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CURRÍCULO DO

TEXTOS DE APOIO
Marilza Regattieri e Jane Castro (orgs.)

Brasília
UNESCO
2018
Publicado em 2018 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 7, place de
Fontenoy, 75352 Paris 07 SP, França, e pela Representação da UNESCO no Brasil, em cooperação com o Ministéiro
da Educação no Brasil.
© UNESCO 2018

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Coordenação da pesquisa: Marilza Regattieri e Jane Castro
Coordenação técnica da Representação da UNESCO no Brasil:
Marlova Jovchelovitch Noleto, Representante a.i. e Diretora da Área Programática
Maria Rebeca Otero Gomes, Setor de Educação
Revisão técnica: Maria Rebeca Otero Gomes e Thais Guerra, Setor de Educação da UNESCO no Brasil
Revisões gramatical, ortográfica, bibliográfica e editorial: Unidade de Comunicação, Informação Pública e
Publicações da Representação da UNESCO no Brasil
Projeto gráfico e diagramação: Unidade de Comunicação, Informação Pública e Publicações da Representação da
UNESCO no Brasil

Currículo do ensino médio: textos de apoio / organizado por Marilza


Regattieri e Jane Castro. – Brasília : UNESCO, 2018.
142 p.

ISBN: 978-85-7652-224-9

1. Educação secundária superior 2. Educação profissional técnica de nível médio 3. Currículo


integrado 4. Currículo de ensino secundário superior 5. Currículo de educação profissional 6. Projeto
educacional 7. Política educacional 8. Brasil I. Regattieri, Marilza II. Castro, Jane III. UNESCO

CDD 370

Esclarecimento: a UNESCO mantém, no cerne de suas prioridades, a promoção da igualdade de gênero, em todas
suas atividades e ações. Devido à especificidade da língua portuguesa, adotam-se, nesta publicação, os termos no
gênero masculino, para facilitar a leitura, considerando muitas menções ao longo do texto. Assim, embora alguns
termos sejam grafados no masculino, eles referem-se igualmente ao gênero feminino.
SUMÁRIO

Prefácio.............................................................................................................................................. 7

Introdução.......................................................................................................................................... 9

Parte I

I. Justificativa e objetivos...........................................................................................................................................................................15
II. Protótipo, projeto pedagógico e plano de curso........................................................................................................................16
III. Princípios norteadores da proposta...............................................................................................................................................16
IV. Protótipo curricular de ensino médio (EM)..................................................................................................................................17
V. Protótipo curricular de ensino médio integrado (EMI) ...........................................................................................................25
VI. Condições para a implantação da proposta.............................................................................................................................30
VII. Conclusão................................................................................................................................................................................................31

Parte II

Ensino médio e educação profissional: desafios da integração


Bahij Amin Aure e Jarbas Novelino Barato.......................................................................................................................................33
Indicações teóricas para o desenho de currículos que
integrem o ensino médio à educação profissional
José Antonio Küller e Francisco de Moraes.......................................................................................................................................47
Repensando o currículo de ensino médio: uma ação
de formação de professores da rede pública do Ceará
Jane Margareth de Castro, Marilza Machado Gomes Regattieri e Antônia Maria Coelho Ribeiro..........................63
Jovens e professores: sujeitos do ensino médio em diálogo
Paulo Cesar Rodrigues Carrano.............................................................................................................................................................73
O projeto político-pedagógico na escola de ensino médio:
elementos para revisão à luz de um currículo de formação geral
orientado para o mundo do trabalho e para as demais práticas sociais
Mônica Waldhelm.......................................................................................................................................................................................81
Projetos interdisciplinares: estratégias de integração no currículo
de ensino médio orientado para o trabalho e demais práticas sociais
Mônica Waldhelm.......................................................................................................................................................................................91
Avaliação da aprendizagem: alguns aportes
Sandra M. Zákia Lian Sousa....................................................................................................................................................................99
Avaliação da aprendizagem: a busca de caminhos no
âmbito de projetos interdisciplinares
Sandra M. Zákia Lian Sousa..................................................................................................................................................................107
Gestão participativa: aprender pela e para a
participação nos processos de gestão escolar
Ana Tereza Melo Brandão......................................................................................................................................................................113
Interação escola-família: subsídios para práticas escolares
Patrícia Monteiro Lacerda e Cynthia Paes de Carvalho............................................................................................................123

Autores.......................................................................................................................................... 141
P R E FÁ C I O

O ensino médio é um nível educacional permeado por mudanças e definições importantes para a vida dos
jovens, com especificidades e desafios próprios. Por reconhecer a importância desse nível educacional e
sua demanda por formação, a Representação da UNESCO no Brasil vem realizando uma série de ações
para contribuir com o processo de melhoria da qualidade da educação ofertada nesse nível educacional.
Um dos eixos de ação se concentra em torno do desenvolvimento curricular do ensino médio. Nesse
âmbito, destaca-se o desenvolvimento dos “Protótipos curriculares de ensino médio e ensino médio
integrado: resumo executivo ”, lançado em 2011, cuja proposta de currículo é organizada em torno do
“Núcleo de preparação básica para o trabalho e demais práticas sociais”.1 Depois de obter resultados
muito satisfatórios com a aplicação dos pilotos dos “Protótipos curriculares de ensino médio e ensino
médio integrado: resumo executivo ”, apresentamos, agora, novas contribuições com essa coletânea de
textos direcionados a gestores e professores.
Em 2015, o Brasil assumiu, junto à comunidade internacional, o compromisso de “garantir que todas as
meninas e meninos completem uma educação primária e secundária gratuita, equitativa e de qualidade,
que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes” (Meta, 4.1),2 bem como de “assegurar
a igualdade de acesso para todas as mulheres e homens a uma educação técnica, profissional e superior
de qualidade, a preços acessíveis, inclusive a universidade” (Meta, 4.3).3
No plano interno, o Brasil já havia adotado, em 2014, o Plano Nacional de Educação (PNE) se
comprometendo a “universalizar o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos” (PNE,
Meta 3),4 além de “triplicar as matrículas da Educação Profissional Técnica de nível médio, assegurando a
qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público” (PNE, Meta 11).5
Todos esses compromissos acrescentam desafios e exigem mudanças de um nível educacional marcado
historicamente por problemas que vão além da evasão e incluem a questão do modelo curricular
ultrapassado, da formação profissional e da integração ao mercado de trabalho, além do preparo dos
cidadãos para o século XXI, do pensamento crítico, da habilidade para resolver problemas e da aquisição
de habilidades emocionais,6 ou seja, espera-se que a educação de nível médio auxilie os jovens a liberar
suas potencialidades.7

1 REGATTIERI, Marilza Machado Gomes; CASTRO, Jane Margareth. Currículo integrado para o ensino médio: das normas
à prática transformadora. UNESCO: Brasília, 2013; UNESCO, Protótipos curriculares de ensino médio e ensino médio
integrado: resumo executivo. UNESCO: Brasília, 2011. (Série Debates ED, 1). Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
images/0019/001922/192271por.pdf>.
2 UNESCO. Educação 2030: Declaração de Incheon e Marco de Ação. Brasília, 2016. p. 13. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
images/0024/002432/243278por.pdf>.
3 Idem, p. 15.
4 OBSERVATÓRIO DO PNE. Meta 3: ensino médio. Disponível em: <http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/3-ensino-
medio>.
5 OBSERVATÓRIO DO PNE. Meta 11: educação profissional. Disponível em: <http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/11-
educacao-profissional>.
6 UNESCO, Educação para a cidadania global: preparando os estudantes para o século XXI. Paris, 2014.
7 MAROPE, P. T. M.; CHAKROUN, B.; HOLMES, K. P. Liberar o potencial: transformar a educação e a formação técnica e profissional.
Brasília: UNESCO, 2015.

7
Atualmente, essa agenda está em destaque no debate educacional brasileiro, pois está em curso um
processo de reforma e de desenvolvimento de uma base curricular comum para o ensino médio. À
época da produção desse material de apoio, a referida reforma não estava em curso, mas acreditamos
que o conteúdo ora apresentado ecoa no debate atual onde se atualiza e justifica sua importância.
O sucesso de uma reforma curricular ou a inovação em materiais de aprendizagem são medidas que
dependem de professores motivados, empenhados e bem formados. Ensinar de maneira que incentive o
pensamento crítico e abraçar a complexidade não é tarefa simples8 – dificuldade que pode ser agravada
por fatores locais e conjunturais.
Esses textos de apoio serão, portanto, de grande interesse para a comunidade educacional, em particular,
para professores e gestores que trabalham mais diretamente com o ensino médio, no caminho para
a implementação dessa abordagem holística, ou seja, uma abordagem mais integral do ambiente
educacional e do aluno, o que implica em ações coletivas e colaborativas na e pela comunidade escolar,
a fim de desenvolver cidadãos mais sensíveis, que respeitem o outro e o meio ambiente, o que está
diretamente ligado aos objetivos do PNE e da Agenda Internacional da Educação 2030.

Marlova Jovchelovitch Noleto


Representante a.i. da UNESCO no Brasil

8 UNESCO. Global Education Monitoring Report. Paris, 2016. p. 107.

8
INTRODUÇÃO

A ideia de organizar uma coletânea de textos que contribuísse com gestores e professores
na reflexão e no desenvolvimento do currículo do ensino médio partiu de duas situações. A
primeira delas é a parceria da UNESCO com o Ministério da Educação (MEC) no fortalecimento
das políticas voltadas para o ensino médio e a outra da realização de um projeto de formação
em serviço de professores em parceria com a Secretaria da Educação do Ceará, com base no
“Protótipo curricular de ensino médio orientado para o mundo do trabalho e a prática social”,
elaborado pela UNESCO, em 2010.
A ideia de vincular a educação à prática social, como prescreve a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN), significa dar sentido à aprendizagem escolar do jovem.
Implica em uma intenção clara da escola em planejar situações nas quais os jovens tenham a
oportunidade de desenvolver suas potencialidades, bem como valores para que atuem como
sujeitos políticos ao ler, criticar e tomar decisões em prol de uma sociedade mais justa; implica
também em preparar o jovem para enfrentar os problemas da vida cotidiana e participar da
definição de rumos coletivos, na busca de perspectivas mais humanas para si mesmo e para
a sociedade em que vive, por meio da promoção do aperfeiçoamento dos valores humanos e
das relações interpessoais e comunitárias.
Com esse entendimento, os textos selecionados para compor esta coletânea têm os propósitos
de ampliar as possibilidades de gestores e professores de realizar um trabalho significativo,
que articule suas vivências e seus conhecimentos com discussões contemporâneas oriundas
de estudos e pesquisas; possibilitar a compreensão da importância da construção coletiva do
projeto político-pedagógico (PPP) da escola; e estimular a reflexão e respostas a indagações
como: que pessoas a escola quer formar? Quem são os jovens que frequentam a escola e quais
são suas expectativas? Como lidar com seus anseios? Como criar condições para que eles
sejam protagonistas de seu processo de aprendizagem? O que eu entendo quando a lei fala de
formação para o mundo do trabalho e para a vida em sociedade? O que significa um projeto
interdisciplinar e quais as condições para que isso ocorra de fato? Qual modelo de gestão e
de avaliação escolher tendo em vista determinada estratégia de ensino? Quais as expectativas
da sociedade? Quais competências cognitivas e interpessoais devem ser previstas? Os
conhecimentos selecionados consideram os diferentes contextos e culturas dos estudantes?
Nesse contexto, esta coletânea reúne textos produzidos em projetos desenvolvidos pela
Representação da UNESCO no Brasil em parceria com a Secretaria de Educação do Ceará –
como o Projeto Formação de Professores Tutores do Ensino Médio, o Projeto Assessoria Técnica
aos Professores do Ensino Médio e textos adaptados de publicações da UNESCO, elaborados
para serem utilizados em processos de formação de professores e gestores. Para esta obra,
foram reunidos 11 textos, descritos a seguir.
Em “Ensino médio e educação profissional: desafios da integração”, Bahij Amin Aur e
Jarbas Novelino Barato trazem elementos para colaborar com processos de implantação e

9
acompanhamento do ensino médio de formação geral e integrado à educação profissional. Na
primeira parte, são apresentadas e discutidas conclusões de estudo sobre iniciativas de ensino
médio integrado à educação profissional. Na segunda, apresenta-se a sistematização de um
debate sobre desafios do ensino médio, assim como sobre a situação da juventude brasileira e
suas relações com trabalho e educação.
“Indicações teóricas para o desenho de currículos que integrem o ensino médio à educação
profissional”, de José Antonio Küller e Francisco de Moraes, apresenta um levantamento das
principais referências teóricas que vêm fomentando o debate sobre o ensino médio e sobre a
integração do ensino médio com a educação profissional.
“Repensando o currículo de ensino médio: uma ação de formação de professores da rede
pública do Ceará”, de Jane Margareth de Castro, Marilza Machado Gomes Regattieri e Antônia
Maria Coelho Ribeiro, trata da sistematização do projeto de mesmo nome, cujo objetivo
foi ampliar o quadro de referências conceituais e metodológicas dos professores de forma
a contribuir para uma constante revisão crítica do projeto pedagógico da escola e, em
consequência, do currículo.
Em “Jovens e professores: sujeitos do ensino médio em diálogo”, Paulo Cesar Rodrigues
Carrano nos ajuda a compreender a importância de conhecer os jovens estudantes
para organizar um currículo que faça sentido para sujeitos de múltiplas necessidades e
potencialidades. Discute, ainda, se a seguinte questão não deveria ser uma pergunta-chave
para a reorganização curricular e a articulação de processos educativos social e culturalmente
produtivos no cotidiano escolar: quais estratégias poderiam despertar os sentidos para uma
presença culturalmente significativa dos jovens no espaço da escola?
Mônica Waldhelm assina dois textos. O PPP é o objeto do primeiro, “O projeto político-pedagógico
na escola de ensino médio: elementos para revisão à luz de um currículo de formação geral
orientado para o mundo do trabalho e para as demais práticas sociais”. Nele são exploradas
uma série de questões importantes na reconstrução do PPP da escola visando à implantação de
um currículo de ensino médio significativo para os estudantes. Em “Projetos interdisciplinares:
estratégias de integração no currículo de ensino médio orientado para o trabalho e demais
práticas sociais”, a autora defende a adoção de projetos interdisciplinares no currículo escolar
como forma de garantir a contextualização e a articulação do conhecimento e, com isso, dar
sentido ao currículo. É proposto um conjunto de estratégias e aspectos importantes para trabalhar
a interdisciplinaridade.
A avaliação da aprendizagem é tema de dois textos de Sandra M. Zákia Lian Sousa. Em
“Avaliação da aprendizagem: alguns aportes”, a autora mostra como as práticas de avaliação
da aprendizagem têm contribuído para a exclusão escolar. Com base nessa reflexão, discute
como a avaliação pode estar a serviço da aprendizagem de todos os alunos. O segundo texto,
“Avaliação da aprendizagem: a busca de caminhos no âmbito de projetos interdisciplinares”,
trata da avaliação como meio de favorecer a integração curricular. A autora propõe uma
ressignificação do papel da avaliação, bem como caminhos e instrumentos de avaliação que
estejam articulados a projetos interdisciplinares.
Em “Gestão participativa: aprender pela e para a participação nos processos de gestão escolar”,
Ana Tereza Melo Brandão problematiza práticas, métodos e técnicas de gestão escolar
comumente desenvolvidas no país no que se refere à gestão participativa e democrática.

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Discute-se uma experiência de gestão participativa e são apontados caminhos para a
construção de uma escola democrática.
“Interação escola-família: subsídios para práticas escolares”, de Patrícia Monteiro Lacerda
e Cynthia Paes de Carvalho, foi elaborado com base na seguinte questão geradora: como
construir uma relação entre escola e família que favoreça a aprendizagem das crianças e dos
adolescentes? Com base em pesquisa acadêmica articulada à identificação de tipos de interação
entre escolas e famílias – em curso no país –, são propostos elementos para a construção de
uma política de interação.
Seguindo a estratégia adotada pela UNESCO em ações de formação de educadores do ensino
médio, foram elaboradas questões para reflexão e discussão para cada texto da coletânea.
A proposta sugerida aqui é que essas questões façam parte do processo formativo dos
educadores escolares e sejam trabalhadas de diversas formas por docentes e gestores. Parte
desse processo formativo é o debate coletivo presencial durante as ações de formação e nas
atividades de reflexão individual. Outro momento relevante é a utilização do ambiente virtual
de aprendizagem (quando há esse tipo de possibilidade), de modo que os educadores tenham
tempo de ler e refletir antes dos encontros presenciais.
Assim, a leitura deste livro pode ser realizada da maneira considerada mais apropriada, e o leitor
pode optar por iniciar a leitura no capítulo que preferirem. O fundamental é estabelecer as
articulações entre os diferentes temas, com vistas a contribuir com o trabalho diário da escola
no enfrentamento dos vários desafios associados ao ensino médio. Acreditamos que os temas
aqui tratados abordam as mudanças que consideramos necessárias e urgentes nos sistemas
de ensino para preparar os jovens para desempenhar um papel construtivo como cidadãos no
mundo, de forma a contribuir para que esse nível de ensino cumpra, de fato, seu papel e sua
finalidade.
Com esta coletânea, esperamos cooperar com o sistema educacional e, em particular, com as
escolas de ensino médio na reflexão de uma educação significativa e pertinente, calcada no
direito de aprender e que tenha o aluno como centro do planejamento pedagógico da escola.

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Parte I
Protótipos curriculares de ensino
médio e ensino integrado:
resumo executivo*

* A Parte I consiste da obra "Protótipos curriculares de ensino médio e ensino médio integrado: resumo executivo"
(Série Debates ED, n. 1), publicada originalmente pela UNESCO em 2011 e disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
images/0019/001922/192271por.pdf>.

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14
© UNESCO
Protótipos curriculares de ensino
médio e ensino médio integrado:
resumo executivo

I. Justificativa e objetivos interesse nacional com os interesses do público


específico. Sabe-se que o ensino médio não
A proposição dos protótipos justifica-se por tem conseguido atingir plenamente qualquer
necessidades concretas da sociedade e da um desses objetivos. Além disso, os índices
juventude brasileiras. de repetição e evasão são altos. As notas nas
O ensino médio, como todo projeto avaliações nacionais e internacionais são baixas.
educacional, deve estar fundado em objetivos Face ao insucesso, se currículo for entendido
que são perseguidos pelo país: construir uma como o conjunto de todas as oportunidades de
sociedade livre, justa e solidária; promover aprendizagem propiciadas pela escola, então é
o desenvolvimento social e econômico; necessária uma mudança curricular.
erradicar a pobreza; reduzir as desigualdades Uma mudança nos objetivos legais, no entanto,
sociais e regionais; promover o bem de todos é desnecessária. Basta observar o disposto no
sem nenhum preconceito; defender a paz, parágrafo 2º do art. 1º da Lei de Diretrizes e Bases
a autodeterminação dos povos e os direitos da Educação Nacional (LDBEN): “A educação
humanos; repudiar a violência e o terrorismo; escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho
preservar o meio ambiente. e à prática social”. Também é preciso assumir
O ensino médio também precisa atender às como essenciais e buscar concretizar todas as
necessidades de seu público específico. Em finalidades do ensino médio, tais como vêm
“Ensino médio: múltiplas vozes”,1 pesquisa definidas no artigo 35º da Lei:
realizada pela UNESCO em parceria com o I. a consolidação e o aprofundamento
MEC, investigaram-se as percepções de alunos, dos conhecimentos adquiridos no
professores e corpo técnico-pedagógico das ensino fundamental, possibilitando o
escolas. Eles concordam que o ensino médio prosseguimento de estudos;
é momento de transição e complemento do
II. a preparação básica para o trabalho e a
ensino fundamental e que deve preparar o
cidadania do educando, para continuar
estudante para o ensino superior, para o mundo
aprendendo, de modo a ser capaz de se
do trabalho, para viver em comunidade, para
adaptar com flexibilidade a novas condições
ter um bom senso crítico e para enfrentar os
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
problemas do dia a dia.
III. o aprimoramento do educando como pessoa
A preparação simultânea do jovem para o
humana, incluindo a formação ética e o
mundo do trabalho e a prática social e para a
desenvolvimento da autonomia intelectual e
continuidade de estudos conjuga os objetivos de
do pensamento crítico;
1 ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G. (Coord.). Ensino médio: IV. a compreensão dos fundamentos científico-
múltiplas vozes. Brasília: UNESCO, MEC, 2003. Disponível em:
<http://unesdoc. unesco.org/images/0013/001302/130235por. -tecnológicos dos processos produtivos, rela-
pdf>. Acesso em: 30 jan 2011.

