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P OL Í T I C A S
P Ú BLIC A S
D E S I G U A L DA DE S
POLÍTICAS PÚBLICAS E DESIGUALDADES
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AÇÃO PÚBLICA E PROBLEMAS SOCIAIS EM CIDADES I?TERMEDIÁRIAS
FICHA TÉCNICA
TÍTULO:
Ação Pública e Problemas Sociais em Cidades Intermediárias
AUTORES:
Vários
COORDENADORES:
Balsa, Casimiro
Rodrigues, Luciene
Cardoso, Antônio Dimas
Soulet, Marc-Henry
COMISSÃO DE LEITURA:
Albuquerque, Cristina
Balsa, Casimiro
Boneti, Lindomar
Cardoso, Antônio Dimas
Diogo, Fernando
França, Iara Soares de
José, São José
Macedo, Luiz António
Maia, Rosemere
Martins, Luci Helena
Nofre, Jordi
Olímpio, Marcos
Paula, Andréa Rocha de
Pires, Iva
Rodrigues, Luciene
Vaz, Domingos
APOIO À EDIÇÃO:
Vital, Clara
Sampaio, Leonor
ISBN: 978-989-20-4086-8
Lisboa, 2013
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POLÍTICAS PÚBLICAS E DESIGUALDADES
Í6DICE
Í?DICE ........................................................................................................................................................ 4
?EOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO: o ensino superior brasileiro nos anos 90 ........................................ 5
Christine Veloso Barbosa Araújo
Maria Helena de Souza Ide
POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À POBREZA ?OS ESPAÇOS URBA?OS: da razão técnico-
funcional à insurgência de processos e agentes sociais novos .................................................................. 18
Lindomar Wessler Boneti
O CRESCIME?TO DA POBREZA. Limites das fontes estatísticas em Portugal e resultados possíveis .. 34
Fernando Diogo
DA I?TER-RELAÇÃO CE?TRAL / LOCAL ?A AÇÃO PÚBLICA. Serviços sociais e atendimento
integrado: modelos e perspetivas .............................................................................................................. 53
Cecília Dionísio
DESE?VOLVIME?TO ECO?ÔMICO, DESIGUALDADES E I?JUSTIÇAS SOCIOESPACIAIS EM
CAMPOS DOS GOYTACAZES. O papel das políticas públicas urbanas. ................................................ 67
Teresa de Jesus Peixoto Faria
Raquel Callegario Zacchi
6atália Guimarães Mothé
DIFUSÃO I?TER?ACIO?AL E MODELAGEM DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA REDUÇÃO DA
POBREZA: reflexões sobre políticas sociais brasileiras ........................................................................... 87
Samira Kauchakje
EM ?OME DA ORDEM: política urbana e criminalização da pobreza na Cidade do Rio de Janeiro no
limiar do século XXI ................................................................................................................................ 108
Rosemere Maia
MAPEAME?TO DE I?DICADORES HABITACIO?AIS SOCIAIS: uma contribuição para planejamento
de políticas públicas ................................................................................................................................ 127
Deborah Marques Pereira
Anete Marília Pereira
Marcos Esdras Leite
Aline Crystiane Carvalho Mendes
AS POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCATIVAS E OS CURSOS PROFISSIO?AIS. Um caso de parceria entre
uma Escola Secundária e uma Empresa do ramo da Indústria numa Cidade Intermediária.................. 147
Zulmira de J. C. da Silva Rodrigues
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6EOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO:
o ensino superior brasileiro nos anos 90
Resumo
Este artigo analisa as transformações ocorridas no contexto da educação superior no Brasil nos anos 1990.
Sob o aval de organismos internacionais, interessados na reestruturação do capital produtivo nos países
periféricos, o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) implementou políticas neoliberais que levaram
à expansão desse nível de ensino no Brasil, em especial das Instituições de Ensino Superior (IES)
privadas. O texto apresenta uma análise e uma reflexão crítica sobre as transformações por que passaram
o ensino superior no país nesse período, e como essas mudanças impactaram a função social da
universidade1.
1
Agradecemos o apoio da Fapemig.
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Introdução
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economia com abertura de mercado, entre outras ações, obviamente com subordinação
dos países periféricos.
No contexto da educação superior, o Banco Mundial (1995), através do
documento intitulado “La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la
esperiencia” aponta o que julga ser o cerne da crise nesse grau de ensino. O Banco
diagnostica a crise como assumindo proporções mais graves nos países em
desenvolvimento e preconiza algumas medidas a serem adotadas no âmbito das
reformas, dentre elas: maior diferenciação das instituições; diversificação das fontes de
financiamento das instituições estatais; redefinição do papel do Estado; questões
relativas à autonomia e à responsabilidade institucional.
De acordo com José Dias Sobrinho, naquele período, sob a orientação e até
mesmo sob imposição de organismos multilaterais como, por exemplo, o Fundo
Monetário Internacional (FMI)
[...] vários países da América Latina empreenderam reformas para adequar o Estado e a
sociedade a uma nova ordem, passando a economia a constituir-se o centro de todos os
valores. A educação superior teve de se adequar aos novos imperativos e submeter-se à
centralidade econômica. A imposição de reformas visando a ajustar a educação às novas
exigências da crescente onda de acumulação do capital produziu agudas tensões, ainda
não resolvidas. (Sobrinho, 2003:101)
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[...] autonomia possuía sentido sócio-político e era vista como a marca própria de uma
instituição social que possuía na sociedade seu princípio de ação e de regulação. Ao ser,
porém, transformada numa organização administrada, a universidade pública perde a
idéia e a prática da autonomia, pois esta, agora, se reduz à gestão de receitas e despesas,
de acordo com o contrato de gestão pelo qual o Estado estabelece metas e indicadores
de desempenho, que determinam a renovação ou não renovação do contrato. A
autonomia significa, portanto, gerenciamento empresarial da instituição e prevê que,
para cumprir as metas e alcançar os indicadores impostos pelo contrato de gestão, a
universidade tem “autonomia” para “captar recursos” de outras fontes, fazendo
parcerias com empresas privadas. (Chaui, 1999: 216)
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Desde seu surgimento (no século XIII europeu), a universidade sempre foi uma
instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no
reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de
diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e
estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e
legitimidade internos a ela. A legitimidade da universidade moderna fundou-se na
conquista da idéia de autonomia do saber em face da religião e do Estado, portanto, na
idéia de um conhecimento guiado por sua própria lógica, por necessidades imanentes a
ele, tanto do ponto de vista de sua invenção ou descoberta como de sua transmissão.
(Chaui, 1999: 217)
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Regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para
ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de
eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos
objetivos. Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao
conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em microorganizações que
ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho
intelectual. (Chaui, 1999: 220-221)
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habilitação rápida para graduados, que precisavam entrar rapidamente num mercado de
trabalho do qual serão expulsos em poucos anos, pois tornam-se, em pouco tempo,
jovens obsoletos e descartáveis; ou como correia de transmissão entre pesquisadores e
treino para novos pesquisadores. (Chaui, 1999: 221)
Mas o limite do humano obriga um imenso contingente a se desfazer dos sonhos. Entre
a sobrevivência biológica e o prosseguimento dos estudos, a realidade é cruel: sem
moradia, abrigo, alimento, vestuário mínimo e transporte, o sonho não tem espaço. Por
isso, grosso modo, somente chegam ao final dos cursos pagos os segmentos de médios
para cima. (Leher, 2003: 85)
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[...] políticas e mecanismos de reestruturação desse nível de ensino, tendo por critério a
busca da qualidade social, como horizonte político-pedagógico para a efetiva expansão
e interiorização da educação superior pautada pela indissociabilidade entre ensino e
pesquisa e pelo compromisso social da universidade. (Dourado et al., 2003: 28)
Esse formato inspira o que deveria ser a verdadeira expansão da educação: uma
educação abrangente, inclusiva e comprometida com o verdadeiro desenvolvimento
social.
Considerações finais
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Bibliografia
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Resumo
Trata-se de uma reflexão teórica sobre os fundamentos epistemológicos das políticas públicas de combate
à pobreza. Com o advento do Estado Moderno, no combate à pobreza utilizava-se como parâmetro a
epistemologia da razão moderna, acentuada na técnica e no saber profissional. Mas nos dias atuais, com o
advento de agentes e problemas sociais novos, esta estratégia não é mais eficaz, necessitando também se
considerar questões da identidade e do Ser Social. No que diz respeito ao método, estabelece-se um
diálogo entre a dimensão teórica e dados empíricos coletados em ambientes de extrema pobreza,
desconsidera-se o entendimento de associar políticas públicas a ações de governo, pressupondo que o
estudo das políticas públicas implica associá-las à teoria de Estado. Argumenta-se que o fundamento
epistemológico clássico das políticas públicas de combate à pobreza esteve historicamente assentado
sobre a razão técnico funcional com enfoque no indivíduo produtivo, quando o meio produtivo e Estado
apresentavam-se como agentes definidores. Mas, na contemporaneidade ao lado do Estado e do meio
produtivo apresentam-se ações e agentes insurgentes novos na definição de políticas públicas,
destituindo-se o absolutismo da técnica como parâmetro de verdade, enfocando problemáticas como o
resgate da identidade, da singularidade, da diferença e da igualdade social.
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Introdução
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Por outro lado, considera-se também que nos dias de hoje, no atual contexto da
sociedade, no âmbito da nova configuração social, econômica e política, introduz-se
elementos novos na estrutura social os quais ofuscam os limites e os interesses de
classes, pela própria feição nova do espaço da atuação econômica. Nas últimas décadas,
com o avanço das relações econômicas globalizadas, as manifestações de interesses de
classes e os seus limites, não são convenientemente visíveis. Normalmente tais
interesses são até mesmo camuflados pelos interesses específicos (expressos pelos
grupos econômicos, grandes corporações do setor produtivo ou por diferentes grupos
sociais) e pelas próprias problemáticas sociais (reforma agrária, aposentadoria, fome,
habitação urbana, violência, a questão feminina, a questão gay, etc.) envolvendo
diferentes grupos sociais, cujas manifestações podem representar interesse de classe,
mas este interesse não é necessariamente explicitado na dinâmica da luta do movimento.
Nos dois casos, do movimento social ou das corporações econômicas, a questão se
coloca numa dimensão global.
Mesmo assim entende-se que existe uma estreita afinidade entre os projetos do
Estado (as políticas públicas) com os interesses das elites econômicas. Mesmo que no
nível local (nacional e Estadual) exista uma correlação de força política na definição das
políticas públicas, e no caso as políticas e combate á pobreza, envolvendo os
movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil, mesmo que no nível
nacional um partido de esquerda assumir o governo, a definição das políticas públicas é
condicionada aos interesses das elites globais por força da determinação das amarras
econômicas próprias do modo de produção capitalista. Isto significa dizer que ao se
falar da relação entre o Estado e as classes sociais, entra-se obrigatoriamente na questão
dos agentes definidores das políticas públicas, os quais não são apenas nacionais.
A palavra gênese não significa apenas origem, no sentido simples como parece,
mas trás uma conotação que vai além da origem, à raiz. Isto é, trata-se de analisar o
processo que dá origem à origem dos princípios e dos determinantes inerentes à
elaboração e implementação das políticas públicas. Isto é, pressupõe-se existir enfoques
referenciais que fundamentam o exercício da elaboração e operacionalização das
políticas públicas, como é o caso das concepções epistemológicas, das amarras
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ideológicas, das questões culturais, etc. Isto é, toda Política Pública é originada de uma
idéia e esta de um princípio, de uma pressuposição ou de uma vontade. Portanto, a
palavra princípio não carrega consigo apenas o significado literal do termo, mas algo
mais, o contexto dos fatores determinantes que dão origem a uma idéia de Política
Pública, como o caso da conjugação de interesses, as inserções ideológicas, as
concepções científicas, as correlações de forças sociais etc. Portanto, necessário se faz
distinguir o Ser das Políticas Públicas do ideal de Ser. Não se trata aqui de fazer uma
apologia a um certo ideal de Ser das políticas públicas, mas retratar simplesmente o seu
Ser. Considerando o momento histórico em que se vive, com grandes reflexos ainda do
racionalismo iluminista, analisa-se a seguir alguns princípios (os principais) que
oferecem às políticas públicas de combate à pobreza um sentido racionalista, capitalista
e, portanto, contemporâneo.
