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CENTRO UNIVERSITÁRIO - CATÓLICA DE SANTA CATARINA

CURSO DE DIREITO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
LUIZA ZUCCHI BOSCATO

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA EXTENSÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA


MILITAR COM O ADVENTO DA LEI Nº 13.491/2017 E A VIOLAÇÃO À TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

JOINVILLE
2018
LUIZA ZUCCHI BOSCATO

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA EXTENSÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA


MILITAR COM O ADVENTO DA LEI Nº 13.491/2017 E A VIOLAÇÃO À TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Direito do
Centro Universitário – Católica de Santa
Catarina em Joinville (SC) como requisito
para obtenção de grau de Bacharel.
Orientador: Prof. Me. Jeison Giovani
Heiler.

JOINVILLE
2018
LUIZA ZUCCHI BOSCATO

A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA EXTENSÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA


MILITAR COM O ADVENTO DA LEI Nº 13.491/2017 E A VIOLAÇÃO À TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Direito do
Centro Universitário – Católica de Santa
Catarina em Joinville (SC) como requisito
para obtenção de grau de Bacharel.
Orientador: Prof. Me. Jeison Giovani
Heiler.

COMISSÃO AVALIADORA

________________________________
Prof. Me. Jeison Giovani Heiler
Centro Universitário – Católica de Santa
Catarina

________________________________
Prof. .........
Centro Universitário – Católica de Santa
Catarina

________________________________
Prof. ...........
Centro Universitário – Católica de Santa
Catarina

Joinville, ____ de ____________ de 2018.


LISTA DE SIGLAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade


AI-2 – Ato Institucional nº 2
CF – Constituição Federal
CP – Código Penal
CPM – Código Penal Militar
CPP – Código de Processo Penal
CPPM – Código de Processo Penal Militar
CSMJ – Conselho Supremo Militar e de Justiça
EC – Emenda Constitucional
HC – Habeas Corpus
IPC – Inquérito Policial Comum
IPM – Inquérito Policial Militar
LOJM – Lei de Organização da Justiça Militar
MP – Ministério Público
RE – Recurso Extraordinário
STF – Supremo Tribunal Federal
STM – Superior Tribunal Militar
TSN – Tribunal de Segurança Nacional
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Comparativo dos julgamentos na Justiça Comum, por meio do Tribunal


do Júri e da Justiça Militar da União, por meio de sessão de julgamento.................70
AGRADECIMENTO

Antes de tudo, gostaria de agradecer profundamente aos meus pais, Raul,


que me é um exemplo de evolução e sabedoria e Salete, que é meu alicerce e meu
modelo de força feminina, afeto e crescimento pessoal, pelo amor materializado por
meio do apoio e incentivo incondicionais ao longo de toda a minha vida, pela crença
nas minhas aptidões e ainda por proporcionarem meios de conquistar esse objetivo.
Quero agradecer ao meu irmão Arthur pelo carinho, amor, confiança e apoio e
aos meus queridos Gustavo Bachtold, Gustavo Mira, Leodoro Fernandes, Rafael
Tormena, Rafael Vecchietti, Scheila Eggert e Tomas Freitag, por transformarem
essa trajetória em um caminho mais leve e agradável por meio da sua companhia e
parceria ao longo desses anos.
Meus agradecimentos as minhas amigas Heloysa Rampelotti e Nathalia Fraga
que durante os cinco anos de graduação me acompanharam e contribuíram de
maneira imprescindível para essa trajetória acadêmica, pelo compartilhamento de
conselhos, ensinamentos, conhecimento, apoio e pelos momentos de alegria.
Sou grata a todos os professores que contribuíram ao longo de toda minha
jornada acadêmica, especialmente ao meu orientador Jeison Giovani Heiler, por ter
confiado em minha pesquisa e acreditado em meu potencial para realizá-la, além do auxílio e da
paciência necessária para apoiar e proporcionar os meios para que eu concretizasse
essa última etapa em busca da graduação.
“Somos a memória que temos e a
responsabilidade que assumimos. Sem
memória não existimos, sem
responsabilidade talvez não mereçamos
existir.”

José Saramago
RESUMO

A presente monografia teve como escopo analisar a possível inconstitucionalidade


da extensão da competência da Justiça Militar para julgamento de crimes dolosos
contra a vida de civis praticados por militares das Forças Armadas com o advento da
Lei nº 13.491/2017 e a consequente violação de tratados internacionais de direitos
humanos. Por conseguinte, analisou-se tal problemática propondo a seguinte
pergunta: existe inconstitucionalidade na extensão da competência militar para
julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por militares, nos
termos do art. 9º, § 2, III do Código Penal Militar, alterado pela Lei nº 13.491/2017,
com base nos princípios fundamentais constitucionais tais como o princípio do
devido processo legal e do juiz natural, no princípio da especialidade e na
consequente violação a tratados internacionais de direitos humanos? Dessa forma, o
presente estudo foi conduzido pelo método dedutivo, pelo viés da linha qualitativa e
bibliográfica de pesquisa, utilizando abordagens descritiva e explicativa, assim como
de análise a doutrinas e artigos pertinentes a temática. Nesse prisma, no primeiro
capítulo apresentou-se a definição e delimitação da competência da Justiça
Castrense no ordenamento jurídico brasileiro, assim como seu histórico e suas
recentes alterações, culminando com as alterações de cunho extensivo realizadas
com a sanção da Lei nº 13.491/2017. Ademais, o segundo capítulo objetivou
salientar a diferenciação dos dois ritos utilizados no âmbito militar, quais sejam o
julgamento dos crimes doloso contra a vida de civil perante a Justiça Comum, por
meio do Tribunal do Júri, quando praticados por militares estaduais e o julgamento
perante a Justiça Militar da União, quando praticados por militares das Forças
Armadas. Por fim, o terceiro capítulo abordou a possível inconstitucionalidade formal
e material da extensão da competência da justiça castrense consubstanciada na
sanção da Lei nº 13.491/2017, haja vista a contrariedade ao processo legislativo
constitucional e aos princípios do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade
e da vedação ao retrocesso, assim como, com o intuito de investigar a violação aos
tratados internacionais de direitos humanos pela norma em questão, foram apuradas
as variadas manifestações dos sistemas internacionais de proteção aos direitos
humanos acerca do tema. Nesse, seguimento, como resultado de pesquisa,
demonstrou-se a existência da inconstitucionalidade da extensão da competência da
Justiça Castrense com o advento da Lei nº 13.491/2017, haja vista que assim como
a expansão do militarismo na segurança pública e nas instituições do ordenamento
jurídico brasileiro, a referido norma infraconstitucional vai de encontro aos princípios
e normas garantidos pela Constituição Federal de 1988, cuja prerrogativa de
efetivação é reconhecida como essencial no ordenamento jurídico nacional e pelos
sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos. Além disso, restou
comprovada a violação aos tratados internacionais de direitos humanos, a julgar
pela notória manifestação opositora da aplicação extensiva da competência da
Justiça Militar ao longo da jurisprudência, legislação, decisões, relatórios e
resoluções dos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos.

Palavras-chave: Lei nº 13.491/2017; Competência da Justiça Militar;


Inconstitucionalidade; Extensão de competência; Direitos Humanos.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11
2 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO ............................................................................................................ 14
2.1 O HISTÓRICO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............................................................. 14
2.1.1 Definição de competência no ordenamento jurídico brasileiro ................. 15
2.1.2 Caracterização do crime militar .................................................................... 17
2.1.3 A evolução histórica da competência da Justiça Militar ............................ 20
2.2 AS RECENTES ALTERAÇÕES NA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO
JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ................................... 31
2.2.1 A relação dos crimes dolosos contra a vida com o crime militar .............. 31
2.2.2 As recentes alterações na competência da Justiça Militar ........................ 33
3 COMPARATIVO DO JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A
VIDA PRATICADOS POR MILITAR CONTRA CIVIL NO ÂMBITO DA JUSTIÇA
MILITAR DA UNIÃO E DA JUSTIÇA COMUM ........................................................ 40
3.1 JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS
POR MILITAR CONTRA CIVIL NA JUSTIÇA COMUM ............................................. 40
3.1.1 Inquérito Policial no âmbito estadual ........................................................... 41
3.1.2 Julgamento no Tribunal do Júri .................................................................... 45
3.2 JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS
POR MILITAR CONTRA CIVIL NA JUSTIÇA MILITAR............................................ 59
3.2.1 Inquérito Policial Militar no âmbito da União ............................................... 59
3.2.2 Julgamento no âmbito da Justiça Militar da União ..................................... 63
4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXTENSÃO DA COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA MILITAR NA LEI Nº 13.491/2017 E A VIOLAÇÃO A TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS ........................................................ 75
4.1 A EXTENSÃO E A NECESSIDADE DA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR ................................................................... 76
4.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.491/2017 .......................................... 82
4.2.1 Inconstitucionalidade Formal ........................................................................ 83
4.2.2 Inconstitucionalidade Material ...................................................................... 88
4.3 A VIOLAÇÃO A TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS .... 99
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 108
REFERÊNCIAS........................................................................................................111
11

1 INTRODUÇÃO

O recente panorama da democracia brasileira e a expansão do militarismo


nas instituições governamentais e na segurança pública com a imposição do instituto
da intervenção federal gerou uma intensa insegurança dos sistemas aplicadores do
direito internacional dos direitos humanos quanto à violação de direitos humanos no
brasil.
O aumento de tal inseguridade, não apenas dos sistemas internacionais
supramencionados, mas também no cenário interno do país, se dá considerando
ainda a utilização de medidas interventivas federais com caráter militar em conjunto
com a expansão da competência da Justiça Militar no âmbito do judiciário brasileiro.
Nesse ínterim, tal extensão da competência castrense, iria de encontro a
diversos princípios constitucionalmente garantidos pela CF/88, cuja garantia de
efetivação é reconhecida como essencial no ordenamento jurídico nacional e pelos
sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos.
A aplicação extensiva da jurisdição militar se intensificou com a sanção da Lei
nº 13.491/2017, a qual alterou o art. 9º do Código Penal Militar, com o intuito de
modificar a competência castrense. Em suma, a nova legislação prevê que os crimes
dolosos contra a vida praticados contra civis por militares das Forças Armadas,
quando em atividade operacional, passam a ser julgados por seus pares e não mais
pela Justiça Comum, por meio do Tribunal do Júri.
Dessa maneira, formulou-se o seguinte problema de pesquisa: Existe
inconstitucionalidade na extensão da competência militar para julgamento de crimes
dolosos contra a vida praticados contra civis por militares, nos termos do art. 9º, § 2,
III do Código Penal Militar, alterado pela Lei 13.491/2017, com base nos princípios
fundamentais constitucionais tais como o princípio do devido processo legal e do juiz
natural, no princípio da especialidade e no consequente descumprimento de tratados
internacionais de direitos humanos?
Nessa esteira, com o intuito de dissolução do referido problema, levantou-se a
hipótese de pesquisa partindo da premissa de que a extensão da competência
militar para julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por
militares, nos termos do art. 9º, § 2, III do Código Penal Militar, alterado pela Lei
13.491/2017, seria inconstitucional, haja vista a contrariedade a princípios
12

fundamentais constitucionais, tais como o princípio do devido processo legal e do


juiz natural, além de estar em desacordo com o princípio da especialidade, cujo
caráter é internacional, e com tratados internacionais de direitos humanos em que o
Brasil constitui-se como Estado-membro.
A presente pesquisa foi desenvolvida por meio da metodologia dedutiva na
fase de investigação. Já quanto à fase de tratamento de dados, o método utilizado
foi o cartesiano, enquanto que o método a ser empregado na fase de monografia foi
o indutivo, assim como foram utilizadas as técnicas de categoria, do referente,
conceitos operacionais, bibliografia e fichamento.
Desse modo, com o intento de analisar de forma esmiuçada a
inconstitucionalidade da extensão da competência da Justiça Militar com a edição da
Lei nº 13.491/2017 e a consequente violação de tratados internacionais de direitos
humanos, de maneira que fosse possível delinear como restrita a competência
castrense no ordenamento jurídico brasileiro, se fez necessário o aprofundamento
particularizado dos temas essenciais para tal compreensão.
Nesse sentido, a princípio preocupou-se em apresentar a definição de
delimitação da competência Justiça Militar no ordenamento jurídico brasileiro, de
modo que tal análise se desenvolveu com a conceituação de competência e de
crime militar, assim como exibição do histórico da competência da Justiça Militar,
delineando as evoluções e modificações da organização e da competência da
Justiça Castrense desde o Brasil Império até a atual expansão da competência da
Justiça Militar com a distinção do julgamento dos crimes dolosos contra a vida de
civil praticados por militares estaduais e federais, a serem julgados ou no âmbito da
Justiça Militar da União ou no da Justiça Comum.
Diante da diferenciação supramencionada, se fizeram imprescindíveis a
explanação e a delimitação da distinção dos ritos utilizados na investigação e nos
procedimentos de processamento e julgamento dos integrantes das duas esferas
militares, de sorte que ao integrante das Forças Armadas é atribuído o julgamento
perante a Justiça Militar da União, ao mesmo tempo em que aos militares estaduais
é atribuído o julgamento perante a Justiça Comum, por meio do Tribunal do Júri.
O terceiro ponto abordado na pesquisa foi o exame da possível
inconstitucionalidade da extensão da competência da justiça castrense
consubstanciada no escopo das alterações realizadas no Código Penal Militar
(CPM) pela Lei nº 13.491/2017, a qual se deu por meio abordagem da necessidade
13

de uma intepretação restritiva da aplicação da competência da Justiça Militar, assim


como a especificação das inconstitucionalidades formal e material, por meio da
exposição da violação ao processo legislativo constitucional e dos princípios e
garantias constitucionais, respectivamente.
Por fim, foi realizada a investigação à legislação, decisões, relatórios e
resoluções do sistema internacional de proteção aos direitos humanos, a fim de
relacionar o direito constitucional com os direitos humanos internacionais por meio
da análise ao princípio da especialidade e de legitimar a aplicação restritiva da
competência da Justiça Militar e explicitar a violação aos princípios estipulados nos
Tratados de Direitos Humanos dos quais o país é Estado-membro.
Por conseguinte, em que pese a intranquilidade gerada pelo corrente
retrocesso na democracia brasileira, pela expansão do militarismo, aliado ao
autoritarismo da instituição de intervenção federal na segurança pública, a presente
pesquisa se fez indispensável para a análise e compreensão da competência da
Justiça Militar no ordenamento jurídico brasileiro, e a consequente
inconstitucionalidade de sua aplicação extensiva, consubstanciada pelo advento da
Lei nº 13.491/2017, possuindo ainda o intuito de legitimar a interpretação restritiva
da aplicação da jurisdição militar e a efetivação do cumprimento dos tratados
internacionais de direitos humanos nos quais o país se insere como Estado-membro.
14

2 A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO

No presente capítulo, a fim de iniciar as elucidações acerca do conteúdo


pretendido, o viés a ser traçado será acerca da competência da Justiça Militar no
ordenamento jurídico brasileiro.
Dessa feita, no primeiro tópico será exposta a conceituação de competência
no ordenamento jurídico brasileiro, assim como a temática sobre o histórico da
competência da Justiça Militar, traçando as evoluções e modificações da
organização e da competência da Justiça Castrense desde o Brasil Império até a
atualidade.
Ainda assim, o segundo tópico tratará com especificidade a respeito das mais
recentes alterações concernentes à competência da Justiça Militar no julgamento e
processamento dos crimes dolosos contra a vida no âmbito da Justiça Militar da
União e da Justiça Militar estadual, haja vista a atualização e expansão da
competência da Justiça Castrense nesta matéria.

2.1 O HISTÓRICO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO


ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Existente até a atualidade, desde 1934 a Justiça Castrense integra o rol das
justiças especiais do Poder Judiciário, em conjunto com a justiça do trabalho e a
justiça eleitoral, de modo que é qualificada como um dos primeiros âmbitos de
justiça a ser concebido no país, haja vista a vinda da Família Real portuguesa em
1808 e a transformação do estado do Rio de Janeiro em capital da monarquia.
Não obstante, é notável que, apesar de ser delineada como especializada, a
Justiça Militar tem seus contornos jurídicos fluentes desde sua concepção, tendo em
conta a extensão de suas funções para julgar civis, militares, crimes militares,
políticos ou comuns em determinados casos.

Sua relação com as Forças Armadas e com o Poder Judiciário


permite-nos afirmar que ela se mantém na intersecção entre o
mundo militar e o mundo jurídico, constituindo-se como uma esfera
híbrida de atuação, moldada pelas formalidades jurídicas e
perpassada pelo ethos militar (SOUZA; DA SILVA, 2016, p. 363)
15

Dessa maneira, considerando a evolução histórica da Justiça Militar e de sua


competência, é eminente a fluidez da Justiça Militar, perpassando o campo de suas
apreciações voltadas para crimes de natureza estritamente militar, para se envolver
com matérias de natureza diversa à sua originária, como é o caso da extensão de
competência para os crimes políticos na época do Império e da Ditadura ou dos
próprios crimes comuns nos tempos atuais.

2.1.1 Definição de competência no ordenamento jurídico brasileiro

No entanto, é elementar traçar um conceito definido de jurisdição e


competência no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que são institutos
orientadores para a posterior definição de competência em relação aos crimes
militares. Nessa esteira, Lopes Júnior (2017a) afirma que jurisdição não seria
apenas um poder-dever do Estado, mas é um direito fundamental do processo
penal, haja vista que se consubstancia no direito fundamental de ser julgado por um
juiz natural, com competência prefixada em lei, imparcial e em prazo razoável.
Ainda assim, Pacelli (2014, p. 199) destaca a intervenção do Estado na
matéria penal por meio da jurisdição, nos seguintes termos:

Como atividade e expressão do Poder Público, afirma-se que a


jurisdição é uma, no sentido de se tratar de intervenção do Estado
junto aos jurisdicionados, para fins de atuação do Direito ao caso
concreto e, mais particularmente, ao caso ou a questão penal. Todos
os atos e decisões judiciais, ou seja, os provimentos, de
movimentação ou solução, proferidos no processo pelos órgãos
investido de jurisdição, qualquer que seja a competência do juiz ou
tribunal, configuram, assim, manifestação do poder estatal
jurisdicional, com aptidão, em tese, para a produção de determinados
e específicos efeitos jurídicos.

Outrossim, caracterizando a jurisdição como direito fundamental do cidadão,


na medida em que esse poder-dever do Estado deve ser obrigatoriamente invocado
pelo indivíduo por meio da ação e destacando ainda o princípio da necessidade do
processo em relação à pena, considerando que não há pena sem processo anterior,
se faz lógica a afirmação de que ação, jurisdição e processo foram um núcleo de
direitos fundamentais que impedem a aplicação imediata e ilegítima da pena.
(LOPES JÚNIOR, 2017a).
16

Dessa maneira, a própria conceituação de competência é afeta diante da


coexistência supracitada, de forma que à luz do exposto de forma elucidativa por
Filho (2009, p. 271), a competência pode ser definida como:

O poder de fazer atuar a jurisdição que tem um órgão jurisdicional


diante de um caso concreto. Decorre esse poder uma delimitação
prévia, constitucional e legal, estabelecida segundo critérios de
especialização da justiça, distribuição territorial e divisão de serviço.
A exigência dessa distribuição decorre da evidente impossibilidade
de um juiz único decidir toda a massa de lides existente no universo
e, também, da necessidade de que as lides sejam decididas pelo
órgão jurisdicional adequado, mais apto a melhor resolvê-las.

Nesse seguimento, corrobora Pacelli (2014) afirmando que com o intuito de


preservação aos critérios constitucionais de distribuição do poder político, o poder
jurisdicional foi objeto de repartição de competência para a melhoria na
operacionalização e administração da justiça, de modo que a existência da
distribuição de parcelas da jurisdição, se dá para sob a proteção do exposto no art.
5º, LIII da Constituição Federal de 1988, ou seja, de que ninguém será processado
nem sentenciado senão pela autoridade competente.
Acerca da relação entre a multiplicidade de órgãos, a repartição das tarefas
judiciárias e a caracterização do juiz competente, Taormina (1995, apud LOPES
JÚNIOR, 2017a, p. 246) afirma:

A disciplina da competência deriva do fato de que a jurisdição penal


ordinária se articula em uma multiplicidade de órgãos, devendo
verificar a repartição de tarefas judiciárias. Resultaria extremamente
perigoso se não fossem previstos rígido mecanismo de identificação
prévia do juiz competente, pois, antes de tudo, está a garantia da
precostituzione per legge del giudice que deverá ser prima del fato
commesso.

Dessa forma, pode se descrever que o critério de especialização surge com o


intuito de primar pela otimização da atividade do Poder Judiciário e pela repartição
constitucional de competência em razão da matéria, de modo que, segundo Pacelli
(2014, p. 200):

A doutrina e a jurisprudência frequentemente adotam uma


terminologia ainda mais restritiva em relação à jurisdição penal militar
e à Justiça Eleitoral. Fala-se em Justiça especializada,
aparentemente em oposição à jurisdição comum da Justiça Federal e
17

Estadual. Note-se que, porém, em quaisquer das jurisdições dotadas


de competência específica, o critério determinante da separação de
poderes, no particular – Justiça comum e especializada -, foi,
precisamente o da especialização em razão da matéria.

Nesse ínterim, pode se destacar que a competência impõe limites ao poder


jurisdicional, com a sua definição regrada ao longo da legislação e da jurisprudência
brasileira, de modo a assegurar a legitimidade e a qualidade das funções e tarefas
do Poder Judiciário, assim como garantir o julgamento por um juiz natural, imparcial
e competente, definido legalmente antes da ocorrência do fato criminoso.

2.1.2 Caracterização do crime militar

Além disso, é fundamental a caracterização e diferenciação de interpretação


para o crime militar, de forma que este sobrevém, de maneira indispensável, por
uma ação dirigida contra a instituição, ou por uma ação praticada pelo militar, do
mesmo modo que se exige, para os chamados crimes políticos a motivação política
da conduta - Lei n° 7.170/83, art. 2° - de forma a não ser suficiente apenas a
condição de militar, como, aliás, já se ressaltou em decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) (PACELLI, 2014).
Outrossim, no gênero de crime militar, primeiramente destaca-se a subdivisão
entre crimes militares em tempo de guerra e em tempo de paz, de sorte que as
subdivisões dessa última espécie, serão abordadas ao longo o texto. Dessarte, a
doutrina e a legislação utilizam ainda a diferenciação entre crimes militares próprios
e impróprios, de forma a ser indispensável sua prévia compreensão, a partir das
quatro principais teorias abordadas pela doutrina, para adentrar no conteúdo de
definição de competência da Justiça Militar.

Deve-se, contudo, entender que a divisão dos delitos militares entre


essenciais e acidentais não importa no ordenamento pátrio em uma
diferenciação de configuração do delito ou mesmo de competência
de julgamento; pode-se afirmar que ambas as categorias (próprios ou
impróprios) são crimes militares e julgados, com exceção do crime
doloso contra a vida de civil praticado por militares dos Estados,
pelas Justiças Militares Estaduais e da União. (STREIFINGER;
NEVES, 2012, p.133).
18

Dessa forma, segundo Foureaux, no aspecto formal o crime militar é


caracterizado por ser todo aquele fato que se adequa perfeitamente ao tipo penal
previsto no Código Penal Militar (CPM). Já no aspecto material vale-se da referência
à lesividade da conduta, com a observância da intervenção mínima, haja vista a
necessidade de consideração dos bens jurídicos essenciais para uma convivência
harmônica na sociedade. No entanto, o conceito formal e material não é suficiente
para definir o que seja crime militar, de forma que, por um exame analítico, a
conduta penal militar deve ser fato típico, ilícito, culpável e deve se amoldar ao artigo
9º do CPM, existindo a possibilidade do sujeito ser processado e julgado pela Justiça
Militar (apud, DE MOURA, 2017).
Aliás, conforme a classificação de Assis (apud DE MOURA. 2017), o crime
militar restou definido em três modalidades:

Crime propriamente militar, que pode ser cometido somente por


militar; crime impropriamente militar, que pode ser cometido por
militar da ativa, da reserva, reformado ou civil, sendo que o crime tem
possibilidade de estar tipificado tanto no Código Penal Militar como
no Código Penal Comum; e, por último, crime tipicamente militar, que
pode ser praticado tanto por militar quanto por civil, porém a conduta
ilícita está tipificada apenas no Código Penal Militar.

Dessa maneira, passa-se para a análise e diferenciação dos crimes militares


próprios e impróprios de acordo com as quatro teorias supramencionadas, quais
sejam a teoria clássica, teoria topográfica, teoria processual e teoria tricotômica.
Conforme conceitua Lobão, na teoria clássica, os crimes propriamente
militares são os que somente podem ser cometidos por militares, considerando que
subsistem pela violação de deveres próprios àqueles, ou seja, é caracterizado como
crime funcional praticável somente pelo militar, como é o caso da deserção - art. 187
CPM1 - da cobardia - art. 363 CPM2 - dormir em serviço - art. 203 CPM3 -. Já os

1
Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve
permanecer, por mais de oito dias: (BRASIL ,1969)
2
Art. 363. Subtrair-se ou tentar subtrair-se o militar, por temor, em presença do inimigo, ao
cumprimento do dever militar: (BRASIL ,1969)
3
Art. 203. Dormir o militar, quando em serviço, como oficial de quarto ou de ronda, ou em
situação equivalente, ou, não sendo oficial, em serviço de sentinela, vigia, plantão às máquinas, ao
leme, de ronda ou em qualquer serviço de natureza semelhante (BRASIL ,1969)
19

crimes impropriamente militares são aqueles que podem ser praticáveis tanto por
civil quanto por militar, como o caso do homicídio de um militar praticado por seu par,
ambos em situação de atividade (art. 9º, II, a c/c, o art. 205 CPM). (apud NEVES,
STREIFINGER, 2012).
Já na visão doutrinária da teoria topográfica, assevera Rosa (apud NEVES;
STREIFINGER, 2012) que:

[...] a doutrina brasileira basicamente estabelece que duas são as


espécies de crimes militares, os crimes propriamente militares, que
são aqueles que se encontram previstos apenas e tão somente no
Código Penal Militar, como, por exemplo, a deserção, a insubmissão,
o motim, o desacato a superior, entre outros, e os crimes
impropriamente militares, que são aqueles que se encontram
previstos tanto no Código Penal Brasileiro como também no Código
Penal Militar, como exemplo, o furto, o roubo, a lesão corporal, o
homicídio, a corrupção, a concussão, entre outros.

A teoria processual, de Jorge Alberto Romeiro, segundo determina Neves;


Streifinger (2012), define como crime propriamente militar aquele cuja ação penal
somente possa ser proposta em face de um militar, focando no tipo penal verificado
no momento da prática do delito ou da omissão do agente.
Concernente à última teoria, qual seja a classificação tricotômica de Ione de
Souza Cruz e Cláudio Amin Miguel, os autores conceberam a ideia de uma divisão
dos crimes militares em propriamente militares, tipicamente e impropriamente
militares.
Nesse viés, pontuam Neves e Streifinger (2012) que:

Para os autores, crime propriamente militar é aquele que somente


pode ser praticado por militar, a exemplo do abandono de posto (art.
195). Crime tipicamente militar, por sua vez, é aquele que só está
previsto no Código Penal Militar, não importando qual a sujeição
ativa possível, a exemplo do crime de insubmissão (art. 183). Por fim,
crime impropriamente militar é aquele que se encontra previsto tanto
no Código Penal Militar como no Código Penal comum, como o crime
de homicídio (art. 205 do CPM).

Ademais, após as definições necessárias para compreensão do trabalho e


considerando que, assim como a constituição da Justiça Militar no período do
Império, a definição da competência para julgamentos de militares, civis, crimes
militares ou políticos pela Justiça Militar ainda não era delineada de maneira
20

pormenorizada, a elucidação acerca do histórico da Justiça Militar no ordenamento


jurídico brasileiro se inicia com uma introdução sobre a instituição, organização e o
funcionamento da Justiça Castrense no Brasil nos período supramencionado.

2.1.3 A evolução histórica da competência da Justiça Militar

A Justiça Militar afigurou-se no Brasil no ano de 1808, em decorrência da


chegada da Família Real ao Brasil e da necessidade de uma reorganização
administrativa da nova sede da monarquia portuguesa, de forma que a Justiça Militar
estabeleceu sua organização primária de competência em torno de duas instâncias
principais de julgamento dos crimes militares, quais sejam os Conselhos de Guerra e
o Conselho Supremo Militar e de Justiça (CSMJ), tal organização e estruturação
formal da justiça castrense era reflexo do modelo existente da metrópole
portuguesa, amparados à tradição do Antigo Regime (DA SILVA, 2013).

