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A Eficacia Horizontal PDF
A Eficacia Horizontal PDF
1 . INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por finalidade analisar os direitos fundamentais e sua eficácia
horizontal no âmbito das relações privadas. Para entender o tema, imperioso discorrer sobre
a evolução teórica e jurisprudencial sobre o assunto, tanto no direito comparado como no
direito pátrio, com ênfase aos ditames da Constituição da República de 1988.
Os direitos fundamentais foram construídos originariamente, como direitos do
indivíduo frente ao Estado, seja como direitos de defesa contra o Estado, seja como direitos
a uma prestação por parte deste. Inicialmente, portanto, os direitos fundamentais eram
exercidos verticalmente, de forma hierarquizada e com caráter de subordinação diante da
supremacia do Estado perante o particular.
Com o fortalecimento do Estado de Direito, passaram a atuar novas forças privadas
além do Poder Estatal, capazes de desestabilizar as relações jurídicas entre particulares, por
vezes, sujeitando o mais fraco em detrimento do mais forte.
Modernamente, o tema da eficácia horizontal dos direitos e garantias fundamentais nas
relações jurídicas entre particulares, possui ampla repercussão no meio jurídico. Portanto, a
2
aplicação dos direitos fundamentais na esfera privada surge com intuito de proteger esses
direitos primários dos indivíduos, uma vez que os direitos fundamentais são oponíveis não
só em relação ao Estado, mas também no âmbito das relações privadas.
Dessa forma, sob a perspectiva do constitucionalismo contemporâneo, pretende-se
examinar neste estudo a questão referente à eficácia horizontal dos direitos fundamentais
aplicados às relações entre particulares. A eficácia horizontal como sustentam seus
defensores, não ofusca a autonomia privada, e seria o instrumento apto a manter o
equilíbrio e a justiça entre as relações jurídicas privadas, quando em confronto com os
direitos fundamentais.
2.1 HISTÓRICO
1
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997,
p.17.
2
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008, p. 4.
3
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 232.
3
ainda, de que a defesa dos direitos humanos preexiste ao próprio Estado são fundamentais
para a afirmação dos direitos humanos.
Essas idéias foram fontes primordiais para independência das colônias norte-
americanas, principalmente para a Declaração dos Direitos de Virgínia (Bill of Rights, 1776),
assim como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)4 fruto da Revolução
Francesa. Esses documentos formais representam o marco determinante para o
desenvolvimento e afirmação dos direitos fundamentais. Entretanto, mais representavam
afirmações políticas e filosóficas do que normas jurídicas exeqüíveis. 5
Segundo Dimoulis Dimitri e Leonardo Martins, as Declarações eram semelhantes em
diversos aspectos por exaltarem o dever de abstenção do Estado e, principalmente, por
constarem expressamente os direitos fundamentais de primeira geração: direito de
igualdade, de propriedade, de liberdade religiosa, de imprensa, entre outros. Entretanto,
havia diferenças, eis que a Declaração Francesa de 1789 exaltava mais a igualdade entre os
cidadãos, enquanto a Declaração Americana de 1776 preocupava-se mais com as liberdades
individuais. 6
Com o movimento constitucionalista liberal do século XIX, os Direitos fundamentais
ganharam maior efetivação, sendo que vários Estados passaram a adotar documentos
formais aptos a proteger os direitos fundamentais inerentes aos seus respectivos cidadãos,
os quais foram moldando um conceito universal de direitos humanos fundamentais. Nessa
linha, destacam-se a Constituição da Espanha de 1812 e a Portuguesa de 1822.
Já o século XX é marcado pelo surgimento dos direitos sociais, ou direitos
fundamentais de segunda geração, ligados ao valor igualdade, expressos em diversas
constituições da época, inclusive a brasileira de 1934. Esses direitos exigem prestações
positivas por parte do Estado, por isso são também chamados de direitos de promoção ou
direitos prestacionais destinados aos hipossuficientes e aos mais fragilizados. 7
Outro marco decisório para os direitos fundamentais é a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, pois consagrou, além dos direitos e garantias individuais,
também os direitos sociais. Tal Declaração é historicamente decisiva, eis que os direitos
humanos deixam de ser apenas princípios para consubstanciar um sistema de valores
universais. Ademais, a universalidade da Declaração de 1948 expande-se para todos os
países signatários, de tal forma que o conceito de direitos fundamentais passa a integrar a
própria estrutura de muitos destes Estados.
