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CURSO DE DIREITO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
LUIZA ZUCCHI BOSCATO
JOINVILLE
2018
LUIZA ZUCCHI BOSCATO
JOINVILLE
2018
LUIZA ZUCCHI BOSCATO
COMISSÃO AVALIADORA
________________________________
Prof. Me. Jeison Giovani Heiler
Centro Universitário – Católica de Santa
Catarina
________________________________
Prof. .........
Centro Universitário – Católica de Santa
Catarina
________________________________
Prof. ...........
Centro Universitário – Católica de Santa
Catarina
José Saramago
RESUMO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11
2 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO ............................................................................................................ 14
2.1 O HISTÓRICO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............................................................. 14
2.1.1 Definição de competência no ordenamento jurídico brasileiro ................. 15
2.1.2 Caracterização do crime militar .................................................................... 17
2.1.3 A evolução histórica da competência da Justiça Militar ............................ 20
2.2 AS RECENTES ALTERAÇÕES NA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO
JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ................................... 31
2.2.1 A relação dos crimes dolosos contra a vida com o crime militar .............. 31
2.2.2 As recentes alterações na competência da Justiça Militar ........................ 33
3 COMPARATIVO DO JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A
VIDA PRATICADOS POR MILITAR CONTRA CIVIL NO ÂMBITO DA JUSTIÇA
MILITAR DA UNIÃO E DA JUSTIÇA COMUM ........................................................ 40
3.1 JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS
POR MILITAR CONTRA CIVIL NA JUSTIÇA COMUM ............................................. 40
3.1.1 Inquérito Policial no âmbito estadual ........................................................... 41
3.1.2 Julgamento no Tribunal do Júri .................................................................... 45
3.2 JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS
POR MILITAR CONTRA CIVIL NA JUSTIÇA MILITAR............................................ 59
3.2.1 Inquérito Policial Militar no âmbito da União ............................................... 59
3.2.2 Julgamento no âmbito da Justiça Militar da União ..................................... 63
4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXTENSÃO DA COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA MILITAR NA LEI Nº 13.491/2017 E A VIOLAÇÃO A TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS ........................................................ 75
4.1 A EXTENSÃO E A NECESSIDADE DA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ................................................................... 76
4.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.491/2017 .......................................... 82
4.2.1 Inconstitucionalidade Formal ........................................................................ 83
4.2.2 Inconstitucionalidade Material ...................................................................... 88
4.3 A VIOLAÇÃO A TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS .... 99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 108
REFERÊNCIAS........................................................................................................111
11
1 INTRODUÇÃO
Existente até a atualidade, desde 1934 a Justiça Castrense integra o rol das
justiças especiais do Poder Judiciário, em conjunto com a justiça do trabalho e a
justiça eleitoral, de modo que é qualificada como um dos primeiros âmbitos de
justiça a ser concebido no país, haja vista a vinda da Família Real portuguesa em
1808 e a transformação do estado do Rio de Janeiro em capital da monarquia.
Não obstante, é notável que, apesar de ser delineada como especializada, a
Justiça Militar tem seus contornos jurídicos fluentes desde sua concepção, tendo em
conta a extensão de suas funções para julgar civis, militares, crimes militares,
políticos ou comuns em determinados casos.
1
Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve
permanecer, por mais de oito dias: (BRASIL ,1969)
2
Art. 363. Subtrair-se ou tentar subtrair-se o militar, por temor, em presença do inimigo, ao
cumprimento do dever militar: (BRASIL ,1969)
3
Art. 203. Dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em
situação equivalente, ou, não sendo oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao
leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante (BRASIL ,1969)
19
crimes impropriamente militares são aqueles que podem ser praticáveis tanto por
civil quanto por militar, como o caso do homicídio de um militar praticado por seu par,
ambos em situação de atividade (art. 9º, II, a c/c, o art. 205 CPM). (apud NEVES,
STREIFINGER, 2012).