Os séculos XV, XVI e XVII testemunharam um expressivo movimento de
construção da base da ciência e do Estado moderno, o que se constituiu fundamento
clássico epistemológico das políticas públicas. Este movimento, apresentando a
construção da “razão” como meta, dedicou-se em torno de dois principais enfoques, o
método científico e a organização social (o Estado). “Razão” designava a busca de uma
sociedade nova, comparativamente à sociedade medieval, a busca de uma sociedade
racional com base na cientificidade e a busca da superação do teologismo como método
de explicação do real e da organização social. Assim, de um lado, Francis Bacon (1561)
e Descartes (1596) contribuíram com a construção das bases epistemológicas do que se
convencionou chamar de ciência moderna, enfocando prioritariamente o método
científico. Mas “razão”, como sinônimo de cientificidade, de verdade, estava presente
também na busca da superação do Estado medieval. Hobbes (1588), Locke (1632) e
Rousseau (1712), com perspectivas diferentes em relação ao “Contrato Social”
sedimentaram as bases epistemológicas da organização social, o Estado, na
modernidade.
Este movimento envolvendo as bases epistemológicas da ciência moderna e do
Estado moderno construiu uma característica importante muito presente em noções de
verdade, de cientificidade e mesmo na elaboração e operacionalização das políticas
públicas na modernidade: o da universalidade dos parâmetros de cientificidade e de
verdade. Em outras palavras, o movimento que busca a construção de uma sociedade
com base na “razão” científica, inicialmente pela construção de um método científico,
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Adam Smith, Walras, Pareto e Saint-Simon desejavam ser o Newton da mecânica social
da produção e do consumo de riquezas (Grinevald, 1975: 40).
A construção das ideias das ciências humanas a partir das ciências da natureza
fez com que esta, as ciências humanas, fosse assumindo ingredientes típicos das
ciências naturais. O primeiro ingrediente que vem da física e que aparece claramente
nos fundamentos das políticas públicas de combate à pobreza de hoje diz respeito à
ideia que associa o progresso da humanidade à força e à energia. Em síntese, o
pensamento de Newton cruzou as fronteiras do mundo natural para o social. Assim, os
teóricos precursores da chamada “ciência do desenvolvimento humano”, como foi o
caso de Saint Simon, Augusto Comte etc. passaram a associar o “progresso humano” à
ideia do movimento, da força e da energia.
Este pressuposto teórico tem fortes influências sobre a própria noção clássica de
pobreza, como é o caso de associar esta condição às capacidades individuais, do Ser
pobre e não da do Estar pobre (Boneti, 2001 e 2005), de pobreza como sinônimo de
“atraso”, incapacidade de evolução. Esta interpretação deu origem não apenas à ideia
segundo a qual o desenvolvimento social está condicionado ao desenvolvimento
industrial, mas a que não existe singularidade no que se refere ao desenvolvimento
social, ele é único e universal.
Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito à capacidade individual
e/ou coletiva (da comunidade) de reação à condição de pobreza. A partir desta
interpretação teórica o indivíduo ou mesmo uma comunidade por si só não se habilita a
reagir contra a condição de pobreza. Como o da indústria, a força que impulsiona o
desenvolvimento não nasce do mesmo corpo mas de uma força externa. É mesmo que
dizer que existe um centro no qual as ideias dito científicas se encontram e dele nascem
e impõem um padrão homogêneo a partir do qual devem se adaptar as singularidades.
Isto é mesmo que dizer que comunidades ou pessoas que utilizam modelos singulares de
produção da vida material e/ou social jamais podem se desenvolver socialmente a partir
das suas próprias experiências, mas dependem do impulso da força de ideias e de
tecnologias de comunidades externas. Esta é a razão pela qual o modelo clássico de
políticas públicas de combate à pobreza se caracteriza como antidiferencialista. Isto faz
com que nas ações de combate à pobreza se utilize pressupostos da existência de
comportamentos, condições sociais, culturais, etc. com mais verdade que outros, e que
os “outros” carecem de ajuda, que por si só não saem da estagnação. Isto é, adota-se o
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princípio que todo corpo imóvel precisa de um corpo em movimento para ser
impulsionado.
No âmbito deste processo de construção das ciências do domínio da natureza,
especialmente no século XVIII, a ideia do movimento, sem ser na perspectiva de se ver
o real como essencialmente contraditório, a partir do pensamento dialético, mas na
perspectiva da evolução, originado especialmente da física e da biologia, faz com que se
estipula como “normalidade” o comportamento individual e social associado ao
movimento linear e progressivo. O próprio Marquês de Condorcet (1794), no século
XVIII, no seu Esboço de um Quadro Histórico de Evolução do Espírito Humano, uma
das principais obras teóricas de referência utilizada por Augusto Comte, além de sugerir
o método das ciências naturais, como o caso da matemática, no estudo de problemas
sociais, elabora os princípios da evolução humana como leis naturais e evolutivas.
Assim, pode-se dizer que o grande avanço dos estudos no domínio da natureza
teve uma influência muito grande no estabelecimento de parâmetros de “normalidade”
do comportamento social e individual, o que se constituiu em importante parâmetro de
elaboração e implementação de políticas públicas, especialmente as de combate à
pobreza. Como exemplo, pode-se tomar a concepção darwinista (Charles Darwin),
criando o preceito que como na natureza os organismos vivos tendem a se adaptar às
dificuldades e criar estratégias para competir, na sociedade existe uma competição
natural entre os indivíduos, se constituindo em seleção natural, permanecendo os mais
aptos e os mais capazes e que no caso social estes devem se constituir em “modelos”
para os “menos capazes”. Isto leva ao preceito da meritocracia como instrumento de
seleção dos “mais capazes” no processo da ascensão social e o respeito às normas da
hierarquia social, preceito este muito presente nas políticas públicas, especialmente as
de combate à pobreza.
Mas, considerando-se a noção clássica de políticas públicas de combate à
pobreza, a ideia da técnica é um elemento que se apresenta preponderante. A técnica se
apresenta em dois aspectos: no que se refere à avaliação do Ser pobre, pelo julgamento
de não apropriação de conhecimentos técnicos e/ou de sua operacionalização, e como
meta de implementação de ações de combate à pobreza. Até o século XVIII o apelo à
construção de uma sociedade racional, com base na Razão, da ciência e da organização
do Estado, tinha como fim a busca de mudança referindo-se ao teologismo e a
organização social feudal. Mas muito especialmente no século XVIII o ingrediente
Técnica se fortalece, Ciência e Técnica como sinônimo de mudança e redenção humana.
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A Razão Moderna tendo como base a técnica começa ser questionada justamente
com o advento de problemas sociais típicos da contemporaneidade como foi o caso das
duas guerras mundiais, a destruição em massa graças a técnica, a crise ambiental, o
abalo das identidades suprimidas pelo pressuposto da homogeneidade advindo com o
procedimento técnico, a indiferença com as singularidades.
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por fortes tensões entre vetores que concorrem a homogeneizar as sociedades, e os que,
ao contrário, tendem a valorizar a diferenciação social, ou seja, acentuar as diversas
ordens de singularidades. Neste contexto, os movimentos insurgentes hoje se
apresentam como resultado de um processo de mundialização no contexto de suas
múltiplas formas e dentro de uma trama histórica complexa, derivados tanto do inédito
quanto do insurgente. Neste caso, os movimentos insurgentes hoje não se apresentam
unicamente de uma forma institucionalizada, como um movimento social organizado,
mas também através de vontades, desejos e lutas pela reconstrução de identidades
sociais.
Neste contexto, o fim da guerra fria, a globalização da economia, e
especialmente o aparecimento de movimentos insurgentes, leva-se a construir outro
entendimento de Estado e Nação. Os tradicionais limites nacionais estão seriamente
atingidos pela invasão da universalização das relações sociais e econômicas. Assim, os
ditames de uma economia global é um importante condicionante das políticas públicas
nacionais. Como bem lembra Manoel Castells (1999: 111), uma economia global é uma
economia com capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala
planetária.
Assim, um importante agente definidor de políticas públicas, com fortes
influências sobre a noção clássica de pobreza e de ações do Estado sobre esta condição
é o Projeto do Capitalismo Globalizado. Este se constitui de um agente definidor de
políticas públicas nacionais, pois este projeto envolve uma correlação de forças de nível
internacional, na qual figuram interesses econômicos e políticos. O projeto do
capitalismo internacional se apresenta definido, discutido, avaliado e reavaliado
anualmente pelos países considerados industrializados, no sentido de garantir sucesso às
metas de expansão das relações econômicas globais. Este projeto em si se constitui de
um agente definidor de Políticas Públicas nos Estados nacionais cuja atuação se
materializa através de duas principais atuações que se apresentam interligadas: através
das relações econômicas e através das relações políticas. As questões econômicas
normalmente aparecem na dinâmica da correlação de forças do mercado global
impondo regras e procedimentos que favoreçam os países presentes neste mercado com
maior poder de barganha. Em relação à política, esta se configura no nível da
organização Estatal, exteriorizada através da esfera diplomática, mas amarrada aos
determinantes econômicos. Em outras palavras, existe uma ordem comandada por um
projeto mundial de produção econômica e organização política que se apresenta ao
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poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e
demais organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de ações
atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento (e/ou o
redirecionamento) dos rumos de ações de intervenção administrativa do Estado na
realidade social e/ou de investimentos. Nesse caso, pode-se dizer que o Estado se
apresenta apenas como um agente repassador à sociedade civil das decisões saídas do
âmbito da correlação de força travada entre os diversos segmentos sociais, ganhando
força, na contemporaneidade, agentes e ações insurgentes de reconstrução da identidade
social.
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O CRESCIME6TO DA POBREZA.
Limites das fontes estatísticas em Portugal e resultados possíveis
Fernando Diogo
CES-UA
Universidade dos Açores
fdiogo@uac.pt
Resumo
A rapidez e a profundidade das transformações sociais por que está a passar a sociedade portuguesa
colocam desafios e agudizam tenções no desenvolvimento das políticas públicas, especialmente nas que
têm como objetivo a redução da pobreza ou a minimização dos seus efeitos. Coloca-se a questão da
fiabilidade dos instrumentos de informação estatística disponíveis para conceber e monitorizar essas
políticas, face à rapidez e profundidade do agravamento dos indicadores indiretos de pobreza e de
degradação da situação social em geral.
A partir da recente publicação dos dados do IDEF 2010/2011, explora-se as limitações das fontes
estatísticas para medir a pobreza em Portugal. Para realizar este trabalho, mobilizam-se dados estatísticos
do IDEF 2005/2006 e 2010/2011, do ICOR (2003-2010), assim como outras estatísticas.
As conclusões vão no sentido da manutenção do essencial das principais categorias sociais afetadas pela
pobreza, embora com um aumento do seu volume e da sua intensidade. Discute-se as condições para a
emergência, pela primeira vez em Portugal, de uma nova categoria social de indivíduos em situação de
pobreza, os novos pobres.
