, nota 20, p. 76.
o Desenvolvimento da Comunidade no Nordeste do Brasil” , 26. Entrevista, Cuernavaca, México, setembro de 1969.
Inter-American Economic Affairs (Vol. 17, N? 4, primavera 27. Ibid.
de 1964), p. 37. 28. O material sobre Joel Câmara está baseado em entrevistas
7. Citado em Barreto, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 49-50. com ele em junho e julho de 1963; julho de 1967; e junho
8. Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1964. de 1969; vide também F. Novaes Sodré, Quem é Francisco
9. Citado em Meira e Passos, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, Julião? (Redenção Nacional, São Paulo, 1963), p. 32.
p. 13. 29. Diário de Pernambuco, 2 de outubro de 1962.
10. Citado em Galjart, op. cit., supra, Cap. 6, nota 17. 30. Jornal do Comércio, 13 de janeiro de 1963.
11. Jornal do Comércio, 12 de janeiro de 1962. 31. Id., 9 de maio de 1963.
12. Id., 17 de abril de 1962. 32. Id., 11 de setembro de 1962.
33. Republicado em Aluísio Guerra, A Igreja está com o Po-
13. The New York Times, 23 de janeiro de 1961, p. 5.
287
286
vo? (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro
19-23. • oficiais dos Estados Unidos e J . Warren1Nystrom
34. Citado em Ligas Camponesas, op. cit., supra nota ->i\ sã0V^ Haverstock, The Alliancefor Progress (D.• Van
' Nos-
44-55. ' PP. fjathanA' ^ “ n. J., 1966), p. 82.
35. Id., p. 273. írani Pr'”f ° supra, Cap, 3. nota 4, p. 108, nota de ro-
36. Vide Carneiro, op. cit., supra, Cap. 5, nota 12 ^ pearsom vy-
37. Vide Hispanic American Report (Vol. 16, janeiro de dapé 3' -sta em Washington, D.C., março de 1969.
p. 81. 1963), 4. Entrevista Prííí/COj Histórico e Sent,mental da Ct-
38. Jornal do Comércio, 6 de janeiro de 1963. 5. Gilberto s üvraria José olímpio Editora, Rio de
39. Ibid. dade do Recife, 4.
janeiro, l968)! P - ào sobre vários funcionários da Usaid no
Capítulo Oito 6- está baseada em entrevistas extensivas com amen-
1. Minhas fontes de informação para estes dados foram Rela
hra ileiros que possuíam conhecimento direto das opera-
tórios Mensais preparados pelo consulado americano no R can0S/ a u said durante este período.
cife em 1963. Çf Entrevista no Recife, junho de 1963.
2. U. S. Army Area Handbook fo r Brazil (panfleto do Depar­ g Entrevista com John Dieffenderfer, New York, dezembro de
tamento do Exército, No 550-620, julho de 1964), p. 297
3. Livro de Leitura para Adultos (Gráfica Editora do Recife l9o69Ralph Nader, “ Brazil Aid Effort Rapped” , Christian Saem
1962). I J S S L 7 de setembro de 1963, p. 12. Os outros artigos fo-
4. Diário de Pernambuco, 2 de setembro de 1962. « t E d o s no Monitor em 5 e 9 de setembro de 1963.
5. Vide, por exemplo, id., 6 de outubro de 1962. m Vide T Hogen, The Introduction o f the Peasant to lhe Coo-
6. Para o depoimento de Arraes perante a comissão federal que oerative Movement (CLUSA, Chicago, 1966), p. 9.
investigava o IBAD, vide Barros, op. cit., supra, Cap. 4, no­ U. Sheehan, “ Co-op Group Got CIA Conduit Aid , The Ne*
ta 1, pp. 171-74. York Times, 16 de maio de 1967, p. 37.
7. Diário de Pernambuco, 29 de agosto de 1962. 12. U.S. Army Area Handbook fo r Brazil, citado supra, Cap.
8. Citado em Barros, op. cit., supra, Cap. 4, nota 1, p. 82. 8, nota 2, p. 627. . . ,
9. Diário de Pernambuco, 7 de outubro de 1962. 13 Entrevista em Washington. D.C., janeiro de 19 0. -
10. Id., 30 de agosto de 1962. 14. Tad Szulc, The Winds o f Revolution: Latin America Today
11. Citado em Barros, op. cit., supra, Cap. 4, nota 1, p. 85. — and Tomorrow (Praeger, New York, 1963), p. 34.
A __4 „ O — 1 A
12. Jornal do Comércio, 15 de fevereiro de 1963.
13. O discurso está republicado em Palavra de Arraes (Editora
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965), pp. 9-24. Capítulo Dez
1. Nader, op. cit., supra, Cap. 9, nota 9.
Capítulo Nove 2. Vide Cap. 5, nota 12, supra.
1. Para uma descrição detalhada da ocorrência, vide Diário de 3. Carneiro, op. cit., supra, Cap. 5, nota 12.
Pernambuco, 1? de agosto de 1961. 4. Entrevista em Nova York, dezembro de 1969.
2. Minhas fontes de informação sobre a história do gerador 5. Vide Levinson e Onis, op. cit., supra, Cap. 2, nota 12, p. 88.
6. Roett, op. cit., supra, Cap. 5, nota 7, p. 322.
288
280
7. John Dos Passos, Brazil on the Move (Doubledav m • a está fazendo barulho marxista. Vide Antônio Me-
1963), p. 189. y,NewYo^ 7. ^ T h e Corning Revolution in Brazil (Exposition Press, New
8. Os projetos do Rio Grande do Norte estão descrito h
damente em Roett, op. cit., supra, Cap. 5, nota 7 DSdetaltla- Y° lk r S o , op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 50-53.
330-43; vide também Report o f the Special Study A/ 3*4' 19, 8' Republic, 4 de janeiro de 1964, pp. 10-11.
the Dominican Republic, Guyana, Brazil and P a ra p T ^ ‘° 9- u trabalho do bispo Eugênio Sales, vide Pearson, op.
mitê de Assuntos Exteriores, Câmara de D eputado^ >°’ Sf r®upra, Cap. 3, nota 4, pp. 149-50.
maio de 1967), pp. 28-29. s’ 1? de p tes de observação sobre legislação de trabalho rural in-
9. Hispanic American Report (Vol. 15, dezembro de iqz-v U- Fon Robert E. Price, Rural Unionization in Brazil (Land
962. iy62)-p. T^nure Center, University of Wisconsin, Madison, Wis., No.
10. Citado em Barros, op. cit., supra, Cap. 4, nota 1, pp 13fi t i aaosto de 1964); Land Tenure Conditions, op. cit., su-
11. Palavra de Arraes, op. cit., supra, Cap. 8, nota 11, PD n , ' 1 Cap. 1, nota 4, pp. 297-332.
12. Newsweek, 11 de março de 1963, p. 55. ’ ’ *• Informação sobre o Sorpe foi obtida através de entrevistas
13. Id., 24 de fevereiro de 1964, p. 36. 12 com o padre Crespo e membros de sua equipe no Recife, em
14. Entrevista em Washington, D.C., março de 1970. junho e julho de 1963.
15. Entrevista com John Dieffenderfer, Nova York dezemh 13 Citado em Price, op. cit., supra, nota 11, pp. 50-51.
de 1969. ’ ro 14 A Hora, 16 de junho de 1962.
16. Publicado em Aliança para o Progresso: Inquérito (Editora 5 Vide Cynthia N. Hewitt, “ Brazil: The Peasant Movement of
Brasiliense, São Paulo, 1963). Pernambuco, 1961-64” , Latin American Peasant Movements,
17. Última Hora, 4 de maio de 1963. H. Landsberger, ed., (Cornell University Press, Ithaca, N.Y.,
18. Jornal do Comércio, 4 de maio de 1963. 1969), P- 374- O estudo de Hewitt, baseado principalmente
19. Última Hora, 5 de maio de 1963. no Nordeste após o golpe de 1964, é importante fonte de in­
20. Entrevista com John Dieffenderfer, Recife, julho de 1963. formação, devendo ser visto como um lado da história.
21. Jornal do Comércio, 20 de agosto de 1963. 16. Vide Caio Prado, Jr., “ Marcha da Questão Agrária no Bra­
22. Última Hora, 18 de julho de 1962; Fonseca, op. cit., supra, sil” , Revista Brasiliense, janeiro e fevereiro de 1964.
Cap. 3, nota 23, p. 67. 17. Diário de Pernambuco, 10 de abril de 1963.
18. Id., 11 de abril de 1963.
Capítulo Onze 19. Citado no Jornal do Comércio, 16 de fevereiro de 1963.
20. Entrevista com o autor, junho de 1963.
1. A ascensão à proeminência de padre Melo está descrita por 21. As fontes de informação das quais dependi incluem Hewitt, op.
Mauritônio Meira em “ Nordeste: A Revolução de Cristo”, cit., supra, nota 15; Mary E. Wilkie, A Report on Rural Syndi-
O Cruzeiro, 2 de dezembro de 1961, p. 28. catesin Pernambuco (Centro Latino-Americano para Pesquisa
2. Jornal do Comércio, 12 de novembro de 1961. nas Ciências Sociais, Rio de Janeiro, abril de 1964) (cópia mi-
3. Id., 6 de maio de 1962. meografada arquivada com o autor); Callado, op. cit., supra,
4. Hispanic American Report (Vol. 15, dezembro de 1962), p. Cap. 1, nota 4; jornais do Recife publicados durante este perío­
962. do (Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio, Última Hora
5. Meira, op. cit., supra, nota 1. e A Horá)\ Ligas Camponesas, op. cit., supra, Cap. 7, nota 20;
6. Jornal do Comércio, 16 de fevereiro de 1963. entrevistas com pessoas ligadas às Ligas Camponesas e Sorpe.

