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II – A cobiça
Paulo Prado escreve que aqueles que vinham para o Brasil eram os
desesperados e aventureiros desprezíveis. Não havia lutas grandiosas e
nobres como em outras colônias do Oriente, mas sim uma batalha
infame contra os indígenas e a natureza. O Brasil não inspirava
interesse: Paulo Prado cita Robert Southey ao dizer que o país “foi
descoberto por acaso, e ao acaso o deixaram durante longos anos.” No
início da colonização, Portugal não havia sequer estabelecido um
governo na colônia. Não havia exploração do interior, apenas no litoral
ocorria o mercado de escravos, madeiras e animais. Paulo Prado afirma
que nesse período de criminosos e desterrados, permaneciam as
ambições individuais em meio à falta de leis.
Segundo Paulo Prado, a busca do ouro foi para o Brasil o século do seu
martírio, pois gerou guerra civil, abusos dos governantes e do clero e
epidemias de fome. A agricultura fora abandonada e o cultivo da cana
diminuíra significativamente, obrigando a colônia a recorrer à
importação de produção inglesa e francesa. A riqueza da capitania se
extinguiu em exportações, transformando os próprios mineradores em
indigentes. Julgava-se quase impossível a cobrança dos pesados
impostos criados pelo governo real.
III – A tristeza
A partir da Renascença e da Reforma, a estrutura social e moral da
civilização ocidental havia se modificado e o espírito de renovação e
revolta preconizava novas ideias. A conquista e povoamento da região
sul-americana se desenvolvera sem a disciplina religiosa dos primeiros
agrupamentos congregacionistas da américa do norte. Portugal, que
perdera a independência para a Espanha em 1580, viveria um período
de decadência que acompanharia o Império Colonial. Longe da
fiscalização da metrópole, os representantes do poder real em solo
colonial consumiam recursos em benefícios pessoais, enquanto o clero
sustentava seus luxos. Toda capitania ligava-se “umbilicalmente” ao
organismo doentio da Metrópole. A agricultura era então sustentada por
meio da escravização de africanos, o que seria, para Paulo Prado,
responsável por minar o organismo social.
IV – O romantismo
O que é o Romantismo? É simples contraposição ao racional
classicismo ou apenas um modo de ser frente a um período nebuloso?
Paulo Prado distingue, a partir de Rousseau, o romantismo do
sentimento, sinônimo de lirismo e pessimismo e o romantismo da
inteligência, afirmação de generosidade, ardor e fé no humano.
As primeiras investidas nacionalistas brasileiras ocorreram como eco
da declaração de independência dos Estados Unidos, por sua vez
inspirada nos princípios da própria Revolução Francesa. Os ideais de
Rousseau guiaram grande parte dos movimentos revolucionários
franco-americanos. Soberania do povo, liberdade individual, igualdade
racial e política e infalibilidade da nação são alguns dos conceitos que
precederam o romantismo literário, que viria ligar-se às ideias e
sentimentos da alma nacional, manifestando-se, por exemplo, nas
revoluções pernambucanas de 1817 e 1824.
Post Scriptum
Paulo Prado garante que Retrato não é regionalista pois o compusera a
partir de um isolamento temporário em uma província. Afirma que, por
isso, não sofreu influências da atmosfera local e pode tratar de todos os
“Brasis”. Enfatiza a importância fundamental da investigação das três
raças: negros, indígenas e brancos: “Três raças cujos efeitos de
recíproca penetração biológica deverão produzir o novo tipo étnico que
será o habitante do Brasil.”
O negro no Brasil contribuiu como um fator étnico para a mestiçagem
da população e como escravo. Segundo o autor, ao contrário do que
aconteceu nos EUA, não houve segregação dos negros e a raças se
misturaram resultando na ausência de conflito racial, chegando-se ao
ponto de não se fazer distinção entre um e outro. A diferença existente
entre as raças resulta da falta de oportunidade a que é submetida. Para
o autor, sendo a mestiçagem no Brasil irreversível, restaria esperar e
observar como se desenvolveriam as próximas gerações. Paulo Prado
afirma ainda que a indolência e a passividade das populações
facilitaram a preservação da unidade social e política do vastíssimo
território.
Paulo Prado expõe a situação do país em sua época alegando que apesar
do crescimento populacional, problemas sócio-políticos e econômicos
se agravavam: dívida externa, polícia corrupta, dificuldades no
transporte de mercadorias, falta de mão de obra agrícola, altos impostos,
abuso do poder da justiça, analfabetismo entre as classes baixas e falta
de uma cultura intelectual no país. Imperava o vício da imitação, ou
seja, da importação, tudo é importado, a moda, a arte, a literatura, a
política, só se exporta o ouro.
