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RGSA – Revista de Gestão Social e Ambiental

Set. - Dec. 2007, V. 1, Nº. 3, pp. 112-131


www.rgsa.com.br

O PLANEJAMENTO E O ZONEAMENTO PARTICIPATIVOS: NOVOS


INSTRUMENTOS DE GESTÃO PARA AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DO
BRASIL (O CASO DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO RIO CURIAÚ −
AMAPÁ)∗

Daguinete Chaves Brito1


José Drummond2

Resumo
A gestão de unidades de conservação da natureza deve seguir as regras gerais da
administração pública. Como essas unidades intervêm no uso produtivo de recursos naturais, a sua
gestão tem importantes especificidades. Este estudo examina a criação e a gestão de uma unidade
estadual de uso sustentável – a Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú, em Macapá (Amapá),
no âmbito de um projeto da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA). Usa principalmente
materiais gerados pelo próprio processo de implantação da gestão participativa e discute
brevemente a literatura teórica e conceitual pertinente ao tema. O achado principal é que os
métodos participativos são instrumentos úteis para a gestão de unidades de uso sustentável, em que
atores sociais variados têm interesses legítimos estabelecidos em torno dos usos produtivos dos
recursos naturais, e que por isso devem participar das decisões que afetem o acesso a esses
recursos.

Palavras-chave: gestão ambiental; áreas de proteção ambiental; planejamento participativo;


zoneamento; unidades de conservação; comunidades remanescentes de quilombolas.

Abstract
The management of conservation units must follow the rules of general public
administration. As they affect the productive use of natural resources, however, their
management has quite specific traits. This text examines a state-created sustainable use
conservation unit, the Environmental Protection Area of Rio Curiaú, in the Brazilian state of
Amapá, in the Amazon region. It is based primarily on materials generated by the process of
starting up the participatory management itself and by the theoretical and conceptual literature
about the matter. The major finding is that participatory methods are useful instruments for
the management of these types of conservation units, in which many social actors have


Baseado principalmente em Brito (2003). Observações oriundas do trabalho de campo da autora principal estão
incorporadas a vários pontos do texto.
1
Mestre em Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. Departamento de Geografia, Universidade
Federal do Amapá. E-mail: dagnete@uol.com.br.
2
Professor Adjunto, Universidade de Brasília. Ph. D. em Land Resources, University of Wisconsin, Madison
(EUA). Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. E-mail: jaldrummond@uol.com.br.
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legitimate interests in the productive uses of the natural resources and should therefore be able
to provide inputs concerning decisions that affect their access to these resources.

Key words: environmental management; Amazon region; participatory planning; zoning;


conservation units; afro-descendant communities.

Introdução
Este artigo discute os resultados de um estudo sobre uma unidade de conservação
(UC) estadual de uso sustentável, situada em Macapá, Amapá, dando ênfase à questão da
participação social no desenho e na gestão das políticas públicas voltadas para áreas naturais
protegidas. O objeto de estudo é a Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Curiaú, cujos
traços principais são a homogeneidade social (a maioria dos habitantes descende de negros
escravos), o reconhecimento como terra remanescente de quilombo, o bom estado de
conservação dos ecossistemas, as pressões geradas pela expansão urbana de Macapá e o papel
das comunidades locais na preservação da natureza.
O estudo examina a implantação da gestão participativa da APA, entendida como a
construção de um espaço de discussão e entendimento entre diversos grupos sociais. A
participação social na gestão é abordada como um processo de negociação sociopolítica de
conflitos. Esse modo de gerir exige mudanças no próprio conceito e no funcionamento do
Estado brasileiro. Historicamente, no Brasil, os interesses econômicos mais fortes prevalecem
nas instâncias decisórias, pois as estruturas de governo são isoladas dos instrumentos
democráticos e são permeáveis aos atores socialmente mais fortes. Assim, as pequenas
comunidades locais raramente se constituem como atores da gestão dos interesses coletivos.
No atual panorama mundial de conservação da natureza, o Brasil vem se destacando
pela criação e pelo gerenciamento inovador de uma grande quantidade e variedade de UCs.
Como bens públicos, o seu gerenciamento segue as regras gerais da administração pública. No
entanto, a sua missão de evitar ou regulamentar o uso produtivo de bens públicos naturais cria
especificidades para a sua gestão (DRUMMOND; FRANCO; NINIS, 2006).
O texto busca identificar a dinâmica da interação entre os interesses em torno da APA
e assinalar as especificidades que a sua gestão requer. É relevante esse tipo de estudo, porque
havia no Brasil, em fins de 2005, 702 UCs federais das diversas categorias e outras 690 UCs
estaduais (total de 1.392), além de outras centenas de unidades municipais. Isso já configura
uma formidável tarefa de gerenciamento (DRUMMOND; FRANCO; NINIS, 2006). No
entanto, o número de UCs ainda tende a crescer muito, já que o Brasil está longe de cumprir
as suas metas de proteger com UCs, pelo menos, 10% de cada um dos seus biomas. Pretende-
se contribuir, portanto, para o melhor entendimento das exigências de gestão desse tipo de
bem púbico, a qual demandará cada vez mais energia e método.

A APA do Rio Curiaú − histórico e contexto


Esta seção traz um breve relato histórico da criação da UC e dos seus aspectos
naturais, humanos e institucionais. Ela pertence ao grupo de unidades de “uso sustentável”,
cujo objetivo é “compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela
dos seus recursos naturais” (CONSELHO NACIONAL..., 2000). Criada em 15 de novembro
de 1998, é a única APA do Amapá. É gerida pelo governo estadual, de acordo com os termos
da Lei Estadual no 431, de 15 de setembro de 1998.
A sua gestão teve várias fases. A primeira se abriu quando o antigo território do
Amapá tornou-se estado, em 1988. O Poder Executivo foi reestruturado, sendo criada a
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Coordenadoria Estadual de Meio Ambiente (Cema), em 12 de maio de 1989. Todas as UCs


