Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
A gestão de unidades de conservação da natureza deve seguir as regras gerais da
administração pública. Como essas unidades intervêm no uso produtivo de recursos naturais, a sua
gestão tem importantes especificidades. Este estudo examina a criação e a gestão de uma unidade
estadual de uso sustentável – a Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, em Macapá (Amapá),
no âmbito de um projeto da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA). Usa principalmente
materiais gerados pelo próprio processo de implantação da gestão participativa e discute
brevemente a literatura teórica e conceitual pertinente ao tema. O achado principal é que os
métodos participativos são instrumentos úteis para a gestão de unidades de uso sustentável, em que
atores sociais variados têm interesses legítimos estabelecidos em torno dos usos produtivos dos
recursos naturais, e que por isso devem participar das decisões que afetem o acesso a esses
recursos.
Abstract
The management of conservation units must follow the rules of general public
administration. As they affect the productive use of natural resources, however, their
management has quite specific traits. This text examines a state-created sustainable use
conservation unit, the Environmental Protection Area of Rio Curiaú, in the Brazilian state of
Amapá, in the Amazon region. It is based primarily on materials generated by the process of
starting up the participatory management itself and by the theoretical and conceptual literature
about the matter. The major finding is that participatory methods are useful instruments for
the management of these types of conservation units, in which many social actors have
∗
Baseado principalmente em Brito (2003). Observações oriundas do trabalho de campo da autora principal estão
incorporadas a vários pontos do texto.
1
Mestre em Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. Departamento de Geografia, Universidade
Federal do Amapá. E-mail: dagnete@uol.com.br.
2
Professor Adjunto, Universidade de Brasília. Ph. D. em Land Resources, University of Wisconsin, Madison
(EUA). Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. E-mail: jaldrummond@uol.com.br.
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
legitimate interests in the productive uses of the natural resources and should therefore be able
to provide inputs concerning decisions that affect their access to these resources.
Introdução
Este artigo discute os resultados de um estudo sobre uma unidade de conservação
(UC) estadual de uso sustentável, situada em Macapá, Amapá, dando ênfase à questão da
participação social no desenho e na gestão das políticas públicas voltadas para áreas naturais
protegidas. O objeto de estudo é a Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Curiaú, cujos
traços principais são a homogeneidade social (a maioria dos habitantes descende de negros
escravos), o reconhecimento como terra remanescente de quilombo, o bom estado de
conservação dos ecossistemas, as pressões geradas pela expansão urbana de Macapá e o papel
das comunidades locais na preservação da natureza.
O estudo examina a implantação da gestão participativa da APA, entendida como a
construção de um espaço de discussão e entendimento entre diversos grupos sociais. A
participação social na gestão é abordada como um processo de negociação sociopolítica de
conflitos. Esse modo de gerir exige mudanças no próprio conceito e no funcionamento do
Estado brasileiro. Historicamente, no Brasil, os interesses econômicos mais fortes prevalecem
nas instâncias decisórias, pois as estruturas de governo são isoladas dos instrumentos
democráticos e são permeáveis aos atores socialmente mais fortes. Assim, as pequenas
comunidades locais raramente se constituem como atores da gestão dos interesses coletivos.
No atual panorama mundial de conservação da natureza, o Brasil vem se destacando
pela criação e pelo gerenciamento inovador de uma grande quantidade e variedade de UCs.
Como bens públicos, o seu gerenciamento segue as regras gerais da administração pública. No
entanto, a sua missão de evitar ou regulamentar o uso produtivo de bens públicos naturais cria
especificidades para a sua gestão (DRUMMOND; FRANCO; NINIS, 2006).