290 291
■ cisco Julião, “ La Izquierda en el Brasil” , Política, 15
22. Newsweek, 24 de fevereiro de 1964, p. 36. 2* ^ hril de 1962.
23. Citado em Price, op. cit., supra, nota 11, p. 53 de , ions Camponesas, op. cit., supra, Cap. 7, nota 20, pp.
24. Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, p. 93 3- V' f Í 538-48.
25. Entrevista em Cuernavaca, México, setembro ri* ■a D iá r io de Pernambuco, 18 de janeiro de 1964.
26. Ibid. I%9- 4- Vldt’ , d0 Comércio, 20 de agosto de 1963.
27. Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 97.90 5- Jor dQ em Fonseca, op. cit., supra, Cap. 3, nota 23, p. 65.
28. Última Hora, 11 de outubro de 1963. 6' r^ d o em Barros, op. cit., supra, Cap. 4, nota 1, p. 97.
29. Vide Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp 13s 7- v'de Barreto, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 26-34.
30. Para uma cópia da ata, vide O Problema Agrário na Z ^ 5°‘ 8' rlllado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, p. 103.
navieira de Pernambuco (Imprensa Universitária, Recife"]g£°' A Vide Skidm ore, op. cit., supra, Cap. 1, nota 8, pp. 234-52.
31. Land Tenure Conditions, op. cit., supra, Cap 1 nota 4 n ld PP- 275-76.
329-30. ’ ,pP- Diário de Pernambuco, 16 de janeiro de 1964
!?' /d 25 de março de 1964.
Capítulo Doze 4 Vide Skidmore, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, pp. 234-52.
/ A Hora, 22 de janeiro de 1964.
1. Fontes de informação sobre o Método Paulo Freire inclu 6 Diário de Pernambuco, 25 de fevereiro de 1964.
Callado, op. cit., supra, Cap. 1, nota 4, pp. 123-33; Paulo 17' vide Skidmore, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, p. 276.
Freire, Educação como Prática de Liberdade (Paz e Terra 18 Última Hora, 1? de março de 1964.
Rio de Janeiro, 1967) (especialmente a introdução p o r Fran­ 19 Vide John W. F. Dulles, Unrest in Brazil (University of Te-
cisco C. Weffort); “ The Paulo Freire Method” , trabalho não xas Press, Austin, Texas, 1970), pp. 257-63.
publicado de Robert Myhr, um bolsista Fulbright no Recife
em 1963-64; entrevista com Jarbas Maciel, assistente de Paulo
Freire, em Recife, junho de 1963; Levinson e Onis, op. cit., nota 19, pp. 267-74.
supra,
supra, Cap. 2, nota 12, pp. 284-92.
21. Última Hora, 13 de março de 1964.
2. A fonte de informação para dados biográficos sobre Paulo 22. Vide Levinson e Onis, op. cit., supra, Cap. 2, nota 12, p. 88.
Freire é Márcio Moreira Alves, O Cristo do Povo (E ditora 23. Boston Globe, 23 de março de 1964, p. 12.
Sabiá, Rio de Janeiro, 1968), pp. 200-03. 24. Skidmore, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, pp. 325-26
3. Detalhes sobre o projeto Angicos foram fornecidos pelo fun­ 25. Entrevista com funcionário da Usaid.
cionário da Usaid Philip Schwab em entrevista em Washing­ 26. Vide Skidmore, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, p. 326.
ton, D.C., outubro de 1969. 27. Entrevista com um conservador que participou da reunião
4. Entrevista com Jarbas Maciel no Recife, junho de 1963. de arm” Recife, julho de 1967.
5. Pearson, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, pp. 150-51. 28. Skidmoie, op. cit., supra, Cap. 4, nota 2, p. 300.
6. Vide Viver é Lutar: 2? Livro de Leitura para Adultos (Movi­ 29. Diário de Pernambuco, 31 de março de 1964.
mento de Educação de Base, outubro de 1963), pp. 8, 32. 30. Palavra de Arraes, op. cit., supra, Cap. 8, nota 11, pp.
135-36.
Capítulo Treze 31. Jornal do Comércio, 1? de abril de 1964.
1. O autor estava presente no jipe durante o comício aqui 32. Ibid.
descrito.
293
292
Capítulo Quatorze nor exemplo, Jornal do Comércio, 14dejunhode 1964.
11- Vlde’vista com funcionário da Usaid, Recife, julho de 1967.
1. Detalhes do que aconteceu a Celso Furtado em 3i a 12 EntrCVma discussão das ocorrências após o golpe, vide Skid-
-
foram obtidos em entrevista com Furtado em Pari ^ marÇo 13- cit., supra, Cap. 4, nota 2, pp. 303-21.
de 1968. Estão corroborados por uma tabela de ac^ em.maio comércio, 9 de abril de 1964.
tos publicados no Jornal do Comércio, 2 de a b r n T ^ 11' |4. f 3 de abril de 1964.
2. Jornal do Comércio, 1? de abril de 1964. 6 *964- 15. f rmação sobre as nulidades e atrocidades pós-golpe fo-
3. Entrevista com Naílton Santos, Cambridge Ma« 16. nt° btidas no curso de extensas entrevistas no Recife em
bro de 1969. ’ ” dezem.
S o de 1964 e julho de 1967.
4. Detalhes do confronto entre os estudantes e as trona f
]tornai do Comércio, 10 de abril de 1964.
obtidos em entrevista com Robert Myhr, bolsista F 0ram r . Vide Alves, op. cit., supra, Cap. 12, nota 2, pp. 203-05.
em Recife, junho de 1964, e do Jornal do Comér^rJT1' 18. O autor entrevistou Freire e lanchou com ele em sua residên­
abril de 1964. ’ 2 de 19.
cia um dia antes de ser preso.
5. Murilo Marroquim, “ Ação do IV Exército Contra Arra >. Vide em geral, Alves, op. cit., supra, Cap. 12, nota 2.
O Cruzeiro, 25 de abril de 1964. es ’• 20 Pearson, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, p. 154, nota de ro­
.

6. Tad Szulc, “ Washington Sends Warmest’ Wishes to Bra i> 21.


Leader” , The New York Times, 3 de abril de 1964, p*]S dapé 1. .
Entrevista com mme. Violeta Gervaiseau, Paris, maio de
22 .

Capítulo Quinze 1968.


23. Última Hora, 14 de abril de 1964.
1. Fontes para a história de Gregório Bezerra são Antônio Calla- 24. Diário de Pernambuco, 3 de abril de 1964.
do, “ Les Ligues Paysannes” , Les Temps Modernes, outubro 25. Id., D de abril de 1964.
de 1967, p. 751; Márcio Moreira Alves, Torturas e Tortura­ 26. O dr. Gordon tem afirmado que ficou tão perturbado pelos
dos (Idade Nova, Rio de Janeiro, 1966), pp. 59-61; entrevista abusos pós-golpe dos processos constitucionais que conside­
com companheiro de cela de Gregório, Recife, julho de 1967. rou pedir demissão do seu posto de embaixador, sendo dis­
2. Diário de Pernambuco, 5 de abril de 1964. suadido de tal ação pelo seu conselheiro político. Vide
3. Time, 17 de abril de 1964, p. 49. Levinson e Onis, op. cit., supra, Cap. 2, nota 12, pp. 90-91.
4. Vide Alves, op. cit., supra, Cap. 3, nota 1. Suas palavras e ações durante o período pós-golpe não eram
5. Vide Pearson, op. cit., supra, Cap. 3, nota 4, pp. 108-09, de forma alguma consistentes com esta revelação recente.
nota de rodapé 3. 27. A citação exata foi fornecida pelo dr. Gordon em uma carta
6. A fonte para a história da captura de Julião é Julião, op. cit., ao editor em Commonweal, 7 de agosto de 1970, p. 379.
supra, Cap. 3, nota 8. 28. Em junho de 1964, um funcionário do USIS no Rio forne­
7. Vide Jornal do Comércio, 1 de junho de 1964; vide também ceu ao autor uma cópia de um jornal publicado pelo gover­
O Cruzeiro, 27 de junho de 1964, p. 142. no brasileiro e intitulado Brasil Acordou em Tempo. Apesar
8. Washington Post, 12 de maio de 1964. de ser um pouco mais do que mera propaganda tentando jus­
9. Cópia no fichário do autor. tificar o golpe, o funcionário do USIS presenteou o artigo
10. Minha fonte de informação sobre o Sorpe e os sindicatos da ao autor como uma “ folha de fatos” . Em Recife, várias se­
Igreja após o golpe é uma entrevista com um homem da CIA- manas antes, um funcionário do USIS “ informou” o autor
CLUSA, no Recife, agosto de 1965. com “ fatos” que apoiavam o golpe completamente.

294 295
elatório da visita do autor a Palmares em julho de
29. Vide Christian Science Monitor, 14 de agosto de iqfi ,5. para r page, “ Northeast Brazil: Rich Become Richer and
30. Life (Ed. Internacional), 31 de maio de 1964. 1967, vide ’Dgnver Posí (Perspective Magazine), 6 de
31. Celso Furtado, “ Political Obstacles to Economic Gr poorP 00^ p 12
Brazil” , Obstacles to Change in Latin America, C. Vel' 'n agosto de >Sun>ey 0j the Alliance fo r Progress (Com-
(Oxford University Press, London, 1965), p. J60 Z’ed'
16 Vid£’ £IÜ Foreign Relations, U.S. Senate, Doe. No 91-17,29
E pílogo f a b r i l de « PP- 573‘658-
$86
1. The Rockefeller Report on the Américas (Quadrangle r v 17. ,d ’. P"jfjcátion and Modernization of Agriculture in the Su-
cago, 1969), p. 5. ’ hi' 18 “Dl!fr Zone 0f Northeast Brazil” , Hawaiian Agronomics
.