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
“Uma indígena, abandonada pelo amante europeu com quem vivera longos anos,
vendo-o partir numa caravela de passagem, matou o filho comum, cortou-o em
duas partes e lançou uma destas ao mar como que entregando ao homem a
porção que lhe pertencia. A bordo perguntaram a este quem era essa mulher, ao
que respondeu: não é ninguém, é uma índia sem importância” PRADO, Paulo.
Obr. Cit. Pg. 63
Na história do Brasil houve uma relação diferente entre a constituição da Nação
e do Estado se comparada à experiência das nações europeias, especificamente
à Alemanha e à Itália de unificações nacionais tardias. Na Alemanha, por
exemplo, a nação e a constituição de uma identidade nacional antecedeu e
mesmo ajudou a constituir o Estado Nacional.
No Brasil processou-se algo bastante distinto. Nossa independência em face de
Portugal deu-se em 7 de Setembro de 1822: como bem ilustrou José Murilo de
Carvalho, o povo assistiu aos acontecimentos de rua “bestializado”,
“abasbacado”, sem entender muito bem o que se passava, suspeitando tratar-se
de um desfile militar, que pouco mudava sua pacata rotina.
No Brasil, o Estado Nacional antecedeu a nacionalidade: não havia em 1822
uma identidade nacional consolidada, mas um país dominado pelo instituto da
escravidão, em que negros que eram esmagadora maioria não tinham cidadania
mas eram antes encarados como “res”, não portadores de qualquer vínculo com
a terra. Os demais, uma minoria, eram portugueses, estrangeiros, ou, quando
brasileiros, se vinculavam mais a identidades regionais como paulistas,
pernambucanos ou baianos. A constituição de uma identidade nacional seria
um projeto que seria consolidado muito tempo depois e teria como principais
artífices a chamada “geração de 30”, um conjunto de intelectuais que em outro
contexto histórico se voltariam às origens históricas do Brasil em busca da
conformação da nacionalidade, dos traços comuns que informariam a
identidade da Nação.
Gilberto Freyre e seu “Casa Grande e Senzala” (1933), Sérgio Buarque de
Hollanda e seu “Raízes do Brasil” (1936) e Caio Prado Jr. e seu “Evolução
Política do Brasil” (1933) são os principais expoentes da supracitada geração:
cada um à sua maneira irá voltar-se ao passado colonial brasileiro com
finalidades parecidas: explicar o presente e buscar o sentido da História. Há
todavia uma obra que está situada no mesmo contexto e que parece estar
esquecida na historiografia. “Retrato do Brasil” (1928) de Paulo Prado
antecedeu as três obras referidas e situa-se nos mesmos marcos, com o
adicional de ter sido publicada no ano de 1928 e com o seu pioneirismo ter uma
importância singular: como adverte o grande historiador Fernando Novais,
“Retrato do Brasil” com a sua ousada tese de que o brasileiro é um povo triste,
rompe com uma certa historiografia brasileira tradicional de tons ufanistas e
com isto abriu caminho para as demais obras que configuraram em análises
críticas, sob novos pressupostos teórico metodológicos, que foram além da
tradicional configuração positivista da história do Brasil inaugurada por
Vernhagen.
Desde início pleiteamos uma equiparação de “Retrato do Brasil” de Paulo Prado
às demais obras da “Geração de 30” como clássico da História do Brasil.
Certamente, trata-se, como o sub-título da obra sugere, de um ensaio; o leitor
irá deparar-se como uma narrativa da história que antecede a disciplina da
história das mentalidades, sem todavia, todos os rigores metodológicos devidos
da disciplina da história. Mais uma vez, Paulo Prado, um historiador diletante,
aprendiz de Capistrano de Abreu, produziu um “Retrato do Brasil”. Uma pintura
impressionista cujos métodos estão expostos pelo próprio autor:
“Este Retrato foi feito como um quadro Impressionista. Dissolveram-se nas cores e
no impreciso das tonalidades as linhas nítidas do desenho e, como se diz em gíria
de artista, das “massas e volumes”, que são na composição histórica a cronologia
e os fatos. Desaparecem quase por completo as datas. Restam somente os
aspectos, as emoções, a representação mental dos acontecimentos, resultantes
estes mais da dedução especulativa do que da sequência concatenada dos fatos”.
Por um lado uma corajosa confissão da subjetividade do historiador ao retratar
e pintar um painel do passado. Por outro lado, o próprio retrato de limites
metodológicos que envolvem noções apriorísticas, como se conclusões
primeiras estivessem para ser provadas por um vasto repertório de
documentos primários, que no livro envolvem especialmente documentos do
Santo Ofício, relatos de viajantes do séc. XVI, XVII, Portugueses e Espanhóis,
especialmente voltados ao problema da cobiça e da luxúria.