O texto busca identificar a dinâmica da interação entre os interesses em torno da APA
e assinalar as especificidades que a sua gestão requer. É relevante esse tipo de estudo, porque
havia no Brasil, em fins de 2005, 702 UCs federais das diversas categorias e outras 690 UCs
estaduais (total de 1.392), além de outras centenas de unidades municipais. Isso já configura
uma formidável tarefa de gerenciamento (DRUMMOND; FRANCO; NINIS, 2006). No
entanto, o número de UCs ainda tende a crescer muito, já que o Brasil está longe de cumprir
as suas metas de proteger com UCs, pelo menos, 10% de cada um dos seus biomas. Pretende-
se contribuir, portanto, para o melhor entendimento das exigências de gestão desse tipo de
bem púbico, a qual demandará cada vez mais energia e método.
3
Lei no 7.505, de 2-7-1986, que trata de incentivos às artes e à cultura.
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
114
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
4
Tanto a Constituição Brasileira de 1988 (artigo 225, parágrafo 1o , inciso III) quanto a do Amapá determinam
que as UCs somente poderão ter a sua categoria e os seus limites alterados a partir de lei específica.
5
Também denominada de Curiaú de Baixo.
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
115
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
8
A Reserva Extrativista do Rio Cajari é a única outra UC amapaense a conter trechos de cerrado.
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
117
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
áreas no entorno da APA por populações de baixa renda, que buscam locais de moradia
barata. Os habitantes da APA tentam defender o seu território, inclusive, com a criação de
uma comunidade (Extrema) no limite da APA, visando inibir invasões.
Segundo Garcia e Pasquis (2000), é comum a substituição da vegetação original nas
áreas de entorno da unidade, como os extensos cultivos de eucaliptos e pinus da Empresa
Champion de Plantios Florestais - CHAMFLORA. Outro problema é o tratamento inadequado
do lixo por visitantes e moradores e das populações das áreas de entorno.9 Ocorrem
queimadas para abertura de roçados e a pesca predatória, geralmente, realizada por pessoas
estranhas às comunidades. Não-comunitários constroem residências de lazer nas margens dos
lagos. Por último, estradas ilegais estimulam invasões. Um problema potencial sério é a
perspectiva de deposição do manganês contaminado por arsênio (resíduos de atividades
industriais da empresa Icomi), prevista para ocorrer em uma área próxima ao limite norte da
APA.
Após essa revisão dos aspectos naturais e sociais da APA do Rio Curiaú, será
analisada a recente implantação do planejamento participativo.
9
Atualmente, a Sema coleta o lixo na APA do Rio Curiaú, semanalmente, tarefa que caberia à prefeitura de
Macapá.
10
Atualmente denominadas de unidades de conservação de proteção integral.
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
119
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
11
A metodologia foi desenvolvida pelo Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o
Desenvolvimento (Cirad), instituição da França. Ela é explicada por Garcia e Pasquis (2000).
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
121
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
Quadro 1
Problemas identificados nas comunidades da APA do Rio Curiaú, em oficinas de
autodiagnóstico
Problemas Problemas específicos
comuns a todas
as comunidades Curralinho
Casa Grande Curiaú de Dentro Curiaú de Fora
Problemas
Mocambo
Falta de Falta de
Comunicações transporte, de Apenas um
estrada, de
deficientes conservação da ônibus por dia;
(transporte,
Falta de telefone Transporte deficiente
rodovia e de estrada em más
transporte e de
estrada, telefone) telefones públicos condições telefone
e residenciais público
Falta ou
Falta de posto de Posto de saúde Falta de posto de Falta de posto de Problemas de
deficiência de
saúde deficiente saúde saúde saúde
posto de saúde
Escola deficiente;
Não há pré-
Escola deficiente inexistência de turmas
escola;
(estrutura de 5a à 8a série; Falta de
Falta de escola Falta de escola inexistência de
precária, sem insuficiência de professores
