Você está na página 1de 9

DOI: 10.4025/4cih.pphuem.

221

AGENTES DE FÉ? A ANÁLISE DE REDES SOCIAIS PARA O ESTUDO DA


ATUAÇÃO DOS FAMILIARES DO SANTO OFÍCIO NO SUL DA AMÉRICA
PORTUGUESA ENTRE 1754 E 1785

Lucas Maximiliano Monteiro


Mestrando em História na UFRGS

A Inquisição Portuguesa, criada em 1536, tinha no Tribunal do Santo Oficio de


Lisboa, o qual iniciou seus trabalhos quatro anos depois, a responsabilidade de vigiar a fé não
apenas em solo metropolitano, mas também nos territórios portugueses na América. Este
trabalho era realizado por meio das Visitações, com a nomeação de um Visitador Oficial –
como nos casos das capitanias da Bahia e Pernambuco em duas ocasiões, uma no final do
século XVI e outra no início do XVII, além do Grão-Pará na segunda metade do XVIII – e
por outros mecanismos como a ligação entre a Inquisição e a estrutura eclesiástica local (ver
FEITLER, 2006) e a atuação de um corpo de funcionários responsáveis por levar ao
conhecimento do inquisidor geral de Lisboa todos os desvios de fé praticados na colônia.
Dentre estes funcionários estavam os Familiares do Santo Ofício, pessoas recrutadas entre os
moradores das capitanias para integrarem a malha inquisitorial. O objetivo deste texto é fazer
uma análise dos familiares do Continente de São Pedro entre 1754 e 1785. Fruto de um
primeiro contato com as fontes – no caso, os Processos de Habilitação do Santo Ofício –
pretende-se propor a utilização do conceito de redes sociais para o estudo deste corpo de
funcionários, destacando seus vínculos com os demais membros da sociedade rio-grandense
colonial.

Os Familiares do Santo Ofício

Os Familiares do Santo Ofício eram pessoas leigas que habitavam tanto as vilas em
Portugal quanto no Brasil e tinham o interesse em fazer parte do corpo de funcionários
inquisitoriais. Segundo o Regimento da Inquisição de 1640, deviam ser “pessoas de bom
procedimento e de confiança e de capacidade reconhecida”, além de ter “fazenda de que
possam viver abastadamente”. A outra condição para se tornar um familiar era ser cristão-
velho; natural do reino; limpo de sangue, ou seja, sem “manchas” judaicas ou mouras; nem ter
sido preso ou penitenciado pela Inquisição. (FRANCO & ASSUNÇÂO, 2004: p. 236-287)
2786