Já na visão doutrinária da teoria topográfica, assevera Rosa (apud NEVES;
STREIFINGER, 2012) que:
Vê-se, pois, que havia Justiça Militar no Império desde 1808, cuja
competência era exercida pelos Conselhos de Guerra e pelo
Conselho Supremo Militar e de Justiça, porém sem que houvesse
previsão constitucional, pois a Constituição de 1824 não fazia
menção aos órgãos do Poder Judiciário. (SEIXAS, 2002, p. 41).
4
Art 77 - Os militares de terra e mar terão foro especial nos delitos militares.
§ 1º - Este foro compor-se-á de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros serão vitalícios, e
dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento dos crimes.
§ 2º - A organização e atribuições do Supremo Tribunal Militar serão reguladas por lei (BRASIL,
1891).
24
5
Art 63 - São órgãos do Poder Judiciário:
a) a Corte Suprema;
b) os Juízes e Tribunais federais;
c) os Juízes e Tribunais militares;
d) os Juízes e Tribunais eleitorais (BRASIL, 1934).
25
6
Art. 8º - O § 1º do art. 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação:
"§ 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão
de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares." (BRASIL, 1965)
27
Dessa feita, Seixas (2002) explana que após o período da ditadura militar,
caracterizado pela intensa turbulência e extensão na competência da Justiça
Castrense, a maior alteração quanto à competência da justiça militar se deu com a
promulgação da CF de 1988, na qual foi determinado em seu artigo 124 7 que é da
competência da Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei,
cometidos por militar ou civil, retirando a possibilidade de julgamento de civis por
crimes políticos, vindo a ser competência da Justiça Federal.
77
Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. (BRASIL,
1988)
28
8
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição
[...]
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda
do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
30
2.2.1 A relação dos crimes dolosos contra a vida com o crime militar
9
Art. 205. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos. (BRASIL, 1969)
10
Art. 206. Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a quatro anos. . (BRASIL, 1969)
11
Art. 207. Instigar ou induzir alguém a suicidar-se, ou prestar-lhe auxílio para que o faça, vindo o
suicídio consumar-se:
Pena - reclusão, de dois a seis anos. (BRASIL, 1969)
32
procedimento processual, haja vista que deu nova redação ao art. 82 do CPPM, o
qual ainda foi acrescido do seguinte § 2°, passando o atual parágrafo único a possuir
o seguinte teor:
12
No caso o Soldado do Exército Romano Carlos Lopes da Silva e Silva teria “matado com um tiro de
Fuzil 7,62 mm um civil Antonio Carlos da Cunha Lopes, quando de serviço, no dia 26/09/97, por volta
das 17:00hs, na área do PNR ST/Sgt na Avenida Brasil, próximo à favela do Muquiço”. (STM RC Nº
6.449-0-RJ – Rel. Min. Aldo Fagundes – DJ 13/04/98, p. 244).(DIAS, 2015)
13
O relator - Min. Moreira Alves - em seu voto explica que o caput do art. 124 da Constituição que “à
Justiça Militar compete processar os crimes militares definidos em lei” e que a lei (Lei nº 9.299/96)
definiu que a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é da Justiça Comum
(STF RE 260.404-6 MG – Rel. Moreira Alves – DJ 22/3/2001,PP 762 e 763) (DIAS, 2015).
14
Caso em que um policial militar que perseguia civil, suspeito de haver cometido tentativa de
homicídio, disparou arma de fogo que atingiu a vítima em região letal (intestino delgado e bexiga),
causando-lhe lesões graves, sendo conduzido para hospital em Porto Alegre - RS (STJ CC 113.020 –
RS – Rel. Min Og Fernandes – DJ 01/04/2011); e também no caso em que a Promotoria de Justiça
Militar de Porto Alegre entendeu que a perseguição e troca de tiros que resultaram em lesões em
36
competência da Justiça Comum para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
perpetrados por militares contra civil.