turmas de 5a à 8a
professores etc.) professores; infra-
série
estrutura precária
Falta de esgoto;
Falta de água
Falta de água Falta de coleta de abastecimento
Falta de coleta de tratada, de coleta
tratada, de coleta lixo, de água precário de água; lixo Falta de água
lixo e de água; de esgoto e de
de esgoto e de tratada e de deixado por turistas; tratada
lixo na estrada coleta de lixo;
coleta de lixo esgoto coleta de lixo
invasão do mato
deficiente
Falta de Falta de
Serviços Falta de posto segurança; falta fiscais, de
Invasões na Falta de segurança;
deficientes; falta policial; falta de de abastecimento
comunidade; iluminação precária; policiamento,
de segurança, igreja e de creche; de energia;
falta de problemas de de energia
falta de posto mercado problema de
segurança abastecimento elétrica e de
policial inexistente abastecimento
comercial comércio
Mau uso da APA;
problemas de
conservação,
desmatamento e Poluição
queimadas; pesca sonora;
Queimadas; predatória; falta
Problemas Necessidade de Queimadas e invasões para
invasões de de educação
ambientais ordenamento das casas desmatamentos a exploração
açaizais ambiental;
invasão dos do açaí e
açaizais; falta de pescado
policiamento e de
controle do
acesso à APA
Falta de
capacitação para
pequenos
projetos e para as Falta de
Necessidade de um Desunião
Outros problemas Roubo de gado
museu comunitária
mulheres documentos
atuarem na pessoais
fabricação e
comercialização
da farinha
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.
socioeconômicos são causados, basicamente, pela ausência de políticas públicas que deveriam
ser proporcionadas pelo Estado ou pelas condições socioeconômicas das comunidades locais.
O quadro 2 retrata os problemas prioritários de cada comunidade.
Quadro 2
Problemas socioeconômicos da APA do Rio Curiaú, ordenados por gravidade e por
comunidade, identificados nas oficinas de autodiagnóstico
Casa Grande Curiaú Curralinho Mocambo
Transporte precário e Transporte deficiente e
más condições das Falta de infra-estrutura Transporte deficiente más condições das
estradas estradas
Falta de projetos de Saúde (falta de
Falta de posto de saúde Falta de posto de saúde
ecoturismo profissionais),
Falta de mobilização
Falta de escola Deficiência escolar Deficiência escolar
cultural
- Poluição sonora Falta de telefone Falta de telefone
Falta de recursos Sistema de abastecimento
- -
econômicos precário
Necessidade da
capacitação de mulheres Saneamento básico
- -
para melhorar o comércio deficiente
da farinha de mandioca
Falta de policiamento e
- - Falta de segurança
de fiscalização
Falta de água e
- Poluição sonora
saneamento básico
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.
Quadro 3
Rankings dos problemas agropecuários e ambientais da APA do Rio Curiaú,
identificados nas oficinas de autodiagnóstico
Curiaú de Dentro e de
Casa Grande Curralinho Mocambo
Fora
Queimadas e Invasão para retirada
Queimadas Desmatamento
desmatamento de açaí e pesca
Baixa produção
agropecuária e Retirada de madeira por
Invasão da floresta -
extrativista; baixa pessoas estranhas
produção nos açaizais
Roubo de gado;
Inexistência de projetos
acidentes com animais Criação de búfalos -
agrícolas
nas estradas
Pastagens nativas
Invasões nos lagos insuficientes; degradação - -
das pastagens; erosão
Caça, captura e pesca
- desordenadas, realizadas - -
por estranhos
Baixa produtividade
- - -
agrícola
- Lixo - -
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.
A renda das famílias é muito baixa, chegando a um salário mínimo mensal, em média.
Quem ganha mais do que isso trabalha em lojas, lanchonetes e oficinas às margens da
rodovia. A maioria dos operários de Curiaú trabalha na prestação de serviços e na construção
civil. A maior parte da renda dos membros das comunidades vem de fora, em particular da
área urbana de Macapá, uma característica de periferias de áreas urbanas. A agricultura de
subsistência supre apenas parte das necessidades de alimentação, pois quase todas as famílias
compram alimentos em mercados de Macapá. Há dificuldades de comercialização e os preços
recebidos são irrisórios. Os poucos excedentes de tucupi, tapioca (goma), farinha e açaí são
vendidos a atravessadores.