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cionando a teoria com a prática, no ensino de (áreas, disciplinas etc.) ou entre o ensino médio e
cada disciplina.2 a educação profissional.
Os grandes objetivos que podem ser destacados Os protótipos são referências curriculares e
na Lei são a compreensão do mundo físico e não currículos prontos. Por isso, exigem um
social; a preparação para o mundo do trabalho trabalho de crítica e complementação a ser
e o exercício da cidadania; o desenvolvimento feito pelos coletivos escolares. Para tanto, em
da autonomia na aprendizagem e a realização um primeiro movimento de aproximação,
do estudante como pessoa humana. Essas as escolas precisam conhecer o protótipo
intenções mais gerais podem ser transformadas adequado à modalidade de ensino médio que
em resultados de aprendizagem mais específicos pretendem implantar ou reformular.
como fazem os eixos cognitivos e a matriz de
Esse conhecimento deve ser complementado
competências e habilidades do novo Exame
pela identificação das linhas de convergência e
Nacional de Ensino Médio (Enem).
de distanciamento entre o projeto pedagógico
O protótipo curricular de ensino médio (EM) de da escola e o protótipo curricular. A análise da
formação geral atende todas as finalidades da adequação do protótipo às concepções do
LDBEN e, nos seus objetivos de aprendizagem, projeto pedagógico deve anteceder a uma
tem como referência o novo Enem. Objetivos tomada de decisão democrática sobre a validade
relacionados com a preparação para o mundo de seu uso.
do trabalho e a prática social estão postos no
Tomada a decisão de usar um determinado
centro do currículo como o principal foco de
protótipo como referência, o segundo
orientação da aprendizagem. A partir dessa
movimento é usá-lo na construção ou
base comum, o protótipo de EM proporciona
reformulação do currículo e na revisão do
variações que visam à formação do técnico de
projeto pedagógico da escola. O uso do
nível médio, de forma a atender à diversidade de
protótipo é indicado especialmente na discussão
interesses da juventude brasileira.
e na tomada de decisão sobre os princípios
norteadores do currículo e na definição da
II. Protótipo, projeto pedagógico organização, da estrutura e dos mecanismos de
e plano de curso integração curricular apresentados a seguir.

Os protótipos que são objetos desta


III. Princípios norteadores da proposta
apresentação devem ser compreendidos
como referências a serem usadas pela escola
Todos os protótipos curriculares resultantes
na definição do currículo do ensino médio
do projeto da UNESCO estão fundados na
ou para a elaboração do currículo (e do plano
perspectiva da formação integral do estudante.
de curso) do ensino médio integrado com a
Eles consideram que a continuidade de
educação profissional. Eles pretendem ajudar
estudos e a preparação para vida, o exercício da
as escolas na definição, na organização e no
cidadania e o trabalho são demandas dos jovens
funcionamento de uma estrutura curricular
e finalidades do ensino médio.
integrada. Facilitam a discussão das escolas na
definição de mecanismos de integração entre O trabalho, na sua acepção ontológica,
os componentes curriculares do ensino médio entendido como forma do ser humano produzir
sua realidade e transformá-la, como forma de
2 BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece construção e realização do próprio homem,
as diretrizes e bases da educação nacional. Coletânea de
leis. Brasília: Presidência da República Casa Civil, Subchefia será tomado, nos protótipos, como princípio
para Assuntos Jurídicos, 1996. Disponível em: <http://www. educativo originário. Ele articula e integra os
planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L9394.htm>.

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componentes curriculares de ensino médio, organização social, exercendo sua autonomia e
seja o de formação geral, seja o integrado com a aprendendo a ser autônomo, ao formular e ensaiar
educação profissional. Isso quer dizer que toda a a concretização de projetos de vida e de sociedade.
aprendizagem terá origem ou fundamento em
Os protótipos têm, como perspectiva comum,
atividades desenvolvidas pelos estudantes que
reduzir a distância entre as atividades escolares,
objetivam, em última instância, uma intervenção
o trabalho e demais práticas sociais. Têm
transformadora em sua realidade. O currículo
também uma base unitária sobre as quais se
será centrado no planejamento (concepção) e na
assentam diversas possibilidades: no trabalho,
efetivação (execução) de propostas de trabalho
como preparação geral ou formação para
individual ou coletivo que cada estudante usará
profissões técnicas; na ciência e na tecnologia,
para produzir e transformar sua realidade e, ao
como iniciação científica e tecnológica; na
mesmo tempo, desenvolver-se como ser humano.
cultura, como ampliação da formação cultural.
Associada ao trabalho, a pesquisa será
instrumento de articulação entre o saber
IV. Protótipo curricular

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


acumulado pela humanidade e as propostas
de ensino médio (EM)
de trabalho que estarão no centro do currículo.
Como forma de produzir conhecimento e como Um currículo é sempre organizado em função
crítica da realidade, a pesquisa apoiar-se-á da perspectiva educacional que de fato o
nas áreas de conhecimento ou nas disciplinas anima. A forma hoje dominante de organizar
escolares para o desenho da metodologia e dos o currículo, dividido em disciplinas estanques,
instrumentos de investigação, para a identificação é adequada à perspectiva de transmissão
das variáveis de estudo e para a interpretação dos verbal de conhecimentos (informações/
resultados. A análise dos resultados da pesquisa, dados) desconexos e descontextualizados.
também apoiada pelas áreas ou pelas disciplinas, Contrapondo-se a isso, é proposta uma nova
apontará as atividades de transformação estrutura e organização curricular e uma nova
(trabalho) que são necessárias e possíveis de forma de alocação do tempo escolar. Elas
serem concretizadas pela comunidade escolar. substituem as velhas grades curriculares e o
Tomando o trabalho e a pesquisa como princípios horário-padrão, sempre baseados em uma
educativos, os protótipos unem a orientação divisão em aulas de diferentes disciplinas que se
para o trabalho com a educação por meio do sucedem a cada 50 minutos.
trabalho. Propõe-se, assim, uma escola de ensino Considerando e aproveitando todas as formas
médio que atue como uma comunidade de já previstas nas atuais Diretrizes Curriculares
aprendizagem. Nela, os jovens desenvolverão Nacionais, especialmente a organização
uma cultura para o trabalho e demais práticas curricular por áreas de conhecimento e as
sociais por meio do protagonismo3 em atividades orientações referentes a interdisciplinaridade,
transformadoras. Explorarão interesses vocacionais transdisciplinaridade e contextualização,
ou opções profissionais, perspectivas de vida e de o protótipo de EM propõe mecanismos
operacionais que atuam de modo sinérgico
3 A palavra protagonista vem do grego Protagonistés. O
principal lutador. Na definição de Antonio Carlos Gomes da na integração dos diferentes componentes
Costa, “protagonismo juvenil é a participação do adolescente do currículo: núcleo articulador; áreas de
em atividades que extrapolam os âmbitos de seus interesses
individuais e familiares e que podem ter como espaço a escola, os conhecimento; dimensões articuladoras
diversos âmbitos da vida comunitária; igrejas, clubes, associações (trabalho, cultura, ciência e tecnologia); forma
e até mesmo a sociedade em sentido mais amplo, através de
campanhas, movimentos e outras formas de mobilização que específica de estruturar e organizar o currículo;
transcendem os limites de seu entorno sociocomunitário”. metodologia de ensino e aprendizagem; e
COSTA, A. C. G. Protagonismo juvenil: adolescência, educação e
participação democrática. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 1996. avaliação dos resultados de aprendizagem.

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IV.1 Núcleo de preparação básica para o os professores de todas as disciplinas ou áreas
trabalho e demais práticas sociais de conhecimento e por todos os estudantes de
ensino médio de uma determinada série.
O protótipo para o ensino médio (EM) de
formação geral propõe que o currículo seja O Núcleo será desenvolvido por meio de projetos
organizado e integrado por meio de um que envolvem a participação ativa de todos,
Núcleo de Preparação Básica para o Trabalho e reunidos em uma comunidade de trabalho. Deve
demais Práticas Sociais. O Núcleo é a principal possibilitar uma ampliação gradativa do espaço e
estratégia de integração curricular e “é um da complexidade das alternativas de diagnóstico
componente curricular que constitui um (pesquisa) e de intervenções transformadoras
objeto novo”4 ou “um objeto comum”5 a todas (trabalho). Para tanto, propõe um contexto de
as áreas de conhecimento. Ele é diretamente pesquisa e intervenção e um projeto articulador
responsável pelos objetivos de aprendizagem para cada ano letivo do ensino médio.
relacionados com a preparação básica para
O projeto do primeiro ano – Escola e Moradia como
o trabalho. Tal preparação é entendida como
Ambientes de Aprendizagem – prevê o engaja-
o desenvolvimento de conhecimentos,
mento do jovem na transformação da sua escola
atitudes, valores e capacidades necessários a
em uma comunidade de aprendizagem cada vez
todo tipo de trabalho: elaboração de planos
mais efetiva e da sua moradia em um ambiente
e projetos; trabalho em equipe; escolha e uso
de aprendizagem cada vez mais favorável. A
de alternativas de divisão e organização do
escola é a unidade social e o ambiente de trabalho
trabalho que sejam eficazes e adequadas ao
mais conhecido, próximo e comum a todos os
desenvolvimento humano; capacidade de
estudantes. É um bom ponto de partida para a
analisar e melhorar processos sociais, naturais ou
experimentação e o exercício dos processos de
produtivos, como exemplos.
investigação (pesquisa) e de atividades individuais e
Além da preparação básica para o trabalho, o coletivas de transformação (trabalho) que exigirão
Núcleo será também diretamente responsável o protagonismo dos jovens e dos professores
pelos objetivos de aprendizagem relacionados na construção e no desenvolvimento de uma
com a preparação para outras práticas sociais: comunidade de aprendizagem. A moradia dos
convivência familiar responsável; participação estudantes é outra referência muito próxima e
política; ações de desenvolvimento cultural, importante para a ampliação das alternativas de
social e econômico da comunidade; proteção investigação e a transformação em um efetivo
e recuperação ambiental; práticas e eventos ambiente de aprendizagem.
esportivos; preservação do patrimônio cultural e
O projeto do segundo ano – Projeto de Ação
artístico; produções artísticas; e outras.
Comunitária – tem como contexto a comunidade
O Núcleo ocupará, pelo menos, 25% das horas que circunda a escola ou um território delimitado a
do tempo previsto para todo o currículo. No caso partir dela. A comunidade será considerada como
de um currículo de ensino médio, com duração um espaço de aprendizagem e protagonismo.
mínima de 800 horas/ano, 2.400 horas no total O espaço a ser delimitado para efeito de
e três anos letivos, o Núcleo terá a duração total diagnóstico e intervenção é aquele passível de
mínima de 600 horas (200 horas/ano) e será o ser compreendido pela ação transformadora dos
principal responsável por garantir que o trabalho jovens. As atividades propostas por intermédio
e a pesquisa se constituam em princípios do diagnóstico criarão o movimento de
educativos efetivos. Ele será operado por todos transformação, que será tão mais abrangente
quanto mais articulado com outros movimentos
4 BARTHES, R. O Rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.
5 MACHADO, N. J. Educação: projeto e valores. São Paulo: do trabalho e das práticas sociais que se cruzam no
Escrituras Editora, 2004.

18
espaço delimitado. Tal movimento contextualiza e como um todo. As finalidades do ensino médio
dará sentido às aprendizagens previstas no Núcleo estabelecidas pela LDB são o ponto de partida
e nas áreas de conhecimento. para a definição dos objetivos de aprendizagem
das áreas. Os objetivos de aprendizagem do
O projeto do terceiro ano – Projeto de Vida e
Núcleo, tanto os relacionados à preparação básica
Sociedade – amplia a abrangência do contexto
para o trabalho, quanto os relacionados às outras
de pesquisa e transformação no espaço (mundo)
práticas sociais, são uma das referências para a
e no tempo (história). É complementado
definição dos objetivos das áreas. O protótipo é
com o autoconhecimento e encerra-se com
assim integrado por meio de seus objetivos de
a elaboração de uma previsão de trajetória
aprendizagem. Outra referência para a definição
individual e de uma proposta de transformação
dos objetivos foi a matriz de competências
social. Os aspectos mais relevantes dessas
e habilidades do novo Enem, assegurando a
escolhas envolvem carreira profissional,
perspectiva de continuidade de estudos.
encaminhamentos de vida e perspectivas de
engajamento em ações de desenvolvimento O protótipo propõe uma organização diferente

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


social. Os horizontes a considerar são de curto, para cada área. A área de Ciências Humanas
médio ou longo prazo. distribui seus objetivos por focos temáticos
(trabalho, tempo, espaço, ética etc.) que fazem
O protótipo sugere organizar os diagnósticos
a integração de todas as disciplinas da área. A
(pesquisa) e as atividades de transformação
área de Matemática define seus objetivos como
por meio da própria escola e da moradia dos
especificações dos objetivos de preparação
estudantes, ampliando o contexto da ação para a
básica para o trabalho e outras práticas sociais.
comunidade e para o mundo. Isto objetiva graduar
A área de Linguagens não faz qualquer divisão
a complexidade da intervenção, mas não significa
por disciplinas de seus objetivos, mas neles se
que os conteúdos necessários à compreensão e à
reconhece sua origem disciplinar. Finalmente,
intervenção, em cada realidade, tenham de ficar
a área de Ciências da Natureza define objetivos
restritos a cada contexto considerado.
gerais para a área e objetivos específicos para
cada uma de suas disciplinas constituintes:
IV.2 As áreas de conhecimento Física, Química e Biologia. As distintas formas
são exemplos de organização das áreas que
Além do Núcleo de preparação básica para o trabalho
podem ser adotadas no desenho curricular de
e demais práticas sociais, o protótipo de ensino
cada escola.
médio prevê, como outros grandes componentes
curriculares, quatro áreas de conhecimento: Os objetivos de aprendizagem das áreas e os
(I) Linguagens, códigos e suas tecnologias; (II) projetos desenvolvidos no Núcleo serão as
Matemática e suas tecnologias; (III) Ciências da referências para a definição das atividades de
Natureza e suas tecnologias; (IV) Ciências Humanas aprendizagem a serem propostas pelas áreas.
e suas tecnologias.6 As áreas podem ou não ser Dos objetivos das áreas derivam as questões,
divididas em disciplinas, mas incluem sempre todos problemas ou variáveis para o diagnóstico
os conteúdos curriculares previstos em lei. a ser realizado no Núcleo. Além desses
mecanismos de articulação, a operação do
Em todas as áreas, a integração dos conteúdos ou
Núcleo pelos professores das áreas induzirá
das disciplinas ocorre por meio da definição de
a maior integração entre projetos do Núcleo
objetivos de aprendizagem comuns para a área
e atividades de aprendizagem das áreas. O
6 A inclusão da Matemática como área de conhecimento envolvimento dos estudantes com os projetos
procurou seguir uma tendência normativa indicada pela do Núcleo certamente também os levará
matriz de competências do novo Enem e pelo Ensino Médio
Inovador (Parecer CNE/CEB nº 11/2009).
a ampliar demandas por orientação e por

19
conhecimentos das áreas, que os subsidiarão também será considerado em sua acepção
para melhor eficácia de suas atividades de econômica, nas formas que assume nos distintos
diagnóstico ou de transformação. modos de produção. Abrange, então, o estudo
da evolução histórica das formas de relação do
Esse movimento de dupla mão será o principal
homem com a natureza e das atuais alternativas
fator de integração do conjunto das atividades
de organização, divisão, relações, condições e
de aprendizagem, evitando os efeitos negativos
oportunidades de trabalho. Assim entendido, o
da fragmentação disciplinar do currículo,
trabalho orientará uma das vertentes do estudo,
sem perder a contribuição educativa do
da pesquisa ou das propostas de transformação
conhecimento especializado.
na escola, na moradia dos estudantes, na
comunidade e na sociedade em geral.
IV. 3 As dimensões articuladoras: trabalho, Como dimensão articuladora, a cultura será
cultura, ciência e tecnologia (TCCT) entendida como a articulação entre o processo
As dimensões do trabalho, da cultura, da ciência de socialização e o conjunto de representações,
e da tecnologia são assumidas como categorias alterações da natureza e comportamentos
articuladoras das atividades de diagnóstico humanos, constituindo a forma de ser e viver
(pesquisa) e das atividades de transformação de uma população. A ciência será considerada
(trabalho). No diagnóstico, elas serão as como o conjunto deliberadamente produzido
categorias que organizarão questões, problemas e sistematizado do conhecimento, também
ou variáveis de investigação que se originam obra de um fazer humano. A tecnologia será
dos objetivos das áreas e têm como contexto vista como uma mediação entre a ciência (ou
o projeto anual do Núcleo. Nas atividades conhecimento) e a produção de bens e serviços.
de transformação, darão origem a grupos de Nos projetos do Núcleo, as dimensões
trabalho que serão responsáveis por elas dentro do trabalho, da cultura, da ciência e da
dos projetos do Núcleo. tecnologia são sempre consideradas. Na
Em sua acepção ontológica, o trabalho é presente proposta, questões, problemas ou
princípio educativo fundamental e estará variáveis de investigação surgem das áreas
presente em todas as dimensões articuladoras. de conhecimento, que segmentam o real e o
Especificamente como dimensão articuladora, saber já construído sobre ele. Estas questões
são integradas e sistematizadas, tendo como
referência as quatro dimensões. Dividida entre

Ciências
Humanas

Núcleo
Ciências da
Natureza
Pesquisa
Linguagens Projetos
Trabalho
Primeiro ano Segundo ano Terceiro ano

Escola e Ação Vida e


Moradia como Comunitária Sociedade
Ambientes de
Aprendizagem

Matemática

20
as dimensões, a investigação dará origem Revisão anual do currículo e do projeto
às ações transformadoras desenvolvidas no pedagógico: anualmente, em período anterior
Núcleo. As ações transformadoras vão requerer a ao início das aulas, haverá reunião para a
contribuição das áreas para serem desenvolvidas sistematização dos dados de avaliação do
e para a posterior reflexão sobre seus resultados. ano anterior e revisão da proposta curricular
Assim, o olhar e o atuar mais especializados das e do projeto pedagógico da escola. Esta será
áreas serão integrados pelos projetos e pelas uma tarefa da equipe escolar. Esta revisão dará
dimensões do trabalho, da cultura, da ciência e origem ao planejamento das áreas, ao calendário
da tecnologia. A ilustração a seguir resume os e ao horário escolar de cada série.
mecanismos de integração abordados até aqui.
Semana de integração: envolve a recepção
dos estudantes e das suas famílias; a
apresentação e a discussão da proposta
IV.4 Estrutura e organização do currículo
curricular; o estabelecimento de um pacto de
O quadro a seguir sintetiza uma possível coparticipação entre professores, estudantes e
estrutura curricular resultante da junção dos

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


seus responsáveis; a definição de regras gerais
três primeiros mecanismos de integração: o de convivência e de contrato de aprendizagem
Núcleo, as áreas e as dimensões articuladoras. por classe e turno.
A duração total do curso e sua divisão pelos
Semanas de diagnóstico (pesquisa): o
componentes curriculares são meramente
diagnóstico poderá ser feito em um número
exemplificativas e ilustrativas.
de semanas definido no calendário escolar.
O protótipo sugere uma forma de operação do Este número poderá variar segundo o projeto
currículo. Ela envolve as ações abaixo:

Primeiro ano Segundo ano Terceiro ano


PROJETOS
Escola e Ação Vida e Duração
Moradia como Comunitária Sociedade total
Ambientes de
Aprendizagem
Componentes
curriculares

DIMENSÕES ARTICULADORAS
TRABALHO - CIÊNCIA - CULTURA - TECNOLOGIA

Núcleo de educação
200 200 200 600
para o trabalho e
horas horas horas horas
demais práticas sociais

Áreas de
conhecimento:
Linguagens
Matemática 600 600 600 1.800
Ciências Humanas horas horas horas horas
Ciências da
Natureza

800 800 800 2.400


Duração total
horas horas horas horas

21
previsto para o ano. O diagnóstico (pesquisa/ curriculares, poderá ampliar a carga horária de
estudo) será a primeira etapa do projeto anual trabalho no grupo escolhido (trabalho, cultura,
e deve ser feito sobre o contexto (escola, comu- ciência ou tecnologia) ou participar de outros
nidade, sociedade) previsto para o ano. Ele deve grupos, compondo um currículo individual variável,
ser iniciado nas áreas e realizado no Núcleo. superior à duração mínima estabelecida pela escola.
Semana de planejamento das atividades de Essa possibilidade favorece também os estudantes
intervenção: as atividades de intervenção do período noturno, especialmente os que não
(trabalho) serão previstas, tendo como referência trabalham ou trabalham em tempo parcial.
o diagnóstico e os objetivos de aprendizagem Atividades de monitoria: para promover
definidos para o Núcleo. Esta será uma atividade atividades de nivelamento e de recuperação de
conjunta de professores e estudantes. Para os estudos, um processo de monitoria pode reunir
estudantes, esta é uma forma de superação, os fazeres tradicionalmente escolares do Núcleo.
dentro da vivência escolar, da divisão entre A monitoria poderá ser exercida pelos próprios
a concepção e a execução do trabalho. No estudantes do ensino médio ou por estagiários
planejamento, as atividades de intervenção de cursos de licenciatura, ajudando a formação
serão divididas pelas dimensões articuladoras do de novos professores. Quando realizada pelos
trabalho, da cultura, da ciência e da tecnologia. próprios estudantes, a monitoria será exercida
Execução do projeto do Núcleo e das no contraturno e poderá ser considerada como
atividades de aprendizagem das áreas: ao atividade curricular e constituir o currículo
planejamento, sucede a execução das atividades variável antes referido.
de intervenção previstas para o Núcleo e das
atividades de aprendizagem previstas para as
IV.5 Metodologia de ensino e aprendizagem
áreas de conhecimento. Na execução, os alunos
de um determinado ano do ensino médio serão Geralmente, as diferentes propostas de integração
divididos em grupos de trabalho, segundo as curricular – interdisciplinaridade, contextualização,
dimensões articuladoras do trabalho, da cultura, transversalidade ou outras – estão imbricadas
da ciência e da tecnologia, possibilitando com alternativas metodológicas centradas na
variações curriculares que atendam aos aprendizagem e na ação do estudante, mas
interesses específicos dos estudantes. distintas da forma didática predominante no
ensino brasileiro: a exposição magistral. Existe
Semana de apresentação dos resultados dos
uma íntima afinidade entre a divisão disciplinar
projetos: a semana pode assumir a forma de uma
do currículo, a fragmentação curricular e as “aulas”,
feira de trabalho, cultura, ciência e tecnologia.
estas quase sempre são entendidas como um
Nela, os resultados das atividades de diagnóstico
processo de transmissão (predominante oral)
e intervenção (relacionadas às quatro dimensões)
de conteúdos curriculares do professor para o
devem ser integrados. A mostra pode reunir os
estudante, do qual se espera um comportamento
estudantes dos três anos do ensino médio para a
de ouvinte atento e disciplinado. A necessidade de
exibição dos resultados dos três projetos anuais,
superar esta postura metodológica está presente
eventualmente reunidos e integrados pelas
em todas as normas recentes.
dimensões articuladoras (trabalho, cultura, ciência
e tecnologia). Isso possibilitaria, desde o primeiro Em consonância com as normas, os protótipos
ano, uma aproximação sintética entre o todo partem de uma opção metodológica fundamental.
(sociedade) e as partes (escola e comunidade). São valorizadas as formas didáticas que privilegiam
a atividade do estudante no desenvolvimento
Currículo variável: cada estudante, em dia ou
de suas capacidades e na construção do seu
período distinto do previsto para as atividades
conhecimento. Os projetos e as atividades de

22
investigação, de intervenção ou de aprendizagem, açãoreflexãoação é fundamental na
com ampla participação ou protagonismo preparação para o mundo do trabalho e a
dos estudantes, são destacados como formas prática social. A atividade de aprendizagem
metodológicas fundamentais para atingir os deve permitir o ensaio, a reflexão constante
objetivos curriculares previstos. Em contraposição, sobre a ação e a experimentação repetida.
a metodologia centrada na exposição do professor
Assumida essa opção metodológica, a convencional
e na transmissão de conteúdos ou conhecimentos
relação de conteúdos que constituem os currículos
acabados e descontextualizados é colocada em
tradicionais será substituída pela definição de
um segundo plano.
atividades de aprendizagem que os requeiram,
Essa opção metodológica parte de uma tanto no Núcleo quanto nas áreas. No Núcleo, as
constatação fundamental: não é possível atividades de investigação e transformação estão
a preparação para a atuação no mundo ainda referenciadas às dimensões articuladoras.
do trabalho e para a prática social sem o O quadro a seguir é um excerto dos exemplos de
envolvimento e a atuação do educando atividades de pesquisa e transformação propostas

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


em atividades de pesquisa, intervenção ou para o Núcleo. Exemplifica a possibilidade de
aprendizagem que requeiram as capacidades construção de um currículo integrado e em rede
e os conhecimentos necessários para que tem como centro a atividade e o protagonismo
tal atuação. A sequência metodológica do estudante.

