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SANTO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274)

SUMA DE TEOLOGIA,
PRIMEIRA PARTE,
QUESTÃO SEGUNDA,
ARTIGO TERCEIRO:

SE DEUS EXISTE

Quanto ao terceiro, procede-se assim: parece que Deus não existe.

1. Porque, se um dos contrários fosse infinito, destruiria totalmente o


outro. Mas é inteligido no nome “Deus” que é um bem infinito. Se,
portanto, Deus existisse, nenhum mal se encontraria. Ora, encontra-se mal
no mundo. Logo, Deus não existe.

2. Além disso, o que se pode realizar (compleri) por menos


princípios, não se faz por mais. Mas parece que todas as <coisas> que
aparecem no mundo podem ser realizadas por outros princípios, suposto
que Deus não existe, porque as que são naturais se reduzem ao princípio
que é a natureza; as que são, porém, a partir de um propósito se reduzem ao
princípio que é a razão humana ou a vontade. Portanto, nenhum
necessidade existe de admitir que Deus existe.

Mas contra é que é dito <Êxodo, 3, 14> pela pessoa de Deus: Eu sou
Aquele que sou (Ego sum qui sum).

Respondo. Deve-se que pode ser provado por cinco vias que Deus
existe. Ora, a primeira via - e a mais manifesta - é a que é tomada do
movimento (motus). Pois é certo e aparece ao<s> sentido<s> que algumas
<coisas> estão em movimento (movetur) neste mundo. Ora, tudo que está
em movimento está em movimento a partir de outra coisa (ab alio). Pois
nada está em movimento, senão segundo está em potência para aquilo para
que está em movimento; algo move, porém, segundo está em ato. Pois
mover nada outro é que eduzir (educere) algo da potência ao ato; ora algo
não pode ser reduzido (reduci) da potência ao ato senão por algo que existe
em ato; assim, o cálido em ato, como o fogo, faz a madeira, que é cálida em
potência, ser cálida em ato, e, por isso, move-a e altera-a. Ora, não é
possível que o mesmo esteja simultaneamente em ato e em potência
segundo o mesmo <aspecto>, mas somente segundo diversos, pois o que é
cálido em ato não pode, simultaneamente, ser cálido em potência, mas é,
simultaneamente, frio em potência. É impossível, portanto, que algo seja
movente e movido segundo o mesmo <aspecto> e o mesmo modo, ou que
mova a si mesmo. Portanto, é preciso que tudo que está em movimento seja
movido por outro. Se, portanto, aquilo pelo que é movido está em
movimento, é preciso que aquilo seja movido por outro, e isto por outro.
Ora, aqui não se pode proceder ao infinito, porque, assim, não existiria
algum primeiro movente, e, em consequência, nem algum outro movente,
porque os moventes segundos não movem senão porque são movidos pelo
primeiro movente, assim como o bastão não move, senão porque é movido
pela mão. Logo, é necessário chegar a um primeiro movente, que por nada
é movido, e isto todos inteligem como Deus.
A segunda via é a partir da noção (ratio) de causa eficiente. Pois
encontramos nestas <coisas> sensíveis existir uma ordem de causas
eficientes; e, todavia, não se encontra, nem é possível que algo seja causa
eficiente de si mesmo, porque, assim, seria anterior a si mesmo, o que é
impossível. Ora, não é possível que, na ordem das causas eficientes,
proceda-se ao infinito. Porque, em todas as causas eficientes ordenadas, o
primeiro é causa do médio, e o médio é causa do último, seja o médio mais
de um ou um <único> apenas. Ora, removida a causa, remove-se o efeito;
portanto, se não existir um primeiro nas causas eficientes, não existirá
último, nem médio. Mas, se se proceder ao infinito nas causas eficientes,
não existirá uma primeira causa eficiente, e, assim, não existirá efeito
último, nem causas eficientes médias, o que é patente ser falso. Logo, é
necessário admitir alguma causa eficiente primeira, a qual todos
denominam Deus.
A terceira via é tomada do possível e do necessário e é tal:
Encontramos nas coisas algumas que são possíveis existir e não existir, já
que se encontram algumas que são geradas e corrompidas e, em
consequência, é possível existirem e não existirem. Ora, é impossível que
todas as <coisas> que existem sejam tais, porque o que é possível não
existir, em algum momento (quandoque) não existe. Se, portanto, todas <as
coisas> são possíveis não existir, em algum momento nada existiu nas
coisas. Mas, se isto é verdadeiro, também agora nada existiria, porque o
que não existe não começa a existir senão por algo que existe; se, portanto,
nada foi ente, foi impossível que algo começasse a existir, e, assim, nada
existiria agora, o que é patente ser falso. Portanto, nem todos os entes são
possíveis, mas é preciso algo ser necessário nas coisas. Ora, tudo que é
necessário, ou tem a causa de sua necessidade alhures, ou não tem. Ora,
não é possível que se proceda ao infinito nas <coisas> necessárias que têm
causa de sua necessidade, assim como também não nas causas eficientes,
como foi provado <na segunda via>. Logo, é necessário admitir algo que
seja necessário por si, que não tem a causa de <sua> necessidade alhures,
mas que é a causa da necessidade das outras, que todos dizem Deus.
A quarta via é tomada dos graus que se encontram nas coisas. Pois se
encontram nas coisas algo mais e menos bom, verdadeiro e nobre, e, assim,
quanto às outras <coisas> tais. Mas “mais” e “menos” são ditos quanto às
diversas <coisas> segundo se aproximam diversamente de algo que é
maximamente; assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do
maximamente cálido. Existe, portanto, algo que é veríssimo e ótimo e
nobilíssimo, e, em consequência, maximamente ente, pois as <coisas> que
são maximamente verdadeiras são maximamente entes, como é dito no
Livro II da Metafísica <1; 993b28-31>. Ora, o que é dito maximamente tal
em algum gênero é a causa de todas as <coisas> que são daquele gênero;
assim, o fogo, que é maximamente cálido, é a causa de todas as <coisas>
cálidas, como é dito no mesmo livro <ibid.>. Logo, existe algo que é a
causa do existir, da bondade e de qualquer perfeição de todos os entes, e
isto dizemos Deus.
A quinta via é tomada do governo das coisas. Pois vemos que
algumas <coisas> que carecem de cognição, a saber, os corpos naturais,
operam para um fim (propter finem), o que aparece porque sempre, ou mais
frequentemente, operam do mesmo modo, para que consigam o que é
ótimo; donde, é patente que não por acaso, mas chegam ao fim a partir de
uma intenção. Ora, aquelas <coisas> que não têm cognição não tendem a
um fim senão dirigidas por algo cognoscente e inteligente, assim como a
seta, a partir do arqueiro. Portanto, existe algo inteligente, a partir do qual
todas as coisas naturais são ordenadas ao fim; e isto dizemos Deus.