Isso tudo explica o grande número de bares nas proximidades do lago, pois a renda
que geram é muito superior, mesmo com o funcionamento apenas sazonal (durante a cheia).
Explica também a migração de jovens para Macapá, em busca de emprego. Apenas 26% dos
entrevistados nas comunidades declararam ser a atividade agropecuária a sua principal
ocupação.
O sistema produtivo agropecuário se baseia numa rede de exploração de diferentes
parcelas de terras. Ele contempla os quintais, as roças e as hortas de uma ou duas tarefas,12
compartilhados por várias pessoas, e as áreas de ilhas de mata, nas quais o solo favorece o
desenvolvimento da mandioca. Inclui ainda roças na mata de várzea, nas quais são cultivadas
frutas (manga, cupuaçu, jaca, mamão, goiaba, ameixeira) e se colhe açaí.
Poucos moradores criam gado bovino e bubalino (ou carneiros e cavalos), embora isso
faça parte da história da ocupação de Curiaú. Os comunitários tiram leite e, às vezes, fabricam
queijo. O mais comum é reservar o leite para o consumo próprio. No entanto, a pecuária tem
12
As tarefas são medidas de área, menores do que 1ha, variando entre 0,25 ha e 0,33 ha, dependendo da região
do estado.
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
124
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
importante papel social e cultural, uma vez que a comunidade doa rezes para as festas
religiosas. A criação de búfalos é uma atividade recente em Curiaú e é, em geral, mal vista,
por causa dos danos ao meio ambiente e às roças. Nos quintais se criam pequenos animais
(galinhas, porcos e patos), em números modestos. Existe o problema de atropelamento de
aves e suínos nas estradas da APA.
Depois da mandioca, o produto alimentar mais importante na economia da APA é o
fruto do açaí. Os moradores o consomem diretamente e o distribuem entre parentes. Às vezes,
é trocado com ou vendido para vizinhos. Menos significativos são o corte de madeira, a
extração da andiroba (Carapa guianensis) para a produção de óleo e a coleta de espécies
frutíferas da várzea. No cerrado, várias espécies são usadas para fins medicinais. Os
moradores tiram madeira e carvão das matas queimadas para a abertura de roças. Salvo em
Curralinho, onde a madeira é comercializada, ela é geralmente utilizada para fins domésticos
e como combustível nas casas de farinha.
O extrativismo animal, embora tenha diminuído bastante, tem papel importante na
alimentação dos moradores da APA, especialmente, na forma de peixes. A caça de animais
silvestres, além de ser proibida, está em decadência. O assunto foi abordado com reservas nas
oficinas. É difícil avaliar o quanto a caça contribui para a alimentação dos moradores.
Outro instrumento usado no diagnóstico foi a realização de entrevistas com pessoas-
chave, conhecedoras da realidade local, identificadas durante as oficinas. Esses entrevistados
não eram somente comunitários, mas também técnicos e profissionais que trabalham com a
APA. Outra forma de coleta de informações constou das visitas ao campo (de consultores,
técnicos de diversos órgãos do estado e universitários). Todas as comunidades da APA foram
visitadas. Houve ainda um sobrevôo para constatar os problemas ambientais.13
Foram identificadas e hierarquizadas ameaças à integridade da APA, juntamente com
os conflitos (ver quadro 4). O principal perigo identificado é a constante ameaça da pressão
antrópica exterior, que pode levar a uma descaracterização dos ambientes da APA e pôr em
risco a sobrevivência dos seus moradores. Outro perigo apontado foi a desestruturação
socioeconômica das comunidades da APA. Os comunitários se preocupam também com a sua
possível necessidade de migrar para outras áreas ou para Macapá, devido à impossibilidade de
continuar a viver na APA. Isso levaria, possivelmente, a problemas como desmatamento e
“favelização” de núcleos urbanos.