Estas eram as principais condições aos que se submetiam ao processo de habilitação. Nele
seriam apurados todos os requisitos que, se comprovados, dariam direito à carta de Familiar.
As principais obrigações “eram detectar e identificar nas terras onde viviam, qualquer
eventual prática de crime punível dentro da alçada da Inquisição” (KUHN, 2006: p. 329).
Logo, eram responsáveis por vigiar os moradores das vilas em busca de algum desviante que
deveria ser remetido ao tribunal inquisitorial. Todavia, a historiografia tem se manifestado em
favor de uma perspectiva de análise que enfoque uma outra função deste cargo inquisitorial.
Ela vê na busca pela carta de familiar mais uma forma de destacamento social do que a real
contribuição com o trabalho do Santo Ofício.
José Veiga Torres, ao analisar cerca de vinte mil processos de habilitação portugueses
no período de 1570 e 1821, afirma que a procura pela carta de familiar não corresponde a uma
“pressuposta cooperação na actividade repressiva inquisitorial”, mas antes “um processo de
legitimação de promoção social, que é pretendido por todos os setores da sociedade”
(TORRES, 1994: p.113). A análise do autor se sustenta, sobretudo, em dois aspectos. O
primeiro é o que ele denomina como especialização discriminatória da pureza de sangue. Em
uma sociedade onde havia muita incidência de cristãos-novos – judeus convertidos após o
decreto de D. Manuel em 1497 – a Inquisição serviu para reforçar a ideologia da pureza de
sangue, conduzindo investigações linhagísticas em busca de algum indício de impureza.
Como dito anteriormente, para se tornar familiar era necessário não ter mancha alguma de
judaísmo em sua linhagem. Assim, com as investigações genealógicas e a concessão da carta
de familiar, aquele que a obtinha passava a gozar de um prestígio social por ter confirmado a
sua origem pura de cristão-velho. O segundo aspecto é baseado no número de habilitações
pelo número de sentenciados: entre 1720 e 1770, período em que o a concessão do título de
familiar atingiu o seu pico, o número de sentenciados pela inquisição sofre um decréscimo, o
qual comprovaria a tese de que a busca pela habilitação não está vinculada a uma real
cooperação com o trabalho inquisitorial (Idem: p. 135).
A historiografia brasileira que se ocupou do tema tem seguido esta tendência em
analisar a obtenção do título de familiar como um meio para se promover socialmente. Estes
trabalhos, além de reforçar a tese de Veiga Torres, acrescentam um elemento local da
realidade colonial brasileira: o fato de a maioria dos familiares serem homens de negócio,
uma profissão em que o número de cristãos-novos, e por conseqüência o estigma de sangue
infecto, era tamanho a provocar preconceitos a respeito deste ofício. Assim, teriam um fator a
se destacar frente aos outros comerciantes que não poderiam ter a sua linhagem investigada
pela inquisição. Daniela Calainho, ao estudar os familiares do Rio de Janeiro destaca:
2787

Obter a carta de familiar representava, para o comerciante cristão-velho, uma


conquista bastante significativa. Se no plano econômico os cristãos-novos levavam
vantagem [...], no plano social os cristãos-velhos tinham a oportunidade de, como
familiares do Santo Ofício, se distinguirem de seus companheiros de ofício pela
“pureza de sangue”, pelo prestígio e poder conferidos pela Inquisição, ofuscando de
alguma maneira a supremacia da burguesia mercantil de origem judaica
(CALAINHO, 1992: p. 70).

Segundo Fabio Kuhn, ao não existir uma verdadeira nobreza no Brasil colonial, restou
às elites sociais locais do período “‘viver à lei da nobreza’, buscando diferenciar-se em uma
sociedade profundamente vincada pela hierarquia social”. O autor ainda destaca que, no caso
dos homens de negócio, a carta de familiar foi a mais procurada “pois além de não serem
investigadas as origens humildes de muitos deles (o conhecido ‘defeito mecânico’), ainda
passava um atestado de limpeza de sangue, afastando uma possível pecha de origem judaica,
bastante freqüente nesse segmento da elite” (KUHN, 2006: p. 328).
Assim, ao estudar os familiares do Santo Ofício, deve-se ter em mente que a
Inquisição servia não apenas como uma instituição responsável por vigiar a fé dos católicos,
era também um espaço em que abria a possibilidade de uma distinção social por parte
daqueles detentores de tal prestígio, frente aos demais membros da sociedade.

As Redes Sociais como alternativa de análise

Considerando o fato de ser o Familiar do Santo Ofício uma forma de distinção social,
deve-se também levar em consideração que isso influencia na sua relação com os outros
moradores da região na qual ele habita. Para tentar esclarecer a maneira pela qual essa relação
se desenvolvia, acredita-se que a teoria das redes sociais possa ser utilizada como ferramenta
analítica. Segundo Michel Bertrand, a rede é uma estrutura construída pela existência de laços
ou de relações entre diversos indivíduos, podendo ser morfologicamente centrada em um
único indivíduo – uma rede pessoal “egocentrada” – ou fragmentada, com vários centros que
formam uma estrutura polinodal – uma rede coletiva. Do mesmo modo, a rede é um sistema
de intercâmbios no qual os vínculos ou relações permitem a realização de uma circulação de
bens ou de serviços, sendo esses intercâmbios o que se poderia qualificar como vínculos.
Assim, para Bertrand, a rede se define como um complexo sistema de vínculos que permitem
a circulação de bens e serviços, materiais ou imateriais, no marco das relações estabelecidas
entre os seus membros (BERTRAND, 1999: 119-120).
Também contribui para uma análise de redes sociais José Maria Imízcoz, que propõe o
método indutivo no qual englobe os aspectos mais globais que envolvem os atores sociais,
2788