[...] o Direito Militar orientava-se pelas Ordenações Filipinas, pelos


Artigos de Guerra do Conde de Lippe e pela Provisão de 359 que
determinava que, enquanto não houvesse lei específica distinguindo
os crimes militares dos crimes civis, seriam tidos como delitos
militares àqueles assim determinados nas leis militares e somente
poderiam ser cometidos por militares do Exército ou da Armada.
(SEIXAS, 2002, p. 41).

Os Conselhos de Guerra, cujas bases legislativas permaneceram quase


inalteradas até a República, eram uma instituição relativamente nova tanto na
colônia quanto na metrópole portuguesa, sendo criados para funcionar como
pequenos tribunais de primeira instância da Justiça Militar, concebendo uma
expressão de política reformista que procurava instituir práticas administrativas
interventivas, de forma a dar início a concepção da Justiça Castrense como área
específica do domínio jurídico, com lógica e temas próprios (DE SOUZA; DA SILVA,
2016).
Já a segunda instância da Justiça Militar era constituída pelo Conselho
Supremo Militar e de Justiça, órgão com jurisdição em todo território nacional, o qual
funcionou sem alterações expressivas até a República. O órgão possuía duas
funções distintas, a de caráter administrativos, constituído pela ação subsidiária ao
Governo em questões administrativas e a de caráter judiciário, constituída pela
21

função de tribunal militar, ou seja, a realização de julgamento, em última instância,


dos processos criminais dos réus sujeitos ao foro militar (SEIXAS, 2002).

Vê-se, pois, que havia Justiça Militar no Império desde 1808, cuja
competência era exercida pelos Conselhos de Guerra e pelo
Conselho Supremo Militar e de Justiça, porém sem que houvesse
previsão constitucional, pois a Constituição de 1824 não fazia
menção aos órgãos do Poder Judiciário. (SEIXAS, 2002, p. 41).

Seixas (2002) ainda acrescenta que originário do CSMJ surge no Brasil o


primeiro Tribunal Superior de Justiça, denominado desta forma até 1891, momento
no qual passou a ser chamado de Supremo Tribunal Militar, compondo o Poder
Judiciário brasileiro como órgão especializado a partir da Constituição Federal (CF)
de 1934, vindo a ser denominado Superior Tribunal Militar (STM) na CF de 1946.

Se toda essa estrutura aponta para a formalização do campo da


justiça militar no Brasil, por outro lado seus limites são nítidos. A
condição para o pleno funcionamento dessas instituições era a
definição precisa do foro militar. Ou seja, quem estaria submetido à
justiça militar e qual o alcance jurisdicional dessas novas
autoridades. (DE SOUZA; DA SILVA, 2016, p. 367).

Outrossim, haja vista a autonomia adquirida com a transferência da sede da


monarquia portuguesa para o país, os juristas e governantes pátrios contemplaram a
necessidade e oportunidade da elaboração de uma legislação genuinamente
brasileira, destacando-se neste contexto as legislações do direito militar e direito
penal brasileiro.
O Código Criminal do Império, de 1830, deu início ao Direito Penal brasileiro
caracterizado como sistema jurídico e autônomo, de maneira que seu cerne era
constituído pelas ideias da obra de Beccaria “Del Delitti e dele pene” – 1764; Dos
delitos e das penas - e dos princípios liberais do Iluminismo e do utilitarismo pós
Revolução Francesa, obtendo como características principais, influenciadas pelo
movimento humanitário da época, a exclusão da pena de morte para crimes
políticos, a imprescritibilidade das penas e o agravar da pena de crime ajustado
previamente entre duas pessoas (SEIXAS, 2002).

O chamado Código Criminal do Império de 1830, em seu artigo 308,


parágrafo 2º dizia: “Esse código não compreende os crimes
puramente militares, os quais serão punidos na forma da lei
22

respectiva”. Somente em 1832, com a promulgação do Código de


Processo Criminal do Império, foram especificados os crimes
puramente militares, na clássica divisão: ratione personae (razão de
pessoa) e ratione materiae (razão de matéria). (SEIXAS, 2002, p. 39)

Ademais, além dos principais órgãos julgadores da justiça militar constituídos


no período imperial, Seixas (2002, p.39) elucida:

Durante o período do Império, foram criados os Conselhos de


Disciplina, para verificar a deserção de praças; os Conselhos de
Investigação, para estudar atos criminosos em geral e deserção de
oficiais de patentes; os Conselhos de Guerra, para julgar, em
primeiras instâncias, os crimes militares e o Conselho Supremo
Militar, tribunal de segunda instância, para julgamentos do referidos
crimes; e mais as Juntas de Justiça Militar e os Conselhos para faltas
disciplinares.

A transição do Império para a República, no ano de 1889, produziu mudanças


significativas no âmbito político do Brasil. Na conjuntura militar, a alteração se deu
com a inserção dos militares na política por meio das reformas institucionais que
demarcaram as atribuições do foro militar direcionadas para o julgamento do crime
militar, e não do profissional militar, deixando brecha para que fosse possível o
julgamento de civis (DE SOUZA; DA SILVA, 2016).
A este respeito, segundo Da Silva (2013), a legislação penal militar no início
do período republicano estabeleceu o alargamento político das atribuições do foro
militar com a criação do Código Penal da Armada, o qual se concebeu em janeiro de
1890, a partir do trabalho realizado por uma comissão designada pelo Ministério da
Guerra para a elaboração de novos códigos Penal e de Processo Penal, com o
intuito de amenizar as penas previstas para crimes militares e de preenchimento de
lacunas relacionadas as necessidades demandadas pela organização militar.

Inspirado por “costumes modernos”, o novo código visava a


propagação do “espírito de ordem, disciplina e fidelidade ao dever”.
Em seus artigos o documento instituía a impossibilidade de
retroatividade da lei penal e, entre outras disposições, previa
aplicações de penas a militares, assemelhados ao serviço da
Marinha de Guerra e civis que praticassem atos que denotassem
levante contra o governo, como espionagem. As penas previstas no
código incluíam morte por fuzilamento, prisão com trabalho, prisão
simples, degradação militar, destituição, demissão, privação de
comando e reforma. (DE SOUZA; DA SILVA, 2016, p. 371).
23

Com a promulgação da primeira Constituição republicana em 1891, os


primeiros contornos de especialidade da competência da Justiça Militar e do
Supremo Tribunal Militar foram delineados, especialmente com a instituição do foro
castrense para exclusivo julgamento de delitos militares praticados por “militares de
terra e mar”. Tal competência especializada foi taxativamente assegurada por meio
do artigo 774 da referida Constituição, a qual ainda dispunha “este foro compor-se-á
de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros serão vitalícios e dos conselhos
necessários para a formação da culpa e julgamento de crimes”, isto é, foi por meio
da Carta Magna de 1891 que ocorreu a extinção dos CSMJ e a criação do Supremo
Tribunal Militar, com sua atribuição e organização definidas pelo Decreto-Legislativo
nº 149, de 18 de julho de 1893, composto por quinze Ministros, constituído por doze
militares e três civis. (SEIXAS, 2002).

Eram funções do Supremo Tribunal Militar: estabelecer a forma


processual militar; julgar em segunda e última instância os crimes
militares; responder a consultas da Presidência da República sobre
economia, disciplina, direitos e deveres das forças de terra e mar;
decidir pela expedição de patentes militares, entre outras. Nesse
momento, de recente transição de um regime para outro, o novo
Tribunal continuou exercendo funções de natureza administrativa que
competiam ao originário CSMJ. (DE SOUZA; DA SILVA, 2016, p.
372).

Essa organização do Supremo Tribunal Militar foi objeto de reforma em 1920


tanto no âmbito administrativo quanto de competência judicial, de sorte que
conforme o novo Código de Organização Judiciário e Processo Militar, para a
administração militar, o território brasileiro estaria dividido em doze Circunscrições.
Já quanto à divisão da competência da justiça castrense, esta se daria pela
instituição das Auditorias Militares como órgão de primeira instância, possuindo o
Supremo Tribunal Militar como instância de recurso, o qual era composto de nove
ministros vitalícios, nomeados pelo presidente da República, sendo quatro civis, três
do Exército e dois da Armada. (DA SILVA, 2013).

4
Art 77 - Os militares de terra e mar terão foro especial nos delitos militares.
§ 1º - Este foro compor-se-á de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros serão vitalícios, e
dos conselhos necessários para a formação da culpa e julgamento dos crimes.
§ 2º - A organização e atribuições do Supremo Tribunal Militar serão reguladas por lei (BRASIL,
1891).
24

A justiça militar não passaria ilesa à turbulência política da década de


1930. Em novembro de 1931, o Governo Provisório baixou decreto
determinando o processo e julgamento pela justiça militar de
militares, assemelhados ou civis que tomassem parte “por qualquer
forma nos atentados contra a ordem pública ou contra os governos
da União e dos estados.” (DE SOUZA; DA SILVA, 2016, p. 372).

Não obstante, da Silva (2002) leciona que, considerando a sofisticação de um


sistema de repressão e segurança no período da Revolução de 1930, é possível
observar um significativo impacto no setor militar quanto ao seu envolvimento na
ordem política e social do país, de maneira que tal influência pode ser caracterizada
como o processo inicial que culminou no movimento de 1964 (DA SILVA, 2002).
Os contornos da Justiça Militar e sua competência ficaram ainda mais
traçados com a promulgação da Constituição de 1934, a qual elucidou em seu artigo
635, que os juízes e tribunais militares passaram a compor o Poder Judiciário, de
maneira que a nova Constituição previu uma seção especial para estatuir sobre a
justiça militar de modo mais minucioso, na qual a competência da Justiça Castrense
incluía o julgamento dos militares nos delitos militares com a possibilidade de
extensão do foro também para civis, nos casos expressos em lei, com a finalidade
de repressão de crimes contra a segurança externa do País, ou contra as
instituições militares (SEIXAS, 2002).
Além disso, menciona Seixas (2002) que outro fato contrastante ocorrido na
esfera da Justiça Castrense foi a criação do Tribunal de Segurança Nacional (TSN),
por meio da promulgação da Lei 244, no ano de 1936, durante o Governo Vargas,
haja vista que apesar de ter sua competência originária definida para os tempos de
guerra, o TSN exerceu intensas atividades judiciárias em tempo de paz, gerando
divergência de competência com a própria Justiça Militar, de forma a ser
caracterizado como um instrumento de exceção típico do regime ditatorial vigente.

Criado em 1936, como decorrência direta do Levante Comunista de


1935, o Tribunal de Segurança Nacional (TSN) foi inicialmente
vinculado à justiça militar, como órgão de primeira instância, sendo
que de suas decisões caberia recurso ao STM. Essa determinação

5
Art 63 - São órgãos do Poder Judiciário:
a) a Corte Suprema;
b) os Juízes e Tribunais federais;
c) os Juízes e Tribunais militares;
d) os Juízes e Tribunais eleitorais (BRASIL, 1934).
25

promovia, ainda que por curto tempo, o retorno do envolvimento do


foro militar com questões políticas. Apesar de ter sido apensado à
estrutura da justiça militar, o TSN era claramente um tribunal de
exceção, com práticas judiciais como o julgamento por convicção,
permitido aos juízes que o integravam. Entre as funções do novo
tribunal estavam previstos o julgamento de civis e militares acusados
de cometerem crimes contra as instituições militares e contra a
segurança externa da República. (DE SOUZA; DA SILVA, 2016, p.
373).

Por conseguinte, com o propósito de sistematizar as diversas modificações na


Justiça Militar desde a década de 1920 e de reorganizar a vida judiciária castrense,
foi publicado em 1938 o Código de Justiça Militar, retratando duas significativas
temáticas que perpassam a história de tal justiça especializada, quais sejam a
manutenção da lógica hierárquica da caserna na estruturação da justiça castrense, e
a necessidade de organizar mecanismos com maior efetividade para lidar com o
crime de deserção, caracterizado como crime militar por excelência (DE SOUZA; DA
SILVA, 2016).

Podem-se estabelecer algumas linhas de continuidade e similaridade


entre o aparato judicial elaborado durante o Estado Novo e aquele
moldado ao longo da ditadura militar. A atuação de políticos,
militares, e mesmo juristas, em ambos os períodos, como Francisco
Campos e Carlos Medeiros, além da adoção de algumas medidas
legislativas semelhantes para deter a oposição política, como o
restabelecimento da pena de morte e do banimento, nos dão
subsídio para pensar na persistência de uma mentalidade autoritária
originada na década de 1930. (DA SILVA, 2013).

A partir da promulgação da nova Carta Magna em 1946, considerando que do


mesmo modo que na Carta de 1934, a competência da justiça castrense continuou
restrita ao julgamento de crimes militares, mantendo a possibilidade de extensão aos
civis, a inovação da nova Constituição foi a mudança do nome de Supremo Tribunal
Militar pra Superior Tribunal Militar (DE SOUZA; DA SILVA, 2016).

A partir da Revolução De Março de 1964, ampliou-se sobremodo o


poder jurisdicional da Justiça Militar. Na verdade, antes da edição de
uma nova Constituição, foram os Atos Institucionais que passaram a
gerar rupturas na Constituição de 1946. Assim é que, em 27 de
outubro de 1965, inicia-se a apropriação indébita da Justiça Militar,
como integrante autônoma do Poder Judiciário brasileiro, pelo
Executivo nacional, chefiado pelos militares, ao editar o Ato
Institucional nº 2. (SEIXAS, 2002).
26

No período ditatorial iniciado em 1964, o foro militar foi um dos pilares no


processo político autoritário, assim como na configuração das etapas do processo
de institucionalização do regime ditatorial, de maneira que este último foi configurado
pelos conflitos de competência entre justiça comum e militar relativos aos
julgamentos de civis e militares acusados de crimes de natureza política,
conduzindo, como consequência, à edição do Ato Institucional nº 2 (AI-2) (DE
SOUZA; DA SILVA, 2016).
O ato discricionário supramencionado alterou a competência da Justiça
Militar, ao determinar em seu artigo 8º6 a possibilidade de extensão do foro especial
aos civis para repressão de crimes contra a segurança nacional, e não mais
segurança externa, e contra as instituições externas, isto é, criou o conceito de
segurança nacional, a qual é composta pela segurança interna e externa (SEIXAS,
2002).

Se desde o início do período republicano a responsabilidade da


justiça militar oscilava, com determinações pouco claras acerca do
seu viés político, desde o início do regime ditatorial houve a
incontestável opção por sua instrumentalização para apreciação de
supostos crimes relacionados à contestação da ordem. Ao longo do
período autoritário, a justiça militar foi acumulando funções variadas
de apreciação de crimes militares, crimes contra a segurança
nacional, crimes contra a probidade administrativa e crimes contra a
economia popular, cometidos por civis ou por militares. O acúmulo de
tais funções relacionava-se com o fato de ser um regime ditatorial
implementado pelas Forças Armadas, ainda que com ampla
colaboração civil, mas também com a vocação histórica de
envolvimento do foro militar com questões de natureza política. (DE
SOUZA; DA SILVA, 2016).

No período da ditadura militar brasileira, a atuação da justiça militar foi


pautada em sucessivas leis de segurança nacional editadas nos anos de 1967,1969,
1978 e 1983, além de ser regida pelos novos Código Penal Militar (CPM), de
Processo Penal Militar e de Organização Judiciária Militar, com edição em 1969 por
meio de decretos-lei, durante o curto período de governo de uma Junta Militar, de
forma que neste conjunto de legislações existia um amplo elenco de penas e crimes
que poderiam ser aplicados pelos integrantes do foro castrense, destacando-se a

6
Art. 8º - O § 1º do art. 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação:
"§ 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei para repressão
de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares." (BRASIL, 1965)
27

pena de morte, instituída pelo AI-14, de prisão perpétua e de banimento (DE


SOUZA; DA SILVA, 2016).

Dessa maneira, o regime militar colocou nos ombros do foro


castrense encargos para os quais ele não estava habilitado, gerando,
consequentemente, a distorção na competência histórica da Justiça
Militar. A modificação da competência de processar e julgar diversos
tipos de casos, para cuja apreciação a preparação profissional do
jurista era decisiva, criou contradições essenciais que dificultaram o
normal funcionamento das instituições, algumas das quais
realizavam tarefas trocadas. A extensão do equívoco pode ser
percebida quando se lembra de meros assaltantes de
estabelecimentos bancários, sem fins políticos, foram processados
perante o foro militar. A ampliação da competência deste constituiu-
se em grave erro, que terá produzido efeitos opostos aos pretendidos
pelos que imaginaram tais mudanças. (SEIXAS, 2002).

Dessa feita, Seixas (2002) explana que após o período da ditadura militar,
caracterizado pela intensa turbulência e extensão na competência da Justiça
Castrense, a maior alteração quanto à competência da justiça militar se deu com a
promulgação da CF de 1988, na qual foi determinado em seu artigo 124 7 que é da
competência da Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei,
cometidos por militar ou civil, retirando a possibilidade de julgamento de civis por
crimes políticos, vindo a ser competência da Justiça Federal.

Primeiro, deve-se afastar o foro militar no caso de crimes contra a


segurança nacional. A Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170, de
14 de dezembro de 1983), em seu art. 30, dispões que compete “à
Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos nesta Lei, com
observância das normas estabelecidas no Código de Processo
Militar, no que não colidirem com disposição desta Lei, ressalvada a
competência originário do Supremo Tribunal federal nos casos
previstos na Constituição.”, Todavia, com o advento da Constituição
Federal de 1988, por força do art. 109, IV, o processo e julgamento
dos crimes contra a segurança nacional passarem a ser de
competência da Justiça Federa, não mais sendo aplicável esta parte
do dispositivo. (NEVES, 2014, p. 436).

Nesse contexto, considerando a última grande alteração pela Carta Magna


supracitada, faz-se imprescindível pormenorizar os desdobramentos da competência

77
Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei. (BRASIL,
1988)
28

da Justiça Militar após a promulgação da Constituição de 1988, bem como sua


gradativa expansão no ordenamento jurídico brasileiro atual.
Ademais, Neves (2014) afirma que a denominação da jurisdição especializada
ou extraordinária se dá considerando que esta é conferida a um órgão jurisdicional
especial, qual seja a Justiça Castrense, seja esta da União ou dos Estados. Tal
especialização possui íntima relação com o objeto de tutela do Direito Penal Militar,
haja vista que, pelo disposto no texto constitucional do art. 124 (BRASIL, 1988),
trata-se apenas de uma jurisdição penal, cujo objeto é caracterizado pelos próprios
bens jurídicos penais militares, cuja compreensão específica é essencial para sua
proteção.
Por subsistência do caráter extraordinário da jurisdição militar, é fundamental
a exposição de algum dos critérios de definição da competência penal militar
delimitadas no Código Processual Penal Militar (CPPM), quais sejam, a competência
material e a funcional.
Segundo Mirabete, a fixação de competência é caracterizada pelas seguinte
situações:

[…] a fixação da competência se dá por meio da paulatina


concretização do poder jurisdicional. Essa conscientização realiza-se
em razão de dois elementos. O primeiro deles é causa criminal, em
que a competência é delimitada tendo em vista a natureza do litígio,
é determinada conforme a causa a ser julgada (competência
material). O segundo é o referente aos atos processuais, em que o
poder de julgar é distribuído de acordo com as fases do processo, ou
o objeto do juízo, ou o grau de jurisdição (competência funcional)
(apud NEVES, p. 478, 2014).

Nesse sentido, Giuliani (2014) define as espécies de competência em três


subdivisões, quais sejam:

a) Ratione materiae: em razão da matéria, do crime praticado. Os


crimes militares estão nos arts. 9º e 10º do Código Penal Militar. Na
legislação especial militar, adota-se o critério ex vis legispara saber
se é crime militar.
b) Ratione personae: em razão de uma qualidade da pessoa ou da
função exercida, seriam os foros por prerrogativa de função que,
enquanto o sujeito estiver desempenhando alguma atividade que a
lei determine que seus integrantes responderão em foro privilegiado.
A prerrogativa é em razão do cargo ocupado.
c) Ratione loci:que seria determinada, de modo geral, pelo lugar da
infração, pela
29

residência ou domicílio do acusado.

Além disso, é cediça a distinção entre a competência exercida pela Justiça


Militar da União e a Justiça Militar estadual, de maneira que à primeira incide o
disposto no artigo 124, caput da Carta Magna, pela qual são passíveis de
julgamento e processamento pela Justiça Militar da União os integrantes das três
Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica, nos crimes previstos no CPM,
assim como os civis que praticarem crimes definidos como militares de forma
isolada, em concurso com integrantes das Forças Armadas ou com o objetivo de
atingir à instituição das Forças Armadas. A competência de julgamento de civis pela
Justiça Militar ocorre considerando que, diferentemente do disposto à Justiça Militar
dos Estados, a CF/88 não estabeleceu restrição quanto a figura do acusado (LIMA
apud DIAS, 2013).
Já no que tange a Justiça Militar do Estado, segundo Dias (2013), conforme o
disposto no artigo 125, § 4º, da CF8, é de competência dessa justiça especializada
“processar e julgar os militares do Estado, nos crimes militares definidos em lei,
ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil” (BRASIL, 1988), de
maneira, de acordo com o dispositivo constitucional supracitado e da Súmula 53 do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), tal competência se restringe apenas aos
militares.
A princípio, por ser considerada uma justiça especializada, a Justiça Militar da
União acoberta uma categoria especial de agentes, de forma a impelir a aplicação
da lei militar às Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica – e julgar, como
já mencionado anteriormente, os crimes definidos em lei (ROCHA, 2008).

A competência da Justiça Militar Estadual não se confunde com a da


Justiça Militar Federal, sendo certo que quando o fato incriminador a
ser julgado não se enquadrar nas hipóteses de crime militar previstos
em lei, serão julgados pela Justiça Federal, no caso do militar das
Forças Armadas, e pela Justiça Comum no caso dos Policiais
Militares dos Estados (DIAS, 2015).

8
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição
[...]
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes
militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a
competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda
do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
30

Outrossim, é constatado que a competência da Justiça Castrense se dá


exclusivamente quanto aos crimes militares, corolário ao texto constitucional.

Dentro desse contexto, o foro militar é considerado especial, exceto


nos crimes dolosos contra a vida praticados por civil, a ele estão
sujeitos, em tempo de paz, nos crimes definidos em lei contra as
intuições militares elencadas no art. 9º, do CPM, sendo a sua
competência designada pelo lugar da infração (arts. 88 a 92 do
CPPM) e, no caso de tentativa, designada pelo lugar onde foi
cometida a última ação da execução (GIULIANI, 2014).

Dessa feita, nota-se a distinção de tratamento nos âmbitos da Justiça Militar


da União e da Justiça Militar dos Estados no que se concerne à competência para
processar e julgar os crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra
civil, de modo que esta essa distinção restou ainda mais evidente com as alterações
na legislação brasileira realizadas nos últimos anos, principalmente com a
promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004 e a sanção da Lei
13.491/17.
Bem assim, considerando os critérios para a definição da competência já
mencionados e a diferenciação de competência nas diferentes esferas da justiça
militar, as mais recentes alterações da competência da Justiça Castrense se dão no
contexto do conflito de jurisdição quanto ao julgamento de crimes dolosos contra a
vida, de maneira que enquanto a promulgação da Emenda nº 45 de 30 de dezembro
de 2004 definiu que a competência para o processamento e julgamento de crimes
dolosos contra a vida praticados por militares contra civis seria da Justiça comum
(Tribunal do Júri), por outro lado a Lei 13.491/17 sancionada em 13 de outubro de
2017, alterou o disposto no art. 9º do Código Penal Militar no sentido de determinar
que a competência para o processamento e julgamento de crimes dolosos contra a
vida praticados por militares das Forças Armadas contra civis seria da Justiça Militar
da União, estendendo a competência castrense.
31

2.2 AS RECENTES ALTERAÇÕES NA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR NO


JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

Como já referido anteriormente, a competência da Justiça Militar da União se


dá no contexto penal, atrelada à tutela de objetos afetos aos bens jurídicos militares.
Dessa maneira, é fundamental a exposição acerca de alguns conceitos antes de
adentrar na competência da Justiça Militar no julgamento dos crimes dolosos contra
a vida, quais sejam, a definição de diferenciação dos crimes militares, próprios e
impróprios já realizada, assim como dos crimes dolosos contra a vida.

2.2.1 A relação dos crimes dolosos contra a vida com o crime militar

Antes de entrar na esfera da justiça especializada castrense, é necessária


uma sucinta definição dos crimes dolosos contra a vida, de maneira que estes se
dão quando um crime é praticado contra o bem jurídico vida de outro ser humano.
Protegido pelo direito penal, o termo “doloso” caracteriza a intenção do agente de
eliminar a vida da vítima, ou da adoção do risco de produzi-lo.
No ordenamento jurídico brasileiro, existem quatro tipos penais de crimes
dolosos contra a vida, quais sejam, o homicídio, previsto no art. 121 do Código
Penal (CP), a instigação, induzimento, auxílio ao suicídio (art. 122, CP), o Infanticídio
(art. 123, CP) e o Aborto (art. 124, CP), de forma que o legislador constituinte inseriu
entre as garantias fundamentais a competência do Tribunal do Júri para processar e
julgar os autores de tais crimes.
No entanto, ao adentrar na jurisdição militar, observa-se que os crimes
dolosos contra a vida considerados pelo CPM, conforme os artigos 2059, 20610 e
20711, são apenas o homicídio e o auxílio ao suicídio.

9
Art. 205. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos. (BRASIL, 1969)
10
Art. 206. Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a quatro anos. . (BRASIL, 1969)
11
Art. 207. Instigar ou induzir alguém a suicidar-se, ou prestar-lhe auxílio para que o faça, vindo o
suicídio consumar-se:
Pena - reclusão, de dois a seis anos. (BRASIL, 1969)
32

Ademais, como já definido anteriormente, os crimes dolosos contra a vida


taxados no CPM são caracterizados como crimes militares impróprios, de sorte que,
ao depender do determinado na legislação brasileira, seu julgamento é de
competência da Justiça Comum ou da Justiça Militar da União.
Além disso, a interpretação de forma restritiva dos institutos
supramencionados deve se atentar ao caráter da tipicidade dos delitos militares a
serem submetidos à Justiça Castrense, a fim de evitar a generalidade da
significação dos crimes praticados por militar e de sua qualificação como tal.

Para que se possa admitir um crime como de natureza militar,


parece-nos indispensável, ou uma ação dirigida contra a instituição,
ou uma ação praticada pelo militar, do mesmo modo que se exige,
para os chamados crimes políticos a motivação política da conduta
(Lei n° 7.170/83, art. 2°). Tampouco é suficiente a condição de militar,
como, aliás, se ressaltou na decisão do Supremo Tribunal Federal.
(PACELLI, p. 264, 2014).

Dessa forma, é imperioso que, para a submissão à Justiça Militar, a atividade


deva ser tipicamente militar, conforme já previu o Supremo Tribunal Federal:

COMPETÊNCIA - CRIME - MILITARES NO EXERCÍCIO DE


POLICIAMENTO NAVAL – JUSTIÇA MILITAR X JUSTIÇA FEDERAL
ESTRITO SENSU.
A atividade, desenvolvida por militar, de policiamento naval, exsurge
como subsidiária, administrativa, não atraindo a incidência do
disposto na alínea d do inciso III do artigo 9º do Código Penal Militar.
A competência da Justiça Militar, em face da configuração de crime
de idêntica natureza, pressupõe prática contra militar em função que
lhe seja própria. Competência da Justiça Federal - estrito sensu. [...],
DJ 31-5-1996) (BRASIL 1996).

Não obstante, quanto à aplicação do Direito Penal Militar e do Direito Penal


comum, assevera Lobão que “classificar o Direito Penal especial em função do
órgão judiciário encarregado de aplicar o direito objetivo, demonstro evidente
confusão entre Direito Penal especial e Direito Processual Penal comum”. Desta
forma, fica caracterizado que o Direito Penal Militar é especial considerando o bem
jurídico tutelado, ou seja, as instituições militares, na questão da hierarquia, da
disciplina, do serviço e do dever militar, com o acréscimo da condição militar dos
sujeitos do delito, definindo, portanto, que apenas os crimes propriamente militares
merecem o título de delitos do Direito Penal especial, de forma que os crimes
33

impropriamente militares, ou seja, delitos comuns, cometidos tanto por militares


quanto civis, mas cuja competência de julgamento foi atribuída às Justiças Militares
pelo legislador ordinário (2009 apud NEVES, 2014).

Assim, nas lições do caro mestre, os crimes de homicídio (art. 205 do


CPM), lesão corporal (art. 209 CPM) etc. não fariam parte do Direito
Penal especial, mas do Direito Penal comum, ainda que a
competência de julgamento desses delitos seja da Justiça Castrense.
(NEVES, 2014, p. 432).