O tema foi gradativamente sendo pacificado no âmbito da Justiça Militar do
Estado com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, a qual
retificou a competência da Justiça Comum para o julgamento dos crimes doloso
contra a vida praticados por militares contra civil. No entanto, a contenda quanto à
aplicação na esfera da União continuou a ser controversa tanto na doutrina quanto
na jurisprudência.
civis resultante de disparos dos policiais se tratavam de tentativa de homicídio praticado por policial
militar contra civil (STJ CC 120.201 - / RS – Rel. Min. Laurita Vaz – DJ 14/05/2012). (DIAS, 2015)
37
Nota-se que a alteração realizada pela norma ao art. 9º II abarca uma grande
extensão da competência da justiça castrense ao prever que os crimes previstos na
legislação penal também podem ser caracterizados como crimes militares em
decorrência de do agente praticante da conduta. Dessa forma, a alteração quando
ao julgamento dos crimes dolosos contra a vida se deu nos seguintes termos:
§ 2º. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e
cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da
competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo
Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão
militar, mesmo que não beligerante; ou
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei
e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o
disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes
diplomas legais:
a) Lei n° 7.565, de 19 de dezembro de 1986 Código Brasileiro de
Aeronáutica;
b) Lei Complementar n° 97, de 9 de junho de 1999;
c) Decreto-Lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969 Código de Processo
Penal Militar; e d) Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral
15
Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil,
a ele estão sujeitos, em tempo de paz (BRASIL, 1969)
40
Nesse mesmo viés, Fernandes (2000) alude que o legislador deveria ter
especificado que o homicídio contra civil não possuía mais natureza militar, obtendo
a alteração em exata consonância com os dispositivos constitucionais que excluem
a competência da Justiça Militar somente para crimes comuns, de sorte que, para
efetivar a harmonização de tal norma com o preceito constitucional, a interpretação a
ser utilizada é de que, por ocorrência da transferência da competência para a Justiça
Comum para o julgamento de crimes dolosos contra a vida de civil, a lei declara que
tais crimes não se enquadram mais entre os crimes militares expostos no art. 9º,
mesmo que ocorram em situações previstas em suas alíneas.
Tal viés pode ser concretizado ao analisar o disposto no Projeto de Lei nº
2801/92, o qual foi proposto no contexto de investigação pela Comissão Parlamentar
de Inquérito sobre o extermínio de crianças e adolescentes, culminando com a
aprovação da presente lei discutida.
44
Além disso, quanto à dosagem da pena, Tourinho Filho (2004, p. 42) ainda
complementa:
16
Acerca da queixa-crime subsidiária afirma o CPP em seu Art. 29. Será admitida ação privada
nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público
aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo,
fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante,
retomar a ação como parte principal. (BRASIL, 1941)
49
17
Nos termos do CPP em seu art. 409. Apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o
querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias. (BRASIL, 1941)
50
Não obstante, o art. 415 da Lei nº 11.689/08 prevê que o juiz poderá absolver
sumariamente o acusado, quando (a) estiver provada a inexistência do fato (I); (b)
estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato (II); (c) o fato não constituir
infração penal (III) e (d) estiver demonstrada causa de isenção da pena ou de
exclusão do crime (IV), à exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja
cabível a aplicação de medida de segurança. (PACELLI, 2014).
Tal ampliação das hipóteses de absolvição sumária seria descabida, de forma
que, segundo afirma Pacelli (2014, p. 330) “a inexistência do fato e da prova da não
autoria ultrapassam, e muito, a fronteira do Direito, implicando julgamento de matéria
unicamente de fato, e, por isso, suprimindo a competência do Tribunal do Júri.”.
51
18
Em conformidade com o disposto no CPP em seu art. 399, § 2o : O juiz que presidiu a instrução
deverá proferir a sentença. (BRASIL, 1941)
52
19
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-
lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
§1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de
suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§ 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos. .
