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Roberto Filizola
Professor da Universidade Federal do Paraná, é co-autor da obra Teoria e Prática do Ensino de
Geografia (FTD, 2010).
atividades, predominavam a cópia quase mecânica de mapas e os questionários a serem
memorizados.
Quer nos parecer que essa finalidade do ensino da Geografia foi atendida e com
relativo sucesso. As pessoas em geral reconhecem a importância da disciplina e justificam
sua presença no currículo escolar. Contudo, e diante do fato de todos nos sentirmos
brasileiros, a função patriótica da Geografia Escolar torna-se secundária. Até porque,
outros meios realizam essa função. Basta apontar a maneira como certos comentaristas
de emissoras de rádio e TV narram as vitórias brasileiras e de brasileiros em competições
de futebol, fórmula um, olimpíadas, etc. Assim, diante dessa realidade, qual é a finalidade
de se ensinar Geografia em pleno século XXI? Qual o valor da disciplina na
contemporaneidade?
A Geografia lida com localizações, não resta dúvida. De fato, desde a Antiguidade
Clássica, quando os gregos criaram o termo geografia atribuindo-lhe o sentido de escrita
da terra, a pergunta onde? acompanha as investigações geográficas. Buscando dar
significado às localizações, segue-se à essa uma outra questão: por que aqui e não
noutro lugar? Uma terceira indagação e eis que o olhar geográfico começa a apresentar
contornos mais definitivos: por que as coisas encontram-se distribuídas dessa
maneira sobre a superfície terrestre? Na realidade essas questões fazem parte dos
problemas geográficos, ou melhor, são utilizadas para pensá-los na busca de suas
soluções. Levantar problemas geográficos e analisá-los demanda, portanto, um olhar e,
sobretudo, um raciocínio geográfico.
Portanto, uma função, digamos nobre da Geografia Escolar repousa no
desenvolvimento do raciocínio geográfico e na formação de uma consciência espacial. O
desenvolvimento e a formação de ambos pode se dar concomitantemente, e contribuem
para um pensar o espaço e nele sentir-se bem. Isso significa dizer saber dominar as
direções, localizar-se, deslocar-se com segurança sem se perder, perceber as relações
entre as partes e destas com o todo. É, ainda, saber ler e interpretar o espaço e suas
manifestações: a paisagem, o lugar, o território. Por que existem desertos e áreas
polares? Até onde se estende a Amazônia? O que leva as pessoas a estabelecerem
vínculos afetivos com determinadas parcelas do espaço? Qual a razão de determinados
grupos humanos se apossarem individualmente de espaços que são tidos como públicos?
O mundo em que vivemos pode prescindir das fronteiras?
Ao que tudo indica, a Geografia nos Anos Iniciais possui um valor expressivo na
formação da consciência espacial. Nesse caso, trata-se de assegurar às crianças uma
verdadeira vivência conceitual do lugar, do território e da paisagem, de tal modo que
sejam identificados e reconhecidos, ou seja, apropriados pelos alunos. Vale a pena
destacar que a formação da consciência espacial deita raízes nos primeiros tempos de
existência do indivíduo, e amadurece à medida em que são desenvolvidas as relações
espaciais topológicas, euclidianas e projetivas. Acrescente-se a isso a tomada de
consciência do esquema corporal.
Ora, como bem sabemos, a escola é um espaço onde a criança interage com
outras pessoas e uma enormidade de situações que permitem desenvolver noções
espaciais. Afinal, a criança e seu corpo, ela e o seu movimento pelos quatro cantos do
ambiente escolar, muitas vezes envolvida com a brincadeira e o jogo, com o lúdico e o
aprender, desenvolve tais noções e promove a descentração, superando o egocentrismo,
formando um ponto de vista mais objetivo da realidade. No processo de análise do
espaço consegue, então, individualizar seus elementos, localizando-os e relacionando-os
entre si e com o todo. Noções tais como as de dentro, fora, no interior, no exterior, limite,
periferia, centro, extremidade, dentre outras, são estabelecidas. Além disso, a criança
desenvolve a lateralidade, distinguindo direita e esquerda.
Tomando-se como referência o desenvolvimento do raciocínio geográfico e a
formação de uma consciência espacial, objetivos mais refinados podem ser estabelecidos
para a definição dos conteúdos geográficos. Eis algumas sugestões:
Preparar para um agir cotidianamente, de forma consciente, relacionado aos
deslocamentos pelo espaço geográfico, ao circular com segurança, ao viajar.
Envolve, também, a compreensão das informações veiculadas pela mídia e
uma demonstração de interesse e preocupação pelo ambiente e pela
alteridade;
Preparar para o entendimento das localizações, o que implica em saber
situar e situar-se no espaço, seja por meio de mapas ou usando os referenciais
da paisagem e do lugar. É nesse ponto que se evidencia o processo de
alfabetização cartográfica e geográfica;
Proporcionar a aquisição de conhecimentos básicos seja da superfície
terrestre ou das sociedades humanas. Vale recordar que a Geografia, no
passado remoto, surge como possibilidade de entendimento das
diferenciações de lugares, de paisagens, de áreas...
Enfim a superfície terrestre é marcadamente diversa, tanto nos seus aspectos
humanos como físicos. Cabe à Geografia assegurar conhecimentos mínimos, porém
fundamentais, para sua compreensão. Nessa perspectiva, seu ensino não é apenas útil
para as crianças, como também é capaz de proporcionar emoções, encantamento.
História de viagens e descobertas podem ser contadas, sempre que possível
acompanhadas de boa música e imagens marcantes. Sem sair do lugar, as aulas de
Geografia podem proporcionar viagens fascinantes por meio de vídeos, como através de
narrativas. Afora isso, as aulas de campo podem alavancar a compreensão do lugar e
despertar novos sentimentos e afetos por suas coisas. Embora as grades curriculares
dediquem muito espaço para as aulas de Português e Matemática, há boas saídas para o
ensino de Geografia. Mas isso é conversa para outra hora. A geografia está em todos os
lugares. Viva a Geografia e deixe-a viver na sua sala de aula e pelos seus alunos!
Glossário comentado
Proposta de atividades
1) Na página 6 aparecem sugestões de objetivos relativamente gerais para a seleção
e organização de conteúdos para o ensino da Geografia nos Anos Iniciais. A partir
de sua leitura, organize um breve rol de temas passíveis de serem desenvolvidos
junto a crianças desse segmento de ensino.
2) Providencie uma cópia das diretrizes curriculares do município de Curitiba,
referentes à Geografia e traga para a sala de aula.
3) Leia atentamente os “conceitos fundamentais da ciência geográfica” (lugar,
paisagem, território) e relacione-os, associe-os à sua vida, às suas práticas
socioespaciais.