criadas pelo antigo território passaram à responsabilidade da Seção de Unidades de
Conservação e Preservação da Cema (Decreto Estadual no 11/1989). A Cema, em resposta a
uma solicitação das comunidades residentes na área do Curiaú, propôs a criação de uma Área
de Relevante Interesse Ecológico (Arie). As Aries eram previstas pela Lei no 6.938, de 31 de
agosto de 1981. Porém, só foram consideradas UCs com a edição do Decreto no 89.336, de 31
de janeiro de 1984. A utilização dos seus recursos é regulada por normas do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama) (CONSELHO NACIONAL..., 2000). Visando acesso
aos recursos da Lei Sarney,3 a Cema alterou o caráter da Arie do Curiaú para a de Área de
Relevante Interesse Ecológico e Cultural (Ariec) do Curiaú, criada através do Decreto
Estadual no 24/1990, com uma área de aproximadamente 5.700ha. No entanto, esse tipo de
área protegida nunca constou oficialmente das categorias de UCs brasileiras. Por isso, a sua
legalidade foi nula.
As comunidades da área do Curiaú têm um histórico de luta pela preservação da sua
cultura e do seu ambiente natural. Mesmo com a criação da Ariec, a Cema não fez um
planejamento para a área. Assim, do ponto de vista da comunidade, a criação da Arie (ou
Ariec) foi insatisfatória e, no limite, um desserviço. Entre as justificativas para a criação da
Ariec, destacava-se o fato de que o espaço era habitado por descendentes de escravos negros,
representantes da cultura afro-brasileira. Outra justificativa é que a área abriga um dos mais
belos ambientes naturais do Amapá. No entanto, a Ariec tinha sérios problemas de concepção,
pois não abrangia toda a bacia do rio Curiaú. Além disso, o seu desenho deixava de fora
várias comunidades negras, abrangendo apenas Curiaú de Dentro e Curiaú de Fora.
Quando da realização do diagnóstico e do zoneamento participativos da APA do Rio
Curiaú (GARCIA; PASQUIS, 2000), ficou claro que havia conflitos entre as comunidades.
Curiaú é a denominação de duas comunidades localizadas próximo ao lago também chamado
Curiaú. As outras comunidades da APA não aceitavam sequer a denominação Ariec do
Curiaú, por entender que isso privilegiava apenas aquelas duas comunidades.
A partir das demandas das comunidades e da necessidade de proteger a bacia do rio
Curiaú, o governo estadual criou, pelo Decreto no 328, de 20 de março de 1992, uma
comissão especial de estudos para delimitar uma área destinada à preservação ecológica e
cultural das comunidades do Curiaú. Ela sugeriu a criação de uma APA abrangendo toda a
bacia do rio Curiaú. O governador revogou o Decreto no 24/90 e criou a APA do Curiaú,
através do Decreto Estadual no 1.417, de 28 de setembro de 1992, com uma área de quase
23.000ha. Na sua definição atual, as APAs devem ser unidades

extensas, com um certo grau de ocupação humana, dotadas de atributos


abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a
qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e têm como
objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de
ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
(CONSELHO NACIONAL..., 2000)

Em 28 de setembro de 1992, outro decreto do governo estadual, o de no 1.418, tombou


a Vila do Curiaú, afirmando que ela
representa significativa tradição de cultura popular, por abrigar comunidades
afro-brasileiras e outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional, e integra o Patrimônio Cultural do Estado, na forma do Art. 295,
item V da Constituição do Estado.

3
Lei no 7.505, de 2-7-1986, que trata de incentivos às artes e à cultura.
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Novamente apareceu nas alegações do governo a importância das comunidades do


Curiaú para a criação de normas de conservação da cultura e da natureza, e mais uma vez foi
descumprida a promessa de se implantar a gestão participativa na área. Na prática, esta foi
tratada apenas como um refúgio dotado de traços naturais e culturais singulares, no qual o
governo não realizou ações regulares de fiscalização e monitoramento. A Cema limitou-se a
fazer inventários preliminares da fauna e flora, sem conseguir impedir invasões (para retirada
de madeira, caça e pesca ilegais e construção de residências) e outras irregularidades, como
despejo de lixo e entulho.
Porém, a cultura e os recursos naturais da unidade foram conservados, mais por mérito
das comunidades do que das políticas estaduais. No entanto, continuaram os conflitos entre as
comunidades incluídas na APA. Para resolver esses conflitos, adequar os limites da área e
legitimar a criação da unidade, o governo do Amapá mandou à Assembléia Legislativa um
projeto de lei que alterava os limites da APA e o seu nome.4 Assim, foi reinstituída
oficialmente, em 15 de setembro de 1998, a Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú,
através da Lei Estadual no 431, com área de 21.676ha. A recriação da unidade levou em conta
dois fatores principais: (a) as pressões da expansão urbana desordenada de Macapá sobre a
bacia do rio Curiaú e (b) a preocupação com a integridade social e cultural das comunidades,
em especial, com os remanescentes de quilombos.
Um fato interveniente – e independente – foi a instituição da área de Remanescente de
Quilombo da Comunidade do Curiaú, com 3.321,89ha, ocorrida em 25 de novembro de 1999,
através do Título de Reconhecimento no 1/99, emitido pelo governo federal, representado pela
Fundação Cultural Palmares (FCP). Essa era uma reivindicação antiga das comunidades
negras. A decisão se baseou em um estudo realizado por antropólogos da Universidade
Federal do Pará, coordenados por Rosa Marin. Porém, apenas três comunidades ganharam
esse reconhecimento: Curiaú de Fora, Curiaú de Dentro e Extrema. Por causa disso, as
comunidades de Casa Grande e Curralinho, também formadas por descendentes de escravos
negros, sentem-se prejudicadas, e, atualmente, lutam para serem incluídas na área de
remanescente de quilombo.
De acordo com a cláusula segunda do título de reconhecimento, publicado no Diário
Oficial da União de 25 de novembro de 1999, o Quilombo do Rio Curiaú destina-se a
atividades extrativistas, agropecuárias e de preservação do meio ambiente, de modo a garantir
a auto-sustentabilidade da comunidade. Tem, ainda, o objetivo de preservar os seus aspectos
sociais, culturais e históricos.
Ocorreu no Curiaú, portanto, a sobreposição de ações de conservação ambiental e de
ações protetoras dos aspectos culturais de algumas comunidades. No entanto, os objetivos das
duas ações não eram conflitantes. São, na verdade, complementares.

Características naturais e sociais da APA do Rio Curiaú


A APA do Rio Curiaú tem 21.676,00ha e um perímetro de 47,34km. Fica no
município de Macapá, a aproximadamente 5km da capital do estado, entre os paralelos 00o
00´N e 00o 15´ N (figura 1). É cortada pelo meridiano 51o 00´ W. Os seus limites principais
são a comunidades de Campina Grande do Curiaú, ao norte; a Estrada de Ferro do
Amapá/Rodovia BR-156, a oeste; a cidade de Macapá, ao sul, e o rio Amazonas, a leste.
Abrange seis comunidades: Curiaú de Fora,5 Curiaú de Dentro, Casa Grande, Curralinho,

4
Tanto a Constituição Brasileira de 1988 (artigo 225, parágrafo 1o , inciso III) quanto a do Amapá determinam
que as UCs somente poderão ter a sua categoria e os seus limites alterados a partir de lei específica.
5
Também denominada de Curiaú de Baixo.
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Mocambo6 e Extrema,7 além de duas pequenas localidades, Pirativa e Pescada. Extrema se


formou em 2002 com famílias de outras comunidades. Mocambo é a única que não é
remanescente de quilombo. O acesso à APA se dá por várias estradas e por via fluvial (rio
Curiaú).
Figura 1
Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú
Principais aspectos

Fonte: Sema/AP (2003).