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Introdução
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16 16
15 12 13
10
16,1 17,9 16,1
15,3 14,6 14,2 14,8
5 11,3
0
Norte Centro Lisboa Alentejo Algarve R.A. R.A. Total
-5 Açores Madeira
De forma aprofundada, podemos verificar através dos dados IDEF que de 2005
(ano de recolha dos dados da edição 2005/2006) para 2009 (ano de recolha dos dados da
edição 2010/2011) a pobreza desceu no país, de um valor de 16% para 14,8%. Esta é
uma descida que, de forma mais ou menos acentuada, se verifica em todas as regiões,
com a exceção de Lisboa e Vale do Tejo. De notar que, nesta última, a subida da taxa de
risco de pobreza de 12% para 14,2% não lhe retira o estatuto de uma das regiões com a
menor taxa do país, só superada, em 2010/2011, pelo Algarve.
Contudo, é precisamente a partir de 2009 que os efeitos mais agudos do
agravamento da crise financeira, económica e social se começam a sentir. Assim, para
termos informações sobre os efeitos desta crise no aumento da pobreza devemos
recorrer aos dados do ICOR.
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20,5 20,4
20
19,5 19,4
19
18,5 18,5 18,5
18 18,1 18,0 18,0
17,9 17,9
17,5
17
16,5
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Quadro 1. Comparação taxas de risco de pobreza ICOR e IDEF, 2005 e 2009, Portugal
Fonte 2005 2009 Tendência
ICOR 18,5% 17,9 Descida -0,6
IDEF 16% 14,8% Descida -1,2
Diferença entre as fontes 2,5% 3,1% -
Fontes: ICOR 2005 e 2009 e IDEF 2005/2006 e 2010/2011
Quer dizer, os dados das duas fontes apresentam a mesma tendência de descida
entre os dois anos em análise. Contudo, ficamos em presença de um prolema adicional,
verifica-se uma taxa de risco de pobreza maior nos dados do ICOR do que nos do IDEF.
Consideramos que isso se deve ao facto da metodologia seguida na recolha de dados no
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IDEF ser mais robusta, pois lida melhor com o rendimento não monetário, algo a que
corresponde sensivelmente um quinto, 20%, do total dos rendimentos das famílias no
IDEF (Rodrigues, 2010: 123) 2 . Estamos, portanto, no campo das diferenças nas
metodologias de recolha de dados entre estes dois inquéritos (mas não na fórmula de
cálculo da pobreza).
Voltando à questão da tendência da taxa de risco de pobreza. Se não possuímos
dados para o IDEF posteriores a 2009, os dados do ICOR mostram uma estabilizam da
taxa entre 2008 e 2011, como vimos. Contudo, poder-se-ia pensar (e colocar como
hipótese) que o aumento da taxa de risco de pobreza se acentuou em Portugal com o
agravamento da crise económica, algo que se deu em 2008. E poder-se-ia acrescentar
que a implementação de medidas políticas tendo em vista a redução do deficit, algo que
se intensificou a partir de 2009, tornaria esse crescimento mais intenso. Contudo,
manifestamente, não é isso que nos é dado pela taxa de risco de pobreza ICOR-
EUSILC.
A primeira questão que se coloca é: até que ponto os efeitos da crise no aumento
da pobreza não têm sido sobrevalorizados, por via da sua exacerbação através da luta
política e da necessidade jornalística de notícias com impacto? Por outras palavras, se o
aumento da pobreza parece estar presente nas agendas jornalísticas e política,
corresponderá esse efeito de agendamento ao aumento do número de pessoas em
situação de pobreza? Para percebermos a dissonância entre a inamovibilidade da taxa de
risco de pobreza oficial e a perceção pública de que a pobreza está a crescer, devemos
consultar indicadores que nos permitam perceber a questão para além dos termos que
produziram esta dissonância.
2
O que está em causa no rendimento não monetário é, essencialmente, a autolocação, isto é,
autoavaliação do valor hipotético de renda de casa pelos agregados proprietários ou usufrutuários de
alojamento gratuito INE (2012: 43).
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25,0
20,0 20,4
19,4
18,5 18,1 18,5 18,0 18,0
17,9 17,9
15,7
15,0
12,7 t. pobreza
10,8 t. desempego
10,0 9,5
7,6 7,7 8,0 7,6
6,3 6,7
5,0
0,0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fontes: Fonte: INE, dados do ICOR e Pordata, dados do INE, inquérito ao emprego
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25
20 20,4
19,4 18,5 18,5
18,1 17,9 17,9 18,0 18,0
15
10
5
1,56 1,45 2,37 1,94
0 0,78 -0,01
-0,91
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009-2,912010 2011-1,552012-3,2
-5
Fontes: Pordata, INE–BP - Contas Nacionais Anuais (Base 2006) e INE, ICOR
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A questão que se coloca é, portanto, a de que não é crível que a pobreza não se
tenha agravado em Portugal nos últimos anos, mau grado a tendência de estagnação
exibida pela taxa de risco de pobreza ICOR-EUSILC. O que justifica o comportamento
desta taxa? Podem ser invocadas dois tipos de explicações, as que se desenvolvem no
quadro concetual que fundamenta a taxa em causa e as que assumem uma posição
crítica em relação a este quadro.
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II. Degradação das condições de vida das classes médias que, apesar de
tudo, não atira as pessoas das classes médias para baixo do limiar de
pobreza
3
Sem esquecer que, para os indivíduos com rendimentos muitos baixos, uma quantia percebida como
pequena para outras categorias sociais assume, para eles, um outro valor, quer subjetivamente, quer no
contexto do seu rendimento. Nesse sentido, recorde-se que 13 euros representam 3% do limiar de pobreza
em 2009 e uma taxa de variação negativa 2009-2010 de -2,9%.
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4
Para uma revisão crítica dessas referências veja-se Capucha (2005: 65 e ss) e Pereira (2010b: 23 e ss).
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com uso do senso comum como instrumento de compreensão da realidade, mas ele
existe no trabalho das ciências sociais como objeto.
Isto significa que as medições de pobreza que não contam com a perceção dos
indivíduos estão, à partida, fragilizadas.
Em segundo lugar, a substituição de uma noção de senso comum por uma noção
construída no seio da ciência, sobretudo com fracas bases teóricas, implica que esta
definição “científica” alternativa vá concorrer com as definições do senso comum na
construção da realidade social.
No limite, as noções de cariz científico são apropriadas pelo senso comum e tornam-
se, elas próprias, parte da realidade que se pretende explicar (Capucha, 2005: 66 e
Diogo, 2006). Neste sentido, assumem relevo dois exemplos de grande interesse, por
um lado, a apropriação dos termos da psicanálise, pelos indivíduos, incorporando-os na
sua linguagem do dia-a-dia e nas suas representações sociais, algo que foi estudado por
Moscovici (1976 [1961]), por outro, o processo de produção e reprodução das classes
sociais nas sociedades ocidentais, dado que este processo contou com um amplo
contributo teórico da sociologia, apropriado pelos indivíduos e responsável por boa
parte da configuração concreta das classes sociais e pelo seu devir histórico (Accardo,
1991).
Portanto, pode-se colocar como hipótese que um dos efeitos desta definição oficial
de pobreza é o de contribuir poderosamente, através do mecanismo da categoria oficial
(Diogo, 2007), para rotular como pobres os indivíduos por ela abrangidos contribuindo
para a sua menorização social e esquecendo outros que, por algum motivo, não são
abrangidos mas que passam pelo mesmo tipo de dificuldades. Sobre esta última
possibilidade note-se que, como Eduardo Vitor Rodrigues tem afirmado nas suas
intervenções, os membros das classes médias que viram os seus rendimentos
diminuírem e o seu nível de compromissos manter-se (designadamente créditos vários)
ficam com um rendimento disponível que os pode colocar abaixo do limiar de pobreza,
nas dificuldades do dia-a-dia que sentem, embora, formalmente, estejam acima.
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V. Opção política
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uma inclinação a agir (mobilizando a expressão que Bourdieu criou com outros
propósitos) que se encontra corporizada na definição oficial de pobreza.
O que fazer, portanto com os dados atuais? Podemos confiar neles? A queda do
PIB e o crescimento exponencial do desemprego, concomitantemente com a quebra dos
rendimentos dos portugueses, seja com origem em transferências sociais, seja com
origem nos salários, assim como os aumentos dos impostos, a redução das
transferências sociais e a perceção dos responsáveis de instituições de apoio social, são
os grandes indicadores que nos permitem inferir a existência de grandes transformações
sociais em curso na sociedade portuguesa. Estas transformações vão, inequivocamente,
no sentido do empobrecimento geral e a taxa oficial de risco de pobreza não dá conta
disso. Neste sentido, a resposta à questão de se podemos confiar nos dados atuais é
negativa.
Infelizmente, estes números são os que temos sobre a pobreza em Portugal e o
que nos dizem é que esta continua a ser o que se pode designar como um problema
estrutural (Batista e Perista, 2010), afetando em maior proporção os mais velhos, os
mais novos, os agregados mais numerosos e os mais pequenos, os que estão menos
relacionados com o emprego e os menos escolarizados (Batista e Perista, 2010: 5 e ss,
Capucha, 2005: 113, Diogo, 2012, Rodrigues, 2007: 195 e ss). Esta estruturalidade da
pobreza portuguesa significa que ela é, em boa parte, intergeracional e afeta de forma
persistente no tempo os indivíduos pobres (pobreza tradicional).
O que estes valores não nos permitem perceber é se existem novos pobres. As
transformações societais que temos vindo a atravessar de forma acelerada nos últimos
anos, e os seus efeitos na estrutura de classes, ainda estão por estudar. Contudo, parece
inegável que a crise, nos seus vários componentes, está a levar à pobreza numerosos
indivíduos (e famílias), mesmo os que, pertencendo às classes médias, estavam mais ao
abrigo deste fenómeno.
Enfim, o diagnóstico sobre as debilidades dos dados que nos são fornecidos pela
definição e taxa oficiais de pobreza (IDEF e, sobretudo, ICOR) parece sólido mas as
explicações para as falhas encontradas nesta taxa precisam, claramente, de serem
aprofundadas com estudos mais detalhados sobre o problema, quer intensivos, quer
extensivos. Estes estudos permitiriam perceber mais claramente o que está mal com a
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taxa de pobreza e, mais relevante, perceber como se caracteriza e como tem evoluído a
pobreza em Portugal. Quer dizer, sem estes estudos não podem ser produzidas políticas
eficientes e eficazes de mitigação dos efeitos da pobreza e de redução do número de
pobres. E sem estes estudos, todas as discussões teóricas sobre a definição da taxa de
pobreza são muito limitadas, porque não estão ancoradas numa realidade em mutação.
Bibliografia
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Cecília Dionísio
CesNova
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade Nova de Lisboa
cec.dionisio@gmail.com
Resumo
Face a um contexto de mudança social com a tendencial complexificação dos problemas sociais, aliado
por sua vez ao imperativo de racionalização de recursos, as novas politicas públicas enfrentam desafios de
Governação que ultrapassam as teses de pluralismo assistencial, verificando-se uma re-definição das
dinâmicas e dos modelos de intervenção social que implicam responsabilidades partilhadas. Visando
contribuir para uma reflexão alargada sobre de que forma os agentes produtores de ação pública se
rearticulam, nomeadamente na dinamização de respostas inovadoras orientadas para realidades
contemporâneas, apresentamos uma síntese teórica ao nível da conceptualização das políticas públicas
com enfoque nas lógicas de ação dos atores e, a partir de uma sistematização exploratória de diferentes
práticas e modelos de atendimento e acompanhamento social integrado em Portugal, perspetivamos as
linhas gerais de análise dos dispositivos de planeamento, incorporação e aplicação de medidas de políticas
públicas na área da solidariedade e ação social com enfoque na colaboração ativa entre prestadores de
serviços públicos e não públicos.
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Nesta senda, pode assim considerar-se que as políticas públicas são políticas que
abrangem todos os domínios da vida, interligadas com as funções do Estado.
Para Peter Townsend (1975) todas as sociedades têm políticas sociais, mesmo
que não estejam formuladas numa forma integrada, e têm serviços sociais, numa
concepção mais alargada, partindo da perceção das necessidades e dos problemas
sociais, numa lógica de destaque para a intervenção social associada a “problema”,
numa escala mais prática, tendência por sua vez assumida nos paradigmas da gestão
pública associada ao conceito de ‘problema público’.