2. Para a tradução da novela em inglês, vide Antônio Callad International, Basic Agreement No AID/csd.-842, Task Or-
Quarup (Alfred A. Knopf, New Iork, 1970).
3. Entrevistas com Julião e seu advogado, Recife, agosto d rvneral Accounting Office, “ Foreign Aid Provided Through
1965. 19. Z onerations of the United States Sugar Act and the Inter­
4. Entrevista no Rio de Janeiro, julho de 1967. national Coffee Agreement” (B-167416, 23 de outubro de
5. Entrevista com Voluntários do Corpo da Paz, Recife, juih0 1969), P- 23.
de 1967. jornal do Comércio, 6 de maio de 1967.
20 The New York Times, lo de junho de 1969, p. 24.
6. Vide a biografia recentemente publicada, José de Broucker
21 .
22 Le Monde (English Language ed.), 20 de maio de 1970, p. 4.
Dom Hélder: The Violence o f a Peacemaker (Orbis Books'
Maryknoll, N.Y., 1970). Vide também Page, “ The Littlé
Priest Who Stands up to BraziPs Generais” , The New York
Times Magazine, 23 de maio de 1971, p. 26.
7. Jornal do Comércio, 21 de agosto de 1966.
8. Nordeste: Desenvolvimento sem Justiça (Ação Católica Ope­
rária, Recife, 1? de maio de 1967), republicado em H. Câ­
mara, The Church and Colonialism (Dimension Books,
Denville, N .J., 1969), p. 131.
9. O Cruzeiro, 3 de junho de 1967, p. 51; id., 10 de junho de
1967, p. 47.
10. Cópias no arquivo do autor.
11. Informações das condições econômicas atuais no Nordeste
foram oriundas de entrevista no Recife, em julho de 1967,
junho de 1969 e janeiro de 1971.
12. United States Assistance to Northeast Brazil: Summary Re­
port, 1962-June 30, 1968 (AID/Brazil, Northeast Area Offi­
ce, Recife, 31 agosto de 1968).
13. A. Tamer op. cit., supra, Cap. 2, nota 5, p. 115.
14. Le Monde Diplomatique, 4 de maio de 1971.
297
296
. yários conhecidos meus —um funcionário na Faculda-
acadêmica- m estudante de pós-graduação na universidade —con-
dede Direlt0 participar de uma “equipe de pesquisa” que estavam
Notas de Uma Prisão no Recif vjdaram-^e P“ ^ parte de uma concorrência para um contrato lucra-
organizandp’ 1 Aérea dos Estados Unidos, a fim de realizar um estu-
tjvocom a/®d;dade na América Latina. Eu seria o “homem de campo”
doemPro d Brasil. Minha impressão inicial era que isto envolvería
n0 Nordeste ^ jegítima das condições políticas, sociais e econômi-
investigaÇa0 dojs amjgos me informaram de que o objetivo do exer-
cas; até ^terminar como diversos setores da população local reagiríam
cicioera de ^ ocupação por tropas estrangeiras; disseram que eu de-
a umainva a nir “coisas de peso” . O estudante de pós-graduação es-
veria tentar um breve SOrriso: “Nós queremos documentos —
clareceu m té’mesm0 correspondência particular —, mesmo que você
panfletos. emprestado ou roubar.” Essas instruções me sur-
V is it e i o R e c i f e , p e la p r im e ir a v e z , n o v e rã o d e 1963 D e v e r' tenha de p ^ ^ pon{o que nunca cheguei a indagar a nacionalidade das
u m a b re v e p a r a d a n u m a v ia g e m d e t u r is m o p o r to d a a A m é r i i f sid° preendera ^ estrangeiras. (O grupo de Harvard não conseguiu o
m a s , e m v e z d is s o , a v is ita to r n o u - s e o p o n t o a lt o d e to d a a v ia 3 d ° Su1,
hip0t m Subsequentemente, outro esforço de pesquisa semelhante, o
je i c o m u m a m ig o c u ja s a tu a is a tiv id a d e s e id io s s in c ra s ia s f ó Vi a'
c°ntraet0 camelot” do Exército, no Chile, resultou num grande fiasco
a r e f e r ir - m e a e le c o m o R o la n d S n y d e r. E s tá v a m o s a n s io s o s n a ' " 16
' d o exposto publicamente e prejudicou terrivelmente o prestígio dos
m in a r , e m p r im e ir a m ã o , a in q u ie ta ç ã o q u e p o r a lg u m te m n o ha víT 6xa‘
c a d o o N o r d e s te b r a s ile ir o c o m o u m “ lo c a l d e p r o b le m a s ” p P am ar'
quan isadores acadêmicos americanos na América Latina.)
P Em bora a imprensa americana tivesse noticiado as inúmeras prisões
c e n d o n o R e c ife m a is d o q u e o s trê s d ia s re s e rv a d o s aos v is ita n t e ? ^ " 6'
rnrridas imediatamente após o golpe, eu não tive qualquer premoni-
n c a n o s , c o n s e g u im o s o b s e r v a r d e p e r to e p o r lo n g o te m p o o oue e f , ? '
ão de perigo ao planejar minha partida. Não foi possível Roland v ir
a c o n te c e n d o n a re g iã o . 4 estava
também; portanto, parti sozinho para a aventura.
A p e s a r d e te r m o s c o n s e g u id o e n tr e v is ta r a m a io r ia das nersonaii
Cheguei ao Recife no domingo, 1? de junho. O ambiente parecia
d a d e s im p o r ta n te s n o R e c ife e a o seu r e d o r , q u e m m a is n o s fascin ou fni
calmo e sem modificação. Naquela noite telefonei a Antônio Lucena,
F r a n c is c o J u h ã o . P o r s o r te , c o n s e g u im o s p e r s u a d i- lo d e q u e éram os oh
um engenheiro do Departamento de Saneamento do Recife e amigo de
s e rv a d o re s o b je tiv o s ; p o r is s o , p e r m it iu q u e v ia já s s e m o s c o m ele em vá'
infância de Julião. Lucena, pessoa alegre, não-política, que havia pas-.
r ia s o p o r tu n id a d e s , p a r a o b s e r v á - lo e m a ç ã o . A p ó s u m a esta da de mais
sado um ano na Universidade da Carolina do Norte, tinha servido de
d e u m m e s , fic a m o s c o n v e n c id o s d e q u e as L ig a s d e J u liã o e ra m fracas
intérprete para Julião quando este concedia entrevista aos americanos.
d e s o rg a n iz a d a s e , e m g e r a l, s u p e re s tim a d a s c o m o u m a a m e a ça revoln’
c io n á r i a . * * — Ele está fora da cidade agora — respondeu uma voz.
M e u s p la n o s d e re g re s s a r a o M o rd e s te n o v e rã o d e 1964 n ã o sofre­
— Quando ele voltar, peça para telefonar para Joe Page, no Hotel
r a m m o d if ic a ç ã o p e lo g o lp e d e 31 d e m a r ç o d e 19 64 . E u e sta va passan­ Guararapes — repliquei.
d o o a n o a c a d ê m ic o n a F a c u ld a d e d e D i r e it o d e H a r v a r d , a f im de obter Levei mais ou menos 48 horas para chegar à conclusão de que Lu­
o g r a u d e m e s tre e m D i r e it o . A m in h a d e s c o b e rta m a is n o tá v e l durante cena deveria estar na cadeia. Pouco depois, soube que a “revolução”
e s te p e r ío d o o c o r r e u q u a n d o t iv e m e u p r i m e ir o c o n t a t o c o m a p ro s titu i- havia abalado o Recife com especial força e que virtualmente todas as
pessoas ligadas às Ligas Camponesas haviam sido presas.
Como descobri uns três anos depois, Lucena realmente estava atrás
^ Uma versa° rev'sta de um artigo publicado na edição de junho da Revista da Univer-
das grades, definhando numa cadeia, na vizinha cidade de Olinda. Eu
sidade.de ^enver. Quando escrevi esse artigo, não sabia absolutamente por que os meus cap­ havia falado pelo telefone com o seu filho, que transmitiu a mensagem
tores tinham tão grande interesse no meu companheiro de viagem em 1963, e por que estavam a ele dois dias depois, durante uma visita à prisão. Lucena insistira que
tão convencidos de sua presença no Recife. Só em julho de 1967 foi que Antônio Lucena, tinha apenas servido de intérprete para Julião, agarrando-se, agora, a
com muitas desculpas, me informou exatamente o motivo pelo qual a polícia estava à procu­
ra de nós dois. uma aparente oportunidade de provar sua inocência. Infelizmente ele
**Nossas conclusões foram publicadas em “ Report on Brazil” , The Atlantic, março de 1964. não compreendeu minha mensagem telefônica. Chamou o oficial do Exér-