A história da formação das comunidades negras, segundo relatos dos moradores da


APA (registrados por Marin), remonta à época da construção da Fortaleza de São José de
Macapá, em fins do século XVIII. Escravos negros fugiram e se esconderam em regiões
próximas. Outra versão, também segundo as comunidades, coloca a origem das comunidades
nas atividades de um fazendeiro chamado Miranda, que teria levado para a região escravos
negros para cuidarem de seu gado. Um deles, Francisco Inácio, teria descoberto um lugar de
“bons ares” e condições favoráveis à pecuária. Quando Miranda morreu, as suas terras foram
partilhadas entre os escravos, cujos descendentes formaram as comunidades atuais. De toda
forma, a população local apresenta perfil étnico-cultural singular no Amapá (MARIN, 1997).
6
Também denominada de Torrão.
7
A denominação Extrema se explica pela sua localização no limite entre a APA e a frente de expansão urbana de
Macapá.
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A área tem paisagens marcantes pela beleza. Os visitantes se impressionam


principalmente com as águas e a flora do rio Curiaú. O sistema de drenagem é interligado,
com lagos temporários e permanentes, influenciados por regimes pluviais e de marés. Na
estiagem, as áreas inundadas se contraem. No período chuvoso, elas se ampliam. Os
principais lagos permanentes se chamam Bonito, Tapera e Buritizal.
A cobertura vegetal é outro traço notável da APA. Convivem três ecossistemas. Há
pequenas manchas de cerrado. Trata-se de uma das poucas amostras de cerrado oficialmente
protegidas no estado.8 A vegetação de cerrado apresenta uma cobertura aberta, composta por
espécimes arbóreos e arbustivos com pouca densidade e de baixo porte, muitos com aspecto
tortuoso. As queimadas são periódicas, causadas pelos moradores, como forma de limpeza
para os seus roçados. O cerrado amapaense apresenta poucas espécies florísticas, se
comparado aos cerrados do Brasil central ou à floresta amazônica de terra firme. As matas de
várzea, o segundo ambiente natural da APA, têm características ligadas à presença de
populações ribeirinhas e à fertilidade dos solos, usados para cultivos alimentares diversos. São
marcadas por outras ações antrópicas, como a extração de madeira, do açaí (Euterpe
oleracea), e de látex da seringueira (Hevea brasiliensis), entre outras. Ocorre também a pesca.
O terceiro ecossistema representado na APA são os campos de várzea, influenciados por
regimes pluviais e de marés. São compostos por um extenso sistema de canais e lagos
interligados, temporários ou permanentes. Abrigam estoques de peixes usados na alimentação,
embora a prática da pesca venha decaindo. Os campos servem ainda como pastagens naturais
e para as atividades turístico-recreativas, por conta de sua beleza (DRUMMOND; BRITO;
DIAS, 2005).
Com relação ao potencial produtivo da área, MARIN (1997) afirma que lagos e
várzeas ofereciam, até a década de 1980, grande fartura de peixes. Explica também que a
decadência da pesca não ocorreu em função de processos locais de crescimento demográfico,
mas sim por demandas ampliadas sobre os recursos e por mudanças nas relações das
comunidades com a natureza. Segundo os moradores, antes, a pesca era realizada apenas por
pessoas das comunidades locais e somente para a subsistência das famílias. Atualmente, a
atividade ocorre de forma mais impactante, com utilização de equipamentos inadequados,
além da participação de pescadores estranhos à comunidade. Para a autora, invasores
exploram intensamente os recursos do Curiaú, e

a ritmo rápido os direitos e usos estão alterando-se, sem controle dos


moradores do Curiaú. Embora eles mantenham forte valorização do trabalho
agrícola e das práticas aprendidas, envolvem-se, temporariamente, em
relações assalariadas, devido ao aumento de suas necessidades monetárias.
(MARIN, 1997, p.41)

Marin argumenta que não existe incompatibilidade entre os interesses econômicos e


sociais da população local e os objetivos de proteção da natureza. Segundo Garcia e Pasquis
(2000), a APA abriga apenas pequenos produtores familiares, cuja economia se baseia na
agricultura de subsistência, na pequena pecuária e no extrativismo vegetal e animal
(basicamente pesca). A forma de vida dessa população se associa à forma de posse e de
utilização da terra, expressa em três espaços de produção: a vila, ambiente residencial; a roça,
ambiente agrícola; e o ambiente natural, utilizado para o extrativismo e a exploração do
turismo.
Existem três tipos de propriedades na APA, de acordo com a Secretaria de Meio
Ambiente do Amapá. (GARCIA; PASQUIS, 2000):

8
A Reserva Extrativista do Rio Cajari é a única outra UC amapaense a conter trechos de cerrado.
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1. a propriedade particular, em que uma família trabalha a terra, principalmente, para


fins de subsistência;
2. a propriedade coletiva, representada pela área de remanescentes de quilombo; e
3. as propriedades públicas, em terras devolutas.

Com relação à propriedade e à utilização da terra, é importante ressaltar que existem