Dessa feita, a utilização de uma interpretação genérica da definição de crimes


praticados por militares em situação de atividade contra civil, a fim de elegê-los
como submissos à competência da Justiça Militar, por estarem meramente previstos
na legislação ordinária por meio da norma em questão, iria de encontro à
jurisprudência brasileira a respeito da matéria e à instrução constitucional e seus
princípios fundamentais.

2.2.2 As recentes alterações na competência da Justiça Militar

Desse modo, considerando o mencionado acerca da interpretação quanto à


dimensão da competência da Justiça Castrense no julgamento e processamento dos
crimes dolosos contra a vida, é fundamental apontar de forma esmiuçada as
principais alterações legislativas sobre a matéria, assim como a perspectiva das
interpretações e decisões dos tribunais superiores acerca do conflito de competência
entre Justiça Militar e Justiça Comum, as quais vieram a moldar a jurisprudência do
ordenamento jurídico brasileiro da atualidade.

As Justiças Militares da União e dos Estados, até o ano de 1996,


vinham julgando, sem contestação perante os tribunais pátrios, os
crimes militares definidos em lei, inclusive quando dolosos contra a
vida de civil (CELIDÔNIO 2006 apud DE MOURA, 2017).

Além disso, Dias (2015) complementa que a controvérsia sobre a extensão da


competência da Justiça Militar foi dilatada com a edição, no ano de 1996, da Lei
9.299, cujo conteúdo alterava o polêmico artigo 9º do CPM, na medida em que
incluiu o parágrafo único versando sobre os crimes dolosos contra a vida cometidos
contra civil. Além disso, o dispositivo legal também efetuou uma alteração no
34

procedimento processual, haja vista que deu nova redação ao art. 82 do CPPM, o
qual ainda foi acrescido do seguinte § 2°, passando o atual parágrafo único a possuir
o seguinte teor:

Art. 1º O art. 9° do Decreto-lei n° 1.001, de 21 de outubro de 1969 -


Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 9
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos
contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da
justiça comum."
Art. 2° O caput do art. 82 do Decreto-lei n° 1.002, de 21 de outubro
de 1969 - Código de Processo Penal Militar, passa a vigorar com a
seguinte redação, acrescido, ainda, o seguinte § 2° , passando o
atual parágrafo único a § 1° :
"Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra
a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz:
[...]
§ 2° Nos crimes dolosos contra a vida, praticados contra civil, a
Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à
justiça comum.".

Dessa maneira, Foureaux afirma que a Lei nº 9.299/1996, por meio da


alteração do parágrafo único do artigo 9º do CPM e do art. 82 do CPPM, foi
responsável pela engendramento da discussão doutrinária a respeito da
transferência da competência da Justiça Militar para a Justiça Comum no que
concerne ao julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militares
contra civis. (2012 apud DE MOURA, 2017).

[...] a mudança na definição da competência quando a ocorrência de


crimes dolosos contra vida de civis cometidos por militares da Justiça
castrense para a Justiça Comum (Tribunal do Júri) decorreu dos
antecedentes históricos vividos pela nação quando da edição da lei.
A ação policial nos anos 90 deflagrou notória insatisfação social, e o
temor de que a Justiça Militar fosse “branda” com os policiais que
cometeram excessos. Sendo assim, a lei transferiu ao povo, por
intermédio de seus representantes - os jurados – o poder-dever de
julgar os militares que no uso de suas atribuições viessem a cometer
crimes dolosos contra a vida de civis. (GALVÃO 2011 apud DIAS,
2015, p. 31).

A questão gerou diferentes posicionamentos no ordenamento jurídico


brasileiro, de forma a levar à existência de posicionamentos no sentido da
inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, assim como posicionamentos
35

favoráveis as alterações, exercendo, portanto, um sobressalto na jurisprudência e na


doutrina brasileira.
Não obstante, houve a decretação no sentido de inconstitucionalidade incider
tantum do dispositivo legal, pelo próprio Superior Tribunal Militar, nos seguintes
termos:

Ementa: Recurso Criminal. Competência da Justiça Militar da União.


Inconstitucionalidade, declarada incider tantum, da Lei nº 9.299, de
1996, no que se refere ao parágrafo único do art. 9º do CPM e ao
caput do art. 82 e seu 2º do CPPM. Desde a sanção da Lei n. 9.299,
de 1996, com o Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional
para modifica-la, verifica-se que o texto resultou equivocado.
Enquanto não ocorre alteração no texto legal pela via legislativa, o
remédio é a declaração de sua inconstitucionalidade incinder tantum,
conforme dispõe da CF. Antecedentes da Corte (RCr n. 6.348/5/PE).
Provido o recurso do RMPM e declarada a competência da Justiça
Militar da União para atuar no feito. Decisão unânime. (Ac.
1997.01.00644-9.0, UF: RJ, decisão: 17-3-1998, rel Min. Aldo da
Silva Fagundes). (NEVES, 2014, p.443).

Outra decretação pela inconstitucionalidade do referido dispositivo, se deu


também no âmbito do STM, de caráter incidental e um ano depois, no julgamento do
Recurso Criminal Nº 6.499-0 – RJ12, declarando, por unanimidade, o provimento do
recurso e reconhecendo a competência da Justiça Militar da União para julgar os
seus pares.
No entanto, conforme expõe Dias (2015), a respeito da polêmica, o Tribunal
Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da Lei nº
9.299//96, no julgamento de um Recurso Extraordinário13, cuja parte era constituída
por um que policial militar. Tal entendimento foi continuado pelo Superior Tribunal de
Justiça nos anos de 2011 e 201214, cujas decisões mantiveram o reconhecimento de

12
No caso o Soldado do Exército Romano Carlos Lopes da Silva e Silva teria “matado com um tiro de
Fuzil 7,62 mm um civil Antonio Carlos da Cunha Lopes, quando de serviço, no dia 26/09/97, por volta
das 17:00hs, na área do PNR ST/Sgt na Avenida Brasil, próximo à favela do Muquiço”. (STM RC Nº
6.449-0-RJ – Rel. Min. Aldo Fagundes – DJ 13/04/98, p. 244).(DIAS, 2015)
13
O relator - Min. Moreira Alves - em seu voto explica que o caput do art. 124 da Constituição que “à
Justiça Militar compete processar os crimes militares definidos em lei” e que a lei (Lei nº 9.299/96)
definiu que a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é da Justiça Comum
(STF RE 260.404-6 MG – Rel. Moreira Alves – DJ 22/3/2001,PP 762 e 763) (DIAS, 2015).
14
Caso em que um policial militar que perseguia civil, suspeito de haver cometido tentativa de
homicídio, disparou arma de fogo que atingiu a vítima em região letal (intestino delgado e bexiga),
causando-lhe lesões graves, sendo conduzido para hospital em Porto Alegre - RS (STJ CC 113.020 –
RS – Rel. Min Og Fernandes – DJ 01/04/2011); e também no caso em que a Promotoria de Justiça
Militar de Porto Alegre entendeu que a perseguição e troca de tiros que resultaram em lesões em
36

competência da Justiça Comum para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
perpetrados por militares contra civil.
O tema foi gradativamente sendo pacificado no âmbito da Justiça Militar do
Estado com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, a qual
retificou a competência da Justiça Comum para o julgamento dos crimes doloso
contra a vida praticados por militares contra civil. No entanto, a contenda quanto à
aplicação na esfera da União continuou a ser controversa tanto na doutrina quanto
na jurisprudência.

Há uma questão polêmica acerca do exercício da jurisdição penal


pela Justiça Militar da União, que diz respeito à competência para
processar e julgar os crimes militares dolosos contra a vida de civil,
quando esses crimes sejam militares por subsunção a uma das
alíneas do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar. Crimes dolosos
contra a vida no referido Código, necessário frisar, são apenas o
homicídio (art. 205 CPM) e a provocação direta ou auxílio ao suicídio
(art. 207 do CPM), lembrando que o crime de genocídio (art. 208 do
CPM) não é crime contra a vida, mas contra a humanidade (STF,
Pleno, RE 351.487/RR. Rel. Min. Cezar Peluso, j. 3-8-2006) (NEVES,
2014, p. 442).

Nesse prisma, Rosa afirma que o legislador, utilizando-se da interpretação de


que a EC nº 45/2004, constitucionalizou o deslocamento do julgamento dos crimes
doloso contra a vida apenas na esfera dos Estados e do Distrito Federal, mas não
realizou o mesmo em relação aos militares federais, permanecendo em parte
inconstitucional. Afirmou ainda que com a EC nº 45/2004 estabeleceu duas formas
de tratamento para uma mesa categoria de servidores, haja vista que os militares
estaduais serão processados e julgados perante o Tribunal do Júri do local de
ocorrência dos fatos, de acordo com a legislação processual que se aplica à
espécie, ao mesmo tempo em que os militares federais serão julgados perante a
Justiça Militar da União, isto é, pelo Conselho de Justiça, Especial ou Permanente,
constituído por Juiz-Auditor e pelos oficiais da Força do acusado (apud DE MOURA,
2017).
Em sentido oposto, Lima estabelece:

civis resultante de disparos dos policiais se tratavam de tentativa de homicídio praticado por policial
militar contra civil (STJ CC 120.201 - / RS – Rel. Min. Laurita Vaz – DJ 14/05/2012). (DIAS, 2015)
37

Ora, com a inserção do parágrafo único do artigo 9º, a partir de 08 de


agosto de 1996, e consequente alteração da competência em razão
da matéria, a Justiça Militar passou a ser absolutamente
incompetente para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida
praticados por militares contra civis. Assim, de acordo com o
entendimento pretoriano em virtude do princípio da aplicação
imediata das normas genuinamente processuais (tempus regit
actum), previsto no artigo 2º do CPP, (‘A lei penal aplicar-se-á, desde
logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob vigência da
lei anterior’) impôs-se a remessa imediata dos Autos ao Tribunal do
Júri, salvo se já houvesse sentença relativa ao mérito, hipótese em
que o processo deveria seguir na jurisdição em que ela foi prolatada.
(2011 apud, DE MOURA, 2017).

Ademais, a previsão da EC nº 45/2004 respaldou o disposto no artigo 125, §


4º, da CF/88, o qual ressalva expressamente a competência do Tribunal do Júri em
caso de vítima civil. Considera-se ainda que a alteração do art. 82 do CPPM exclui o
foro militar, na medida em que, apesar de a jurisdição militar ser especial às pessoas
a ela sujeita, quando se trata de crimes dolosos contra a vida em que a vítima seja
civil o § 2º do mesmo dispositivo estabelece ainda que: “nos crimes dolosos contra a
vida, praticados contra civil, a Justiça Militar encaminhará os autos do inquérito
policial militar à justiça comum” (BRASIL 1969). (LIMA 2011, apud DE MOURA,
2017).
Após a intensa discussão a respeito da competência para processamento e
julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares, culminando
com a definição de que apenas os militares no âmbito estadual são passíveis de
julgamento pela Justiça Comum, a aplicação extensiva da jurisdição castrense se
intensificou com a sanção da Lei nº 13.491/2017, a qual alterou o art. 9º do Código
Penal Militar, mais precisamente seu parágrafo 2º, com o intuito de modificar a
competência da jurisdição militar referente ao julgamento dos militares das Forças
Armadas. A nova legislação assim prevê:

Art. 1°. O art. 9° do Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 -


Código Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 9°. […]
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal,
quando praticados: [...]
§ 1º. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e
cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do
Júri.
38

Nota-se que a alteração realizada pela norma ao art. 9º II abarca uma grande
extensão da competência da justiça castrense ao prever que os crimes previstos na
legislação penal também podem ser caracterizados como crimes militares em
decorrência de do agente praticante da conduta. Dessa forma, a alteração quando
ao julgamento dos crimes dolosos contra a vida se deu nos seguintes termos:

§ 2º. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e
cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da
competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo
Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão
militar, mesmo que não beligerante; ou
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei
e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o
disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes
diplomas legais:
a) Lei n° 7.565, de 19 de dezembro de 1986 Código Brasileiro de
Aeronáutica;
b) Lei Complementar n° 97, de 9 de junho de 1999;
c) Decreto-Lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969 Código de Processo
Penal Militar; e d) Lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral

Em suma, a nova legislação expende que os crimes dolosos contra a vida


praticados contra civis por militares das Forças Armadas, quando em atividade
operacional, passam a ser julgados por seus pares e não pela Justiça Comum, por
meio do Tribunal do Júri, tal norma infraconstitucional, até o presente momento,
constitui objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), quais sejam, a
ADI 5091 e ADI 5804.
Desta maneira, conforme elucida Teza, quando da ocorrência do crime de
homicídio doloso contra a vida de civil, se praticado por militar das Forças Armadas,
com a inserção do § 2º do art. 9º, excepciona o § 1º, nas condições especificadas
nas leis supracitadas, permanece a competência da Justiça Militar da União o seu
julgamento, e não do Tribunal do Júri. (2017 apud, DE MOURA, 2017).
Ao analisar a sanção da Lei 13.491/2017, afirma Rodrigo Foureaux que,
durante os debates do Projeto de Lei referente ao dispositivo sancionado, apenas foi
discutido o viés da transferência dos julgamentos dos militares das Forças Armadas
nos crimes dolosos contra a vida de civis pela Justiça Militar da União já em
andamento, de maneira que as modificações são eminentemente na intenção de
alteração da competência da Justiça no processamento de julgamento dos crimes
mencionados. (2012 apud MOREIRA, MOREIRA, 2017).
39

A recente alteração de competência conforme o já explicitado, denota várias


divergências dos tribunais superiores sobre a matéria, além de ir de encontro a
interpretações e normas já sedimentadas no ordenamento jurídico brasileiro e, entre
as normas destacam-se o artigo 8215 do CPPM e o artigo 125, § 4º da CF/88, os
quais de maneira explícita alegam que a competência para os julgamentos dos
crimes dolosos contra a vida perpetrados por militar quando a vítima for civil não
seria da Justiça Castrense, mas do Tribunal do Júri.
Além disso, é notável que alteração do referido dispositivo legal foi realizada
num cenário de intensa instabilidade política na democracia brasileira, destacando-
se a afixação das Operações de Garantia de Lei e Ordem e a posterior imposição do
instituto da Intervenção Federal no estado do Rio de Janeiro, de modo a tornar
eminente a majoração do envolvimento da Justiça Militar com matérias avulsas
àquelas de sua atribuição originária.
Dessa forma, faz-se imprescindível a análise dos dispositivos normativos e da
jurisprudência perante a nova extensão da competência da Justiça Militar da União,
assim como um aprofundamento quanto ao processamento dos crimes dolosos
contra a vida praticados por militares contra civil no âmbito da Justiça Militar da
União e na Justiça Comum.

15
Art. 82. O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil,
a ele estão sujeitos, em tempo de paz (BRASIL, 1969)
40

3 COMPARATIVO DO JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A


VIDA PRATICADOS POR MILITAR CONTRA CIVIL NO ÂMBITO DA JUSTIÇA
MILITAR DA UNIÃO E DA JUSTIÇA COMUM

Com a finalidade de melhor esclarecer as diferentes abordagens quanto ao


processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militar
contra civil em tempos de paz no ordenamento jurídico brasileiro atual é
imprescindível traçar a diferenciação procedimental no âmbito da Justiça Militar da
União, amparado pela Lei nº 13.491/2017 e no âmbito da Justiça Comum, amparado
pelas modificações realizadas pela Lei nº 9.299/96 e pela posterior EC nº 45/2004.
Dessa feita, para uma elucidação mais clara, no primeiro tópico será
abordado o processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida
praticados por militares estaduais desde a fase de inquérito, os quais ocorrem na
Justiça Comum, por meio do Tribunal do Júri.
Já no segundo tópico, será abordado o processamento e julgamento dos
crimes dolosos contra a vida praticados por praticados por militares das Forças
Armadas, os quais ocorrem na Justiça Militar da União por meio de procedimento
realizado por seus pares.

3.1 JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS


POR MILITAR CONTRA CIVIL NA JUSTIÇA COMUM

Isso posto, para adentrar na temática do processamento e julgamento dos


crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil no âmbito da Justiça
Comum, será utilizado como paradigma o procedimento realizado para
processamento e julgamento de militares estaduais, os quais são definidos por De
Lima (2016) como os policiais militares e integrantes do corpo de bombeiros, assim
como os integrantes da Polícia Rodoviária Militar Estadual, sejam praças ou oficiais,
de forma que os integrantes das Guardas Metropolitanas não são considerados
policiais ou bombeiros militares.
Além disso, De Lima (2016) ainda destaca que a condição de militar estadual,
para fim de definição de competência para julgamento, deve ser aferida por ocasião
da prática do crime, ou seja, a competência deve ser fixada em relação à qualidade
41

que o agente possuía no instante do cometimento do delito, de maneira a não ser


alterada por conta de modificação fática posterior, como o caso da exoneração
anterior à instauração do inquérito policial.

3.1.1 Inquérito Policial no âmbito estadual

Ainda assim, é imprescindível pormenorizar o conteúdo acerca da


investigação dos crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por militares
estaduais, de forma que ainda existe no ordenamento jurídico um conflito de
competência consubstanciado em duas interpretações acerca da competência da
apuração dos referidos crimes, as quais se segmentam entre interpretações literais e
teleológicas do disposto na Lei nº 9.299/96 e da EC nº 45/2004.
Pela interpretação literal, Dos Santos; Dos Santos; De Almeida (2015)
afirmam que a edição da Lei nº 9.299/96, assim como da EC nº 45/2004, não
desclassificou os crimes dolosos contra a vida, delitos tidos como militares, para
delitos de natureza comum, de modo que os tratamentos inquisitórios e processuais
deveriam ser semelhantes aos dos crimes militares.
Por este mesmo prisma, Neves (2014) elucida que os referidos dispositivos
não especificaram a desnaturação do crime doloso contra a vida de civil para crime
comum, mas enumeraram um conjunto de delitos de natureza militar imprópria a
serem julgados excepcionalmente pelo Tribunal do Júri, de forma que os processos
no Tribunal do Júri deverão ter curso por enquadramento da conduta do exposto nos
arts. 205 ou 207 do CPM, ainda que o Tribunal do Júri seja da Justiça Comum.
Na mesma esteira, o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo
decidiu:

Ementa: POLICIAL MILITAR - Conteúdo normativo da Resolução


SSP 110, de 19.07.10 reconhecido - Observância da reserva de
plenário nos termos do art. 97, da Constituição Federal - A Lei
9.299/96 e a EC nº 45/04 apenas deslocaram a competência para o
Júri, para processar e julgar crimes militares dolosos contra a vida,
com vítimas civis - Manutenção da natureza de crime militar (art. 9º,
CPM) impõe a aplicação do § 4º, do art. 144, do CPM - Competência
exclusiva da polícia judiciária militar para a condução da investigação
- Inconstitucionalidade reconhecida da Resolução SSP 110, de
19.07.10 - Decisão unânime.(BRASIL, 2010).
42

Ainda assim, destaca-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça pelo


cabimento da instauração de Inquérito Policial Militar para a apuração se há ou não
crime doloso contra a vida praticado por militar estadual contra civil, de forma que
após a constatação de tal hipótese os autos sejam remetidos à Justiça Comum.

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO


ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
COMPETÊNCIA. ART. 125, § 4º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
ART. 82, § 2º DO CPPM. INQUÉRITO. CRIME DOLOSO CONTRA A
VIDA DE CIVIL PRATICADO POR POLICIAL MILITAR. JUSTIÇA
COMUM ESTADUAL. [...] - O que o referido dispositivo autoriza,
portanto, é que se instaure o inquérito militar apenas para verificar se
é ou não a hipótese de crime doloso contra a vida de civil. Uma vez
isso constatado, a remessa dos autos a Justiça Comum é medida de
rigor. Recurso desprovido. (BRASIL, 2008).

Não obstante, confirmando tal intepretação, Hansel afirma que a matéria


disciplinada não permite interpretações ambivalentes ou extensivas, considerando
que a redação do artigo 82 (nota) do CPPM demonstra as atribuições legais
conferidas à Polícia Judiciária Militar para apuração em que militares sejam
apontados como autores de crimes dolosos contra a vida de civis, de forma que,
conforme corrobora Dos Santos, tanto a primeira análise para checar se a conduta
foi dolosa ou culposa seria de competência do Promotor de Justiça atuante na
justiça militar quanto a decisão se o militar deve responder o processo em liberdade
seria de competência da justiça castrense, sendo posteriormente remetida ao
Tribunal do Júri. (apud DOS SANTOS, DOS SANTOS; DE ALMEIDA, 2015).
Já pelo prisma da intepretação teleológica dos referidos dispositivos, entende
que os crimes dolosos contra a vida praticados por militares em face de civis devem
ser considerados crimes comuns, com intepretação a partir da razão pela qual a
norma foi escrita, merecendo, portanto, tratamento jurídico dado para os crimes de
tal natureza (DOS SANTOS; DOS SANTOS; DE ALMEIDA, 2015).

[...] “classificar o Direito Penal especial em função do órgão judiciário


encarregado de aplicar o direito objetivo, demonstra evidente
confusão entre Direito Penal especial e Direito Processual Penal
especial”. Assevera, ainda, após notável argumentação, que “o
Direito Penal Militar é especial em razão do bem jurídico tutelado,
isto é, as instituições militares, no aspecto particular da disciplina, da
hierarquia, do serviço e do dever militar, acrescido da condição de
militar dos sujeitos do delito”. [...] com base nessa premissa, que
apenas os crimes propriamente militares merecem o título de delitos
43

de Direito Penal especial, sendo os crimes impropriamente militares,


cometidos por militares ou por civis, delitos comuns, cuja
competência de julgamento foi atribuída às Justiças Militares pelo
legislador ordinário. [...] os crimes de homicídio (art. 205 do CPM),
lesão corporal (art. 209 do CPM) etc. não fariam parte do Direito
Penal especial, mas do Direito Penal comum, ainda que a
competência de julgamento desses delitos seja da Justiça Castrense.
(LOBÃO apud NEVES, STREIFINGER p. 79, 2012).

Em julgamento do Habeas Corpus 17548, o Superior Tribunal de Justiça se


posicionou no sentido de retirada dos crimes dolosos conta a vida de civis dos
crimes militares nos seguintes termos:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.


HOMICÍDIO QUALIFICADO PRATICADO POR POLICIAIS
MILITARES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. ALEGAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 9º,
DO CÓDIGO PENAL MILITAR, INTRODUZIDO PELA LEI Nº
9.299/96. CONSTITUCIONALIDADE AFERIDA PELO PLENO DO C.
STF. [...] Considerando que cabe à lei definir os crimes militares, o
Tribunal entendeu que a Lei 9.299/96 implicitamente excluiu os
crimes dolosos contra a vida praticados contra civil do rol dos crimes
militares, compatibilizando-se com o art. 124 da CF ("À Justiça Militar
compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei."),
sendo improcedente, ainda, a alegada ofensa ao art. 125, § 4º, da
CF, que confere à Justiça Militar estadual a competência para julgar
os policiais militares nos crimes militares definidos em lei.". Ordem
denegada. (BRASIL, 2010).

Nesse mesmo viés, Fernandes (2000) alude que o legislador deveria ter
especificado que o homicídio contra civil não possuía mais natureza militar, obtendo
a alteração em exata consonância com os dispositivos constitucionais que excluem
a competência da Justiça Militar somente para crimes comuns, de sorte que, para
efetivar a harmonização de tal norma com o preceito constitucional, a interpretação a
ser utilizada é de que, por ocorrência da transferência da competência para a Justiça
Comum para o julgamento de crimes dolosos contra a vida de civil, a lei declara que
tais crimes não se enquadram mais entre os crimes militares expostos no art. 9º,
mesmo que ocorram em situações previstas em suas alíneas.
Tal viés pode ser concretizado ao analisar o disposto no Projeto de Lei nº
2801/92, o qual foi proposto no contexto de investigação pela Comissão Parlamentar
de Inquérito sobre o extermínio de crianças e adolescentes, culminando com a
aprovação da presente lei discutida.
44

Art. 1º - O Artigo 9º do Código Penal Militar passa a vigorar acrescido


do seguinte parágrafo:
“Art. 9º -
Parágrafo Único – Não se consideram crimes militares, em tempo de
paz, os praticados por qualquer agente contra civil.
Art. 2º - O Artigo 82 do Código de Processo Penal Militar passa a
vigorar acrescido do seguinte parágrafo:
Art. 82 - ... Parágrafo único – Não está sujeito ao foro militar, em
tempo de paz, o julgamento de crimes praticados por qualquer
agente contra civil. Projeto de Lei nº 2801 da Comissão Parlamentar
de Inquérito de investiga o extermínio de crianças e adolescentes.
(BRASIL, 1992);

Observa-se, por consequente, que a intenção do legislador era a modificação


da natureza dos crimes militares para crimes comuns.
Acerca da descaracterização dos crimes militares para comuns nos casos
supramencionados, em síntese, o Supremo Tribunal Federal entendeu no
julgamento do Recurso Extraordinário da ADI 1494, interposta pela Associação dos
Delegados de Polícia do Brasil, que:

[...] não há demasia alguma em se interpretar, não obstante sua


forma imperfeita, que ele, ao declarar, em caráter de exceção, que
todos os crimes de que trata o artigo 9º do Código Penal Militar,
quando dolosos contra a vida praticados contra civil, são da
competência da justiça comum, os teve, implicitamente, como
excluídos do rol dos crimes considerados como militares por esse
dispositivo penal, compatibilizando-se assim com o disposto no
"caput" do artigo 124 da Constituição Federal.[...] (BRASIL 2001).

Na mesma decisão, o Supremo Tribunal Federal ainda fundamenta que a


referida descaracterização de crime militar para crime comum é consubstanciada
pela alteração do § 2º do art. 82 do CPPM, nos seguintes termos:

[...] Corrobora essa interpretação a circunstância de que, nessa


mesma Lei 9.299/96, em seu artigo 2º, se modifica o "caput" do
artigo 82 do Código de Processo Penal Militar e se acrescenta a ele
um § 2º, excetuando-se do foro militar, que é especial, as pessoas a
ele sujeitas quando se tratar de crime doloso contra a vida em que a
vítima seja civil, e estabelecendo-se que nesses crimes "a Justiça
Militar encaminhará os autos do inquérito policial militar à justiça
comum". Não é admissível que se tenha pretendido, na mesma lei,
estabelecer a mesma competência em dispositivo de um Código - o
Penal Militar - que não é o próprio para isso e noutro de outro Código
- o de Processo Penal Militar - que para isso é o adequado [...]
(BRASIL, 1997).
45

Dessa forma, mostra-se cristalina a diversificação acerca da referente


temática, de forma que por existência de ausência de difundida pacificação
jurisprudencial é que a definição acerca da competência inquisitorial fica a cargo das
decisões judiciais em caso concreto, restando cediça, no entanto, que a partir da
fase postulatória o andamento do processo se dá no âmbito da Justiça Comum.
Não obstante a discussão acerca da competência, acerca do comparativo
entre o IPM e o IPC, Dimenstein (1996) afirma:

A mesma precariedade dos inquéritos da polícia judiciária civil,


caracteriza os inquéritos policiais militares, IPMS, realizados dentro
dos próprios batalhões por policiais em geral de limitada formação
jurídica e praticamente sem os modernos recursos da técnica da
investigação criminal ou medicina legal. Muitas vezes, IPMS sobre
mortes praticadas por policiais militares aparecem como homicídios
justificáveis, independentemente das circunstâncias em que foram
cometidos. É raro esses ipms conseguirem caracterizar práticas
correntes nas polícias militares que dissimulam homicídios praticados
por policiais em alegados confrontos. (1996, p. 29).

Dessa forma, a partir desse instante, far-se-á a exposição acerca do


procedimento do Tribunal do Júri no ordenamento jurídico brasileiro, considerando
que o rito do julgamento dos militares estaduais que praticaram crimes dolosos
contra a vida de civis passa a ser perante a Justiça Comum.