(BRASIL, 1941)
53
[...] como o julgamento será feito pelo Tribunal do Júri e não mais
pelo juiz singular, salvo a hipótese de desclassificação, quando
competirá ao Juiz-Presidente, devem as partes se ocupar do
convencimento dos membros do Conselho de Sentença. Assim, não
só a prova testemunhal poderá e deverá ser repetida, mas qualquer
outra que tenha o mesmo propósito. A prova pericial, como é
intuitivo, dispensará novo laudo, ao menos como regra. O que não
impedirá que o(s) perito(s) oficial(ais), bem como eventuais
assistentes técnicos já admitidos em juízo, sejam intimados para
esclarecimentos acerca de suas convicções
20
Nos termos do CPP em seu art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri
determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do
defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em
plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer
diligência. (BRASIL, 1941)
54
Nessa esteira, quanto à matéria suscitada nos debates, Pacelli (2014, p. 748)
corrobora que “constitui matéria vedada aos debates orais: (a) a referência aos
termos da pronúncia, salvo quando relativo à questão de direito (inexistência de
causa de aumento ou qualificadora, por exemplo); (b) o silêncio ou a ausência do
acusado em plenário - art. 478, CPP (BRASIL, 1941).”.
Por fim, concluídos os debates, com a habilitação dos jurados ao julgamento,
o juiz lerá os quesitos, explicando a sua finalidade e conteúdo, e, posteriormente ao
voto dos jurados, proferirá a sentença absolutória ou condenatória ou de
desclassificação, conforme os termos do art. 492 do CPP e nos limites do decidido
pelo Conselho de Sentença.
Dessa forma, no caso de condenação do réu, Lopes Júnior (2017a) expõe
que caberá ao juiz a dosimetria da pena – art. 59, CP (BRASIL, 1940) e art. 492,
CPP (BRASIL, 1941) – de forma a fixar a pena-base e, posteriormente, fixará as
atenuantes e agravantes. Já no caso de absolvição, segundo Pacelli (2014), o réu
deverá ser posto imediatamente em liberdade, não devendo ser considerada a
afiançabilidade do crime, haja vista a revogação do disposto no art. 492, II, alínea a
do CPP (BRASIL, 1941), que dispunha sobre a proibição de restituição de liberdade
nos casos de crime inafiançável.
Por último, na ocorrência de desclassificação do crime pelo Conselho de
Sentença são duas as possibilidades. No caso de desclassificação própria, o Juiz-
Presidente julgará o caso penal e, no caso de crime conexo que não seja doloso
contra a vida também será de sua competência o julgamento, de modo que o crime
conexo segue o principal. Já na desclassificação imprópria, os jurados é que
indicarão o tipo penal praticado, firmando sua competência para julgar crimes
conexos, de forma que cabe ao Juiz-Presidente apenas condenar o réu pelo crime
apontado. (LOPES JÚNIOR, 2017a, p. 845).
59
21
Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos têrmos legais, configure
crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de
ministrar elementos necessários à propositura da ação penal. (BRASIL, 1969)
61
22
Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:
a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a
infração penal, atendida a hierarquia do infrator;
b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência,
poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por ofício;
(BRASIL, 1969)
23
Art. 15. Será encarregado do inquérito, sempre que possível, oficial de pôsto não inferior ao de
capitão ou capitão-tenente; e, em se tratando de infração penal contra a segurança nacional, sê-lo-á,
sempre que possível, oficial superior, atendida, em cada caso, a sua hierarquia, se oficial o indiciado
(BRASIL, 1969)
62
Além disso, cabe originariamente ao STM, nos termos do art. 6º, inciso I, da
Lei 8.457 – Lei de Organização da Justiça Militar (LOJM) (BRASIL 1992) - processar
e julgar os oficiais generais das Forças Armadas nos crimes militares definidos em
lei.
A principal distinção entre o julgamento nas primeiras instâncias da Justiça
Comum e da Justiça Militar é observada pela presença de um órgão colegiado para
julgamento nesta última, cuja composição não se dá apenas por juízes de direito,
mas sim pelo Juiz-Auditor já mencionado e por oficiais investidos como Juízes
Militares do Conselho por meio de compromisso legal nos termos do art. 400 do
CPPM24.