denominados por ele como estruturas organizativas. Sua proposta é por um estudo mais
estrutural que permita articular os diferentes níveis de análise de modo a combinar as
características dos atores, as das relações que têm entre si e as do conjunto do sistema social.
Para Imízcoz assim seria possível um diálogo entre a conduta dos atores, no nível micro, e as
estruturas organizativas, no nível macro. Logo, ao realizar uma análise de rede social, deve-se
considerar estas estruturas organizativas, pois elas preexistem e condicionam as relações dos
atores sociais. Esses, ao se relacionarem, irão selecionar suas ligações, ou vínculos, segundo
suas normas, condutas, crenças e instituições nas quais estão inseridos (IMÍZCOZ, 2004: p.
13-17).
A noção de “rede de sociabilidade” vem sendo utilizada pela historiografia brasileira
recente (ver, por exemplo, COMISSOLI, 2008) e sua análise permite, conforme Bertrand,
identificar – além da morfologia, do conteúdo dos intercâmbios e de sua dinâmica – as
intenções ou os projetos que conduzem a criação de uma rede em um dado momento, uma vez
que todo vínculo se realiza em virtude de um projeto, de intenções e de objetivos.
As redes sociais podem ser úteis ao analisar as relações entre os Familiares do Santo
Ofício e os demais membros da sociedade no Continente de São Pedro. Como a investigação
da pureza de sangue necessitava de testemunhas para comprovação, acredita-se que seja
possível estabelecer os vínculos e relações entre o candidato à carta de familiar e essas
pessoas que atestavam a sua condição de sangue puro, identificando qual o intercâmbio, ou
seja, quais os bens e serviços que circulam entre esses indivíduos capazes de estabelecer tais
vínculos entre eles: se são econômicos, políticos ou sociais. Para Bertrand, não é possível
dissociar o vínculo de um projeto que o motiva. Sendo assim, se por um lado o objetivo do
candidato à carta de familiar esteja claro, ou seja, a distinção social, por outro ao buscar
compreender os das testemunhas arroladas no processo de Habilitação de Familiar, pode ser
possível esclarecer o motivo que as leva a estabelecer vínculos com os pretendentes a agentes
inquisitoriais. Uma maneira de se tentar chegar a esse objetivo é por meio do processo de
habilitação, em que estão arroladas as testemunhas que serviram para comprovar as condições
necessárias para que o proponente obtivesse a carta de familiar. Nele estão descritas, além de
informações da testemunha e do candidato a familiar, o contato entre os dois.

Os Familiares do Santo Ofício do Continente de São Pedro

Como dito anteriormente, é por meio dos Processos de Habilitação a Familiar do Santo
Ofício que se tem acesso às pessoas com quem o candidato tinha relação, não apenas na vila
2789