Contexto: autor e obra
Paulo Prado advém da ilustre e aristocrata família Silva Prado de São Paulo,
ligada à comercialização de café e à construção de ferrovias. Filho do
Conselheiro Antônio Prado, Ministro do Império, com grande fortuna e
prestígio, o que garantirá ao filho uma vida sem grandes compromissos, apesar
de ter dividido sua vida como empresário de café, jornalista, ativista literário e
historiador.
Formou-se na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e
posteriormente passou temporada em França donde conheceu Eça de Queiróz
que teve ótima impressão do moço.
De volta à São Paulo, ligou-se ao grupo de artistas modernistas e participou
ativamente da construção da Semana da Arte Moderna de 1922. Foi amigo de
Mário de Andrade e basta dizer que Macunaíma foi dedicada a...Paulo Prado.
Pode-se dizer que os dois livros têm interfaces: o senso comum diz ser o
Brasileiro triste enquanto a tese central do “Retrato” é a de que o brasileiro é
um povo triste, em face da cobiça pelo enriquecimento rápido e da luxúria num
contexto da falta de mulheres brancas e da disponibilidade de mulheres índias
e negras. No Macunaína, o paradoxo se encontra no fato do herói brasileiro ser
um “herói sem nenhum caráter”. Dentre as antinomias, pode-se observar como
se começam os dois livros:
“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa
gente” (Macunaíma); “Numa terra radiosa vive um povo triste” (Retrato do
Brasil).
Paulo Prado deve ser associado quanto à sua produção intelectual ao
movimento modernista. Os livros de Paulo Prado e de Mário de Andrade foram
publicados em 1928. São daquele momento histórico a revolta dos 18 de
Copacabana de 1922, levante tenentista que teve seu desenvolvimento no
contexto de luta contra a República Velha, a Coluna tenentista, o posterior
Crack de 1929, a fundação do Partido Democrático em São Paulo, do qual
participou o pai de Paulo Prado: em suma os fins da primeira República.
Falou-se nas críticas ao livro, que o ensaio de Paulo Prado primava pelo
pessimismo. Pelas cartas do autor, sabe-se que o mesmo discordava desta ideia.
Paulo Prado considerava-se otimista, mas otimista diferente do velho ufanismo
positivista. Seu otimismo é o mesmo de “um médico ou cirurgião” o que nos
leva a concluir que seu movimento é o mesmo de alguém que faz um
diagnóstico e propõe soluções. E Paulo Prado é explícito: a mudança está na
Guerra ou na Revolução.
Evolução Histórica do Brasil
Em 1530, desde a descoberta, o Brasil encontra-se em situação de relativo
abandono. Em face da pirataria Francesa, serão nestes anos que se inicia de fato
a ocupação, a empresa colonizadora chefiada por Martim de Souza. Em 1549,
com o governo Tomé de Souza, observa-se o início de uma relativa atividade
administrativa na colônia como expedições oficiais e as primeiras missões
jesuítas.
O fato é que desde o início do empreendimento colonial, a cobiça pelo ouro
esteve presente dentre os portugueses, além de franceses e demais europeus
que aqui aportaram. Eram aventureiros e estavam influenciados pelo contexto
cultural do renascimento. A cobiça é assim um dos elementos que informam a
tristeza brasileira. As bandeiras não só estiveram associadas à caça de índios e
escravos fugidios, mas foram particularmente movidas pela cobiça:
“Junto aos novos descobertos vinha, porém, morrer enfraquecida, mas sempre
alucinada, a bandeira. Conservava, como desde os tempos piratiningos, os traços
característicos da sua formação: Interesse, Dinamismo, Energia, Curiosidade,
Ambição. Faltavam-lhes os estimulantes afetivos de ordem moral e os de
atividade mental. Nunca soubera transformar em gozo a riqueza conquistada. A
sua energia intensiva e extensiva concentrava-se num sonho de enriquecimento
que durou séculos, mas sempre enganador e fugidio. Com essa ilusão vinha
morrer, sofrendo da mesma fome, da mesma sede, da mesma loucura. Ouro, ouro,
ouro.”