298 299
cito encarregado da prisão e disse-lhe que agora poderia
munhas sobre a natureza não-política de seus vínculos J S * * *ste
dois jornalistas americanos que haviam entrevistado Juliâo: Que
T QUand°
lizad°r-
saímos do prédio ele se virou para mim com ar tranqüi-

s f^er o seguinte: amanhã, pela manhã, telefonarei para


tavam agora de volta ao Recife, e que testemunhariam à í !
deu nossos nomes aos oficiais. Naquele estágio ultrapara^v fav°r- Ele " Va • uma audiência. Fique calmo. Nada acontecerá de imediato,
ele e marca ej a cabeça com certa hesitação e lhe agradecí pelas suas pro-
voluçao , a umca coisa que interessou ao oficial foi QI,P h • 0 da “re
nos que haviam certa vez conversado com Julião e s t a v a m amer'ca- • "Ele seguiu no seu carro e eu voltei a pé para o hotel. Estáva-
Enquanto isso, sem suspeitar de nada, comecei a entrevi!,"0 Recife. vjdências ^ tarde. Um irritado formigueiro de carros e velhos táxis
nános americanos no consulado e na missão da Usaid e em "r func'o- m* n0 ruas intransitáveis, até que um policial de uniforme cáqui,
to com meus amigos brasileiros que não haviam’ sidn ^ CmCOnt!>- tomava jx0 um guarda-sol na esquina, mudava as luzes de trânsi-
comparação com 1963, minha primeira semana na cidade tranTeS°S' Em emPe decontro[es manuais reminiscentes dos aceleradores de mão dos
to, bondes.
qualquer acontecimento digno de nota. Uma noite fui visitar n ! 0rreu
vez a famosa zona do porto do Recife. Bairro comercial mm, Pnmeira ^"^ntindõ calor, resolvi dormir um pouco. O pesado ar tropical
rante o dia, a zona tornava-se, de noite, base de operações nü! atlv° du- -me a um sono profundo. Então acordei, estremunhado, com uma
tutas do Recife. Elas perambulam pelas ruas e salões de danL ! 3Sf prosti- f°f'da na porta. A batida era persistente. Ergui-me da cama e cambaleei
algo para todos os gostos. Mesmo assim, a visão de uma mn! ° erecem baU norta. Dois homens estavam em pé no corredor. Um deles, o único
vestida com cores alegres, de pernas e braços roliços, balançai! ente- f donário do hotel que falava um pouco de inglês, aparentava um es-
dris a procura de fregueses, foi demais para mim, e procurei a h l°SQUa' do de profundo desconforto. Ele fez um gesto indicando seu compa-
galpao perto do palacio do governo, onde estava anunciado um S "Um dieiro um homem baixo, moreno, de cara dura, que usava um terno
5<?que veio a ser um espetáculo de variedades muito ruim (exced e tea' branco machucado.
ato onde a moça começou nua e se vestiu com acompanhamento m u ! ^ _ É a polícia. Ele quer revistar seu quarto e levá-lo para ser inter­
rogado.
Eu estava no Recife há nove dias quando recebi um telefonema uroen,
_ Deve haver engano —respondi; e então, falando português, afír-
para comparecer ao consulado americano. Um vice-cônsul Pete rte8v te mei; _ Eu sou americano.
tinha notícias interessantes para mim. ’ eaeV °s> — Sim, ele sabe. Quer levá-lo preso.
— Está certo, está certo —resmunguei. —Pelo menos permita que
Prete^eVJ°ulfãoTtOU “ * C° ntat° C° m A"tÔnÍ0 Lucena*° mtér- vistaminhas calças. —Fechei a porta e me vesti. Ainda sonolento, não
— Sim, na semana passada. Como soube?
consegui pensar em qualquer coisa inteligente que pudesse fazer.
Reabri a porta. O Cara Dura, com ar sério e decidido, foi direto
— Bem, esta manhã a polícia telefonou. Eles descobriram isso « onde estavam meus pertences e começou a remexer neles com as patas.
indagaram de Lucena. Como sabe, ele está na cadeia. Dizem que ele in
formou que voce é um agitador comunista notório, aliado a Julião 0 funcionário do hotel me olhava nervosamente. Prendi a respiração
Senti-me quase envaidecido: quando o policial se dirigiu à considerável quantidade de material escri­
— Ótimo. E agora, que devo fazer? to que eu havia empilhado sobre a penteadeira. Uma edição de bolso
da tradução do clássico brasileiro Os Sertões estava em cima de tudo.
~ Informamos que você não é comunista, mas é melhor que você Infelizmente, a versão em inglês do título era Rebellion in the Backlands.
vá logo a delegacia para explicar tudo a eles.
Ele jogou o livro ao assustado funcionário.
Eu não vou sozinho, não senhor — respondí deselegantemente. — Traduza —ordenou, e o funcionário deu o equivalente em por­
— Está bem, irei com você.
Seguimos de carro, atravessando um dos rios que cortam o Recife,
tuguês do título em inglês. — Rebelião, hein? — Seus olhos brilharam
e estacionamos em frente a um prédio pintado de branco, na beira dó coma expressão de quem havi# descoberto o já previsto, e ele começou
rio. Um grupo de pessoas se apinhava no corredor, que exalava um odor
a juntar todo o meu material impresso.
desagradável. Com sua aparência elegante completamente deslocada na­ — Por favor, permita que eu telefone ao consulado americano —
quele ambiente, Pete conduziu-me a um escritório no primeiro andar,
pedi sombriamente.
também cheio de gente. Ele olhou o grupo com impaciência. — Não, não pode. Você tem que vir comigo. —Apanhou um dos
Nunca veremos o delegado hoje — murmurou. — Vamos sair meus blocos de anotações e algo fatal aconteceu. Um pedaço de papel
daqui. caiu no chão. Ele agarrou o papel e o leu com evidente satisfação. Nele
estavam escritos os nomes “Joseph Page, Roland Snyder” .
300
301
nto outro guarda apareceu e mandou que eu o seguis-
— Joseph Page é você. Quem é Roland Snyder? Nesse momen , uma sala mal mobiliada. O Cara Dura esta-
— Um amigo. Ele veio comigo o ano passado na , çegui-° af re de uma escrivaninha. A fraca luz da vela acentuava
Recife - respondí. - Não pôde vir comigo desta vez p ?ha v‘sita,
nos Estados Unidos. 62' E«á atualrj 0 -e. aii,sentad0,frosto Ele mandou que me sentasse.
I! rug^ de seu r fazer algumas perguntas - falou brandamente,
O Cara Dura encarou-me com o mais suspeitoso do» ~iu as „ Gostaria u interrogad0) gostaria de ter um intérprete para que
teu o papel no bolso. Comecei a lamentar ter trazido mn, ° arese
de anotações de minha viagem de 1963. ™8° 0 c a ^ ' 'responder em inglês.
-essa resp ^ necessário.
Deixamos o quarto e caminhamos pelo corredor n ^ „ Isto ua ■ de teiefonar para o consulado americano.
rnos ao elevador, as portas se abriram, dando passagem chega- - Então-8 n_o . necessári0. _ Eie folheou alguns papéis sobre
óculos, obviamente um americano. Era, de fato, um V o C -0ve,n de
pertencente a um grupo de leigos católicos que estavam efw n° PaPal
- TamL fitou-me diretamente nos olhos.
a mesa qu£ você está aqui no Recife com Roland Snyder e que-
ços sociais para os bispos no mundo inteiro. Ele tinha estad ando Servi-
do em construção para o bispo de Natal no Norte do Brasü trabalhan- Tcaber onde ele está.
remos saw nossuído pela surpresa, falei:
comum recentemente lhe havia dito para me procurar na c Umami8o TOtS h s e que ele não está aqui. Está nos Estados Unidos.
visita ao Recife. nasuaPróxima
" Jfâd você está enganado. Ele está no Recife. Temos testemu-
Ele me fitou por um momento e depois perguntou • ,
— Você é Joe Page? ’ em lnSlês: " , a:r’am você com ele e nos comunicaram.
— Por que não volta mais tarde? — respondi — Fcfa u
"haSTive dificuldades para acreditar no que ouvia. Consegui dar um sor-
um tanto imprópria. ia nora está
riso amaíe*°Jihor deve estar brincando.
O Cara Dura não pôde reprimir um olhar de triunfo 0 ,1 " Não estou falando sério. Você tem que nos dizer onde ele está.
no chão meus livros e papéis, deu um passo à frente e exrbm°Cando Por qualquer motivo - talvez pela frustração das longas horas de
— Ahah! Roland Snyder! exclamou:
espera talvez pelo absurdo de tudo aquilo - de repente fui totalmente
— Mas... mas... meu nome é Bernie — protestou o recém-checa
em português perfeito. m ctle8ado dommado pelacólejo, absolutamente ridícui0 _ falei. —Vocês são to­
— Pode provar isso?
dos loucos. Eu sou um escritor.- Sou americano. Exijo que me deixem
Bernie procurou sua carteira, que continha seu cartão de seenmc„ telefonar para o consulado.
ciai e a carteira de motorista de Ohio. guro so'
— Seu passaporte — exigiu o Cara Dura.
Foi um grave erro. O Cara Dura pulou da cadeira, com os olhos
— Deixei-o no hotel. reluzmdo peng^amente.^^ ^ fazendo um gesto Dara os guardas. -
— Então você também está preso. Venha conosco.
Levem-no para o buquê.
O Cara Dura levou-nos, através da ponte, para a delegacia de polí Fiquei em pânico quando os policiais me agarraram pelo braço e
cia. Os grupos tinham ido embora, e o prédio, mal iluminado, estava revistaram meu casaco. Ensaiei um fraco protesto, que de nada valeu.
com um ar de abandono. Fomos encaminhados ao andar superior e de­ Empurraram-me para fora da sala e descemos um lance de escada. Os
tidos numa pequena sala cheia de caixas de livros e panfletos confisca­ acontecimentos estavam se processando depressa demais para minha com­
dos. Passaram-se horas, durante as quais a única ocorrência digna de preensão. Atravessamos um pátio e encontrei-me em frente de um gran­
nota foi a falta de luz. Procuraram velas, e a luz bruxuleante projetava deportão de ferro gradeado. Um policial gigantesco, usando um blusao
sombras amedrontadoras nas paredes. Bernie e eu conversávamos bai­ azul, apareceu. Um molho de chaves pendia de seu cinturão. Olhei-o de­
xinho, e de vez em quando o guarda ordenava que nos calássemos, não
hesitando em exibir uma arma que carregava na cintura. sesperadamente.
— Eu sou americano. Eu sou americano. — Minha voz soava es­
Depois, levaram Bernie da sala. Eu podia ouvir a animada conver­
sa na sala próxima. Ele voltou completamente transtornado. tranha e vazia.
Ele sorriu, mostrando uma falha entre os dentes da frente.
Ficaram perguntando se eu era comunista — disse ele em voz baixa
e apressada. Eu disse que não, e eles então indagaram por que é que
— Aqui embaixo isso não significa nada.
Fui conduzido para o aposento central. Havia de cada lado um blo­
eu estava em companhia de um conhecido agitador comunista. Disse a eles co de celas apinhadas de prisioneiros. O meu novo carcereiro chamou
que nunca tinha visto você antes em minha vida, mas não acreditaram.