onde residia, mas também em outras localidades. Para o Rio Grande de São Pedro temos
conhecimento de cinco familiares que foram habilitados entre os anos de 1754 e 1785. São
eles: Manuel de Araújo Gomes, homem de negócio, solteiro e que fez sua solicitação à carta
de familiar em 1751, tendo sido aprovada em 1754; Antônio Dias Pereira Cubello, homem de
negócio, solteiro, candidatou-se em 1751 sendo habilitado apenas em 1772; Antônio Carvalho
da Silva, homem de negócio, solteiro, fez a petição em 1760 tornando-se familiar em 1763;
Francisco Corrêa Pinto, homem de negócio, solteiro, não se tem informações de quando
solicitou a sua carta de familiar, mas sabe-se que a obteve em 1768 e Serafim da Costa
Santos, homem de negócio, solteiro, solicitou o título de familiar em 1783 e foi concedido em
1785.
De uma leitura rápida é possível traçar o primeiro perfil destes familiares: todos são
homens de negócios e solteiros, algo já confirmado pela historiografia. Pelas informações que
constam em seus processos, sabe-se que nenhum deles era natural da Colônia, sendo todos
portugueses nascidos em regiões pertencentes ao bispado da Braga, com exceção de Serafim
da Costa, natural da freguesia de São Martinho Bougado, arcebispado do Porto.
O acesso às testemunhas que se tem são das inquirições realizadas pelos comissários
nas capitanias brasileiras, desta forma é possível identificar quais as relações que esses
familiares possuíam nos locais onde residiam ou tinham negócios. Sendo assim contamos com
as testemunhas presentes em quase todos os processos. O único que não há informações de
inquirições na colônia é o processo de Francisco Corrêa Pinto.
No processo de Manuel de Araújo Gomes, o Comissário responsável por realizar as
inquirições que atestariam a limpeza de sangue e a fortuna do habilitando contou com cinco
testemunhas. O primeiro foi Antônio Dias da Costa, morador na Vila de São Pedro do Rio
Grande, que vivia de seu negócio. Antônio disse conhecer “muito bem ao habilitando” e
confirmou que Manuel era homem de negócio “com sua loja de fazendas”, além disso,
afirmou conhecê-lo há sete anos e por isso saberia estas informações. Manuel Fernandes
Vieira, o segundo a testemunhar em favor do habilitando, também homem de negócio,
confirmou a profissão do mesmo. Disse ainda que Manuel Gomes possuía “até oito mil
cruzados” e que sabia ler e escrever. Francisco de Lemos da Silveira, morador na vila de São
Pedro do Rio Grande e homem de negócio, disse conhecer o proponente há sete anos “pelo
ver e tratar muitas vezes”. Afirmou ser Manuel homem de negócio, “administrador do
contrato das passagens das tropas”, que teria “até dez mil cruzados” e que sabia ler e escrever.
Da mesma forma, Manuel de Araújo Menezes confirmou o que os anteriores já haviam feito.
Também homem de negócio, acrescentou que o candidato a familiar tratava-se “com limpeza
2790