proprietários individuais que não fazem parte das comunidades locais, mas exercem
atividades agrícolas e pecuárias. Essas propriedades concentram-se a leste e a oeste da APA e
as atividades mais degradadoras do ambiente se concentram nelas.
Outro fato relevante foi a criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)
Retiro Paraíso, nos limites da APA, pela Portaria 86-N-IBAMA, de 6de agosto de 1997, com
área de 46,75ha. O seu proprietário apóia a conservação da APA, tendo feito parceria com as
comunidades (GARCIA; PASQUIS, 2000).
Segundo esses autores, a economia da APA se baseia em bens agrícolas de
subsistência. Entre outras atividades produtivas, há a pecuária, o extrativismo animal e o
extrativismo vegetal. A agricultura de subsistência supre parte das necessidades de
alimentação das comunidades. Adota técnicas rudimentares de cultivo em pequenas áreas, não
usa aditivos químicos e emprega queimadas. A produtividade é baixa e o desgaste dos solos é
rápido, o que estimula a ocupação contínua de novas áreas. Segundo Garcia e Pasquis (2000),
os principais cultivos são os de mandioca, de hortaliças, de melancia e o de maracujá.
A pecuária de pequena escala ocorre na terra firme e nos lagos, com criação de búfalos
(gradativamente substituídos por bovinos), cavalos e carneiros. As áreas de pastagem são
adequadas e têm baixo custo de manutenção. A substituição gradativa de gado bubalino pelo
bovino revela que as comunidades se importam com a sustentabilidade dos recursos naturais,
embora nem todos admitam que búfalos degradem o ambiente. O extrativismo animal ocorre
nos igarapés e nos campos inundáveis. Peixes de várias espécies integram a dieta local.
Mesmo proibida, a caça da fauna silvestre para consumo local afeta a cutia (Dasyprocta
azarae), o veado-campeiro (Ozotocerus bezoarticus) e a paca (Cuniculus paca). O
extrativismo vegetal se expressa no corte de árvores diversas para produção de madeira e na
coleta de açaí (Euterpe oleracea) nas florestas de várzea. O açaí é uma alternativa sustentável
de renda familiar, dependendo da forma de extração. Em menor escala, observa-se a extração
de andiroba (Carapa guianensis), para a produção de óleo. Nas áreas de cerrado, ocorre a
extração de algumas espécies, geralmente, para fins medicinais (BRITO, 2003; GARCIA;
PASQUIS, 2000).
Os moradores da APA vivem em condições precárias de educação e saúde. A
educação é sofrível, com falta de professores e dificuldades de acesso à escola. Há quatro
escolas municipais na APA; apenas três delas atendendo ao nível básico do ensino
fundamental. Curiaú de Dentro tem a escola mais bem estruturada, atendendo a alunos das
seis comunidades. Administrada pelo governo do estado, oferece ensino fundamental
completo. Não existem dados sobre o percentual de crianças fora da escola.
A saúde pública é ainda pior. Existe apenas um posto de saúde, quase sempre fechado,
com péssimas condições de atendimento, já que não tem médicos nem remédios. A população
se vale dos seus conhecimentos sobre plantas medicinais para se automedicar ou busca
atendimento médico-hospitalar na rede pública de Macapá.
A organização social e política na APA é fraca. Limita-se a duas associações de
moradores, uma em Casa Grande e outra na área remanescente de quilombo. Mocambo e
Curralinho não tinham estrutura formal de associação, por ocasião da estruturação da APA.
Existe ainda uma associação de mulheres e uma associação de jovens.
Um dos maiores problemas enfrentados pelas comunidades do Curiaú é a expansão da
malha urbana de Macapá. Além da especulação imobiliária, há ocupação e degradação de
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áreas no entorno da APA por populações de baixa renda, que buscam locais de moradia
barata. Os habitantes da APA tentam defender o seu território, inclusive, com a criação de
uma comunidade (Extrema) no limite da APA, visando inibir invasões.
Segundo Garcia e Pasquis (2000), é comum a substituição da vegetação original nas
áreas de entorno da unidade, como os extensos cultivos de eucaliptos e pinus da Empresa
Champion de Plantios Florestais - CHAMFLORA. Outro problema é o tratamento inadequado
do lixo por visitantes e moradores e das populações das áreas de entorno.9 Ocorrem
queimadas para abertura de roçados e a pesca predatória, geralmente, realizada por pessoas
estranhas às comunidades. Não-comunitários constroem residências de lazer nas margens dos
lagos. Por último, estradas ilegais estimulam invasões. Um problema potencial sério é a
perspectiva de deposição do manganês contaminado por arsênio (resíduos de atividades
industriais da empresa Icomi), prevista para ocorrer em uma área próxima ao limite norte da
APA.
Após essa revisão dos aspectos naturais e sociais da APA do Rio Curiaú, será
analisada a recente implantação do planejamento participativo.

Processos participativos em UCs no mundo e no Brasil


Internacionalmente, há um consenso crescente de que a participação é condição
necessária para o sucesso das estratégias de desenvolvimento sustentável. O Banco Mundial, a
partir de 1994, reconheceu que a participação fortalece o comprometimento das partes
interessadas, inclusive o dos governos, que passam a ter transparência na prestação de contas
e se esforçam mais para o emprego eficaz dos recursos (SOARES, 1998). Isso vale também
para atores sociais envolvidos na gestão do meio ambiente. No entanto, é arriscado idealizar
as virtudes da participação. Sempre existem conflitos entre os diversos segmentos sociais, que
têm interesses diferenciados e concepções distintas sobre a participação e a finalidade das
ações comunitárias e das políticas públicas.
É relativamente recente a incorporação da participação social nos projetos financiados
pelo Banco Mundial. Ela ocorreu apenas após pesadas críticas, formuladas no final dos anos
1980, aos fracos resultados de muitos investimentos feitos sem participação social. No início
da década de 1990, o banco criou um grupo de estudos para examinar a questão. Esse grupo
definiu que a participação seria um “processo através do qual as partes interessadas orientam
e controlam, em forma compartilhada, as iniciativas de desenvolvimento e as decisões e
recursos que os afetam” (BANCO MUNDIAL, 1994, p.1). O grupo concluiu que a inclusão
da participação implicaria mudanças profundas nas práticas do Banco Mundial. Porém,
segundo Soares (1998), o discurso do banco em relação à participação não é elemento
orgânico da instituição, principalmente, por causa da ausência de normas claras que oriente
procedimentos e desembolsos.
No Brasil, a discussão sobre gestão participativa, co-gestão ou gestão em parceria de
áreas naturais protegidas iniciou-se há cerca de 10 anos. O Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em parceria com a Cooperação
Técnica Alemã para o Desenvolvimento (GTZ), elaborou um texto que se tornou um marco
no assunto (IBAMA/GTZ, 1996). O seu objetivo era instruir o planejamento de UCs de uso
indireto.10 A recomendação principal era que o planejamento de UCs fosse participativo, de
forma que os interessados expressassem os seus pontos de vista sobre os diversos problemas.
Um segundo passo ocorreu em 1997, com a elaboração de um novo documento, também pela

9
Atualmente, a Sema coleta o lixo na APA do Rio Curiaú, semanalmente, tarefa que caberia à prefeitura de
Macapá.
10
Atualmente denominadas de unidades de conservação de proteção integral.
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parceria IBAMA/GTZ, (IBAMA/GTZ, 1997). De natureza conceitual, ele institucionalizou,


na esfera federal, a participação da sociedade no processo de gestão de áreas naturais
protegidas.
Em fins da década de 1990, várias iniciativas de gestão compartilhada ou participativa
de UCs federais e estaduais situadas em muitos pontos do Brasil estavam em curso. Samyra
Crespo e José Augusto Drummond fizeram uma revisão dos principais arranjos e tipos de
parceiros envolvidos em 15 dessas iniciativas, no contexto de um estudo propositivo sobre a
implantação de um esquema similar no Parque Nacional da Tijuca (CRESPO; DRUMMOND,
2000). Os autores constataram que, apesar de haver muitos problemas, a gestão compartilhada
estava em expansão e apontava para o fim de um modelo de gestão envolvendo
exclusivamente os órgãos ambientais.
Um passo importante na direção da gestão participativa de UCs foi a Lei no 9.985, de
18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza (Snuc). Ela melhorou as condições de proteção dos recursos naturais e de garantia
dos direitos de cidadania das populações tradicionais. O reconhecimento da importância das
populações tradicionais na conservação da natureza em UCs foi outro avanço da lei. Ela
dispensa a elas tratamento digno, ao considerá-las aliadas para a conservação da natureza.
Aparecem ainda as diretrizes de incorporar parceiros, principalmente, populações locais, no
processo de criação, planejamento e gestão das UCs.
Outro documento, publicado em 2001, reforça o apelo ao planejamento participativo.
Trata-se de um novo “roteiro metodológico”, específico para a gestão de APAs
(MMA/IBAMA, 2001). Ele afirma que os objetivos de uma APA serão atingidos somente
quando for instituído o planejamento participativo, que deve motivar a comunidade residente
e alcançar o “seu engajamento no processo de desenvolvimento e implantação da APA,
através de novas alternativas e oportunidades capazes de ampliar a sua qualidade de vida e
conservar a biodiversidade, além de propiciar o gerenciamento dos conflitos existentes e
potenciais” (MMA/IBAMA, 2001, p.38). Afirma ainda que o processo de gestão participativa
em UCs pode ser precedido pelo planejamento participativo, pois é a partir dele que se
incorporam os diversos atores envolvidos.

