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O SENSO COMUM

1. O que é.

Se analisarmos as palavras que compõem a expressão "senso comum", percebemos de


imediato que se trata de um sentido que é comum a várias pessoas. E já que a palavra comum fala de
algo que não é especial, mas sim corriqueiro e cotidiano, podemos dizer que o "senso comum" é o
sentido habitual à maioria. Quando falamos em maioria fazemos referência a quase todo mundo e, a
minoria, que não se inclui no senso comum, ou seja, que não participa do mesmo sentido de "quase
todo mundo", constitui o pequeno grupo dos "filósofos" e "cientistas". Isto é, a filosofia e a ciência são
dois modos diferentes de compreender a realidade que se afastam do "senso comum". Na verdade,
ciência e filosofia são, de fato, diferentes maneiras de se opor ao senso comum.
Para que possamos orientar-nos no mundo é preciso que demos por certo e seguro diversos
estados de coisas. Por exemplo: damos por suposto que a terra é firme e nos movemos sem jamais por
em questão este fato. Igualmente estamos de antemão assegurados de que o sol nascerá amanhã.
Estamos sempre previamente contando com a firmeza do solo e com a luz do sol, e nem por um
instante nos ocorre por em questão que estes estados de coisas podem nos faltar, ou mesmo serem
diferentes. A impositividade do real nos assegura estados de coisas que são testemunhados e
verificados pelos nossos sentidos, e sua certeza decorre de nossa própria experiência sensível.
Todavia, podemos verificar que, do mesmo modo que contamos com estados de coisas do
mundo físico, damos igual assentimento a estados de coisas que, alheios ao mundo físico, não
sofreram nenhum tipo de verificação. Quando contamos com algo damos por suposto que este algo já
se encontra aí, “pré-dado”, e que não precisamos dispender nenhum esforço para obtê-lo. Aceitamos,
sem qualquer questionamento ou crítica, uma série de opiniões sobre a realidade. Estas opiniões, que
não foram "checadas" por nós, são incorporadas à nossa visão do mundo, e nós adotamos esta
opiniões que, de fato, nos foram ditadas pela "opinião pública". "Diz-se" que homem não chora, "fala-
se" que filho de peixe, peixinho é. E nós, sem pormos em questão estas opiniões, repetimos o que se
diz, o que se fala.
Mas quem é o se do "diz-se" e do "fala-se"? São "todos", "todo mundo", "a maioria", "o
pessoal", e ao mesmo tempo, este se é anônimo, não é ninguém em particular, é o Impessoal.
Estas opiniões sobre a realidade que herdamos e às quais damos nosso assentimento sem
avaliar, verificar ou questionar, são crenças. Crenças são as opiniões recebidas as quais aceitamos
passivamente sem ter que justificá-las racionalmente. O que faz com que algo seja uma crença não é,
pois, seu caráter de verdade ou falsidade, mas o fato de não termos buscado seu fundamento. Ou seja,
não podemos justificar, por nós mesmos, o seu valor, à medida que atribuímos sua legitimidade à
responsabilidade de uma voz anônima: aceitamos, repetimos e até mesmo defendemos uma opinião
mas, por não termos uma base crítica, não sabemos justificá-la. É o império do "achismo".

2. Como é.

O que em última instância caracteriza o senso comum é a crença em um conjunto de opiniões.


No entanto, uma vez que nós aceitamos passivamente estas opiniões, sem que haja de nossa parte
nenhuma atividade intelectual crítica, o senso comum é, tal como o mito e a fé, uma forma dogmática
de saber.
Este modo de pensar organiza nossa experiência comum do cotidiano e determina nossa
"visão de mundo", mas também determina como nós devemos agir. Ele caracteriza-se por ser um
saber:
a) Prático - que está ligado diretamente às nossas necessidades vitais, sendo tanto mais eficaz quanto
mais simples é a nossa vida. Pessoas simples, comuns que não transformam o mundo, isto é, que não
criam mas apenas reproduzem as tradições, podem manter-se por toda a vida no plano do senso
comum.
b) Por imitação - repetimos o que se diz para sermos iguais à maioria. Ele é transmitido "de pai para
filho", quase que sem resistência, sem intervenção de nossa reflexão crítica.
c) Impessoal - é um conjunto de crenças que uma comunidade acredita ser compartilhado por todos
os homens. No entanto, não se busca o fundamento deste conhecimento. É o império do se (sujeito
anônimo e oculto, todos, mas ninguém em particular).
d) Persuasivo - As opiniões do senso comum não exigem nenhuma participação racional de nossa
parte, apenas entranham-se em nós por todos os meios: televisão, jornal, amigos, familiares, e por
"acreditarmos" nestas opiniões sem que tenhamos que justificá-las, não somos convencidos, mas
persuadidos.
e) Que permite a contradição - algo que afirmamos agora, aqui, pode, por exemplo, estar em completo
desacordo com outra opinião da qual compartilhamos e que, no momento, não nos ocorre de modo
consciente.

3. Por quê é.

Ainda que as opiniões do senso comum sejam anônimas, isso não quer dizer que elas não
possam ser manipuladas. E, é justamente a partir destas opiniões que são "comuns a todos", que
somos dominados. Esta “inércia crítica”, que o senso comum garante, serve para ocultar e reprimir a
diversidade de pontos de vista de uma comunidade e, consequentemente, produzir uma visão de
mundo que reflita ideais, valores e objetivos que também atendem a interesses políticos e
econômicos. O senso comum enquanto mentalidade dominante ajuda a garantir a dominação, a
exploração e a manipulação dos indivíduos, portanto podemos perceber a sua estreita relação com a
ideologia. (Conceito que veremos mais adiante)
Vemos, portanto, que o senso comum leva a uma coesão dos homens baseada na aceitação
acrítica de tarefas pré-fixadas por interesses políticos e econômicos, bem como a favorecer a
dominação de uma classe sobre outra.

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