13
O relatório final (GARCIA e PASQUIS, 2000), detalhando todas as informações colhidas, foi submetido à
apreciação das comunidades. É importante destacar que o processo participativo aqui descrito de identificação
das atividades produtivas e dos problemas comunitários, assim como as propostas de zoneamento, não
explicitam a predominância de saberes “tradicionais” ou de aspectos “étnicos” diferenciais dos habitantes do
Curiaú. Tais saberes e aspectos certamente emergiram nas discussões e nas sugestões aqui relatadas,
coerentemente com as singularidades culturais dos habitantes do Curiaú. No entanto, estão registrados também
muitos outros traços culturais, “modernos”, oriundos da relativa integração das comunidades do Curiaú com os
demais amapaenses. A localização das comunidades na periferia de uma capital estadual com rápida expansão
populacional e espacial, como Macapá, atenua o isolamento dos seus habitantes em relação a uma cultura
amazônica-urbana mais mainstream. Em outras situações, no entanto, os saberes “tradicionais” e os traços
“étnicos” diferenciais, fora do mainstream, podem prevalecer nos processos participativos, ligados ou não a
unidades de conservação. Da vasta literatura a respeito da questão dos saberes “tradicionais” e do seu papel na
gestão de recursos naturais, destacamos Berkes (1996), Bertrand e Weber (1995), Diegues (2000), Gadgil, 2000,
e Johnson, Poulin e Grahan (2003).
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
125
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
Quadro 4
Riscos e conflitos identificados na APA do Rio Curiaú (*)
Problemas e riscos Conflitos Atores Localização
Habitantes dos bairros
próximos à APA;
Expansão urbana de Ocupação ilícita das
município de Macapá; Limite sul da APA
Macapá terras da APA
comunidades de
Mocambo e Curiaú
Conflito entre
propriedade coletiva e Incra, Terrap, Fundação
Área do quilombo,
Situação fundiária individual; ocupação Palmares, Sema,
comunidades de
indefinida ilícita por pessoas comunidades de Curiaú,
Curralinho e Mocambo
estranhas às Curralinho e Mocambo
comunidades
Ocupação ilícita das
terras da APA; Pessoas estranhas
Instalações permanentes concorrência no acesso provenientes da cidade Rio Pescada, beira do rio
de casas e fazendas na aos recursos naturais e ou de outros estados; Amazonas, faixa ao
apa uso indevido dos comunidades de Curiaú, longo da BR-210
mesmos; conflitos entre Curralinho e Mocambo
os moradores
Desenvolvimento de
Degradação dos recursos Champion e comunidade
atividades produtivas nas Limite norte da APA
naturais Casa Grande
proximidades da APA
Conflito no espaço e nos
recursos naturais,
degradação dos recursos
Desenvolvimento das Comunidades da APA e Na faixa ao longo da BR-
naturais, poluição,
atividades de lazer pessoas estranhas 210
desrespeito à cultura da
comunidade, roubo de
gado
Exploração
indiscriminada dos
Comunidades da APA e
Invasões descontroladas recursos naturais, Lagos, igarapés, matas
pessoas estranhas
retirada de madeira,
pesca predatória
Conflitos entre os
criadores de búfalos e os
Criadores e outros
Criação de bubalinos outros moradores, matas Comunidade de Curiaú
moradores
destruídas, plantações e
roças destruídas
Disposição inadequada e
Falta de controle e derrame de lixo, roubo Nas vias de acesso da
Sema, comunidades
fiscalização de gado, queimadas, comunidade
invasores
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.
14
Segundo o Snuc, o zoneamento de uma unidade de conservação é “a definição de setores ou zonas em uma
unidade de conservação com objetivos de manejo e normas específicos, com o propósito de proporcionar os
meios e as condições para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e
eficaz.” (CONSELHO NACIONAL..., 2000).