Primeiro ano Segundo ano Terceiro ano


PROJETOS Escola e Moradia Ação Comunitária Vida e Sociedade
como Ambientes
de Aprendizagem
Dimensões
Exemplos de atividades de pesquisa e
articuladoras
transformação propostas para o Núcleo

Levantar a ocupação dos Levantar as características Fazer a análise comparada


familiares e dos estudantes e e formas de organização, de formas de organização,
Trabalho caracterizar a divisão e relações e condições de relações e condições de
organização do trabalho trabalho exixtentes na trabalho em diferentes
que vivenciam. comunidade. países.

Desenvolver atividades Criar ou participar


de manutenção e Realizar uma feira de artes e em programas de arte
Cultura preservação do patrimônio de manifestações culturais e cultura em
público (escola) e e esportivas da comunidade. comunidades virtuais
individual (residências). nacionais e internacionais.

Desenvolver programa Criar ou participar


de prevenção do uso Desenvolver atividades de em programas ou
Ciência de drogas e de prevenção ambiental na comunidades virtuais de
DST/AIDS (escola e comunidade. iniciação científica.
famílias).

Criar um blog e uma Criar programas juvenis


Promover o aumento
Tecnologia comunidade de de desenvolvimento
da eficiência energética
aprendizagem local. tecnológico ou
(escola e residências).
participar deles.

Na dimensão trabalho, foram listadas apenas atividades de pesquisa e intervenção, ajustadas


atividades de investigação e, nas demais aos objetivos do Núcleo.
dimensões, atividades de intervenção/
O quadro a seguir apresenta excerto dos
transformação. O protótipo fornece exemplos
exemplos de objetivos e atividades de
nos dois campos apenas como forma de
aprendizagem propostos pelas áreas.
estimular as escolas a criarem suas próprias

23
Projetos Primeiro ano
Segundo ano Terceiro ano
Escola e Moradia
Ação Vida e
como Ambientes de
Objetivos de Aprendizagem
Comunitária Sociedade
aprendizagem
Exemplos de atividades propostas para as áreas

Objetivo 24 de Linguagem – Escreva uma crônica sobre Escreva uma crônica sobre sua Escolha um editorial jornalístico
Identificar os elementos que um dia na sua escola, optando cidade, organizando a e resuma em poucas palavras
concorrem para a progressão por uma progressão temática progressão temática com cada um dos estágios da
temática e para a organização organizada com base no base nos diferentes espaços: progressão das ideias. Transcreva
e estruturação de textos de tempo: chegada, as primeiras as escolas, as ruas do as palavras ou expressões que
diferentes gêneros e tipos. aulas, o lanche, a última aula, comércio, locais de lazer, funcionam como marcas
saída... igrejas, bares, etc. desse desenvolvimento.

Dispondo do dinheiro para Levantar as taxas de juro de


Objetivo 12.1 de Matemática – cheque especial praticadas pelos Fazer um levantamento dos
comprar a vista, verificar se é
Avaliar e fazer previsões em bancos da região e elaborar diversos tipos de financiamento
mais vantajoso comprar a prazo
situações práticas que utilizam um painel contendo, para cada de casas oferecidos pela rede
(e em quantas prestações) e
Matemática Financeira. banco, o valor de uma dívida bancária e avaliar qual é o
aplicar o dinheiro em algum
de R$1.000,00 após um ano. mais vantajoso.
tipo de aplicação.

Objetivo 4.9 de Ciências da Desenvolver hipóteses e


Natureza – Interpretar modelos Desafiar grupos de colegas a Estudar modelos de reprodução
modelos elementares que
e experimentos para explicar apresentar modelo elementar de microorganismos associados
procurem explicar a difusão
fenômenos ou processos em de difusão no espaço e no à rapidez com que se podem
no espaço e no tempo de um
qualquer nível de organização tempo de um surto de gripe propagar viroses e infecções
surto de gripe num bairro e
dos sistemas biológicos. numa escola. bacterianas.
numa cidade.

Objetivo 30 de Ciências Humanas – Elaborar painéis com Elaborar painéis com informações Produzir mapas temáticos,
Identificar as principais causas, informações sobre a origem sobre a origem geográfica dos registrando causas, características
características e resultados dos geográfica dos integrantes da moradores da comunidade onde e resultados dos principais fluxos
movimentos de migração e escola, registrando dados está inserida a escola, registrando populacionais no Brasil e no
imigração responsáveis pelos sobre as principais dados sobre as principais mundo, a partir do século XVI,
processos de ocupação territorial. características e ocorrências influências recebidas e exercidas responsáveis pelo processo de
de sua integração cultural. em sua integração cultural. ocupação de nosso território.

IV.6 A avaliação como mecanismo interna pode também exercer um papel


de integração curricular fundamental na integração curricular. Isso
acontece quando ela é realizada em função de
A avaliação educacional sugerida nos protótipos
objetivos de aprendizagem compartilhados
combina processos internos, contínuos e articulados
e utiliza instrumentos, procedimentos e
com o projeto pedagógico de cada escola, com
critérios comuns a todos os professores que
processos externos que envolvem parâmetros mais
exijam destes o consenso nas decisões de
amplos e indicadores nacionais ou internacionais e é
atribuições de valor (nota) ou de progressão
coadjuvante na integração curricular.
(passar de ano). Uma avaliação integrada
Algumas avaliações externas já buscam incentivar permite constatar as diferenças de critérios de
a integração curricular. Exemplo dessa busca avaliação, obriga diálogo sobre o desempenho
pode ser visto na matriz de referência para o individual e coletivo dos estudantes e aponta
novo Enem, em que, de um pequeno conjunto para necessidades de aperfeiçoamento
de eixos cognitivos comuns a todas as áreas de dos mecanismos de integração e dos
conhecimento deriva uma série de competências procedimentos de avaliação.
e de habilidades específicas de cada área. No
Como atores fundamentais do processo de
Enem, a avaliação externa busca reforçar e
integração curricular, os estudantes precisam
assegurar a integração curricular prevista nas
participar, desde o início das atividades escolares,
Diretrizes Curriculares do Ensino Médio. O uso
da elaboração de um projeto comum de avaliação.
do Enem, como referência para a definição dos
Por meio de critérios e indicadores negociados
objetivos de aprendizagem dos protótipos,
desde o início das atividades escolares, com base
procurou aproveitar este efeito de integração.
nos objetivos acordados, a autoavaliação da
Experiências recentes de ensino médio aprendizagem deve ser também adotada como
integrado7 têm mostrado que a avaliação prática avaliativa emancipadora, combinada com
7 O projeto da UNESCO incluiu um levantamento de avaliação pelos colegas e pelos docentes. Além
experiências nacionais e internacionais de integração curricular.

24
de apoiar a integração curricular, esta combinação único, com proposta curricular única e com
planejada de autoavaliação com avaliação pelos matrícula única”.
colegas e pelos docentes amplia o potencial de
Com essa perspectiva, o estudo da UNESCO
desenvolvimento da autonomia dos estudantes,
produziu também um protótipo de currículo
um dos objetivos fundamentais da educação em
de EMI à educação profissional. O protótipo
geral e do ensino médio em especial.
de EMI utiliza como exemplo a habilitação de
A avaliação da aprendizagem dos e pelos técnico em Agroecologia. Simula uma duração
estudantes, a avaliação das atividades de de 3.200 horas, com quatro anos letivos e
ensino, a avaliação da realização do projeto 800 horas anuais, atendendo aos requisitos
pedagógico e a participação estudantil na mínimos definidos pelas normas específicas.
avaliação serão umbilicalmente integradas, Por meio destas opções, as escolas ou os
para que se reforcem mutuamente num sistemas de ensino podem fazer adaptações,
círculo virtuoso de aprender e ensinar, na adotando durações alternativas.
construção de uma comunidade efetiva de
Esse protótipo mantém os mesmos objetivos

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


trabalho e aprendizagem. Uma avaliação deste
relacionados à formação integral dos estudantes,
tipo, acompanhando o Núcleo integrador
garantindo o cumprimento do estabelecido
e influindo decisivamente na avaliação das
pela legislação. Porém, eles são ampliados,
áreas e das disciplinas que as podem compor,
na medida em que a educação profissional
será a alavanca na indução e na fixação das
também contribui no desenvolvimento global
estratégias de integração curricular, além de
do ser humano. Como no protótipo de EM, o
viabilizar o constante aperfeiçoamento do
protótipo de EMI toma o trabalho e a pesquisa
projeto pedagógico da escola e da qualidade
como princípios educativos. Propõe os mesmos
educacional do ensino médio realizado.
mecanismos de integração: o núcleo articulador;
as áreas de conhecimento; as dimensões
V. Protótipo curricular de ensino articuladoras; a estruturação e a organização do
médio integrado (EMI) currículo; a metodologia; e a avaliação. Assim
como os objetivos de aprendizagem, alguns
Por lei, a educação profissional técnica de nível destes mecanismos de integração são ampliados
médio (educação profissional stricto sensu) é e ganham variações, especialmente no Núcleo.
uma alternativa a ser oferecida somente se for
acompanhada da formação geral do educando
ou posterior a ela. Dentre as formas de oferta V.1 Núcleo de preparação para o
da educação profissional técnica, a forma trabalho e demais práticas sociais
integrada é prevista como uma alternativa O protótipo para o EMI também propõe um
à concomitante e à subsequente. Em seu núcleo articulador. Na sua denominação, quando
último sentido e nas normas estabelecidas comparado com o protótipo curricular de EM, a
pela legislação educacional, a integração é preparação para o trabalho perde a qualificação
formalmente caracterizada por uma matrícula de básica. Agora, denomina-se Núcleo de
única no ensino médio e na habilitação Preparação para o Trabalho e demais Práticas
profissional. Para além do formal, como afirma Sociais. Dessa forma, adiciona objetivos de
o Parecer CNE/CEB nº 39/2004, é “importante aprendizagem destinados à educação profissional
deixar claro que, na adoção da forma integrada, de nível técnico aos de preparação básica
o estabelecimento de ensino não estará para o trabalho. Assim, em relação à educação
ofertando dois cursos à sua clientela. Trata-se profissional e no Núcleo, o protótipo de EMI
de um único curso, com projeto pedagógico envolve os seguintes objetivos:

25
I. os objetivos de aprendizagem de no Núcleo, o protótipo de EMI reafirma o trabalho
conhecimentos, capacidades, atitudes e valores e a pesquisa como princípios educativos e dá
relacionados à educação para o mundo do centralidade à educação profissional no processo
trabalho e para a prática social, necessários à de integração curricular.
formação e ao desenvolvimento profissional
Como no protótipo de EM, o Núcleo ocupará, pelo
do cidadão. Tais objetivos são equivalentes aos
menos, 25% das horas do tempo previsto para
do protótipo de EM de formação geral e são
os dois primeiros anos letivos. Assim como no de
perseguidos durante todos os anos de duração
EM, ele será operado por todos os professores das
do EMI, em termos de preparação básica para o
áreas de conhecimento e por todos os estudantes
trabalho e para a vida em sociedade;
matriculados no primeiro ou no segundo ano.
II. os objetivos de aprendizagem para o domínio Em todos os anos letivos, alunos e professores
de tecnologias comuns aos técnicos de contarão com o apoio de um coordenador
nível médio, no âmbito dos diferentes eixos de curso (no caso do exemplo utilizado, um
tecnológicos, e sintonizadas com o respectivo especialista em Agroecologia). No terceiro e
setor produtivo da habilitação técnica, quarto anos, o Núcleo ocupará 50% do currículo.
incluindo os fundamentos científicos, sociais, Nas mínimas 800 horas anuais, terá 400 horas de
organizacionais, econômicos, estéticos e éticos duração. Nestes anos, professores de educação
que informam e alicerçam estas tecnologias. geral e de educação profissional farão, em parceria,
Tais tecnologias constam do Catálogo Nacional a mediação de projetos e oficinas do Núcleo.
de Cursos Técnicos, complementadas por
Tal como no de EM, o protótipo de EMI no Núcleo
indicações de levantamentos setoriais e
prevê a ampliação gradativa do espaço e da
ocupacionais. Especialmente em relação ao
complexidade das alternativas de diagnóstico
domínio das tecnologias próprias do eixo
(pesquisa) e de intervenções transformadoras
tecnológico, a busca destes objetivos de
(trabalho). Também, o Núcleo do EMI é desenvolvido
aprendizagem será concentrada no terceiro ano
por meio de projetos, mas estes são ampliados no
do EMI, que privilegia a formação tecnológica;
processo de integração com a educação profissional.
III. os objetivos de aprendizagem necessários
O projeto do primeiro ano do EM – Escola e
ao domínio de conhecimentos, habilidades,
Moradia como Ambientes de Aprendizagem –
atitudes e valores necessários ao exercício
foi mantido no EMI. As atividades podem variar
específico de cada habilitação profissional de
para serem mais contextualizadas à habilitação
técnico de nível médio. Estes objetivos têm
profissional pretendida. No caso do técnico
como referência o perfil profissional do técnico
em Agroecologia, por exemplo, os estudos e
de nível médio. O perfil profissional é defi-
as atividades em relação à moradia podem ser
nido por meio daquele previsto no Catálogo
ampliados para a propriedade rural, quando os
Nacional dos Cursos Técnicos, suplementado
alunos morarem no campo.
por estudos e pesquisas complementares. No
quarto ano letivo, que privilegia a formação O projeto do segundo ano – Projeto de
técnica específica, existe uma ênfase na busca Ação Comunitária – também foi mantido.
destes objetivos. Similarmente, ao praticado com a moradia, a
comunidade pode ser abordada com olhar mais
Assim, a educação profissional concentra-se no
orientado pela formação técnica visada. No caso
Núcleo e está basicamente distribuída do geral
do técnico em Agroecologia, por exemplo, a
para o particular pelos diferentes anos letivos. Ao
zona rural do município e a agroindústria local
concentrar os objetivos de aprendizagem mais
podem ser alvo de pesquisas ou de atividades
diretamente relacionados à educação profissional
de transformação.

26
O projeto do terceiro ano do EM – Projeto de Vida no ensino médio, nada mais próprio que engajar
e Sociedade – também é mantido no EMI, mas os jovens na tarefa de repensar e transformar a
sofre transformações. Agora ele é desenvolvido sua organização de trabalho e seu currículo. Esta
no terceiro e no quarto ano letivo. Isto permite participação pode ser preparatória para uma
que a elaboração do projeto acompanhe e ação protagônica na comunidade mais imediata,
se apoie no conhecimento da habilitação promovendo ações de desenvolvimento local.
profissional escolhida. Complementarmente, Estes dois movimentos, já previstos no protótipo
as propostas de engajamento em ações de de EM, podem ser ensaios para o enfrentamento
desenvolvimento social podem ser propostas do desafio maior de promover mudanças no
por intermédio do engajamento profissional. Os próprio campo profissional, ao mesmo tempo em
horizontes a considerar continuam sendo os de que perseguem os objetivos de aprendizagem
curto, médio ou longo prazo. relacionados com sua formação técnica específica.
Conjuntamente e com variadas possibilidades de O Núcleo ainda inclui oficinas relacionadas à
conexões com o Projeto de Vida e Sociedade, um formação tecnológica (terceiro ano) ou à formação

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


projeto relacionado ao eixo tecnológico também técnica (quarto ano) e aos projetos diretamente
articula o currículo do terceiro ano do EMI. No relacionados com estas formações. Articuladas
caso do técnico de Agroecologia, este projeto foi pelos projetos, as oficinas destinam-se ao domínio
denominado Tornar uma Área Produtiva de Forma de tecnologias específicas e à introdução ou ao
Sustentável. Trata-se de planejamento, execução aprofundamento de conhecimentos, atitudes,
e avaliação dos resultados do aproveitamento habilidades e valores que estão previstos nos
sustentável dos recursos naturais de um terreno objetivos de aprendizagem dos projetos.
experimental, envolvendo basicamente atividades
de agricultura e pecuária.
V.2 As áreas de conhecimento
Também, conjuntamente com o Projeto de
Vida e Sociedade, outro projeto articula o O protótipo de EMI mantém as mesmas quatro
desenvolvimento da formação técnica específica no áreas de conhecimento previstas para o ensino
quarto ano. No caso do técnico em Agroecologia, o médio: (I) Linguagens, códigos e suas tecnologias;
projeto denomina-se Ação Agroecológica Juvenil. (II) Matemática e suas tecnologias; (III) Ciências
Este projeto abrange atividades de pesquisa e da Natureza e suas tecnologias; (IV) Ciências
transformação que buscam atender aos requisitos Humanas e suas tecnologias.
do desenvolvimento econômico, social e cultural No EMI, as áreas mantêm os mesmos objetivos
sustentável e que podem ser feitas em três de aprendizagem do ensino médio, os quais
direções básicas: das condições, das relações e da cumprem a mesma função de integração
organização do trabalho; da criação de alternativas curricular. Como no ensino médio, cada área tem
coletivas de geração de trabalho e renda; e do uma organização diferente. Estruturalmente, a
empreen-dedorismo juvenil. O projeto aprofunda única diferença reside no fato de que a mesma
a perspectiva do protagonismo juvenil já presente duração e os mesmos objetivos das áreas se
no ensino médio, incluindo a atuação do jovem distribuem pelos quatros anos letivos do EMI.
na transformação de seu campo de trabalho
Como no protótipo de EM, os objetivos
concomitantemente ao seu processo de formação
de aprendizagem das áreas e os projetos
profissional.
desenvolvidos no Núcleo serão as referências
Se mudanças nos sistemas de ensino, de forma para a definição das atividades de aprendizagem
geral, e na escola, em particular, são fundamentais a serem propostas pelas áreas. Em todos os
para efetivar uma aprendizagem de qualidade anos letivos, como mais uma forma de integrar

27
e contextualizar as áreas de conhecimento, continuidade de estudos, evitando-se uma instru-
as atividades de aprendizagem podem ser mentalização excessiva das áreas.
relacionadas com a formação técnica específica.
Tendo em vista facilitar a integração entre o
O quadro a seguir exemplifica esta possibilidade
ensino médio e o ensino médio integrado,
para o técnico em Agroecologia:
nos dois primeiros anos letivos, os objetivos de
É importante observar, no entanto, que nem aprendizagem do Núcleo e das áreas são os
todas as atividades de aprendizagem das áreas mesmos. Isto permite articular um conjunto de
estão relacionadas com a formação técnica espe- habilitações a um ciclo comum, possibilitando maior
cífica. Estão previstas também atividades relacio- mobilidade entre elas e facilitando o ajuste da oferta
nadas à vida cotidiana, ao exercício da cidadania de ensino médio às diferentes necessidades da
e aos objetivos de aprendizagem necessários à juventude e às flutuações do mundo do trabalho.