3.1.2 Julgamento no Tribunal do Júri

Dessa maneira, utilizando-se do mesmo paradigma, após a realização do


Inquérito Policial, seja este militar ou comum, quando se trata de julgamento de
crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares estaduais, é cediço,
conforme o instituído no art. 125 da CF/88, de que é o rito do Tribunal do Júri que
deve ser seguido, de modo a ser necessário versar sobre o rito bifásico
supramencionado, a fim de esclarecer seu funcionamento, bem como os princípios
constitucionais a ele atrelados.
Não obstante, considerando seu caráter essencialmente constitucional, com
regulamentação na forma de legislação ordinária – Lei nº 11.689/08 -, o Tribunal do
Júri vem expressamente previsto no capítulo sobre Direitos e Garantias Individuais,
no art. 5º, XXXVIII, da CF/88, nos seguintes termos:
46

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que


lhe dera lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida

Quanto às suas características expressas no texto da Carta Magna, são


necessários alguns esclarecimentos, de modo que apesar de que suas linhas
estruturais devam ser rigorosamente respeitadas, também devem ser respeitados e
garantidos os demais princípios constitucionais previstos no texto da Constituição
Federal.
Dessa maneira, a primeira observação se faz quanto à competência para o
julgamento exclusivo dos crimes dolosos contra a vida, de sorte que, conforme alude
Pacelli (2014) estes não são os únicos a serem julgados pelo Tribunal do Júri, já que
na hipótese de conexão entre tais crimes e outro da competência originária de juiz
singular, prevalecerá a do primeiro – art. 78, I, CPP – julgando também outras
infrações penais, conforme previsão legal expressa.
Quanto à soberania dos veredictos, Da Costa Júnior (2007) afirma que os
veredictos não excluem a recorribilidade dos julgamentos do Tribunal do Júri, de
forma que se considerada a decisão prolatada manifestamente contrária à prova dos
autos, o acusado deverá ser submetido a novo julgamento, realizado por novo júri,
formado por diferentes jurados.
Já Pacelli (2014) expõe que tal soberania deve ser entendida em termos,
considerando a possibilidade de revisão de suas conclusões por outro órgão
jurisdicional superior e ainda por meio da ação de revisão criminal.
Sobre esta última possibilidade, Pacelli (2014, p. 327) ainda sustenta:

Embora semelhante possibilidade, à primeira vista, possa parecer


uma afronta manifesta à garantia da soberania dos veredictos, pode-
se objetar em seu favor o seguinte: a ação de revisão criminal
somente é manejável no interesse do réu e somente em casos
excepcionais previstos expressamente em lei (art. 621, I, II e III,
CPP); funciona, na realidade, como uma ação rescisória (do cível),
legitimando-se pelo reconhecimento da falibilidade inerente a toda
espécie de convencimento judicial e, por isso, em todo julgamento
feito pelos homens.
47

Acerca da constitucionalidade de interposição e conhecimento do recurso de


apelação no caso de julgamento contrário à prova dos autos, Mendes (2017, p. 428)
corrobora:

No que concerne à soberania dos veredictos, tem o Supremo


Tribunal entendido que não afronta esse princípio a determinação de
realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri, em razão de
contrariedade à prova dos autos, ainda que o anterior tenha
resultado na absolvição do réu. Ressalta-se que a decisão do
Tribunal, determinando a submissão a novo júri, não vincula o
Tribunal do Júri a proferir uma decisão condenatória, o que seria
plenamente compatível com a ideia de soberania do veredicto.
Ademais, nos termos da própria Constituição, enfatiza o Tribunal, a
soberania do veredicto há de se manifestar na forma da lei.

No que concerne ao sigilo de votações, apesar de ir de encontro ao princípio


da publicidade dos julgamentos exposto no art. 93, IX da CF/88 (BRASIL, 1988),
este deve ser interpretado no sentido de garantia para os próprios jurados, de forma,
que, conforme afirma Pacelli (2014) o sigilo das votações impõe o dever de silêncio
entre os jurados, impedindo a influência de um no ânimo de decisão dos demais
com o intuito de garantia da pluralidade das decisões.
Não obstante, no que diz respeito à plenitude de defesa, considera-se como
uma garantia e não apenas um direito, de modo que é amplamente fundamentado
ao longo dos dispositivos legais e na jurisprudência nacional como uma garantia não
só do acusado, mas também da sociedade, com a garantia de anulação de
julgamento e a realização de outro em caso de defesa insuficiente – art. 497, V,
CPP.
Nessa esteira, Whitaker (1930 apud DA COSTA JÚNIOR, 2007, p. 57) afirma:

A defesa, pois, não é só interesse individual, mas, também, de


interesse geral; e é por isso que a sociedade a protege com mais
largueza que no direito civil, e facilita seu exercício. Do princípio de
que a sociedade tem interesse no direito de defesa, resultam como
corolários: que tal direito não pode ser renunciado; que a sociedade
é obrigada a dar defensor, não só ao incapaz, como ao ausente é
àquele que não o tem.

Nota-se ainda, antes de entrar no caráter sistemático de funcionamento da


instituição do Tribunal do Júri, a necessidade de diferenciação de tal procedimento
48

frente ao escabinato utilizado no julgamento pela Justiça Militar da União e ao


assessorado, de modo que Tourinho Filho (2004, p.52) assevera:

O Tribunal do Júri é um órgão colegiado, heterogêneo e temporário.


Compõe-se de um Juiz de Direito, que é seu presidente, e de vinte e
um jurados que se sortearão dentre os alistados, sete dos quais
constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.
O que o distingue de outras Instituições similares, como o escabinato
e o assessorado, é a circunstância de haver, no julgamento, uma
competência funcional horizontal por objeto do juízo, isto é, o
Conselho de Sentença, sem influência de quem quer que seja,
decide sobre a existência do crime, das circunstâncias excludentes
da culpabilidade e de antijuridicidade, da respectiva autoria, sobre as
circunstâncias que modelam e deslocam o tipo fundamental para
figuras especiais, bem como sobre circunstâncias que servem,
apenas, para a fixação da pena.

Além disso, quanto à dosagem da pena, Tourinho Filho (2004, p. 42) ainda
complementa:

A dosagem desta fica a cargo exclusivo do Juiz-Presidente, não


podendo ele se afastar do decidido pelo Conselho de Sentença. Esse
é o seu caráter específico. Já no escabinato, juízes leigos e togados
decidem, por primeiro, sobre a pretensão punitiva e, em seguida,
sobre a aplicação da pena [...]. Distingue-se, também, do
assessorado, porque neste o assessor tem voto consultivo, uma vez
que o jurado procura instruir-se com o assessor.

Dessa feita, passa-se para a alusão do viés procedimental do rito do Tribunal


do Júri, caracterizado como bifásico por possuir a fase de instrução preliminar e a
fase de julgamento em plenário, cada uma com sua individualidade e sistemática.
A fase de instrução preliminar é desenvolvida com o intuito de efetuar a
formação da culpa, constitui a primeira fase do rito em questão, de forma a ser
iniciada após o recebimento da denúncia pelo juiz, seja esta realizada pelo Ministério
Público ou por queixa-crime subsidiária da vítima ou respectivo representante16.

16
Acerca da queixa-crime subsidiária afirma o CPP em seu Art. 29. Será admitida ação privada
nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público
aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo,
fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante,
retomar a ação como parte principal. (BRASIL, 1941)
49

Após o recebimento da denúncia ou queixa o juiz citará o acusado para fins


de oferecimento de defesa escrita no prazo de 10 (dez) dias, considerando que a
falta dessa poderá implicar nulidade dos atos posteriores, já devendo arrolar suas
testemunhas no número máximo de 8 (oito) por réu, arguindo ainda todas as
preliminares cabíveis, juntada de documentos e a postulação de suas provas, de
modo que as exceções de incompetência, suspeição e demais - art. 95 a 112 CPP –
devem ser formuladas em autos apartados (LOPES JÚNIOR, 2017a).
Além disso, com a apresentação da defesa escrita, é dada vista ao Ministério
Público para que se manifesta sobre eventuais exceções preliminares alegadas pela
defesa e para tomar conhecimento de documentos e demais provas juntadas, no
prazo de 5 (cinco) dias17.
A designação da audiência preliminar para a produção de provas,
apresentação de alegações finais e prolação de decisão pela absolvição sumária,
impronúncia, pronúncia ou desclassificação, nos termos do art. 410 do CPP, deve
ser realizada no prazo de 10 (dez) dias, no entanto, a respeito da inconsistência de
tal prazo, Pacelli (2014) assevera:

A redação do art. 410, CPP, não é nada esclarecedora, quando


aponta o prazo de 10 (dez) dias para a inquirição de testemunhas e
para a realização das diligências requeridas pelas partes. Ora, basta
ver, por exemplo, que as partes têm o prazo de até dez dias antes da
audiência para requererem o depoimento do perito oficial e de
assistentes técnicos(art. 159, § 5º, I, CPP). Assim, não há como
designar a audiência para o prazo máximo de 10 (dez) dias. Esse
prazo, ode dez dias, deve ser reservado apenas para a adoção de
diligências que devam ser realizadas antes da audiência de instrução
e julgamento. Para a designação de audiência, o juiz deve atentar
somente para o prazo global de 90 (noventa) dias, destinados à
conclusão da fase de acusação e de instrução preliminar.

Ademais, com o fim da instrução, será realizado o interrogatório do acusado,


passando para a possibilidade de aplicação do instituto da mutatio libelli, prevista no
art. 384 do CPP, o qual consiste no aditamento da denúncia pelo Ministério Público
com a ocorrência de prova de um fato novo que conduza a nova definição jurídica do
caso penal.

17
Nos termos do CPP em seu art. 409. Apresentada a defesa, o juiz ouvirá o Ministério Público ou o
querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias. (BRASIL, 1941)
50

No caso do referido aditamento, é interrompida a audiência para constituir o


direito de defesa do réu consubstanciado na concessão de vista à defesa pelo prazo
de 5 (cinco) dias, para posterior designação de nova oitiva de testemunhas, podendo
o MP e a defesa arrolarem até 3 testemunhas cada, e novo interrogatório do
acusado (LOPES JÚNIOR, 2017a).
Com o fim da audiência preliminar, por meio de debates orais ou por meio de
memorial - art. 411, §9º, do CPP -, conforme supramencionado, quatro são as
decisões possíveis a serem tomadas pelo Juízo, de modo a ser imprescindível a
elucidação acerca de cada uma.
No que tange à absolvição sumária, Pacelli (2014) afirma que cabe ao juiz
encarregado da instrução preliminar a apreciação prévia das questões legais ligadas
à existência de crime doloso contra a vida, de modo que as excludentes de ilicitude
e de culpabilidade excluem o crime e a correspondente punibilidade - arts. 21, 22,
23, 26 e 28, § 1º, CP – não existindo motivos para se reclamar a competência do
tribunal do Júri.
Nessa mesma esteira, Lopes Júnior (2017a, p. 740) corrobora:

A absolvição sumária não é apenas uma decisão interlocutória, mas


sim uma verdadeira sentença, com análise de mérito e que passou
(com o advento da Lei n. 11.689/2008), exatamente por ter essas
características, a ser impugnada pela via do recurso de apelação.
Também, outra inovação relevante da referida lei foi a acertada
extinção do recurso ex officio da sentença de absolvição sumária,
pois era uma teratologia processual completa um juiz decidir e
recorrer da decisão que ele próprio proferiu, sendo evidente sua
ilegitimidade (pois não parte interessada para recorrer) e também a
violação do sistema acusatório.

Não obstante, o art. 415 da Lei nº 11.689/08 prevê que o juiz poderá absolver
sumariamente o acusado, quando (a) estiver provada a inexistência do fato (I); (b)
estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato (II); (c) o fato não constituir
infração penal (III) e (d) estiver demonstrada causa de isenção da pena ou de
exclusão do crime (IV), à exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja
cabível a aplicação de medida de segurança. (PACELLI, 2014).
Tal ampliação das hipóteses de absolvição sumária seria descabida, de forma
que, segundo afirma Pacelli (2014, p. 330) “a inexistência do fato e da prova da não
autoria ultrapassam, e muito, a fronteira do Direito, implicando julgamento de matéria
unicamente de fato, e, por isso, suprimindo a competência do Tribunal do Júri.”.
51

Ademais, é necessária a interpretação no sentido de que os juízes devem


exercer um papel de filtro processual utilizando-se da presunção constitucional de
inocência assim como do princípio do in dubio pro reo, de sorte que deve ser evitada
a submissão de um indivíduo ao julgamento do Tribunal do Júri, realizado por leigos,
quando a prova autoriza outra medida cabível, considerando ainda em caso de
crime conexo, o juiz deve redistribuir o feito para o juízo competente se este não for
de competência do Tribunal do Júri. (LOPES JÚNIOR, 2017a).
No caso da desclassificação, esta pode se dar em ambas as fases do rito e
ser classificada como própria ou imprópria, de forma que consiste em dar definição
jurídica diversa ao fato constante na acusação, tanto de um crime mais grave para
outro menos grave, quanto no sentido inverso.
Conforme exposto nos art. 418 e 419 do CPP, a desclassificação na fase de
instrução consiste em uma faculdade do juiz, nos seguintes termos:

Art. 418. O juiz poderá dar ao fato definição jurídica diversa da


constante da acusação, embora o acusado fique sujeito a pena mais
grave.
Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a
acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art.
74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá
os autos ao juiz que o seja.
Parágrafo único. Remetidos os autos do processo a outro juiz, à
disposição deste ficará o acusado preso. (BRASIL, 1941).

A desclassificação própria se dá na medida em que o juiz reconhece a


existência de crime diverso dos crimes dolosos contra a vida, remetendo, portanto,
os autos ao juízo competente, de forma que, o novo juiz competente deverá renovar
os atos de instrução18 em respeito ao princípio da identidade física do juiz.
(PACELLI, 2014).
Já a desclassificação imprópria, nos ensinamentos de Lopes Júnior (2017a),
consiste na não concordância da classificação jurídica feita pela acusação aos fatos
narrados na denúncia, no entanto, não existe modificação na descrição do fato, isto
é, não existe fato novo, mas sim a discussão se limita a incidência do art. 418 e

18
Em conformidade com o disposto no CPP em seu art. 399, § 2o : O juiz que presidiu a instrução
deverá proferir a sentença. (BRASIL, 1941)
52

38319 do CPP, de modo que no caso em questão, é realizada a desclassificação


para outro crime que continua sendo de competência do Tribunal do Júri.
A terceira decisão possível a ser prolatada é a de impronúncia, em tal caso, o
juiz singular não vê demonstrada a existência do fato alegado na denúncia, ou de
elementos indicativos da autoria do fato, de sorte que se constitui em uma decisão
terminativa sem resolução de mérito, não produzindo coisa julgada material,
considerando que o processo pode ser reaberto a qualquer tempo, desde que
surjam novas provas, até a extinção de punibilidade pelo tempo. (LOPES JÚNIOR,
2017a).
Por fim, a última decisão a ser prolatada pelo juiz é a da pronúncia, o que leva
para a segunda fase do procedimento, consubstanciada na verificação pelo juízo da
demonstração de provável existência de um crime doloso contra a vida.
No entanto, é imprescindível destacar que a pronúncia não é constituída pelo
convencimento absoluto do juiz da instrução quanto à materialidade e à autoria do
delito. A respeito de tal tema, nasce o instituto do “excesso de linguagem”, o qual
segundo entendimento do STF e nas palavras de Pacelli (2014, p. 334):

Excesso de linguagem, ou “eloquência acusatória”, ocorre


justamente quando a pronúncia deixa transparecer de forma
significativa um juízo de reprovação, ou ainda uma conclusão que
seja mais aprofundada do que essa fase do processo permitiria. Esse
entendimento foi confirmado pelo STF, no RHC 127522/BA. […] O
que se espera dele é o exame do material probatório ali produzido,
especialmente para a comprovação da inexistência de quaisquer das
possibilidades legais de afastamento da competência do Tribunal do
Júri. E esse afastamento, como visto, somente é possível por meio
de convencimento judicial pleno, ou seja, por meio de juízo de
certeza, sempre excepcional nessa fase. Mesmo na impronúncia,
que é fundada na ausência de provas, o juiz deve realizar exame
aprofundado de todo o material ali produzido para atestar a sua
insuficiência, já que, em princípio, não é ele o competente para a
valoração do fato.

19
Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-
lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.
§1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de
suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.
§ 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos. .
(BRASIL, 1941)
53

Dessa maneira, a decisão pela pronúncia pode ser caracterizada como a


delimitação de maneira praticamente integral a ser submetida ao julgamento do
plenário, devendo constar a narração do fato delituoso reconhecido, incluindo as
circunstâncias qualificadoras, as causas de aumento, de privilégio e de diminuição
de pena, assim como as atenuantes podem ser reconhecidas ainda que não
constante na pronúncia. (PACELLI, 2014).
Por conseguinte, após a decisão de pronúncia supracitada, inicia-se a
segunda fase do rito com os autos encaminhados ao Juiz-Presidente do Tribunal do
Júri, de sorte que serão abordados os tópicos quanto à preparação, ao
desaforamento, aos jurados e à sessão de julgamento no plenário, com a quesitação
e instrução em plenário e a sentença prolatada.
Na fase de preparação, ambas as partes serão intimadas e apresentarão o rol
de testemunhas que irão depor em plenário, no limite máximo de 5 (cinco), assim
como indicarão os meios de prova que pretendem produzir, sendo possível a juntada
de documentos20.
A respeito da importância da dilação probatória na sessão em plenário afirma
Pacelli (2014, p. 734):

[...] como o julgamento será feito pelo Tribunal do Júri e não mais
pelo juiz singular, salvo a hipótese de desclassificação, quando
competirá ao Juiz-Presidente, devem as partes se ocupar do
convencimento dos membros do Conselho de Sentença. Assim, não
só a prova testemunhal poderá e deverá ser repetida, mas qualquer
outra que tenha o mesmo propósito. A prova pericial, como é
intuitivo, dispensará novo laudo, ao menos como regra. O que não
impedirá que o(s) perito(s) oficial(ais), bem como eventuais
assistentes técnicos já admitidos em juízo, sejam intimados para
esclarecimentos acerca de suas convicções

Quanto ao Juiz-Presidente, Lopes Júnior (2017a) sustenta um equivoco no


disposto ao art. 424 do CPP (BRASIL, 1941), na medida em que violaria o princípio
da identidade física do juiz e a garantia do juiz natural, de sorte que a última não se

20
Nos termos do CPP em seu art. 422. Ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri
determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do
defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em
plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer
diligência. (BRASIL, 1941)
54

restringiria á decisão tomada em plenário, possuindo duas dimensões no referido


rito, quais sejam: a relacionada ao Juiz-Presidente a relacionada ao Tribunal do Júri.
Desta forma, não poderia ser desconsiderada a relevância das decisões
prolatadas na fase de instrução preliminar, haja vista que afetam gravemente o réu,
assim como que a pronúncia do acusado deveria ser realizada pelo juiz competente,
ou seja, o Juiz-Presidente e não qualquer juiz.
Ainda acerca do Juiz-Presidente e de sua suma importância nesta fase
processual, Pacelli (2014, p. 736) afirma:

[...] o Juiz-Presidente fará um saneamento do processo, resolvendo


eventuais irregularidades e determinando as providências que se
façam necessárias, incluindo a apreciação dos requerimentos
apresentados pelas partes, admitindo ou indeferindo provas, após o
que fará breve e resumido relatório do processo, enviando-o para
inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri.

Não obstante, como estabelecido no art. 427 do CPP (BRASIL, 1941),


destaca-se a possibilidade de desaforamento do feito, ou seja, o processo é retirado
de seu foro originário e remetido para outro foro competente. Para que ocorre o
referido instituto, é necessária a ocorrência de quatro hipóteses elencadas no
dispositivo legal mencionado, quais sejam, o interesse da ordem pública, dúvida
sobre a imparcialidade do juiz, quando a segurança do réu exigir e atraso superior a
6 (seis) meses para a realização do julgamento, contados a partir do trânsito em
julgado da pronúncia e quando comprovado excesso de serviço (PACELLI, 2014).
Além disso, a imparcialidade não é só de obrigatoriedade do juiz, mas
também dos jurados, por se tratar de exercício de função jurisdicional. Dessa
maneira, além das regras especificas do arts. 448 e 449 do CPP (BRASIL, 1941), a
fim de garantir a segurança jurídica, o Código de Processo Penal elencou as regras
de impedimento – arts. 252 e 253 CPP (BRASIL, 1941) - suspeição – art. 254 CPP
(BRASIL, 1941) - e incompatibilidade – art. 112 CPP (BRASIL, 1941) - aplicáveis aos
juízes togados com aplicação simétrica aos jurados do Tribunal do Júri.
Ademais, no que concerne ao alistamento dos jurados, este será feito
sistematicamente nos termos do art. 425 e 426 do CPP (BRASIL, 1941),
destacando-se que a função de jurado é obrigatória, de maneira que não pode ser
recusada imotivadamente, incorrendo, neste caso, nos termos do art. 442 do CPP
55

(BRASIL, 1941), na aplicação de multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos e


vedação ao comparecimento da sessão.
A organização da sessão de Tribunal do Júri está sistematicamente elencada
e detalhada no Código de Processo Penal, de forma a serem destacados alguns
pontos com relação ao seu desenrolar.
A composição do Tribunal do Júri é de um juiz togado que presidirá os
trabalhos, ou seja, um juiz de direito ou um juiz federal, e mais 25 (vinte e cinco)
jurados participantes da sessão, dos quais serão sorteados 7 (sete) para a
constituição do Conselho de Sentença, de modo que o restante é dispensado pelo
Juiz-Presidente.
Nesse momento, após o sorteio dos jurados, a defesa e o Ministério Público
poderão recursar o jurado sorteado, de modo que esta recusa pode ser motivada ou
imotivada.

recusa motivada (por suspeição, impedimento, incompatibilidade e


proibição), sem qualquer limite numérico, cabendo ao juiz decidir no
ato sobre a procedência ou não da alegação;
recusa imotivada, limitada a 3 para cada parte. É uma recusa
peremptória, sem necessidade de fundamentar o porquê de
determinado jurado não ser admitido. No modelo brasileiro, não
existe uma entrevista com os jurados, em que os advogados e
promotores poderiam ter um contato maior com eles, buscando
traçar o perfil social, econômico e mesmo psicológico (ainda que
superficial, é claro). Então, no mais das vezes, a recusa é puramente
instintiva. (LOPES JÚNIOR, 2017, p. 822).

Dessa forma, depois de formado o Conselho de Sentença, é imprescindível a


apresentação do caso ao júri popular da maneira mais simplificada possível, de
forma a ser instituída a formulação de quesitos para melhor explanação e de
maneira abrangente de toda a matéria alegada durante a instrução do pleito.
Os quesitos possuem uma ordem elencada na Lei 11.689/08, iniciando-se
com o quesito acerca da materialidade do fato, de forma que Pacelli (2017) alude
como sendo acerca da existência do fato, nos limites em que imputado ao acuso, já
devendo conter desdobramentos para abranger fatos que possam ser qualificados
como excludentes de ilicitude ou de culpabilidade. Já o segundo é sobre autoria e a
participação, de modo que conterá a questão atinente ao elemento subjetivo da
conduta, qual seja o dolo ou culpa do acusado.
56

O terceiro quesito é tido como o mais subjetivo e abstrato, de sorte que se


trata do exame pelo jurado se o acusado deve ser absolvido ou não. Sore tal tema,
Lopes Júnior (2017a, p. 833) alude:

Esse quesito é a principal simplificação operada pela Lei n.


11.689/2008, pois ele engloba todas as teses defensivas (exceto a
desclassificação, que será tratada na continuação), não mais
havendo o desdobramento em diversos quesitos para decidir-se
sobre a existência (ou não) da causa de exclusão da ilicitude ou
culpabilidade eventualmente alegada. Agora, a tese defensiva é
decidida neste terceiro quesito, sem que se formule uma ou mais
perguntas sobre a legítima defesa, por exemplo, como no sistema
anterior.

Ademais, os últimos dois quesitos dizem respeito respectivamente à


existência de causa de diminuição de pena alegada pela defesa e se existe
circunstâncias qualificadoras ou caso de aumento de pena contidos na pronúncia ou
em decisões posteriores.
A sistemática da votação é explicada de forma cristalina por Pacelli (2014, p.
744) nos seguintes termos:

Assim, se respondido negativamente por maioria (mais de três


jurados) qualquer um dos dois primeiros quesitos (autoria e
materialidade), estará encerrada a votação, com a absolvição do
acusado. Se positiva a resposta aos citados dois primeiros quesitos,
será indagado dos jurados se eles absolvem o réu.
Positiva que seja a resposta, estará igualmente encerrada a votação,
com a absolvição do acusado. Se negativa a resposta, segue-se na
quesitação, indagando-se acerca dos quesitos quatro e cinco (inciso
IV e inciso V).
Se houver a possibilidade de desclassificação do crime que afaste a
competência do júri, ou mesmo havendo divergência sobre a
tipificação do delito, será formulado um quesito sobre a questão, logo
após o de número três (III, o de absolvição), salvo, evidentemente, se
já estiver encerrada a votação com a resposta negativa aos dois
primeiros quesitos (art. 483, § 4º, CPP).

Após o recebimento de cópias da pronúncia e do relatório do juiz pelos


jurados é iniciada a instrução em plenário, a qual, conforme aludido por Lopes Júnior
(2017a), se dá pela tomada das declarações da vítima, quando possível, bem com
das testemunhas de plenário arroladas pela acusação e peles defesa, de modo que
a inquirição das testemunhas arroladas pela acusação deve ser feito primeiro pelo
57

MP e eventual assistente e depois pela defesa. Já no caso da oitiva das


testemunhas da defesa, será ela quem iniciará a inquirição seguida pela acusação.
Nesse sentido Pacelli (2014, p. 746) corrobora quanto às características da
inquirição das testemunhas e do interrogatório do acusado:

a) em qualquer interrogatório, as partes (Ministério Público,


assistente, defesa) devem iniciar a inquirição, cabendo ao juiz
complementá-lo, querendo;
b) as perguntas devem ser feitas diretamente, sem a mediação pelo
juiz;
c) igual procedimento deve ser adotado em relação à inquirição do
ofendido e das testemunhas (art. 212, CPP); as partes, diretamente,
iniciam as perguntas, cabendo ao juiz a complementação que se fizer
necessária. As testemunhas de defesa serão inquiridas primeiro pelo
defensor, seguindo-se o Ministério Público e o assistente.

Não obstante, quanto ao acusado no momento da sessão do plenário, é


fundamental evidenciar a garantia do princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana, consubstanciado na não permissão do uso de algemas durante a
realização do julgamento – art. 474, § 3º, CPP (BRASIL, 1941)– de forma que o
próprio Supremo Tribunal Federal se manifestou acerca de tal assunto em sua
Súmula Vinculante 11 (BRASIL, 2008), nos termos:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado


receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por
parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por
escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do
agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato
processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do
Estado. (BRASIL, 2007).

Ainda na fase de instrução do plenário, cabe destacar que apenas


documentos com juntada de no mínimo 3 (três) dias úteis anteriores podem ser lido
no momento julgamento – art. 479, CPP (BRASIL, 1941) – Ademais, realça Pacelli
(2014) que é vedada a leitura de qualquer jornal ou escrito, assim como a exibição
de vídeos, gravações e fotografias com conteúdo de opinião submetida aos jurados.
Desta forma, terminada a instrução com o interrogatório do réu, serão
iniciados os debates orais, de maneira que, segundo Lopes Júnior (2017a, p. 826) a
ordem de exposição das teses é primeiro da acusação e depois da defesa,
58

[...] cabendo inicialmente à acusação e, após, à defesa o tempo de 1


hora e 30 minutos para exporem suas teses. Após, concede-se o
prazo de 1h de réplica (acusação) e outro tanto para tréplica (pela
defesa). Importante destacar que predomina amplamente o
entendimento de que a defesa somente poderá fazer uso da tréplica
se houver réplica por parte do acusador. Do contrário, o júri se
encerra com os debates iniciais, de 1 hora e 30 minutos para cada
parte.

Nessa esteira, quanto à matéria suscitada nos debates, Pacelli (2014, p. 748)
corrobora que “constitui matéria vedada aos debates orais: (a) a referência aos
termos da pronúncia, salvo quando relativo à questão de direito (inexistência de
causa de aumento ou qualificadora, por exemplo); (b) o silêncio ou a ausência do
acusado em plenário - art. 478, CPP (BRASIL, 1941).”.
Por fim, concluídos os debates, com a habilitação dos jurados ao julgamento,
o juiz lerá os quesitos, explicando a sua finalidade e conteúdo, e, posteriormente ao
voto dos jurados, proferirá a sentença absolutória ou condenatória ou de
desclassificação, conforme os termos do art. 492 do CPP e nos limites do decidido
pelo Conselho de Sentença.
Dessa forma, no caso de condenação do réu, Lopes Júnior (2017a) expõe
que caberá ao juiz a dosimetria da pena – art. 59, CP (BRASIL, 1940) e art. 492,
CPP (BRASIL, 1941) – de forma a fixar a pena-base e, posteriormente, fixará as
atenuantes e agravantes. Já no caso de absolvição, segundo Pacelli (2014), o réu
deverá ser posto imediatamente em liberdade, não devendo ser considerada a
afiançabilidade do crime, haja vista a revogação do disposto no art. 492, II, alínea a
do CPP (BRASIL, 1941), que dispunha sobre a proibição de restituição de liberdade
nos casos de crime inafiançável.
Por último, na ocorrência de desclassificação do crime pelo Conselho de
Sentença são duas as possibilidades. No caso de desclassificação própria, o Juiz-
Presidente julgará o caso penal e, no caso de crime conexo que não seja doloso
contra a vida também será de sua competência o julgamento, de modo que o crime
conexo segue o principal. Já na desclassificação imprópria, os jurados é que
indicarão o tipo penal praticado, firmando sua competência para julgar crimes
conexos, de forma que cabe ao Juiz-Presidente apenas condenar o réu pelo crime
apontado. (LOPES JÚNIOR, 2017a, p. 845).
59

Por conseguinte, a sentença será prolatada e lida pelo Juiz-Presidente em


plenário, antes do encerramento da sessão de julgamento, da qual é cabível
apelação.
Dessa maneira, foi possível a análise de forma mais aprofundada e
sistemática de alguns aspectos relevantes do procedimento de investigação,
processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida pela Justiça Comum,
por meio do rito do Tribunal do Júri, de modo que foram observados tanto os
conceitos pelo prisma procedimental quanto pelo constitucional, ressaltando as
diferentes interpretações e a importância e soberania do instituto do Tribunal do Júri
no julgamento dos crimes contra a vida.