Os outros dois elementos constitutivos da tristeza do brasileiros são a luxúria e
o romantismo. “Após o coito os animais ficam tristes, exceto o galo que canta”,
diz um adágio da medicina. O sensualismo que informa todo o período colonial
foi amplamente retratado por cronistas, ao ponto de haver pedidos junto à
Europa para que se trouxessem mulheres da corte ao Brasil, para se efetivar
casamento e interditar situações de poligamia e endogamia envolvendo uma
ampla miscigenação de brancos, negros e índios. Paulo Prado enxerga uma
melancolia e pendor à fraqueza em face deste sensualismo que também remete
à vocação romântica, ao discurso rebarbativo de nossos parlamentares e
literatos e nossa tendência à apatia, indolência e passividade. “O romântico
adora a própria dor” assevera Paulo Prado. O que não se sabe é como o seu
ensaio, que dedica alguns parágrafos a um artista de marca menor como
Aleijadinho, não faz qualquer menção a um verdadeiro milagre advindo dos
mais baixos escalões das pirâmides sociais brasileiras: Machado de Assis. Seu
realismo literário mordaz e sua literatura com vocação universal vai na
contramão do Romantismo brasileiro e sua própria aparição coloca sob
suspeita a tese do Romantismo.
Tristeza e Esperança
A “Tristeza Brasileira” deve ser encarada conforme a proposta metodológica
enunciada pelo próprio autor e sugerida já no título do livro. Estamos diante de
um retrato, ou se quisermos de uma fotografia do Brasil. Mesmo uma fotografia
não é imparcial: o fotografado pode ser retratado num dia infeliz e não estar
sorrindo e o erro do historiador é, a partir deste retrato, concluir que o
personagem da foto é....triste. A história não é um SER. A história é um processo.
É um estar sendo, de molde que o ensaio de Paulo Prado tem validade não pela
conclusão, mas por outros aspectos. Suas fontes históricas são relevantes e têm
a credibilidade por estarem baseadas ao seus estudos de história junto ao
grande historiador Capistrano de Abreu: o ensaio é um livro saboroso sobre os
costumes e o cotidiano do Brasil colonial. Como sugerimos, sua grande
contribuição para a historiografia do Brasil diz respeito a certa rejeição ao
ufanismo que abriu caminho à “Geração de Trinta”, e por isso deve ser
equiparada àqueles grandes pensadores.
Parece-nos todavia que tais críticas são até triviais e não devem ter passado
despercebidas pelo grande pensador Paulo Prado, alguém com um vasto
repertório cultural. Talvez a tristeza que viu no povo Brasileiro diga respeito a
si próprio. É natural para quem observa o problema do Brasil, o seu passado e o
seu presente, suas potencialidades e todo desperdício, sintir uma enorme
tristeza. Num estado como São Paulo, com o aquífero do Guarani, um dos
maiores do mundo, há ainda racionamento de água. 111 mortos no presídio do
Carandiru desarmados e todos os policiais absolvidos por legítima defesa.
Vídeos de cárcere circulando pela internet com presos jogando futebol com a
cabeça de um outro preso. Triste, triste, triste.
Em seu mais recente artigo no Corrieri Della Sera, Diogo Mainardi menciona o ensaio "Retrato
do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira" do sociólogo e historiador Paulo Prado. Fui
imediatamente surpreendido pela afirmação de que o brasileiro seria um povo triste. Até minha
mente avessa a toda patotada patriótica (o apresentador do ensaio afirma que o texto de Paulo
é, entre outras coisas, uma resposta aos tratados patrióticos que pululavam à época) se assustou
com tal afirmação. Nossa característica marcante não seria justamente as tão aclamadas
"alegria" e "irreverência"?
Paulo remonta ao período colônia para esmiuçar o caráter nacional e mostrar como, na verdade,
o brasileiro é um povo triste. Tudo começa com o tipo de colonizador que recebemos aqui: o
colono americano rapidamente se identificava com o pedaço de terra em que morava - o inglês
da Virgínia ou de Massachussets rapidamente chamava tais províncias de "sua terra" (PRADO,
1981, p. 96), ao passo que o português "brasileiro" vinha à colônia com a mente habitando a
metrópole, "O português transplantado só pensava na pátria d'além-mar: o Brasil era um degredo
ou um purgatório" (id, p. 95). Segundo Prado, dois sentimentos principais caracterizavam tanto
o colono ou índios e negros que vieram a habitar o Brasil: tanto um desejo ávido por riquezas,
ouro e pedras preciosas em especial (daí os dois primeiros capítulos do ensaio de Prado se
chamarem Luxúria e Cobiça), quanto um sensualismo desinibido: pelo relato de Prado, índios,
negros, portugueses e até membros do clero constantemente se rendiam aos pecados da carne,
inclusive em público:
A parte sadia e sólida da emigração - homens de estado de valor, artistas de fama, bom senso
atrasado mas útil na desordem colonial, aspectos inéditos de uma vida mais requintada, toda a
súbita surpresa dessa invasão - veio acordar a mandranice brasileira apodrecendo nas delícias
da mestiçagem, nas intrigas da carolice, num desleixo tropical, entre mulatas, lundus e festas
religiosas (PRADO, 1981, p. 119).