Resultados do autodiagnóstico e as suas implicações para a gestão participativa na APA


do Rio Curiaú
A gestão participativa da APA do Rio Curiaú está em construção. Aqui, descrevemos
uma experiência de planejamento participativo, anterior à gestão participativa. Foi iniciada em
1999, quando a Sema e as comunidades realizaram um diagnóstico da APA. Destaque-se que
participação era reivindicação antiga das comunidades. A própria Lei no 431/98, que instituiu
a unidade, previa a gestão participativa, pois o artigo 6o, inciso II, estabelecia que o
gerenciamento seguiria três diretrizes: “planejamento participativo e integrado; respeito às
diferenças de idéias e posicionamentos; legitimidade e solidariedade nas ações.” O princípio
do planejamento participativo da APA foi reforçado depois que o governo estadual implantou
na APA um projeto de ecoturismo. As comunidades consideraram o projeto alheio às suas
perspectivas de desenvolvimento social e econômico, já que não discutiram o projeto.
O diagnóstico mencionado, feito em 1999 e 2000, teve a participação das comunidades
e de órgãos atuantes na APA ou no seu entorno. A Sema fez um levantamento dos problemas
e potencialidades e propôs um zoneamento. A metodologia adotada associou técnicas de
autodiagnóstico, pesquisa bibliográfica, pesquisa de campo, entrevistas e observações de

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120
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

campo.11 O objetivo fundamental do diagnóstico e zoneamento participativos (DZP) é


estabelecer um diálogo entre os diferentes atores envolvidos na gestão de um território e no
uso dos seus recursos. Dessa forma, as populações podem expressar opiniões e projetos. Ele
incentiva a organização da comunidade territorial, por dar mais peso às suas propostas.
Simultaneamente, ela fortalece as instituições, dando mais legitimidade e eficácia às suas
intervenções.
Isso propiciou o confronto de vários tipos de dados e permitiu reunir informações de
natureza variada − dados históricos e geográficos, situações agronômicas, realidades
ambientais e opiniões de moradores. A primeira etapa do DZP ocorreu no primeiro semestre
de 1999, com a realização de uma oficina de nivelamento metodológico. Participaram
representantes das comunidades e técnicos da Sema, do Instituto de Pesquisas Científicas e
Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa), do Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá
(Rurap), da Secretaria de Estado de Agricultura, Pesca e Abastecimento (Seaf) e do Batalhão
Ambiental da Polícia Militar do Amapá. Em seguida, foram realizadas cinco oficinas de
diagnóstico e zoneamento nas comunidades da APA. Essas oficinas foram um primeiro passo
para obter informações sobre a unidade. Foram identificados os principais problemas e
apontadas propostas de solução. As oficinas deram origem a uma lista de problemas (ver
quadro 1), na sua maioria, comuns a todas as comunidades.

11
A metodologia foi desenvolvida pelo Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o
Desenvolvimento (Cirad), instituição da França. Ela é explicada por Garcia e Pasquis (2000).
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O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

Quadro 1
Problemas identificados nas comunidades da APA do Rio Curiaú, em oficinas de
autodiagnóstico
Problemas Problemas específicos
comuns a todas
as comunidades Curralinho
Casa Grande Curiaú de Dentro Curiaú de Fora
Problemas
Mocambo
Falta de Falta de
Comunicações transporte, de Apenas um
estrada, de
deficientes conservação da ônibus por dia;
(transporte,
Falta de telefone Transporte deficiente
rodovia e de estrada em más
transporte e de
estrada, telefone) telefones públicos condições telefone
e residenciais público
Falta ou
Falta de posto de Posto de saúde Falta de posto de Falta de posto de Problemas de
deficiência de
saúde deficiente saúde saúde saúde
posto de saúde
Escola deficiente;
Não há pré-
Escola deficiente inexistência de turmas
escola;
(estrutura de 5a à 8a série; Falta de
Falta de escola Falta de escola inexistência de
precária, sem insuficiência de professores
turmas de 5a à 8a
professores etc.) professores; infra-
série
estrutura precária
Falta de esgoto;
Falta de água
Falta de água Falta de coleta de abastecimento
Falta de coleta de tratada, de coleta
tratada, de coleta lixo, de água precário de água; lixo Falta de água
lixo e de água; de esgoto e de
de esgoto e de tratada e de deixado por turistas; tratada
lixo na estrada coleta de lixo;
coleta de lixo esgoto coleta de lixo
invasão do mato
deficiente
Falta de Falta de
Serviços Falta de posto segurança; falta fiscais, de
Invasões na Falta de segurança;
deficientes; falta policial; falta de de abastecimento
comunidade; iluminação precária; policiamento,
de segurança, igreja e de creche; de energia;
falta de problemas de de energia
falta de posto mercado problema de
segurança abastecimento elétrica e de
policial inexistente abastecimento
comercial comércio
Mau uso da APA;
problemas de
conservação,
desmatamento e Poluição
queimadas; pesca sonora;
Queimadas; predatória; falta
Problemas Necessidade de Queimadas e invasões para
invasões de de educação
ambientais ordenamento das casas desmatamentos a exploração
açaizais ambiental;
invasão dos do açaí e
açaizais; falta de pescado
policiamento e de
controle do
acesso à APA
Falta de
capacitação para
pequenos
projetos e para as Falta de
Necessidade de um Desunião
Outros problemas Roubo de gado
museu comunitária
mulheres documentos
atuarem na pessoais
fabricação e
comercialização
da farinha
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.

A etapa seguinte definiu as prioridades desses problemas. Eles foram agrupados em


dois grandes temas: (1) socioeconômicos e (2) agropecuários e/ou ambientais. Os problemas
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122
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

socioeconômicos são causados, basicamente, pela ausência de políticas públicas que deveriam
ser proporcionadas pelo Estado ou pelas condições socioeconômicas das comunidades locais.
O quadro 2 retrata os problemas prioritários de cada comunidade.

