Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ensaio Bibliográfico
a
Doutorando no Programa de Pós-graduação em Antropologia (PPGA) da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bolsista do CNPq. E-mail:
cleonardobarros@gmail.com.
ANTHROPOLÓGICAS 25(1):195-210, 2014
198
Ensaio Bibliográfico
ponível para o caso brasileiro (ver Campos & Mariz 2014; e Motta
2010), movimentos intelectuais hindus esforçam-se em ‘proteger’ os
‘incautos’ convertidos ao pentecostalismo de perderem sua identidade
indiana. Roberts no mostra, no entanto, como os convertidos ao pen-
tecostalismo não se acham menos indianos por conta de sua conver-
são. Não se consideram ocidentalizados. Mohan, um de seus infor-
mantes, lhe diz em uma de suas entrevistas:
“As pessoas que dizem rejeitar o Cristianismo por ser estrangeiro
também rejeitam lâmpadas fluorescentes porque elas vêm do Oci-
dente? Rejeitam andar de avião? Não. Estas coisas pertencem a todo
mundo” (2:278)11.
Aqui está mais uma questão que pode ser colocada na conta de
uma ideologia baseada no secularismo, o status de crença dada à reli-
gião, ao invés do status de conhecimento. Para Mohan, diz Roberts,
“o cristianismo não poderia ser ocidental... porque era verdade – e,
portanto, nunca poderia ser propriedade de alguém ou de algum lu-
gar” (2:278)12. A relação dos convertidos com os ensinamentos cris-
tãos, segundo os próprios convertidos informantes de Roberts, é enca-
rada “não como uma aprovação de um sistema de valor culturamente
específico, mas como o reconhecimento de uma verdade verificável”
(2: 278)13. Em outras palavras, entender o processo de conversão como
conhecimento (e, portanto, como verdade) guia o pesquisador, ao in-
vés de lançar um olhar de suspeição à fala do sujeito de pesquisa,
levá-lo a sério, e ir atrás do processo pelo qual o fiel adquiriu o co-
nhecimento, analisando-o: a frequência aos cultos, os rituais de cura,
as escolas bíblicas, os treinamentos de liderança, o aprendizado das
músicas, entre outros processos entendidos como disciplinas do self
adquiridas pelo convertido.
Compreender a conversão como o alistamento em um regime de
subjetivação em andamento, entrega à noção de conversão uma ideia
de processo. Vê-se aí uma diferença em relação à noção de conver-
são apresentada por Robbins (1). Este último nos apresenta uma rup-
tura imediata e definitiva com o passado apresentada nas narrativas
203
ANTHROPOLÓGICAS 25(1):195-210, 2014
Considerações finais
Ao longo deste trabalho, comecei mostrando como Robbins (1)
apresenta os motivos pelos quais o conceito de conversão tem sido ne-
gligenciado: principalmente devido a uma hermenêutica da suspeita
levada a cabo pela maioria dos pesquisadores, e pelo foco da teoria
antropológica na continuidade em detrimento das mudanças cultu-
rais. Depois, mostrei como os autores escolhidos para compor este
ensaio bibliográfico entendem a noção de conversão. Como categoria
empírica, então, a conversão se apresenta nas narrativas dos fieis como
207
ANTHROPOLÓGICAS 25(1):195-210, 2014
Notas
1
Os artigos a serem comentados neste ensaio bibliográfico estão aqui dispostos na
ordem em que aparecerão ao longo do texto e serão citados conforme a numeração
aqui atribuída. Outros trabalhos serão citados como apoio aos argumentos levan-
tados ao longo do texto, mas suas referências serão apresentadas nas referências
bibliográficas.
2
“…cultural anthropologists have for the most part either argued or implied that
the things they study—symbols, meanings, logics, structures, power dynamics, etc.—
have an enduring quality and are not readily subject to change” (1:09).
3
Todas as traduções de trechos dos artigos foram feitas pelo ensaísta.
4
“Christian converts tend to represent the process of becoming Christian as one
of radical change” (1:11).
5
“… however long it takes to get there, is always an event, a rupture in the time
line of a person’s life that cleaves it into a before and after between which there is a
moment of disconnection” (1:12).
6
“It is steady and regular and supports a model of the world in which continuity
is the default assumption” (1:12).
208
Ensaio Bibliográfico
7
“… by means of which people’s claims to discontinuity are shown to be incorrect
and to mask more fundamental continuities” (1:12).
8
“these arguments assert that, while converts may dress up their speech and behav-
ior in the clothes of Christian change, underneath them they are the same people
pursuing goals fully recognizable from within their traditional cultures” (1:12).
9
“... unpack the moral psychology implied in the idea that conversion is a ‘colo-
nization of consciousness’, an idea I argue is rooted in a secular liberal model of the
self and of religion” (2:272).
10
“why her subjective interests at one moment in time, point A, are truly ‘her own’
whereas those she conceives at point B are not” (2:276).
11
“‘Do [people who reject Christianity as foreign] also reject tube lights because
they come from the West?’ he laughed, ‘do they refuse to believe in airplanes? No!
These things belong to everyone’. Christianity could not be western, according to
Mohan, because it was true – and therefore could never be the property of any one
people or place” (2:278).
12
“Christianity could not be western, according to Mohan, because it was true –
and therefore could never be the property of any one people or place” (2:278)
13
“Like other Pentecostals I interacted with Mohan understood his relationship to
Christian teachings not as the assent to a culturally-specific value system, but as the
recognition of verifiable truth” (2:278).
14
“Being a Christian in this context also entailed unlearning all manner of worldly
habits and undertaking various physically difficult austerities such as regular fasting
and lengthy prayer sessions.” (2:285)
15
“It can imply that movement of the self toward charismatic conviction is an
ongoing process, albeit one described by a rhetoric of spontaneous transformation”
(4:17).
16
Ver Campos & Mauricio Junior (2012, 2013) para um detalhamento do processo
de modelagem de subjetividades dos crentes da Assembleia de Deus. Para uma etno-
grafia do processo de constituição do líder carismático, ver Mauricio Junior (2014)
17
“Missionization is not merely a matter of attempting to transform the potential
convert, but also-perhaps even primarily means of recreating or reconverting the
charismatic self” (4:17).
Referências
ASAD, Talal. (2003). Formations of the Secular: Christianity, Islam, Modernity. Stanford,
CA: Stanford University Press.
BIALECKI, John, HAYNES, Naomy & ROBBINS, Joel. 2008. “The Anthropology
of Christianity”. Religion Compass 2(6):1.139-1.158.
209
ANTHROPOLÓGICAS 25(1):195-210, 2014
210