Primeiro ano Segundo ano Terceiro ano Quarto ano


Projetos Escola e Moradia Ação Vida e Sociedade Vida e Sociedade /
como Ambientes de Comunitária Tornar uma Área Ação Agroecológica
Aprendizagem Produtiva de Forma Juvenil
Objetivos da Sustentável

área de Matemática Exemplos de atividades propostas para a área de Matemática


e suas tecnologias
Elaborar um A partir de uma Elaborar um Fazer uma planilha
manual simplifica- matéria de jornal painel comparativo detalhada e com
do com as local sobre sobre os gastos as devidas justifica-
1 – Expressar com clareza,
orientações para agricultura, realizar decorrentes da tivas a respeito dos
oralmente, por escrito e
o uso de algum a interpretação de utilização de custos envolvidos
utilizando diferentes insumo agrícola. informações energia solar, em uma horta, a
registros, questionamentos, quantitativas e de elétrica ou outras fim de que os itens
ideias, raciocínios, gráficos estatísticos na produção plantados possam
argumentos e conclusões e comparar com as agrícola. suprir a demanda
conclusões que de uma dada
em situações de resolução
aparecem no texto. população.
de problemas, debates
Debater sobre a
ou outras envolvendo adequação do(s)
temas ou procedimentos gráfico(s)
matemáticos e estatísticos. divulgado(s).

V.3 As dimensões articuladoras: trabalho, V.4 Estrutura e organização curricular do EMI


cultura, ciência e tecnologia (TCCT)
O protótipo de EMI também insere uma síntese
No EMI, as dimensões do trabalho, da cultura, da de estrutura curricular que pode ser usada
ciência e da tecnologia também são assumidas como ponto de partida para o debate da equipe
como categorias articuladoras, pelo menos no escolar na definição do currículo. A síntese de
que tange à preparação básica para o trabalho estrutura curricular está apresentada no quadro a
e demais práticas sociais, que se estende pelos seguir. Novamente, a duração dos componentes
quatro anos de duração do segundo protótipo. curriculares e a do curso como um todo são
meramente ilustrativas.
Em relação à formação técnica, não se propõe
uma forma específica de organizar, por meio Como no protótipo de EM, os projetos do Núcleo e
das dimensões articuladoras, as atividades as quatro dimensões são as colunas verticais da rede
de diagnóstico (pesquisa) e as atividades de curricular, em que as áreas representam as linhas
transformação dos projetos do terceiro e do horizontais. O quadro mostra que os dois primeiros
quarto anos. O diagnóstico previsto como parte anos são similares aos do protótipo de EM. Como já
dos projetos é orientado pelos objetivos de foi afirmado, isto favorece a integração e a transição
aprendizagem da formação tecnológica e da entre o EM e o EMI. A duração em horas, os objetivos
formação técnica específica. de preparação básica para o trabalho e demais

28
práticas sociais e os objetivos das áreas são idênticos V.5 Metodologia e avaliação
aos do protótipo de EM. Variam as atividades do
No protótipo de EMI, a metodologia e a avaliação
Núcleo e das áreas que, nos quatro anos, procuram
cumprem o mesmo papel que exerciam no
ser mais articuladas com a formação técnica
primeiro protótipo. Os projetos e as atividades de
específica, como foi demonstrado no quadro
investigação, de intervenção ou de aprendizagem,
anterior. Os dois primeiros anos têm como foco a
com ampla participação ou protagonismo dos
preparação básica para o trabalho, que é continuada
estudantes, continuam a ser as formas metodológicas
por meio do Projeto de Vida e Sociedade no terceiro
predominantes no desenho curricular. Novamente,
e quarto anos. Os projetos do terceiro e do quarto
a relação de conteúdos (ementas dos currículos
anos articulam, ainda, respectivamente, a formação
tradicionais) é substituída pela definição de atividades
tecnológica e a formação técnica.
de aprendizagem, tanto no Núcleo quanto nas áreas.
O protótipo EMI sugere uma forma de operação do
Mantém-se, também, a mesma perspectiva de
currículo similar ao do EM, envolvendo a revisão anual
avaliação. À avaliação interna e externa propõe-se o
do currículo e do projeto pedagógico; a semana de
mesmo papel na integração curricular. No EMI, o perfil

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


integração; as semanas de diagnóstico (pesquisa);
profissional de conclusão e os critérios de desem-
a semana de planejamento das atividades de
penho a ele associados fornecem um referencial
intervenção; a execução do projeto do Núcleo e das
comum de avaliação a todos os professores
atividades de aprendizagem das áreas; e a semana
envolvidos. Como os alunos continuam sendo
de apresentação dos resultados dos projetos. Prevê
atores importantes do processo de avaliação, o perfil
também a mesma possibilidade de um currículo
profissional também é fundamental na negociação
variável e a inclusão de atividades de monitoria.
de critérios e indicadores de avaliação com os
estudantes. O perfil profissional de conclusão é ainda
referência básica no desenho e na utilização de
procedimentos e instrumentos de autoavaliação.

Primeiro ano Segundo ano Terceiro ano Quarto ano


PROJETOS
Escola e Ação Vida e Sociedade Vida e Sociedade Duração
Moradia como Comunitária Tornar uma Área Ação total
Ambientes de Produtiva Agroecológica
Componentes Aprendizagem de Forma Sustentável Juvenil
curriculares

DIMENSÕES ARTICULADORAS
TRABALHO - CIÊNCIA - CULTURA - TECNOLOGIA

Núcleo de preparação
para o trabalho 200 200 400 400 1.200
e demais horas horas horas horas horas
práticas sociais

Áreas de
conhecimento:
Linguagens
Matemática 600 600 400 400 2.000
Ciências Humanas horas horas horas horas horas
Ciências da
Natureza

800 800 800 800 3.200


Duração total
horas horas horas horas horas

29
VI. Condições para a trabalho também são princípios educativos na
implantação da proposta formação continuada dos educadores;

As condições para o uso dos protótipos na „„ implantação do currículo decorrente do


orientação dos desenhos curriculares das escolas protótipo, tomando-se a vivência, as avaliações e
não diferem muito das condições previstas nas as reformulações periódicas como instrumentos
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para a formação continuada em serviço;
Básica (Resolução CNE/CEB nº 04/2010). Parte delas „„ avaliação contínua em processo, com
diz respeito à formação continuada de educadores, síntese anual que orientará o planejamento
e as outras referem-se às condições mais gerais. do ano letivo seguinte, além de estudos mais
A formação dos docentes e demais educadores aprofundados sobre os modos de gestão
para a operação do currículo decorrente do escolar e a condução do projeto pedagógico
protótipo deve ocorrer antes e ao longo de sua que tenham sido indicados pela experiência
implantação. A escola deverá garantir os espaços como estratégicos e necessários.  
e as condições para isso. As três primeiras Síntese das demais condições de uso dos
etapas adiante relacionadas devem acontecer protótipos:
no semestre anterior ao início da implantação.
„„ adesão voluntária da rede de ensino
Todas elas são, ao mesmo tempo, etapas de
médio, que envolve o compromisso dos seus
educação continuada e de planejamento
gestores com a garantia de condições locais
coletivo. É prevista uma estratégia desdobrada
adequadas para as escolas interessadas;
em seis iniciativas essenciais:
„„ adesão voluntária da escola interessada
„„ estudo, discussão e formulação de linhas
no formato curricular proposto: participação
e propostas gerais de adaptação do protótipo
da escola por escolha consensual de seus
à concepção pedagógica e à situação concreta
gestores, docentes e equipe de apoio;
da escola, da rede ou do sistema de ensino;
„„ no EM, criação do Núcleo articulador,
„„ adaptação do protótipo ou revisão do
com pelo menos 25% do tempo das aulas dos
projeto pedagógico da escola. É o momento
docentes dedicados a ele; nova organização
em que, decidido o uso da referência
do horário de aulas, do calendário escolar
curricular, são feitos os necessários ajustes no
e das formas de avaliação; novos enfoques
protótipo ou no projeto pedagógico da escola;
metodológicos. Além disso, no EMI, dupla
„„ estudo e domínio das estratégias docência (um professor de formação geral e
metodológicas fundamentais para a um professor de educação profissional) nas
operacionalização do currículo decorrente do atividades do Núcleo relacionadas ao eixo
protótipo. Este é um momento para formação tecnológico e à habilitação profissional;
sistemática da equipe escolar para uso das
„„ disposição do diretor ou dos gestores da
estratégias metodológicas;
escola para formas participativas de gestão,
„„ diagnóstico e planejamento da com divisão de responsabilidades e de
implantação do projeto do primeiro ano autoridade com professores e com estudantes;
do ensino médio (Projeto Escola e Moradia
„„ participação efetiva dos estudantes na
como Ambientes de Aprendizagem) e
gestão do Núcleo e no planejamento curricular;
desenvolvimento dos projetos do Núcleo
nos demais anos. O estudo e o trabalho „„ docentes predominantemente em
coletivo necessário ao desenvolvimento tempo integral, concursados e devidamente
destes projetos são educativos. A pesquisa e o contratados para todas as áreas de

30
conhecimento, em quantidade suficiente para No documento “Reforma da educação
atendimento a todos os estudantes; secundária: rumo à convergência entre a
aquisição de conhecimento e o desenvolvimento
„„ infraestrutura adequada para funcionamento
de habilidade”, traduzido e publicado pela
do EM e do EMI, com salas de aula que permitam
Representação da UNESCO no Brasil (já citado),
atividades em grupos e laboratórios com o
há um quadro que sintetiza a percepção das
equipamento mínimo recomendado, espaços
tendências mundiais em relação às relações entre
escolares e computadores com bom acesso à
educação geral e educação profissional:
internet. No EMI, laboratórios de práticas próprios
ou conveniados;
Situação atual Visão
„„ pessoal de apoio em quantidade suficiente
Educação Superior Mercado de Educação Supe
para atender o total de estudantes matriculados; trabalho
„„ disponibilidade para compartilhar a
experiência com outras escolas ou redes públicas.

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


Para uso dos protótipos, é fundamental o
compromisso da Secretaria da Educação ou dos
gestores da escola em fornecer apoio técnico e GSE TVET GSE
administrativo e garantir as condições de uso do
protótipo e a implantação do currículo decorrente, Educação básica

mediante garantias de permanência das equipes PE


locais, com dedicação exclusiva ou pelo menos
Situação atual Visão pa
Situaçãoatual
Situação atual
concentrada nas escolas que usem o protótipo, Visãopara
Visão parao ofuturo
futuro
PE – Educação primária • GSE – Educação secundária geral • TVET – Educa
Mercado de
para viabilizar sua concretização adequada. Educação Superior Educação Superior
Mercado
Mercado de de trabalho
Mercado
Mercado de de
Educação Superior
Educação Superior Educação
Educação Superior
Superior
trabalho
trabalho trabalho
trabalho

VII. Conclusão

Cecília Braslavsky, ao falar sobre as experiências Com


g
de transformação do ensino médio da América GSE Competências
Competências TVET GSE e
genéricas
genéricas
Latina, assim
GSE se reporta:
GSE TVET
TVET GSE
GSE essenciais
essenciais TVET
TVET
Educa
A educação secundária parece ser o nível mais Educação básica
Educação
Educação básica
básica
Educação
Educação
difícil sebásica
debásicatransformar no mundo inteiro. PE
PE PE
PE PE para receber jovens dos setores
Preparada
médios e altos, começou, já há algumas PE – Educação primária • GSE – Educação secundária geral • TVET – Educação técn
décadas,
PE a receber
–PEEducação
– Educação
primáriajovens
primária • de
• GSE – todos
GSE os secundária
Educação setores
– Educação secundária geral• TVET
geral • TVET – Educação
– Educação técnico-profissional
técnico-profissional e treinamento
e treinamento
sociais. Por outro lado, sua proposta cultural
e pedagógica segue, em importante medida, Os protótipos aqui apresentados são caminhos
ancorada no século XIX. O diagnóstico é claro. alternativos e complementares para a
As alternativas estão em construção.8 construção mencionada por Braslavsky. Juntos,
os dois protótipos correspondem exatamente
à visão de futuro representada na figura
anterior. Os protótipos de currículo de EM e
de EMI constituem mais uma contribuição
8 BRASLAVSKY, C. (Org.). Educação secundária: mudança
ou imutabilidade? Brasília: UNESCO, 2002. Parágrafo
da Representação da UNESCO do Brasil na
final. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/ construção do novo ensino médio brasileiro.
images/0012/001271/127146por.pdf>.

31
Parte II
Ensino médio e educação profissional:
desafios da integração

Bahij Amin Aur


Jarbas Novelino Barato

A fim de subsidiar gestores públicos na implantação internacionais, da Câmara de Educação Básica


e no acompanhamento de uma proposta de ensino (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE)
médio integrado (EMI) à educação profissional, a e de institutos federais e estaduais de educação;
Representação da UNESCO no Brasil realizou, em técnicos e secretários do Ministério da Educação
2007, um estudo sobre iniciativas em curso no país (MEC) e técnicos e gestores estaduais.
tendo como cenário as regulamentações legais. O
O estudo, juntamente com relatos das discussões
trabalho compreendeu a realização de estudos de
e da produção de sínteses das contribuições
caso em dois estados: Tocantins e Santa Catarina.
oriundas do simpósio, foi publicado pela UNESCO
Os resultados foram apresentados e discutidos no no livro “Ensino médio e educação profissional:
workshop “Ensino médio: desafios, oportunidades desafios da integração” (REGATTIERI; CASTRO, 2010).
e alternativas”, promovido pela UNESCO em 2008
O presente artigo é uma adaptação resumida
com o objetivo de contribuir com o debate e
do livro e está dividido em duas partes. Na
influenciar as políticas públicas educacionais
primeira, são apresentadas a metodologia e
brasileiras.
as principais conclusões e recomendações do
Com base nesses resultados, foram debatidas estudo. A segunda se baseia na parte do livro
questões fundamentais relativas à formação dedicada a elaborar uma sistematização do que
para o trabalho e para a cidadania; à concepção foi comunicado e discutido no evento, indicando
e à estruturação das propostas curriculares ideias e tendências que sugerem novos rumos
e dos projetos escolares; à qualificação e para os anos finais da educação básica.
ao aperfeiçoamento dos professores; ao
financiamento da educação; à integração da
Estudo: integração entre o ensino médio e a
escola ao desenvolvimento local, regional
educação profissional
e nacional, visando à inclusão social; e à
necessidade de desenhar ofertas diversificadas O estudo foi realizado em três planos: legal,
de educação de nível médio, considerando a doutrinário e real.
população que está fora da faixa etária adequada
O plano legal foi configurado com o objetivo
e as desigualdades socioeconômicas.
de identificar a base na qual se formulam e
Os resultados dos debates geraram contribuições implementam as políticas de integração do
importantes para pensar e planejar o ensino ensino médio com a educação profissional no
médio no país e para refletir sobre a situação da país. Foi levantada a legislação nacional em vigor,
juventude brasileira e suas relações com trabalho bem como as normas referentes à educação
e educação. profissional e ao ensino médio.
Participaram do evento pesquisadores e consultores O levantamento do plano doutrinário consistiu
em ensino médio, educação profissional, currículo e na identificação e na análise dos documentos
formação docente; representantes de organismos ministeriais pertinentes e de documentação

33
não oficial referente ao tema. Tais documentos do MEC e nos de alguns autores que contribuem
delineiam as políticas de integração do ensino para sua fundamentação teórica. As Diretrizes
médio com a educação profissional. Curriculares Nacionais e os documentos teóricos,
oficiais ou não, na maioria das vezes, são prolixos
Os estudos de caso procuraram configurar o
e, frequentemente, abstratos, o que dificulta sua
plano real de entendimento e de execução
compreensão e sua aplicação. A complexidade
dessas políticas. A metodologia de trabalho
normativa e a diversidade de concepções tornam
pautou-se na captação de informações a
opaco, em um ou outro nível do sistema de ensino,
distância, via formulários, e na realização
o entendimento da integração, em um único
de visita a dois estados selecionados pela
curso, do ensino médio e da educação profissional.
Coordenação de Ensino Médio do MEC. Os
formulários abarcavam questões referentes Observa-se que os ditames legais e normativos
a financiamento, currículo, infraestrutura, e as concepções teóricas, mesmo quando
quadro de professores e articulação entre as assumidas pelos órgãos centrais de uma
instâncias estaduais e a Secretaria de Educação secretaria estadual de Educação, têm fraca
Profissional e Tecnológica (Setec) e a Secretaria ressonância nas escolas, e até mesmo pouca ou
de Educação Básica (SEB) do MEC, entre outras. nenhuma na atuação dos professores.
As visitas foram realizadas na sede da respectiva
secretaria estadual de Educação9 e em uma Recomendações feitas
escola que tivesse implantado a forma integrada a partir das observações
de oferta do ensino médio. Nas escolas, „„ Diretrizes e orientações nacionais e
foram entrevistados o diretor, o coordenador estaduais devem ganhar mais concisão,
pedagógico e professores de componentes de simplicidade e concretude para serem
educação geral e de educação profissional, além compreendidas por todos os atores
de pelo menos um aluno. educacionais e para que suas aplicações nas
No plano legal, averiguou-se que há toda uma escolas e nos cursos sejam perceptíveis.
teia de leis e decretos federais e pareceres e „„ Deve ser promovida a compatibilidade
resoluções do CNE – à qual se acrescentam entre orientações e regulamentações
normas de cada unidade da federação – que ministeriais e as Diretrizes Curriculares
devem ser atendidas na gestão do ensino médio Nacionais.
e da educação profissional. Integrar essa etapa
„„ Deve-se manter ativa a estratégia de
de ensino com tal modalidade da educação,
formação continuada para que todos os
ambas com diretrizes curriculares próprias, torna
atores, especialmente o pessoal técnico e
mais complexa sua aplicação, especialmente na
docente, participem de atividades de estudo
concepção, no planejamento e na execução.
e debates da legislação e das normas, bem
A essa complexidade, juntam-se, no plano como de documentos e trabalhos relevantes
doutrinário, diferentes concepções que, às vezes, e significativos para a compreensão e a
se contrapõem, especialmente as que presidiram implementação dos cursos integrados,
as Diretrizes Curriculares Nacionais e as que particularmente no tocante ao planejamento
atualmente predominam nos documentos oficiais e ao desenvolvimento de seus currículos.
9 A aplicação dos formulários e a realização das entrevistas
foram realizadas com o secretário da Educação; os Entre as principais conclusões do estudo
responsáveis pelo ensino médio, pela educação profissional no plano real, avalia-se que as escolas agem
e pela implantação da estratégia do ensino médio integrado,
em nível central (se houvesse); além do diretor de uma escola pragmaticamente, segundo a força da motivação
que já havia adotado a forma integrada de oferta do ensino que recebem dos órgãos superiores de seu
médio e o coordenador pedagógico ou equivalente da escola
(se houvesse). sistema de ensino, bem como conforme seus

34
meios, sua cultura e o entendimento que curricular. A preconizada organização por áreas
puderam ter do EMI. Nesse sentido, para a de conhecimento, por exemplo, somente é feita
implantação dessa forma de oferta de ensino nominalmente pelas escolas, pela rotulação,
médio, foi decisiva, nos dois casos, a motivação como tais, de disciplinas tradicionais. É verdade
e o apoio do MEC, assim como foi decisiva, para que a superação dessa organização curricular
as escolas, a motivação dos órgãos centrais das convencional esbarra na configuração do corpo
secretarias e o apoio de seus órgãos regionais. docente, formado, recrutado e designado por
disciplinas específicas.
As escolas assumem francamente que ofertam
o EMI para propiciar ao egresso condições de Não há como não recomendar sistemática
entrada no mercado de trabalho e têm pouca capacitação do pessoal docente, assim como
atenção para a realização da desejável, segundo dos dirigentes e técnicos, para conceber, planejar
documentos do MEC, educação tecnológica e implementar currículos com perspectiva de
ou politécnica, que combine trabalho, ciência flexibilidade, inovação, criatividade e ousadia,
e cultura em sua prática e seus fundamentos ou mesmo para utilizar metodologias ativas,

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


científico-tecnológicos e histórico-sociais. que contextualizem conceitos e sejam inter e
A estrutura disciplinar convencional, transdisciplinares.
compartimentada em disciplinas, adotada nos
Observa-se, aliás, que os currículos do ensino médio
dois casos estudados, contribui, sem dúvida,
comum ainda não resolveram sequer o desafio
para que essa combinação seja dificultada.
da obrigatória “preparação geral e básica para o
Observou-se que há pouca integração. Esta ocorre trabalho”; menos ainda o que também prescreve
somente de modo extracurricular e no âmbito a LDB quanto à “orientação para o trabalho”, à
interno dos componentes curriculares da base “educação tecnológica básica” e “aos princípios
nacional comum do ensino médio, e não entre científicos e tecnológicos que presidem a produção
estes e os componentes curriculares da educação moderna”, que podem ser caminhos que levem à
profissional. Ainda está para ser alcançada a ambicionada “educação tecnológica” ou “politécnica”.
apregoada e desejada interdisciplinaridade. Há Dificilmente essa educação será alcançada sem uma
o risco de se apresentarem como integrados formatação curricular inovadora, que não se limite a
currículos de dois cursos concomitantes repetir e somar dois currículos tradicionais.
justapostos – como se observa claramente em
O Decreto nº 5.154/2004,11 ao possibilitar a
um dos casos, que resultou no alongamento
integração da formação geral com a formação
da duração, com abundância de disciplinas e
técnica no ensino médio, é, ainda, “condição
excessiva carga horária, gerando desmotivação da
necessária para a travessia em direção ao ensino
procura e não permanência no curso.
médio politécnico e à superação da dualidade
Além disso, a dificuldade reside também na educacional pela superação da dualidade de
concepção do currículo referente à formação classes”. O “Ensino Médio integrado ao ensino
geral do ensino médio, que padece de igual técnico, sob uma base unitária de formação
tradicionalismo. O Parecer CNE/CEB nº 15/1998 geral, é uma condição necessária para se fazer a
e a Resolução CNE/CEB nº 3/1998, de Diretrizes ‘travessia’ para uma nova realidade”.
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,10 são
A concepção e a construção de currículo
pródigos no tratamento inovador da organização
pertinente ao curso de EMI com a educação
10 Na época do estudo, eram essas as Diretrizes Curriculares profissional técnica é, portanto, questão aberta a
Nacionais para o Ensino Médio, as quais vieram a ser
substituídas, em 2012, pelas atuais, que mantêm a ênfase no 11 O Decreto nº 5.154/2004, que regulamentou o § 2º do art. 36 e
tratamento inovador da organização curricular (Resolução os artigos 39 a 41 da Lei nº 9.394/1996 (LDB), revogou o Decreto
CNE/CEB nº 02/2012, fundamentada no Parecer CEB/CNE nº nº 2.208/1997 e veio a ter incluídos seus dispositivos essenciais na
05/2011). LDB, pela Lei nº 11.741/2008.