4
Nesse ponto, cabe destacar o disposto no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. “A sociedade em que não
esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida à separação dos poderes não tem Constituição”. In: Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789. Artigo 16. Disponível em: http://www.france.org.br/14 julho/decldroits.html. Acesso em 05 fev. 2009.
5
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 232.
6
DIMITRI, Dimoulis; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
7
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 371.
4
8
LIMA, Henrique. Efeitos horizontais dos direitos fundamentais. Texto extraído do Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1812, 17 de junho de
2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11392. Acesso em: 15 ago. 2008.
9
O direito à subsistência estava previsto no caput do artigo 113, e o dever de assistência aos indigentes encontrava-se no inciso 34 do mesmo
artigo, ambos da Constituição Brasileira de 1934.
10
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007.
11
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1997.
12
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre
particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (coordenador). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações
privadas. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006, p. 121.
5
Nesse rumo, prossegue José Afonso da Silva que o qualificativo dos direitos
fundamentais implica que “tratam de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não
se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive”.13 Assim, trata-se de direitos
reconhecidos pelo Estado aptos a assegurar a dignidade da pessoa humana.
Cumpre destacar ainda, que há uma diferenciação clássica entre direitos humanos e
direitos fundamentais. Os direitos humanos são os reconhecidos internacionalmente, com
base na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Já os direitos fundamentais são
os direitos humanos reconhecidos e expressos por meio da ordem jurídica interna de cada
Estado, variando conforme a cultura e as especificidades de cada país.
Assim, conforme os ensinamentos de Gilmar Ferreira Mendes, os direitos fundamentais
quando incorporados ao ordenamento jurídico interno de um país, tornam-se não somente
direitos subjetivos aptos a conferir aos seus titulares a condição de impor seus interesses
contra o Estado, mas também, formam o elemento fundamental da ordem constitucional
objetiva. Nessa linha, os direitos fundamentais constituem a base do ordenamento jurídico
de um Estado Democrático de Direito.14
Na definição de Alexandre Moraes, os direitos fundamentais formam um conjunto
institucionalizado de direitos e garantias aptos a garantir o respeito, a dignidade do ser
humano e a proteção contra o arbítrio do Estado, com a finalidade de assegurar as
condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. 15
Moraes salienta ainda que, segundo a UNESCO, os direitos fundamentais seriam de um
lado a proteção institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra excessos cometidos
pelo Estado e seus Órgãos, e, de outro, regras que estabelecem condições humanas de vida
e desenvolvimento da personalidade humana. 16
Por fim, o consenso geral entre os doutrinadores é de que os direitos humanos ou
fundamentais são o conjunto de normas positivadas visando assegurar os direitos e
garantias indispensáveis para a dignidade da pessoa humana, e, sobretudo, com a finalidade
de limitar o exercício do poder do Estado, contra atos que atentem contra a liberdade
individual.
13
SILVA, José Afonso Da. Op. Cit. p. 178.
14
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3.d. São Paulo: Saraiva,
2004.
15
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2006, p. 21.
16
Les dimensions internationales des droits de l´homme. UNESCO, 1978, p. 11. In MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais.
São Paulo: Atlas, 2006, p. 22.
6
ideal revolucionário do século XVIII (liberdade, igualdade e fraternidade), ideal que inspirou o
conteúdo e a seqüência dos direitos fundamentais. 17
Os primeiros direitos a serem positivados, por isso direitos de primeira geração, foram os
direitos civis e políticos, originários das Revoluções americana e francesa. Esses direitos estão
ligados ao valor liberdade e representam uma obrigação de não fazer, de não interferir na esfera
pessoal do indivíduo por parte do Estado. Tais direitos foram conquistas das reivindicações
burguesas que exigiam respeito às liberdades dos indivíduos por parte do Estado.