Fernanda Rodrigues (1999) refere-se a uma orientação de análise da
política social com base numa perspectiva empírica, nomeadamente pelos problemas a
que se dirige, pelos grupos sociais-alvo, pelo tipo de bens e serviços proporcionados,
mas também pelos setores, tipo de administração e instituições em que se organiza,
pelas finalidades específicas que financia, pelos direitos e garantias que assegura.
Já Marshall também referia que a política social, concretizada através de
serviços ou rendimentos, incluía a segurança social, a assistência, entre outras áreas
como a habitação, educação, combate ao crime, saúde, etc., inovando neste âmbito a
questão da diversidade do seu campo de atuação societário.
Podemos então considerar que a amplitude do campo de intervenção da política
social pública torna necessária a responsabilização dos agentes sociais num todo e torna
pertinente a sua interação, numa lógica de acessibilidade cívica, de plasticidade na
adaptação à realidade contemporânea e de eficiência e eficácia estratégica num contexto
de limitação de recursos no bem-estar público, por um lado, e de uma sociedade em
rede, por outro.
O processo indutor de inovação social assente na parceria dos diferentes atores
tem assim um efeito contagiante nas práticas de intervenção e ação social pública em
serviços sociais tendencialmente integrados, tornando pertinente analisar em que
medida os mesmos se inserem nos modelos de Governação Pública estratégica.
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Níveis de investigação operacionalizados em quatro eixos de análise: definição da política; produção do
serviço; relação dos técnicos com o serviço; relação dos técnicos com o público.
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Integração
Coordenação
Cooperação
Colaboração
Parceria de serviços
Cooperação de serviços
Multidisciplinariedade dos profissionais
Cooperação reativa, ad-hoc, limitada
Separação /Fragmentação
Fonte: Adaptado de Antunes e Moreira, 2011
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6
Análise desenvolvida na Tese de Doutoramento “Esferas de Responsabilidade Pública”, sob orientação
do Professor Doutor Casimiro Marques Balsa, FCSH/UNL, presentemente em curso.
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7
Parcerias de Atendimento e Acompanhamento Social Integrado em Portugal entre 2005 e 2012. A
análise teve por base a recolha de evidências documentais, complementada por observação direta.
8
Sendo estas: Tipologia territorial; Tipologia de agentes; Estrutura; Enquadramento comunitário; Serviço
Prestado e Apoios; Suportes de Registo; Espaço físico; Formalização da parceria; Formalização de
procedimentos; Imagem e Comunicação.
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Policy is not about the promulgation of formal statements but the processes of
negotiation and influence; indeed, much policy work is only distantly connected to
authorized statements about goals: it is concerned with relating the activities of different
bodies to one another, with stabilizing practice and expectations across organizations,
and with responding to challenge, contest and uncertainty (Kay, 2006: 102).
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2006). Por sua vez, pode operacionalizar-se numa análise de ‘framing’/’analyse des
cadres, através da qual não se procuram propriamente representações mentais mas antes
procedimentos de organização, de experiência e de atividade indexadas sobre
gramáticas da vida pública e da ação coletiva (Cefait, 2001), mas também passível de
ser superada pela comunicação entre lógicas de ação distintas (Balsa, 2010).
Crê-se corroborar assim, ainda, a pertinência do objeto de análise numa reflexão
dinâmica de investigação-ação que possa contribuir para uma mudança de paradigma de
intervenção de social, em especial permitindo incidir na forma como os vários níveis se
articulam bem como aferir o impacto do papel das organizações e dos profissionais de
diferentes sectores, enquadramentos e níveis territoriais face aos diversos
posicionamentos dos públicos-alvo dos serviços.
Bibliografia
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Resumo
Campos dos Goytacazes, cidade média no norte do Estado do Rio de Janeiro, apresenta os mesmos
problemas sociais e urbanos das grandes metrópoles – segregação, fragmentação e desigualdades e
injustiças socioespaciais, cujo exemplo mais eloquente é a presença de favelas e de condomínios
residenciais fechados. Desde a perspectiva de instalação, no vizinho município de São João da Barra, do
Complexo Industrial e Portuário do Açu, trazendo uma nova promessa de desenvolvimento para a região,
a cidade vivencia um processo de expansão que se caracteriza pela ocupação de espaços periurbanos,
como a área da Estrada do Contorno. Desde os anos 1990, esta área vem recebendo a instalação de novos
empreendimentos públicos e privados, transformando seus usos e representações e reforçando o processo
de fragmentação espacial e social. Porém, a favela Margem da Linha permanece literalmente à margem
dos investimentos públicos e não usufrui dos benefícios aportados pelos empreendimentos privados.
Neste artigo, analisamos o desenvolvimento da cidade e a política urbana municipal, com relação ao
quadro descrito, observando as ações do poder público e sua vontade política, ou não, de dirimir ou de, ao
menos, reduzir as desigualdades e injustiças socioespaciais já existentes e as geradas por esses novos
investimentos.
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Introdução
9
Situado no norte do Estado do Rio de Janeiro, possui, segundo os dados do Censo-IBGE de 2010,
população total de 448.995 habitantes, sendo que 45.008 na zona rural e 418.725 habitantes na zona
urbana.
10
Chamamos região de Campos dos Goytacazes, os atuais municípios vizinhos que, no período colonial,
faziam parte da antiga Capitania de São Tomé, e que após um processo de desmembramento e de
autonomia municipal, iniciado ainda no século XIX, hoje integram as regiões Norte e Noroeste
fluminense, que até 1987, constituíam uma única região, a Região Norte Fluminense. Neste artigo
tratamos particularmente dos Municípios de Campos dos Goytacazes, São João da Barra e Macaé situados
na atual região Norte Fluminense que segundo Ribeiro (2010) possui em torno de 700.000 habitantes.
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11
Plano Diretor democrático e participativo, conforme definido no estado da cidade...
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12
A expansão urbana recente de Campos dos Goytacazes, a partir do processo de conversão de terras
rurais em urbanas e mudanças de uso do solo promovida pelos proprietários fundiários com o apoio do
Estado foi analisada por Zacchi (2012), através do estudo das terras da antiga Usina do Queimado e do
PDUC de 1979.
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essa urbanização que se espraia avançando sobre as áreas que num passado recente
foram de uso agrícola, sem que haja vínculo dos novos habitantes com esse tipo de
atividade, pode tornar tênue a separação entre a cidade e o campo.
A faixa de transição entre cidade e campo, nas quais se misturam atividades
urbanas e agrícolas, que competem pelo uso do mesmo solo, é concebida pela maioria
dos autores que estudam os espaços periurbanos, como espaços plurifuncionais, que
estão submetidos a grandes e rápidas transformações, cujo dinamismo está, em grande
medida, marcado pela cidade (Estrena, 2003; Vale e Gerardi, 2005; Souza; 2007).
As terminologias para esses espaços de transição variam entre os pesquisadores.
Espaço periurbano é um termo mais utilizado pelos franceses e será a denominação
adotada neste trabalho. Todavia, existem outras denominações como: franja rural-
urbana ou “rurbana” (Freyre, 1968), sombra urbana, subúrbio, ex-urbano, região urbana
e semi-urbano (Vale e Gerardi, 2005). Periurbano será a designação adotada no presente
artigo.
Caldeira (2000) observa que concomitantemente à expansão e consolidação da
ocupação de áreas periféricas por populações pobres, a partir da década de 1980, ocorre
a intensificação de outros processos socioespaciais urbanos. De um lado, a consolidação
da ocupação do solo urbano das periferias pelos “enclaves fortificados”, os quais têm
como versão residencial os condomínios fechados e, de outro, a verticalização das áreas
centrais. Concluímos que essa é a atual configuração territorial predominante, nas mais
importantes cidades brasileiras cujos espaços se apresentam fragmentados, segregados e
marcados por profundas desigualdades socioespaciais.
Soja (2010) afirma que a diferenciação espacial gera uma discriminação
territorial, explicitando a oposição entre espaços privilegiados e espaços estigmatizados,
cujos efeitos, não podem ser explicados ou reduzidos apenas ao conceito de segregação.
A partir dessa constatação, Soja (2010) alerta que é crucial, tanto na teoria quanto na
prática, dar ênfase à espacialidade da justiça e das injustiças, não apenas na cidade, mas
em todas as escalas geográficas, da local a global. Para isso, propõe a adoção do termo
específico justiça espacial.
Justiça espacial se tornaria, então, um conceito e um princípio de ordenamento que
permite entender as situações reais (expressas no território) caracterizadas pela injustiça
social. O filósofo John Rawls apesar das críticas que sofreu é uma das principais
referências para os estudos teóricos sobre justiça social. Sobretudo no sentido de justiça
como equidade. Assim, concordamos com Gervais-Lambony, Dufaux e Musset (2010)
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que propõem tratar o problema da justiça como conceito adaptado aos estudos que
analisam as desigualdades sociais no meio urbano.
13
Como era chamada a atual Praça São Salvador até meados do século XIX.
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14
É interessante notar que o processo ocorre através de loteamentos legais e ilegais, cujos nomes passam
a ser identificados como bairros. Exemplo Parque Alphaville, Parque da Palmeiras, Jardim Flamboyant,
Novo Joquei.
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15
O PDUC se materializou em quatro principais anteprojetos de leis: Lei dos Perímetros Urbanos, Lei de
Zoneamento e Uso do Solo, Lei de Parcelamento do Solo e o Código de Obras, além da própria Lei que
institui o PDUC. Estas, ao serem aprovadas, conferem ao Executivo Municipal orientação técnica e
respaldo legal ao exercício do poder de “polícia urbanística” (PDUC, 1979: 02).
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16
Essas questões são sempre abordadas pelos jornais da cidade como por exemplo Folha da Manhã de
(23/02/2013, p. 09), além de Blogs de jornalistas e pesquisadores reconhecidos. Os problemas ambientais
foram detectados através de pesquisas do Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual
do Norte Fluminense e divulgadas também pela imprensa local (Folha da Manhã 23/02/2013, p. 09)
17
O jornal Folha da Manhã (14/02/2013, p. 09) informa que Campos recebeu R$ 188 milhões em
participação especial da Agência Nacional do Petróleo (ANP), referente ao quarto semestre de 2012;
informa também que em janeiro de 2013 recebeu R$ 53.978.175,38 de royalties, somando
242.700.269,20 de recursos do petróleo em 2013. Segundo informou o secretário de Governo, Suledil
Bernardino de Freitas em entrevista em 13/03/2013, sobre a discussão a redistribuição dos royalties,
Campos recebe, entre participação especial e royalties, uma média de R$ 100 milhões/mês.
http://www.ururau.com.br/cidades28766_Secret%C3%A1rio-de-Governo-lista-perdas-de-Campos-sem-
os-royalties consulta em 15/03/2013.
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18
Além dos dados de Pohlmann, durante as saídas de campo, vários moradores relataram o mesmo
motivo que levou ao surgimento da Favela Margem da Linha.
19
Desde abril de 2010, o Jornal O Globo fazia menção ao novo empreendimento que seria instalado na
cidade de Campos dos Goytacazes (Shopping Boulevard Campos - pertencente ao grupo Alliansce, uma
das maiores redes de shoppings centers e empreendimentos do Brasil). Sua inauguração foi realizada no
dia 26 de abril de 2011.
20
Esta delimitação se inicia no encontro do Canal Campos – Macaé com o Canal de Tócos. Segue uma
linha reta até encontrar a BR-101 num ponto que dista 1600m Sudoeste do ponto de encontro desta
Rodovia com o eixo da Avenida Sílvio Bastos Tavares (estrada do contorno). Segue uma linha reta até o
encontro com a paralela do traçado alternativo projetado da BR 101. Deflexiona a direita, seguindo uma
linha reta até o encontro com a paralela da Linha Férrea que acompanha no mesmo sentido a BR 101 e,
deflexiona em sentido sudoeste em direção ao ponto inicial.