As duas primeiras partes do ensaio de Prado foram um clarão de purificação; sempre nutri a
impressão, oriunda da experiência do dia-a-dia, que o brasileiro é um povo "dinheirista" (muito
mais que o americano, para surpresa dos experts nacionais): para brasileiro dinheiro é o meio e
também o fim, da vida intelectual, da vida moral, da vida como um todo. Restava explicar as
origens disso. A postura do brasileiro diante das coisas do intelecto é evidência mais gritante do
fenômeno, do presidente Lula, que julga que ler livros é como andar de esteira até aos pais e
filhos em escolas que encaram a vida acadêmica única e exclusivamente como um trampolim
para um "bom emprego" (= emprego que ganha muito dinheiro e trabalhe pouco); para o
brasileiro em geral a sabedoria é o seguinte: ir pra escola porque os pais mandam para aprender
alguma coisa e "ser alguém na vida" e depois que "for alguém na vida" (= ter dinheiro) comprar
um livro do Cortella e ter o que falar em "jantares inteligentes". A exposição de Prado dá fôlego
a esta visão, embora caibam outros estudos.
Mas e a tristeza? Nossa tristeza, de acordo com Prado, está atrelada ao sensualismo
mencionado, à nossa sexualidade atávica. Prado cita um preceito médico para suportar sua tese
"post coitum animal triste, nisi gallus que cantat" - todo animal fica triste após o coito, exceto o
galo, que canta. Uma sociedade que tenha por objetivo maior o coito, terá, invariavelmente,
propensões melancólicas - por definição efêmero, todo o período (maior parte do tempo) de
ausência de gozo será preenchido pela tristeza.
Tanto o desejo por riqueza rápida (os colonos americanos também queriam riqueza, só que a
gerariam em sua nova terra, não queriam obtê-la dela), quanto o sensualismo atávico eram as
duas características que uniam todos os grupos étnicos do Brasil: "esse característico na
formação da nacionalidade é quase único na história dos povos. Os agrupamentos étnicos da
colônia - os mais variados, de Norte a Sul - não tiveram outro incentivo idealista senão esse de
procurar tesouros nos socavões e montanhas (PRADO, 1981, p. 68 e 69) e também:
Como da Europa do Renascimento nos viera o colono primitivo, individualista e anárquico, ávido
de gozo e vida livre - veio-nos, em seguida, o português da governança e da fradaria. Foi o
colonizador. Foi o nosso antepassado europeu. Ao primeiro contacto com o ambiente físico e
social do seu exílio, novas influências, das mais variadas espécies, dele se apoderariam e o
transformariam num ente novo, nem igual nem diferente do que partira da mãe-pátria.
Dominavam-no dois sentimentos tirânicos: sensualismo e paixão do ouro. A história do Brasil é
o desenvolvimento desordenado dessas obsessões subjugando o espírito e o corpo de suas
vítimas. Para o erotismo exagerado contribuíam como cúmplices - já dissemos - três fatores: o
clima, a terra, a mulher indígena ou a escrava africana. Na terra virgem tudo incitava ao culto do
vício sexual. (PRADO, 1981, p. 90)
Nada mais importava além de gozar e obter riqueza de maneira rápida e fácil: "na luta entre
esses apetites - sem outro ideal, nem religioso, nem estético, sem nenhuma preocupação
política, intelectual ou artística - criava-se pelo decurso dos séculos uma raça triste" (PRADO,
1981, p. 91 e 92).
Por suspeita que possa parecer a tese de Prado, a busca nas nossas raízes deixa pouco a
duvidar que sua explicação é, no mínimo, válida. O ensaio é de leitura agradável e é curto (150
páginas). Recomendo a todos interessados pela sociologia nacional. Subscrevo a exortação de
Paulo Prado que encerra seu texto: "a confiança no futuro não pode ser pior que o passado".
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil. São Paulo, ed. Ibrasa, 1981.
Retratos do Brasil
Paulo Prado escreveu em 1928 seu famoso livro Retrato do Brasil, que tinha como subtítulo
"Ensaio sobre a tristeza brasileira";. A tristeza, o romantismo, a luxúria e o vício da imitação
eram apontados como os maiores problemas da nacionalidade. Dois outros livros, O país do
carnaval, de Jorge Amado, e Maquiavel e o Brasil, de Otávio de Farias, ambos de 1931,
expressavam o clima intelectual da época, marcado pela idéia de crise e incerteza.