Ao primeiro, portanto, deve-se dizer que, como diz Agostinho


<Enchiridion, cap. 11; PL 40, 236>: Deus, como é sumamente bom, de
nenhum modo permitiria (sineret) existir algo de mau em Suas obras, se
não fosse onipotente e bom para que fizesse o bem também do mal. Isto
pertence, portanto, à bondade infinita de Deus: que permita existir males e,
a partir deles, extraia (eliciat) bens.

Ao segundo deve-se dizer que, como a natureza opera para


determinado fim a partir da direção de algum agente superior, é necessário
que aquelas <coisas> que se fazem a partir da natureza também sejam
reduzidas a Deus, como à primeira causa <delas>. De maneira similar,
também as que são feitas a partir de um propósito é preciso reduzir a
alguma causa mais alta, que não seja a razão e a vontade humanas, porque
estas são mutáveis e defectíveis; ora, é preciso que todas as <coisas>
móveis e passíveis de falhar (deficere possibilia) sejam reduzidas a algum
primeiro princípio imóvel e necessário por si, como foi mostrado <na
terceira via>.
ESQUEMA DA ARGUMENTAÇÃO DAS TRÊS PRIMEIRAS VIAS

(apud Craig, W. L. The Cosmological Argument from Plato to Leibniz, p. 174ss.)

PRIMEIRA VIA

1. Coisas estão mudando.


2. Tudo que muda, ou é mudado por si mesmo, ou é mudado por outro.
3. Nada é mudado por si mesmo:
a. Mudar é atualizar algo potencial.
b. Nada potencial pode atualizar a si mesmo:
i. Para fazer isto teria de ser atual.
ii. Mas nada pode ser atual e potencial no mesmo aspecto.
4. A série das coisas mudadas por outras não pode ser infinita.
a. Em uma série essencialmente subordinada, causas intermediárias não têm
eficácia causal própria.
b. Em uma série infinita, todas as causas são intermediárias.
c. Portanto, uma série infinita de causas essencialmente subordinadas não pode
ter eficiência causal alguma.
d. Mas isto contradiz (1): Coisas estão mudando.

5. Portanto, a série das coisas mudadas por outras tem de ser finita e terminar em uma
primeira causa de mudança, que não muda; todos entendem esta como Deus.

SEGUNDA VIA

1. As coisas têm sua existência causada.


2. Tudo que tem sua existência causada, ou é autocausado, ou é causado por outro.
3. Nada pode ser autocausado:
a. Para causar a própria existência, algo teria de ser anterior a si mesmo.
b. Mas isto é autocontraditório e, portanto, impossível.
c. Portanto, nada é autocausado.
4. A série das coisas causadas por outras não pode ser infinita.
a. Em uma série essencialmente subordinada, a existência de causas
subsequentes depende de uma primeira causa.
b. Em uma série infinita, não há primeira causa.
c. Portanto, não podem existir também causas subsequentes.
d. Mais isto contradiz (1): As coisas têm sua existência causada.
e. Portanto, as coisas não têm sua existência causada por uma série infinita de
coisas essencialmente subordinadas sendo causadas por outras.
5. Portanto, a série das coisas causadas por outras tem de ser finita e terminar em uma
primeira causa não causada de todas as coisas existentes; a esta todos chamam “Deus”.
TERCEIRA VIA

1. Vemos no mundo coisas que existem, mas não tem de existir, isto é, cuja existência
não é necessária, mas meramente possível.
a. Pois as vemos surgir e desaparecer.
2. Todas as coisas não podem ser meramente possíveis.
a. Se uma coisa é meramente possível, então em algum momento ela não existiu,
b. e se todas as coisas fossem meramente possíveis, então em algum tempo todas
as coisas não existiam.
c. Mas, se em algum tempo nada existiu, então nada existiria agora,
i. porque alguma coisa que não existe não pode fazer-se existir.
d. Mas isto contradiz a observação.
e. Portanto, todas as coisas não podem ser meramente possíveis; tem de haver
alguma coisa necessária.
3. Uma coisa necessária pode dever a necessidade de sua existência, ou a outra coisa ou
a si mesma.
4. A série das coisas necessárias que devem a necessidade de sua existência a outra coisa
não pode ser infinita pela seguinte razão:
a. (Ver o argumento apresentado em 4a-e da Segunda Via, acima).
5. Portanto, tem de haver alguma coisa absolutamente necessária, que é necessária por si
mesma e causa a necessidade da existência em outras coisas necessárias.

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