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21
Dados retirados de propagandas impressas do empreendimento.
22
Página do site impressa em Anexos.
23
Reportagem no site Folha On Line do jornal Folha da Manhã, http://fmanha.com.br. Consulta
12/08/2011.
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alguma obra que venha favorecer a população já instalada no local, o que demonstra a
inexistência de interesse em integrar a população mais carente já instalada no local.
Além disso, a população da Margem da Linha não oferece “risco” aos moradores
e comerciantes recentemente instalados no local. Segundo moradores e comerciantes
estabelecidos na região, a população da favela em não oferece “ameaça alguma, até por
que o tráfico de drogas não é tão representativo no local”. Assim, para as pessoas que
vivem ou possuem serviços na área, a favela é “bem tranqüila, justamente por seus
moradores não circularem constantemente pelos empreendimentos”24.
A partir do que foi apresentado até o momento, é possível levantar a discussão
de estar surgindo sintomas de determinados fenômenos nesta área o “emuralhamento da
vida social” e, logo, o crescimento de “ilhas utópicas” conforme definidos por Paulo
César da Costa Gomes, em seu livro A Condição Urbana (2006). Essas “ilhas”
representam uma parte do universo urbano; o que é necessário e o que é de bom grado
aos olhos de seus moradores; mas a realidade externa, o contraste social, e a
problemática urbana, não se encontra presente nesses espaços exclusivos.
Enquanto isso, observamos a ausência na favela dos novos programas urbanos
implementados pela Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes: o programa
habitacional “Morar Feliz”25 e o programa de urbanização “Bairro Legal”26.
A população da Margem da Linha ainda não foi assistida por nenhum dos
referidos programas, ao passo que a vizinha localidade Tapera foi contemplada com dois
conjuntos habitacionais do Morar Feliz e o núcleo urbano Ururaí pelo “Bairro Legal”.
Esses programas não têm resolvido completamente os problemas sociais e
urbanos porém favorecem a urbanização difusa e fragmentada e aquecem o setores de
construção civil.
O Bairro Legal apresenta-se como um programa interessante, pois se propõe a
redistribuir e estender os recursos urbanos aos bairros periféricos e carentes dos serviços
24
Essas expressões foram usadas pelos próprios comerciantes durante as investigações realizadas nas
saídas de campo.
25
Este programa foi lançado no final de 2010 pela prefeita Rosinha Garotinho e tem como principal
objetivo garantir moradia digna para a população pobre e periférica da cidade de Campos dos Goytacazes,
com promessa de serem construídas 10.000 casas populares. Segundo a Secretaria de Obras e Urbanismo,
foram entregues 5.100 casas na primeira etapa. Reeleita para o quadriênio 2013-2016, a prefeita já
anunciou a construção das casas restantes.
26
É um programa que tem por objetivo promover melhorias na infraestrutura e na acessibilidade. Os
bairros recebem sistema de drenagem e coleta de esgoto sanitário (construção de nova base e sub-base de
tratamento), nova iluminação, construção de passeios públicos e tratamento paisagístico. As obras visam
conter os alagamentos das áreas e garantir saneamento básico e a retificação e pavimentação de todas as
ruas do bairro.
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Campos recebeu no início de fevereiro de 2013 R$ 188 milhões em participação especial da Agência
Nacional do Petróleo (ANP), referente ao quarto semestre de 2012. Macaé recebeu ontem da ANP, R$
14.384.364,60 de Participação Especial; Quissamã, R$ 4.117.389,18; e São João da Barra, R$
33.366.490,67. Estes municípios são também integrantes da Bacia de Campos.
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Dados do censo do IBGE de 2010. A população urbana é de 25.715 habitantes e a rural é de 7.052
habitantes. O município possui 455,04 km².
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Folha da Manhã 17/02/2013, p.1 do caderno “Folha Região”.
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Constituição – que prevê o direito à moradia, que ora é negado pelos processos de
desapropriação em curso – como a Constituição do estado do Rio de Janeiro, com
destaque para o seu artigo 265. Por outro lado há um processo de construção e
participação dos movimentos sociais de resistência, frente aos problemas causados pela
implantação do Porto do Açu, congregando diversas entidades estudantis, profissionais,
religiosas e sindicatos ligados às lutas dos trabalhadores como também pesquisadores
das Instituições de Ensino Superior da região (Conceição e Quinto Jr., 2012).
A competitividade entre os municípios de Campos e São João da Barra se
manifesta nas formas de indução dos governos de investimentos privados decorrentes da
instalação do porto do Açu. A questão dos limites entre os dois municípios é um caso
sui generis: há um pedido da parte da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes
em análise no IBGE sobre estes limites. A Alerj (Assembléia Legislativa do Rio de
Janeiro) já tratou deste tema, mas sem os investimentos do Açu, a matéria vem sendo
adiada, mas, tudo leva a crer que o assunto possa voltar à baila de uma forma muito
mais forte num futuro não muito distante.
Considerações finais
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Bibliografia
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Samira Kauchakje
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
skauchakje@gmail.com
Resumo
A relação entre as políticas públicas sociais para redução da pobreza e as prescrições de organizações
internacionais como ONU, FMI e Banco Mundial sobre o tema podem explicar as semelhanças de tais
políticas públicas em países que têm diversidades econômicas e culturais significativas. Quer dizer, a
formulação dessas políticas pode estar articulada a fatores do ambiente político e econômico doméstico,
mas, também, ao incentivo institucional e padrão cultural internacional, conforme discussão da literatura
sobre modelagem internacional e as Theories of Policy Diffusion. Este artigo objetiva apresentar
resultados da pesquisa em andamento que investiga políticas sociais para a redução da pobreza dos
governos Cardoso, Lula e Dilma sob a perspectiva destas correntes teóricas. A metodologia está na fase
exploratória e da organização quantitativa dos dados selecionados em sítios do Banco Mundial, do FMI e
da ONU. Na discussão relaciono os dados aos momentos marcantes do sistema de proteção social
brasileiro entre os anos 1995 a 2012. Os resultados sugerem que nos governo Cardoso, Lula e Dilma
predominou a denominada modelagem “positiva” (isomorfismo) tanto pela aderência das políticas
nacionais às diretivas internacionais sobre focalização na população de baixa renda, quanto pelo fato das
políticas brasileiras de transferência monetária serem recentemente consideradas modelo pela
comunidade política internacional. No segundo governo Lula e no governo Dilma há, por um lado, a
modelagem negativa (isto é, políticas que tendo como referência as noções difundidas são formatadas de
modo oposto) identificada na articulação entre políticas de crescimento econômico e o aumento ou a
manutenção dos valores dos gastos públicos sociais. Isto contraria recomendações das instituições
financeiras internacionais que prescrevem austeridade com redução da política pública social. Por outro
lado, permanece a modelagem positiva devido à centralidade que os governos vêm atribuindo às políticas
que priorizam pessoas de baixa renda combinando-as com uma fragilização de políticas universais, ao
invés do fortalecimento da articulação entre priorização e universalidade.
30
Esta pesquisa é financiada pelo CNPq. Uma versão preliminar deste artigo foi publicada nos anais do
VIII Congresso da ABCP- 2012.
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I. Introdução
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O Programa Bolsa Família é parte de políticas “guarda-chuva” abrangentes como Fome Zero e,
também, Brasil sem Miséria.
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oficiais como IPEA32 e de artigos de Fagnani (2011) e Neri (2011) apontam o impacto
positivo destas políticas sobre a redução da desigualdade e, especialmente, da pobreza.
Estou de acordo com a concepção de impacto positivo ao se levar em consideração a
série histórica, particularmente entre os anos 1960 e 2000, que imprimiu a posição
brasileira entre os países mais desiguais do mundo e com um número grande de
população com baixa renda (aspectos que nos anos 2000 melhoraram, mas, não se
reverteu). Posição esta que não estava calcada no tamanho da economia brasileira, mas
sim, em fatores ligados ao predatório padrão de apropriação da riqueza social e de
usufruto privilegiado dos recursos e serviços públicos por parte da elite econômica
brasileira com a anuência do Estado pautado pela ausência ou frágil política social
redistributivista e pela política econômica e fiscal sem palpáveis critérios de justiça
social entendida como promotora de condições de acesso à população, de forma
universal, à riqueza cultural e material da sociedade.
Parto da observação que as políticas de redução da pobreza no Brasil tanto
absorveram quanto geraram concepções difundidas na comunidade internacional. Tal
incorporação de concepções sobre pobreza, cobertura e fontes de financiamento ocorre
seja por uma imposição vertical das Instituições Financeiras internacionais, seja devido
ao contágio horizontal entre países e especialistas governamentais (Weyland, 2004,
2005).
O objetivo deste artigo é apresentar resultados preliminares da pesquisa sobre
políticas públicas sociais para a redução da pobreza dos governos Cardoso, Lula e
Dilma, sob a perspectiva das Theories of Policy Diffusion e da modelagem
internacional, ou seja, apresentar a primeira rodada da revisão da bibliografia e da
exploração de dados quantitativos. A hipótese é que as correntes teóricas em foco
contribuem para compreender estas políticas públicas.
O texto está dividido em dois itens principais: o primeiro aborda a revisão da
bibliografia até o momento e o segundo apresenta o teste preliminar de conhecimento
dos documentos acessíveis nos sites das organizações internacionais selecionadas -
Nações Unidas, Banco Mundial e FMI e a discussão destes resultados.
32
Dados sobre o impacto positivo das políticas sociais podem ser encontrados no documento “A década
inclusiva” disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/120925_comunicado0155.pdf
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O conjunto da política pública social nos séculos XIX e XX, juntamente com o
keynesianismo, foi responsável pela construção da ordem social que configura um
padrão intervencionista do Estado capitalista na proteção social. Estudos como de
Rezende (2008) e Draibe (2003) demonstram que as modificações neste padrão, após os
anos 1980 até início de 2000, significaram menos declínio e mais adaptação. Rezende
(2008: 36) ratifica que “os Estados continuam a exibir fortes padrões de intervenção nas
políticas sociais.” Inclusive para o caso do Brasil, os “gastos sociais representam grande
porção dos gastos governamentais, e [...] observa-se expressiva expansão das políticas
sociais”. Draibe (2003) afirmou serem raros os casos em que as mudanças provocaram
mudanças exteriores aos próprios modelos de Estado de Bem Estar Social aos quais se
referia Esping-Andersen (1991) – liberal, conservador e socialdemocrata – e que podem
ser agrupados em bismarckiano e beveridgeano, Hammoud (2008) concorda ao
constatar que em cada país modificações ocorreram de acordo com os constrangimentos
institucionais próprios a cada modelo historicamente vigente.
Estas constatações estão em sintonia com a linha analítica institucionalista –
como discutido em Perissinoto (2004); March, Olsen (2008) e Souza (2006) –, assim
como com o incrementalismo que salientam a noção de path dependency, isto é, a
importância da trajetória histórica e arranjos institucionais no âmbito da política pública
para a delimitação das possibilidades no presente e encaminhamentos futuros de
alteração a partir do contexto da chamada crise econômica e dos programas de
austeridades propostos nos anos recentes.
