UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL – CAMPUS CHAPECÓ
CURSO: LETRAS PORTUGÊS-ESPANHOL
COMPONENTE CURRICULAR: HISTÓRIA DA FRONTEIRA SUL DOCENTE: FERNANDO VOJNIAK
RESENHA Elite sangrenta
Cintia Maria Vicente
Luis Fernando de Souza Borges
HASS, Monica. O linchamento que muitos querem esquecer: Chapecó, 1950-1956.
Chapecó: Argos, 2013.
Monica Hass possui graduação em Comunicação Social (Jornalismo) pela UFSC
(1986), especialização em Teoria e Pesquisa Histórica no Brasil República pela PUC-SP (1993), mestrado em Sociologia Política pala UFSC (1994) e doutorado em Sociologia Política para UFSC (2006). Atualmente, é professora adjunta da UFFS-Chapecó e integra o programa de pós-graduação em História. Entre seus temas de pesquisa, destacam-se: poder local, governança, políticas públicas urbanas, desenvolvimento urbano sustentável, associativismo e movimentos sociais. O livro ora resenhado teve sua primeira edição lançada no ano 2000 e causou grande repercussão em Chapecó, pois aborda um tema que, como diz o título, “muitos querem esquecer”, já que trata de uma história extremamente violenta, orquestrada pelas elites locais associadas com a igreja católica e poder judiciário. Os acontecimentos relatos no livro ocorreram em outubro de 1950 e dizem respeito à prisão, tortura e linchamento de quatros homens que, depois de haverem sido “trucidados por tiros, facadas e pauladas”, tiveram os seus corpos arrastados, “empilhados e incinerados” (p. 21). A forma com que Hass retratou o linchamento foi bastante profícua, pois ela buscou inseri-lo dentro da dinâmica de colonização de Chapecó, ressaltando os traços conservadores da política local, calcada no mandonismo alicerçado no poder econômico e na violência física. Assim, para contar a história deste crime brutal, Hass dividiu o seu livro em três partes: Parte I – O poder local chapecoense e o espaço da violência; Parte II – Um olhar sobre Chapecó na década de 1950; e Parte III – O carnaval de 1950: quando é anunciada a vingança. Na primeira parte do livro a autora traça um retrato da colonização do oeste catarinense e da criação do município de Chapecó, em 1917. Ao fazer esse retrato, Hass destaca o papel da violência intrínseca à colonização e o papel das elites locais vinculadas às empresas colonizadoras. Além disso, ressalta também o papel da Igreja Católica no processo de colonização como “aliada dos donos do poder local, a fim de promover o desenvolvimento” (p. 42). Por fim, a autora busca circunscrever o crime, ocorrido em outubro de 1950, dentro de um cenário de aceleradas mudanças no cenário econômico, político e social da cidade entre os anos 1940-1950. De acordo com Hass, Chapecó experimentou, entre os anos 1940-1950, um acelerado crescimento populacional que “trouxe para a região profissionais urbano-liberais que começaram a disputar o poder local com a fração política ligada ao comércio de terras e à extração florestal” (p. 44). Além das mudanças no perfil econômico-populacional da região, propiciadas pela chegada de novos profissionais e o desenvolvimento do comércio e da indústria, Hass também salienta o papel da política nacional na reconfiguração do poder político local, com destaque ao período pós-1945, com o fim do Estado Novo, de Getúlio Vargas, e a criação de novos partidos políticos, inaugurando a fase pluripartidária da política na região. Durante os primeiros anos da fase pluripartidária, as elites tradicionais, lideradas por Serafim Enoss Bertasso, coronel vinculado às companhias colonizadoras e a indústria madeireira, organizaram-se em torno do Partido Social Democrático (PSD) e dominaram a política municipal até 1950, quando foram derrotados nas eleições municipais pelo grupo opositor organizado em torno do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Social Progressista (PSP). Segundo Hass, a quebra da hegemonia política das elites tradicionais nas eleições de outubro de 1950 trouxe consequências que mudariam a história da comunidade chapecoense.
A perseguição aos adversários políticos e o uso da coação física e moral, até
mesmo com a ajuda de “capangas”, características do mandonismo local, acabaram gerando uma grande tragédia treze dias após o pleito eleitoral: o linchamento de quatros homens na cadeia pública de Chapecó e a ameaça de morte a pessoas que procuravam defendê-los [...] No desenrolar dos fatos que resultaram no linchamento, evidenciou-se aspectos de conflito entre partidos políticos, frutos de resquícios da campanha eleitoral que resultou na perda do comando municipal do PSD. Isso pode ser constatado pelos seguintes fatos: dois presos que foram mortos, os irmão Lima, estavam ligados ao PTB (partido que iria assumir o comando da prefeitura municipal); o advogado Roberto Machado, que tentou defendê- los, à UDN (com que o PTB está coligado); e o delegado de polícia, Arthur Argeu Lajus, responsável pelas prisões, ao PSD (partido ameaçado de perder o comando da politica local). (p. 48)
De acordo com o relato de Hass, as reflexões suscitadas acima, de que as motivações
para o linchamento estão umbilicalmente vinculadas à quebra da hegemonia política do grupo organizado em torno do PSD, não fazem parte da versão inicial da história e tampouco da versão oficial, que explica o linchamento como uma espécie de vingança coletiva àqueles que ateavam “fogo na cidade” para aproveitarem-se dos tumultos e saquearem residências e estabelecimento comerciais; e que o estopim para revolta da população teria se dado com o incêndio da na Igreja Católica da cidade. Na segunda parte do livro, a autora faz um pequeno balanço sobre as mudanças urbano-culturais de Chapecó, tanto do ponto de vista do incremento de novos estabelecimentos comerciais a industriais disponíveis para a população, quanto do ponto de vista da criação de novos espaços de lazer, como clubes recreativos e bares, e da criação de espaços de formação escolar. Todavia, como ressalta Hass, esses novos espaços de lazer e formação educacional estavam endereçados à elite chapecoense, que a partir de então “passou a frequentar lugares só dela”. Por fim, a terceira e última parte do livro, que trata propriamente dos eventos ocorridos em torno do linchamento, é a mais extensa, abrangendo cerca de 2/3 do livro, e tem um caráter jornalístico, pois relata a sequência temporal dos fatos, identificando os personagens envolvidos no caso, trazendo à tona peças do processo judicial, relatos orais de daqueles que participaram ou testemunharam o linchamento e repercussões do caso na imprensa local e nacional, com destaque para a revista “O Cruzeiro”, principal revista nacional nos anos 1950, que fez uma reportagem sobre o caso em 11 de novembro de 1950.