35
ser considerada prioritariamente nas políticas que Para finalizar, ressalva-se que as considerações
visam à implantação e ao desenvolvimento dessa e as recomendações apresentadas têm
forma de oferta do ensino médio na perspectiva pertinência circunscrita aos casos estudados,
da educação politécnica. podendo, entretanto, estimular diferentes olhares
para o relatado e propiciar conclusões que o
Um aspecto particular no planejamento do
complementem, confirmem ou contradigam,
curso integrado, por ser oferecido a adolescentes
visando a contribuir para a implementação de
egressos do ensino fundamental, é o do estágio
políticas de integração do ensino médio com a
curricular supervisionado. Embora não ocorresse
educação profissional.
nos cursos estudados, é necessário destacar que
algumas profissões ou locais de trabalho têm
Balanço interpretativo do simpósio
restrição legal trabalhista quanto ao exercício
das atividades por menores de 18 anos. Assim, Neste balanço, o objeto inicial de análise – o
recomenda-se que o plano de curso considere e EMI – não é esquecido, mas compreendido em
compatibilize, sempre, os fatores de habilitação um contexto que retrata o ensino médio como
profissional, estágio curricular obrigatório, idade um todo e as relações entre educação, trabalho
dos alunos e restrição legal para menores. e juventude. Nesse sentido, as contribuições
Quanto aos docentes que são profissionais da área dos debates foram agrupadas em três eixos:
da habilitação técnica do curso, recomenda-se 1) Ensino médio; 2) Educação e trabalho; e
que, mesmo com contrato especial fora do quadro 3) Situação da juventude; eixos nos quais se
do magistério, tenham tratamento equânime estrutura a sistematização realizada no presente
em relação aos demais. Além disso, devem texto.12 Antes disso, contudo, convém recuperar
ser alvo de programas específicos voltados ao descrições de como se desenvolveu a educação
desenvolvimento de competências docentes, para profissional no Brasil. Referências a tais descrições
que componham harmonicamente a equipe com estiveram presentes tácita ou explicitamente em
os demais professores que têm licenciatura nos muitas intervenções no workshop.
diferentes componentes disciplinares de educação
Ensino médio e educação
geral, os quais, portanto, já devem possuir tais
profissional no Brasil
competências.
Para dirigentes, coordenadores, docentes e Até bem recentemente, a educação secundária
técnicos envolvidos, insiste-se na capacitação era possibilidade de estudos para uma minoria. As
com foco na gestão de currículo, incluindo aspirações educacionais da camada mais pobre
concepção, planejamento, implementação da população limitavam-se ao antigo ginásio.
e avaliação, para que, efetivamente, se crie e Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
se mantenha a integração da formação geral Nacional, de 1996, o sonho de conclusão do
com a profissional, na perspectiva da educação ginásio converteu-se em um direito, estabelecido
tecnológica ou politécnica. pela obrigatoriedade de uma educação
fundamental de oito anos. Em 2009, a Emenda
Constatou-se também insuficiência de recursos,
Constitucional nº 59 ampliou a obrigatoriedade
equipamentos e materiais – o que não surpreende,
da educação básica obrigatória e gratuita dos 4
por ser geral e crônica nos sistemas públicos de
aos 17 anos de idade e, assim, passou a abranger
ensino. Alguns recursos, no entanto, não poderiam
a faixa etária do ensino médio.
faltar desde o início da implantação dos cursos, como
material pedagógico, inclusive acervo bibliográfico
12 Para melhor situar as temáticas discutidas, há certo grau
voltado para a área da habilitação profissional, e de interpretação quanto às ideias apresentadas e discutidas
salas ambiente ou laboratórios específicos. durante o evento. Essa decisão foi tomada para que o balanço
aqui apresentado não se restrinja a um resumo.

36
Dessa forma, a possibilidade de oferta de ensino Os modos de organização da formação
médio para todos já está bastante próxima. profissional tiveram como referência práticas
Parece que o Brasil em breve chegará no mesmo educacionais características dos ambientes
nível que seus parceiros do Mercosul e a maior das corporações de ofícios. O ambiente ideal
parte da sua população jovem alcançará 11 ou 12 de aprendizagem, no caso, era a oficina,
anos de escolaridade. A concretização dessa meta não a sala de aula. Um estudo clássico sobre
é importante por dois motivos: 1) na evolução a questão (MJELDE, 1987) mostra que a
dos direitos à educação, concluir pelo menos o educação profissional, em suas origens, estava
ensino de nível médio passa a ser algo desejável e completamente afastada dos modelos escolares
plausível; 2) o ingresso em ocupações de setores influenciados pelas tradições literárias próprias
modernos da economia vem exigindo, cada vez da elite. Essa separação entre educação para
mais, a elevação dos índices de escolaridade. o trabalho e educação literária ocorreu com
A discussão sobre educação profissional frequência na história brasileira. De certa forma,
cresceu bastante nos últimos anos. Cresceu ela ainda permanece quase intacta na formação
profissional básica dos trabalhadores. No caso da

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


também o empenho do governo federal e dos
governos estaduais no sentido de oferecer mais formação de técnicos, os enfoques influenciados
oportunidades para que os jovens possam contar pelas tradições das corporações de ofício foram
com opções de ensino médio profissionalizante. complementados por conteúdos de educação
Toda essa movimentação em torno da geral. À medida que os currículos de preparação
capacitação para o trabalho na última etapa para o trabalho em nível técnico foram se
da educação básica não significa um retorno estruturando, a dupla origem da educação
ao antigo modelo de ensino técnico. Ideias e profissional de nível médio ficou evidente.
realizações no campo da educação profissional Quase sempre as soluções encontradas foram de
indicam que as articulações entre formação justaposição das duas tradições. Isso era (e ainda é)
escolar e atividades produtivas começam a muito acentuado no caso da docência. Na maior
ganhar contornos bastante diferentes das parte dos casos, predominou (e ainda predomina)
soluções anteriores. nítida separação entre professores de uma e
outra origem, com certa desvalorização daqueles
É consenso que, historicamente, a educação
responsáveis pela aprendizagem em oficinas.
profissional no Brasil nasceu como atividade não
integrada ao sistema de ensino convencional. No estudo da UNESCO sobre experiências de
As primeiras iniciativas de formação profissional EMI, constatou-se tratamento diferente para
no país foram estruturadas como serviços de professores oriundos de uma e de outra tradição.
benemerência para órfãos deserdados da sorte. Docentes da área de educação geral têm carreira
Mesmo quando a capacitação para o trabalho e contratos de trabalho bem definidos, já
começou a ser vista como conveniência para docentes de conteúdos específicos da educação
preparar trabalhadores para certas atividades profissional, com frequência, não têm carreira
produtivas, nos liceus de artes e ofícios e nas definida, têm remuneração menor que a de seus
escolas de aprendizes e artífices, essa marca pares do campo da educação geral e, muitas
assistencialista ainda era predominante. Os vezes, têm contratos de trabalho temporários.
alunos educados nas instituições de formação A constatação mostra certo estranhamento dos
profissional tinham como único horizonte sistemas de ensino no trato com professores “das
o exercício de uma ocupação. Essa situação oficinas”. A origem dos saberes que se convertem
começou a mudar apenas nos anos 1940, mas em execução reflete práticas sociais em
a separação entre educação geral e educação comunidades de trabalho. Essa circunstância é
profissional perdura até os dias de hoje. muito diferente das soluções didáticas assentadas

37
na tradição literária. Assim, não são apenas à carga horária e à profundidade dos temas.
os professores de conteúdos específicos que Muitas vezes, conteúdos de educação geral eram
sofrem problemas para a efetivação de projetos desenvolvidos com preocupações instrumentais,
integrativos. Parece que a compreensão do saber orientados mais para usos em situação de
vinculado diretamente à produção de obras é trabalho do que para a elaboração de saberes que
outra fonte de dificuldade no processo integrador. implicassem domínio da ciência e da tecnologia
Corre-se o risco de confundir integração com por parte do estudante. Um dos participantes
subordinação dos saberes do trabalho ao saber do simpósio observou que a aprendizagem
letrado. Educação profissional e ensino de nível de matemática no curso normal contemplava
médio, discutidos em propostas de articulação conteúdos que os futuros professores deveriam
e integração em ambientes formativos que ensinar a estudantes da primeira à quarta
podem dar novo sentido à educação secundária, série do ensino fundamental. Por causa desse
são temas que precisam estabelecer relações acento instrumentalista, os estudantes do curso
com outras dimensões, sobretudo o trabalho e normal não tinham oportunidade de aprender
a situação dos jovens que necessitam estudar e matemática em níveis que os ajudassem a
integrar-se às atividades produtivas. Associações incorporar saberes mais amplos e compreensivos.
de todos esses temas estiveram presentes nas Essa circunstância mostra que a equivalência
falas dos participantes do evento. É possível, com garantia o direito à continuidade de estudos, mas
base em tais associações, indicar os principais não implicava aprendizagens que assegurassem
eixos das discussões. acesso a saberes científicos e culturais do ensino
médio convencional por parte dos estudantes
Ensino médio que frequentavam cursos técnicos.
Neste eixo, foram agrupadas reflexões sobre a Ensino médio convencional, voltado
tendência de universalização do ensino médio exclusivamente para a educação geral, e o ensino
no Brasil, a redefinição de sua natureza e de suas técnico, voltado para uma habilitação profissional,
finalidades e, nesse contexto, a proposta de EMI. tinham a mesma duração. Com isso, conteúdos
O ensino médio é um direito de todo cidadão. de educação geral no último acabavam sendo
Seu acesso tem avançado nos últimos anos e reduzidos para que se pudesse desenvolver
sua universalização aponta desafios em termos os conteúdos específicos da profissão ou da
de conteúdo e finalidade. Em outras palavras, ocupação que era objeto de formação. Isso podia
a natureza desse grau de ensino na oferta resultar em um tempo bastante restrito para a
democrática e universalizada não poderá ser aprendizagem de saberes de caráter científico e
aquela oferecida para as elites. cultural na educação do técnico de nível médio.

A educação secundária no Brasil foi, durante A proposta de EMI busca resolver o problema
muitos anos, uma ponte entre a escola ao exigir carga horária integral para ambas as
fundamental e a universidade. Era, por isso, dimensões curriculares. Isso resulta em um
definida com base em exigências seletivas dos ensino médio com carga horária muito elevada.
cursos de nível superior. Com as medidas de O aumento expressivo de carga horária em
equiparação entre ensino médio convencional cursos técnicos é uma questão controversa.
e cursos técnicos, iniciadas nos anos 1940 e A carga horária muito elevada pode criar
convertidas em lei nos anos 1960, o ensino médio dificuldades para estudantes que já trabalham
passou a incorporar a capacitação para o trabalho ou têm urgência em ingressar no mercado de
em programas bastante específicos. Em geral, trabalho. Alguns participantes defenderam a
os cursos técnicos acabaram incluindo estudos necessidade de ter o EMI com carga horária que
de educação geral em bases restritas no tocante contemple na totalidade os mínimos fixados

38
para educação geral e conteúdos específicos na forma de apresentação dos saberes: ela se dá
da habilitação profissional. Apresentaram, para no processo de incorporação do conhecimento
tanto, o argumento de que redução de carga por parte do aprendiz. Essa observação é um
horária implica redução da oportunidade de alerta para que educadores não entendam que a
aprofundamento de estudos no campo da ciência integração disciplinar ocorre de maneira externa
e da cultura. O problema aqui não se reduz à aos processos pelos quais os alunos elaboram
engenharia de carga horária. A questão de fundo seus saberes durante a educação escolar.
é a de que o ensino médio, com ou sem inclusão As questões curriculares ganham especial
de conteúdos específicos para formar técnicos, significado no caso do EMI. A proposta almeja
precisa garantir a mesma formação para todos os realizar uma síntese entre saberes de educação
seus alunos. geral e saberes vinculados aos conhecimentos
A visão histórica do ensino médio no Brasil, específicos das habilitações profissionais
como destacado, mostra uma dualidade que pretendidas. Em algumas intervenções feitas
reservava a educação geral mais aprofundada no workshop, a solução que se configura é

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


para os filhos da elite, que aspiravam ingressar a de subordinar o conhecimento técnico
em cursos superiores, e um ensino de caráter ao conhecimento científico. Essa parece ser
profissionalizante para alunos que precisavam uma solução cuja base é o entendimento de
incorporar-se às atividades produtivas o mais que o saber declarativo – knowing what, na
cedo possível. Parece que agora essa questão é direção assinalada por Ryle (1984) – explica
bem entendida pelos educadores. Já se ensaia e inclui o saber processual – knowing how,
um redesenho do ensino médio com outras na clássica sugestão do mesmo autor.
características; mas o caminho ainda é difícil. Predominam sugestões de que as elaborações
No estudo realizado pela UNESCO, destaca-se do conhecimento nascidas nas oficinas – o
a constatação de que os currículos de alguns saber elaborado em comunidades de trabalho
cursos de EMI apresentam um número muito – devem subordinar-se ao conhecimento
grande de disciplinas – e a questão não é apenas gerado em academias e laboratórios. Se tal for o
quantitativa. entendimento, as possibilidades de integração
ainda estão longe de ocorrer.
Aparentemente, as disciplinas não dialogam
entre si. Cabe perguntar se o saber deve ser No estudo realizado pela UNESCO constatou-se
tão dividido em um nível de ensino em que que, no plano das experiências observadas, houve
cortes disciplinares para formar pesquisadores apenas justaposição de disciplinas originárias
são desnecessários. A pergunta vale também das duas tradições que deveriam articular-se
para programas de estudo que contemplam em uma proposta unitária. Eventualmente,
apenas a educação geral. Embora a sugestão não trabalhos de articulação interdisciplinar acabaram
tenha aparecido explicitamente no simpósio, acontecendo nas escolas visitadas, graças a
diversas intervenções sobre questões curriculares iniciativas isoladas de alguns docentes, mas
apontavam a necessidade de rever o tratamento essas ocorrências não tiveram como origem
curricular que deve ser conferido ao ensino médio. concepções de integração curricular.

Princípios de democratização e de acesso Em outro caso de experimentação de EMI – os


universal ao patrimônio científico-cultural Centros de Ensino Médio e Educação Profissional
historicamente construído pela humanidade (Cemps) do Maranhão –, registrou-se um esforço
devem reger novas abordagens para o currículo. de articulação entre disciplinas de educação
Vale registrar uma observação de um dos geral e disciplinas de conteúdos específicos. Na
participantes sobre a integração de saberes. A experiência desenvolvida na Baixada Maranhense,
integração não ocorre por meio de manipulações educação geral e educação profissional

39
são núcleos distintos. Não há propriamente Nos planos legal e doutrinário, como observado
integração na experiência dos Cemps: ela é uma com relação às experiências de EMI no estudo
meta desejada. que motivou o simpósio, há um número excessivo
Em uma consideração sobre currículo e as de normas e orientações que, muitas vezes, não
experiências analisadas pelo estudo conduzido chegam ao cotidiano escolar. No plano real,
pela UNESCO, um participante ressaltou escolas, educadores e alunos preocupam-se com
que as convicções do ensino voltado para os horizontes imediatos em termos de emprego
especializações técnicas perdem sentido em uma e trabalho. Propostas de organização curricular
época em que o trabalho ficou muito esvaziado do ensino médio, seja no campo da educação
em termos de conteúdo. Por outro lado, esse geral, seja no campo da educação profissional,
participante observou que as atuais demandas são um desafio que merece continuidade de
produtivas exigem profissionais com bom debates e mais experimentações, acompanhadas
domínio de competências básicas. por registros e estudos, guiadas pelo princípio de
que a educação secundária e o acesso ao mundo
Essa tendência, segundo observação de outro do trabalho com capacitações são condições
participante, predominou em muitos países do necessárias à inserção social.
continente; mas, em anos recentes, diversos
planos nacionais no campo da educação Destaques do eixo “Ensino médio”
profissional enfatizam, outra vez, conteúdos
„„ Há nítida tendência de universalização
que fazem referência a especializações. Essas
do ensino médio no Brasil, que passa a fazer
flutuações no entendimento do que propor
parte, concretamente, da educação básica à
em termos de currículo, seja no âmbito da
qual toda a população deve ter acesso.
educação geral, seja no âmbito da educação
„„ Oferecido para a maioria, mudou
profissional, refletem talvez a diversidade de
de natureza: já não é mais uma oferta de
exigências quanto a possíveis resultados da
educação para a elite e um programa de
educação secundária. Entre os participantes,
estudos para preparar alunos para ingresso
houve consenso de que o ensino médio deve
na universidade.
promover um currículo que assegure acesso a
saberes científicos e culturais significativos para o „„ A nova natureza do ensino médio ainda
exercício da cidadania. é motivo de debate. Sabe-se que ela pode
ser definida conforme negações do papel
Um balanço geral das discussões sobre currículo
que desempenhou enquanto foi uma oferta
durante o evento mostra que o tema está sujeito
educacional para os filhos da elite.
a contradições que precisam ser entendidas
e superadas. Apesar de as perspectivas do „„ De certa forma, as práticas educacionais
ensino médio não serem mais as de estudos do ensino médio ainda se fundam nas
preparatórios para ingresso na universidade, não antigas referências que caracterizavam a
se pode negar que parte dos jovens passa pelo educação secundária no país. A proposta do
ensino médio com olhos na continuidade de sua EMI ensaia uma resposta na direção de uma
educação em nível superior. Mesmo com esforços nova educação secundária. Ela é apresentada
de integração ou de articulação entre educação apenas como alternativa, não como solução
geral e educação profissional, as origens de cada capaz de oferecer um perfil diferente e
uma das tradições educacionais que entram em adequado para todo o ensino médio.
jogo em cursos técnicos guardam diferenças „„ O avanço quantitativo da oferta parece
que podem emergir na formação e na prática indicar a necessidade de caracterizar com
dos docentes, nas ênfases de aprendizagem e clareza expectativas com relação à educação
também nas expectativas dos alunos. básica completa (escolarização de 12

40
anos). Exigem-se definições que possam de complementação de estudos oferecidos
estabelecer que resultados devem ser para jovens das periferias urbanas de regiões
alcançados em termos de apropriação de metropolitanas, de acordo com relato de um
saberes científicos, culturais e tecnológicos participante, mostram que a educação recebida
por parte do cidadão educado, além de no ensino médio é de qualidade duvidosa. A
repertório capaz de facilitar ingresso em observação sobre um novo dualismo (escolas
atividades produtivas por meio do trabalho. de qualidade versus escola de pouca qualidade),
feita por outro participante, aponta para a
Educação e trabalho mesma direção. Apesar de divergências quanto
a modos de considerar a dimensão do trabalho
O ensino médio está diretamente vinculado ao no ensino médio convencional, os participantes
trabalho. Muitos estudantes já são trabalhadores concordaram que a educação secundária é
e querem, de alguma forma, entender como instrumentalmente válida para o trabalho.
suas atividades profissionais se articulam com
Em diversas intervenções, ressaltou-se a
os estudos. Em qualquer de suas opções, a

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


importância do trabalho como eixo estruturante
educação secundária funciona como instância de
da educação em todos os níveis. A natureza do
preparação para o trabalho. Em setores modernos
trabalho como elemento de produção da vida em
e mesmo em setores tradicionais da economia,
sociedade e da identidade das pessoas não pode
ensino médio completo vem sendo utilizado
ser ignorada nos processos educacionais.
como pré-requisito para ingresso em qualquer
ocupação. Não há necessariamente congruência Para resultar em práticas educacionais, essa
entre conteúdos aprendidos no ensino médio e orientação depende de entendimentos das
conteúdos exigidos em termos ocupacionais. O dimensões epistemológicas e axiológicas do
que se busca, em geral, é uma escolarização que saber do trabalho. Ela pode iluminar questões
prepare as pessoas culturalmente para a natureza de caráter metodológico e formas de organizar
do trabalho em nossos dias. ambientes de aprendizagem. Ela pode, ainda,
ser decisiva na superação de preconceitos com
Esses comentários situam um entendimento
relação ao trabalho manual. No último caso,
de caráter instrumentalista, que não é, talvez, a
convém observar que a desvalorização do
dimensão prevalecente a ser considerada, mas
trabalho pode ser algo assumido por alunos das
sua relevância pode ser entendida com base nas
camadas mais pobres da população que sonham
dificuldades que muitos jovens têm de ingressar
escapar de um destino de trabalhadores por
no mercado formal de trabalho. Os números do meio de estudos. A investigação de Wresh (1996)
desemprego entre os jovens computam muitas mostra tal tendência na Namíbia, país onde o
pessoas com ensino médio completo. Duas ensino profissional e tecnológico era escolhido
razões explicam o fenômeno: geração insuficiente preferencialmente por filhos das classes mais
de postos de trabalho e má qualidade da abastadas. Por outro lado, propostas de alguns
educação recebida. educadores de que a formação profissional e
O sistema educacional não pode resolver o tecnológica possa ser um recurso de inserção
primeiro problema, mas é responsável pelo social precisam ser bem avaliadas, para se evitar
segundo. Estamos conseguindo oferecer ensino a ideia de que educação profissional é programa
médio para a maior parte dos jovens, mas parece para os filhos dos “outros”.
que, para uma parcela de nossa juventude, a No workshop, como já se mencionou
conclusão de estudos secundários não resulta em anteriormente, manifestaram-se posições sobre
domínio de competências capazes de assegurar educação e trabalho que precisam ser mais
a incorporação ao mercado de trabalho. Projetos debatidas. Entendimentos de que o domínio de