Para o caso brasileiro, o padrão institucional configurado como conservador-
meritocrático sofreu uma inflexão significativa. Neste modelo conservador há a
vinculação entre emprego e o acesso aos benefícios, sendo que a premissa é “que as
pessoas devem estar em condições de resolver suas próprias necessidades, com base em
seu trabalho (...). A política social intervém apenas parcialmente, completando e
corrigindo as ações alocativas do mercado...” (DRAIBE, 1993b: 7). As alterações no
padrão ocorreram sob dois direcionamentos em tensão: o da CF88 com princípios
redistributivista, universalista e de prestações sociais público-estatais (Draibe, 1993a,
Arretche, 2000) e o dos princípios liberais voltados para diminuir a carga de
financiamento e de provisão social do Estado, assim como, estabelecer critérios seja de
priorizações (seletividade), seja de focalização nos grupos empobrecidos ou em
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miserabilidade (Figueiredo, Limongi, 1995; Fagnani, 2005). Esta trajetória incide sobre
a atual formatação do sistema público da política social, incluindo as políticas e
programas de combate à pobreza dos anos 2000.
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Estes resultados da busca em sítios das OIs restringem-se a um primeiro teste para observar seu
potencial para a construção de dados. Posteriormente haverá o refinamento metodológico e a busca
intencional de documentos aludidos como relevantes pela literatura e análise de conteúdo.
35
Busca nos sítios do Banco Mundial, ONU, FMI e UE realizada por Juliane Kelm, Daiana Ximendes,
Adriele Cordeiro, Gabriele Cristine e Bernadette Borges, inscritas no PIBIC – PUCPR.
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Tabela 1. Documentos sobre pobreza e política social, entre 1995 e 2012, encontrados nos sítios de
organizações internacionais
36
É preciso considerar que a busca foi em documentos digitalizados em sites, sendo que é possível, em
parte, atribuir o aumento crescente do número de documento devido à difusão do uso de computadores e
internet a partir da segunda metade dos anos 1900
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Tabela 2. Documentos sobre pobreza e política social, entre os períodos 1995 -2000 e 2001-2012,
encontrados nos sítios de organizações internacionais
O6U Banco Mundial FMI Total
Ano
6º % 6º % 6º % 6º %
1995 a 2000 74 13,91 13 46,43 5 13,16 92 15,38
2001 a 2012 458 86,09 15 53,57 33 86,84 506 84,62
Total 532 100,00 28 100,00 38 100,00 598 100,00
Cabe lembrar que nas últimas décadas do século XX, especialmente entre os
anos 1980 e 90, a perspectiva neoliberal orientou reformas de programas sociais em
países com governos de diferentes orientações ideológicas e com diversas trajetórias de
política social e de Estado de bem estar. A data da maioria dos documentos encontrados
coincide com o “revival” da onda neoliberalizante ou seu novo fôlego advindo da crise
no sistema financeiro dos anos 2000 e agravada a partir de 2006 nos EUA e em grande
parte da Europa. Porém, o padrão das Instituições Financeiras Internacionais (IFI) é
diferente da ONU, pois, enquanto para está o maior número de documentos sobre o
tema concentra-se entre 2006-2012, para as IFI a maioria significativa dos documentos
encontrados estão entre os anos 1995-2005, isto é no final da primeira onda neoliberal e
início da crise do sistema financeiro assumida por estas organizações como crise do
Estado em termos da sua capacidade de implementação de políticas do sistema de
proteção social de cada país (tabela 3).
Tabela 3. Documentos sobre pobreza e política social, entre os anos 1995-2005 e 2006-2012,
encontrados nos sítios de organizações internacionais
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Organizações com os nomes genéricos de organizações não governamentais – ONGs – e organizações
da sociedade civil de interesse público – OSCIPs . Nestes arranjos estão incluídas as empresas com ações
de responsabilidade social.
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Uma vez que o contexto atual é diferente daquele presente na emergência dos
sistemas de política pública social 38, a compreensão desta solidez pode ser auxiliada por
noções como autonomia e path dependency39, ou seja, políticas públicas são produtos
históricos de ações e decisões passadas, sendo que as instituições, uma vez formadas,
adquirem um desenvolvimento e movimento praticamente autônomos40 (March, Olsen,
2008; Nascimento, 2009). Os condicionantes institucionais e históricos são observados
em certa rigidez e permanências nos sistemas de política social, mesmo após as últimas
três ou quatro décadas do movimento e das práticas neoliberais para alterar a direção
dos gastos sociais e minar o princípio da universalidade calcada na condição de
cidadania e não no do carecimento 41.
No final da primeira década do século XXI, entretanto, a crise econômica e
fiscal trouxe a oportunidade para que organizações internacionais recuperassem a
concepção de Estado mínimo e passassem a incentivar o aprofundamento e aceleração
de alterações no sistema público de proteção social que tendem a comprometer os
arranjos institucionais de Estado de bem estar que, no século XX, definiram a alargaram
direitos e a cidadania por meio de políticas públicas sociais (Lavalle, 2003). São
incentivos seletivos para implementação de políticas focalizadas em grupos sociais e
necessidades específicas dissociadas ou substitutivas de políticas universais pautadas na
generalidade da cidadania, quer dizer, sem a articulação ou a “mescla virtuosa entre
programas universais e programas focalizados” (Draibe, 2002: 8) que podem vir a
38
Na atualidade a economia funda-se em uma etapa tecnológica com diminuição ou desaparecimento de
postos de trabalho e desemprego de longa duração, acarretando, por um lado, a redução da capacidade do
conjunto dos trabalhadores para a contribuição no sistema público de oferta de bens e serviços sociais –
contribuindo para a chamada crise fiscal do Estado. Além disso, a composição geopolítica internacional
não gira mais em torno do confronto entre bloco capitalista e bloco socialista. Portanto, fatores que
participaram das condições de emergência do sistema público de políticas sociais não estão mais
presentes, conforme discutido por Castel (2001); Draibe (1989, 2002); Rosanvallon (1995); Arretche
(2000) e Laville (2008).
39
“Path dependence não significa apenas que a história e o passado contam, mas sim que [...] quando um
país (ou uma região) adota um determinado caminho, os custos de mudá-lo são muito altos. [...] Portanto,
eventos anteriores influenciam os resultados e a trajetória de certas decisões, mas não levam
necessariamente a movimentos na mesma direção que prevalecia no passado. O conceito de path
dependence é importante exatamente porque pode haver uma reação ao path anterior, levando-o a outra
direção” (Souza, 2003: 138).
40
Outras vertentes de análise relacionam a resiliência do Estado de bem estar a fatores societários e
econômicos (tomando a política pública social como variável dependente), tais como as explicações que
destacam a “necessidade” dos sistemas públicos de proteção social diante da crise econômica do período
que gera o aprofundamento da questão social em países do capitalismo central e; a força de movimentos
sociais contrários à desestruturação do provimento social público e de direitos trabalhistas (Anderson,
1995).
41
Os dados apresentados por Avelino, Brown e Hunter (2007: 235) para a América Latina, no período de
1980-1999, mostram reestruturação dos programas na área social, sendo que “os gastos sociais têm sido
redirecionados”, havendo aumento nos gastos com educação e “o crescimento de programas mais
focalizados”.
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42
A partir dos anos 1980 e durante os anos 1990 Avelino, Brown e Hunter (2007: 235) observam no
Brasil e outros países latino-americanos “mudanças em alocações de recursos para o setor social geradas
pela integração econômica e a democratização”, sendo que o crescimento de programas sociais
focalizados é um exemplo de como “os gastos sociais têm sido redirecionados consideravelmente”.
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43
Para as leis regulamentadoras destaco os seguintes exemplos: o artigo 203 (V) da CF88 - que trata da
garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso sem meios de
garantir o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família - foi regulamentado no artigo 20 da lei
8.742/1993. Para a elaboração da lei houve debate sobre se a falta de condições de garantir o sustento
seria interpretada com base na renda familiar de um salário mínimo ou não. Venceu a interpretação mais
restritiva que considera a renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo; o artigo 3º
da CF88 – que trata da erradicação da pobreza – é referência para a lei nº 10.835/2004 instituindo a renda
básica de cidadania que se constitui no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros
residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica,
receberem, anualmente, um benefício monetário. O artigo 3º é, também, referência para a lei nº
10.836/2004 (Bolsa Família) que prevê transferência monetária para famílias que se encontrem em
situação de extrema pobreza. A implementação de política governamental, até hoje, restringiu-se a esta
segunda lei e a lei 10.835/2004 não foi, até hoje, regulamentada.
44
Um exemplo é a Emenda nº 31/2000 que criou o Fundo de Combate à pobreza aprovado depois de
negociação sobre a origem dos recursos que o manteria. A Comissão estabelecida para este fim e o
governo concordaram com a alternativa de aumentar a alíquota do imposto sobre as transações financeiras
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sempre alinhadas com o “tom” geral da CF1988, as grandes linhas constitucionais para
a política social promoveram um padrão legal de inspiração social – democrata.
O terceiro momento da formatação do atual sistema da política pública social
seria a partir de 2006 no qual, segundo Fagnani (2011: 13) as políticas sociais estão
articuladas a uma “estratégia macroeconômica, direcionada para o crescimento
econômico com distribuição de renda”.
Esta periodização permite estabelecer relações entre o número de documentos
das organizações internacionais e os momentos de formatação e consolidação do
sistema brasileiro da política pública social atual (SBPPS), momentos estes mais ou
menos coincidentes com períodos de governos (tabelas 4 e 5).
Tabela 4. Documentos sobre pobreza e política social, entre 1995 e 2012, encontrados nos sítios de
organizações internacionais, em relação aos governos e ao sistema brasileiro de política pública
social.
45
FMI – Fundo Monetário Internacional, BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o
Desenvolvimento.
pobreza. Entendo que é neste ponto que reside o aspecto de continuidade das políticas
pública de combate a pobreza dos governos FHC, Lula e Dilma, a despeito das posições
partidário-ideológicas destes governantes que têm rebatimentos e imprimem diferenças
de prioridades, opções orçamentárias e na formulação da política pública social em
geral.
Tabela 5. Documentos sobre pobreza e política social, entre 1995 e 2012, encontrados nos sítios de
organizações internacionais em relação aos momentos do sistema brasileiro de política pública
social e governos brasileiros
Chama a atenção a possível relação nos anos dos governos Lula e Dilma dos
seguintes dados: concentração de mais de 70,0% dos documentos coletados das
instituições internacionais; agravamento da crise econômica mundial e o
recrudescimento das medidas e recomendações das IFI no sentido da austeridade
econômica com encolhimento do sistema universalista de proteção social e priorização
da destinação dos gastos e serviços sociais para os grupos empobrecidos; políticas
sociais brasileiras para redução da pobreza são consideradas modelos pelos organismos
internacionais e; são principalmente nestes anos que os dados sobre o impacto positivo
destas políticas implementadas no Brasil desde o início dos anos 2000 são divulgados
interna e internacionalmente (IPEA, 2012; Neri, 2007; Neri, 2011) (tabela 5).
Os dados do período 1995-2012 e a literatura sugerem ter havido uma adesão
dos governantes brasileiros e formuladores de políticas aos valores e arranjos
institucionais difundidos internacionalmente, assim como, que as políticas públicas
brasileiras participaram como condutoras da difusão e modelagem internacional de
políticas públicas para redução da pobreza.
IV - Conclusão
Bibliografia
SKOCPOL, Theda; AMENTA, Edwin (1986). “States and Social Policies”. Annual
Review of Sociology, v. 12, pp.131-57.
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Lua ?ova, n.59, pp. 137-158.
SOUZA, Celina (2006). “Políticas Públicas: uma revisão da literatura”. Sociologias, nº
16, pp. 20-45.
SOUZA, Celina (2007). “Estado da arte da pesquisa em políticas públicas”. In
HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta; MARQUES, Eduardo (org).
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UGÁ, Vivian Domínguez (2004). “A categoria ‘pobreza’ nas formulações de política
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WEBER, Max (1999). Economia e sociedade. Brasília: UnB.
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University Press.
WEYLAND, Kurt (2005). Theories of Policy Diffusion: Lessons from Latin American
Pension Reform. World Politics, 57 (2), pp. 262–95.