Diferentes diagnósticos sobre os males brasileiros estavam presentes nas coleções publicadas
nos anos 30. A Brasiliana, fundada e dirigida por Fernando de Azevedo na Companhia Editora
Nacional, reeditou inúmeras obras de viajantes. Problemas Políticos Contemporâneos e
Documentos Brasileiros - esta última sucessivamente dirigida por Gilberto Freyre, Otávio
Tarquínio de Sousa e Afonso Arinos de Melo Franco na Editora José Olympio - traduziam a
necessidade de reinterpretar o passado, de compreender a realidade brasileira, de exprimir a
consciência social dos anos 30. A Coleção Azul, da Editora Schmidt, publicava os textos
polêmicos da época. São exemplos os livros Brasil errado, de Martins de Almeida, Introdução à
realidade brasileira, de Afonso Arinos de Melo Franco, O sentido do tenentismo, de Virgílio
Santa Rosa, e A gênese da desordem, de Alcindo Sodré.
As mudanças na indústria do livro introduzidas nos anos 20 por Monteiro Lobato foram
incorporadas por outras casas editoras. Destacou-se na época a Editora Globo, de Porto
Alegre, que contou com a colaboração do escritor Érico Veríssimo, divulgou valores da
literatura gaúcha e traduziu importantes autores da literatura mundial.
Introdução
O objetivo deste trabalho é falar sobre o autor Paulo Prado e sua interpretação da formação
nacional do estado brasileiro, a miscigenação e suas consequências, partir de três pilares:
cultura, meio e raça.
Retrato do Brasil – Ensaio sobre a tristeza brasileira- é um clássico da nossa cultura e trata-se
de uma brilhante e polêmica interpretação do caráter nacional. Publicada em 1928, a obra
busca entender e explicar o atraso econômico e cultural da Nação, através do processo de
formação étnico-cultural da nacionalidade e os vícios crônicos da política naquele momento.
O livro é dividido pelo autor em quatro capítulos: A Luxúria, A Cobiça, A Tristeza, o
Romantismo e um Post- Scriptum, e trata-se de uma obra contestadora das falácias
românticas, que dava ao Brasil “uma figuração quase épica” (Lourenço Mota). Afirma em sua
tese que os principais fomentadores da melancolia, da degeneração do caráter e do atraso
sócio-cultural do Brasil, foram a luxúria e a cobiça desmedidas nos tempos coloniais, situação
mascarada pelo romantismo no século XIX.
” ...Paraíso ou realidade, nele se soltara, exaltado pela ardência do clima, o sensualismo dos
aventureiros. Ai vinha esgotar a exuberância da mocidade força, para satisfazer os apetites de
homens a quem já incomodava e repelia a sociedade européia”
Os colonizadores que vieram à nova terra, já conheciam outras culturas, eram "miscigenados
moralmente". E a decadência moral era um fato. Paulo Prado faz uma comparação à
colonização da América do Norte exortando a disciplina e a disposição dos peregrinos para o
trabalho, donos de uma vontade inquebrantável e fortes princípios morais e religiosos. Os
portugueses também traziam em sua alma a tradição do cristianismo decadente da Europa e
tinham também assimilado outros costumes totalmente diversos, e isso talvez explique o
comportamento de barbárie em relação ao do selvagem que aqui vivia. Homens rejeitados em
sua pátria e por este motivo, sem nada a perder, lançavam-se nas aventuras em busca da
liberdade e da riqueza, para retornar á sua terra e usufruir de uma felicidade, das benesses e
do respeito que o poder do ouro lhes daria; vinham de uma Europa tumultuada pela
Renascença e suas reformas, castigada por guerras, revoluções e invasões por conquista de
territórios.
A imagem retratada pelos primeiros europeus que aqui chegaram, era a de extrema beleza,
abundante riqueza e de um povo naturalmente gentil e sensual. A visão que estes homens
tiveram com sua a chegada ao Novo Mundo, foi descrita por Cristovão Colombo nas primeiras
cartas endereçadas ao rei, como um paraíso edênico, de onde o homem havia sido expulso e
eles agora retornavam, devido à providência. O autor se refere ao descobrimento como
resultado de um movimento libertador que dotou esses aventureiros de um espírito
cruzadista, de novas ambições e curiosidades sobre os mistérios de regiões ainda
desconhecidas e passíveis de serem conquistadas. O clima quente e a beleza luxuriosa da mata
virgem despertaram naqueles homens os mais primitivos dos instintos e ao entrarem em
contato com nativos que viviam livremente, rapidamente assimilaram alguns de seus costumes
e, num culto ao corpo, deram vazão a todos os prazeres dos sentidos, alguns reprimidos e
vigiados em sua pátria natal. Os nativos eram livres, esses homens libertinos.