41
técnicas é um conhecimento que se subordina a que mantenha os jovens nas comunidades. A
compreensões de caráter científico resultam em ideia de que a educação de nível médio integrado
uma hierarquização dos saberes humanos que tenha uma orientação localista aflorou também
desvaloriza o saber-fazer. Uma das consequências nos relatos da Secretaria de Educação do Estado
disso é a dificuldade dos educadores para do Paraná.
entender conhecimentos que se constroem
A proposta aqui considerada merece mais
no e pelo trabalho. Tais conhecimentos, assim
incentivo e estudo. Parece que a perspectiva de
como as pessoas que os dominam, são invisíveis.
“formar para o mercado” deve ser substituída pela
A invisibilidade acaba resultando em propostas
perspectiva de escolas capazes de atuar como
didático-pedagógicas que ignoram as dimensões
agentes de desenvolvimento autossustentável.
epistemológicas do saber técnico. Conceituações
que não consideram contradições entre o saber
Destaques do eixo
acadêmico e o saber do trabalho podem ser um
“Educação e trabalho”
obstáculo para a concretização de propostas de
ensino integrado. Sínteses capazes de superar a „„ Há duas dimensões presentes em
assimetria entre as duas tradições educacionais debates sobre educação e trabalho. Em uma,
que se encontram em cursos técnicos são o o trabalho como prática social deve ser um
desafio do EMI. dos eixos estruturantes da educação. A ideia
de uma educação alheia ao trabalho reforça
Tradicionalmente, a oferta de cursos técnicos é
preconceitos e empobrece a formação
orientada por demandas no mercado de trabalho.
dos alunos. Em outra, a educação é uma
Essa associação mecânica entre educação e
atividade cujos resultados têm reflexos visíveis
atividades produtivas não deve mais orientar, de
na capacitação dos trabalhadores. Ambas as
acordo com a maioria dos participantes, decisões
dimensões permearam as discussões no evento.
sobre ensino médio em geral e EMI. Não se negou
a importância de certa sintonia entre mercado „„ O trabalho como eixo estruturante da
de trabalho e educação. As propostas dos educação não é uma orientação apenas para
participantes caminharam na direção da relativa o ensino médio: a importância do trabalho
autonomia dos sistemas educacionais para na história humana sinaliza a necessidade de
propor programas de estudo que considerem o considerá-lo em todos os níveis educacionais.
trabalho em suas dimensões de produção. Houve consenso nesse sentido, mas as formas
de execução, assim como os componentes
Uma proposta que merece consideração foi a de
epistemológicos do trabalho, permanecem
que as escolas podem ter papel de indutoras de
como temas de debate.
mudança no âmbito do desenvolvimento local
ou territorial. Para tanto, seus cursos podem ser „„ A educação geral de qualidade, além
planejados para formar técnicos que introduzam de inegável direito de todos, é uma das
novas tecnologias em atividades favorecedoras condições para ingresso com competência e
do desenvolvimento autossustentado – dignidade nas atividades produtivas.
orientação que pode ser verificada nos Cemps do „„ Houve divergência em relação aos aspectos
estado do Maranhão. Em certa medida, a mesma relativos às dimensões curriculares e didáticas,
orientação parece existir em algumas escolas reconhecidos como muito importantes.
visitadas no estudo que motivou o workshop. Predominou a interpretação de que conteúdos
Comunidades identificadas com exploração específicos de formação profissional devem estar
econômica das florestas em atividades extrativas subordinados a uma moldura mais ampla de
autossustentáveis propõem, de acordo com ciência e tecnologia. Também houve sugestões
informação de um participante, ensino médio de que a aprendizagem do fazer tem status
epistemológico próprio.

42
„„ A escola pode ser um polo dinamizador mais pobres da população, criação de postos
de desenvolvimento tecnológico – de trabalho e melhoria da qualidade do ensino.
circunstância que sugere que a preparação para Já há, em diversos ministérios, programas que
o trabalho não se subordina necessariamente a contemplam uma ou mais dessas opções, mas os
demandas formais do mercado de trabalho – e atendimentos ainda são muito modestos se for
ter um papel indutor de mudanças no plano considerado o total da população jovem do país.
socioeconômico.
A descrição delineada no parágrafo anterior
„„ As relações entre educação recebida sugere a necessidade de repensar o ensino
e qualidade das condições de trabalho foi médio no país. Esse nível da educação ganha
também um tema recorrente durante o evento. importância por dois motivos: é uma exigência
para ingresso em ocupações do setor formal da
economia; e também é direito, indicado pelo
Situação da juventude consenso de que a conclusão da educação
básica de 11 ou 12 anos é indispensável para
Ao considerar grupos etários quando se fala de

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


exercício pleno da cidadania. Não se trata de
juventude, educação e trabalho, há duas faixas de
apenas estender o benefício da educação
idade que despertam interesse: dos 15 aos 17 anos e
secundária a toda a população em idade própria.
dos 18 aos 24 anos. A primeira tem como referência
A democratização efetiva do ensino médio
espaço de tempo no qual idealmente os estudantes
implica novas exigências em termos de definição
estariam cursando o ensino médio. Já a segunda
da natureza da educação a ser oferecida a todos
tem como referência o espaço de tempo no qual,
os jovens.
idealmente, os jovens poderiam estar em cursos de
graduação no nível superior. Em ambas, fica implícita O antigo ensino médio oferecido às elites, quase
a ideia de que 17 anos e 24 anos são idades limites sempre entendido como fase preparatória para
para ingresso em atividades produtivas compatíveis ingresso na universidade, não é modelo que
com a educação recebida. Esse modo de considerar possa ser adotado nos dias de hoje. Do ponto de
a articulação entre educação e trabalho acaba por vista da educação básica como direito de todos, a
constituir um elemento definidor de juventude. configuração do ensino médio precisa assegurar
acesso a um patrimônio comum de saberes
A escolaridade e a ocupação dos jovens estão
científicos, tecnológicos e culturais. Do ponto de
muito distantes das referências ideais. Da parcela
vista de suas relações com o mundo do trabalho,
da população com idade entre 15 e 17 anos,
o ensino médio precisa assegurar capacitação
apenas 48% estão no ensino médio. Isso não quer
que instrumentalize os jovens para o exercício de
dizer que a maioria dos jovens em tal idade esteja
ocupações dignas no mundo do trabalho.
fora da escola. O percentual de escolarização
em tal faixa etária alcança cerca de 80%, ou seja, Há um número expressivo de jovens (14%) que
há um número expressivo de jovens que ainda ingressa no ensino secundário após os 18 anos e
estão no ensino fundamental, fenômeno que cursa ensino médio regular no período noturno.
caracteriza um hiato educacional causado por São estudantes trabalhadores. Os dados não
repetência e abandono dos bancos escolares por revelam quantos desses jovens cursam EMI; o
algum tempo. Esse quadro é complementado número deve ser muito reduzido; provavelmente,
pelo dado de que cerca de 14% dos alunos em sua grande maioria, estão cursando ensino
do ensino médio têm entre 18 e 24 anos. As médio convencional. A situação dos jovens
causas de tal distribuição dos jovens pelo ensino trabalhadores sugere maior investimento no
fundamental e médio são pobreza, desemprego campo de ensino de jovens e adultos (EJA). Como
e mau desempenho escolar. As soluções incluem foi observado, a EJA precisa ser vista como uma
incentivo financeiro para estudantes das camadas solução estrutural, não uma atividade provisória

43
e marginal no sistema. Uma vez que cerca de são muito modestas quando se consideram
34% dos jovens na faixa etária dos 15 aos 17 anos as necessidades de estudo e emprego para a
ainda estão no ensino fundamental, não haverá juventude.
decréscimo no percentual de jovens na faixa de
„„ Iniciativas de nível local, principalmente
18 a 24 anos que procuram a educação de nível
aquelas que planejam o ensino médio
médio em um futuro próximo. Uma educação que
articulado com necessidades socioeconômicas
levasse em conta sua condição de trabalhadores
territoriais, ensaiam opções capazes de superar
provavelmente seria mais efetiva que a simples
algumas dificuldades encontradas. Pode ser
oferta de vagas em cursos convencionais.
um caminho promissor, mas as dimensões do
O acesso à educação para os jovens brasileiros problema parecem exigir uma política pública
parece enfrentar um obstáculo nem sempre mais ampla.
considerado em políticas públicas de ensino.
„„ Programas de estudo e incorporação às
Tal obstáculo é a pobreza de grande maioria
atividades produtivas enfrentam, atualmente,
de nossos jovens: 70% dos jovens brasileiros
uma situação de grande complexidade.
têm renda familiar per capita inferior a um
Pobreza, desemprego ou condições aviltantes
salário mínimo. O recorte para a faixa mais
de trabalho, dificuldades para frequentar a
pobre da população é ainda mais preocupante:
escola e desinteresse pelo estudo compõem
40% de nossos jovens têm renda familiar per
um quadro que mostra necessidade de
capita inferior a meio salário mínimo. Além de
intervenções que não podem ficar apenas na
dificuldade de acesso à educação, é provável
arena da educação convencional.
que os jovens mais pobres recebam um ensino
de baixa qualidade. A situação gera um círculo Síntese do balanço interpretativo
vicioso, que se fecha, no campo do trabalho, em do simpósio
atividades no mercado informal.
Convém reiterar aqui alguns destaques
apontados.
Destaques do eixo
“Situação da juventude” 1. O reconhecimento do trabalho como eixo
estruturante da educação foi uma posição
„„ A conclusão de estudos no nível do
consensual no evento. O entendimento
ensino médio deveria ocorrer por volta
enseja reflexos importantes na formação dos
dos 17 ou 18 anos. Entretanto, um número
educadores e na elaboração de currículos
expressivo de alunos com idade superior
escolares em toda a educação básica. Os
aos 18 anos está em algum programa de
modos de implementá-la ainda são desafios
educação secundária.
para os educadores.
„„ Os jovens são a parcela da população
2. Os exemplos apresentados no evento
com os maiores índices de desemprego. A
evidenciam o papel das escolas como
situação é preocupante para os mais pobres,
indutoras de mudanças sociais. A
entre os quais o índice de desemprego chega
subordinação a exigências do mercado de
à casa dos 30%.
trabalho não é medida que favoreça uma
„„ Boa parte dos alunos do ensino médio educação para a autonomia. Há necessidade
é de trabalhadores, mas há um número de maior incentivo a iniciativas que convertam
expressivo de jovens que nem estudam escolas de educação profissional em polos
e nem trabalham. Políticas públicas em regionais de inovação no campo do trabalho.
vários ministérios propõem caminhos de
3. O saber do trabalho é um objeto de estudo
superação desses problemas, porém ainda
que merece maior destaque em debates sobre

44
educação, bem como na formação docente, Questões para reflexão
inicial e continuada. A predominância de
1. Com base nas considerações feitas no estudo,
modelos que subordinam o saber do trabalho
quais seriam os três desafios principais de sua
ao saber científico é uma tendência que
rede de ensino ou escola na formulação de
merece revisão. Saberes invisíveis elaborados
um projeto de integração do ensino médio e
no trabalho e por ele precisam ganhar mais
educação profissional?
destaque nos meios educacionais.
2. Faça uma análise crítica de como o currículo de
4. A formação de educadores para atuação
sua rede de ensino ou escola aborda as relações
no EMI precisa considerar o saber do trabalho
entre educação, juventude e trabalho.
como conteúdo indispensável e explícito nas
propostas curriculares, para que a desejada 3. Como você avalia a proposta de, em
integração se efetive. contraposição à perspectiva de “formar para o
mercado”, as escolas atuarem como agentes de
5. A dualidade entre educação geral e
desenvolvimento autossustentável? Que ações
educação profissional não desapareceu.

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


Precisa ser superada no nível das práticas estariam envolvidas em uma iniciativa como essa?
escolares.
6. Dados sobre a situação do ensino médio no
Referências bibliográficas
país indicam uma nova dualidade: educação
de qualidade para poucos, educação de pouca MJELDE, L. From hand to mind. In: LIVINGDTONE,
qualidade para muitos. D. W. (Org.). Critical pedagogy and cultural power.
7. O EMI é uma alternativa interessante New York: Bergin & Gavey Publishers, 1987.
não só como proposta no campo da REGATTIERI, M.; CASTRO, J. M. (Orgs.). Ensino
educação profissional. Sua existência e seu médio e educação profissional: desafios da
funcionamento são um laboratório para integração. 2.ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010.
experimentações de mudanças necessárias Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
em todo o ensino médio. images/0019/001923/192356por.pdf>.
8. A situação de pobreza da grande maioria dos RYLE, G. The concept of mind. Chicago: The
jovens brasileiros exige educação inclusiva. University of Chicago Press, 1984.
A lista não esgota o universo dos temas que WRESCH, W. Disconnected: haves and have-nots
emergiram nas discussões realizadas no simpósio, in the information age. New Jersey: Routgers
mas é um indicador da riqueza produzida pelas University Press, 1996.
contribuições de todos os participantes. Revela
consensos e dissensos. Mostra que o workshop
sobre estudo do EMI promovido pela UNESCO
alcançou inteiramente os objetivos propostos.

45
46
© UNESCO
Indicações teóricas para o desenho
de currículos que integrem o ensino
médio à educação profissional
José Antonio Küller
Francisco de Moraes

Sabemos que a melhoria da qualidade do ensino Tomaz Tadeu da Silva resume uma longa
médio depende de inúmeros fatores e medidas, discussão sobre as teorias do currículo ao afirmar
mas um desafio central passa necessariamente que, após as teorias críticas e pós-críticas de
por superar sua inadequação curricular, cuja currículo, é impossível abordá-lo apenas pelos
formulação, em sua maioria, além de não levar em enfoques dos conceitos técnicos de ensino
consideração a realidade e a expectativa dos jovens, e eficiência, de categorias psicológicas como
não os prepara para uma vida em sociedade, para aprendizagem e desenvolvimento ou de imagens
prosseguimento de estudos posteriores ou mesmo estáticas como as de grade curricular e listas de
para inserção no mundo do trabalho. conteúdo. Ele afirma que o currículo pode ser
tudo isso, pois ele é também o que se faz com ele.
Com o objetivo de auxiliar o enfrentamento dessas
Nossa imaginação está livre para tratar o currículo
questões, a Representação da UNESCO no Brasil
com outras metáforas, usar outras formas em
desenvolveu o Projeto de protótipo curricular de
sua concepção, utilizar outras perspectivas que
ensino médio, no âmbito do qual coordenamos
superem as que foram legadas pelas estreitas
um grupo de especialistas visando à elaboração
categorias da tradição (SILVA, 2009, p. 147).
de um protótipo de ensino médio orientado para
a preparação básica para o trabalho e para as O alerta foi interessante para adotarmos uma
demais práticas sociais (formação geral), além de perspectiva mais aberta nas questões mais
protótipos curriculares de ensino médio integrado específicas de investigação, que orientaram nossa
com a educação profissional.13 busca de referências sobre currículo integrado e
sobre o currículo de ensino médio integrado à
A elaboração dos protótipos contou com uma
educação profissional.
série de contribuições, entre elas levantamento e
sistematização das principais referências teóricas Para forçar a desejada abertura e para formular
que têm fomentado o debate sobre o ensino orientações específicas sobre o desenho
médio e sobre a integração do ensino médio com de um currículo integrado, as discussões
a educação profissional.14 contemporâneas sobre o currículo permitem as
seguintes constatações:
13 Os protótipos são compreendidos como referências a
serem usadas pela escola na definição do currículo do ensino
1. A questão da integração é posta porque,
médio ou para a elaboração do currículo (e do plano de
curso) do ensino médio integrado à educação profissional. historicamente, se construiu um currículo
14 O levantamento faz parte do livro “Currículo integrado para o
fragmentado e um conhecimento especializado.
ensino médio: das normas à prática transformadora”, publicado
pela UNESCO em 2013. A publicação, disponível na íntegra em
2. A questão das disciplinas a serem
<http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002226/222630POR.
pdf>, inclui os protótipos curriculares construídos e outros incluídas é muito presente nas discussões
levantamentos que contribuíram com sua elaboração, como do curriculares porque o único conhecimento
marco legal do ensino médio de formação geral e da educação
profissional, de pesquisas que apresentam opiniões e demandas reconhecido como relevante é quase
de professores e de alunos do ensino médio e de experiências sempre o conhecimento acadêmico e
nacionais e internacionais de currículo integrado de ensino
médio. disciplinarmente produzido.

47
3. O problema da integração está presente ou crítica, na concepção dualista ou unitária”
porque não se admite que toda educação (ARROYO, 1999, p. 29).
geral seja também profissional e que toda
A busca sobre âmbitos mais específicos e mais
educação profissional, inclusive a que é
relacionados ao desenho curricular e à construção
desenvolvida dentro da empresa, seja também
de currículos de ensino médio foi feita com
formação humana integral (KUENZER, 2002).
base nessas constatações mais gerais. Também
4. O currículo escolar assume tamanha foi considerado que as escolas secundárias do
importância porque não se reconhece que mundo inteiro estão pressionadas a buscar novas
a escola é uma das instâncias formadoras do abordagens educativas. A preparação somente
cidadão, do profissional ou da pessoa, mas para os vestibulares que dão acesso à educação
não a única. Também não se questiona se superior não é um objetivo adequado para a
ela é ou deve ser a instância formadora mais maioria dos jovens, que não chega a esse nível de
importante (ILLICH, 1973). ensino. A maioria dos jovens passa diretamente
5. O debate sobre a escola dual esquece que do ensino médio ao trabalho, aos cursos técnicos,
as divisões são muito mais numerosas e que, ao treinamento aligeirado ou ao desemprego.
ao falar da escola unitária, pode-se esquecer No Brasil, um número muito significativo de
de observar o respeito às diferenças, às jovens abandona o ensino médio antes de sua
minorias e ao direito à singularidade. conclusão e o percentual daqueles acima da
idade adequada ainda é muito alto.
6. Não existe conhecimento necessariamente
mais importante ou mais verdadeiro. “Todo Portanto, a questão da integração da
conhecimento depende da significação e esta, educação profissional ao currículo do ensino
por sua vez, depende de relações de poder. médio seria menos importante se ela não
Não há conhecimento fora desse processo” estivesse relacionada com algumas demandas
(SILVA, 2009, p. 149). fundamentais da educação brasileira. A primeira
delas é a necessidade inadiável de cumprimento
7. Todo currículo é uma construção social e da prescrição legal quanto à construção de
histórica. “É apenas uma contingência social uma educação básica efetivamente comum a
e histórica que faz com que o currículo seja todos os brasileiros. A segunda é a necessária
dividido em matérias ou disciplinas, que o superação da prática de currículos fragmentados
currículo se distribua sequencialmente em que veiculam conteúdos muito distantes
intervalos de tempo determinado, que o das vivências e das carências da população
currículo esteja organizado hierarquicamente estudantil, principalmente as da maioria oriunda
[...]” (SILVA, 2009, p. 148). das camadas mais pobres. Relacionada com a
8. Nem todo currículo é explícito e intencional. segunda, a terceira demanda é mais visível e
As relações travadas na escola, seus rituais, dramática no ensino médio: a efetiva preparação
suas regras, seus regulamentos, suas normas do estudante para a vida pessoal, para a
e suas formas de funcionamento exercem um convivência social e para o mundo do trabalho.
poderoso efeito educativo. Essa visão panorâmica sobre o currículo e sobre
9. O que é esperado da escola, “inclusive pelo o ensino médio apontou um conjunto de temas
capital, vai além do ensino profissionalizante que precisariam ser considerados na proposição
e, até, além do domínio do saber sobre o de desenhos de currículos que integrem o ensino
trabalho e do saber sobre os processos e as médio em sua própria essência, bem como
relações de produção. Aprender é mais do integrem o ensino médio à educação profissional.
que aprender, seja na concepção positivista São sete temas ou questões curriculares
fundamentais:

48
1. Objetivos do ensino médio. Quais devem ser excelência? Nessa questão, se inclui a discussão
os objetivos do ensino médio, considerando sobre a necessária capacitação dos atores
sua inclusão como parte da educação básica? envolvidos em processos de mudança curricular.
Disso decorre a perspectiva de uma escola
brasileira unitária. Implica na definição de
objetivos comuns a todo ensino médio, Objetivos do ensino médio
incluindo aquele que adiciona a educação
profissional como finalidade. Há consenso nacional e internacional sobre a
necessidade urgente de mudanças curriculares
2. Trabalho e pesquisa como princípios. Como
no ensino médio. O consenso acaba quando o
incluir o trabalho como princípio educativo
foco da discussão passa para a definição do que
e a pesquisa como princípio pedagógico?
mudar e que rumo tomar. A falta de consenso
Na resposta, é importante buscar e analisar
já começa na definição das finalidades e dos
as indicações existentes sobre um desenho
objetivos prioritários do ensino médio. Na prática,
curricular feito com base nesses princípios.
prevalece a entranhada visão tradicional de que o

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


3. Formas alternativas de organização ensino médio é etapa preparatória para o ensino
curricular. Qual a viabilidade e as superior. Nessa visão, um segundo objetivo do
possibilidades de formas não disciplinares ensino médio é a capacitação para o trabalho,
de organização do currículo ou, pelo menos, visto como objetivo alternativo e até contraposto
da organização do currículo com a inclusão ao primeiro.
de componentes curriculares distintos das
A legislação educacional brasileira lista essas
disciplinas tradicionais?
duas opções no rol de finalidades do ensino
4. Integração do ensino médio com médio. A elas acrescenta a preparação básica
educação profissional. Como fazer a para o trabalho, para a cidadania e para continuar
integração entre o ensino médio e a aprendendo, assim como para o “aprimoramento
formação técnica de nível médio? É possível do educando como pessoa humana, incluindo
integrar o ensino médio à habilitação a formação ética e o desenvolvimento da
profissional a partir de uma base constituída autonomia intelectual e do pensamento crítico”
pelo currículo do ensino médio unitário? (BRASIL, 1996).
5. Metodologia de ensino-aprendizagem. No panorama internacional, os países em
Qual a importância e o papel da metodologia geral validam os conjuntos de aprendizagens
de ensino-aprendizagem nos processos sintetizados no Relatório Delors para a UNESCO
de integração curricular e nas formas (DELORS, 2010):15 aprender a conhecer,
de atribuição de sentido aos conteúdos aprender a fazer, aprender a viver juntos e
curriculares? aprender a ser. Como etapa conclusiva da
6. Avaliação como mecanismo de integração educação básica, espera-se que o ensino médio
curricular. Qual o papel da avaliação, consolide o alcance desses grandes objetivos de
especialmente a interna, como meio de aprendizagem.
integração ou de fragmentação curricular? Muitas propostas internacionais de reforma do
ensino médio enfatizam objetivos traduzidos
7. Infraestrutura e pessoal docente e técnico-
como competências básicas para o trabalho,
administrativo. Qual a infraestrutura e o
pessoal docente e técnico-administrativo que 15 Tradução do material original publicado em 1996. Sua
são necessários para o desenvolvimento de versão resumida foi traduzida para o português pela UNESCO
no Brasil e a Faber Castell em 2010. Disponível em: <http://
uma proposta curricular que resulte em curso unesdoc.unesco.org/images/0010/001095/109590por.pdf>.
de ensino médio que seja integrado e de Acesso em: 8 ago 2015.