Os direitos fundamentais de primeira geração são os indispensáveis a todos os homens,
que segundo Gilmar Ferreira Mendes, são direitos que ostentam uma pretensão universalista e
abstrata, eis que alguns direitos como o de sufrágio, dependia do requisito riqueza para serem
desfrutados.18 Tais direitos se referem às liberdades individuais como a liberdade de culto e
reunião, a de consciência, à inviolabilidade de domicílio, entre outros. Mas, o titular desses
direitos era o homem individualmente considerado, sendo que o livre encontro de indivíduos
autônomos era repudiado por parte do Estado de Direito Liberal.
Com a revolução industrial do Século XX surgem os direitos de segunda geração, ligados
ao valor igualdade, oriundos de lutas do proletariado pela conquista dos direitos sociais,
econômicos e culturais. Os direitos sociais são resultado de uma nova visão do relacionamento
Estado/sociedade, a qual levou o Poder Público a adotar medidas positivas visando superar as
angústias estruturais acometidas pela população. São exemplos dessas intervenções o
estabelecimento dos seguros sociais, a intervenção na vida econômica, e as demais ações estatais
em busca de uma justiça social.19
Assim, os direitos fundamentais de segunda geração possuem uma conotação material,
efetiva, ao passo que é indispensável à atuação positiva do Poder Público em favor dos menos
favorecidos, para a concretização desse ideal de igualdade. Diferentemente do caráter abstrato
dos direitos de primeira geração marcados pela igualdade formal, os quais não satisfaziam
totalmente às exigências dos indivíduos em sociedade.
Nessa ordem, os direitos de segunda geração não substituem os de primeira, eis que
representam uma evolução dos direitos fundamentais. O Estado passa então do status negativo
em prol das liberdades individuais, para assumir uma postura positiva perante os membros da
coletividade. São exemplos dessas atuações positivas do Estado, a implantação de políticas
públicas que buscam efetivar o direito ao lazer, direito à saúde, a assistência social, ao trabalho, à
habitação, entre outros.
Segundo o professor Gustavo Barchet, logo após a constitucionalização dos direitos
sociais, os direitos de segunda geração passaram por uma crise de normatividade, uma vez que o
Estado depende de amplos recursos financeiros para alcançar a plena efetivação destes direitos.
Tal crise chegou a afetar a eficácia jurídica dessas normas programáticas, eis que os direitos
prestacionais dependem de recursos orçamentários do Estado para a sua aplicação real. 20
Acrescenta ainda o professor Barchet que as constituições contemporâneas estabeleceram
mecanismos que conferem eficácia jurídica aos direitos fundamentais. Assim, é a Constituição da
República Brasileira de 1988, que estabelece no artigo 5º, parágrafo primeiro, o princípio da
17
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 227.
18
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 233.
19
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Op. Cit. p. 233.
20
BARCHET, Gustavo. Direito Constitucional. Brasília: Ponto dos Concursos, 2008. Notas de aula.
7
21
Brasil. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2007. 20p. In BARCHET, Gustavo. Direito
Constitucional. Brasília: Ponto dos Concursos, 2008. Notas de aula.
22
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1431. Associação Nacional dos Funcionários da Polícia Federal versus Presidente da República e
Congresso Nacional. Relator: Ministro Sidney Sanches. Brasília, 12 setembro de 2003. In NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º
Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 375.
23
Os direitos transindividuais possuem natureza indivisível, e são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Já os
direitos coletivos, assim entendidos, são os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Conceito extraído de: BRASIL. Lei n. 8.078/90 de 11 de setembro de
1990. Código de Defesa do Consumidor. Brasília. Presidência da República, Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 02 Fev. 2009.
24
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 526.
25
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 234.
8
26
CANOTILHO, J.J, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1216.
27
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 105.
28
CANOTILHO, J.J, Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1216.
29
HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1998, p. 239. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Op. Cit. p. 106.