Ao chegar ao novo território, com o imaginário repleto das histórias de Marco Pólo e
Mandeville, acerca dos paraísos perdidos, das ilhas ouro e de prata, das montanhas reluzentes
repletas de pedras preciosas, entregam-se deslumbrados a novas descobertas. Após se
servirem dos “donos da terra” de todas as maneiras possíveis, exterminaram aldeias inteiras,
com sua insaciável fome de ouro. E não mediam esforços para fazer fortuna rapidamente,
possibilidade que fascinava e renovava o animo a cada dia de prosseguir em sua busca.
Mas as minas só foram encontradas, de fato, no final do século XVI, quando recomeçou a febre
do ouro. Desta vez, as fortunas surgiam repentinamente, porém o país empobrecia. O cultivo
da terra foi abandonado, tal ansiedade pela descoberta do metal, ninguém mais trabalhava
esperando pela loteria das minas, com exceção do negro que de fato, era o único que
trabalhava. As pessoas morriam de fome, ao lado de montes de ouro; o comércio do açúcar foi
comprometido devido à diminuição do plantio da cana, causando uma crise de mercado nos
países que importavam o açúcar brasileiro, para citar apenas alguns dos diversos problemas da
colônia. E, o pior de tudo, o país se despovoava.
Portugal definitivamente, não sabia governar, e entregou nas mãos da Inglaterra e de outros
países da Europa praticamente toda fortuna que conquistou, pagando um alto preço pelo luxo
que a Metrópole e seus parasitas insistiam em ostentar. Os bandeirantes, alucinados e
enfraquecidos, segundo o autor, se multiplicavam e morriam, junto com suas bandeiras; as
minas funcionavam ininterruptamente, esgotando o meio ambiente. Os trabalhadores,
também esgotados, cumpriam sua parte, mas os governantes não exerciam sua função de bem
administrar tais riquezas. Dependiam do trabalho dos governados, mas se recusavam a
governar de fato. Uma fórmula infalível de miséria.
O autor, em sua tese, afirma que a junção desses dois terríveis vícios, a luxúria e a cobiça,
legou ao povo do Brasil a Tristeza. Neste capitulo, discorrerá mais uma vez sobre a
imoralidade do clero e da sociedade convivendo intimamente com mouros e negros.
Compara a América do Norte, colonizada por peregrinos que viviam na disciplina rígida do
cristianismo protestante e sua “higiene moral” e que lavravam a terra com suas próprias mãos,
com o Brasil, uma nação sem força de reação, colonizada por mercenários imorais e corruptos,
como afirmou Pe. Vieira: “... furtar era um verbo conjugado em todos os tempos na Índia
portuguesa”. A isso, junta-se o problema da mestiçagem, com o agravante da exploração do
trabalho escravo, que legou ao país um atraso econômico, uma gente sem princípios,
indolente, ignorante e gananciosa. Para o autor, a discrepância de valores morais e éticos
entre essas nações foi determinante na prosperidade da primeira e, naturalmente, na ruína da
segunda.
O Renascimento havia dado o impulso aqueles homens que se aventuravam pelos mares em
busca de um Novo Mundo e isto seria entendido de forma diversa pelas diversas classes de
pessoas daquele tempo, neste caso significou conduta desenfreada e nenhum amor à terra. O
Brasil foi colonizado por esse homem, sua cultura transplantada em uma terra definitivamente
diferente da velha Metrópole, e por este motivo não teria atingido o resultado esperado.
Aponta também a falta de originalidade do povo que imitava tudo o que vinha de fora, como
se isto os tornassem iguais a nobreza ostentada pela Coroa falida. Mas o mal já estava feito,
talvez impossível de remediar, senão com o tempo. E diz: “A luxúria, a cobiça, tristeza e o
romantismo, combinando-se de mil maneiras, haviam se incorporado ao modo de ser do
brasileiro”.