3.2 JULGAMENTO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA PRATICADOS


POR MILITAR CONTRA CIVIL NA JUSTIÇA MILITAR

Dessa feita, considerando a exposição acerca do julgamento dos delitos no


âmbito da Justiça Comum, por meio do Tribunal do Júri, far-se-á a elucidação acerca
do processamento e julgamento dos militares das Forças Armadas, pormenorizando
sua estruturação desde a fase inquisitorial, realizada exclusivamente pela Polícia
Judiciária Militar, até o rito de processamento e julgamento dos crimes dolosos
contra a vida de civil realizada pela Justiça Militar da União, de forma a deixar
cristalina a peculiaridade do processo penal militar e a diferenciação dos
procedimentos daquele com o processo penal comum acima descrito.

3.2.1 Inquérito Policial Militar no âmbito da União

Por certo, faz-se necessária uma breve explicação do exercício da Polícia


Militar Judiciária, o qual é consubstanciado pelos art. 7º e 8º do CPPM (BRASIL,
1969), que tratam dos legitimados para seu exercício e das competências da
referida instituição.
Quanto às atribuições descritas no art. 8º do CPPM (BRASIL, 1969), Lobão
(2009) explicita que, considerando a possibilidade do Juízo e do Ministério Público
de requisitar outras providências não enumeradas no artigo e necessárias para a
realização de diligências necessária, para propositura da ação penal, ou para
60

instrução de processo em andamento, estas são consideradas explicativas, de modo


a não esgotar a matéria.
Assim, a análise passa a ser sobre o procedimento do inquérito policial militar
(IPM), na medida em que a doutrina é divergente quanto à finalidade do
procedimento. Conforme assevera Neves (2014) esta é definida como a busca de
revelação do que de fato ocorreu, conquanto o art. 9º do CPPM21 (BRASIL, 1969)
afirma que o inquérito se trata de instrução provisória com a finalidade de amealhar
elemento necessário para a propositura da ação penal, a sua interpretação deve ser
dar no sentido de que a investigação seja para a confirmação da autoria e
materialidade do delito, em busca autônoma da verdade real.
Em sentido contrário, Lobão (2009, p. 50) interpreta pela via de que inquérito
policial militar seria um procedimento administrativo pré-processual, dado que:

O inquérito policial militar é a atividade investigatório da polícia


judiciária militar, com a finalidade de apurar a infração penal militar e
indicar seu possível autor, realizando a primeira fase da persecutio
criminis, que prossegue com a propositura da ação penal do MP. […]
embora não se trate de instrução criminal, os exames, perícias,
avaliações realizadas durante a investigação, com observância das
formalidades previstas no CPPM, têm caráter instrutório, o que não
impede sua renovação durante a instrução, por decisão do Juiz ou do
Conselho, de ofício, ou a requerimento das partes (art. 9º, p. un. do
CPPM).

Nessa esteira, Silva (2010) corrobora aludindo que o inquérito militar é


consubstanciado pelo CPPM, de forma que se trata de um procedimento de
natureza administrativa, inquisitório, por não possuir contraditório, sigiloso, instituído
na fase anterior ao processo, por autoridade judiciária militar - art. 7º do CPPM
(BRASIL, 1969) – quando da suspeita de ocorrência de crime militar, com a
finalidade de apurar autoria e materialidade que deem condições para o
oferecimento da denúncia e posterior propositura da ação penal pública pelo titular,
assim como para a formação de convicção do Juiz Militar.

21
Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos têrmos legais, configure
crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de
ministrar elementos necessários à propositura da ação penal. (BRASIL, 1969)
61

Ainda assim, nota-se que a essência do inquérito policial militar é


investigatória e pré-pocessual, presidindo a instrução do procedimento processual
em si, tornando basilar a exposição de suas principais características.
Sua instauração se dá a partir do momento em que se toma conhecimento da
infração penal militar, de forma que, por meio de notitia criminis espontânea ou
provocada, a autoridade judiciária militar, no âmbito de comando em que ocorreu a
infração, por meio de expedição de portaria, realizará a instauração do inquérito ou
delegará de suas atribuições. (LOBÃO, 2009).
Ainda no que concerne à instauração do IPM, exposta no art. 10 do CPPM22,
se faz notável a possibilidade de sua realização por delegação, na qual, segundo
Lobão (2009), é a autoridade militar de hierarquia superior que exerce o poder de
polícia judiciária militar, de sorte que é possível a delegação de suas atribuições
para oficial da ativa, da reserva, remunerada ou não, ou ainda oficial reformado, que
lhe seja subordinado, obedecendo, para tanto, as normas regulamentares de
hierarquia, de limite territorial, devendo ainda constar a finalidade da delegação.
Dessa forma, Silva (2010) confirma a obediência da hierarquia e da disciplina
no momento da apuração do crime militar, uma vez que, o CPPM ressaltou a
necessidade do encarregado do inquérito ser um oficial de patente superior ao do
acusado – art. 15 do CPPM23 – de modo a não admitir que um subordinado ou oficial
de patente inferior interrogue um superior em qualquer circunstância.
Após a instauração do IPM, passa-se para o procedimento propriamente
investigatório efetuado pelo oficial encarregado do IPM. Nesse sentido, as
providências a serem tomadas estão dispostas ao longo do CPPM, quais sejam:

[...] dirigir-se ao local do crime, providenciando para que não sejam


alterador o estado e a situação das coisas; apreender instrumentos
que tenham relação com o fato; colher provas que sirvam para o

22
Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria:
a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a
infração penal, atendida a hierarquia do infrator;
b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência,
poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por ofício;
(BRASIL, 1969)
23
Art. 15. Será encarregado do inquérito, sempre que possível, oficial de pôsto não inferior ao de
capitão ou capitão-tenente; e, em se tratando de infração penal contra a segurança nacional, sê-lo-á,
sempre que possível, oficial superior, atendida, em cada caso, a sua hierarquia, se oficial o indiciado
(BRASIL, 1969)
62

esclarecimento do fato e suas circunstâncias – art. 12, CPPM - [...]


ouvir o ofendido, os indiciados e as testemunhas (rodapé); proceder
o reconhecimento de pessoas e coisas e às acareações; determinar,
se for caso, que se realize exames e perícias; proceder à busca e
apreensão; tomar medidas necessárias à proteção de testemunhas,
peritos ou ofendido, quando coactos, ou ameaçados e coação;
proceder à reprodução simulada dos fatos com observâncias das
normas relativas à hierarquias ou à disciplina militar – art. 13 e 301,
CPPM. (LOBÃO, 2009, p. 61).

Ademais, uma importante diferenciação entre o IPC e o IPM se dá na


contagem de prazos, de modo que enquanto o prazo para terminação do IPC é de
10 (dez) dias para quando o indiciado estiver preso, ou de 30 (trintas) dias, e quando
estiver solto – art. 10 do CPP (BRASIL, 1941) –, no IPM os prazo para finalização
são de 20 (vinte) dias, se o indiciado estiver preso, a partir do dia em que for
executada a ordem de prisão, ou de 40 (quarenta) dias, quando o indiciado estiver
em liberdade, contados a partir da instauração do inquérito – art. 20 do CPPM
(BRASIL, 1969). (SILVA, 2010).
Além disso, diferentemente do IPC, Neves (2014) assevera que no caso do
indiciado solto no IPM, o prazo poderá ser prorrogado pelo mesmo tempo pela
autoridade militar superior à instauradora, por solicitação realizada antes da
expiração do primeiro prazo, no caso de necessidade de diligências ou se não
conclusão de exames ou perícias já iniciadas.

O inquérito não será devolvido ao encarregado, salvo mediante


requerimento do Ministério Publico, para diligências imprescindíveis
ao oferecimento da denúncia, ou por determinação do juiz, para
preenchimento de formalidades previstas no CPPM, ou complemento
de provas indispensáveis. [...] Em qualquer caso, o juiz marcará
prazo não excedente a 20 dias para a devolução (art. 26 do CPPM).
Se a perícia, exame ou diligência, exigir tempo superior a esse prazo,
o Juiz poderá conceder liberdade ao réu preso. Tratando-se de
prisão em flagrante, a devolução importaria na concessão de
liberdade do preso, se o juiz não decretar a prisão preventiva nos
termos da lei (arts. 254 e 255 CPPM) (LOBÃO, 2009, p. 64).

Após a finalização dos prazos supramencionados, o IPM deverá ser


encerrado com a realização de minucioso relatório, no qual deverão constar as
diligências realizadas, os resultados obtidos, as pessoas ouvidas, com indicação do
dia, hora e local da ocorrência do delito, concluindo com a existência do crime,
pronunciando-se, com base nos fundamentos de tipicidade, antijuridicidade e
63

culpabilidade, sobre a necessidade de conveniência de prisão preventiva do


indiciado, nos termos da lei (NEVES, 2014).
Não obstante, conforme destaca Silva (2010), se o IPM for delegado deverá
ser destinado à autoridade delegante, a qual realizará ou não a homologação, de
forma que neste último caso deverá solicitar a adoção de outra medida, e, finalizado
o IPM, efetuar a remessa ao Juízo Militar competente.

Com efeito, desenvolvido o trabalho da Polícia Judiciária Militar, com


a elaboração do IPM [...] ou por outro meio hábil a indicar a autoria e
a materialidade de um crime militar, o Ministério Público, ao receber
os autos [...] do juiz auditor decidirá, no prazo fixado no art. 79 do
CPPM (5 dias para indiciado preso e 15 para indiciado solto), pelo
oferecimento da denúncia contra o indiciado. (NEVES, 2014, p. 708).

Dessa maneira, findados todos os procedimentos relativos ao IPM e recebida


a denúncia pelo Juiz-Auditor, por tratar-se de Justiça Militar da União, cabe ao
Conselho de Justiça a iniciação da instrução e julgamento do referido processo.

3.2.2 Julgamento no âmbito da Justiça Militar da União

Logo haja o recebimento da denúncia pelo Juiz-Auditor é iniciada a fase


judicial militar pela fase de instrução da ação penal incondicionada no caso dos
crimes dolosos contra a vida. Desse modo, é imprescindível a realização de um
estudo apurado dos principais procedimentos referente ao processamento e
julgamento, a fim de expor a estruturação diferenciada da Justiça Militar da União, a
competência de julgamento nas distintas instâncias e os ritos e procedimentos
realizados ao longo dos processo de crimes dolosos contra a vida praticados por
militares contra civis.
Não obstante, salienta-se que o processo e julgamento supramencionados
são permeados pelo princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, de forma
que, segundo afirma Marques (2010), consiste em um modelo de organização
processual no qual todo litígio pode ser submetido a dois órgãos julgadores distintos,
de forma que o segundo possui hierarquia superior ao primeiro. No caso dos
processos sem prerrogativa de foro, a primeira instância, órgão a quo, cabe aos
Conselhos de Justiça, já o órgão de segundo grau, órgão ad quem, é o Superior
Tribunal Militar.
64

Além disso, cabe originariamente ao STM, nos termos do art. 6º, inciso I, da
Lei 8.457 – Lei de Organização da Justiça Militar (LOJM) (BRASIL 1992) - processar
e julgar os oficiais generais das Forças Armadas nos crimes militares definidos em
lei.
A principal distinção entre o julgamento nas primeiras instâncias da Justiça
Comum e da Justiça Militar é observada pela presença de um órgão colegiado para
julgamento nesta última, cuja composição não se dá apenas por juízes de direito,
mas sim pelo Juiz-Auditor já mencionado e por oficiais investidos como Juízes
Militares do Conselho por meio de compromisso legal nos termos do art. 400 do
CPPM24.
No que concerne aos Conselhos de Justiça, estes são segmentados em
Conselho Especial de Justiça e Conselho Permanente de Justiça, conforme expõe
Lobão (p. 450, 2009):

[...] o Conselho Especial de Justiça conhece, exclusivamente, de


processo específico, para o qual foi sorteado e constituído,
dissolvendo-se com a decisão que põe fim a processo, com ou sem
julgamento de mérito. Compete-lhe processar e julgar oficial até o
posto de coronel. O Conselho Permanente de Justiça funciona sem
interrupção, sendo seus membros substituídos a cada trimestre do
ano, procedendo a instrução e julgamento dos feitos colocados em
pauta pelo Juiz. Cabe-lhe julgar processar e julgar civil e militar que
não seja oficial, nos crimes militares (arts. 23 § 1º, e 24, caput, da
LOJM, e 9º, p. ún. do CPM).

Ademais, considerando que o processo penal militar é iniciado com o


recebimento da denúncia pelo Juiz, de acordo com o aludido por Marques (2010),
logo em sua decisão já são designadas a citação do denunciado, a data para
interrogatório e qualificação, a oitiva das testemunhas arroladas na peça inicial e, de
acordo com o caso, a determinação de data para o sorteio do Conselho Especial de
Justiça ou a imediata convocação do Conselho Permanente, constituído pelos
membros do trimestre correspondente à data da audiência.

24
Art. 400. Tendo à sua direita o auditor, à sua esquerda o oficial de pôsto mais elevado ou mais
antigo e, nos outros lugares, alternadamente, os demais juízes, conforme os seus postos ou
antigüidade, ficando o escrivão em mesa próxima ao auditor e o procurador em mesa que lhe é
reservada — o presidente, na primeira reunião do Conselho de Justiça, prestará em voz alta, de pé,
descoberto, o seguinte compromisso: "Prometo apreciar com imparcial atenção os fatos que me
forem submetidos e julgá-los de acôrdo com a lei e a prova dos autos." Êsse compromisso será
também prestado pelos demais juízes, sob a fórmula: "Assim o prometo." (BRASIL, 1969)
65

Quanto à competência do Juiz-Auditor, assevera Lobão (2009, p. 451):

Com exceção do interrogatório, da acareação, e da inquirição das


testemunhas, em sede de Juízo Militar, os demais atos da instrução
criminal, na Auditoria, poderão ser realizados singularmente pelo
Juiz, assim como todos os atos processuais que, justificadamente,
tenham de realizar-se fora da sede do Juízo Militar. Compete ao Juiz
sanear o processo e coloca-lo em pauta para julgamento (arts. 427,
p. ún., e 390, § 5º, do CPPM.).

Além disso, a respeito do interrogatório a ser realizado pelo Conselho de


Justiça pertinente, nos ditames dos – arts. 306, 404, caput, e § 1º, e 405 do CPPM
(BRASIL, 1969) e 29, I e II, da LOJM (BRASIL, 1992) – no dia e hora designados
para sua realização, após aberta a sessão pelo Presidente do Conselho, o Juiz-
Auditor, relator do processo, determinará ao escrivão que proceda ao pregão do
acusado e sua apresentação ao Conselho; determinará ainda ao escrivão que faça a
leitura da denúncia e dos nomes e qualificação das testemunhas arroladas pelo
Ministério Público, sendo realizados, posteriormente, a qualificação e o interrogatório
do acusado, na presença de seu defensor, de forma a ser possível a leitura do
depoimento prestado no inquérito, ou parte dele, caso solicitado pelo acusado ou
pelo Juiz, para esclarecer alguma pergunta formulada pelos Juízes Militares, e
aceita pelo Juiz-Auditor. (LOBÃO, 2009)
Nessa fase processual, ambas as partes poderão opor as exceções expostas
nos art. 40725 e 40826 do CPPM no prazo de 48 horas.
Após o colhimento de prova testemunhal, documental e outras que forem
julgadas necessárias na fase de instrução, nos termos do CPPM, no dia e hora
designados ocorrerá a sessão de julgamento do acusado, na qual, conforme dispõe
o art. 431 do CPPM (brasil 1969), estarão presentes obrigatoriamente o Conselho de
Justiça com todos os seus membros presentes e o membro do Ministério Público e o
defensor.

25
Art. 407. Após o interrogatório e dentro em quarenta e oito horas, o acusado poderá opor as
exceções de suspeição do juiz, procurador ou escrivão, de incompetência do juízo, de litispendência
ou de coisa julgada, as quais serão processadas de acôrdo com o Título XII, Capítulo I, Seções I a IV
do Livro I, no que fôr aplicável.
Parágrafo único. Quaisquer outras exceções ou alegações serão recebidas como matéria de
defesa para apreciação no julgamento. (BRASIL, 1969)
26
Art. 408. O procurador, no mesmo prazo previsto no artigo anterior, poderá opor as mesmas
exceções em relação ao juiz ou ao escrivão. (BRASIL, 1969)
66

No que tange a presença do acusado na sessão, algumas situações ensejam


destaque, a primeira é o comparecimento do revel na sessão, haja vista que existe a
possibilidade da ocorrência de revelia nas fases processuais anteriores, nos
ensinamentos de Neves (2014), o réu deverá ser qualificado e interrogado antes do
início do julgamento, de modo que se não houver constituído defensor - art. 431, § 1º
do CPPM (BRASIL, 1969) e art. 29, III da LOJM (BRASIL, 1992) - este deverá ser
nomeado pelo presidente do Conselho de Justiça.
Além disso, no caso de não comparecimento do réu preso, o auditor
providenciará seu comparecimento à sessão que for designada. Já no caso de não
comparecimento de réu solto ou de advogado – art. 431, §§ 3º, 4º CPPM (BRASIL,
1969) - o julgamento poderá ser adiado por uma só vez, de forma que na ocorrência
de segunda falta do primeiro caso o julgamento será realizado à revelia no do
segundo caso, o advogado será substituído.
Após a exposição das considerações supra, passa-se para os procedimentos
a serem realizado no referido rito. Nesse sentido, Lobão (2009) explana. em
conformidade com o art. 432 do CPPM (BRASIL, 1969), que ao ser iniciado o
julgamento, o Presidente do Conselho determinará a leitura da denúncia; aditamento
se houver; interrogatório do réu; laudos periciais; outras peças sugeridas por Juiz
Militar; ou requeridas pelas partes, e deferidas pelo Presidente do colegiado, assim
como o Juiz relator pode determinar a leitura de outras peças.
Em seguida, será dada a palavra para sustentação de alegações, em primeiro
lugar ao MP e seu assistente, se houver e, finalmente, ao defensor, ou defensores,
pela ordem de autuação dos acusados, se houver mais de um. A sustentação tem a
duração de 3 (três) horas para cada parte supramencionada, de forma que estes
poderão replicar e treplicar por tempo não superior a uma hora para cada (NEVES,
2014).
Dessa forma, concluídos os debates e decididas as questões de ordem,
segundo Miguel (2008 apud NEVES, 2014) “[...] o Conselho de Justiça deliberará
não mais em sessão secreta, por vedação expressa contida no artigo 92, IX da
Constituição da República (RASIL, 1988), mas no máximo em sessão restrita, desde
que presentes o Ministérios Público, o advogado e o réu. Assim o artigo 434 não foi
recepcionado em parte pela Constituição.”
Acerca de tal tema, Lobão (2009) corrobora ressaltando que segundo a
decisão do STF no HC 67.494, a publicidade da sessão pode ser limitada, de modo
67

que exija apenas a presença das próprias partes e seus advogados, ou somente dos
procuradores, não existindo, entretanto, a nulidade da liberação se o advogado,
apesar de ser convidado, se retire do recinto por vontade própria.
Dessarte, a votação será realizada na ordem exposta no art. 435 do CPPM
(BRASIL, 1969), qual seja, o primeiro voto será do juiz-Auditor, seguido pelos votos
dos juízes militares, por ordem inversa de hierarquia e, por fim, o Presidente do
Conselho de Justiça.
Concernente à votação, é de suma importância a análise quanto à ocorrência
de divergência de votos, não se constituindo maioria para aplicação da pena
cabendo a instituição do voto médio. Essa instituição possui exímia explicação nas
palavras de Miguel; Coldibelli (2008 apud NEVES, 2014):

[...] o juiz Auditor aplica a pena de 10 meses de detenção, e os


demais optem por 9, 8, 7 e 6 meses de detenção. [...] Sabe-se que
num juízo colegiado, deve-se levar em consideração o voto da
maioria, que no caso seriam três votos. Dessa forma [...] busca-se a
denominada aplicação virtual da pena, prevista no parágrafo único do
art. 435 do CPPM, que consiste em tomar por base o voto pela pena
mais grave e considerá-lo como o imediatamente menos grave, até
se obter a maioria. No exemplo acima, sendo a pena mais grave de
10 meses, deve-se considerar o voto como se fosse da
imediatamente menos grave, ou seja, 9 meses, e , então, teríamos
dois votos pela pena de 9 meses. No entanto, ainda não seria
alcançada a maioria. Portanto, devemos considerar esses dois votos
pela pena de 9 meses, pela imediatamente menos grave, e, então,
chegaríamos a três votos pela pena de 8 meses, sendo a sanção
final aplicada.

Ademais, notam-se algumas faculdades do Conselho de Justiça referente às


decisões por este proferida que ensejam discussão dentro do ordenamento jurídico
brasileiro, as quais estão expostas no art. 437 do CPPM (BRASIL, 1969):

Art. 437. O Conselho de Justiça poderá:


a) dar ao fato definição jurídica diversa da que constar na denúncia,
ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave,
desde que aquela definição haja sido formulada pelo Ministério
Público em alegações escritas e a outra parte tenha tido a
oportunidade de respondê-la;
[...]
b) proferir sentença condenatória por fato articulado na denúncia,
não obstante haver o Ministério Público opinado pela absolvição,
bem como reconhecer agravante objetiva, ainda que nenhuma tenha
sido argüída. (BRASIL, 1969)
68

Trata-se dos institutos da emendatio libelli e da mutatio libell existentes tanto


no Código de Processo Penal comum como no Código de Processo Penal Militar.
No entanto, no campo da Justiça Militar, destaca as diferenciações do disposto nos
art. 383 e 384 do CPP (BRASIL, 1941) com o disposto na alínea a do art. 437 CPPM
(BRASIL, 1969) e a discussão quanto à inconstitucionalidade do disposto na alínea b
do art. 437 do CPPM (BRASIL, 1969).
Quanto à primeira, destaca Neves (2014) que a disposição do CPPM está
condicionada ao fato de a nova definição ter sido formulada pelo Ministério Público
em alegações escritas e a parte contrária ter tido a oportunidade de resposta, de
forma que o aditamento seria sobre a tese da acusação e não da denúncia primária,
respeitando o princípio de correlação entre a peça acusatória e a sentença.
Nesse mesmo sentido, Lobão (2009, p. 469) explicita:

[...] Se fosse o caso de aditamento, a defesa não ficaria limitada pela


lei à oportunidade de responder à definição jurídica diversa da que
constar na denúncia’ e sim o direito de apresentar novas proas
relativas ao que foi acrescido em aditamento. A lei não faça e fatos
novas ensejadores de aditamento. É importante ficar claro: não se
cogita de alterar, acrescer ou reduzir os fatos descritos na peça
acusatória, e que foram reconstituídos no conjunto probatório, e sim,
tão somente, a discordância em relação à definição jurídica,
expressa na denúncia. Trata-se de emendatio libelli e não de mutatio
libelli.

Já no que diz respeito à inconstitucionalidade do disposto na alínea b do art.


437 do CPPM (BRASIL, 1969), a discussão doutrinária e jurisprudencial versa,
segundos Neves (2014) sobre a possibilidade de que pelo mesmo fato arguido
inicialmente seja o réu condenado, mesmo com a opinião de absolvição pela
acusação, existindo uma proximidade com o instituto a emendatio libelli, ou seja, da
mera correção sem alteração do fato, de forma a poder realizar o reconhecimento de
agravante objetiva, as quais se referem aos meios e modos de execução do delito, o
lugar e a ocasião, o tempo, a situação ou condição pessoal da vítima e o objeto
material do crime mesmo sem sua arguição.
A respeito de tal tema, Neves (2017, p. 727) se posiciona pela
inconstitucionalidade da norma, no sentido de que:

No sistema processual vigente, como dito, a acusação foi depositada


nas mãos do Ministério Público e é este o legítimo titular da
69

persecução penal em juízo, sendo o dominus litis. Se o titular estatal


da persecução penal entendeu que o réu após toda e regular
instrução do processo, deve ser absolvido, não há possibilidade de o
juízo proferir sentença em condenatória.

Em sentido contrário, posicionou-se o Tribunal de Justiça do Distrito Federal,


em recurso de apelação:

[...] 8. Não há que se falar em inconstitucionalidade do artigo 437,


inciso II, alínea b, do Código de Processo Penal Militar, pois o
referido dispositivo encontra-se em plena consonância com o
ordenamento jurídico pátrio, o qual permite que o magistrado
reconheça agravantes de natureza objetiva, desde que estas tenham
sido relatadas na denúncia. Com efeito, não há afronte aos princípios
do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa quando
a denúncia descreve de maneira evidente as circunstâncias dos
crimes praticados pelo réu, permitindo ao acusado se defender dos
fatos que lhe são imputados. (DISTRITO FEDERAL, 2011).

Ademais, quanto ao instituto da mutatio libell, por ausência na legislação


castrense, é utilizado como parâmetro o disposto no art. 438 do CPP, já discutido
anteriormente.
Dessa feita, concluído o julgamento será proclamada a absolvição ou
condenação do acusado pelo Juiz Presidente do Conselho, de forma que, no caso
de condenação, conforme alude Lobão (2017) é dada voz de prisão ao réu
condenado à pena privativa de liberdade que estiver presente, sendo determinada
ao Juiz a expedição de mandado de prisão a ser cumprido imediatamente,
excetuando os casos de o sentenciado possuir o direito de recorrer em liberdade, se
já houver cumprido a pena imposta ou em caso de prescrição,
No caso de réu preso, Carvalho (2010, apud, NEVES, 2014, p. 730) agrega:

[...] Outro tema a ser examinado nesta pesquisa à luz do sistema


acusatório diz respeito ao dispositivo constante no art. 441 do CPPM,
segundo o qual, ao ser proclamado o resultado do julgamento, em
caso de condenação, será expedido mandado de prisão contra o
réu. Entende-se que a vigência desse artigo estará condicionada à
presença dos requisitos para a cautelar excepcional. Dentro do
sistema processual acusatório vigente, não se admite a prisão do réu
ex lege, apenas em face da prolação da sentença condenatória
recorrível como prevê o artigo em questão. A regra dentro do sistema
processual brasileiro é que ocorra a prisão somente com o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória.
70

No caso de sentença absolutória, Lobão (2009) afirma que o juiz determinará


a imediata expedição do alvará de soltura em caso de réu preso, o qual será posto
em liberdade imediatamente, de modo a tornar inaplicável o disposto no art. 441 do
CPPM (BRASIL, 1969) cujo conteúdo se referia a manutenção do réu preso em caso
de maioria dos votos em acusação que versasse sobre crime a que a lei cominasse
pena por tempo igual ou superior a 20 anos, se interposta apelação pelo MP.
Por fim, a intimação da sentença será realizada nos termos dos arts. 445 e
446 do CPPM (BRASIL, 1969), caso não seja feita a leitura na sessão de
julgamento, da qual cabe apelação de ambas as partes.
Por conseguinte, observou-se uma série de peculiaridades quanto ao
julgamento dos crimes doloso contra a vida a serem julgados no âmbito da Justiça
Militar da União, destacando-se o julgamento destes por seus pares e a instituição
de um órgão colegiado para o julgamento em primeiras instâncias, assim como a
diferenciação procedimental nos ritos.
Dessa forma, nota-se ser passível de observação e crítica a função judicante
a ser exercida por militares sem conhecimentos jurídicos, atuando, inclusive, em
maioria no órgão jurisdicional, de forma a desrespeitar alguns dos princípios
constitucionais previstos na Carta Magna, motivo pelo qual se faz imprescindível a
explanação acerca da inconstitucionalidade da extensão da competência da Justiça
Militar com a sanção da Lei nº 13.491/2017 em aspectos relevantes no ordenamento
jurídico interno e externo.
Assim, com o intuito de um melhor e mais prático esclarecimento, efetuou-se
uma tabela comparativa com as diferenças entre os ritos dos julgamentos de crimes
dolosos contra a vida de civis praticados por militares no âmbito da Justiça Comum e
no âmbito da Justiça Militar da União.
71

Quadro 1 – Comparativo dos julgamentos na Justiça Comum, por meio do Tribunal


do Júri e da Justiça Militar da União, por meio de sessão de julgamento.