49
para o exercício da cidadania e para a vida. É o Esses objetivos podem ser expressos em
caso do Relatório Scans (2000), que detalhou competências a desenvolver ou apresentados
cinco competências e três habilidades ou como conhecimentos, habilidades ou atitudes
qualidades pessoais necessárias para o esperadas dos estudantes. Consideramos
desempenho adequado no trabalho e que menos relevante a adesão a algum modismo
devem ser desenvolvidas pelas escolas. Para ou dogmatismo sobre palavras mistificadas
esse relatório, todo trabalhador deveria ou proibidas na definição dos objetivos de
ser capaz de: utilizar recursos materiais e aprendizagem. O essencial é que sejam objetivos
imateriais para o desenvolvimento de suas que expressem o que os estudantes deverão ser
atividades; relacionar-se bem com todos os capazes de demonstrar como aprendizagem
outros; buscar, organizar e utilizar informações; e não meramente o rol de conteúdos que os
acompanhar, projetar ou melhorar sistemas professores deverão cumprir para que suas
sociais, organizacionais e tecnológicos e matérias sejam consideradas dadas.
identificar, prevenir e resolver problemas com
A proposta de protótipos curriculares publicada
aparatos tecnológicos.
pela UNESCO partiu das finalidades do ensino
O relatório considera que as competências médio explícitas na Lei de Diretrizes e Bases
exigem mais do que conhecimento. Os da Educação Nacional (LDBEN), que nesse
fundamentos que as sustentam são as habilidades documento foram consideradas congruentes
básicas de ler, contar, falar e ouvir; as habilidades com os quatro pilares da educação expressos
de pensamento (criatividade, tomada de decisão, no Relatório Delors para a UNESCO: aprender
raciocínio abstrato, aprender autonomamente a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver
etc.) e as qualidades pessoais, tais como a juntos e aprender a ser. Para ampliar ainda mais
responsabilidade individual, a autoestima, a as possibilidades da integração do ensino médio
sociabilidade, a autogestão e a integridade. em seus componentes curriculares internos
A fixação de algumas competências básicas e e também com os componentes curriculares
seu detalhamento em habilidades específicas necessários para a educação profissional técnica
também foi adotada na matriz de competências de nível médio, a organização curricular proposta
e habilidades do Exame Nacional do Ensino nos protótipos curriculares da UNESCO prevê um
Médio (Enem) brasileiro. O Novo Enem, como núcleo de preparação para o trabalho e outras
foi chamada a versão atual, substitui as cinco práticas sociais. Esse núcleo, a ser planejado como
competências da versão original por cinco “eixos unidade curricular integradora, deveria garantir a
cognitivos”: dominar linguagens, compreender obtenção desses objetivos mais gerais.
fenômenos, enfrentar situações-problema,
Os objetivos de aprendizagem do núcleo de
construir argumentação e elaborar propostas.
preparação para o trabalho e outras práticas
Essas competências (ou eixos cognitivos) são sociais dos protótipos curriculares da UNESCO
desdobradas em habilidades que se relacionam podem ser uma referência para debate de
com as diferentes áreas do conhecimento. Se essa objetivos integradores no ensino médio e deste
perspectiva for radicalizada, temos um conjunto com a educação profissional. Esses objetivos
de objetivos gerais, comuns a todas as áreas de do núcleo foram especificados com base na
conhecimento (no caso, as competências), e matriz de referência do Enem (MACEDO, 2005;
objetivos específicos por área de conhecimento MACHADO, 2005). Depois, foram considerados
(no caso, as habilidades) que são decorrentes os saberes básicos necessários para o trabalho e
desses objetivos gerais, de forma a promover uma para a prática social relacionados em documentos
integração curricular mediante os objetivos de nacionais e também em experiências nacionais
aprendizagem a serem perseguidos. e internacionais de reforma do ensino médio.

50
A relação inicial de objetivos foi ajustada às Educação pública, gratuita, obrigatória
finalidades e aos objetivos do ensino médio e única para todas as crianças e jovens,
expressos na LDBEN e nas diretrizes curriculares de forma a romper com o monopólio
correspondentes. Por fim, a relação de objetivos por parte da burguesia da cultura, do
foi exaustivamente debatida e checada com conhecimento.

especialistas, técnicos e docentes do ensino A combinação da educação (incluindo-se


médio e da educação profissional aí a educação intelectual, corporal e tec-
nológica) com a produção material com
Os objetivos definidos nos protótipos relacionam-se
o propósito de superar o hiato historica-
tanto às práticas sociais demandadas dos cidadãos
mente produzido entre trabalho manual
em geral quanto às demandas essenciais para a (execução, técnica) e trabalho intelectual
inserção dos estudantes no mundo do trabalho. (concepção, ciência) e com isso proporcio-
Além disso, cada subgrupo de objetivos exige nar a todos uma compreensão integral do
o desenvolvimento de saberes e capacidades processo produtivo.
ou competências relacionadas com as áreas do
A formação omnilateral (isto é,

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


conhecimento.
multilateral, integral) da personalidade
O documento apresentado pela UNESCO já de forma a tornar o ser humano capaz de
alerta que esses objetivos, na forma em que produzir e fruir ciência, arte, técnica.
estão formulados, deverão obrigatoriamente ser A integração recíproca da escola à
rediscutidos e revistos (ampliados, ajustados, sociedade com o propósito de superar
simplificados) localmente pelos professores o estranhamento entre as práticas
e pela equipe técnico-administrativa das educativas e as demais práticas sociais
escolas. A rediscussão dos objetivos é o ponto (RODRIGUES, 2009).
de partida na elaboração de seus projetos
pedagógicos, planos de curso e planos de Aprender fazendo não é pertinente a essa
atividades de ensino-aprendizagem. Assim, proposta, mas ela não exclui a experiência
deve ser feita à luz da realidade local, do perfil concreta do trabalho. Para ir além da prática
dos estudantes, dos limites e das possibilidades operacional e subordinada do trabalho
concretas de trabalho. e para aproximar trabalho e educação, é
preciso considerar o trabalho em sua acepção
O trabalho e a pesquisa como princípios ontológica, como a forma de o ser humanos
educativos transformar o mundo e, ao fazê-lo, criar a
si mesmo. Se trabalho é a transformação
O trabalho é praticamente ausente nas referências das condições de existência humana, o
teóricas internacionais como princípio educativo trabalho como princípio educativo exige o
que possa orientar a integração curricular. No engajamento dos estudantes em ações criativas
contexto brasileiro, sua menção explícita com e transformadoras das condições naturais,
tal enfoque é mais recente, tanto em textos sociais e culturais em que vivem, incluindo aí a
acadêmicos quanto em normas e documentos transformação da escola que os abriga.
oficiais. Em sua acepção ontológica, o trabalho
A pesquisa tampouco tem presença relevante
é especialmente defendido como princípio
como princípio que possa ser fator de integração
educativo essencial por autores que defendem a
curricular nas indicações teóricas internacionais.
ideia de uma educação politécnica ou tecnológica.
Nos documentos e nas normas nacionais, aparece
Essa concepção educativa extrai do trabalho, também mais recentemente com alguma ênfase,
como princípio educativo, as seguintes caracterizada como princípio pedagógico.
decorrências:

51
É possível construir um currículo de ensino de aprendizagem, em que os jovens desenvolvam
médio baseado na pesquisa (pesquisa-ação) uma cultura para o trabalho e demais práticas
sobre determinada realidade e na ação sociais por meio do protagonismo em atividades
transformadora sobre ela, tomando o trabalho transformadoras. Ao realizar essas atividades, eles
e a pesquisa como princípios educativos poderão explorar interesses vocacionais, além
associados. A realidade a ser pesquisada e de perspectivas pessoais e de organização social.
transformada pode, por questões de facilidade Ao mesmo tempo, constroem sua autonomia, ao
metodológica, ser gradativamente ampliada. formular e ensaiar a concretização de projetos de
Por exemplo, tomar a escola e a moradia vida e de sociedade.
dos alunos como o objeto de pesquisa e
intervenção, no 1º ano; a comunidade próxima Formas de integração curricular
à escola, no 2º ano; a realidade regional, na educação básica
nacional e internacional, no 3º ano.
Em geral, a divisão disciplinar do currículo é o
Trabalho como princípio educativo ponto de partida para a discussão de formas
de integração curricular. Conforme a literatura
Nos protótipos curriculares da UNESCO, especializada, a maneira mais comum para essa
o trabalho é assumido como princípio integração é a interdisciplinaridade, que aceita
educativo e a pesquisa é tomada como a divisão disciplinar como princípio válido e
princípio pedagógico, estando ambos talvez até desejável. Santomé (1998) identifica
estreitamente relacionados. Toda a duas estratégias fundamentais para promover a
aprendizagem tem origem ou fundamento integração interdisciplinar: os centros de interesse
em atividades dos estudantes orientadas para Decrolyanos e o método de projetos. O centro de
uma intervenção na sua realidade. O currículo interesse
é centrado no planejamento (concepção) é um processo de ensino que consiste
e no desenvolvimento de propostas de em agrupar em torno de um mesmo
trabalho individual e coletivo (execução). assunto que interessa à criança um
Cada estudante as usará para produzir e conjunto de noções a aprender, de
transformar sua realidade e, ao mesmo mecanismos a montar, de hábitos
tempo, desenvolver-se como ser humano a adquirir, condição do perfeito
(concepção ontológica de trabalho). desenvolvimento do ser no meio em que
vive e ao qual ele se adapta (BASSAN,
1978, p. 17).
Como forma de conhecimento e de crítica
da realidade, a pesquisa se apoia nas áreas de O método de projetos, segundo Cortesão,
conhecimento para auxiliar na definição da é uma atividade intencional através da
metodologia e dos instrumentos de investigação, qual o ator social, tomando o problema
na identificação das variáveis de estudo e na que o interessa, produz conhecimento,
interpretação dos resultados. A análise dos adquire atitudes e/ou resolve problemas
resultados da pesquisa, também apoiada pelas que o preocupam através do estudo e do
áreas, apontará as atividades de transformação envolvimento em uma questão autêntica
(trabalho) que são necessárias e possíveis. ou simulada da vida real (CORTESÃO,
1993, p. 89).
À luz desses dois princípios, os protótipos unem
a orientação para o trabalho com a educação por Como já se afirmou, essas alternativas têm a
meio do trabalho. Propõem, assim, uma escola de divisão disciplinar como princípio. Contudo,
ensino médio que atue como uma comunidade é preciso considerar também o próprio fim
das disciplinas. É o que indica Veiga-Neto

52
(2002) ao falar, na pós-modernidade, do útil, preparar recursos e materiais
fim da disciplinaridade dos corpos e dos facilitadores da aquisição de saberes e
saberes que constituiu uma marca da época o desenvolvimento das competências
moderna. Ele sugere que o fim previsível essenciais (ESCOLA DA PONTE, 2003).
dessas disciplinaridades terá impactos similares Destaca-se que o currículo é construído pelos
no currículo, e que os temas transversais e próprios alunos em função, inclusive, de seus
a flexibilização das grades disciplinares são interesses, em diálogo como o currículo prescrito.
anúncios do fim do currículo disciplinar. É uma proposta radical, coletiva e individual,
Essa é a proposta, por exemplo, da Escola da centralizada e descentralizada, disciplinar e
Ponte, em Portugal. Nela, o currículo prescrito transdisciplinar de organização curricular por
é apenas uma referência para caminhos projetos. Mesmo assim, ela não apresenta um
individuais de aprendizagem ou de construção mecanismo novo de integração curricular, pois
do conhecimento. Rubem Alves fala sobre se baseia no método de projetos, uma das
“a aparente subversão de um conjunto de estratégias identificadas por Santomé.

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


mecanismos e rituais que fomos habituados a A citação a seguir, selecionada dos textos que
associar à organização e ao funcionamento de justificam o Enem, apresenta outra possibilidade
uma escola” (ALVES, 2001, p. 17). Essa subversão de integração curricular: o currículo em rede.
conduz ao abandono das formas tradicionais Observe-se que a outra estratégia de integração
de compreender e de organizar o currículo e considerada por Santomé, com base no centro
o cotidiano escolar. Porém, em “Fazer a ponte: de interesse, compõe o mecanismo de integração
projecto educativo”, no entanto, é possível curricular.
perceber que a subversão não é total:
[...] a rede de significados não tem
O conceito de currículo é entendido centro, ou tem múltiplos centros [...]
numa dupla asserção, conforme a de interesse. Dependendo dos olhares
sua exterioridade ou interioridade e dos contextos, o centro pode estar
relativamente a cada aluno: o currículo em qualquer parte. Não são centros
exterior ou objetivo é um perfil, um endógenos, mas centros de interesse. [...]
horizonte de realização, uma meta; o é possível ‘entrar na rede’ de significações
currículo interior ou subjetivo é um que representa (e é representada) pelo
percurso (único) de desenvolvimento conhecimento por múltiplas portas, com
pessoal, um caminho, um trajeto. Só diferentes características. É o professor,
o currículo subjetivo (o conjunto de juntamente com seus alunos, com suas
aquisições de cada aluno) está em circunstâncias, que elege ou reconhece
condições de validar a pertinência do o centro de interesses e o transforma
currículo objetivo (ESCOLA DA PONTE, em instrumento para enredar na teia
2003). maior de significações relevantes. [...]
Destaquemos agora a heterogeneidade,
A seguir, complementa:
uma característica das redes diretamente
As propostas de trabalho a apresentar aos associada à ideia de interdisciplinaridade.
alunos tenderão a usar a metodologia De fato, os nós/significações que
de trabalho de projeto. Neste sentido, a compõem a rede são constituídos por
definição do currículo objetivo reveste-se relações heterogêneas, quando se pensa
de um carácter dinâmico e carece de um na natureza disciplinar das mesmas. Cada
permanente trabalho reflexivo por parte feixe envolve naturalmente relações
da equipe de orientadores educativos, que se situam no âmbito de diferentes
de modo a que seja possível, em tempo disciplinas. Quase nada de relevante,

53
que não seja de interesse apenas de 1. Integração das disciplinas em quatro áreas
‘especialistas’ em sentido estrito, pode de conhecimento: a interdisciplinaridade
ser estudado sem a compreensão do é obtida integrando-se as disciplinas em
caráter essencial dessa heterogeneidade quatro áreas do conhecimento (linguagens,
(MACHADO, 2005). matemática, ciências naturais e ciências
Nos textos normativos mais recentes e na humanas). Em todas as áreas, essa integração
literatura sobre integração curricular há uma ocorre por meio da definição de objetivos
sugestão recorrente para se organizar o currículo de aprendizagem comuns para a área como
por meio das dimensões articuladoras do um todo. Os objetivos são relacionados à
trabalho, da cultura, da ciência e da tecnologia. preparação básica para o trabalho e demais
Em determinadas propostas, essas dimensões práticas sociais ou à educação profissional de
constituiriam caminhos opcionais para nível técnico.
articulação e aprofundamento de estudos.
2. Integração por meio de um núcleo de
Porém, é quase ausente a discussão de
atividades criativas ou transformadoras: em
mecanismos práticos por meio dos quais é
uma proposta transdisciplinar, as áreas giram
possível integrá-las ao currículo. Transformá-
em torno de um núcleo de educação para o
las em centros de interesse pode ser uma
trabalho e demais práticas sociais. Esse núcleo
alternativa possível. Usando a abordagem
é um componente curricular que constitui um
em rede, pode-se pensar nos componentes
objeto novo (BARTHES, 1988) ou um objeto
curriculares (áreas) como as linhas horizontais
comum (MACHADO, 2005) a todas as áreas. É
da rede. Já as dimensões articuladoras ou os
composto essencialmente por atividades de
centros de interesse ou os focos de articulação
trabalho e pesquisa e, assim, concretiza, dá
(escola, comunidade, mundo), tratados
vida e visibilidade aos princípios educativos. O
metodologicamente por meio de projetos
núcleo é desenvolvido de forma democrática
de investigação e de transformação do real,
e participativa pelo coletivo de professores
comporiam as colunas verticais.
e alunos, e condiciona o desenvolvimento
Para além do projeto e do centro de interesse, integrado de cada área do conhecimento.
organizados ou não em redes, Barthes indica
3. Integração por projetos ou centros de
outra saída para a organização curricular. Usa a
interesse: como mais um mecanismo
própria disciplinaridade como forma de superar
de integração curricular, uma mescla de
os males da divisão disciplinar do currículo.
projeto e centro de interesse atravessa o
O interdisciplinar de que tanto se fala desenvolvimento do núcleo e das áreas em
não está em confrontar disciplinas já
cada ano letivo.
constituídas das quais, na realidade,
nenhuma consente em abandonar-se. 4. Integração por eixos temáticos (trabalho,
Para se fazer interdisciplinaridade, não cultura, ciência e tecnologia): em cada ano,
basta tomar um assunto (um tema) e as atividades de pesquisa e de intervenção
convocar em torno duas ou três ciências. serão desenvolvidas por grupos de alunos
A interdisciplinaridade consiste em criar e professores organizados por dimensão
um objeto novo que não pertença a
articuladora. Mantendo o trabalho e a
ninguém (BARTHES, 1988, p. 99).
pesquisa como princípios educativos e sem
Na elaboração dos protótipos que compõem o perder de vista a unidade intrínseca dessas
Projeto Currículos de Ensino Médio, da UNESCO, dimensões, cada grupo tratará o objeto de
procurou-se usar uma estratégia para combinar estudo e desenvolverá o projeto do ano, tendo
múltiplos mecanismos de integração: em vista uma das dimensões articuladoras:

54
trabalho (em sua acepção econômica), cultura, Em razão disto, no currículo integrado
ciência ou tecnologia. Essas quatro dimensões nenhum conhecimento é só geral, posto
e os projetos anuais são as colunas verticais da que estrutura, objetivos de produção,
rede curricular em que as áreas representam as nem é somente específico, pois nenhum
linhas horizontais. conceito apropriado produtivamente
pode ser formulado ou compreendido
desarticuladamente da ciência básica

A integração do ensino médio com a (RAMOS, 2005, p. 106-127).

educação profissional No sentido exposto por Ramos, para reforçar


a integração bastaria estreitar e tornar mais
Os mesmos mecanismos de integração do articuladas, na situação de ensino-aprendi-
currículo da educação básica, tratados no tópico zagem, as relações entre a transmissão do
anterior, podem ser utilizados para integrar o conhecimento dos fundamentos científicos
ensino médio à educação profissional. Para além e tecnológicos dos processos produtivos e
desses mecanismos, é raro encontrar, nos textos o conhecimento dos problemas e das solu-