No que concerne aos Conselhos de Justiça, estes são segmentados em
Conselho Especial de Justiça e Conselho Permanente de Justiça, conforme expõe
Lobão (p. 450, 2009):
24
Art. 400. Tendo à sua direita o auditor, à sua esquerda o oficial de pôsto mais elevado ou mais
antigo e, nos outros lugares, alternadamente, os demais juízes, conforme os seus postos ou
antigüidade, ficando o escrivão em mesa próxima ao auditor e o procurador em mesa que lhe é
reservada — o presidente, na primeira reunião do Conselho de Justiça, prestará em voz alta, de pé,
descoberto, o seguinte compromisso: "Prometo apreciar com imparcial atenção os fatos que me
forem submetidos e julgá-los de acôrdo com a lei e a prova dos autos." Êsse compromisso será
também prestado pelos demais juízes, sob a fórmula: "Assim o prometo." (BRASIL, 1969)
65
25
Art. 407. Após o interrogatório e dentro em quarenta e oito horas, o acusado poderá opor as
exceções de suspeição do juiz, procurador ou escrivão, de incompetência do juízo, de litispendência
ou de coisa julgada, as quais serão processadas de acôrdo com o Título XII, Capítulo I, Seções I a IV
do Livro I, no que fôr aplicável.
Parágrafo único. Quaisquer outras exceções ou alegações serão recebidas como matéria de
defesa para apreciação no julgamento. (BRASIL, 1969)
26
Art. 408. O procurador, no mesmo prazo previsto no artigo anterior, poderá opor as mesmas
exceções em relação ao juiz ou ao escrivão. (BRASIL, 1969)
66
que exija apenas a presença das próprias partes e seus advogados, ou somente dos
procuradores, não existindo, entretanto, a nulidade da liberação se o advogado,
apesar de ser convidado, se retire do recinto por vontade própria.
Dessarte, a votação será realizada na ordem exposta no art. 435 do CPPM
(BRASIL, 1969), qual seja, o primeiro voto será do juiz-Auditor, seguido pelos votos
dos juízes militares, por ordem inversa de hierarquia e, por fim, o Presidente do
Conselho de Justiça.
Concernente à votação, é de suma importância a análise quanto à ocorrência
de divergência de votos, não se constituindo maioria para aplicação da pena
cabendo a instituição do voto médio. Essa instituição possui exímia explicação nas
palavras de Miguel; Coldibelli (2008 apud NEVES, 2014):
- MP se manifestará sobre
exceções preliminares
alegadas pela defesa e para
tomar conhecimento de
documentos e demais
provas juntadas
27
Politically, the non-planned effects of such militarization of politics would reach an insurmountable level
when the black, left-wing and lesbian female Rio de Janeiro city councilor Marielle Franco, 38 was shot dead on
the 14 March 2018, together with her driver Anderson Gomes, 35. A severe critic of the way young people were
killed at Rio de Janeiro’s communities (the pejorative ‘favelas’), Franco denounced it as a slaughter committed
by policeman, most of them part of the so-called regional military police. […] Little was known until now;
however, investigations follow the path of highly professionalized killing that could only be committed by
corrupt police officers. To add another critical element to the facts, it is important to remember that Marielle
Franco was chosen to be one of the commissioners to investigate possible abuses committed during the federal
militarized interference declared by Michel Temer. (MEYER, 2017, p. 12)
78
28
“Na linha da jurisprudência desta Corte, a condição de militar ou o fato de estar a serviço quando
da prática do crime não são suficientes para caracterizar a ocorrência de crime militar e, assim, atrair
a competência da Justiça Castrense. Na espécie, a infração foi praticada fora da instituição militar,
em via pública, por motivos pessoais, consoante destacaram as instâncias anteriores, não se
vislumbrando qualquer agressão aos valores da Instituição Militar. Ordem denegada” (STF – 2ª
Turma – HC 84.915/SP – rel. min. Joaquim Barbosa – j. em 10/10/2006 – DJ de 2/2/2007) / “I –
Hipótese em que os fatos imputados ao denunciados não se enquadram em nenhuma das situações
previstas pelo Código Penal Militar para caracterizar crime militar e, por conseguinte, fixar a
competência da Justiça Castrense. II – Da leitura dos autos, verifica-se que a conduta criminosa não
possui qualquer conotação militar e que a condição de policial militar não foi determinante para a
prática do crime, de modo que não vejo como classificá-lo como militar. III - Esta Corte já firmou
entendimento no sentido de que a condição de militar ou a circunstância de o agente estar em serviço
no momento da prática do crime não são suficientes para atrair a competência da Justiça Castrense.