EM 6OME DA ORDEM:
política urbana e criminalização da pobreza na Cidade do Rio de Janeiro no limiar
do século XXI
Rosemere Maia
Universidade Federal do Rio de Janeiro / CNPq
rosemaia@terra.com
Resumo
Constatamos, desde o início dos anos 90, que uma nova concepção de cidade e de planejamento urbano
vem se impondo, a cada de dia e de forma mais decisiva, em vários lugares do planeta. O Rio de Janeiro
talvez seja exemplar para o entendimento desta nova dinâmica, num contexto em que as cidades passaram
a se constituir em locais privilegiados de articulação de interesses econômicos, tecnológicos e políticos,
orientadas por uma visão estratégica em relação ao planejamento urbano. Neste sentido, são qualificadas
enquanto mercadorias a partir dos insumos que detêm e que são valorizados pelo capital especulativo
transnacional. Gestores e empreendedores vêm construindo e difundindo uma marca em torno da Cidade
do Rio de Janeiro que remete às suas belezas naturais, à cultura, ao lazer, aos esportes, aos grandes
eventos internacionais, sendo priorizadas como áreas de investimento em termos de políticas públicas
aquelas detentoras de maior visibilidade e capazes de atrair investidores nacionais e internacionais, bem
como um público “qualificado”, principalmente os turistas. Durante anos, a imagem do Rio de Janeiro foi
maculada pelo crescimento da pobreza e pelo avanço da criminalidade e, em nome do restabelecimento
da ordem e da segurança, vem se fortalecendo no contexto carioca o poder punitivo como modo de
administração dos efeitos das políticas neoliberais sobre os segmentos populares, onde usuários de crack,
população em situação de rua, ambulantes, “flanelinhas” tornam-se alvos preferenciais das investidas da
“política de tolerância zero” que grassa, com vários matizes, na Cidade e que tende a qualificar tais
segmentos como “classes perigosas”.
Vimos constatando, desde o início dos anos 90, que uma nova concepção de
cidade e de planejamento urbano impõe-se, a cada de dia e de forma mais decisiva, em
vários lugares do planeta. No que se refere à realidade brasileira, o Rio de Janeiro talvez
seja exemplar para o entendimento desta nova dinâmica, num contexto onde as cidades
passaram a se constituir em locais privilegiados de articulação de interesses econômicos
e tecnológicos, orientadas por uma visão estratégica em relação ao planejamento
urbano. Segundo Carvalho (2006, p. 6), evidencia-se, desde então, a conformação de
uma “nova geografia e uma arquitetura produtiva que tece redes e nós e qualifica e
desqualifica espaços em função de fluxos mundializados”, produzindo impactos “sobre
a morfologia territorial e social e sobre a organização e funcionamento dessas cidades,
sobre a qualidade de vida urbana, as desigualdades e as mobilizações políticas e
sociais”.
O que se persegue, nesse sentido, é a inserção de cada cidade no que se
convencionou chamar de mercado mundial de cidades e, para tanto, coloca-se como
fundamental o investimento em atividades vinculadas ao terciário avançado, assim
como a descoberta e/ou reforço de elementos que expressem a vocação de cada uma
delas, a sua marca, seu “diferencial” em relação às demais. (Maia, 2006: 63) A cidade,
nesse sentido, é qualificada enquanto mercadoria a partir dos insumos que detêm e que
são valorizados pelo capital transnacional, a exemplo do sugerido por Borja & Forn
(apud Vainer, 2002: 79). Tais insumos seriam, segundo os mesmos autores, todo um
conjunto de infraestruturas e serviços capazes de atrair “investidores, visitantes e
usuários solventes à cidade e que facilitem suas ‘exportações’ (de bens e serviços, de
seus profissionais, etc.) (Borja & Forn, apud Vainer, 2002: 80).
Gestores e empreendedores têm construído/reforçado e difundido uma marca em
torno da Cidade do Rio de Janeiro que remete às suas belezas naturais, à cultura, ao
lazer, aos esportes, aos grandes eventos internacionais – de caráter esportivo, ecológico
ou cultural. Para tanto, propõem, em parceria, políticas urbanas pautadas em
intervenções excludentes, segregacionistas, claramente comprometidas com as
demandas do capital, sem qualquer compromisso com aquelas colocadas legitimamente
pelos citadinos. Tanto é assim que as áreas priorizadas pelos referidos projetos são
aquelas detentoras de maior visibilidade e as que agregam equipamentos voltados para o
turismo, para a cultura e o lazer, sendo capazes de atrair investidores nacionais e
46
Zukin, entretanto, considera possível a emergência de construções sociais que, ao contrário de
denominadas paisagens, seriam tratadas como VERNACULARES, chanceladas pelos “sem poder”.
(Zukin, 2000: 84). Reportando-se aos contra-usos passíveis de emergirem em espaços vernaculares,
afirma Leite: as ‘táticas’, quando associadas à dimensão espacial do lugar, que as torna vernaculares, se
constituem em um contra-uso capaz não apenas de subverter os usos esperados de um espaço regulado
como de possibilitar que o espaço que resulta das ‘estratégias’ se cinda, para dar origem a diferentes
lugares, a partir da demarcação socioespacial da diferença e das ressignificações que esses contra-usos
realizam (2004: 215, grifos do autor).
47
Quando falamos de mídia, referimo-nos às empresas de comunicação de ampla difusão e alcance no
território nacional e que reproduzem a ideologia hegemônica. Segundo Canclini, Uma descoberta que se
confirma em diversas pesquisas dos últimos anos é que a imprensa, o rádio e a televisão contribuem para
reproduzir, mais do que para alterar, a ordem social. Seus discursos têm uma função de mimese, de
cumplicidade com as estruturas sócio-econômicas e com os lugares comuns da cultura política. Mesmo
quando registram manifestações de protesto e testemunham a desigualdade, editam as vozes dissidentes
ou excluídas de maneira a preservar o status quo. (2002: 50)
como figuras centrais associadas à gestão empresarial das cidades. Têm como missão
dar forma mercadológica aos projetos políticos das coalizões com interesses localizados
(Sanchez, 2001: 40).
refrear o medo das classes médias e superiores – as que votam – por meio da
perseguição permanente dos pobres nos espaços públicos (ruas, parques, estações
ferroviárias, ônibus e metrô, etc.). Usam, para isso três meios: aumento em 10 vezes dos
efetivos e dos equipamentos das brigadas, restituição das responsabilidades
operacionais aos comissários de bairro com obrigação quantitativa de resultados, e um
sistema de radar informatizado com arquivo central sinalético e cartográfico consultável
em microcomputadores a bordo dos carros de patrulha) que permite a redistribuição
contínua e a intervenção quase instantânea das forças de ordem, desembocando em uma
aplicação inflexível da lei sobre delitos menores tais como a embriaguez, a jogatina, a
mendicância, os atentados aos costumes, simples ameaças a ‘outros comportamentos
anti-sociais associados aos sem-teto’ (Wacquant, 2001: 26).
Pobres, negros, favelados têm sido, neste sentido, os alvos preferenciais das
investidas dessa “política de tolerância zero” que grassa, com vários matizes, na Cidade
do Rio de Janeiro. Para tanto, governos estadual e municipal (e, quando “convocado”
também o federal), cada vez mais articulados, submetem as políticas sociais
(sobremaneira a de assistência social e a de habitação) à política de segurança pública.
Sendo esta última de competência estadual, não é a toa que, no âmbito municipal, ela
terá uma “versão adaptada” – qual seja, de “ordem pública” – organizada a partir da
SEOP, Secretaria Especial da Ordem Pública, não por acaso criada em 2009, já na
gestão do atual prefeito da Cidade. Tal Secretaria apresenta-se como “um órgão
regulador e fiscalizador da atividade econômica, das posturas municipais e
regulamentador do uso do espaço público”, tendo com missão “ordenar os espaços
públicos do Rio de Janeiro fazendo valer as legislações municipais e o Código de
Postura da cidade”48. Os resultados que busca, a partir das suas ações, são bastante
parecidos com aqueles postulados por Giuliani, durante sua gestão na prefeitura de
Nova Iorque:
! Avançar no restabelecimento da Ordem Pública em caráter permanente e
duradouro
! Contribuir para melhora da conservação dos espaços públicos
! Garantir o uso do espaço público de forma segura
! Pôr um fim à desordem urbana, combater os pequenos delitos nos principais
corredores, contribuir decisivamente para a melhoria da qualidade de vida em
nossa cidade49.
Fica patente, a partir da leitura dos resultados perseguidos e das intervenções
realizadas, que enquanto a Medicina Social, com suas práticas higienistas, dava
sustentação às intervenções urbanas e aos recortes estabelecidos em termos de
prioridades às políticas públicas /sociais na virada do século XIX para o XX, em nome
da modernidade vislumbrada para a Cidade, na contemporaneidade é ele – o discurso da
48
http://www.rio.rj.gov.br/web/seop/exibeconteudo?article-id=94564 . Consultado em 10/09/2012)
49
Tais resultados também se encontram expressos no site da SEOP:
http://www.rio.rj.gov.br/web/seop/exibeconteudo?article-id=94564 Acesso em 10/09/2012.
lei e da ordem - quem traça os caminhos, inclusive em termos de política urbana, para a
Cidade do Rio de Janeiro do Século XXI.
Na gestão anterior – do Prefeito César Maia -, algumas das ações já haviam sido
esboçadas. Com sua visão mais “engenheira”, Maia esteve à frente da Prefeitura da
Cidade em meados dos anos 90 e voltou no início dos anos 2000 para cumprir mais dois
mandatos, onde realizou intervenções urbanas centradas em obras voltadas para o
embelezamento, principalmente da Zona Sul, a mais elitizada do Rio, além de “dedicar-
se” ao programa Favela-Bairro, provendo algumas favelas de equipamentos urbanísticos
“básicos”, como ruas e acesso aos morros. A “ordem urbana” também esteve dentre as
suas iniciativas: medidas de segurança, ordenação do comércio ambulante, com a
criação de “camelódromos”, definição de locais próprios para estacionamento, retirada
de população de rua, dentre outras.
O ano de 2009, contudo, foi um marco para a Cidade e Paes inaugurou um
momento singular em se tratando de Política Urbana e, mais que isso: de
“articulação/submissão” de outras políticas públicas/sociais a ela. Esse foi o ano em que
a Cidade do Rio de Janeiro – eleita Cidade Olímpica – deu passos mais largos em
direção à consolidação da reforma urbana em curso, fazendo com que os tão aguardados
investimentos públicos e privados começassem a se efetivar e dando “patriótica”
legitimidade às políticas urbanas em desenvolvimento (Maia & Icasuriaga, 2012: 9).
Desde então, a Cidade foi agraciada com alguns títulos como de “Melhor
Destino Gay do Mundo”, de “Patrimônio Cultural da Humanidade” – na categoria
“Paisagem Cultural”-, títulos estes que só ajudam a ratificar a imagem que já vem sendo
lapidada pelo prefeito no sentido de atrair um público consumidor cada vez mais
qualificado e diversificado para a Cidade. Além disso, também sediou uma série de
eventos de porte, sendo o último deles a Rio +20 - a Conferência das Nações Unidas
sobre Desenvolvimento Sustentável.