São Paulo, desde sua fundação, era diferenciado pelo povo que ali vivia, foi o primeiro a
esboçar um sinal de um patriotismo regional, lugar onde o centro cultural se formou. A
mistura dos europeus com a nobreza natural do gentio, fez surgir uma raça forte, rude e
valente, coisa que a história nos revela ao falar da superioridade dos paulistas e suas
interferências heróicas em diversas ocasiões. Isso se devia a miscigenação de duas culturas
onde uma complementava a outra, na visão do autor. A hospitalidade e generosidade indígena
aliada à coragem e espírito aventureiro do branco foram qualidades decisivas nas entradas e
bandeiras. Diferentemente de outras, onde o cruzamento com africanos teria "contaminado" a
descendência, pois ele era escravo, e perdendo além da posse de seu corpo a posse também
de sua alma. Isto resultou numa fraqueza, de onde surgiu sua miséria moral e a ilusória
superioridade de senhor de escravos. Os negros não eram donos de si, nem mesmo de seus
filhos, quanto mais de outros bens. De acordo com a observação cientificista, baseada na raça
e história, Paulo Prado conclui que, após conviver com desprezo da dignidade humana dos
senhores, numa relação imoral e inculta, sobrepondo à força uma cultura e uma religião tão
diferentes das que conheciam, o senhor pensava poder apagar completamente a cultura
africana que chegou a nossa terra nos negreiros, cultura que se julgava perdida pelo desleixo
dos costumes, sua resignação ao chicote, e todas as arbitrariedades protegidas por lei. Isto
marcou a mentalidade daqueles desterrados, que nunca mais voltariam a ver sua pátria. A
inferioridade marcada às vezes no rosto a ferro quente, concluía a destruição psicológica. O
africano não passava de uma mercadoria, valiosa até, mas uma mercadoria. Questiona os
problemas que virão no futuro a partir dessa mestiçagem com brancos e índios, e a
transformação biológica que, a seu ver, teria consequências desastrosas. Baseava-se num
critério cientifico do século XVI, quando naturistas teriam catalogado diversas doenças
surgidas a partir da mistura étnica. Havia também a possibilidade de, com a mistura das raças,
os traços negros desaparecerem. Era o que Paulo Prado esperava.
No Post-Scriptum, texto agregado ao Retrato, diz que, inspirados pela Revolução Americana na
luta contra os invasores e a expansão geográfica através das bandeiras e do gado, que algo
parecido com um sentimento nacionalista, percepção de territórios e fronteiras, parece
despertar. No final do século XVIII e no inicio do XIX havia apenas a sociedade, formada por
diversos grupos étnicos, preparando-se para se tornar Nação livre e cortar de vez o elo com
Portugal. Separar-se-ia da pátria-mãe o filho adotivo explorado e rejeitado, que pouco a pouco
tomava consciência de seu tamanho, de sua força e, principalmente, da necessidade de sua
emancipação política. O Estado sucedeu a Nação.
Conclusão
Diante de todas essas observações, Paulo Prado um modernista inconformado com os rumos
do Brasil, expõe sua tese com uma franqueza admirável, sem se preocupar com a fama de
pessimista que viria após as declarações contundentes no Retrato. Um detalhe nos chama a
atenção. No momento em que Paulo Prado produziu esta obra, o Brasil passava por uma crise
na produção de café:
"A famosa crise do café que faz parte da história de tantas famílias paulistas que sofreram suas
duras consequências, começa na realidade em 1920, devido ao continuo, descontrolado e
excessivo aumento da produção do café, cuja safra chegava a espantosos 21 milhões de sacas
para um consumo mundial de 22 milhões".(Histórianet -Crise de 1929 e Revolução de 1930;
Anibal de Almeida Fernandes, Agosto, 2006).
O livro foi intensamente criticado, pois ao escrever para a elite aristocrática de sua época,
tocou fundo, sobretudo no espírito soberbo daquela classe, desmistificando as maravilhas que
as obras românticas declaravam sobre o Brasil, buscando criar uma aura de perfeição e beleza,
da qual se falava desde a chegada dos portugueses em nossa terra, ignorando a realidade de
desigualdade e dos vários níveis de miséria herdadas do tempo colonial. Retrato do Brasil, obra
destinada principalmente a replicar explicitamente a Afonso Celso, autor do livro “Porque me
ufano de meu país”, e a todo “orgulho” nacional corrente na literatura brasileira, na agitação
de 1928, as vésperas da queda da Velha República. Ele se preocupava com o futuro do Brasil e
se comprometia a fazer de tudo para despertar aquele povo que dormia o sono colonial.
O Autor
Paulo Silva Prado, paulista nascido em 1869, primeiro filho do conselheiro Antonio Prado,
formou-se em 1889 na Faculdade de Direito de São Paulo. Sua família tinha a tradição dos
cafeicultores paulistas, e representou São Paulo no Comitê de Valorização do Café (1913-
1916). Tinha quase sessenta anos quando entrou para carreira literária. Historiador, sociólogo
e escritor, líder da cafeicultura paulista e participante ativo da intensa atividade cultural
daquela época, foi o mecenas de vários autores e principal organizador da Semana de Arte
Moderna, em fevereiro de 1922, que muito contribuiu para a renovação historiográfica
brasileira, sendo considerado um dos maiores analistas da vida social no Brasil durante o
período pré-revolucionário entre 1900 e 1920.