30
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 266.
9
liberdades constitucionais, “sem as quais tais direitos, para os despossuídos, não passariam
de promessas vãs”. 31
Enfim, é nesse contexto que reside a importância da dimensão objetiva dos direitos
fundamentais para o presente estudo, pois, sob este aspecto objetivo dos direitos
fundamentais, os efeitos dessas normas transcendem o plano das relações jurídicas entre o
Estado e o indivíduo, abarcando outras relações jurídicas, até mesmo entre entes privados.
Sob esta ótica, os direitos fundamentais limitariam a autonomia privada com intuito de
proteger o cidadão das forças opressoras exercidas pelos poderes sociais não estatais,
presentes na sociedade contemporânea. 32
Nesse aspecto, o dever de proteção do Estado contra agressões aos direitos
fundamentais, representa um caráter de prestação positiva, eis que a dimensão objetiva
desses direitos exige a adoção de medidas concretas, “quer materiais, quer jurídicas de
resguardo dos bens protegidos”. Isso reforça a idéia de que a dimensão objetiva interfere na
dimensão subjetiva desses direitos, conferindo-lhes efetividade reforçada. 33
Assim, a dimensão objetiva não representa desprezo à dimensão subjetiva, mas um
complemento, ou um reforço a ela, agregando-lhe valores no sentido de conferir aos direitos
fundamentais uma proteção reforçada, além da estrutura convencional dos direitos
subjetivos. Entretanto, a dimensão objetiva justifica até mesmo, limitações aos próprios
direitos fundamentais em prol da coletividade, uma vez que “as necessidades coletivas são
relevantes para a conformação do âmbito de validade dos direitos fundamentais, e podem
justificar restrições, respeitados o núcleo essencial e o princípio da proporcionalidade”. 34
Por fim, conforme conclui Gilmar Ferreira Mendes, a dimensão objetiva atribui eficácia
irradiante aos direitos fundamentais, servindo de diretriz para a interpretação e aplicação
das normas dos demais ramos do Direito. A dimensão objetiva prossegue o autor, leva a
discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, a eficácia desses
direitos entre particulares no âmbito da esfera privada, objeto do presente estudo. 35
31
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 107.
32
SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 107.
33
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 267.
34
SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 108.
35
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 268.
36
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 231.
10
mercado, a empresa, a sociedade civil, a família, etc. Dessa forma, a proteção dos direitos
fundamentais é indispensável numa sociedade cada vez mais desigual. 37
Essa opressão aos direitos fundamentais por outros atores que não o Estado, fez com
que a incidência desses direitos fosse estendida também ao âmbito das relações entre
particulares. Os efeitos da proteção dos direitos fundamentais passaram a alcançar às
relações jurídicas em que particulares se encontram numa situação hipotética de igualdade
jurídica, por essa razão, tal fenômeno jurídico foi denominado pela doutrina de “eficácia
horizontal ou privada dos direitos fundamentais”.
Nessa linha, segundo Gilmar F. Mendes, ganha força a percepção de que os direitos
fundamentais possuem caráter objetivo, pois além do Estado proteger e resguardar tais
direitos deve também atuar coercitivamente no sentido de fazer valer esses direitos, até
mesmo nas relações jurídicas entre particulares. Nessa ordem, o aspecto objetivo dos
direitos fundamentais traz a noção de que esses direitos exprimem os valores básicos da
ordem jurídica e social a serem observados em todos os setores da vida civil. Cabe ao
Estado preservar e promover os direitos fundamentais como princípios estruturantes da
sociedade. 38
A discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais ganhou notoriedade
na medida em que a vinculação dos particulares a esses direitos passou a nortear decisões
judiciais de países constitucionalmente desenvolvidos, com destaque a Constituição
Portuguesa que expressamente proclama a vinculação das entidades privadas aos direitos
fundamentais. 39
Entretanto, Daniel Sarmento ressalta que a doutrina contemporânea ainda diverge
sobre como e em que medida se dá o alcance da incidência dos direitos fundamentais nas
relações privadas, eis que o particular quando atua como sujeito passivo desses direitos não
pode estar no mesmo plano que o Estado. Ademais, o ponto principal da questão consiste na
busca de uma fórmula adequada para a compatibilização entre, de um lado, a efetiva
proteção dos direitos fundamentais, e de outro, a tutela da autonomia privada. 40
Segundo Gilmar Ferreira Mendes, deve-se observar também que no âmbito de uma
relação privada de “relativa igualdade de condições”, a questão ganha maior complexidade.