por ter cabedais suficientes para isso”. Por fim, Francisco Lopes de Souza, que vivia de uma
loja de fazendas disse conhecer Manuel Gomes há nove anos e por “ver e tratar” sabia que ele
poderia “ter dez até doze mil cruzados”, tinha loja de fazendas e que “administra o contrato
das passagens das tropas”.
O processo de Antônio Dias Pereira Cubello contou também com cinco testemunhas.
José Ferreira Vieira, com a ocupação de Boticário, disse conhecer Antônio Cubello há cinco
anos “em razão de ser morador na mesma Praça”, que o candidato vivia “nela de seus
negócios e mercadorias, e ter ele testemunha muitas vezes falado com o habilitando”.
Segundo seu testemunho, Antônio Cubello teria trinta mil cruzados. O Sargento Mor
Cristóvão da Costa Freire, morador do Rio de Janeiro disse saber que o proponente vivia de
seu negócio e que o tinha nomeado Alferes do seu Regimento da Ordenança, era pessoa de
bom procedimento, além de possuir cabedal para poder se tratar. Já Antônio Barbosa da Silva,
homem de negócio, conhecia o habilitando por “ter tido negócios com ele, e tem de presente”.
Confirmou ser Antônio Cubello homem de negócio e que sabia ler e escrever. José Pinheiro
Soares, morador do Rio de Janeiro e que “vive de negócio de ir e vir para o Rio Grande”,
afirmou conhecer o proponente “em razão de haver ido desta terra para o Rio Grande em
companhia dele testemunha, e ter sempre trato com ele, e [...] é no mesmo Rio Grande seu
vizinho”. Disse que o habilitando “tem cabedal para se tratar, vive de negócio e sabe ler e
escrever”. Já Manuel Pestana Gracês, homem de negócio, disse conhecer Antônio Cubello por
ter trato e comunicação quando ele, Manuel, ia a Rio Grande. Afirmou que o proponente
“vive limpamente, com bom trato”, além de possuir cabedal suficiente para ser familiar.
No processo de Habilitação de Antônio Carvalho da Silva, as diligências conduzidas
pelo Comissário do Santo Ofício Inácio de Oliveira Vargas colheram os seguintes
testemunhos. Domingos Gonçalves Dias, homem de negócio, disse conhecer o habilitando de
dez para onze anos por ser morador na mesma Vila do Rio Grande e que Antônio teria cerca
de dez a doze mil cruzados de cabedais. João Jorge Peniche, Capitão de uma sumaca, disse
conhecer o habilitando há oito anos em razão de “ter com ele amizade e ter embarcado com
ele testemunha desta Cidade [Rio de Janeiro] para aquela Vila [Rio Grande]”. A testemunha
julga que, pelo negócio que tem, Antônio Silva teria quinze ou vinte mil cruzados. A terceira
testemunha é, o agora Familiar do Santo Ofício, Manuel de Araújo Gomes, já mencionado
acima. Ele afirmou conhecer Antônio Silva há quinze anos em razão de ter sido sócio de seu
primo. Disse também manter negócios com o habilitando e que julga que tenha dez mil
cruzados. Antônio de Azevedo Souza, homem de negócio afirmou conhecer o proponente a
familiar por ser morador na mesma Vila de Rio Grande. Testemunhou que teria “12 ou 14 mil
2791

cruzados, que vive de sua loja de fazenda seca, sabe ler e escrever”. Por fim, Pedro Gonçalves
Dias, morador do Rio de Janeiro onde vivia de seu negócio confirmou as informações
anteriormente citadas pelos demais.
Por fim, Serafim da Costa Santos, ao se candidatar ao posto de Familiar do Santo
Ofício, teve em seu processo as seguintes testemunhas. Ventura Pereira Maciel, ex-morador
do Continente de São Pedro e que no momento das diligências se encontrava no Rio de
Janeiro, atestou que Serafim era homem de negócio e que o motivo de saber é “de tratar com
ele desde que foi caixeiro de Manuel Bento da Rocha”. Disse desconhecer o cabedal que
possui, mas que tem fama de “ter com o que se tratar”. Antônio Gomes da Silva, homem de
negócio e que havia sido, segundo ele, vereador no Continente de São Pedro ou Viamão, disse
saber que Serafim é “homem de negócio nos quartéis de Rio Pardo”, e “que a razão que tem
do seu conhecimento é por tê-lo tratado e comunicado há dez anos a esta parte”. João Pereira
Pinto, também homem de negócio, confirmou a profissão do proponente e disse que o
conhece há oito anos, desde que Serafim era caixeiro do Capitão Manuel Bento da Rocha.
Julgou que tivesse dez mil cruzados e que sabia ler e escrever. Domingos de Souza Maia,
homem de negócio, afirmou conhecer Serafim ainda em Portugal, onde eram vizinhos antes
de chegarem ao Brasil. Disse que mantinha contato com ele todas as vezes que esteve no Rio
de Janeiro. José Roiz Ferreira, disse conhecer muito bem o candidato à familiar, que é homem
de negócio e que recebe carregações de fazendas além de manter negócios com ele.
A partir da leitura das informações obtidas pelas testemunhas é possível concluir que a
maioria delas possuía o mesmo ofício do candidato à familiar, ou seja, homem de negócio.
Além disso, todas elas mantinham ou mantiveram algum contato com o suplicante, em geral
voltado para trocas comerciais. É possível supor que, pelo fato dos habilitandos serem homens
de negócio, o Santo Ofício recrutava as suas testemunhas do mesmo ramo pra conseguir uma
das informações importantes para aprovar o pedido, os cabedais que aqueles possuíam. Por
outro lado, essas informações podem sugerir uma rede de relações entre os familiares do
Continente de São Pedro e aqueles outros homens de negócio que serviram para comprovar a
sua boa fama. É possível supor também que se, por um lado, aqueles que solicitavam a carta
de familiar estavam em busca de um prestígio social frente aos demais membros da sociedade,
por outro, as testemunhas poderiam de alguma forma almejar um reforço nessas relações com
os futuros familiares objetivando, quem sabe, algum benefício por manterem relações
comerciais com homens de negócio comprovadamente de sangue puro. Por outro lado, no
processo de Antônio Carvalho da Silva temos a presença do já familiar Manuel de Araújo
Gomes, que também mantém negócios com o primeiro. Isso pode sugerir, talvez, relações
2792