302 303
um deles, um jovem usando apenas calças de pijama e •
para as celas do lado direito. Entrei e o portão foi traneaHU°
— Venha comigo - d is s e o prisioneiro, e caminhamos^- Uma pausa, seguida de inconfundível som de pancadas,
rior do bloco de celas. mos Para o inte cela foiabdor interrompidos por gargalhadas. Eu sabia agora que po-
O cheiro de suor era insuportável. Gritos de d° ’ deitado quieto por muito tempo.
Quantos estão aqui? — perguntei. deria J*""3"
— Quarenta, neste bloco. denois uma voz chamou:
— Que tipo de prisioneiros são? puas h°[as -cano Americano. — Levantei-me de um salto, vesti-me
Ele se virou, com olhar divertido. - Aiy saí da cela. Um dos policiais que me havia levado ao bu-
— Políticos. — Então seus olhos se apertaram _ ^ rapidameni ^ saj a central. Olhou-me com desdém. — Venha.
pião, não é? ' oce é um es- qUe estava en f ^ escrjtório 0 Cara Dura estava sentado atrás de sua

Minha negativa aparentemente não produziu nenhum <• ReI0Iha com um ar de presunção. Junto a ele estava um mulato
ocorreu-me a idéia de que talvez eu não pudesse sobreviver» „ ,t0' e escrivan'mmangas de camisa. Era o intérprete da polícia, mas na reali-
permanência neste novo ambiente. uma *°nga gordo, em £ra tão rudimentar que sua única utilidade era conver-
Chegamos à cela mais central, um pequeno cubículo iá dadL°rtugués difícil em português fácil.
quatro homens. Eles estavam deitados de bruços dois em cim3d° POr ter P°n^ “te.se _ começou o intérprete com uma voz tranquthzadora.
embaixo, no par de beliches presos à parede. A minha checaria!?* dois „ iprem0s fazer-lhe algumas perguntas. — Obedeci, e um grupo de
perturbou seu estado catatônico. S a em nada " Q,u!c " tou-se ao meu redor. - Agora, antes de tudo, o que e que
— Você pode se deitar ali — disse o encarregado an0ms„H f f i t f S n d o no Recife?
espaço vazio junto à parede. Coloquei minha capa no chão e X - m — Eu
_ sou um -----------
EU suu escritor.
torno, desalentado. Um dos meus companheiros de cela um neern' em __ pode provar isso?
cuecas sujas e rasgadas, sentou-se e ofereceu-me uma banana aue .im"1 _ O senhor está com minha pasta. Ela contem cartas de revistas
de uma sacola de papel junto a seu catre. 4 e 1 0u icanas dizendo-se interessadas em artigos sobre o Brasil.
— Não, muito obrigado. Estou com muita sede. Há água por aqui1» 3 O Cara Dura pegou a pasta e jogou-a em minha frente.
O encarregado gritou para a cela vizinha, e outro prisioneiro anare — Mostre-nos as cartas.
ceu com uma lata de oleo cheia do que passava por água. Fitei o líquido
Com uma mistura de medo e suspeita, remexi entre os cadernos e
classificados, mas a pasta de “Correspondência Independente” havia sido
repulsivo e decidi expor-me a um ataque de desinteria aparentemente ine
vitavel, bebendo de uma só vez o “coquetel de ameba” . retirada. .
— Estava aqui — gaguejei —, mas... desapareceu...
Avisando-me para permanecer na cela, o encarregado tomou a lata — A h a h ! — p r o c la m o u o C a r a D u r a . — E s tá v e n d o ? V o c ê n ã o é
e saiu. O negro voltou a estirar-se no seu catre e continuou a olhar para
o teto. Nenhum dos meus outros companheiros de cela se mexeu mas um escritor! .
Baixei a cabeça, desesperado. Minha expressão sensibilizou o mter-
estavam de olhos abertos. Eu me dirigi para a parede oposta. No calor
opressivo, não hesitei em ficar só de cuecas. Usando jornais como col­ prete. . . .
chão, tive que escolher entre colocar minha cabeça junto a um par de
— Espere, não fique perturbado —disse ele para me reanimar. —
Não estamos a trá s d e v o c ê . N ã o n o s in c o m o d a m o s c o m v o c ê . —P a u s a .
pés descalços ou junto ao buraco que servia de latrina para a cela. O Senti-me m e lh o r . — A p e sso a q u e r e a lm e n te q u e re m o s —c o n t in u o u —
menor dos dois males prevaleceu e deitei-me no chão duro. Dentro de
pouco tempo descobri que a luz brilhante da sala, combinada com as é Roland S n y d e r.
A e xp ressã o d e m e u r o s to d e v e te r s id o e x tre m a m e n te d o lo r o s a .
gotas de chuva que começaram a cair pelas grades da janela aberta so­
— O h , n ã o — g e m i. — E u j á d is s e q u e e le n ã o e s tá a q u i.
bre mim, tornava o sono impossível. Cada minuto se arrastava intermi-
— M a s sab em o s q u e está — d e c la ro u o C a ra D u r a im p e rio s a m e n te .
navelmente. Especulei quanto à provável extensão de minha permanência
ali. — E le esteve a q u i o a n o p a s s a d o , n ã o é v e rd a d e ? — in d a g o u o i n ­
Passou-se meia hora. Minhas emoções variavam entre o pânico e térprete.
o terror. O tempo era meu inimigo. Por quanto tempo poderia ficar dei­ — Sim.
tado quieto? Um barulho na sala centrai atraiu minha atenção. Várias — E vocês ficaram no mesmo hotel, o Guararapes?
pessoas tinham entrado. Houve um clamor tumultuoso. Uma porta de — Sim, sim.
— E o pessoal do hotel conhecia vocês dois?
304 — Talvez.
305
um deles, um jovem usando apenas calças de miam,
para as celas do lado direito. Entrei e o portão foi ,’ 6 abriu 0 Poi-m
. - V e n h a comigo - d is s e o PrisioneiroTcam Sh?"^0- *° rta Uma pausa, seguida de inconfundível som de pancadas,
nor do bloco de celas. aminhamos para Q.
interrompidos por gargalhadas. Eu sabia agora que po-
cela f0 ‘ ,a \ j 0 r
O cheiro de suor era insuportável. Oritosde anècer deitado quieto por muito tempo,
Quantos estão aqui? — perguntei deria PerIT‘
— Quarenta, neste bloco.
— Que tipo de prisioneiros são?
horas depois uma voz chamou:
Duas n . erjcano, Americano. — Levantei-me de um salto, vesti-me
Ele se virou, com olhar divertido. " (e e saí da cela. Um dos policiais que me havia levado ao bu-
.. — Políticos. — Então seus olhos se apertaram „ raPidam^a em pé na sala central. Olhou-me com desdém. — Venha.
piâo, não é? “Penaram. - Você é Um
qUe entornamos ao escritório. O Cara Dura estava sentado atrás de sua
Minha negativa aparentemente não produziu n<mh , i ha com um ar de presunção. Junto a ele estava um mulato
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Chegamos à cela mais central, um pequeno cubícnln u dar L°rtuguês difícil em português fácil.
quatro homens. Eles estavam deitados de bruços, dois eí°r UPado ^ ter v__ sente-se —começou o intérprete com uma voz tranqüilizadora.
embaixo, no par de beliches presos à parede. A minha cheeart"13 6 dois Oueremos fazer-lhe algumas perguntas. — Obedeci, e um grupo de
perturbou seu estado catatônico. negada em nada ardas postou-se ao meu redor. — Agora, antes de tudo, o que é que
— Você pode se deitar ali - disse o encarregado , ^ cé está fazendo no Recife?
espaço vazio junto à parede. Coloquei minha cana nn rha ai?do Um __ Eu sou um escritor.
torno, desalentado. Um dos meus companheiros de cela urn ' ° lbei em _ Pode provar isso?
cuecas sujas e rasgadas, sentou-se e ofereceu-me uma banal"'8'0 COm _ O senhor está com minha pasta. Ela contém cartas de revistas
de uma sacola de papel junto a seu catre. ° que tiroa americanas dizendo-se interessadas em artigos sobre o Brasil.
— Não, muito obrigado. Estou com muita sede. Há água iw O Cara Dura pegou a pasta e jogou-a em minha frente.
O encarregado gritou para a cela vizinha, e outro prisioneiro — Mostre-nos as cartas.
ceu com uma lata de óleo cheia do que passava oor á í í p • r0,apare' Com uma mistura de medo e suspeita, remexi entre os cadernos e
repulsivo e decidi expor-me a um ataque de desiíeria aparen 1 ° qUÍd° classificados, mas a pasta de “Correspondência Independente” havia sido
vitavel, bebendo de uma só vez o “coquetel de ameba” lne' retirada.
Avisando-me para permanecer na cela, o encarreeaHo — Estava aqui — gaguejei —, mas... desapareceu...
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o teto. Nenhum dos meus outros companheiros de cela se mexeu m? um escritor!
estavam de olhos abertos. Eu me dirigi para a parede oDOStT No , T Baixei a cabeça, desesperado. Minha expressão sensibilizou o intér­
opressivo, não hesitei em ficar só de cuecas. u L d o j S s como prete.
— E sp e re , n ã o fiq u e p e r tu r b a d o — d is s e e le p a ra m e r e a n im a r . —
nés h’Í ' V^ QUe esC0 her entre c°l°car minha cabeça junto a um par de
pés descalços ou junto ao buraco que servia de latrina para a cela n Nãoestamos a trá s d e v o c ê . N ã o n o s in c o m o d a m o s c o m v o c ê . — P a u s a .
Senti-me m e lh o r . — A p e sso a q u e r e a lm e n te q u e re m o s — c o n t in u o u —
l Z \ d° S d°H ma!!S PreVa'eCeu e deitei-me "o châò dul^^ Demío
é Roland S n y d e r.
gotas deThuva o l ° ' ^ brilhante da sala- combinada com as
gotas de chuva que começaram a cair pelas grades da janela aberta so­ A e xp ressã o d e m e u r o s to d e v e te r s id o e x tre m a m e n te d o lo r o s a .
bre mim, tornava o sono impossível. Cada minuto se arrastava iniermi — O h , n ã o — g e m i. — E u j á d is s e q u e e le n ã o e s tá a q u i.
navelmente. Especulei quanto à provável extensão de minha permanência — M a s sab em o s q u e está — d e c la ro u o C a ra D u r a im p e rio s a m e n te .
— E le este ve a q u i o a n o p a s s a d o , n ã o é v e rd a d e ? — in d a g o u o i n ­
o t e r r o f o í H ' 2 h° ra' Minhas emoções variavam entre o pânico e térprete.
— S im .
tado auie?o '7 m Z * T ‘"‘" T ' Por quant0 temP« Poderia ficar dei-
o e s s o l iT n h l baralh0LJna sala central atraiu minha atenção. Várias — E você s f ic a r a m n o m e s m o h o te l, o G u a ra ra p e s ?
pessoas tinham entrado. Houve um clamor tumultuoso. Uma porta de — S im , s im .
— E o p e sso a l d o h o te l c o n h e c ia v p c ê s d o is ?
304 — T a lv e z .
à s9 ‘30 Pete de Vos e Celso, um jovial funcionário bra-
— Talvez, não. Sim. Eles viram vocês dois juntos dnro„. Entretanto, • e^traram n0 escritório do delegado. Em poucos
tima semana. e esta úl. sileiro do c0"* ^ sala Bernie deveria ser solto imediatamente,
— Devem estar enganados. momentos v e ^ aiegada burocracia, eu teria que esperar até cin-
— Não, você é que está enganado tentando nos fazer d
interrompeu o Cara Dura. — Ele ia se encontrar com você no h t0l°s " mas, Por aaUfarde.
c0 horas^ja^ ^ estãQ jnteressados em suas anotações — confidenciou
à noite. Estivemos escutando o seu telefone. Ouvimos você m °te**'°í«
encontro com ele. arcar um
pete- • m dia longo, avivado apenas pelas histórias que meus compa-
— Não, não, não — gemi, convencido de que eles estavam F° ‘ ntavam acerca dos horrores perpetrados contra os campone-
pletamente loucos. Enterrei a cabeça nas mãos. m c°m- nheiros com g prietários de terra depois da “ revolução” de 1?
— Não temos mais nada a perguntar — anunciou o intérn ses pelos m da tarde^QCara Dura passou pela sala para me dizer
a inquisição terminou subitamente. — Você pode se encontrar c rete’e
de ab.n ãn iria terminar bem” . Consegui forçar um sorriso enquanto íma-
patrício na sala anexa. Lamento que tenha sido necessário colocáTSeU que tuao i se a]gum dia me encontrasse com ele num beco escuro.
buque, mas era preciso dar-lhe uma lição. "0 n°
— Sinto muito. g>nava atamente às cinco horas, Pete e Celso reapareceram, e eu fui sol-
vr me disseram como tinham sabido da minha prisão, mas tenho
— É um bom sinal — observou o Cara Dura com profundidad tóes para pensar que alguém que trabalhava na polícia era informante
—, quando um americano diz que sente muito. " '
Passava de meia-noite, mas Bernie estava acordado. Ainda se mo d° ^"/nhuma desculpa oficial foi oferecida. Quando o cônsul-geral fez
trava nervoso pela provação a que fora submetido. Alguns guardas a ' nrntesto informal às autoridades militares, o delegado respondeu que
mados tinham-no levado em um jipe e lhe haviam dado distintamente heraria minha anotações. Permanecí no Recife por mais duas se-
a impressão de que aquele seria seu último passeio. Em vez disso, levaram na0'.be tornei-me uma espécie de celebridade entre o “establishment
no ao hotel, onde ele apresentou seu passaporte. Mesmo assim" americano e os conservadores locais, que se divertiram muito com mi-
recusaram-se a soltá-lo e levaram-no de volta à polícia, deixando-o con­
finado no escritório onde agora eu o encontrara. Para o seu entreteni­ pvneriência.
mento noturno, um dos guardas se embriagara e ficara meneando uma 0 ando cheguei no Rio de Janeiro, procedente do Recife, a Associated
pistola sob seu nariz.
Press foi informada do incidente; mas resolveu-se não publicar a histó­
Estendemo-nos no chão, mas foi-me impossível dormir, apesar de ria Não pude deixar de me indagar se uma decisão semelhante teria si­
estarem na sala mais sete prisioneiros, todos dormindo um sono pro­ lo tomada se eu tivesse sido preso pela polícia cubana.
fundo. Minhas anotações foram finalmente liberadas e enviadas por mala
diplomática do Recife para o Rio. Os meus captores tinham-nas enfiado
O novo dia se anunciou com a aparição dos faxineiros e de um rapazola na primeira embalagem encontrada, que aconteceu ser um grande enve­
esperto com uma grande cafeteira pendurada nas costas. “Esta é a últi­ lope pardo aparentemente confiscado de um professor local. Este toque
ma indignidade” , pensei. “ Eles não vão nem nos alimentar.” Na verda­ final de insensatez é a recordação mais valiosa de minha experiência. No
de, os prisioneiros tinham que comprar suas refeições, ou, como era mais envelope estavam impressas as palavras “ Biblioteca Nacional de Pequim,
comum, suas famílias traziam a comida em suas visitas diárias. O escri­ República Popular da China” .
tório era muito mais informal e relaxante do que o buque. Isto era por­
que os nossos colegas de quarto tinham sido detidos apenas para
“ investigação” (e estavam confinados neste escritório há uns 60 dias),
enquanto os infelizes lá embaixo haviam sido presos de maneira mais
formal.
Nossos novos companheiros nos pressionaram, salientando a neces­
sidade de uma comunicação urgente com o consulado americano.
— Caso contrário, vão manter vocês aqui por várias semanas —
disse-nos um jovem bancário. Ele concordou em nos ajudar a contra­
bandear uma mensagem por intermédio do seu irmão, que vinha visitá-
lo ao meio-dia.
307
306
r