Deverá haver nesse caso, um juízo de ponderação entre “os valores envolvidos”, com o
objetivo de “alcançar uma harmonização entre eles no caso concreto”, isto é, uma
“concordância prática”. Há que se buscar uma compatibilização entre o direito fundamental e
a autonomia privada em jogo, com intenção de não subjugar nem um, nem outro. 41
Finalmente, o tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, desde a sua
origem, desperta inúmeras controvérsias. Dentre as teorias que buscam explicitar o tema,
as principais são: a doutrina do state action ou teoria da ineficácia horizontal; a teoria da
eficácia horizontal indireta ou mediata; e, a teoria da eficácia direta ou imediata. A seguir,
pretende-se esboçar as teorias desenvolvidas sobre o assunto e os principais aspectos que
envolvem a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
37
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 185.
38
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 274.
39
O artigo 18.1 da Constituição Portuguesa assim expressa: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são
diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas.
2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 208.
40
SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 186.
41
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Op. Cit. p. 277.
11
42
Tais fatos históricos foram abordados pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes em seu voto. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.
201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da União, Brasília, 27 out. 2006.
43
MENDES, Gilmar Ferreira. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da
União, Brasília, 27 out. 2006.
44
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 112.
12
45
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 188.
46
SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 189.
47
GARVEY, John H. & ALEINIKOFF, T. Alexander. Modern Constitucional Theory: A Reader. St. Paul: West Group, 1999, pp. 793-800.
Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 195.
48
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 196.
49
SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 196.
13
50
DÜRIG, Günter. “Grundrechte und Zivilrechtsprechung”, en MAUZ, Theodor (Hrsg.) Von, en Festschrift für Hans Nawiaski. München: Beck,
1956, p. 157/190, apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 197.
51
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3.d. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 125.
52
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 280.
53
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 199.
54
MENDES, Gilmar Ferreira. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da
União, Brasília, 27 out. 2006.
14
A teoria da eficácia horizontal direta foi defendida inicialmente, na década de 50, por
Hans Carl Nipperdey.56 Segundo o autor alemão, apesar de alguns direitos fundamentais
previstos na Constituição Alemã vincularem somente o Estado, outros, pela sua natureza,
podem ser invocados diretamente pelos particulares, independente de mediação legislativa,
uma vez que os direitos fundamentais possuem eficácia erga omnes. Tal teoria apesar de ter
surgido na Alemanha, não tem grande aceitação naquele país, mas é aplicada em países
como Espanha, Portugal, Argentina, e também no Brasil.
Nota-se, portanto, que essa teoria é a mais expansiva no trato da aplicação dos
direitos fundamentais nas relações entre particulares. Essa tese parte do pressuposto que os
direitos fundamentais possuem ampla eficácia, podendo ser suscitados diretamente pelos
particulares, independente de qualquer mediação legislativa, como forma de se atribuir
ampla proteção a esses direitos.