Precedentes” (BRASIL, 2011).
79
29
Conforme prevê a CF/88 em seu Art 1ºA República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988).
81
julgamento de tais infrações penais, uma vez que a Justiça Militar tem razão de ser
exclusivamente para o julgamento de crimes militares, balizados pelo preceito
constitucional da definição ratione legis, ou seja, de que crime militar é o que a lei
define como tal.
Desse modo, após a explanação acerca da ilegitimidade constitucional da
extensão competência da Justiça Militar realizada pela legislação ordinária
supramencionada, é imprescindível analisar a possibilidade da inconstitucionalidade
da Lei nº 13.491/2017 em seu caráter formal, por meio de violação ao processo
constitucional legislativo, assim como material, destacando a violação direta de
princípios e garantias presentes na Constituição Federal.
30
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal
que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. (BRASIL, 2008).
83
Ainda assim, pensada para ter vigência temporária, conforme exposto durante
todo o seu trâmite legislativo, a inconstitucionalidade formal da Lei nº 13.491/2017 é
86
31
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
87
32
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho; (BRASIL, 1988)
88
33
Artigo 8. Garantias judiciais
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por
um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos
ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (COSTA RICA,
1969).
90
Ainda acerca das inseguranças que o julgamento de militares por seus pares
pode causar no ordenamento jurídico brasileiro atual, assim como a possibilidade de
parcialidade no julgamento com a violação do princípio do juiz natural,
34
Consider another issue that can be related to this problematic ‘jurisdiction by its own peers’: if there
is no good will by civilian judicial authorities to accomplish human rights treaties and norms related to
militaries’ criminal accountability, why would own military judicial organs consider doing so properly
with present violations committed by militaries? (MEYER, 2017, p. 5)
91
Acerca do tema, de Moraes (2013) corrobora que tal princípio deve ser
interpretado em sua plenitude, de modo que não existe apenas a obrigatoriedade da
proibição de Tribunais e juízos de exceção, como também deve ser exigido respeito
absoluto às regras objetivas de determinação de competência, com o intuito de
garantia e resguardo da independência e imparcialidade do órgão julgador.
35
A garantia do devido processo legal formal tem origem na Magna Carta Libertatum, assinada em 15
de junho de 1215, quando o rei da Inglaterra João sem Terra assegurou privilégios aos barões e aos
burgueses ingleses. Pelo caráter restritivo a determinadas classes, esses privilégios não
configuravam direitos fundamentais. Mas a Carta foi fundamental para o desenvolvimento
constitucional inglês e para a construção da democracia moderna. (SILVA, 2017, p. 134).
93
Por outro lado, Nucci (2014) afirma que a competência para os crimes
dolosos contra a vida exercida pelo Tribunal do Júri constitui cláusula pétrea,
considerando que o dispositivo que regula a sua instituição não pode ser alterado
pelo constituinte reformador no sentido de abolir direitos e garantias individuais, mas
apenas no sentido de sua ampliação.
Nesse seguimento, é cediço que o respeito aos direitos humanos e aos
direitos fundamentais constitucionais são o alicerce na construção de um Estado
Democrático de Direito, conforme o exposto pelo Min. Marco Aurélio:
36
Destacando-se em especial a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José
da Costa Rica -, e a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das
Liberdades Fundamentais.
100
37
[...] a Convenção Americana sobre Direitos Humanos “Pacto de São José” (a partir deste momento
denominada “Convenção Americana”) em seus artigos 8.1, 8.5 e 25, como a Convenção Europeia
para a Proteção dos Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais (a partir de agora,
“Convenção Europeia”) em seus artigos 5, 6, 7 e 13. Por sua vez, o artigo 7.1 da Carta Africana
sobre Direitos Humanos e dos Povos “Carta de Banjul” (a seguir, “Carta Africana”) reconhece o
direito de toda pessoa de recorrer aos órgãos nacionais competentes contra atos de violação de
seus direitos fundamentais, assim como de ser julgada por uma corte ou tribunal competente e
imparcial. O inciso 2 desse artigo inclui o princípio da legalidade. Como já comentamos, essas
disposições são aplicáveis a toda jurisdição, incluindo a militar. (CONTRERAS; MARTINEZ, 2010,
p. 79)
101
Já no caso Cruz Sánchez e Outros vs. Peru, mais recente, a Corte IDH
reafirmou sua jurisprudência sobre a aplicação restrita do alcance da competência
criminal da Justiça Militar nos Estados-Membros da Convenção Americana de
Direitos Humanos, nos termos:
uma lei que garantisse que todo crime cometido por policiais militares
contra os civis fosse julgado pela justiça comum. A Comissão
considera, outrossim, que devem ser estabelecidos processos
eficientes para receber e considerar queixas contra agentes da
polícia.