ÍNDICE ANALÍTICO
E ONOMÁSTICO

..Acampamento d e D ia n ó p o lis ” , 167, 169-175; p ro g ra m a de a lfa b e tiz a ­


119-124, 134 ç ã o , 202-209; atividades a n te rio re s ao
golpe, 214-217, 220-222,225-226; q u e ­
S o ° d Po laNÒrde2ste, 94-95, 151, 154, d a , 229-235
168. 173 A rru d a , M anoel T e rtu lia n o T rav asso s
192 de, 55
Aeroporto dos G uararapes. 48, 150, 179, A scensão, ilha de, 150-151
540 A ssociated P ress, 307
AFL-Cio, 269 A té quarta, Isabela! (Ju lião ), 258
Agência Central de Inteligência, v. C IA A to d o A çú car, 272
Agência dos E stados U nidos p a ra o D e­ A to Institucional, P rim eiro , 210; S egun­
sen v o lv im en to I n te r n a c io n a l, v. d o , 259; Q u in to (A l-5), 274
USAID A u relian o , R o d o lfo , 53
Agência de Inform ação dos E stados U ni­
dos, v. USIA B ahia (cidade), 34
Agreste, 30-31, 40, 63, 110, 198 B ahia (estado), 44, 119, 121, 164, 187
AIFLD (Instituto A m erican o p a ra o D e­ B anco d o Brasil, 199, 270
senvolvimento do T rab alh o Livre), 269
B anco M u n d ia l, 152
Alagoas, 102, 140, 145
B anco N acional p ara o D esenvolvim en­
Alencar, Miguel A rraes de, v. A rraes, M i­
to E co n ô m ico (R io de Ja n e iro ), 85
guel
Alexina (esposa de Ju liào ), 22, 57, 102, B a rtlett, C harles, 224
120, 214, 240 B astos, Ju stin o Alves, 216-217, 230-231,
Alfredo, Jo ã o , 194, 197, 200, 213, 260 235, 248, 250
Aliança L ib ertad o ra N acional, 77, 78 B atista (d ita d o r de C u b a ), 50
Aliança p ara o P ro g resso , 11, 12, 27-28, B eauvoir, S im one de, 105
8 8 , 91, 93-95, 151-173, 179-180, 229 B eberibe, rio , 230
Alimentos p ara a P az, 29, 199, 267 Bell, L a b o ra tó rio s, 150
Alves, A luísio, 168-169, 203, 205 Belo H o rizo n te, 106-107, 125, 241
Angicos, 204-205 B eltrão, O scar, 52-65 passim
Angola, 130 B ern ard es, A rtu r, 58
Anti-Düring (Engels), 56 B ezerra, G reg ó rio , 77, 79, 191-192, 233,
Araripe, 70 237-238, 249
Arbenz (presidente d a G u atem ala), 50 B o h an , M erw in L ., 88-89
Argentina, 30, 50, 108 B olívia, 18, 50, 119
Arraes, Miguel, 2 5 ,2 7 , 3 3 ,6 4 , 89, 9 1 ,9 5 , Bom Ja rd im , 55, 57, 126-127, 194, 239,
135, 149, 158, 161, 182-183, 188, 192, 242
197, 201, 212, 244-246, 252-255, B ran co , H u m b erto C a stello , 145, 200,
258-261; ascensão p o lítica, 70-82, 215, 245-246, 2 5 1 ,2 5 3 , 259, 263, 273
136-147; relações com os am ericanos, Brasília, 121,134, 139, 145, 162, 169, 182,