Segundo observa Henrique Lima, tanto os defensores dessa teoria, quanto os
defensores da doutrina do State Action, (inversamente oposta) possuem um ponto em
comum. O consenso entre eles reside na preocupação de não se achatar a autonomia
privada, uma vez que a proteção demasiada dos direitos fundamentais poderia acarretar um
resultado oposto do pretendido. Nessa seara, caberia ao juiz a missão solucionar a questão,
analisando o caso concreto por meio de um juízo de ponderação entre a autonomia privada
e os direitos fundamentais em conflito. 57
Nesse ponto, Virgílio Afonso da Silva ressalta que as relações privadas possuem
características específicas, havendo necessidade de se ponderar os direitos fundamentais
com a autonomia da vontade em jogo, a fim de alcançar um denominador comum com base
no princípio da proporcionalidade. Assim, a intensidade de aplicação dos direitos
fundamentais não deve ser a mesma estabelecida na relação entre o Estado e o indivíduo,
uma vez que o Poder Público é o responsável por gerir o bem comum, sendo os particulares
destinatários dessa gerência. 58
Segundo defende Daniel Sarmento, deve-se analisar a desigualdade material entre os
particulares envolvidos, pois, quanto maior a desigualdade fática em uma relação privada,
mais intensa será a proteção ao direito fundamental em questão, e, menor a tutela da
55
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 200.
56
A primeira manifestação de Nipperdey sobre essa teoria foi produzida em 1950, num artigo sobre a igualdade do homem e da mulher em
relação ao salário. Mas é em seu livro sobre a parte geral do Direito Civil Alemão que o autor traz uma maior abordagem sobre a questão. In:
JULIO ESTRADA, Alexei. La Eficácia de los Derechos Fundamentales entre Particulares. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia,
2000, apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 204.
57
LIMA, Henrique. Efeitos horizontais dos direitos fundamentais. Artigo extraído do Jus Navigandi, Teresina, ano 12, número 1812, 17 de junho
de 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11392. Acesso em: 15 Ago. 2008.
58
SILVA, Virgílio Afonso Da. A constitucionalização do direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Ed.
Malheiros, 2005, p. 87.
15
59
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 209.
60
STEINMETZ, Wilson Antônio. Vinculação dos Particulares a Direitos Fundamentais. São Paulo: Ed. Malheiros, 2005, p. 216.
61
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Civilização do Direito Constitucional ou Constitucionalização do Direito Civil? A Eficácia dos Direitos
Fundamentais na Ordem Jurídico-Civil no Contexto do Direito Pós-Moderno. In: GRAU, Eros Roberto e GUERRA Filho, Willis Santiago
(Orgs). Direito Constitucional: Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 108-115. Apud SARMENTO,
Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 209-210.
62
SILVA, Virgílio Afonso Da. A constitucionalização do direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Ed.
Malheiros, 2005, p. 87.
63
CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Trad. De Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Livraria
Almedina, 2003. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 217.
16
mas, deve também, agir positivamente visando resguardar esses direitos contra todas as
formas de violações, provindas até mesmo de entes particulares.
Observa-se que tal concepção é semelhante à tese da eficácia direta, possuindo
também, ingredientes da teoria da eficácia indireta. Contudo, aproxima-se mais da primeira
porque defende a idéia de um Estado protetor das ameaças a direitos fundamentais na
esfera privada. Possui elementos da teoria da eficácia mediata, na medida em que exige a
intervenção do legislador ordinário para uma efetiva proteção dos direitos fundamentais. A
teoria dos deveres de proteção também defende a possibilidade de intervenção do judiciário
por meio do controle de constitucionalidade das normas.