RITO JUSTIÇA COMUM JUSTIÇA MILITAR DA


UNIÃO
TRIBUNAL DO JÚRI SESSÃO DE
JULGAMENTO
INSTRUÇÃO PRELIMINAR

Quem realiza a instrução Juiz de Direito Conselho de Justiça


preliminar Especial ou Permanente

Recebimento da denúncia Juiz citará o acusado para Juiz designará:


fins de oferecimento de - A citação do denunciado;
defesa escrita - A data para interrogatório e
qualificação;
- Prazo de 10 (dez) dias - A oitiva das testemunhas
arroladas na peça inicial;
- Arrolar suas testemunhas - A determinação de data
no número máximo de 8 para o sorteio do Conselho
(oito) por réu Especial de Justiça ou a
imediata convocação do
- Arguição das preliminares Conselho Permanente.
cabíveis, juntada de
documentos e a postulação
de suas provas e exceções
de incompetência;

- MP se manifestará sobre
exceções preliminares
alegadas pela defesa e para
tomar conhecimento de
documentos e demais
provas juntadas

- Prazo de 5 (cinco) dias.

Audiência preliminar Na audiência preliminar Ocorre apenas do


ocorre: interrogatório do acusado a
ser realizado pelo Conselho
- A produção de provas; de Justiça pertinente, no
qual ocorre:
- Apresentação de - A qualificação e o
alegações finais; interrogatório do acusado,
na presença de seu
72

- Interrogatório do acusado defensor;


- possibilidade de leitura do
- possibilidade de mutatio depoimento prestado no
libelli; inquérito, ou parte dele, caso
solicitado pelo acusado ou
- Debates orais ou por meio pelo Juiz;
de memorial; - Oposição de exceções
expostas nos art. 4071 e
Decisão do juiz: absolvição 4082 do CPPM por ambas
sumária, impronúncia, as partes;
pronúncia ou - Prazo de 48 horas.
desclassificação;

- Prazo de 10 (dez) dias .

Designação da sessão de Da decisão de pronúncia Após o colhimento de prova


julgamento inicia-se a segunda fase do testemunhal, documental e
rito com os autos outras que forem julgadas
encaminhados ao Juiz- necessárias na fase de
Presidente do Tribunal do instrução será designada a
Júri. sessão de julgamento do
acusado, na qual, estarão
- Fase de preparação: presentes obrigatoriamente
ambas as partes serão o Conselho de Justiça com
intimadas e apresentarão o todos os seus membros
rol de testemunhas e dilação presentes e o membro do
probatória; Ministério Público e o
- possibilidade de defensor.
desaforamento do feito;
- Alistamento dos jurados:
- Realizada por sorteio
- Função obrigatória
SESSÃO DE
JULGAMENTO
Composição Tribunal do Júri é composto Sessão de Julgamento é
de um juiz togado que composto pelo Conselho de
presidirá os trabalhos, ou Justiça, que trata-se de um
seja, um juiz de direito ou órgão colegiado, formado
um juiz federal, e mais 25 por quatro oficiais das
(vinte e cinco) jurados Forças Armadas, investidos
participantes da sessão, dos como juízes militares do
quais serão sorteados 7 Conselho e um juiz de
(sete) para a constituição do direito, o Juiz-Auditor.
Conselho de Sentença, de
modo que o restante é
dispensado pelo Juiz-
Presidente.
Instrução em plenário - Apresentação da Ao ser iniciado o julgamento,
73

quesitação ao conselho de o Presidente do Conselho


sentença determinará a instrução do
Recebimento de cópias da feito ocorrendo:
pronúncia e do relatório do - A leitura da denúncia;
juiz pelos jurados; - O aditamento se houver;
Início da instrução: - A leitura de laudos
- Tomada das declarações periciais;
da vítima, quando possível, - A leitura de outras peças
bem com das testemunhas sugeridas por Juiz Militar ou
de plenário arroladas pela requeridas pelas partes, e
acusação e pela defesa; deferidas pelo Presidente do
Ordem de inquirição: colegiado,
- oitiva de testemunhas da - O Juiz relator pode
acusação: primeiro pelo MP determinar a leitura de
e eventual assistente e outras peças;
depois pela defesa; - O interrogatório do réu.
- oitiva das testemunhas da
defesa, será ela quem
iniciará a inquirição seguida
pela acusação;
- O interrogatório do réu.
Debates orais - Os debates orais cabem - Será dada a palavra para
inicialmente à acusação e, sustentação de alegações,
após, à defesa, no tempo de em primeiro lugar ao MP e
1 hora e 30 minutos para seu assistente, se houver e,
exporem suas teses; finalmente, ao defensor, ou
- Réplica e tréplica por defensores, pela ordem de
tempo não superior a uma autuação dos acusados, se
hora para cada parte. houver mais de um.
- A defesa somente poderá - A sustentação tem a
fazer uso da tréplica se duração de 3 (três) horas
houver réplica por parte do para cada parte;
acusador. - Réplica e treplica por
- Do contrário, o júri se tempo não superior a uma
encerra com os debates hora para cada parte.
iniciais, de 1 hora e 30
minutos para cada parte.
Votação Votação do Conselho de - O Conselho de Justiça
Sentença em sessão secreta deliberará não mais em
respondendo à quatro sessão secreta, ou no
quesitos: máximo em sessão restrita;
- Materialidade do fato; - Quando da ocorrência de
- Autoria e participação, divergência de votos, não se
- Acusação constituindo maioria para
- Absolvição do acusado; aplicação da pena, cabe a
- Existência de causa de instituição do voto médio
diminuição de pena alegada
pela defesa e existência de Obs: O Conselho de Justiça
circunstâncias qualificadoras poderá dar ao fato definição
74

ou caso de aumento de jurídica diversa da que


pena. constar na denúncia, ainda
que, em consequência,
Obs: se respondido tenha de aplicar pena mais
negativamente por maioria grave, desde que aquela
(mais de três jurados) definição haja sido
qualquer um dos dois formulada pelo Ministério
primeiros quesitos (autoria e Público em alegações
materialidade), estará escritas e a outra parte
encerrada a votação, com a tenha tido a oportunidade de
absolvição do acusado. respondê-la ou
- Se positiva a resposta aos proferir sentença
citados dois primeiros condenatória por fato
quesitos, será indagado dos articulado na denúncia, não
jurados se eles absolvem o obstante haver o Ministério
réu. Público opinado pela
- Se positiva que seja a absolvição, bem como
resposta, estará igualmente reconhecer agravante
encerrada a votação, com a objetiva, ainda que nenhuma
absolvição do acusado. tenha sido arguida.
- Se negativa a resposta - Emendatio libelli e da
segue-se na quesitação, mutatio libell.
indagando-se acerca dos
quesitos quatro e cinco.
- Se houver a possibilidade
de desclassificação do crime
que afaste a competência do
júri, ou mesmo havendo
divergência sobre a
tipificação do delito, será
formulado um quesito sobre
a questão, logo após o de
número três.
Sentença Concluído o julgamento o Concluído o julgamento o
juiz proferirá sentença juiz proferirá sentença
absolutória, condenatória ou absolutória ou condenatória.
desclassificação.
Interposição de Apelação Cabível apelação contra Cabível apelação tanto para
decisão do Júri a defesa quanto para a
manifestamente contrária às acusação;
provas apenas para a
defesa;
75

4 A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXTENSÃO DA COMPETÊNCIA DA


JUSTIÇA MILITAR NA LEI Nº 13.491/2017 E A VIOLAÇÃO A TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Nesse capítulo serão abordadas as questões relacionadas à


inconstitucionalidade da extensão da competência da Justiça Militar com a
promulgação da Lei nº 13.491/2017, considerando tanto a possibilidade de violação
ao processo legislativo previsto na Carta Magna, quanto da violação aos princípios
fundamentais por ela garantidos.
Ainda assim, tal extensão será analisada no viés dos direitos humanos
internacional, na medida em que poderia ferir os princípios estipulados nos Tratados
de Direitos Humanos nos quais o país é estado-membro, assim como ir de encontro
à interpretações, decisões e pronunciamentos dos órgãos internacionais de proteção
aos direitos humanos.
Dessa feita, com intuito de esclarecer a problemática da pesquisa, no primeiro
tópico abordará a necessidade de uma interpretação restritiva frente à extensão da
competência da Justiça Militar para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
praticados por militares das Forças Armadas
Já o segundo tópico trará o conceito da inconstitucionalidade formal e
material, bem como as especificações acerca do processo legislativo e dos
princípios constitucionais violados pela Lei nº 13.491/2017.
Por fim, no terceiro tópico será exposta a relação entre o direito constitucional
e os direitos humanos internacionais por meio da análise do princípio da
especialidade, das interpretações, decisões e pronunciamentos dos órgãos
internacionais de proteção aos direitos humanos.
Nesse seguimento, analisar-se-á a premissa de que a extensão da
competência militar para julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados
contra civis por militares, nos termos do art. 9º, § 2, III do COM, alterado pela Lei
13.491/2017, seria inconstitucional, a julgar pela possível contrariedade dos
princípios fundamentais constitucionais, tais como o princípio do devido processo
legal e do juiz natural, além da possível incompatibilidade com o princípio da
especialidade, cujo caráter é internacional, indo de encontro ao disposto nos
76

tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil constitui-se como


Estado-membro.

4.1 A EXTENSÃO E A NECESSIDADE DA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA


COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR

Além da atual extensão da jurisdição militar com o advento da Lei nº


13.491/2017, a fim de iniciar as considerações sobre o tema, é fundamental destacar
que o cenário de sua ocorrência é caracterizado por uma crescente militarização da
política brasileira, de forma que a este respeito podem se destacar a intervenção
federal no estado do Rio de Janeiro, decretada de maneira excepcional pelo
Presidente Michel Temer, a investidura de importantes cargos da administração
federal a membros das Forças Armadas, assim como a condução de investigações e
processos efetuada por militares relacionados aos seus pares e outras medidas de
segurança pública, tais como as Operações de Garantia de Lei e Ordem, de modo
que esse crescente movimento não pode ser separado do fato de que nenhuma das
violações de direitos humanos cometidas pela Ditadura ocorrida entre 1964 a 1985
jamais foi subjugada por autoridades militares no Brasil.
Ainda sobre a militarização da política no atual cenário brasileiro e suas
consequências diretas na vida de civis, Meyer (2017, p. 12) destaca:

Politicamente, os efeitos não planejados de tal militarização da


política alcançaram um nível insuperável quando a mulher negra, de
esquerda e lésbica, vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, 38
anos, foi morta a tiros em 14 de março de 2018, junto com seu
motorista Anderson Gomes, 35 anos. Sustentando uma crítica severa
do modo como os jovens são mortos em comunidades no Rio de,
Franco denunciou tal situação caracterizando-a como um massacre
cometido por policiais, de forma que a maior parte deles é da
chamada Polícia Militar Regional. […] Pouco se sabe até agora, no
entanto, com as investigações foi comprovado que o assassinato
possui características altamente profissionalizais [...]. Para adicionar
outro elemento crítico aos fatos, é importante lembrar que Marielle
Franco foi escolhida para ser um dos comissários para investigar
77

possíveis abusos cometidos durante a intervenção militar federal


decretada por Michel Temer.27

Além disso, considerando a precariedade das políticas públicas voltadas para


a segurança ostensiva da população brasileira, é cediço que se tornou comum a
realização de policiamento ostensivo nas ruas por integrantes das Forças Armadas,
por meio de comando das autoridades do Poder executivo, haja vista que, diante da
frequente inevitabilidade de utilização de reforço policial, o poder público demonstra
uma anteposição por políticas de repressão e de imposição da força, realizadas sem
a preparação dos agentes para atuarem em situações de uso comedido da força na
ocorrência de conflitos que exijam temperança, com o intuito de formulação de
alternativas concretas de pacificação social e obediência da paz. (RIBEIRO, 2018).
Não obstante, acerca da atual extensão da competência da Justiça Militar,
Lopes Júnior (2017b) corrobora:

A tendência de limitação da competência das Justiças militares é


estancada, e rompido o paradigma vigente, com uma completa
inversão do tratamento legal. Iniciou-se uma perigosa "militarização
da segurança pública", [...] com as Forças Armadas sendo chamadas
de forma cada vez mais rotineira (e por maior tempo) para exercer
efetivo policiamento urbano e repressão (seletiva) de crimes,
desnaturando completamente sua natureza e missão. Sob o pretexto
de atuação excepcional e para “garantia da lei e da ordem”, o que
temos assistindo é a utilização das Forças Armadas em verdadeiro
desvio de função, numa tentativa desesperada da União (e dos
estados que solicitam) de enfrentar a violência urbana crescente
(que, como se sabe, decorre de fatores complexos em que, além da
repressão, é imprescindível uma anamnese séria das causas),
especialmente por causa de uma política antidrogas que se mostra
equivocada.

27
Politically, the non-planned effects of such militarization of politics would reach an insurmountable level
when the black, left-wing and lesbian female Rio de Janeiro city councilor Marielle Franco, 38 was shot dead on
the 14 March 2018, together with her driver Anderson Gomes, 35. A severe critic of the way young people were
killed at Rio de Janeiro’s communities (the pejorative ‘favelas’), Franco denounced it as a slaughter committed
by policeman, most of them part of the so-called regional military police. […] Little was known until now;
however, investigations follow the path of highly professionalized killing that could only be committed by
corrupt police officers. To add another critical element to the facts, it is important to remember that Marielle
Franco was chosen to be one of the commissioners to investigate possible abuses committed during the federal
militarized interference declared by Michel Temer. (MEYER, 2017, p. 12)
78

Dessa maneira, depreende-se a necessidade de uma interpretação restritiva


do exposto na Constituição Federal, a qual trata a competência da Justiça Militar em
seu art. 124, o qual expõe em seu caput que: “à Justiça Militar compete processar e
julgar os crimes militares definidos em lei.” e em seu parágrafo único que: “A lei
disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar”
(BRASIL, 1988).
A partir da análise do texto constitucional supramencionado, faz-se
necessário caracterizar que tanto a interpretação da competência em si quanto a de
crimes militares não deve ser irrestrita, de sorte que a primeira já possui o núcleo de
seu desdobramento constitucionalmente estabelecido, qual seja “processar e julgar
os crimes militares definidos em lei”, de maneira a não ser possível uma lei
infraconstitucional dar novos horizontes àquela. Já quanto à caracterização de
crimes militares, esta deve partir do pressuposto de existência de um núcleo de
interesse militar, com o intuito de não desbordar as balizas constitucionais, de forma
a ser ilegítima a lei que militarizar delitos não tipicamente militares por tratar-se de
uma exceção ao que deve ser para todos (da SILVA, 2006).
Nessa esteira, Machado (2017) corrobora no sentido de que a competência
criminal da justiça castrense surge em razão da matéria, ou seja, da natureza da
infração e não do agente que a comete, de sorte que, conforme jurisprudência do
STF28 é suficiente que um crime seja praticado por militar, mas o delito deve ser
caracterizado como de natureza militar.
Ademais, considerando a tendência de redução do campo de atuação da
Justiça Militar, Lopes Júnior (2017b) reitera que, em busca da restrição da
competência da Justiça Militar, a própria jurisprudência, assim como parte da

28
“Na linha da jurisprudência desta Corte, a condição de militar ou o fato de estar a serviço quando
da prática do crime não são suficientes para caracterizar a ocorrência de crime militar e, assim, atrair
a competência da Justiça Castrense. Na espécie, a infração foi praticada fora da instituição militar,
em via pública, por motivos pessoais, consoante destacaram as instâncias anteriores, não se
vislumbrando qualquer agressão aos valores da Instituição Militar. Ordem denegada” (STF – 2ª
Turma – HC 84.915/SP – rel. min. Joaquim Barbosa – j. em 10/10/2006 – DJ de 2/2/2007) / “I –
Hipótese em que os fatos imputados ao denunciados não se enquadram em nenhuma das situações
previstas pelo Código Penal Militar para caracterizar crime militar e, por conseguinte, fixar a
competência da Justiça Castrense. II – Da leitura dos autos, verifica-se que a conduta criminosa não
possui qualquer conotação militar e que a condição de policial militar não foi determinante para a
prática do crime, de modo que não vejo como classificá-lo como militar. III - Esta Corte já firmou
entendimento no sentido de que a condição de militar ou a circunstância de o agente estar em serviço
no momento da prática do crime não são suficientes para atrair a competência da Justiça Castrense.
Precedentes” (BRASIL, 2011).
79

doutrina, tem exigido uma situação de interesse militar para a caracterização do


crime militar, consubstanciada na concepção de que a atuação da justiça castrense
deve ser excepcional e somente nos casos de uma efetiva violação de dever militar
ou afetação direta dos bens jurídicos das Forças Armadas, de sorte que apenas com
a ocorrência e observância de todos os elementos supramencionados o juízo
competente será da Justiça Militar da União.
Ainda assim, são essenciais as caracterizações que relacionam a natureza do
crime militar ao bem jurídico que a norma que lhe da previsão busca preservar,
quais sejam, a hierarquia, a disciplina, além de outros valores militares, de sorte que
este ponto é o demarcador da atuação da jurisdição militar. Dessa feita, da Silva
expõe:

CRIMES MILITARES. São definidos em lei. Mas, como dissemos


acima, há limites para essa definição. Tem que haver um núcleo de
interesse militar, sob pena de a lei desbordar das balizas
constitucionais. A lei será ilegítima se militarizar delitos não
tipicamente militares. Assim, por exemplo, é exagero considerar
militar um crime passional só porque o agente militar usou arma
militar. Na consideração do que seja 'crime militar' a interpretação
tem que ser restritiva, porque, se não, é um privilégio, é especial, e
exceção ao que deve ser para todos. (2006, p. 588).

Por conseguinte, com a alteração efetuada pela norma infraconstitucional -


art. 9º, II do CPM (BRASIL, 1969) - se observa a infração da própria teoria do bem
jurídico, haja vista que crimes que nada atentam contra os bens jurídicos militares,
seu caráter, hierarquia e disciplina, justificadores constitucionais da justiça
especializada, passam a ser submetidos à jurisdição militar. (RIBEIRO, 2018).
A limitação da discricionariedade do legislador ordinário, assim como a
proteção dos bens jurídicos militares para a definição de crime militar é corroborada
em manifestação da Procuradoria-Geral da República na ADI 5804/RJ, nos
seguintes termos:

Com isso, há limite implícito à margem de discricionariedade do


legislador na forma de organização do Poder Judiciário previsto na
Constituição, que vem a ser a enumeração de crimes militares em
uma codificação voltada a proteção de bens jurídicos tipicamente
castrenses. A ampliação sem limites da competência da Justiça
Militar, para abarcar todo e qualquer crime, mesmo que não
mencionado no Código Penal Militar, rompe a lógica da
80

especialidade que gerou a previsão da própria Justiça Militar na


Constituição. (BRASIL, 2018b, p. 08).

No mesmo prisma, Karan (2002) respalda a necessidade da caracterização


de violação do bem jurídico militar de que sejam titulares as Forças Armadas para
que o legislador ordinário atribua a competência da Justiça Militar, no sentido de que
o constituinte apenas institui uma justiça como especializada diante da justificava de
uma natureza reconhecidamente especial da infração penal, configurada pelos fatos
em que se funda a sua pretensão punitiva, que no caso em questão, como já
exposto, seria a violação aos bens jurídicos militares, além da tipificação do da
conduta.
Ainda quanto à definição de crime militar, destaca-se o manifesto em voto
proferido no RE nº 122.706/RJ:

Essa necessária congruência entre a definição legal do crime militar


e as razões da existência da Justiça Militar é o critério básico, que
tenho por implícito na Constituição, a impedir a subtração arbitrária
da Justiça comum de delitos que não tenham outra conexão com a
vida castrense e os interesses de sua administração que a condição
militar das personagens.
55. Se se admite que sendo, o agente e a vítima, militares, isso é
bastante para que se defina o crime como militar, também o seria, ao
nuto do legislador, que o fosse só o agente ou apenas a vítima; e,
contra os princípios fundamentais recordados por Barbalho e Laudo
de Camargo, a Justiça especial já se destinaria não aos crimes
militares, mas crimes dos militares ou contra os militares em
detrimento do prestígio e da autoridade que, na sua órbita própria,
são devidos aos órgãos da jurisdição castrense” (BRASIL, 1990).

Isso posto, conforme os ensinamento de Karan (2002) observa-se que é o


critério do bem jurídico o alicerce de todo modelo normativo criminal de um Estado
democrático de direito, na medida em que tem a proteção de um bem jurídico
determinado como objeto concretamente apreensível, proteção essa embasada no
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana 29, que subsiste em toda

29
Conforme prevê a CF/88 em seu Art 1ºA República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988).
81

norma penal. Dessa forma, na ausência de parâmetros constitucionais para a


definição da natureza militar da conduta penal, será este o critério a ser utilizado
para a base da interpretação das regras constitucionais, obedecendo a
excepcionalidade da atuação dos órgãos da Justiça Castrense, haja vista se tratar
de uma justiça constitucionalmente prevista como especial e cuja competência se dá
apenas para o processamento de julgamento e crimes militares.
Por conseguinte, apesar da generalidade e amplitude do exposto no art. 124
da Carta Magna (BRASIL, 1988) quanto à definição dos critérios de fixação de
competência da Justiça Militar pela norma infraconstitucional, salienta-se que sua
interpretação deve ser restrita de modo a respeitar o disposto ao longo de todo o
texto constitucional, bem como verificar a presença todas as nuances para efetivar a
definição de crime militar como tal.

Veja-se que a Justiça Militar tem razão de ser, exclusivamente, para


o julgamento de crimes militares. Nos termos do preceito
constitucional, crime militar é o que a lei define como tal (definição
ratione legis). A previsão ampla não dá margem, todavia, à fixação
arbitrária de jurisdição militar fora do âmbito de crimes tipicamente
militares, com reflexo sobre a organização constitucional de
competências e, de modo mais grave, com mitigação da garantia
constitucional do Júri. Fosse assim, qualquer definição de crime
militar, por mais desarrazoada, desde que prevista em lei, faria
inaugurar a competência da jurisdição especializada. [...] E não se há
de negar, em relação especificamente aos crimes dolosos contra a
vida, a influência da previsão constitucional da competência do Júri
sobre a própria definição do que seja crime militar, para fins de
fixação da jurisdição militar. (BRASIL, 2018a, p. 08)
.
À vista disso, Jardim (2018) corrobora no sentido de que o constituinte
reformador ao dispor no art. 124 da CF/88 (BRASIL, 1988), por meio da EC
nº45/2005, o cabimento de processamento e julgamento dos crimes militares
definidos em lei à Justiça Militar, não outorgou suposta “carta branca” para que o
legislador ordinário definisse arbitrariamente sobre o que seja crime militar, haja vista
que sempre deverão ser respeitados as regras e limites constitucionalmente
garantidos pela Carta Maior. (apud RIBEIRO, 2018).
Diante do exposto, caracteriza-se que o silêncio do constituinte reformador no
que diz respeito aos crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares
das Forças Armadas não tem o significado admitido pelo legislador da Lei nº
13.491/2017 para garantir a efetivação da extensão da competência militar para o
82

julgamento de tais infrações penais, uma vez que a Justiça Militar tem razão de ser
exclusivamente para o julgamento de crimes militares, balizados pelo preceito
constitucional da definição ratione legis, ou seja, de que crime militar é o que a lei
define como tal.
Desse modo, após a explanação acerca da ilegitimidade constitucional da
extensão competência da Justiça Militar realizada pela legislação ordinária
supramencionada, é imprescindível analisar a possibilidade da inconstitucionalidade
da Lei nº 13.491/2017 em seu caráter formal, por meio de violação ao processo
constitucional legislativo, assim como material, destacando a violação direta de
princípios e garantias presentes na Constituição Federal.

4.2 A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.491/2017

Não obstante a cotenda acerca da extensão da competência da Justiça


Castrense, a Lei nº 13.491/2017 é dotada de presunção de constitucionalidade e
permanece vigente no ordenamento jurídico brasileiro, considerando que, conforme
Súmula Vinculante 1030 do Supremo Tribunal Federal, tal presunção e vigência da lei
só deixam de subsistir se declarada a inconstitucionalidade da norma pelo Poder
Judiciário, de modo que tal controle pode ser no exercido no caso concreto, por meio
do controle difuso de constitucionalidade, ou por força do controle concentrado de
constitucionalidade, por meio de decisão em uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade ou Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental.
Dessa maneira, destacando-se que o problema de pesquisa refere-se à
inconstitucionalidade da Lei nº 19.491/2017, consubstanciada pela alteração do art.
9º, § 2º, III do CPM (BRASIL, 1969), é necessário uma análise aprofundada a
respeito da possível inconstitucionalidade formal e material da norma
infraconstitucional, ainda mesmo que vigente, sustentando a hipótese de que a
norma seria inconstitucional por contrariar princípios fundamentais constitucionais,
tais como o princípio do devido processo legal e do juiz natural.

30
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal
que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte. (BRASIL, 2008).
83

4.2.1 Inconstitucionalidade Formal

Com o intuito de iniciar a exposição acerca da inconstitucionalidade da norma,


cabe investigar se a Lei nº 13.491/2017 revela inconstitucionalidade sob a ótica
formal haja vista as possíveis violações ao longo do processo legislativo para sua
promulgação, seja tanto pela ausência de discussão parlamentar quanto ao
conteúdo da norma na íntegra, priorizando-se apenas a discussão do julgamento
dos militares das Forças Armadas nos crimes doloso contra a vida de civil pela
Justiça Militar da União, quanto pelo veto do Presidente da República ao art. 2º da
Lei nº 13.941/2017 (BRASIL, 2017a), alterando substancialmente seu caráter
temporal.
A edição da Lei 13.491/2017, a qual resultou do projeto de Lei da Câmara
44/2016 - PL 5.768/2016 (BRASIL, 2016a) - de autoria do Deputado Federal
catarinense Esperidião Amin, foi justificada pela recorrente presença das Forças
Armadas no cenário do caos da segurança pública, sobretudo nas Operações de
Garantia de Lei e Ordem, assim como na realização dos grandes eventos
internacionais sediados no Brasil.
A respeito da tramitação o referido projeto de lei no plenário, Ribeiro (2018)
afirma que sua redação original foi alterada pelo relator da matéria, Deputado Júlio
Lopes, no sentido de que a vigência da futura lei fosse limitada ao ano de 2016, haja
vista a proposta para atender à demanda dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do
Rio de Janeiro no referido ano. Ainda assim, o projeto de lei supracitado recebeu o
número 44 e foi apresentada a emenda 1, pela Senadora Vanessa Grazziotin, para
que fosse aumentado o prazo de vigência de futura lei temporário até o final de
2017, sob o fundamento de apoio o cumprimento do Plano Nacional de Segurança
Pública, com a intervenção das Forças Armadas no Estado do Rio de Janeiro, entre
julho e dezembro do referido ano.
Nessa esteira, Ribeiro (2017, p. 322) complementa:

Tal emenda, no entanto, foi rechaçada no próprio Senado da


República ante ao entendimento de que tratar a questão da
competência da justiça militar por lei temporária seria estabelecer,
temporariamente, um verdadeiro tribunal de exceção. Vê-se,
portanto, que o Senado ignorou o fato de que o projeto já continha a
disposição que previa a vigência da lei até o final de 2016, ou seja, já
tratava da criação de uma futura lei temporária.
84

Ademais, no que concerne à necessária discussão da íntegra da norma pelo


Congresso Nacional para posterior aprovação, destaca a violação do referido
pressuposto na medida em que nos debates foi única e exclusivamente discutida a
legitimidade da competência da Justiça Militar da União para o julgamento dos
crimes dolosos praticados contra civis por miliares das Forças Armadas em atividade
de policiamento ostensivo, de sorte que ocasionou a aprovação cega da lei,
considerando o vício de vontade do parlamentar pelo total desconhecimento da lei
aprovada (FOUREAUX, 2017 apud RIBEIRO, 2018).
Nesse sentido, diante das consequências da aprovação da lei sem o
conhecimento efetivo de seu conteúdo, Ribeiro (2018, p. 321), afirma:

Votada de forma açodada no Parlamento, a Lei, que foi sancionada


com um veto que modificou o seu período de vigência, entrou em
vigor na data de sua publicação, fixando a competência da justiça
militar da União para fins de julgamento dos crimes dolosos contra a
vida de civis por policiais militares federais no exercício da atividade
de policiamento ostensivo. Todavia, a reboque e sem qualquer
discussão da matéria no âmbito legislativo, a novel lei ampliou,
também, a competência da justiça militar dos estados em vista do
aumento exponencial do número de crimes de natureza militar, em
violação material e formal a dispositivos constitucionais e
convencionais de proteção de direitos humanos, sem prejuízo da
própria violação dogmática à própria teoria do bem jurídico, que
orienta a confecção e hermenêutica dos tipos penais.