Quadro 2
Problemas socioeconômicos da APA do Rio Curiaú, ordenados por gravidade e por
comunidade, identificados nas oficinas de autodiagnóstico
Casa Grande Curiaú Curralinho Mocambo
Transporte precário e Transporte deficiente e
más condições das Falta de infra-estrutura Transporte deficiente más condições das
estradas estradas
Falta de projetos de Saúde (falta de
Falta de posto de saúde Falta de posto de saúde
ecoturismo profissionais),
Falta de mobilização
Falta de escola Deficiência escolar Deficiência escolar
cultural
- Poluição sonora Falta de telefone Falta de telefone
Falta de recursos Sistema de abastecimento
- -
econômicos precário
Necessidade da
capacitação de mulheres Saneamento básico
- -
para melhorar o comércio deficiente
da farinha de mandioca
Falta de policiamento e
- - Falta de segurança
de fiscalização
Falta de água e
- Poluição sonora
saneamento básico
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.

O panorama geral, embora comum em áreas rurais ou periurbanas do Brasil e da


Amazônia, é de graves carências. Os problemas com a saúde estão ligados às más condições
de higiene e de educação e à ausência de serviços médico-hospitalares. A dificuldade de
acesso à APA reflete a precariedade geral dos transportes amapaenses. Os telefones públicos
de algumas comunidades passaram a funcionar precariamente após a privatização da
concessionária. Foi constatado ainda que há muitos moradores analfabetos e que a maioria
deles não chega a ter a 6a série do ensino fundamental.
O autodiagnóstico também lista os problemas econômicos e produtivos das
comunidades da APA, assim como as potencialidades da área (ver uma lista de problemas por
comunidade, no quadro 3). Foram identificados plantas medicinais, recursos da fauna (peixes)
e, sobretudo, recursos da flora (açaí) com valor econômico, além de produtos agropecuários.
Os problemas de escoamento da produção aparecem como o principal obstáculo à
expansão da atividade agrícola. Outro problema − associado às atividades agropecuárias − é a
utilização inadequada dos recursos naturais, assim como diversas formas de poluição.

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O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

Quadro 3
Rankings dos problemas agropecuários e ambientais da APA do Rio Curiaú,
identificados nas oficinas de autodiagnóstico
Curiaú de Dentro e de
Casa Grande Curralinho Mocambo
Fora
Queimadas e Invasão para retirada
Queimadas Desmatamento
desmatamento de açaí e pesca
Baixa produção
agropecuária e Retirada de madeira por
Invasão da floresta -
extrativista; baixa pessoas estranhas
produção nos açaizais
Roubo de gado;
Inexistência de projetos
acidentes com animais Criação de búfalos -
agrícolas
nas estradas
Pastagens nativas
Invasões nos lagos insuficientes; degradação - -
das pastagens; erosão
Caça, captura e pesca
- desordenadas, realizadas - -
por estranhos
Baixa produtividade
- - -
agrícola
- Lixo - -
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.

A renda das famílias é muito baixa, chegando a um salário mínimo mensal, em média.
Quem ganha mais do que isso trabalha em lojas, lanchonetes e oficinas às margens da
rodovia. A maioria dos operários de Curiaú trabalha na prestação de serviços e na construção
civil. A maior parte da renda dos membros das comunidades vem de fora, em particular da
área urbana de Macapá, uma característica de periferias de áreas urbanas. A agricultura de
subsistência supre apenas parte das necessidades de alimentação, pois quase todas as famílias
compram alimentos em mercados de Macapá. Há dificuldades de comercialização e os preços
recebidos são irrisórios. Os poucos excedentes de tucupi, tapioca (goma), farinha e açaí são
vendidos a atravessadores.
Isso tudo explica o grande número de bares nas proximidades do lago, pois a renda
que geram é muito superior, mesmo com o funcionamento apenas sazonal (durante a cheia).
Explica também a migração de jovens para Macapá, em busca de emprego. Apenas 26% dos
entrevistados nas comunidades declararam ser a atividade agropecuária a sua principal
ocupação.
O sistema produtivo agropecuário se baseia numa rede de exploração de diferentes
parcelas de terras. Ele contempla os quintais, as roças e as hortas de uma ou duas tarefas,12
compartilhados por várias pessoas, e as áreas de ilhas de mata, nas quais o solo favorece o
desenvolvimento da mandioca. Inclui ainda roças na mata de várzea, nas quais são cultivadas
frutas (manga, cupuaçu, jaca, mamão, goiaba, ameixeira) e se colhe açaí.
Poucos moradores criam gado bovino e bubalino (ou carneiros e cavalos), embora isso
faça parte da história da ocupação de Curiaú. Os comunitários tiram leite e, às vezes, fabricam
queijo. O mais comum é reservar o leite para o consumo próprio. No entanto, a pecuária tem
12
As tarefas são medidas de área, menores do que 1ha, variando entre 0,25 ha e 0,33 ha, dependendo da região
do estado.
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O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

importante papel social e cultural, uma vez que a comunidade doa rezes para as festas
religiosas. A criação de búfalos é uma atividade recente em Curiaú e é, em geral, mal vista,
por causa dos danos ao meio ambiente e às roças. Nos quintais se criam pequenos animais
(galinhas, porcos e patos), em números modestos. Existe o problema de atropelamento de
aves e suínos nas estradas da APA.
Depois da mandioca, o produto alimentar mais importante na economia da APA é o
fruto do açaí. Os moradores o consomem diretamente e o distribuem entre parentes. Às vezes,
é trocado com ou vendido para vizinhos. Menos significativos são o corte de madeira, a
extração da andiroba (Carapa guianensis) para a produção de óleo e a coleta de espécies
frutíferas da várzea. No cerrado, várias espécies são usadas para fins medicinais. Os
moradores tiram madeira e carvão das matas queimadas para a abertura de roças. Salvo em
Curralinho, onde a madeira é comercializada, ela é geralmente utilizada para fins domésticos
e como combustível nas casas de farinha.
O extrativismo animal, embora tenha diminuído bastante, tem papel importante na
alimentação dos moradores da APA, especialmente, na forma de peixes. A caça de animais
silvestres, além de ser proibida, está em decadência. O assunto foi abordado com reservas nas
oficinas. É difícil avaliar o quanto a caça contribui para a alimentação dos moradores.
Outro instrumento usado no diagnóstico foi a realização de entrevistas com pessoas-
chave, conhecedoras da realidade local, identificadas durante as oficinas. Esses entrevistados
não eram somente comunitários, mas também técnicos e profissionais que trabalham com a
APA. Outra forma de coleta de informações constou das visitas ao campo (de consultores,
técnicos de diversos órgãos do estado e universitários). Todas as comunidades da APA foram
visitadas. Houve ainda um sobrevôo para constatar os problemas ambientais.13
Foram identificadas e hierarquizadas ameaças à integridade da APA, juntamente com
os conflitos (ver quadro 4). O principal perigo identificado é a constante ameaça da pressão
antrópica exterior, que pode levar a uma descaracterização dos ambientes da APA e pôr em
risco a sobrevivência dos seus moradores. Outro perigo apontado foi a desestruturação
socioeconômica das comunidades da APA. Os comunitários se preocupam também com a sua
possível necessidade de migrar para outras áreas ou para Macapá, devido à impossibilidade de
continuar a viver na APA. Isso levaria, possivelmente, a problemas como desmatamento e
“favelização” de núcleos urbanos.