Entretanto, Sarmento destaca que essa teoria peca por não acrescentar novos
elementos à discussão sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações
privadas. Ademais, não se pode conceber que somente o Estado estaria vinculado aos
direitos fundamentais, uma vez que é incompatível com a ideia dos deveres de proteção, e,
nas palavras do autor: “inadequado à realidade da vida moderna”. 64
Outra concepção sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais reúne
as três teorias sobre o tema, a teoria da eficácia direta, a teoria da eficácia indireta e a teria
dos deveres de proteção, formando uma teoria mista. Tal proposta para a solução do
problema foi desenvolvida por Robert Alexy, que segundo Daniel Sarmento, essa concepção
seria um prolongamento da teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais,
com alguns aspectos a mais. Desse modo, sustenta Alexy, que apesar das diferentes
posições acerca do tema, todas as três concepções convergem para o fato de que a eficácia
do direito fundamental na seara privada depende de uma ponderação de interesses. 65
Segundo Alexy é essencial que se busque uma teoria que realmente explique
satisfatoriamente a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. O
autor propõe então uma conjugação das teorias, ou mais precisamente “um modelo de três
níveis de efeitos”. Assim, a teoria do efeito mediato estaria no primeiro nível por considerar
que os juízes, como órgãos estatais, estariam obrigados a aplicar os direitos fundamentais
como valores objetivos na interpretação das normas de Direito Privado. 66
Os deveres de proteção estariam num segundo nível, na medida em que o Judiciário
ao dirimir um conflito privado, não levaria em conta a aplicação direta dos direitos
fundamentais, e sim o direito do cidadão frente ao Estado protetor desses direitos. Quanto
ao terceiro nível, restaria a teoria da eficácia imediata, que segundo Alexy, a eficácia direta
não se resume na substituição do Estado pelo particular no pólo passivo de um eventual
conflito sobre direitos fundamentais, mas, sobretudo, que a Constituição e os direitos
fundamentais projetam efeitos diretos sobre os particulares. 67
Finalmente, cabe ressaltar que Robert Alexy rebate o argumento de que a aplicação
direta dos direitos fundamentais nas relações privadas ameaçaria a autonomia privada e,
por conseguinte, todo o Direito Civil. Com relação à autonomia privada, a solução da
questão encontra-se na ponderação, uma vez que a eficácia direta não torna absoluta
aplicação dos direitos fundamentais na esfera privada. Ademais, caso o Judiciário na solução
dos conflitos interprivados aplicasse somente a Constituição desprezando toda a legislação
ordinária, agiria de forma incoerente com a proteção da segurança jurídica. Enfim, conclui o
autor que o Direito Privado não é ameaçado pela teoria da eficácia direta dos direitos
64
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 220.
65
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1993, p. 514-515. Apud SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 222.
66
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Apud SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 222.
67
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Tradução de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales,
1993, p. 519. Apud SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 223.
17
68
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Apud SARMENTO, Daniel. Op. Cit. p. 223.
69
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2º Ed. São Paulo: Ed. Método, 2008, p. 234.
70
SILVA, Virgílio Afonso Da. A constitucionalização do direito: Os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Ed.
Malheiros, 2005, p. 57.
71
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 256.
72
APELAÇÃO CIVIL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA. SANÇÃO ADMINISTRATIVA APLICADA
POR ENTIDADE PRIVADA. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL EM SUA PROJEÇÃO AOS PARTICULARES. In: BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Civil
n. 700024253312/2008. Relatora: Des.ª Judith dos Santos Mottecy. Diário de Justiça Estadual. Porto Alegre, 11 set. 2008.
73
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da União, Brasília, 27 out. 2006.
18
da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Cabe ressaltar que os Ministros Joaquim
Barbosa e Celso de Mello, seguindo o voto do Ministro Gilmar Ferreira Mendes foram
incisivos no sentido de se aplicar os direitos fundamentais às relações privadas. 74
Por fim, é imprescindível destacar a Ementa deste julgado, eis que a decisão vai de
encontro com a posição da doutrina majoritária no Brasil, assim como demonstra a
inclinação da Corte Suprema sobre o assunto. 75
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E
DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos
fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e
o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e
jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando
direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes
privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À
AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional
brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à
revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm
por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República,
notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O
espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não
está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o
respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada,
que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em
detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros,
especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia
da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e
atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas
pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem,
aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades
fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE
INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE
CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À
AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem
função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social,
mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou
social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-
estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins
lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição
privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos
autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC,
sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido
processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica
impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas
obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba
por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter
público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo
associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso
concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido
74
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 253.
75
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da União, Brasília, 27 out. 2006.
19
processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88).
76
IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (grifos nossos)
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pretendeu-se neste trabalho, de forma concisa e objetiva, fazer uma abordagem geral
sobre a eficácia dos direitos fundamentais frente às relações jurídicas privadas, buscando-se
ressaltar a importância do tema para a doutrina constitucional contemporânea, tanto no
direito comparado, como no direito pátrio.