Dessa maneira, nota-se o desrespeito ao devido processo legislativo de sorte


que se faz imprescindível a prévia, ampla e democrática discussão acerca dos
projetos colocados para a análise nos plenários do Congresso Nacional (DE
ALMEIDA, 2018).
A esse respeito, a discussão incompleta, a qual ocasionou a votação com
conhecimento parcial da lei, realizada em caráter de urgência, é corroborada por
Ribeiro (2018):

Todavia, a questão intrigante em relação ao histórico do projeto de lei


diz respeito ao fato de que as discussões iniciais que ensejaram a
sua apresentação diziam respeito, apenas e tão somente, ao foro de
julgamento de policiais das forças armadas quando de ocorrência de
homicídio perpetrado contra civil em atividade de policiamento
ostensivo e não ampliar, demasiadamente, o rol de crimes sujeitos à
jurisdição militar. Isso porque a Emenda Constitucional 45, na
redação que imprimiu ao artigo 125, § 4º, da Constituição Federal de
85

1988, estabelece a competência do júri em caso de prática de crime


doloso contra a vida de civil por militares dos Estados, silenciando a
Emenda quanto à prática de tais crimes por militares das forças
armadas. Pelo projeto, o julgamento, em tal caso, deveria competir à
justiça militar da União, afastando-se, portanto, a jurisdição comum
do Tribunal do Júri.

Ainda nesse sentido destacam-se as palavras do Deputado Júlio Lopes, que


assim se manifestou após a aprovação do regime de urgência para a votação do
projeto:

Essa é uma situação transitória, em função da realização, no Rio de


Janeiro, das Olimpíadas e dos Jogos Paraolímpicos e do maior
deslocamento militar já feito no Brasil. Deslocar–se–ão para o Rio de
Janeiro, Deputado Miro Teixeira, 23 mil homens das forças militares
brasileiras. Essa excepcionalidade se dará até o dia 31 de dezembro
de 2016, para que os militares possam exercer suas funções, dentre
suas prerrogativas, na garantia da Justiça Militar. Assim foi acordado
e acertado entre as Lideranças da Câmara e as lideranças militares,
a pedido de S.Exa. o Presidente da República, a fim de se proteger
não só o povo do Rio de Janeiro e aqueles que nos visitam, mas
também as Olimpíadas, o patrimônio que foi construído, que ficará
como legado do nosso País. (BRASIL, 2017a).

Não obstante, salienta-se o exposto pelo Deputado Ivan Valente, quanto às


deliberações que justificaram a aprovação urgente do projeto de lei na Câmara dos
Deputados:

Nós estamos correndo atrás do prejuízo. O projeto apareceu ontem.


E votaremos a urgência, votaremos o projeto para quê? Este é
apenas um aspecto: retirar da Justiça Comum a competência de
analisar o crime doloso contra a vida praticado em ação militar [...] e
passar para o Tribunal Militar. Na verdade, o que se está fazendo
aqui é uma exceção. Está se concedendo uma espécie de licença
para matar. Vejam: o agente público em ação está no estrito
cumprimento do dever legal dele. Se ele tiver que fazer um
enfrentamento e alguém morrer, ele vai dizer: ‘Estou no meu estrito
dever’. Agora, se o ato for doloso, continua sendo assassinato.
Então, por que ele vai ser julgado pela corporação? A segunda
questão é: as Forças Armadas já foram utilizadas várias vezes.
Vejam como foi a ocupação das favelas na Rio 92, e depois, na Eco
92! As Forças Armadas estão indo para a rua direto. Por que só
agora se levantou essa questão? Não há por quê. Portanto [...] este
é um projeto de exceção, e não vale a pena.(BRASIL, 2017b).

Ainda assim, pensada para ter vigência temporária, conforme exposto durante
todo o seu trâmite legislativo, a inconstitucionalidade formal da Lei nº 13.491/2017 é
86

consubstanciada pelo veto do Presidente da República, após a aprovação da lei, ao


artigo 2º, o qual previa que: “Art. 2º Esta Lei terá vigência até o dia 31 de dezembro
de 2016 e, ao final da vigência desta Lei, retornará a ter eficácia a legislação anterior
por ela modificada.” (BRASIL, 2016c).
Desse modo, o dispositivo vetado se mostra fundamental para a expressão da
verdadeira vontade do Congresso Nacional, de modo que traz regra de direito
intertemporal para o regimento da situação excepcional e temporária dos Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos do Rio de Janeiro em 2016, vontade materializada ainda
pelo pedido de urgência para apreciação do projeto com o intuito de atendimento à
situação provisória supracitada. (DE ALMEIDA, 2018).
Outrossim, a caracterização de contrariedade ao propósito do Poder
Legislativo se evidencia no veto proferido pelo Presidente Michel Temer, nos
seguintes termos:

As hipóteses que justificam a competência da Justiça Militar da


União, incluídas as estabelecidas pelo projeto sob sanção, não
devem ser de caráter transitório, sob pena de comprometer a
segurança jurídica. Ademais, o emprego recorrente das Forças
Armadas como último recurso estatal em ações de segurança pública
justifica a existência de uma norma permanente a regular a questão.
Por fim, não se configura adequado estabelecer-se competência de
tribunal com limitação temporal, sob pena de se poder interpretar a
medida como o estabelecimento de um tribunal de exceção, vedado
pelo artigo 5º, inciso XXXVII da Constituição. (BRASIL, 2017b).

Nesse seguimento, é estabelecido que ao vetar o artigo 2º, o Presidente da


República transformou a lei temporária em permanente, exercendo, como Chefe do
Executivo, o papel atípico legislativo, conforme o exposto no art. 2º da CF/88
(BRASIL, 1988) acerca da separação de poderes na federação31. Além disso, se faz
fundamental o destaque de que a referida prática de usurpação de competência foi
condenada pelo próprio Michel Temer, parlamentar à época, conforme o exposto :

[...] o fundamento doutrinário que alicerça a concepção de que o veto


parcial deve ter maior extensão suporta-se na ideia de que, vetando
palavras ou conjunto de palavras, o Chefe do Executivo pode

31
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
87

desnaturar o projeto de lei, modificando o seu todo lógico, podendo,


ainda, com esse instrumento, legislar. Basta – como se disse – vetar
advérbio negativo. Data venia, não é bom esse fundamento, uma vez
que: a) o todo lógico da lei pode desfigurar-se também pelo veto, por
inteiro, do artigo, do inciso, do item ou da alínea. E até com maiores
possibilidades; b) se isto ocorrer – tanto em razão do veto da palavra
ou de artigo – o que se verifica é usurpação de competência pelo
Executivo, circunstância vedada pelo art. 2º da CF; c) qual a solução
para ambas as hipóteses? O constituinte as previu: aposto o veto,
retoma o projeto ao Legislativo e este poderá rejeitá-lo, com o quê se
manterá o todo lógico da lei. Objetiva-se, entretanto: a rejeição do
veto exige maioria absoluta e, por isso, uma minoria (1/3) poderá
editar a lei que, na verdade, não representa a vontade do legislador.
Responde-se: se isto suceder, qualquer do povo, incluídos os
membros do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário, pode
representar aos legitimados constitucionalmente (art. 103, I a IX, da
CF) para a promoção da representação de inconstitucionalidade
daquela lei em face de usurpação de competência vedada pelo art.
2º da CF. (TEMER, 2008, apud RIBEIRO, 2018, p. 324).

Logo, nas palavras de Almeida (2018), com o veto supramencionado, o


Presidente da República alterou nitidamente o sentido da norma, a qual faz parte da
legislação de competência privativa da União, por se tratar de matéria de direito
penal e processual penal32, caracterizando a invasão do poder de legislar pelo
Presidente da República, assim como a violação o bicameralismo, na medida em
que se realizada a supressão de tal artigo pelo Senado Federal importaria na
devolução do projeto à Câmara dos Deputados para sua rediscussão.
Nesse ínterim, quanto ao princípio constitucional da separação dos poderes
violado pelo veto presidencial resultando em vício no processo legislativo, Moraes
(2013, p.64) afirma que:

Os órgãos exercentes das funções estatais, para serem


independentes, conseguindo frear uns aos outros, com verdadeiros
controles recíprocos, necessitavam de certas garantias e
prerrogativas constitucionais. Tais garantias são invioláveis e
impostergáveis, sob pena de ocorrer o desequilíbrio entre eles e
desestabilização do governo. Quando o desequilibro agigante o
Executivo, instala-se o despotismo, a ditadura, desaguando no
próprio arbítrio, como afirmava Montesquieu ao analisar a
necessidade da existência de imunidades e prerrogativas para o bom
exercício das funções do Estado.

32
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do
trabalho; (BRASIL, 1988)
88

Assim, Hoffmann e Barbosa (2017) validam o exposto acerca da


impropriedade do ato do Chefe do Poder Executivo por meio do veto peresidencial,
considerando que:

Em razão de ajuste político, foi combinado o veto ao dispositivo para


abolir o caráter transitório da norma e torná-la permanente, afastando
a competência do Tribunal do Júri em relação aos membros das
Forças Armadas. Ou seja, o que o Presidente da República fez foi
desnaturar a Lei e usurpar competência legislativa.

Dessa feita, a alegada inconstitucionalidade do veto presidencial ao art. 2º da


Lei 13.491/2017 (BRASIL, 2017) pode ainda ser consubstanciada pelo exposto no
art. 66 da CF/88, o qual preceitua que: “O veto parcial somente abrangerá texto
integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea” (BRASIL, 1988), de forma
que tal artigo expressa justamente a finalidade de impedir a usurpação de
competência legislativa pelo chefe do executivo, haja vista que o projeto deveria ser
vetado em sua integralidade devolvendo a questão ao Congresso Nacional para a
devida apreciação e discussão fundamentais para o respeito ao processo legislativo
constitucional. (DE ALMEIDA, 2018).
Logo, pode se observar que antes mesmo de adentrar na
inconstitucionalidade material da norma, a Lei nº 13.491/2017 foi eivada de vícios ao
processo legislativo, garantido ao longo da Carta Magna. No entanto, a fim de
destrinchar por inteiro a inconstitucionalidade da norma, torna-se primordial a
explanação sobre o viés material ferido ao longo do texto legislativo em questão.

4.2.2 Inconstitucionalidade Material

Como manifesto, a caracterização da inconstitucionalidade da Lei nº


13.491/2017 se daria não apenas pela interpretação da competência da Justiça
Castrense, pela violação ao processo legislativo constitucional, mas também pela
contrariedade a diversos princípios constitucionalmente garantidos pela Carta Maior,
entre esses se destacam o princípio do juiz natural e do devido processo legal
consubstanciado na competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida, de maneira que a garantia de efetivação de tais princípios é
reconhecida como essencial no âmbito nacional e internacional.
89

Para que se possa ter o entendimento majorado quanto à


inconstitucionalidade da aplicação extensiva da jurisdição militar, é de suma
importância uma abordagem da significação de cada um dos princípios
supramencionados, assim como o apontamento do viés que lhes feriria dentro das
atribuições alteradas com a sanção da Lei 13.491/2017.
O princípio do juiz natural ou juiz competente, consubstanciado no art. 5º,
incisos XXXVII e LIII da Carta Magna de 1988 (BRASIL, 1988) e no art. 833 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tem por finalidade a garantia de
imparcialidade do juiz, de maneira a ser pressuposto essencial da própria existência
da atividade jurisdicional (FERNANDES, 2012). Além disso, por meio da aplicação
de tal princípio, busca-se a garantia de um órgão julgador pré-estabelecido técnico,
com competência estabelecida anterior e constitucionalmente, de forma a ser
imparcial e isento.

Juiz natural é o abstratamente constituído antes da ocorrência do


fato, requisito imprescindível para a independência e imparcialidade
do órgão julgador. O princípio traduz uma significativa conquista do
processo penal liberal, essencialmente fundado em bases
democráticas, atuando como fator limitativo dos poderes
persecutórios do Estado. (NOVELINO, 2012, p. 579)

Ademais, considerando que a definição de competência é reservada ao texto


constitucional, a supressão de juiz natural através de legislação ordinária é
considerada impreterivelmente inconstitucional. Neste sentido se posicionou o STF
na ADI nº 2797-2, declarando a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002,
conforme expõe Oliveira (2011 p. 98-99 apud SILVA, 2017, p. 139):

[...] no aspecto estrito da violação ao juiz natural, enquanto critério


de distribuição da competência judicante, observa-se uma
unanimidade na doutrina e mesmo na jurisprudência do Superior
Tribunal Federal no sentido de que a competência de jurisdição
(federal, estadual, eleitoral, dos tribunais, isto é, em razão da matéria

33
Artigo 8. Garantias judiciais
1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por
um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos
ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (COSTA RICA,
1969).
90

e em razão da função) é reservada a Constituição Federal. E mesmo


quando se trata de aceitar, no STF, a instituição de foro para
determinadas autoridades estaduais, no âmbito das Constituições
Estaduais, a fundamentação dos julgados repousa no princípio
federativo, matéria igualmente constitucional.

Considerando tal problemática relativa ao julgamento de militares por seus


pares, Meyer (2017) acrescenta a indagação de que se já não se observa a
eficiência por parte das autoridades da Justiça Comum para resguardar e garantir os
tratados e normas de direitos humanos relacionadas à responsabilização criminal da
atuação militar, porque a própria Justiça Militar consideraria aplicar tal
responsabilização de forma efetiva sobre as presentes violações cometidas por
militares?34
A respeito da referida parcialidade no julgamento de militares por seus pares
por meio dos Conselhos de Justiça, a Procuradora-Geral da República Raquel
Dodge, por meio da manifestação nº 78/2018-SDHDC/PGR, na ADI 5901, afirmou
que “o desenho institucional do órgão julgador militar – porque formado
majoritariamente por militares, em atividade e vinculados à hierarquias castrense –
não permite afastar, objetivamente, qualquer dúvida que se tenha sobre a sua
imparcialidade para o julgamento de seus pares.” (BRASIL, 2018a, p. 10).

Os juízes militares também não desfrutam de independência


funcional jurisdicional. Enquanto reunidos nos conselhos, atuam
como juízes, mas ainda nos corredores da justiça militar são
dependentes das forças a que servem, estão alocados na hierarquia
militar, sujeitos às regras militares, devendo cumprir ordens de seus
superiores, bem como emitir ordens aos seus subordinados. Atuam
exatamente como é vedado aos magistrados, conforme o art. 95, I da
CF/88: “Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I–exercer, ainda que
em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério”
(SILVA, 2017, p. 140).

Ainda acerca das inseguranças que o julgamento de militares por seus pares
pode causar no ordenamento jurídico brasileiro atual, assim como a possibilidade de
parcialidade no julgamento com a violação do princípio do juiz natural,

34
Consider another issue that can be related to this problematic ‘jurisdiction by its own peers’: if there
is no good will by civilian judicial authorities to accomplish human rights treaties and norms related to
militaries’ criminal accountability, why would own military judicial organs consider doing so properly
with present violations committed by militaries? (MEYER, 2017, p. 5)
91

constitucionalmente previsto na CF/88, destaca-se a ausência de medidas


institucionais e respeito à disciplina e hierarquia castrense em recentes fatos
ocorridos no âmbito do alto escalão das autoridades castrenses, de sorte que um
exemplo a ser considerado é o exposto por Meyer (2017, p. 02):

[...] o papel político efetivado por algumas autoridades militares no


Brasil, são chamados pela imprensa local de "intervenção militar"
como reflexo de atual crise constitucional brasileira. As
manifestações do General Antônio Hamilton Martins Mourão
fundamentando uma solução militarizada com o intuito de afastar
indivíduos condenados criminalmente do cenário político não
receberam qualquer punição imediata do Comandante das Forças
Armadas, General Eduardo Villar Bôas, apesar da requisição pelo
civil Ministro de Defesa Raul Jungman.

Não obstante, a referida norma infraconstitucional, levando em conta seu


possível caráter de exceção, romperia a presunção de imparcialidade da autoridade
processante e julgadora dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares,
de sorte que iria de encontro ao previsto no inciso XXXVII do art. 5º da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988 acerca da inexistência de juízo ou
tribunal de exceção.

A afirmação no art. 5º, LIII, de que ninguém será processado nem


sentenciado senão pela autoridade competente, consagra, como
escreveu Frederico Marques, garantia de que "ninguém pode ser
subtraído de seu Juiz Constitucional. Somente se considera juiz
natural ou autoridade competente, no direito brasileiro, o órgão
julgador cujo poder de julgar derive de fonte constitucionais”.
(FERNANDES, 2012, p. 133).

Acerca do tema, de Moraes (2013) corrobora que tal princípio deve ser
interpretado em sua plenitude, de modo que não existe apenas a obrigatoriedade da
proibição de Tribunais e juízos de exceção, como também deve ser exigido respeito
absoluto às regras objetivas de determinação de competência, com o intuito de
garantia e resguardo da independência e imparcialidade do órgão julgador.

Nos conselhos de justiça, contudo, é o escabinato, ou seja, o


magistrado e quatro juízes militares que julgam conjuntamente os
réus militares. Todos os membros votam, formando a decisão por
maioria, então, uma vez que são quatro militares e um magistrado,
sempre é o voto militar que prevalece e, com ele, todas as
convicções dos experts na caserna, mas leigos no direito. Trata-se
92

de “desnaturar” a função de julgar, conforme leciona Gusmão (1915),


pois não atende especificamente ao princípio da imparcialidade em
sua modalidade subjetiva, uma vez que é intrínseca a relação do
militar juiz com uma das partes interessadas no processo, qual seja a
Força Armada a qual pertencem ele e o réu. (SILVA, 2017, p. 142).

Dessa forma, observa-se a interdependência entre a imparcialidade e a


instituição do juiz natural, princípio essencial do devido processo legal
constitucionalmente garantido no art. 5º, LIV da CF/88 (BRASIL, 1988), de modo que
esta correlação é fundada na vedação completa e incondicional da instauração de
tribunal de exceção, também amparada constitucionalmente.

Nessa origem do princípio do devido processo legal, estaria, como


plano de fundo, o princípio do juiz natural, pois a Magna Carta
Libertatum35 estabeleceu previamente quem, a partir dali, seria o
órgão julgador. O núcleo inicial do princípio do juiz natural é,
portanto, a vedação ao tribunal de exceção, ou seja, é a "proibição
de se instituir ou de se constituir um órgão jurisdicional exclusiva ou
casuisticamente para o processo e julgamento de determinada
infração penal" (OLIVEIRA 2006, p. 134 apud SILVA, 2017, p. 25).

Nessa esteira, Machado (2017a) explana que por meio do afastamento da


garantia constitucional do juiz natural civil, que vigora segundo as normas de
competência material, a mudança da referida norma infraconstitucional teve o intuito
de estabelecer que os crimes dolosos contra a vida praticados por membros das
Forças Armadas contra civis, possuem natureza militar mesmo que sejam praticados
no exercício anormal de suas funções, de modo a ficarem sujeitos a um juízo
especial, diverso do constitucionalmente previsto, ou seja, o Tribunal do Júri.

Há limite implícito à margem de discricionariedade do legislador na


forma de organização do Poder Judiciário previsto na Constituição,
que vem a ser a enumeração de crimes militares em uma codificação
voltada à proteção de bens jurídicos tipicamente castrenses.
Qualquer tentativa de ampliação da competência da Justiça Militar da
União que desconsidere tal essência será indevida e inconstitucional,
porque rompe a lógica da especialidade que a justifica. (BRASIL,
2018a, p. 08)

35
A garantia do devido processo legal formal tem origem na Magna Carta Libertatum, assinada em 15
de junho de 1215, quando o rei da Inglaterra João sem Terra assegurou privilégios aos barões e aos
burgueses ingleses. Pelo caráter restritivo a determinadas classes, esses privilégios não
configuravam direitos fundamentais. Mas a Carta foi fundamental para o desenvolvimento
constitucional inglês e para a construção da democracia moderna. (SILVA, 2017, p. 134).
93

Dessa maneira, é notável que a Lei nº 13.491/2017 deslocou a transferência


da competência do julgamento dos crimes doloso contra a vida de civis praticados
por militares das Forças Armadas, utilizando-se do conceito de competência ratione
personae, ou seja, não considerando mais a afetação aos bens jurídicos militares
como pressuposto para fixação da competência, mas essa é definida em razão da
qualificação da parte, que nesse contexto é consubstanciada pela natureza do cargo
do agente.
Nesse viés, a partir de tal interpretação normativa, o legislador estabeleceu a
instituição foro privilegiado aos militares, de sorte que a alteração promovida no § 2º
do art. 9º do CPM (BRASIL, 1969) privilegia uma espécie de julgamento em
detrimento do outro com base na natureza do cargo do agente e não do caráter
militar da função exercida no momento da prática do crime contra civil. Dessa feita, é
importante destacar que no momento em que um militar das Forças Armadas atua
em comunidade para a garantia da lei e da ordem, é exercido o papel de segurança
pública estadual e não de atividade tipicamente militar, de modo que a atividade é
definida pelo que ela de fato é e não por quem a exerce, ferindo, portanto, o
princípio constitucional da igualdade, previsto no art. 5º, I da CF/88 (BRASIL, 1988).
(BRASIL, 2018a).

A fortiori, a prerrogativa de foro criada pela Lei nº 13.491/2017 passa


a garantir aos militares um julgamento especial e particular quando
figuram como parte em processos criminais. Essa situação atenta
contra a igualdade estabelecida entre os servidores que atuam
perante órgãos de segurança pública. (RIBERIO, 2018, p. 331)

Ademais, Lopes Júnior (2017b) atenta para o prisma procedimental,


considerando que enquanto a Lei 13.491/2017 define que o militar das Forças
Armadas seja processado e julgado perante a Justiça Militar da União, no caso de
crime doloso contra a vida de civil, a competência para processamento e julgamento
do policial militar estadual permanece da Justiça Comum por meio do Tribunal do
Júri, resultando em uma cisão de competência em caso de cometerem o crime em
questão em uma mesma abordagem, demonstrando o caráter de tratamento
desigual a uma mesma conduta em razão da investidura de cargo do agente que
cometeu o delito.
94

Concernente à duplicidade das situações criada com o advento da


referida norma, Ribeiro (2018) corrobora de maneira técnica e cristalina, afirmando
que conforme previsto constitucionalmente, por meio da Emenda nº 45/2005, e
assim como o exposto no art. 9º, § 1º do CPM (BRASIL, 1969), a prática do crime
doloso contra a vida quando perpetrada por policial militar estadual será processada
e julgada pelo Tribunal do Júri, já quando praticada por militar federal, a competência
do juízo será da Justiça Militar da União, conforme a alteração do art. 9º, § 2º do
CPM (BRASIL, 1969), alterado pela Lei nº 13.491/2017.
Ademais, ainda que não referente à prática dos crimes dolosos contra a
vida, nota-se a violação do princípio da igualdade com a ampliação inconstitucional
de competência da Justiça Militar prevista na alteração do art. 9º, II do CPM
(BRASIL, 1969), já exposto anteriormente, na medida em que é novamente utilizado
o conceito de ratione personae para a definição de competência. Nesse sentido,
pronuncia-se a Procuradora-Geral da República Raquel Dodge:

Também fica vulnerado o princípio da igualdade, uma vez que crimes


sem relação com a proteção jurídica de bens jurídicos castrenses
passam ao julgamento da Justiça Militar tão somente pela condição
do perpetrador. Não há razão objetiva para tal ampliação, uma vez
que o devido processo legal é assegurado na Justiça Comum e não
há outro valor castrense a ser defendido - tanto é assim que o crime
previsto na legislação extravagante não consta do Código Penal
Militar. (BRASIL, 2018a, p. 09).

Além do já exposto, observa-se a inconstitucionalidade da norma frente


ao descumprimento do princípio do devido processo legal, tendo em vista que
desrespeitaria a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes
dolosos contra a vida, prevista no art. 5°, XXXVIII, d, da CF/88 (BRASIL, 1988).

A regularidade formal de uma decisão, por si só, não basta: é


necessário que ela seja substancialmente devida. A teoria
substantiva está ligada à ideia de um processo legal justo e
adequado, materialmente informado pelos princípios da justiça, com
base nos quais os juízes podem e devem analisar os requisitos
intrínsecos da lei. Sob este prisma, representa uma exigência de fair
trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa e leal dos
sujeitos processuais. O devido processo legal substantivo se dirige,
em um primeiro momento, ao legislador, constituindo-se em um limite
à sua atuação, que deverá pautar-se pelos critérios de justiça,
razoabilidade e racionalidade. Como decorrência deste princípio
surgem o postulado da proporcionalidade e algumas garantias
95

constitucionais processuais, como o acesso à justiça, o juiz natural, á


ampla defesa, o contraditório, a igualdade entre as partes e a
exigência de imparcialidade do magistrado. (NOVELINO, 2012, p.
576)

A competência de julgamento dos crimes dolosos contra a vida dada ao


Tribunal do Júri é intrínseca à efetivação do devido processo legal, de sorte que foi
elevada ao status de direito fundamental pela CF/88. Desta forma, considerando que
tal competência somente pode ser excepcionada pela própria previsão
constitucional, a atribuição de competência dada à Justiça Militar da União nos
termos da Lei 13.491/2017 seria inconstitucional por ir de encontro ao fundamento
supramencionado, além de atingir indiretamente o princípio do juiz natural já
mencionado, tendo em vista que o julgamento por juízo competente é pressuposto
do cumprimento da garantia do devido processo legal.
Nesse prisma, de Moraes (2013) ressalta que apenas as autoridades com
foro privilegiado por prerrogativa de função previsto diretamente na Constituição
Federal estão excluídas do processamento e julgamento perante o Tribunal do Júri,
como é o caso do processamento e julgamento pelo STF, STJ ou Tribunal de
Justiça, de infrações penais comuns cometidas pelas autoridades previstas nos - art.
102, I, b e c, art. 105, I, a e no art. 29, X da CF (BRASIL, 1988) - respectivamente.
Dessa forma, observa-se que no conflito de atribuições entre normas
infraconstitucionais frente ao exposto no texto constitucional, é cediço que a última
se sobrepõe a primeira, haja vista a aplicação do princípio da hierarquia das normas
e da supremacia da Constituição Federal.
Nesse contexto, evidencia-se a relação da violação do princípio da
competência do Tribunal do Júri com o princípio do juiz natural, considerando a
existência da relação intrínseca daqueles com o devido processo legal. Dessa
maneira, a instituição do escabinato no julgamento dos crimes dolosos contra a vida
praticados por militares das Forças Armadas contra civil caracteriza o
descumprimento do princípio do juiz natural, além da violação ao devido processo
legal substancializado pela competência do Tribunal do Júri para processamento dos
delitos abordados perante a Justiça Comum.

Princípio do devido processo legal em sentido substantivo é


destinado em um primeiro momento ao legislador, estabelecendo um
limite à sua atuação, o qual deve pautar-se pelos critérios de justiça,
96

razoabilidade e racionalidade, e que, consequentemente, crua o


postulado da proporcionalidade e algumas garantias constitucionais
processuais como o acesso à justiça, o juiz natural, a ampla defesa,
a igualdade entre as partes e a exigência de imparcialidade do
magistrado. (NOVELINO, 2012, p. 576)

Assim, como já debatido de maneira pormenorizada, os ritos para o


julgamento dos crimes dolosos contra a vida no âmbito da Justiça Comum e da
Justiça Militar da União possuem procedimentos distintos, de forma que o primeiro
de subdivide em dois momentos, quais sejam a fase de instrução, feita por juiz
singular e a fase de julgamento por meio do Tribunal do Júri. Já o segundo é
realizado por meio do julgamento pelos Conselhos de Justiça, sejam eles especiais
ou permanentes.
Outrossim, é na composição dos Conselhos de Justiça que são delineadas as
violações ao juiz natural, de modo que, conforme prevê a LOJM, os conselhos
especiais e permanentes de justiça são compostos por um magistrado e quatro
militares, com características funcionais determinadas, isto é, os militares devem ser
oficiais de carreira, em ser serviço ativo, e lotados no âmbito da jurisdição da
auditoria de maneira preferencial.
Dessa maneira, Silva (2017) consolida a dissonância entre o Conselho de
Justiça e os princípios correlacionados supracitados, haja vista que na Constituição
não há previsão quanto à incumbência de que os ditos juízes militares sejam oficiais
e da ativa, assim como não existe previsão de que os conselhos de justiça sejam
formados por militares, ou que esses sejam maioria em relação aos juízes togado e
que seus votos sejam paritários e determinantes no processo. Além disso, a CF/88
não estabelece prerrogativa aos juízes militares integrantes dos Conselhos de
Justiça para isentá-los da necessidade de conhecimento jurídico ou de posse de
notória condição, ou qualifica-os como sui generis em comparação aos demais
órgãos jurisdicionais.
Não obstante, a instituição do rito do Tribunal do Júri é constitucionalmente
garantida como um direito individual e uma garantia ao devido processo legal e
protetiva ao direito fundamental da liberdade do acusado. Tal rito é regido ainda
pelos princípios da plenitude de defesa, do sigilo das votações, da soberania dos
veredictos e pela própria competência para o julgamento dos crimes dolosos contra
vida, de sorte que se faz nítida a diferenciação de previsão constitucional de ambas
as instituições supramencionadas, assim como a adequação do rito do Tribunal do
97

Júri como procedimento justo e adequado, com respaldo ao princípio de devido


processo legal.