309
2 1 5 ,2 2 5 , 2 3 6 ,2 4 0 ,2 4 1 ; revolta dos sar­
C o elh o , d o m C a rlo s, 2 4 9
g en to s, 216 F ra n k , A n d ré G u n d e r, 160
C o elh o , D u a rte , 3 3 -3 4
B rasília T eim o sa, 23-24 F reire, P a u lo , 203-209, 222, 248
C o elh o , N ilo, 261
B rizola, L eo n el, 223 à ° tra b a lh o , 194, F re ita s, p a d re A lípio d e, 130-131, 214
C o lô m b ia, 50
B uenos A ires, 78 F re y re, G ilb erto , 58, 81, 143, 146-147,
C o m inform (B ureau Inform ativa „ 151, 155, 253, 262
m sta), 92 atlv°C om u.
C a b o , 179, 182, 194, 196, 199, 244 S 9^ ,o F eodr ld e S e g u ra n ç a P Ú ' F u rta d o , C elso, 28, 33, 112, 132, 149,
C achaça (Ju lião ), 58 C om intern (Internacional Com, • 152, 199, 219-220, 255, 266; d ad o s bio­
bllC\ ? ( u m ã o de Ju n ã o ), 127 239
C a fé , im p o rtâ n c ia eco n ô m ica, 36 C om issão Intéram ericana de D ^ 1Sta)) 7» g ráfico s, 25-27; e a origem d a S U D E ­
m en to A grícola, 2 0 0 esenvolvi. W uin(/“ L , , , r o sem Justiça, 262
C a lla d o , A n tô n io , 65, 83-84, 114, 195 N E , 84-95; relações com a U S A ID ,
C o m p an h ia C apitalista do N orH -
197, 216, 257, 259
C o m p an h ia H av aian a de A sm n e ’ 121 .■ 52
P e rn a m b u c o ,
162-169; e a q u e d a d e M iguel A rrae s,
229-235; cassaç ão , 251
C â m a ra , d o m H eld er, 249-250, 261-262. tern acio n al, 270 8 0non'ia ln. * S £ £ . J ohn C -. 153-156, .6 2 ,
274
C o m p a n h ia de R evenda e Com • G a g a rin , Y u ri, 29
C â m a ra, Jo el, 124-125,194-195, 197 239 (C R C ), 108, 252 L o,on«açâo o lf ^ S ^ D e p a r ta m e n to N acional de
260 G aliléia, 53-59 p assim ; 64-65, 100, 149,
C o nferência de C am poneses e Traha.K
C am bão, 36-41 passim , 5 5
C a n u d o s, 44 d o res R urais de P ernam buco S * ' SSSSSSA**
Evalier (ditador do H aiti), 155
239
G E R A (G ru p o E xecutivo p a ra R e fo rm a
C onferência N acional dos Bisnos n
C apangas, 21, 61, 64 sil (C N B B ), 209 DISPOs do Bra- A g rá ria ), 271
C a p ib a rib e , rio , 23, 51, 230 isenhower Dwight D ., 49 G E R A N (G ru p o Especial p a ra a R acio ­
C ongresso N acional dos C a m m
“ C a p itã o Jesu s, incidente co m ” , 64-65 nalização d a In d ú stria A çu ca reira d o
106-107, 125, 214, 241 ampones« . jbrick, Burke, 23»
C artilha d o C am pon ês, 66 N o rd este), 270-272
C ongresso de T rab alh a d o res Rurais h G o ia n a , 210-211
C asa d e C h á d o Luar d e A g o sto , 171 Inbaixada am ericana do Brasil, 90, 91,
No rte e N ordeste, 187 ais do
Casa G rande e Senzala (G ilberto Freyre), G o iâ n ia , 103
C o n selh eiro , A n tô n io , 4 4 -4 5 152, 307
quador, 18,50 G o iá s, 103, 120-122
C ônsul francês, Recife, 175
C a stro , F idel, 1 1-12, 2 2 ,2 8 , 67, 87, 103, scravos negros, 34, 3 / G o rd o n , L in co ln , 90, 152-153, 170, 172-
109, 116, 123, 144 Consulado americano, Recife 1S7 173, 224, 252, 274
169, 174, 222, 300, 307 ’ * ’63’ scritório de C ontabilidade do G overno
C a stro , Jo su é de, 23 dos Estados U nidos, 272 G o u la rt, Jo ã o , 89, 93-95, 104-111, 134,
Constituição brasileira, 72 8 0 84 i «
139, 162, 167-169, 187-189 p a ssim ,
C astro , Regina de, 213-214, 240-242, 247,
1 3 8 ,1 7 3 ,1 8 7 , 202, 2 1 5,224, 234 2 M
259-260 221-225, 244-245, 270, 273
C ato licism o R o m an o , 3 5 , 42 C r Nl A,? (5 o n fc d e ra Vão Nacional dos G ra n d e Seca, 41
1 rab alh ad o res A grícolas), 199
C a v alcan ti, P a u lo , 249, 260 C o q u e , 23 Faculdade de D ireito de H a rv a rd , 298 G reen e, G ra h a m , 248
C a x a n g á , 51, 57, 59, 64, 260 Falcão, A luísio, 76, 249 G ru e n in g , E rn e st, 91
“ C o ro n é is” , 35, 57, 61, 72
C eales, M a ria, 132-133, 240, 260 FAO (O rganização p a ra A lim entação e G ru p o E xecutivo p a ra R e fo rm a A g rária ,
C o rp o s d a P az, 29, 31, 53, 151 269
C e a rá , 41, 44, 70, 132 272- 273 ’ ’ Agricultura das N ações U nidas), 32 v. G E R A
C eleste, M a ria, 194, 239-240 Farias, O svaldo C o rd eiro de, 54, 61, 64, G u a n a b a ra , 123, 217
C o sta e Silva, A rtu r d a , 117, 145 215
C h icago D a ily N ew s, 116 273- 274 73, 246 G u a te m a la , 50
C h ile, 18, 50, 91, 159, 266 C o sta R ica, 50 FBI, 175, 247 G u e rra , P a u lo , 140, 235, 246-249, 253,
C h in a , 50, 164, 252, 307; v isita de C id Federação das Indústrias de P e rn a m b u ­ 261
C R C , v. C o m p a n h ia de Revenda e Co­
S am p aio a , 75; influência sobre Ju lião . lo nização co, 225 G u e v a ra , C h e , 101, 119
68 Federação de Sindicatos R urais, 187,192,
O C rescim ento E conôm ico do
C h in eses co m u n ista s, 50 198, 217, 268 H a iti, 155
Brasil (C elso F u rta d o ), 26
C hristian Science M on itor, 29, 156, 162 Fernando de N o ro n h a, 151, 246, 250 H a v a n a , 19, 67, 109, 111, 119
C resp o , p ad re P a u lo , 185-186, 191,193
C IA (A gência C en tral d e Inteligência), 195, 197-198, 244 Figueres, José, 50 H in d em b u rg (dirigível), 76
95, 157-159, 163, 169, 186, 201, 244, C ristão s no v o s, 33 Firestone, 160 H irsc h m a n , A lb ert I ., 92
256, 269 Firmino, José, 126-127 H ora (A ), 108
“ C ru z a d a d o A B C ” , 267
C íce ro , p a d re , 45-46, 70 First N ational C ity B ank, 160 H o r a , A b e la rd o d a , 208, 249
C ru z a d a In tern ac io n al d o Rosário, 142
C iclo d o c a ra n g u e jo , 23 Flagelados, 31, 275
C u b a , 6 8 , 116-118, 131, 163, 192,214,
C la rk , G erald , 26 Força Aérea dos E stados U nidos, 28,151, IB A D (In s titu to B rasileiro p a ra a A ção
256; e a in d ú stria açucareira, 36
C leo fas, J o ã o , 73, 80, 140-145, 169 166, 299 D em o crática), 142, 145, 183
C u e rn av ac a (M éxico), 260
C L U S A , 158, 186, 244, 269 Formosa, 50 Igreja católica, posição em relação aos co­
C u n h a , E uclides d a , 42
Fortaleza, 31 m unistas, 74; envolvim ento nas eleições