O estudo procurou demonstrar que a proteção dos direitos fundamentais é essencial
para a garantia de uma sociedade livre, harmônica e justa. Ao se percorrer a evolução
histórica dos direitos fundamentais, observou-se que tais direitos foram resultados de lutas,
batalhas e revoluções para que atingissem seu status de garantia mínima essencial ao ser
humano. O grande marco dessa evolução foi alcançado com o ideal de liberdade, igualdade e
fraternidade, conquistado pelas revoluções americana e francesa.
Dessa forma, os direitos fundamentais foram concebidos originariamente como direitos
de defesa do indivíduo frente ao Estado. Contudo, diante da evolução do Estado e da
sociedade, essa ideia inicial dos direitos fundamentais tornou-se muito restrita, fazendo
surgir a concepção de que esses direitos possuem força irradiante, repercutindo, até
mesmo, no âmbito das relações entre particulares, como forma de se garantir a máxima
eficácia desses direitos.
Nessa ordem, a discussão sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais surgiu
na década de 50 na Alemanha. O Direito Alemão foi então o precursor de todas as
concepções sobre o tema, tanto na doutrina, como na jurisprudência. Logo, pela importância
do tema, o assunto se disseminou e alcançou importante destaque no Direito Constitucional
Moderno.
Por meio de uma análise das teorias sobre a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, pôde-se perceber que a teoria da ineficácia horizontal, ou mais precisamente,
a teoria que nega a aplicação desses direitos no âmbito privado, defendida no Direito
Americano, não se coaduna com o ideário dos direitos fundamentais, visto que não basta
apenas o Estado se abster de violar esses direitos, mas, deve também, defendê-los
ativamente das ameaças e agressões advindas dos mais diversos atores existentes no
mundo moderno, incluindo os particulares.
No Brasil, devido à forte conotação social da Constituição da República de 1988,
calcada pelo ideário de justiça e solidariedade, e, tendo a dignidade da pessoa humana
como fundamentos do Estado democrático brasileiro, torna-se necessária e manifesta a
incidência direta e imediata dos direitos fundamentais no âmbito privado, objetivando
garantir a máxima efetividade desses direitos.
Conforme foi ressaltado, as violações aos direitos fundamentais não ocorrem somente
no âmbito das relações Estado-cidadão, mas também nos embates jurídicos entre pessoas
físicas e jurídicas de direito privado, as quais estão vinculadas aos direitos fundamentais
assegurados pela Constituição de 1988.
Nesse contexto, procurou-se demonstrar nessas linhas gerais sobre o tema, que os
direitos fundamentais incidem diretamente na esfera privada. Tal preceito vincula os
particulares à sua observância, sendo fundamental para manter o equilíbrio das relações
jurídicas privadas. Entretanto, a igualdade ou desigualdade de poder em uma determinada
76
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n. 201.819-8. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Diário de Justiça da União, Brasília, 27 out. 2006.
20
relação jurídica é circunstância decisiva para sopesar a maior ou menor incidência dos
direitos fundamentais entre particulares.
Finalmente, a questão sobre a incidência dos direitos fundamentais na seara privada
ainda provoca muitos debates no meio jurídico. É consenso tanto na doutrina quanto na
jurisprudência pátria de que esses direitos vinculam os particulares, havendo precedentes na
jurisprudência de que a incidência de tais direitos deve ser de forma direta e imediata.
Contudo, não se pretendeu esgotar neste trabalho as discussões acerca do tema, visto que
ainda emerge muitas controvérsias quanto à forma e a extensão da aplicação desses direitos
no âmbito privado.
Enfim, em sede de conclusão final sobre o assunto, percebeu-se que a incidência dos
direitos fundamentais no âmbito privado deve ocorrer de forma direta e imediata. Desse
modo, a aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais na órbita privada deve se
pautar num juízo de ponderação e de proporcionalidade, visando não ofuscar a autonomia
privada de um lado, e, garantir a máxima eficácia dos direitos fundamentais de outro.
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