13
O relatório final (GARCIA e PASQUIS, 2000), detalhando todas as informações colhidas, foi submetido à
apreciação das comunidades. É importante destacar que o processo participativo aqui descrito de identificação
das atividades produtivas e dos problemas comunitários, assim como as propostas de zoneamento, não
explicitam a predominância de saberes “tradicionais” ou de aspectos “étnicos” diferenciais dos habitantes do
Curiaú. Tais saberes e aspectos certamente emergiram nas discussões e nas sugestões aqui relatadas,
coerentemente com as singularidades culturais dos habitantes do Curiaú. No entanto, estão registrados também
muitos outros traços culturais, “modernos”, oriundos da relativa integração das comunidades do Curiaú com os
demais amapaenses. A localização das comunidades na periferia de uma capital estadual com rápida expansão
populacional e espacial, como Macapá, atenua o isolamento dos seus habitantes em relação a uma cultura
amazônica-urbana mais mainstream. Em outras situações, no entanto, os saberes “tradicionais” e os traços
“étnicos” diferenciais, fora do mainstream, podem prevalecer nos processos participativos, ligados ou não a
unidades de conservação. Da vasta literatura a respeito da questão dos saberes “tradicionais” e do seu papel na
gestão de recursos naturais, destacamos Berkes (1996), Bertrand e Weber (1995), Diegues (2000), Gadgil, 2000,
e Johnson, Poulin e Grahan (2003).
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O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

Quadro 4
Riscos e conflitos identificados na APA do Rio Curiaú (*)
Problemas e riscos Conflitos Atores Localização
Habitantes dos bairros
próximos à APA;
Expansão urbana de Ocupação ilícita das
município de Macapá; Limite sul da APA
Macapá terras da APA
comunidades de
Mocambo e Curiaú
Conflito entre
propriedade coletiva e Incra, Terrap, Fundação
Área do quilombo,
Situação fundiária individual; ocupação Palmares, Sema,
comunidades de
indefinida ilícita por pessoas comunidades de Curiaú,
Curralinho e Mocambo
estranhas às Curralinho e Mocambo
comunidades
Ocupação ilícita das
terras da APA; Pessoas estranhas
Instalações permanentes concorrência no acesso provenientes da cidade Rio Pescada, beira do rio
de casas e fazendas na aos recursos naturais e ou de outros estados; Amazonas, faixa ao
apa uso indevido dos comunidades de Curiaú, longo da BR-210
mesmos; conflitos entre Curralinho e Mocambo
os moradores
Desenvolvimento de
Degradação dos recursos Champion e comunidade
atividades produtivas nas Limite norte da APA
naturais Casa Grande
proximidades da APA
Conflito no espaço e nos
recursos naturais,
degradação dos recursos
Desenvolvimento das Comunidades da APA e Na faixa ao longo da BR-
naturais, poluição,
atividades de lazer pessoas estranhas 210
desrespeito à cultura da
comunidade, roubo de
gado
Exploração
indiscriminada dos
Comunidades da APA e
Invasões descontroladas recursos naturais, Lagos, igarapés, matas
pessoas estranhas
retirada de madeira,
pesca predatória
Conflitos entre os
criadores de búfalos e os
Criadores e outros
Criação de bubalinos outros moradores, matas Comunidade de Curiaú
moradores
destruídas, plantações e
roças destruídas
Disposição inadequada e
Falta de controle e derrame de lixo, roubo Nas vias de acesso da
Sema, comunidades
fiscalização de gado, queimadas, comunidade
invasores
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.

O Zoneamento participativo da APA do Rio Curiaú


Com base nas oficinas realizadas nas cinco comunidades, foi feito também um
zoneamento14 para a APA, utilizando-se a mesma metodologia. Esta seção avalia os
resultados desse zoneamento.

14
Segundo o Snuc, o zoneamento de uma unidade de conservação é “a definição de setores ou zonas em uma
unidade de conservação com objetivos de manejo e normas específicos, com o propósito de proporcionar os
meios e as condições para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e
eficaz.” (CONSELHO NACIONAL..., 2000).
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126
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

Nas oficinas de diagnóstico, a comunidade reconhecia o seu próprio espaço


geográfico, identificando os seus usos. A proposição desse zoneamento partiu do princípio de
que o zoneamento deve resultar, antes de tudo, de um acordo entre as comunidades (que
exercem as atividades produtivas) e os gestores (que têm o conhecimento técnico das áreas e
dos recursos explorados).
O zoneamento foi submetido à aprovação das comunidades. Os objetivos principais
foram diagnosticar o estado dos principais ambientes naturais (estrutura, dinâmica e fluxos),
os seus usos e os seus principais problemas. O resultado se traduziu na delimitação de zonas
com características e problemas assemelhados, as “Unidades Espaciais Equiproblemáticas
Homogêneas” (UEHs). Essas unidades fornecem informações para definir critérios e
indicadores, levando-se em conta a vulnerabilidade de seus ecossistemas (GARCIA;
PASQUIS, 2000).
A proposta de zoneamento criou quatro grandes unidades ou UEHs, subdivididas em
“unidades de desenvolvimento”, as UDs. Estas são unidades espaciais nas quais o uso e a
exploração dos recursos naturais traduzem uma área homogênea, com mínima variabilidade
em relação à escala cartográfica. Elas têm especificidade dentro da respectiva UEH. O quadro
5 traz os nomes dessas unidades e a figura 2 as ilustra espacialmente.

Quadro 5
Zonas identificadas na APA do Rio Curiaú
Unidade espacial equiproblemática Unidades de desenvolvimento
homogênea
Champion
“Cerrado” Cerrado
Curralinho
Curiaú Cidade
“Curiaú”
Curiaú Lago
Casa Grande Cerrado
“Casa Grande”
Casa Grande Várzea
Ribeirinha Mocambo
“Ribeirinha” Ribeirinha Várzea
Ribeirinha Pescada
Fonte: adaptado de Garcia e Pasquis, 2000.

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127
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

Figura 2
Zoneamento proposto para a Área de Proteção Ambiental do Rio Curiaú

Fonte: Garcia e Pasquis, 2000.