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
126
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
Quadro 5
Zonas identificadas na APA do Rio Curiaú
Unidade espacial equiproblemática Unidades de desenvolvimento
homogênea
Champion
“Cerrado” Cerrado
Curralinho
Curiaú Cidade
“Curiaú”
Curiaú Lago
Casa Grande Cerrado
“Casa Grande”
Casa Grande Várzea
Ribeirinha Mocambo
“Ribeirinha” Ribeirinha Várzea
Ribeirinha Pescada
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.
Figura 2
Zoneamento proposto para a Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú
A UEH de Casa Grande fica no limite norte da APA, compreendendo uma região de
transição entre cerrado e várzea. Engloba a comunidade de Casa Grande. Ela foi subdividida
em duas UDs: UD Casa Grande Cerrado, caracterizada pelo uso extensivo dos recursos do
cerrado e pela prática das queimadas para a produção agrícola; e a UD Casa Grande Várzea,
cuja principal característica é o avanço da agricultura sobre as ilhas de mata e florestas de
várzea. O seu maior problema é a derrubada da floresta para a agricultura.
A UEH Ribeirinha fica na faixa oriental da APA, às margens do rio Amazonas. Nela
encontram-se a única comunidade ribeirinha da APA (Mocambo) e duas localidades (Pirativa
e Fugitiva15). Os seus ecossistemas estão sofrendo a maior descaracterização registrada na
APA. É subdividida em três UDs: UD Ribeirinho Mocambo, que se caracteriza pela
comunidade do Mocambo e por fazendas agropecuárias, sofrendo influência direta do núcleo
urbano de Macapá; UD Ribeirinho Várzea, na faixa intermediária entre a região costeira e o
cerrado, a área mais preservada da APA; e a UD Ribeirinho Pescada, de campos inundáveis,
cujo principal problema é a degradação ambiental causada pela criação extensiva do búfalo.
Esse zoneamento, ao definir unidades territoriais com fisionomias, ocupação humana e
problemas assemelhados, revelou-se um instrumento importante para a elaboração do plano
de manejo e para o gerenciamento dos recursos da APA do Rio Curiaú. Porém, mesmo sem o
plano de manejo, o zoneamento é suficiente para ajudar as comunidades e a Sema na tomada
de decisões. Ele funciona como um zoneamento preliminar, já que não utilizou todas as
técnicas, mas apresenta a virtude de ter sido aceito pelas comunidades. Ele se transformou,
portanto, em um instrumento de planejamento da APA. Assim, esse zoneamento tem duas
forças principais – é acatado pelos atores e lhes fornece uma “sintonia fina” da divisão
socioespacial das diversas atividades.
Outro fato importante para a gestão participativa na APA foi a criação do seu
Conselho Gestor, instituído pelo Decreto no 3099, de 3 de outubro de 2001. Ele é exigido pelo
artigo 7o da Lei no 431/98, que determina que haja um representante de cada um dos seguintes
órgãos ou grupos: órgão estadual do meio ambiente, órgão estadual de cultura, cada uma das
comunidades residentes, Prefeitura Municipal de Macapá, Câmara Municipal de Macapá,
União dos Negros do Amapá, Grupo de Mulheres do Curiaú e Grupo de Jovens do Curiaú. A
nomeação dos conselheiros ocorreu em 6 de dezembro de 2001, através da Portaria no
253/2001 − Sema. A principal reivindicação do Conselho com relação à Sema, no momento
atual, é a instituição de uma gerência específica da APA, para agilizar os processos de sua
gestão.
Conclusão
Duas dimensões se destacam nesta análise dos processos participativos instituídos para
a gestão da APA do Rio Curiaú. Uma diz respeito à questão da presença humana numa UC, a
outra se refere às dificuldades institucionais de promover a participação social na gestão de
UCs. A Sema partiu de dois pressupostos: (1) o de que as comunidades devem ser envolvidas
na proteção e conservação dos recursos naturais e culturais da APA e (2) o de que os seus
interesses devem ser considerados como aliados no processo de gestão. Assim, o órgão
ambiental adotou uma metodologia que possibilitou a participação dos moradores e dos
órgãos atuantes na área na elaboração do planejamento da unidade. Isso suavizou os
obstáculos e atritos, permitindo um diagnóstico acurado e socialmente respaldado dos
problemas da unidade.