O princípio do devido processo legal em sentido formal é destinado


ao magistrado, de maneira a garantir a qualquer pessoa o direito de
exigir que o julgamento ocorra em conformidade com regras
procedimentais previamente estabelecidas. exigindo a observância
de um determinado processo legalmente estabelecido, cujo
pressuposto é uma atividade legislativa moldada por procedimento
justo e adequado. (NOVELINO, 2012, p. 57).

Nessa esteira, desmembrado do capítulo do “Poder Judiciário”, o constituinte


originário atribuiu ao julgamento pelo tribunal do júri o caráter de garantia individual,
haja vista que, inspirada pela Constituição brasileira de 1215, consiste no conjunto
de regras que rege o julgamento por um colegiado de cidadãos, de modo que pode
ser amparada pela democratização do julgamento dos crimes dolosos contra a vida,
considerado o bem mais relevante no ordenamento jurídico brasileiro. (BRASIL,
2018a).
Além disso, Nucci (2014) corrobora no sentido de que o Tribunal do Júri
consiste num direito individual, ou seja, na possibilidade do cidadão participar
diretamente dos julgamentos do Poder Judiciário, constituindo, portanto, não apenas
uma garantida individual, mas também um direito.
A este respeito, no julgamento do RE 122.706/RJ, o STF se manifesta no
sentido de que a extensão desproporcional da Justiça Militar da União, por meio de
legislação infraconstitucional, pode eliminar por completo o núcleo essencial de uma
garantia constitucional, que nesse caso seria o julgamento pelo Tribunal do Júri:

Permitir que a discrição, na concretização do conceito indeterminado


de crime militar, redunde no arbítrio, na extensão desproporcionada
aos fins legítimos da Justiça Militar, é remeter ao legislador ordinário
a demarcação de uma garantia constitucional, a do Júri, cujo raio
mínimo de ação a Constituição mesma pretendeu dimensionar.
[...]
Mas, também não foi preciso a Constituição dizer que, ao definir
crimes militares conta a vida e, consequentemente, subtraí-los do
Júri, não pode a lei ordinária desbordar dos limites da noção de crime
militar ditados pelo sistema constitucional, sob pena de esvaziar-se a
garantia afetada. (BRASIL, 1990).
98

Ademais, no mesmo julgamento, como já exposto previamente, destacou-se a


necessidade de determinação de competência por meio do conceito ratione legis e
não ratione personae, como é realizado na intepretação da Lei nº 13.491/2017.

Estou, assim, Sr. Presidente – de volta ao que me soou como a


melhor fase da jurisprudência da Casa a respeito -, em que a
interpretação conforme à Constituição do art. 9º, a, C. Pen. Militar,
reclama, para que se caracterize crime militar impróprio – ao menos,
quando se cuida de infração dolosa contra a vida – que haja outros
elementos de conexão militar do fato, além da condição funcional do
autor e da vítima” (BRASIL, 1990).

Por outro lado, Nucci (2014) afirma que a competência para os crimes
dolosos contra a vida exercida pelo Tribunal do Júri constitui cláusula pétrea,
considerando que o dispositivo que regula a sua instituição não pode ser alterado
pelo constituinte reformador no sentido de abolir direitos e garantias individuais, mas
apenas no sentido de sua ampliação.
Nesse seguimento, é cediço que o respeito aos direitos humanos e aos
direitos fundamentais constitucionais são o alicerce na construção de um Estado
Democrático de Direito, conforme o exposto pelo Min. Marco Aurélio:

Reafirme-se a crença no Direito; reafirme-se o entendimento de que,


sendo uma ciência, o meio justifica o fim, mas não este aquele,
advindo a almejada segurança jurídica da observância do
ordenamento normativo. O combate ao crim não pode ocorrer com
atropelo da ordem jurídica nacional, sob pena de vir a grassar regime
totalitário, com prejuízo para toda a sociedade (STF – 2º T – HC nº
74639-0/RJ – rel. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, 31-10-1996).
(MORAES, 2013, p. 03)

Dessa maneira, levando em conta a promulgação da CF/88, assim como a


produção legislativa e as interpretações dos tribunais, é notável que ao transferir o
julgamento dos crimes em questão para a justiça castrense, a Lei nº 13.491/2017
viola diretamente o princípio constitucional de vedação ao retrocesso, tendo em vista
que o julgamento passou da imparcialidade de julgamento realizado pelo cidadão,
usufruindo de suas garantias e direitos individuais supracitados por meio do instituto
constitucionalmente estabelecido do Tribunal do Júri, para, segundo afirma Ribeiro
(2018, p.329), “uma jurisdição cujas autoridades estão vinculadas ao comando
militar e, portanto, submetidas à hierarquia que caracteriza a Corporação.”.
99

4.3 A VIOLAÇÃO A TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Considerando a concretização da eficácia dos direitos humanos no âmbito


internacional dentro do ordenamento jurídico brasileiro, deve ser analisada a
plausibilidade de que o entendimento de restrição da jurisdição militar sustentado
pelos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos 36 deveria ser
respeitado nacionalmente, seja por meio da legislação ou de decisões judiciais.
Por conseguinte, com o intuito de legitimar a validade dos direitos previstos
nos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos incorporados pelo
Brasil, a EC nº 45/2004, modificou o art 5º da CF/88 (BRASIL, 1988) disposto em
seu parágrafo terceiro que: “os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais” (BRASIL, 1988). (RIBEIRO, 2018). Ou seja, caso o
referido tratado passe pelo mesmo processo legislativo de um Projeto de Emenda
Constitucional e seja aprovado, equivalentes àquelas serão.
Nesse prisma, considerando a existência de tratados e convenções
incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro em momento anterior à alteração
realizada pela EC nº 45/2004, em decisão paradigmática proferida no RE n. 466.363,
o STF conferiu aos tratados que não passaram pelo crivo do Congresso Nacional o
caráter de norma supralegal, ou seja, inferior hierarquicamente à CF/88, mas
superior à norma infraconstitucional, nos seguintes termos:

[...] parece mais consistente a interpretação que atribui a


característica de ‘supralegalidade’ aos tratados e convenções de
direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os
tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém,
diante de seu caráter especial em relação aos demais atos
normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de
‘supralegalidade’. Em outros termos, os tratados sobre direitos
humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas

36
Destacando-se em especial a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José
da Costa Rica -, e a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das
Liberdades Fundamentais.
100

teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-


los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no
contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana. [...]
O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos
humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a
legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou
posterior ao ato de adesão. (BRASIL, 2008).

Ademais, quanto ao status hierárquico que possuem dentro do ordenamento


jurídico nacional, se faz fundamental destacar que, segundo afirma Piovesan (2013),
a CF/88 incorpora em seu catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os
direitos garantidos nos tratados internacionais em que o Brasil seja membro, de
forma que, enquanto os demais tratados internacionais possuem força hierárquica
infraconstitucional, os tratados internacionais de direitos humanos apresentam valor
de norma constitucional, consubstanciado pelo caráter supralegal.
Nessa toada, Ribeiro (2018, p. 238) afirma que “os tratados e convenções
internacionais que versam sobre direitos humanos são hierarquicamente superiores
às leis, as quais lhe devem submissão. Em decorrência lógica, a Lei nº 13.491/91,
ao expandir a competência da Justiça Militar, opôs-se aos sobreditos”.
Posto isso, salienta-se que além dos princípios garantidos e taxados pela
Constituição Federal de 1988, seria imprescindível a consideração de princípios que
vão além da jurisdição brasileira e que integram o direito interno com o internacional
dos direitos humanos37, de modo que, conforme aludem Contreras e Martínez (2010,
p. 75):

Tanto o direito internacional dos direitos humanos quanto o direito


internacional humanitário coincidem em reconhecer uma série de
princípios aplicáveis à administração de justiça que inclui a jurisdição
militar. Entre esses princípios encontramos a igualdade perante os
tribunais; o direito de toda pessoa ser julgada por tribunais
competentes, independentes e imparciais, preestabelecidos pela lei;

37
[...] a Convenção Americana sobre Direitos Humanos “Pacto de São José” (a partir deste momento
denominada “Convenção Americana”) em seus artigos 8.1, 8.5 e 25, como a Convenção Europeia
para a Proteção dos Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais (a partir de agora,
“Convenção Europeia”) em seus artigos 5, 6, 7 e 13. Por sua vez, o artigo 7.1 da Carta Africana
sobre Direitos Humanos e dos Povos “Carta de Banjul” (a seguir, “Carta Africana”) reconhece o
direito de toda pessoa de recorrer aos órgãos nacionais competentes contra atos de violação de
seus direitos fundamentais, assim como de ser julgada por uma corte ou tribunal competente e
imparcial. O inciso 2 desse artigo inclui o princípio da legalidade. Como já comentamos, essas
disposições são aplicáveis a toda jurisdição, incluindo a militar. (CONTRERAS; MARTINEZ, 2010,
p. 79)
101

o direito a um recurso efetivo; o princípio de legalidade; e o direito a


um julgamento efetivo, equitativo e justo.

No que diz respeito aos princípios internacionais aludidos, destaca-se o


princípio da especialidade, que tem sua base na legislação, relatórios, resoluções e
decisões dos sistemas internacionais de direitos humanos, o qual, no caso da
legislação em questão, deve ser aplicado com o fim de caracterizar a aplicação da
jurisdição militar como restrita, excepcional e de competência funcional.

Pois bem, a questão que problematiza a jurisdição militar é a de


determinar se uma autoridade dessa espécie é competente para
julgar civis ou militares que cometeram atos constitutivos de
violações dos direitos humanos de civis, à luz de princípios como o
devido processo legal, a independência e a imparcialidade das
autoridades judiciais. (CONTRERAS; MARTÍNEZ, 2010).

No âmbito internacional, destacam-se os diversos precedentes da corte


Interamericana de Direitos Humanos no sentido contrário à expansão da justiça
castrense e preservando o referido princípio da especialidade.
Sobre a matéria, a CIDH já se pronunciou diversas vezes acerca do
alargamento inapropriado da competência da Justiça Militar, destacando,
inicialmente a manifestação na sentença do caso Ronsedo Radilla vs. Estados
Unidos Mexicanos, a qual expôs que “em um Estado Democrático de Direito, a
jurisdição penal militar deve ter um alcance restrito e excepcional e se destinar a
proteção de interesses jurídicos especiais, ligados às funções próprias das forças
militares” (MÉXICO, 2007). (BRASIL, 2017a).
Além da manifestação acima, outras sentenças da CIDH consubstanciam o
fundamento de interpretação restritiva da jurisdição militar, entres aquelas o caso
Durand e Ugarte vs. Peru, no qual a CIDH assentou que:

117. Em um Estado democrático de direito, a jurisdição penal militar


deve ter um alcance restritivo e excepcional e estar direcionada a
proteção de interesses jurídicos especiais, vinculados com as
funções que a lei atribui às forças militares. Assim, deve estar
excluído do âmbito da jurisdição militar o julgamento de civis e só
deve julgar militares pelo cometimento de delitos ou faltas que, por
sua própria natureza, atentam contra bens jurídicos próprios da
ordem militar.
102

Já no caso Cruz Sánchez e Outros vs. Peru, mais recente, a Corte IDH
reafirmou sua jurisprudência sobre a aplicação restrita do alcance da competência
criminal da Justiça Militar nos Estados-Membros da Convenção Americana de
Direitos Humanos, nos termos:

397. A Corte recorda que sua jurisprudência sobre os limites da


competência da jurisdição militar para conhecer fatos que constituem
violações de direitos humanos tem sido constante, no sentido de
afirmar que, em um Estado democrático de direito, a jurisdição penal
militar deve ter um alcance restritivo e excepcional, e visar a proteção
a proteção de interesses jurídicos especiais, vinculados às funções
próprias das forças militares. Por isso a Corte indicou que no foro
militar somente se deve julgar militares ativos pelo cometimento de
delitos ou faltas que por sua própria natureza atentem contra bem
jurídicos próprios da ordem. (PERU, 2015).

No mesmo sentido, no caso Nadege Dorzema y otros Vs. República


Dominicana a CIDH decidiu que, pela necessidade de restrição da competência da
justiça castrense, a jurisdição militar não seria o foro competente para a
investigação, julgamento e punição de violações de direitos humanos, de modo que
o processamento dos responsáveis caberia sempre à Justiça Comum, nos seguintes
termos:

187. Num Estado democrático de Direito, a justiça penal militar deve


ser restritiva e excepcional, de maneira que é aplicada apenas para a
proteção e bens jurídicos especiais, de natureza militar, e que foram
violados por membros das forças militares no exercício de suas
funções. Da mesma forma, é jurisprudência constante deste Tribunal
que a jurisdição militar não é a jurisdição competente para investigar
e, quando apropriado, julgar e punir os autores de violações dos
direitos humanos, mas que a acusação dos responsáveis
corresponde sempre aos tribunais comuns. Essa conclusão aplica-se
a todas as violações dos direitos humanos. (REPÚBLICA
DOMINICANA, 2012).

Na mesma decisão, destacou-se a ausência de imparcialidade e


independência da Justiça Militar para o julgamento de seus pares nas questões
envolvendo violação de direitos humanos, conforme se extrai do exposto:

188. Esta constante jurisprudência do Tribunal também apontou que


a jurisdição militar não satisfaz as exigências de independência e
imparcialidade estabelecidos na Convenção. Em especial, o Tribunal
103

advertiu que, quando os funcionários dojurisdição penal militar que


estão encarregados da investigação dos fatos são membros das
forças Armadas no serviço ativo, eles não estão em condições de dar
uma opinião independente e imparcial.
189. Da mesma forma, o Tribunal estabeleceu que os recursos
perante os tribunais militares não são eficazes para resolver casos
de violações graves dos direitos humanos e muito menos para
verdade, julgar os responsáveis e reparar as vítimas, uma vez que
não podem ser consideradas eficazes aqueles recursos que por
várias razões são ilusórios, como quando há uma falta de
independência e imparcialidade do órgão judicial

Ademais de acordo com Contreras; Martinez (2010) salienta-se a inexistência


da diversidade de normas internacionais que se referem de forma explicita acerca da
restrição quanto à aplicação da justiça castrense, de modo que diante disso pode se
citar o art IX da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de
Pessoas (BRASIL, 1994) no sentido de que os suspeitos das ações que constituam
o delito de desaparecimento forçado de pessoas só podem ser julgados pela Justiça
Comum, excluindo-se qualquer outra jurisdição especial, em particular a militar, de
forma que tais atos não podem ser considerados cometidos no exercício de funções
militares.
Dessarte, quanto à jurisprudência especificamente em casos nacionais, CIDH
se manifestou diretamente em sentenças de condenação do Estado brasileiro
quanto à utilização extensiva da jurisdição militar para investigar e julgar militares
por crimes cometidos contra civis. Entre elas, destaca-se a do caso Gomes Lund, de
acordo com parágrafo 257:

257. Especificamente, o Estado deve garantir que as causas penais


que tenham origem nos fatos do presente caso [execução sumária e
desparecimentos forçados de civis], contra supostos responsáveis
que sejam ou tenham sido funcionários militares, sejam examinadas
na jurisdição ordinária, e não no foro militar. (BRASIL, 2010, p. 96)

Dessa forma, considerando a preocupação dos sistemas internacionais de


proteção aos direitos humanos acerca da extensão da competência militar no Brasil,
é importante salientar que no âmbito nacional, as forças militarizadas são utilizadas
cada vez de forma mais corriqueira para a efetivação da segurança pública,
seguindo uma tendência mundial. Nesse sentido, Contreras; Martinez expõe:
104

Apesar do que foi anteriormente dito, a mencionada


excepcionalidade raras vezes tem sido verdadeiramente excepcional,
e isto ocorre cada vez menos. Não só convivemos cotidianamente
com guerras “preventivas” cujos motivos se diluem diante do menor
exame, como também se tornam habituais casos em que os
exércitos ampliam seus âmbitos normais de atuação (por exemplo,
sua crescente participação em tarefas de segurança pública em
vários países do mundo), assim como os abusos gerados por essa
extensão, ultrapassando os limites de sua especialidade. Os
exércitos de hoje também costumam empreender pesquisas penais
“preventivas” e tarefas de contra insurgências “preventivas”. (2010, p.
76).

Nesse seguimento, é valido evidenciar que a CIDH se manifestou


especificamente a respeito da extensão da competência da justiça castrense
brasileira no Caso Parque São Lucas, destacando a parcialidade e falta de
efetividade, assim como o corporativismo para a investigação e julgamento das
violações de direitos humanos ocorridas no referido caso, indo de encontro ao
exposto na Convenção Interamericana de Direito Humanos, conforme se extrai do
relatório:

66. Por outro lado, ao submeter o caso ao julgamento da Justiça


Militar, cuja morosidade, ineficiência e parcialidade ficaram
demonstradas no presente caso, violou também o artigo 25 (proteção
judicial) da Convenção no tocante ao direito de toda pessoa a ser
ouvida "por um juiz ou tribunal ... independente e imparcial". Referido
artigo dispõe:

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer


outro recurso efetivo, perante os juizes ou tribunais competentes, que
a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais
reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente
Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas
que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.(BRASIL,
2003).

Ainda assim, destaca-se que na mesma decisão a CIDH fez menção à


necessidade de julgamento dos crimes cometidos por militar contra civis ser de
competência da Justiça Comum, de forma que impulsionou a promulgação da Lei
9.299/1996, conforme pode ser analisado no trecho relatório:

[...] A Comissão também recebeu informação sobre atos de violência


cometidos pela policia e sobre a impunidade no tratamento desses
assuntos. A este respeito, a Comissão considera que seria um
passo fundamental para combater a violência policial a aprovação de
105

uma lei que garantisse que todo crime cometido por policiais militares
contra os civis fosse julgado pela justiça comum. A Comissão
considera, outrossim, que devem ser estabelecidos processos
eficientes para receber e considerar queixas contra agentes da
polícia.
78. A Comissão considera essas restrições inaceitáveis e observa
que não há razão alguma que justifique a permanência da
competência da Justiça Militar para julgar os crimes cometidos pela
polícia militar contra civis. Considera ainda, que o Estado brasileiro
deve adotar legislação que transfira para a competência da Justiça
Comum, todos os crimes cometidos pelos membros da polícia militar
contra civis e não somente os crimes dolosos contra a vida. (BRASIL,
2003)

Nesse mesmo sentido, a Anistia Internacional também recomendou a


transferência do julgamento de crimes cometidos por militares contra civis para a
Justiça Comum, nos seguintes termos:

Considerando o constante fracasso das Cortes Militares para


condenar os policiais militares acusados de violações de direitos
humanos, o Governo deveria transferir a jurisdição destes crimes
contra direitos humanos fundamentais, cometidos por policiais
militares, para as Cortes Civis (Amnesty International, Beyond
despair: an agenda for human rights in Brazil, New York, 1994, p. 19)
(PIOVESAN, 2013, p. 451).

Não obstante, conforme explanam Contreras; Martinez (2010), a problemática


que afeta a aplicação extensiva da justiça militar em casos em que estão envolvidos
civis se dá no sentido de que além de violado mais um dos princípios já
mencionados nessa pesquisa, causa impacto na qualidade da democracia do
Estado aplicador de tais garantias, de modo que a jurisdição militar completa o
círculo de violência do Estado, haja vista que o interesse jurídico do civil é excluído
com a violação do direito ao processo perante o juiz natural competente,
independente, imparcial, objetivo e consagrado pelo Direito Internacional dos
Direitos Humanos.
Por todo o exposto, nota-se uma apreensão dos sistemas de direito
internacional dos direitos humanos acerca da aplicação extensiva da jurisdição
militar. Quanto ao retrocesso democrático específico gerado pela sanção da Lei nº
13.491, de 2017, o Escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a CIDH da Organização dos Estados
106

Americanos (OEA) emitiram nota expressando tal apreensão com o disposto nessa
legislação.

O ACNUDH e a CIDH têm argumentado há muitos anos que a


investigação e o julgamento por tribunais militares de denúncias de
violações de direitos humanos cometidas por militares,
especialmente por supostas violações contra civis, impedem a
possibilidade de uma investigação independente e imparcial
realizada por autoridades judiciais não vinculadas à hierarquia de
comando das próprias forças de segurança. Os dois órgãos
recordam que o Estado brasileiro ratificou vários instrumentos
internacionais de direitos humanos que garantem a todas as pessoas
julgamento por tribunais competentes, independentes e imparciais,
tais como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos A justiça militar deve
apenas julgar militares acusados de crimes de caráter
exclusivamente militar ou infrações de disciplina militar. (CHILE,
2017).

Nessa toada, na mesma nota o ACNUDH e a CDIH corroboram acerca da


violação dos princípios constitucionais já mencionados em tópico anterior, no sentido
de que “A ampliação da jurisdição dos tribunais militares representa um grave
obstáculo para um julgamento justo e imparcial, fere o princípio da igualdade perante
a lei e relativiza as garantias do devido processo legal e também as normas
internacionais de direitos humanos.” (CHILE, 2017).
Nesse ínterim, a militarização das instituições governamentais, assim como a
extensão competência da Justiça Militar por meio de alterações legislativas como é o
caso em apreço fere discreta, mas demasiadamente o Estado democrático e
maneira, na medida em que, de acordo com Giorgio Agamben (2007, p.25, apud
CONTRERAS; MARTINEZ, 2010, p 92) “a criação voluntária de um estado de
emergência permanente (embora eventualmente não declarado em sentido técnico)
se tornou uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, mesmo
daqueles que se denominam democráticos”.
Por conseguinte, visualizou-se que diante do contexto atual de derrocada
democrática, assim como de consubstanciação de política de segurança pública,
política criminal e militarização das instituições do ordenamento jurídico brasileiro, a
expansão da competência da justiça castrense e a violação aos princípios e
garantias constitucionais com o advento da Lei 13.491/2017 podem ser entendidas
como uma forma de obstar a aplicação do sistema de pesos e contrapesos e limites
107

jurídicos correspondentes ao Estado democrático de direito, na medida em que é a


Constituição Federal, amparada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos,
que garante a efetivação de tais contenções jurídicas assim como dos princípios
responsáveis pela concretização dos direitos individuais fundamentais e da
democracia moderno nacional.
108

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto constitucional prevê pressupostos cujo cumprimento por parte do


Estado são essenciais tanto para a manutenção de um Estado democrático de
direito como para a garantia de efetivação dos direitos individuais de cada cidadão.
Dessa maneira, a aplicação extensiva da competência da Justiça Castrense com o
advento da Lei nº 13.491/2017 há de ser concebida como um grande impacto na
qualidade da democracia do Estado brasileiro.
Nessa esteira, o processo legislativo que culminou com a edição da referida
norma infraconstitucional pode ser caracterizado como uma abjeção às normas e
garantias constitucionais, na medida em que figura como um procedimento eivado
de vícios constitucionais formais e materiais. Dessa forma, a edição da norma cujas
discussões foram insuficientes diante da integralidade de seu conteúdo, fez por
ampliar a competência da Justiça Militar para o julgamento de crimes cujo interesse
e correspondência não são caracterizados necessariamente como bens jurídicos
relacionados à caserna.
Ainda assim, é evidenciada a desídia da norma quanto aos princípios
inerentes ao devido processo legal, haja vista que ao aplicar a competência da
justiça castrense de forma extensiva para o julgamento dos crimes dolosos contra a
vida de civis praticados por militares das Forças Armadas, o interesse jurídico do
civil é suprimido na medida em que tal extensão é caracterizada pela violação aos
princípios constitucionais do juiz natural, consubstanciado no julgamento perante um
juiz competente, imparcial, objetivo e independente, e do próprio princípio do devido
processo legal, por meio da aplicação do rito do Tribunal do Júri, também expresso
no texto constitucional.
Nada obstante, assenta-se que a extensão da competência da justiça
castrense se deu em um cenário de utilização de crescente habitualidade de
policiamento ostensivo por parte das Forças Armadas, assim como por uma
progressiva intensificação do militarismo e do autoritarismo na política nacional, nas
instituições e na politica de segurança pública, a exemplo da intervenção federal o
estado do Rio de Janeiro e das eleições presidenciais. Logo, é notável a presença
da gradual extinção da excepcionalidade da participação do exército em tarefas
atinentes ao governo, sobretudo à segurança pública, de modo que a edição da
109

referida lei pode ser vista como uma excepcionalidade legalizada do direito, na
medida em que a modificação no sentido de aplicação extensiva da competência da
justiça castrense altera e aumenta o âmbito de sua especialidade.
Nesse seguimento, a lei em vigor viola os tratados internacionais de direitos
humanos dos quais o Brasil é Estado-membro, haja vista os órgãos internacionais
de proteção aos direitos humanos se manifestam pela necessidade da restrição da
competência da Justiça Castrense, de sorte que a arbitrariedade processual da
Justiça Militar geraria uma espécie de sistema paralelo de justiça, consubstanciado
pelo julgamento de militares pelos seus pares, legitimando o desrespeito aos direitos
humanos e a própria democracia. Dessa forma, no âmbito interno, legitimação do
excesso de tal arbitrariedade se dá na medida em que com a extensão da referida
competência os crimes dolosos contra a vida, que condizem com a dignidade da
pessoa humana e, portanto, são atribuídos à Justiça Comum, teriam sua persecução
realizada no âmbito militar.
Dessa forma, a respeito de tal extensão de competência castrense, bem
como de expansão do militarismo na segurança pública, por meio de aplicação de
medidas interventivas e da consequente violação aos princípios constitucionalmente
garantidos e aos tratados internacionais de direitos humanos, formulou-se seguinte
indagação: existe inconstitucionalidade na extensão da competência militar para
julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados contra civis por militares, nos
termos do art. 9º, § 2, III do Código Penal Militar, alterado pela Lei 13.491/2017, com
base nos princípios fundamentais constitucionais tais como o princípio do devido
processo legal e do juiz natural, no princípio da especialidade e no consequente
descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos?
No decurso da pesquisa trabalhou-se com a hipótese de pesquisa partindo da
proposição de que a extensão da competência militar para julgamento de crimes
dolosos contra a vida de civis praticados por militares das Forças Armadas,
conforme o art. 9º, § 2º, III do Código Penal Militar, modificado pela Lei 13.491/2017,
seria inconstitucional, a julgar por sua contrariedade aos princípios fundamentais
constitucionais do devido processo legal e do juiz natural. Além disso, também foi
trabalhada a asserção de que a referida norma infraconstitucional estaria em
desacordo com o princípio da especialidade, cujo caráter é internacional, subsistindo
ainda a violação aos tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil
constitui-se como Estado-membro.
110

Por conseguinte, a pergunta incialmente proposta apresentou-se como


verdadeira haja vista a demonstração da existência da inconstitucionalidade da
extensão da competência da Justiça Castrense com o advento da Lei nº
13.491/2017, tendo em conta que assim como a expansão do militarismo na
segurança pública e nas instituições do ordenamento jurídico brasileiro, a referida
norma infraconstitucional vai de encontro aos princípios e normas garantidos pela
Constituição Federal de 1988, cuja prerrogativa de efetivação é reconhecida como
essencial no ordenamento jurídico nacional e pelos sistemas internacionais de
proteção aos direitos humanos. Além disso, restou comprovada a violação aos
tratados internacionais de direitos humanos, a julgar pela notória manifestação
opositora da aplicação extensiva da competência da Justiça Militar ao longo da
jurisprudência, legislação, decisões, relatórios e resoluções dos sistemas
internacionais de proteção aos direitos humanos.
Neste ínterim, a solução para o referido problema se dá pela manutenção da
evolução da democracia brasileira, por meio da continuação da restrição da
competência da Justiça Militar no âmbito nacional e pela garantia da supremacia da
Constituição Federal, considerando a consolidação da democracia e dos direitos
humanos como um processo contínuo, que se faz tão recente no Brasil, de sorte que
os princípios constitucionais da vedação ao retrocesso e da dignidade da pessoa
humana devem ser respeitados em todas as esferas do Estado democrático de
direito para que se conceba a paz e a justiça em busca de que a exceção não se
transforme em regra.
111

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