Entretanto, apesar de todos os “louros” recebidos pela Cidade na última década,
sua imagem ainda não conseguiu se desvencilhar totalmente da violência que, desde os
anos de 1980, com a escalada do tráfico de drogas, tanto a maculou. Não é a toa que
este primeiro mandato de Paes – que será sucedido por um segundo, já definido pelos
eleitores no processo eleitoral ocorrido em outubro de 2012 – tem sido marcado pelo
discurso da lei e da ordem. Ainda que não seja de sua competência o enfrentamento do
tráfico e das milícias (outro modalidade de criminalidade que se espraia pela cidade),
50
A atenção à População em Situação de Rua encontra-se prevista como uma das modalidades de atenção
da Proteção Social Especial, compreendendo um conjunto de serviços/programas contemplados pelo
SUAS. O Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua visa prover condições de acolhida na
rede de serviços da Política de Assistência Social e de inserção nas demais políticas, realizando ações de
reinserção familiar e/ou comunitária e contribuindo para a construção de novos projetos de vida,
respeitando as escolhas dos usuários [...] e para restaurar e preservar a integridade e a autonomia da
população em situação de rua” (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, p. 30).
http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica/cras/documentos/Tipificacao%20Nacional%20de
%20Servicos%20Socioassistenciais.pdf Acesso em 18/08/2012
na árdua e lenta trajetória rumo à sua efetivação como política de direitos, permanece na
Assistência Social brasileira uma imensa fratura entre o anúncio do direito e sua efetiva
possibilidade de reverter o caráter cumulativo dos riscos e possibilidades que permeiam
a vida de seus usuários (2004: 26).
Bibliografia
Resumo
Introdução
52
Muito se tem discutido sobre a grafia correta para “sócio-espacial” e “socioespacial”. Nas palavras de
Souza (2009, p. 25) “Existe a possibilidade de dupla grafia − o que constitui, aliás, algo conceitualmente
conveniente e relevante. “Socioespacial”, sem hífen, se refere somente ao espaço social (por exemplo,
tomando-o do ponto de vista do resultado de sua produção em determinado momento histórico, real ou
potencial, como em um plano de remodelação urbanística); de sua parte, “sócio-espacial”, com hífen, diz
respeito às relações sociais e ao espaço, simultaneamente (abrangendo, diretamente, a dinâmica da
produção do próprio espaço, no contexto da sociedade concreta como totalidade)”. Assim no presente
artigo expressão “sócio-espacial” foi considerada mais apropriada, pois quando se faz alusão à segregação
sócio-espacial se tem como correspondência simultânea às relações sociais e o espaço social, que são
distintos e interdependentes.
Da cidade à segregação
53
O autor Souza (2006) esclarece que espacializar refere-se a um tipo de organização espacial e de
processo de produção e apropriação do espaço por uma determinada sociedade.
A vida cotidiana [...] se definiria como uma totalidade apreendida em seus momentos
(trabalho, lazer e vida privada) e, nesse sentido guardaria relações profundas com todas
as atividades do humano – em seus conflitos, em suas diferenças. [...]. Nesta direção, o
sentido da cidade é aquele conferido pelo uso, isto é, os modos de apropriação do ser
humano para a produção de sua vida (e no que isto implica).
54
No presente trabalho considerou-se cidade como sinônimo de espaço urbano, pois conforme Corrêa
(1995, p. 5) “o geógrafo considera a cidade, de um lado, como um ou vários núcleos localizados em um
região ou país; [...] de outro, a cidade é considerada como espaço urbano, sendo analisada a partir de
mapas de grande escala. Estas duas abordagens não são mutuamente excludentes. Nem do âmbito
exclusivo dos geógrafos, apesar das diferenças de abordagem em relação aos demais estudiosos”.
A segregação residencial pode ser vista como um meio de reprodução social, e neste
sentido o social age como um elemento condicionador sobre a sociedade. Neste sentido,
enquanto o lugar de trabalho, fábrica e escritórios, constitui-se no local de reprodução,
as residências e os bairros, definidos como unidades territoriais e sociais, constituem-se
no local de reprodução. Assim, a segregação residencial significa não apenas um meio
de privilégio para a classe dominante, mas também um meio de controle e de
reprodução social para o futuro.
Desse modo, observa-se que a segregação residencial não se limita a casa e/ou
moradia, ela estende ao aspecto sócio-espacial, político-administrativo e econômico,
fazendo com que as relações estabeleçam um elo "no plano do morar e de tudo que essa
expressão significa enquanto realização da vida humana." (Carlos, 2004: 47).
Nesse ambiente urbano, complexo e fragmentado a segregação se demonstra
como um “processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se
concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros” (Villaça,
2001: 142). Avançando no conceito, Castells (1983: 203) afirma que se entende por
segregação a “tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade
social interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo esta disparidade
compreendida não só em termos de diferença, como também de hierarquia”.
Souza aponta dois aspectos que permeiam a segregação, o primeiro refere-se à
segregação atrelada as disparidades estruturais na distribuição da riqueza socialmente
gerada e do poder. Já no segundo “a segregação deriva de desigualdades e, ao mesmo
tempo, retroalimenta desigualdades, ao condicionar a perpetuação de preconceitos e a
existência de intolerância e conflitos” (Souza, 2008: 84).
Gráfico 01 – Evolução populacional de Montes Claros (1960, 1970, 1980, 1990, 2000 e 2010)
Analisando o contexto mineiro, Montes Claros é a sexta cidade mais populosa de Minas
Gerais, possuindo população inferior da capital mineira Belo Horizonte, Uberlândia,
Contagem, Juiz de Fora e Betim, conforme evidencia o gráfico 02 (IBGE, 2010). Essa
cidade se destaca no contexto regional, como principal pólo, e sua área de influência
ultrapassam os limites da mesorregião Norte de Minas Gerais (Pereira, 2007).
55
No contexto atual o estudo das cidades médias encontra-se sistematizado e em constante evolução no
cenário científico. Dentre os vários estudos já realizados sobre as cidades médias destacam os publicados
por Spósito (2002) para Presidente Prudente; Whitacker (2003) e Vieira (2005) para São José do Rio
Preto; Soares (1995) e Bessa (2007) para Uberlândia; entre outros.
56
O domicílio particular permanente é a unidade não residencial ou com dependências não destinadas
exclusivamente à moradia, mas que na data de referência estava ocupado por morador. Exemplos: prédios
em construção, vagões de trem, carroças, tendas, barracas, grutas etc. que estavam servindo de moradia na
data de referência foram considerados domicílios particulares improvisados (IBGE, 2010).
57 O domicílio particular permanente tipo casa trata-se de uma edificação com acesso direto a um
logradouro (arruamento, vila, avenida, caminho etc.), legalizado ou não, independentemente do material
usado em sua construção, estado de conservação ou número de pavimentos (IBGE, 2010).
Figura 04 – São Geraldo, sul de Montes Claros Figura 05 – Clarice Ataíde, norte de Montes
Claros
Figura 06 – São Luís, centro-oeste de Montes Figura 07 – Ibituruna, oeste de Montes Claros
Claros
Palavras finais
Bibliografia
CARLOS, Ana F.A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo:
Contexto, 2004.
CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
CORRÊA, R.L. O espaço urbano. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1995.
FRANÇA, Iara Soares de. Aglomeração urbana descontínua de Montes Claros (MG) /
Iara Soares de França – Uberlândia, 2012. Tese (doutorado) – Universidade
Federal de Uberlândia, Geografia e Gestão do Território.
GENOVEZ, P. C. Território e desigualdade: análise espacial intra-urbana no estudo
da dinâmica de exclusão/inclusão social no espaço urbano em São José dos
Campos / P. C. Genovez. - São José dos Campos: INPE, 2002. Dissertação
(Mestrado em Sensoriamento Remoto) – Programa dePós-graduação em
Sensoriamento Remoto, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos
Campos/SP
Resumo
O presente artigo expressa algumas reflexões sobre o estabelecimento e funcionamento de parcerias entre
Escolas e Empresas e do modo como se articula a formação entre ambas. Em simultâneo, discutimos o
papel das Políticas Públicas Educativas no âmbito dos Cursos Profissionais de nível secundário. O estado
da arte que temos vindo a desenvolver, bem como o estudo empírico, permitiu-nos selecionar um caso de
interesse científico. O modelo de parceria que apresentamos emergiu do nosso estudo exploratório e tem
como núcleo central uma turma de um Curso Profissional, numa Escola Pública, que trabalha em
parceria, no âmbito da formação, com uma Empresa Privada, do setor da indústria da aeronáutica. Os
procedimentos que seguimos ao longo da presente investigação centraram-se nos objetivos e questões do
estudo, numa perspetiva de responder à nossa problemática, articulando o estudo empírico com o nosso
quadro teórico. Os instrumentos utilizados na recolha de dados foram as entrevistas semiestruturadas,
tendo as mesmas sido administradas aos atores do estudo num total de nove. Para além das entrevistas
recorremos à consulta de legislação que regulamenta os Cursos Profissionais e a outros documentos
fornecidos pelos Responsáveis da Escola. A estratégia de análise utilizada será a análise de conteúdo,
através de uma abordagem qualitativa, para que possamos ter uma visão holística do fenómeno em
estudo.
Introdução
Âmbito do artigo
58
Doravante, em vez de Aprendizagem ao Longo da Vida, utilizaremos ALV, por uma questão de
economia.
59
Comissão Europeia (1995). Livro Branco sobre a educação e a formação.
Uma vez que nos encontramos numa fase de análise de informação preliminar60,
as referidas questões serão abordadas apenas com base no quadro teórico que fomos
construindo ao longo da nossa pesquisa.
60
Como informamos no início, trata-se de um estudo ainda em desenvolvimento e em fase de análise de
informação, pelo que, as informações aqui transmitidas são baseadas no quadro teórico que fomos
construindo.
61
Nome que atribuímos à Escola para manter o seu anonimato.
62
Nome que atribuímos à Empresa para manter o seu anonimato.
63
O levantamento efetuado em 385 empresas do ramo da construção civil, pela Confederação Nacional
da Indústria (CNI) e pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) indica uma grande
carência de trabalhadores profissionais com qualificação básica que respondam às categorias de pedreiros
e serventes e de trabalhadores qualificados.
Síntese conclusiva
dual (profissional) e destinado aos mais Jovens, que procuram uma dupla certificação e
uma maior ligação ao trabalho, através de cursos profissionalizantes.
Na nossa perspetiva, esta estratégia gerada de consensos entre Políticas Públicas
nacionais, europeias e internacionais, tem, em nosso entender, uma face positiva nos
atores sociais, na escola e nos centros de formação, ou onde o acesso à formação seja
facultado. Contudo, falta a outra face, pelo que, ainda há muito para fazer, apesar de se
verificarem algumas melhorias no âmbito da formação (qualificação). Programas como
o PISA e a divulgação de dados estatísticos referentes a rankings nacionais e europeus,
apontam para a ainda existência em Portugal de abandono escolar, desigualdades
sociais, exclusão social e, para um grande aumento de desemprego, aliás, o flagelo do
século. Há que ter isso em conta.
Da nossa parte, confiamos que os desafios aplicados às economias locais,
possibilitem o estudo de formas de crescimento e se insista em arranjar soluções para os
problemas atuais. Como já foi referido, um dos problemas emergentes prende-se com a
propagação e generalização do desemprego, com incidência do aumento dos índices de
pobreza e de exclusão social. Na nossa perspetiva, com base em dados teóricos, as
parcerias constituídas por entidades públicas e privadas, como é o caso que
apresentamos, poderão trazer uma nova dinâmica de intervenção, contendo respostas
inovadoras, muitas delas experimentadas por diferentes atores sociais.
Bibliografia
ALVES, J.E. (2009). Pode o “local” fazer a diferença? Três projetos inovadores na
promoção do emprego e no combate à exclusão. Recuperado em 01 Março de
2013 em: http://comum.rcaap.pt/handle/123456789/2122
CARRILHO, T. Conceito de parceria: três projectos locais de promoção do emprego.
In: Análise Social, vol. XLIII (1.º), 2008: 81-107.
CASTILLO, J.. A emergência de novos modelos produtivos – Produção ligeira e
intensificação do trabalho, in: Kovács, I. e Castilho, J. (1998). ?ovos modelos de
produção: Trabalho e pessoas. (Cap. 2), p. 25. Oeiras. Celta Editora.
COSTA, H., PEIXOTO, J. e MARQUES, R. (Org.) (2003). A nova sociologia
económica: Uma antologia. Oeiras: Celta Editora.
Legislação