Examinemos breves detalhes desse zoneamento. A UEH do Curiaú abrange as


comunidades de Curiaú de Dentro, Curiaú de Fora e Extrema, equivalendo praticamente ao
remanescente de quilombo instituído pela Fundação Palmares. Os seus principais ambientes
naturais são lagos, campos inundáveis e cerrado. Ela foi subdividida em duas UDs: UD
Curiaú Cidade, onde ocorrem todos os problemas de pressão urbana, e UD Curiaú Lago, onde
ocorrem pesca nos lagos, agricultura nas ilhas de mata e bubalinocultura.
A UEH do Cerrado fica ao longo da Estrada de Ferro do Amapá, limitando-se com a
plantação florestal da Champion e abrangendo a comunidade do Curralinho e médios
proprietários individuais. O seu principal ecossistema é o cerrado, entrecortado por matas de
galerias e cursos de rios. Ela foi subdividida em três UDs: UD Curralinho, com graves
problemas de invasão; UD Cerrado, onde não existe qualquer comunidade, sendo porém a que
sofre maior invasão, mais extensa ocupação ilícita e o uso mais predatório dos recursos; e a
UD Champion, caracterizada pelo impacto do plantio comercial de árvores em larga escala e
pela constante ocorrência de fogo.

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128
O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

A UEH de Casa Grande fica no limite norte da APA, compreendendo uma região de
transição entre cerrado e várzea. Engloba a comunidade de Casa Grande. Ela foi subdividida
em duas UDs: UD Casa Grande Cerrado, caracterizada pelo uso extensivo dos recursos do
cerrado e pela prática das queimadas para a produção agrícola; e a UD Casa Grande Várzea,
cuja principal característica é o avanço da agricultura sobre as ilhas de mata e florestas de
várzea. O seu maior problema é a derrubada da floresta para a agricultura.
A UEH Ribeirinha fica na faixa oriental da APA, às margens do rio Amazonas. Nela
encontram-se a única comunidade ribeirinha da APA (Mocambo) e duas localidades (Pirativa
e Fugitiva15). Os seus ecossistemas estão sofrendo a maior descaracterização registrada na
APA. É subdividida em três UDs: UD Ribeirinho Mocambo, que se caracteriza pela
comunidade do Mocambo e por fazendas agropecuárias, sofrendo influência direta do núcleo
urbano de Macapá; UD Ribeirinho Várzea, na faixa intermediária entre a região costeira e o
cerrado, a área mais preservada da APA; e a UD Ribeirinho Pescada, de campos inundáveis,
cujo principal problema é a degradação ambiental causada pela criação extensiva do búfalo.
Esse zoneamento, ao definir unidades territoriais com fisionomias, ocupação humana e
problemas assemelhados, revelou-se um instrumento importante para a elaboração do plano
de manejo e para o gerenciamento dos recursos da APA do Rio Curiaú. Porém, mesmo sem o
plano de manejo, o zoneamento é suficiente para ajudar as comunidades e a Sema na tomada
de decisões. Ele funciona como um zoneamento preliminar, já que não utilizou todas as
técnicas, mas apresenta a virtude de ter sido aceito pelas comunidades. Ele se transformou,
portanto, em um instrumento de planejamento da APA. Assim, esse zoneamento tem duas
forças principais – é acatado pelos atores e lhes fornece uma “sintonia fina” da divisão
socioespacial das diversas atividades.
Outro fato importante para a gestão participativa na APA foi a criação do seu
Conselho Gestor, instituído pelo Decreto no 3099, de 3 de outubro de 2001. Ele é exigido pelo
artigo 7o da Lei no 431/98, que determina que haja um representante de cada um dos seguintes
órgãos ou grupos: órgão estadual do meio ambiente, órgão estadual de cultura, cada uma das
comunidades residentes, Prefeitura Municipal de Macapá, Câmara Municipal de Macapá,
União dos Negros do Amapá, Grupo de Mulheres do Curiaú e Grupo de Jovens do Curiaú. A
nomeação dos conselheiros ocorreu em 6 de dezembro de 2001, através da Portaria no
253/2001 − Sema. A principal reivindicação do Conselho com relação à Sema, no momento
atual, é a instituição de uma gerência específica da APA, para agilizar os processos de sua
gestão.

Conclusão
Duas dimensões se destacam nesta análise dos processos participativos instituídos para
a gestão da APA do Rio Curiaú. Uma diz respeito à questão da presença humana numa UC, a
outra se refere às dificuldades institucionais de promover a participação social na gestão de
UCs. A Sema partiu de dois pressupostos: (1) o de que as comunidades devem ser envolvidas
na proteção e conservação dos recursos naturais e culturais da APA e (2) o de que os seus
interesses devem ser considerados como aliados no processo de gestão. Assim, o órgão
ambiental adotou uma metodologia que possibilitou a participação dos moradores e dos
órgãos atuantes na área na elaboração do planejamento da unidade. Isso suavizou os
obstáculos e atritos, permitindo um diagnóstico acurado e socialmente respaldado dos
problemas da unidade.

15
Estas duas localidades não foram consideradas comunidades, pois não existe infra-estrutura e elas são
compostas por apenas três famílias.
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O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

É importante ressaltar que as comunidades envolvidas não são iguais umas às outras,
nem concordam entre si sobre todos os pontos em pauta. Isso provoca outro tipo de tensão na
gestão participativa, ligada principalmente aos diferenciais de objetivos e de capital social
entre as comunidades. Elas têm problemas comuns, certamente, mas, no que se refere a
alternativas e a propostas de solução, fica evidente que em Curiaú de Fora, Curiaú de Dentro e
Extrema há maiores possibilidades materiais, verifica-se maior experiência organizativa,
melhor trabalho em grupo e mesmo uma certa desenvoltura, talvez, em virtude do seu sucesso
anterior na luta pela designação do território remanescente de quilombo. Nas demais
comunidades, o estímulo à participação deverá ter resultados diferentes. Observar os
resultados gerais do trabalho de gestão da APA fornecerá, com certeza, pautas para propor e
enfocar abordagens mais adequadas a essas outras comunidades.16
De toda forma, a implantação do planejamento participativo indica um
amadurecimento das comunidades e da própria Sema, com vistas à conservação dos recursos
naturais, à melhoria da qualidade de vida e à preservação da cultura das comunidades. Em
relação às comunidades, constatamos que a sua auto-organização se concretizou e produziu
resultados, pois de há muito reivindicavam participação na gestão da área. Para a Sema, a
experiência deve gerar subsídios úteis aos seus papéis de gestor de outras UCs amapaenses e
de formulador e implementador de outras políticas públicas.

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16
Ver Felippe e Drummond (2003) para um estudo a respeito dos diferenciais de capital social existentes entre
comunidades carentes bastante similares entre si e sujeitas aos mesmos problemas sociais e ambientais, bem
como das implicações disso no aproveitamento de oportunidades de investimentos e serviços públicos.
RGSA – www.rgsa.com.br V.1, Nº. 3 – set. /dec. 2007
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O Planejamento e o Zoneamento Daguinete / Drummond

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