entre esses familiares, em busca de uma reafirmação local baseada no prestígio do estatuto de
sangue.
Como já foi dito, essa é uma primeira aproximação com os Processos de Habilitação
do santo Ofício e as primeiras considerações a serem tiradas desta primeira análise. Para
comprovar se realmente essas pessoas mantinham as suas relações após serem expedidas as
cartas de familiar é necessário um cruzamento de fontes em busca desses vínculos comerciais.
Logo, o objetivo deste texto foi apenas apontar essas questões e traçar caminhos de análise
para abordar os Familiares do Santo Ofício do Rio Grande de São Pedro.

BIBLIOGRAFIA

BERTRAND, Michel. De la Familia a la Red de Sociabilidad. In: Revista Mexicana de


Sociología. Cidade do México, n. 2, v. 61, pp. 107-135, abr.-jun. de 1999

CALAINHO, Daniela Buono. Em nome do Santo Ofício – Familiares da Inquisição


Portuguesa no Brasil Colonial. Dissertação (Mestrado em História)-UFRJ, Rio de Janeiro,
2006

COMISSOLI, Adriano. Os “homens bons” e a Câmara de Porto Alegre (1767-1808). Porto


Alegre: Ed. Ufrgs, 2008.

FEITLER, Bruno. Poder episcopal e ação inquisitorial no Brasil. In: VAINFAS, Ronaldo,
FEITLER, Bruno e LIMA, Lana L. G. (Orgs.). A Inquisição em Xeque: temas,
controvérsias e estudos de caso. Rio de Janeiro: Eduerj, 2006.

IMÍZCOZ, José. Actores, redes, processos: reflexiones para uma historia más global. Revista
da Faculdade de Letras-História. III Série, volume 5, Porto, 2004.

KÜHN, Fabio. Gente da fronteira: família, sociedade e poder no sul da América


portuguesa: século XVIII. Tese (Doutorado em História)-UFF, Niterói, 2006.

TORRES, José Veiga. Da repressão religiosa para a promoção social: a Inquisição como
instância legitimadora da promoção social da burguesia mercantil. In: Revista Crítica de
Ciências Sociais. Coimbra, n. 40, pp. 109-134, outubro de 1994.

FONTES

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Inquisição de Lisboa

Habilitações do Santo Ofício:

Antônio Carvalho da Silva (1763, Proc. 2396)

Antônio Dias Pereira Cubello (1755, Proc. 2152)


2793

Francisco Corrêa Pinto (1768, Proc. 1640)

Manuel de Araújo Gomes (1754, Proc. 1642)

Serafim da Costa Santos (1785, Proc. 5)

Você também pode gostar