310
311
d e 1962, 142-14 j ; o rg a n iz a n d o sindi­ P ern am b u co , 22, 2 5 ,4 3 ,9 0 ,9 5 , 115,119,
Liga Cooperativa dos Estados l ]„•.
cato s rurais, 180-187, 192-193, 197-198 A m erica, v. C L U S A " 'd o s ^ Nicarágua.5 0 257 147, 159, 171-173, 261; co n d içõ es em ,
Ig reja d o L arg o d a P az, 77 31-33; h istó ria, 33-35; p o lítica, 57-59,
“ Liga d o s E stu d a n te s” , 2 1 3 N*011' R,C Homem Proibido, 262
In d ú stria açu ca reira d o n o rd este. 33-40 70-82: o p o sição a Ju liã o , 99-104; a ti­
180, 267-268
Liga d as M ulheres” , 2 13 N o r t j em Havana (C.reene), 248
“ Liga d o s P esc ad o re s” , 2 1 3 v id a d e d a s L ig a s C a m p o n e s a s ,
In q u isição , 33 "L ig a s U rb a n a s " , 213 ’ 124-135; m ovim entos de trab alh ad o res
In stitu to d o A çú ca r e d o Á lco o l, 38, 70, ,a 34 56, 242, 299 ru ra is, 182-201
L o n d rin a , 105, 132
270, 272 L o tt, H en riq u e, 67, 138 P eró n (d ita d o r d a A rg en tin a), 50, 108
In stitu to A m erican o p a ra o D esenvolvi­ L ucena, A n tô n io , 299-300 P e ru , 18, 50
m e n to d o T ra b a lh o L ivre, 269-270 L uzzato, B runo B.. 152 P etró p o lis, 93
In stitu to B rasileiro p ara a A ção D em o­ P ey to n , p a d re P a tric k , 142
c rá tic a , v. 1BAD P ia u í, 70
M aciel, M arco A n tô n io , 247
In stitu to Jo a q u im N ab u co d e P esquisas M a d eira, Ilha d a , 33 P io X I1, p a p a , 74
. S o ciais, 81, 200 M am an g u ap e, 17-20 P olítica no Brasil (S k id m o re), 224
Irm ão J u a zeiro (Ju liâo ), 58, 241-242 M a n n , T h o m a s C ., 224 P o lô n ia , 66
M ao T sé-tung, 28, 75, 108, 116 ir> P o rc o s, B aía d o s, 89
P a lm a r e s(cidade). 192, 233, 23 , 26
J a b o a tã o , 77, 193 M aoístas, 190 ’ P o rto A legre, 236
J o ã o P esso a, 31, 131 Pa m a r e s . República dos, 34
M a ra n h ã o , 121, 130 P o rtu g a l, 71, 82
Pan American (cia. aerea), 150
J o ã o X X II1, p a p a , 184 M a ran h ã o , C o n stâ n c io , 116 P ra zeres, Jo sé d o s, 51-54, 59; e o P a rti­
J o h n s o n , L y n d o n B ., 236 Panam á, 50 d o C o m u n ista, 63
M aria B onita, 45
Jorn a l d o Brasil, 117 P a q u is tã o , 154 P re stes, L uís C a rlo s, 6 6 -6 7 ,7 5 ,1 0 4 -1 0 6 ,
M arigheila, C a rlo s, 249
Ju d e u s, 33 M azzilli, R anieri, 236 1 1 4 ,1 4 3 , 249; e o P a rtid o C o m u n ista,
J u liã o , F ran cisco , 20-22, 27, 28, 33, 46, M cC arth y , Jo se p h , 50 Ligas Camponesas na, 109-112 78-80; ro m p im e n to co m J u liã o , 109
8 9 ,9 5 , 149, 159, 175,232,245, 258-260,’ M cG overn, G eorge, 29 P ro g ra m a d e S eg u ran ça P ú b lic a , 267
298-300; e as Ligas C am ponesas, 52-68; Paraná, 105 , a ,, P ro g ra m a P o n to Q u a tro , 88, 122, 152
M C P (M ovim ento de C u ltu ra Ponulan Partido Comunista Brasileiro, 18 22.
d ad o s b io g ráfico s, 55-59; ascensão e 137-138, 202-203, 208, 222 ' 163- e as Ligas Camponesas, 60,62,66, “ P ro je to C a m e lo t” , 159, 299
decad ên cia p o líticas, 99-135, 210-214; M EB (M ovim ento de E ducação de Baxei associação de Julião, 66-68, 102-111; Prom essa, 43
d isp u ta p elo co n tro le d e sin d icato s ru ­ 209, 249 ’’ na política de Pernambuco, 74-81 p a s­ P ro te sta n tism o , e as Ligas C a m p o n e sas,
rais, 190-201; c a p tu ra de, 239-243 M elo, p ad re A n tô n io , 180-186, I9 i sim- e o levante de 1935, 76-78; cone­ 62
194-200 passim , 244 246 249, 268 xão alegada com Celso Fuitad o, 92; P S B , v. P a rtid o S o cialista B rasileiro
K ennedy, E d w ard M ., 29, 148-150, 239 M elo, C lóvis, 107-108 rompimento de Julião, 107-108, opo­ P S D , v. P a rtid o S ocial D em o crata
K ennedy, J o h n F ., 27-29, 87, 144, 149, M éto d o P au lo F reire, 203-209, 222 sição a Julião, 133, 134; relações com P T B , v. P a rtid o T ra b a lh ista B rasileiro
168, 181, 219 M ichigan, estad o de (E U A ), 272
K hru sch ev , N ik ita, 144 M inistro d o In te rio r, 266 Q u ad ro s, Jân io , 67, 86, 89, 134, 139,209,
K issinger, H en ry , 29 A ^inistro d o T ra b a lh o , 186, 189 to com o pro g ram a de alfab etizaçã o , 232, 245, 273
K ubitschek, Juscelino, 2 1 4 ,2 1 5 ,2 4 5 253 M orador, 39 207-208; fuga dos líderes, 249 Q u a rto E x ército , 215-217, 230-235 p a s­
273 M oraes, C lodom ir, 66, 119,218,239,260 P artido C o m u n ista d o Brasil (p ró - sim , 237, 243-254 p assim , 262
K u rzm an , D a n , 243 M oraes, Jo sé H erm írio de, 141-145 231 Chinês), 109 Q u tru p (C allad o ), 258
246 Partido D em ocrata (E U A ), 89
L a m p iã o , 44, 63 M oscou, 78 P artido Socialista B rasileiro, 71, 89, 91, R a m o s, G racilian o , 42
Lei d e S eg u ran ça N acio n al, 129, 195 M o ta P e d ro , 17-20 104-105, 139, 188, 191 R ain ier, p rín cip e, 181
Lei d o T ra b a lh a d o r R u ral, 187 M ovim ento de C u ltu ra P o p u lar MCP P artido T rabalhista B rasileiro, 58, 104, R ecife, 34, 74, 92, 95, 149, 300; c o n d i­
Leis T ra b a lh ista s R u rais, 184, 189 134, 214 ções n o , 20-29, 136-137; so b d o m ín io
L e M o n d e, 275 N ações U n id as, 88 Paula, Francisco Julião A rru d a de, v. J u ­ h o lan d ês, 34; ascen são c o m u n ista n o ,
L em o s, F ra n cisco d e A ssis, 111, 239 N ad er, R alp h , 29, 156, 162 lião, Francisco 75; in flu ên cia d e G ilb erto F rey re,
L iga (A ), 122, 132 N ap o leâo , 36 Pearson, Neale, 149, 249 81-82; C a sa d e D eten ção , 125, 129,
Ligas C am p o n esas, 17-21,28, 2 9 ,4 0 ,4 5 , N atal, 31, 77, 87 Pedra B onita, 43 194, 197, 238; p resen ça am erican a,
99-100, 159, 182, 185, 218, 243; o ri­ N ew RepubUc, 183 Pedro, dom , 36 151-160, 174-175; eleições d e 1963,
gens, 51-68; ativ id ad es, 114-135; co m ­ N ew York Times, 2 8 ,4 9 , 68, 86, 158,159 Pereira, H iram , 66, 76, 249 213-214; “ renovação u rb a n a ” , 260-261
p etição co m o u tro s g ru p o s, 189-201 N ew sw eek, 171, 174, 190, 193 Pérez Jiménez (ditador da V enezuela), 50 R elató rio B o h an , 88-93 passim , 154, 165

312 313
R e la tó rio F u rta d o , 85-87 Usinas, 37
Serviço de E xtensão C ultural

jísra?*:.
R e la tó rio H isp a n o -A m erican o , 170 78 125, 129, 190, 195-197 Usineiros, 37-38, 74
Serviço de Inform ações dos E Í h S£C
R em ó n , Jo sé A n to n io , 50 d o s, v. US1S h tadosUnj. .4 9
R epública D o m in ican a, 50, 175, 273 Sete L agoas, 241 V argas, G etúlio, 50, 56, 59,7 0 -8 0 passim ,
R epública Ind íg en a G u a ra n i, 252 í v ABC, 29, 116
S k id m o re, T h o m a s, 224 T)r, 87, 89, 217, 223
R evista M ilitar, 128 S hriver, S argent, 29 V enezuela, 18, 50
R evolução C u b a n a, 1 1 ,2 0 ,2 9 ,4 9 ,6 7 -6 8 Silva, A u relian o V icente 182 V ian a, D arcy V illocq, 237-238
87-89, 116-117, 213, 255 Silva, L uís P ereira d a 243 U bI.hadoVeT A grícolas d ° S rasil), 105, V icente, A n tô n io , 61
“ R e v o lu ç ã o em Q u a r e n ta H o r a s ” , V icente, Jo sé , 61
203-209, 222, 248 Silveira, Pelópidas, 74,’ 76, 8 0 17, , 199
2 2 6 ,2 4 7 ,2 6 0 ’ 8 U' 122 ,2 l4> V icente, M an o el, 61
R io de Ja n e iro , 2 4 ,2 6 , 3 0 ,7 7 , 83, 8 5 ,9 0 , S irin h aém , 128, 196 197 Union n ^ o c r a l S Nacional (U D N ), Vidas Secas (G racilian o R a m o s), 42
92, 120, 123, 132, 145, 152, 162, 218; S nyder, R o lan d , 298-305 p assim União Dem^ ra 3 9 . 1 4 1 , 145, 168, 169 V ietn am , 235
7 1 -8 2 passim , 13* > ■
eleição d e P restes p a ra o S en ad o , Violeiros, 63
S ociedade de A g ricu ltu ra e C r i l a União Soviética, 66, 163
78-79; C o m ício d e 13 d e m a rço , 223, V ioleta (irm ã d e M iguel A rraes), 143, 250
G a d o dos P la n ta d o re s de P ern ?°u de United Fruit C om pany, 50
244; rev o lta d o s m arin h eiro s, 225 c o , 53, 59-60, 63 m n **nibu- V itória d e S an to A n tã o , 52, 6 4 ,1 9 4 ,2 1 2 ,
Universidade Americana, 159
Rio G ran d e do N orte, 7 7 ,8 7 ,9 0 ,1 8 3 -1 8 5 , 218, 239
Sociedade p ara a Defesa da Tradicãn r Universidade da Bahia, 45
171; a c o rd o de ed u cação , 168-169, 174 m ília e P ro p rie d a d e , 2 7 4 Çâ° ’ Viver é L utar, 209, 249
R o b o c k , S tep h an H ., 87 Universidade do Recife, 208
S om oza (d ita d o r da N icarágua! sn V o o rh is, H . Je rry , 158
R o ck efeller, N elson A ., 257
R o e tt, R io rd an J . A ., 111, 90, 94, 167
SORPE (Serviço de Orientação RUr°ald S saT d (AgÍncia dos Estados Unidos pa-
P ern am b u co ), 185-186, 198 2 4 ^ 0 W an d erley , W a n d erk o lk , 232-233, 252
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