15
Estas duas localidades não foram consideradas comunidades, pois não existe infra-estrutura e elas são
compostas por apenas três famílias.
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
129
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
É importante ressaltar que as comunidades envolvidas não são iguais umas às outras,
nem concordam entre si sobre todos os pontos em pauta. Isso provoca outro tipo de tensão na
gestão participativa, ligada principalmente aos diferenciais de objetivos e de capital social
entre as comunidades. Elas têm problemas comuns, certamente, mas, no que se refere a
alternativas e a propostas de solução, fica evidente que em Curiaú de Fora, Curiaú de Dentro e
Extrema há maiores possibilidades materiais, verifica-se maior experiência organizativa,
melhor trabalho em grupo e mesmo uma certa desenvoltura, talvez, em virtude do seu sucesso
anterior na luta pela designação do território remanescente de quilombo. Nas demais
comunidades, o estímulo à participação deverá ter resultados diferentes. Observar os
resultados gerais do trabalho de gestão da APA fornecerá, com certeza, pautas para propor e
enfocar abordagens mais adequadas a essas outras comunidades.16
De toda forma, a implantação do planejamento participativo indica um
amadurecimento das comunidades e da própria Sema, com vistas à conservação dos recursos
naturais, à melhoria da qualidade de vida e à preservação da cultura das comunidades. Em
relação às comunidades, constatamos que a sua auto-organização se concretizou e produziu
resultados, pois de há muito reivindicavam participação na gestão da área. Para a Sema, a
experiência deve gerar subsídios úteis aos seus papéis de gestor de outras UCs amapaenses e
de formulador e implementador de outras políticas públicas.
Referências
BANCO MUNDIAL. El Banco Mundial y la participación. [S.l.], 1994.
BERKES, Fikret. Social systems, ecological systems and property rights. In: HANNA, S. et
al. (Ed.). Right to nature: ecological, economics, cultural and political principles of
institutions. Washington, DC: Island Press, 1996. p.87-107.
16
Ver Felippe e Drummond (2003) para um estudo a respeito dos diferenciais de capital social existentes entre
comunidades carentes bastante similares entre si e sujeitas aos mesmos problemas sociais e ambientais, bem
como das implicações disso no aproveitamento de oportunidades de investimentos e serviços públicos.
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
130
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond
DRUMMOND José Augusto; BRITO, Daguinete Maria Chaves; DIAS, Teresa Cristina
Albuquerque de Castro. Atlas das unidades de conservação do estado do Amapá. Macapá,
Secretaria de Meio Ambiente do Amapá; Gerência Executiva do Ibama no Amapá, 2005. CD-
ROM.
______; FRANCO, José Luiz de Andrade; NINIS, Alessandra Bortoni. O estado das áreas
protegidas no Brasil − 2005. Brasília, DF, 2006. Disponível em:
<http://www.unbcds.pro.br/pub/index.cfm?CODE=01&COD=27&X=219>.
FELIPPE, Carlos Artur; DRUMMOND, José Augusto. Capital social à beira da Baía de
Guanabara. Redes, v.8, n.3, p.155-215, set./dez. 2003.
JOHNSON, Martha C.; POULIN, Michel; GRAHAM, Mark. Towards an integrated approach
to the conservation and sustainable use of biodiversity: lessons learned from the Rideau River
Biodiversity Project. Human Ecology Review, v.10, n.1, 2003.
MMA − Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, IBAMA
− Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Roteiro
metodológico para gestão de área de proteção ambiental. Brasília, DF: Ibama/GTZ, 2001.