78. A Comissão considera essas restrições inaceitáveis e observa
que não há razão alguma que justifique a permanência da
competência da Justiça Militar para julgar os crimes cometidos pela
polícia militar contra civis. Considera ainda, que o Estado brasileiro
deve adotar legislação que transfira para a competência da Justiça
Comum, todos os crimes cometidos pelos membros da polícia militar
contra civis e não somente os crimes dolosos contra a vida. (BRASIL,
2003)
Americanos (OEA) emitiram nota expressando tal apreensão com o disposto nessa
legislação.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
referida lei pode ser vista como uma excepcionalidade legalizada do direito, na
medida em que a modificação no sentido de aplicação extensiva da competência da
justiça castrense altera e aumenta o âmbito de sua especialidade.
Nesse seguimento, a lei em vigor viola os tratados internacionais de direitos
humanos dos quais o Brasil é Estado-membro, haja vista os órgãos internacionais
de proteção aos direitos humanos se manifestam pela necessidade da restrição da
competência da Justiça Castrense, de sorte que a arbitrariedade processual da
Justiça Militar geraria uma espécie de sistema paralelo de justiça, consubstanciado
pelo julgamento de militares pelos seus pares, legitimando o desrespeito aos direitos
humanos e a própria democracia. Dessa forma, no âmbito interno, legitimação do
excesso de tal arbitrariedade se dá na medida em que com a extensão da referida
competência os crimes dolosos contra a vida, que condizem com a dignidade da
pessoa humana e, portanto, são atribuídos à Justiça Comum, teriam sua persecução
realizada no âmbito militar.
Dessa forma, a respeito de tal extensão de competência castrense, bem
como de expansão do militarismo na segurança pública, por meio de aplicação de
medidas interventivas e da consequente violação aos princípios constitucionalmente
garantidos e aos tratados internacionais de direitos humanos, formulou-se seguinte
indagação: existe inconstitucionalidade na extensão da competência militar para
julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por militares, nos
termos do art. 9º, § 2, III do Código Penal Militar, alterado pela Lei 13.491/2017, com
base nos princípios fundamentais constitucionais tais como o princípio do devido
processo legal e do juiz natural, no princípio da especialidade e no consequente
descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos?
No decurso da pesquisa trabalhou-se com a hipótese de pesquisa partindo da
proposição de que a extensão da competência militar para julgamento de crimes
dolosos contra a vida de civis praticados por militares das Forças Armadas,
conforme o art. 9º, § 2º, III do Código Penal Militar, modificado pela Lei 13.491/2017,
seria inconstitucional, a julgar por sua contrariedade aos princípios fundamentais
constitucionais do devido processo legal e do juiz natural. Além disso, também foi
trabalhada a asserção de que a referida norma infraconstitucional estaria em
desacordo com o princípio da especialidade, cujo caráter é internacional, subsistindo
ainda a violação aos tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil
constitui-se como Estado-membro.
110
REFERÊNCIAS
BRASIL. Câmara dos deputados. Projeto de Lei nº 2801, de 1992. Altera o Código
Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar, remetendo a justiça comum o
julgamento, em tempo de paz, de crimes cometidos contra civil. Autor: CPI do
Extermínio de Crianças. Brasília, 26 mai. 1992. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=206879
Acesso em: 18 set. 2018..
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(DF), 02 de fevereiro de 1996. Disponível em:
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dos crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares contra
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