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


teóricos, estratégias específicas e próprias para ções para os problemas técnicos específicos
a integração curricular entre o ensino médio e a do exercício profissional. Especialmente em
educação profissional em sentido estrito. uma orientação educacional fortemente
No entanto, a literatura pertinente considera cognitivista, em que a prática profissional e o
que a matrícula unificada no ensino médio e na domínio dos afazeres do ofício não são prio-
educação profissional é uma das condições para rizados, essa aproximação pode ser feita sem
lograr a tão pretendida integração. uma mudança significativa na organização e
na estrutura curricular.
Oponentes dessa ideia afirmam que a junção
de dois currículos fragmentados não conduz Em experiências concretas desse tipo de
necessariamente à integração curricular. orientação, o referido estreitamento e a
Entretanto, existem indícios16 de que a simples articulação são produzidos em processos de
junção do ensino médio à educação profissional planejamento coletivo que unem professores
tem facilitado a contextualização dos conteúdos de educação geral e professores de educação
de educação geral às questões oriundas da profissional. No entanto, esse mecanismo pode
prática profissional e encaminhado a integração, ser comum a toda integração curricular e não é
pelo menos em relação à sua dimensão cognitiva, próprio nem específico da educação profissional.
como indica Ramos: A proposta inicial do Projeto Currículos de
No currículo que integra formação Ensino Médio, da UNESCO, previa algumas
geral, técnica e política, o estatuto de possibilidades alternativas para a integração
conhecimento geral de um conceito está entre o ensino médio e a educação profissional,
no seu enraizamento nas ciências como que uniam atividades de diagnóstico (pesquisa)
‘leis gerais’ que explicam fenômenos. e intervenção ou transformação (trabalho)
Um conceito específico, por sua vez, diretamente relacionadas ao eixo tecnológico
configura-se pela apropriação de um ou à habilitação profissional. As alternativas são
conceito geral com finalidades restritas discutidas a seguir.
a objetos, problemas ou situações de
a) Protagonismo juvenil
interesse produtivo. A tecnologia, nesses
termos, pode ser compreendida como a Se a escola precisa ser transformada para ser
ciência apropriada com fins produtivos. valorizada pelo jovem, nada mais próprio
16 O bom desempenho acadêmico dos alunos oriundos do do que engajá-lo na tarefa de repensar e
ensino médio integrado é um desses indícios. transformar sua organização de trabalho

55
e seu currículo. Essa participação pode ser Enquanto integrador do currículo, o projeto
preparatória para uma ação de protagonismo é o objeto novo citado por Barthes. É uma
na comunidade mais imediata, que promova grande ação coletiva e um novo componente
ações de desenvolvimento local. Os dois curricular que entrelaça os demais, dando
movimentos podem ser ensaios para o vida, sentido e concretude aos conteúdos
enfrentamento do desafio maior de provocar específicos de cada disciplina ou área de
mudanças nas condições de acesso ao conhecimento.
emprego e ao trabalho.
c) Integração por meio da formação
Essas mudanças podem ser pensadas em tecnológica ou politécnica
três direções fundamentais: das relações
Existem pelo menos duas concepções
e da organização do trabalho em uma
de formação tecnológica ou politécnica.
direção que busque atender aos requisitos
A primeira delas refere-se ao domínio
do desenvolvimento econômico, social e
das bases científicas e tecnológicas dos
cultural sustentável; da criação de alternativas
processos produtivos. Outra concepção, não
coletivas de geração de trabalho e renda; e do
necessariamente conflitante, é a que orienta
empreendedorismo juvenil.
o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, em
No ensino médio integrado, o protagonismo que é proposta uma “organização da oferta
juvenil é também entendido como o da educação profissional técnica de nível
mecanismo de integração curricular que médio em torno de doze eixos, com núcleo
coloca o coletivo juvenil como o principal ator politécnico comum” (BRASIL. MEC, 2008).17
de uma ação transformadora que articula todo Nesse caso, o termo é aplicado ao conjunto de
o currículo da habilitação profissional. tecnologias ou de conhecimentos, atitudes,
b) Integração por meio de projetos valores e capacidades comuns às habilitações
previstas no eixo tecnológico. Essa segunda
As experiências nacionais e internacionais concepção está mais vinculada a uma
visitadas pelo já mencionado projeto da perspectiva de formação polivalente e de
UNESCO indicam que as várias ênfases de organização de itinerários formativos.
integração entre ensino médio e educação
De modo geral, a primeira perspectiva orienta
profissional se mesclam e, por vezes, se
o desenho de todas as variações derivadas
tornam pouco distinguíveis. A diferença entre
do referido projeto da UNESCO. A segunda
a integração pelo protagonismo juvenil e a
perspectiva é utilizada na integração do
feita por meio de projetos é a mais sutil.
ensino médio com a educação profissional.
No protagonismo, a iniciativa é do estudante Usar a formação tecnológica ou politécnica
e a intervenção é sempre real. O jovem é como mecanismo de integração significa,
obrigatoriamente demandado a intervir de essencialmente, priorizar e colocar a formação
maneira efetiva no mundo real por meio polivalente no centro do currículo do ensino
de projeto por ele definido, planejado e médio integrado. A formação polivalente é
executado. Na integração feita por projeto, as origem e destino dos objetivos ou atividades
atividades dos alunos podem ser simuladas de aprendizagem previstas pelos demais
e já estão definidas e programadas. Integrar componentes curriculares.
o currículo por meio de projetos é diferente
17 O Ministério da Educação publicou em 2016
de adotar o projeto como alternativa
a terceira edição do Catálogo Nacional de Cursos
metodológica para atingir objetivos de Técnicos com 13 eixos. Disponível em: <http://
portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
uma disciplina ou para realizar uma ação
docman&view=download&alias=41271-cnct-3-edicao-
interdisciplinar localizada. pdf&category_slug=maio-2016-pdf&Itemid=30192>.

56
A integração curricular e a metodologia de pode ser uma forma de instrumentar o
ensino-aprendizagem trabalhador em sua luta por condições mais
dignas de trabalho. Contraditoriamente,
São raras as contribuições teóricas que certo criticismo esquerdizante, que insiste
tratam direta e especificamente do papel da na transmissão de conteúdos teóricos, é
metodologia na integração curricular. Aquelas uma forma sutil de esvaziar a técnica de
que existem, em geral, são mais antigas. significado, justificando a divisão entre
trabalho manual e trabalho intelectual
Nas discussões sobre o ensino médio integrado,
(BARATO, 2002, p. 137).
a metodologia é geralmente tratada como
complemento da discussão sobre seus princípios
e seus objetivos ou sobre a estrutura e a Valorização da participação do
organização curricular. Na discussão teórica, as estudante
questões sobre o que ensinar se sobrepõem às
A opção metodológica dos protótipos
que versam sobre como ensinar.
curriculares da UNESCO valoriza as formas

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


Três princípios metodológicos utilizados por didáticas voltadas à participação ativa
Jean Piaget contribuíram com a concepção do estudante no desenvolvimento de
metodológica dos protótipos. suas capacidades e na construção de seu
Piaget utilizava três princípios conhecimento. Os projetos, somados às
metodológicos: 1) ativo, 2) de autonomia atividades de investigação, de intervenção
ou autogoverno e 3) de trabalho ou de aprendizagem, destacam-se como
em equipe ou de cooperação. O formas metodológicas fundamentais para
construtivismo de Piaget não é um que os objetivos curriculares previstos
método, mas refere-se, justamente, a esses possam ser atingidos. Essa escolha
três princípios metodológicos. Muitos metodológica parte de uma constatação:
métodos diferentes adotam princípios a preparação para a atuação no mundo do
construtivistas (MACEDO, 2005). trabalho e para a prática social exige que
Outra referência metodológica utilizada foi a de Jarbas o educando se envolva em atividades de
Novelino Barato, que propõe os seguintes pontos pesquisa, intervenção ou aprendizagem
para repensar a didática na educação profissional: que requeiram as capacidades e os
conhecimentos necessários para tal atuação.
Técnicas e habilidades exigem tratamento
metodológico que garanta bons resultados
do aprender a trabalhar. Essa circunstância A sequência metodológica ação-reflexão-ação
coloca o desafio de construir uma é fundamental na educação bem como na vida
pedagogia voltada para o saber técnico. social e profissional. A atividade de aprendizagem
deve permitir o ensaio, a reflexão constante sobre
Os modos hegemônicos de ver o
conhecimento em educação estão a ação e a experimentação repetida. O estudo
marcados por ideias transmissivistas e do meio merece destaque por sua importância
reificadoras do saber. Essa tendência para o diagnóstico crítico da realidade, que
consagra uma educação palavrista e constitui a primeira etapa dos projetos anuais. O
bancária. É preciso superar tal visão com uso das tecnologias da informação tem papel no
uma pedagogia voltada para a construção desenvolvimento dos projetos, seja para acessar
compartilhada do saber. as informações disponíveis para o diagnóstico,
Insistir na teoria pode ser uma forma seja como instrumento de apoio às ações
ideológica de ‘demonstrar’ a inferioridade transformadoras.
do trabalho técnico. Insistir na prática

57
A avaliação como meio de na avaliação de aprendizagem relacionada aos
integração curricular projetos anuais do núcleo de educação para o
trabalho e demais práticas sociais dos protótipos
Existe muita produção teórica sobre avaliação da UNESCO. “Os portfólios podem ser úteis como
da aprendizagem e avaliação do currículo. É procedimentos de avaliação não apenas de uma
menos abundante a literatura que relaciona a disciplina ou curso. Eles criam elo instrucional
avaliação da aprendizagem com a avaliação importante entre séries, anos, disciplinas e temas
do currículo e é quase inexistente a que trata, quando são partilhados por outros professores”
especificamente, do papel da avaliação na (VILAS BOAS, 2004, p. 43).
integração curricular. As publicações que
trazem alguma referência a isso quase sempre No caso de um currículo integrado por objetivos,
se referem à avaliação de aprendizagem no a avaliação de aprendizagem feita em torno
interior de um componente curricular que faz o desses objetivos pode ser um mecanismo
papel de articulador do currículo. É o caso, por auxiliar na integração curricular. Isso é
exemplo, do curso de Arquitetura e Urbanismo reforçado quando são usados procedimentos
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e instrumentos compartilhados de avaliação. O
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de uso de instrumentos comuns exige um consenso
Janeiro (FAU/PUC-RJ), em que a disciplina Projeto mínimo nas decisões de atribuição de valor (nota)
Arquitetônico IV articula um dos segmentos ou de progressão (passar de ano). Não é possível
do curso. A realização e a avaliação do projeto que um professor faça uma avaliação muito
incentivam a integração das disciplinas que diferente do outro quando os procedimentos e os
concorrem para seu desenvolvimento e para seus instrumentos são comuns a todos.
resultados (KOTHER et al., 2006). Esse tipo de avaliação permite constatar as
Em todas as experiências similares, como no diferenças de critérios de avaliação, obriga a um
caso do ensino em bloco e do jornal-laborató- diálogo sobre o desempenho individual e coletivo
rio, no curso de Jornalismo da Universidade de dos estudantes e aponta para necessidades de
Brasília (UnB) (LOPES, 1989), a avaliação sem- aperfeiçoamento dos mecanismos de integração
pre acompanha a atividade de aprendizagem. e dos procedimentos de avaliação.
É intrínseca a ela e participa do movimento Todas as propostas teóricas recentes sobre
ação-reflexão-ação, tão comum às metodolo- avaliação de aprendizagem são unânimes
gias ativas. a respeito da necessidade de superar uma
Exemplo dessa integração entre avaliação e avaliação com objetivos puramente relacionados
metodologia – que pode estar associada a à promoção de série ou à progressão dos
estruturas curriculares integradas e a processos estudantes. Para acompanhar uma proposta
de integração curricular – é o uso de portfólios pedagógica que prevê uma formação integral do
na avaliação da aprendizagem (DEPRESBITERIS; jovem, é necessária uma avaliação que percorra o
TAVARES, 2009). O portfólio documenta os processo de aprendizagem e seja intrínseca a ele. A
resultados dos projetos ou das atividades de avaliação deve permitir que os educadores possam
aprendizagem desenvolvidas e acompanha o verificar e ajustar permanentemente a adequação
processo de desenvolvimento do aluno ao longo de seus procedimentos didáticos e que seja
do tempo. Se essas atividades forem promotoras também possível, aos estudantes, aferir e ajustar
da integração do currículo, os portfólios serão constantemente seu processo de aprendizagem.
procedimentos e instrumentos de avaliação Em uma proposta de currículo integrado,
de aprendizagem que reforçam a integração essa avaliação que acompanha o processo de
curricular. Eles podem ser utilizados, por exemplo, aprendizagem terá um caráter coletivo. Além

58
disso, deve ser colegiada, como também deve na comunidade, no mundo do trabalho, para o
ser o processo de planejamento e execução do cuidado consigo mesmo e para avaliar o exercício
currículo. Terá, ainda, um caráter formativo. Tanto de ser cidadão no Brasil e no mundo.
quanto as atividades de aprendizagem que são
Como estão diretamente relacionados com
acompanhadas por ela, a avaliação tem um papel
a prática, os indicadores somente podem
educativo. Ela permite constatar os avanços
ser verificados em ato. Isso significa, em
na direção dos objetivos, mostra as carências a
consonância com as propostas teóricas, que a
suprir e indica direções para o ensino e para a
mesma atividade que serve à aprendizagem
aprendizagem. Tudo isso deve ser feito no interior
também deve ser a referência para a avaliação.
de um processo de desenvolvimento humano,
A observação e o diálogo sobre o desempenho
assim como de formação cidadã e profissional,
serão os procedimentos mais eficazes, no caso.
que engloba o trabalho coletivo de gestores,
É preciso prever instrumentos que qualifiquem
professores e estudantes.
essa observação e esse diálogo. O portfólio antes
A avaliação deve integrar o processo educativo, no discutido pode ser uma opção a ser considerada.

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


qual todos aprendem e ensinam, constantemente Porém, nessa e em diferentes alternativas de
avaliam e são avaliados por sua participação no registro e documentação do desempenho,
processo e pelos resultados obtidos. Essa avaliação é fundamental pensar em instrumentos que
orienta a aprendizagem e apoia a organização dos incentivem a ação, a produção e a avaliação
processos escolares, sem focar em mecanismos de coletivas, bem como possibilitem a autoavaliação.
recompensa ou punição.
Novamente fazendo coro com a teoria, a
No caso dos protótipos de currículos integrados, autoavaliação da aprendizagem deve ser
é preciso enfatizar a função integradora e indicar adotada como prática avaliativa emancipadora,
mecanismos por meio dos quais ela pode ser combinada com a avaliação pelos colegas e pelos
exercida. Nesse sentido, a avaliação do núcleo docentes. Além de apoiar a integração curricular,
de preparação básica para o trabalho e demais essa combinação planejada de autoavaliação com
práticas sociais é crítica. a avaliação pelos colegas e pelos docentes amplia
Principal estratégia de integração do currículo, o potencial de desenvolvimento da autonomia
o núcleo deve contar com formas de avaliação dos estudantes, um dos objetivos fundamentais
que reforcem esse papel integrador. De início, do ensino médio.
é preciso propor que essa avaliação seja
A infraestrutura e o pessoal docente e
fundamentalmente formativa e feita por todos
técnico-administrativo
os envolvidos. É importante que dela participem,
em colegiado, todos os estudantes e professores Os documentos normativos já definiram as
envolvidos. condições necessárias para a oferta de uma
Essa avaliação deve estar diretamente educação básica de qualidade. As mesmas
relacionada aos objetivos do núcleo que, condições devem ser consideradas para a
desde o planejamento conjunto, precisam ser oferta do ensino médio integrado à educação
assumidos por todos os professores e alunos. profissional, tal como previstas nos protótipos
Tais objetivos devem dar origem a critérios de propostos pela UNESCO. Falta concretizá-las.
avaliação diretamente relacionados aos projetos Para tanto, é preciso ter vontade política e
e às atividades de investigação e transformação dar prioridade à educação na destinação dos
previstos nos projetos do núcleo. Isso significa investimentos públicos. É mais uma questão
definir indicadores de desempenho para a atuação política do que teórica e a sociedade brasileira
em projetos desenvolvidos na escola, na residência, já está se movimentando nesse sentido. Nas

59
vésperas das eleições presidenciais de 2010, Referências bibliográficas
por exemplo, 27 importantes instituições
relacionadas ao trabalho, à educação e à cultura ALVES, R. A escola que sempre sonhei sem imaginar
no Brasil assinaram um documento destinado aos que poderia existir. Campinas: Papirus Editora, 2001.
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denominado “Pela garantia do direito à educação do trabalhador. In: FERRETTI, C. J.; SILVA, J. R.;
de qualidade – uma convocação aos futuros OLIVEIRA, N. S. Trabalho formação e currículo: para
governantes e parlamentares do Brasil”, foram onde vai a escola? São Paulo: Xamã, 1999.
selecionados os tópicos que mais se relacionam
BARATO, J. N. Escritos sobre tecnologia
com as condições necessárias para a utilização
educacional & educação profissional. São Paulo:
generalizada dos protótipos desenhados no
Editora Senac, 2002.
âmbito do projeto da UNESCO:
BARTHES, R. O rumor da língua. São Paulo:
1. Ampliação adequada do financiamento da
Brasiliense, 1988.
educação pública.
BASSAN, V. J. Como interessar a criança na escola:
2. Implementação de ações concretas para a
a noção dos centros de interesse em Decroly.
valorização dos profissionais da educação.
Coimbra: Livraria Almedina, 1978.
3. Promoção da gestão democrática.
BRASIL. Decreto nº 2.208 de 17 de abril de 1997.
Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 42
Questões para reflexão da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação
1. Com base no texto, faça um plano
nacional. Brasília: Diário Oficial da União, Brasília, 18
executivo para a elaboração de um protótipo
abr. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.
de currículo de ensino médio. Escolha uma
gov.br/ccivil_03/decreto/D2208.htm>. Acesso
das duas opções: a) currículo voltado para
em: 8 ago. 2015.
a preparação básica para o trabalho e para
as demais práticas sociais (formação geral) BRASIL. Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004.
e b) currículo de ensino médio integrado Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41
com a educação profissional. Discuta com da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
seus colegas e construa uma proposta para a estabelece as diretrizes e bases da educação
escola. nacional, e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, 26 jul. 2004. Disponível em:
2. Como um protótipo curricular do ensino
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
médio pode ser construído tendo o trabalho e
2006/2004/Decreto/D5154.htm#art9>. Acesso
a pesquisa como princípios educativos?
em: 8 ago. 2015.
3. Qual possibilidade inter e transdisciplinar
BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
de integração curricular apresentada no texto
Estabelece as diretrizes e bases da educação
você considera mais interessante? Por quê? nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez.
1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 8 ago. 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria MEC nº 870,
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62
Repensando o currículo de ensino médio:
uma ação de formação de professores
da rede pública do Ceará
Jane Margareth de Castro
Marilza Machado Gomes Regattieri
Antônia Maria Coelho Ribeiro

Este texto sistematiza o Projeto de Formação Enfatizar a importância do papel do professor


de Professores Tutores do ensino médio, ao criar condições para que ele atue de forma
desenvolvido em 2013 no Ceará pela coletiva, para além da sala de aula, permite que
Representação da UNESCO no Brasil e pela ele se defronte com a realidade global da escola e
Secretaria de Estado da Educação do Ceará a se engajar em um compromisso com o alcance
(SEDUC-CE), com apoio do Ministério da dos objetivos propostos no Programa.
Educação (MEC). O projeto se articula com o
Com base nesses entendimentos e no Projeto
programa Aprender pra Valer,18 desenvolvido
de protótipo curricular do ensino médio,
pelo governo do estado com o objetivo de
desenvolvido pela UNESCO (REGATTIERI;
melhorar o desempenho acadêmico dos alunos
CASTRO, 2013), a Representação da UNESCO no
do ensino médio, com o objetivo de levá-los a
Brasil elaborou uma proposta de formação de
níveis de proficiência adequados a cada série/
professores em exercício no ensino médio com
ano, bem como de promover a articulação
base nas seguintes premissas:
desse nível de ensino com a educação
profissional e tecnológica. „„ a relação entre os professores e os
estudantes e o consequente protagonismo
Ao considerar o professor o protagonista do
destes em seu processo formativo deve
processo de ensino e de aprendizagem, o
contar com o conhecimento e a valorização
Aprender pra Valer atua na geração de condições
das experiências e das histórias de vida dos
para uma atuação docente mais autônoma,
estudantes;
articulada e voltada para a construção coletiva
do projeto pedagógico. Entre as ações do „„ o protagonismo e o compromisso
programa destacam-se o incentivo e o dos professores, como ator principal na
desenvolvimento do protagonismo docente reconstrução e no desenvolvimento do
na formação de seus colegas professores, na currículo, implica em reconhecer e valorizar os
produção de material didático pedagógico e na saberes e as experiências adquiridos em suas
socialização de suas experiências e reflexões,19 práticas pedagógicas.
aspectos entendidos como importantes
geradores de mudança na escola. „„ o trabalho coletivo na escola propicia
a troca de experiências, a identificação e o
apoio na superação de problemas e o maior
compromisso da equipe no desenvolvimento
de um projeto coletivo voltado para uma
18 O Projeto Aprender pra Valer foi normatizado pelas leis
estaduais nº 14.190/2008 e 15.189/2012.
aprendizagem significativa e relevante.
19 Saiba mais sobre o Professor Aprendiz em: <http://ead.
seduc.ce.gov.br/file.php/1/gpa/aprendiz/doc/Chamada_
Publica_2013.pdf>.

63
O presente texto está dividido em quatro „„ utilizar recursos midiáticos no processo
partes. A primeira contextualiza o Projeto de de ensino e aprendizagem como, por
Formação dos Professores Tutores. A segunda exemplo, rádio, jornal, internet, filme, revista,
e a terceira relatam o processo de formação entre outros.
com os momentos presenciais e a distância,
Com a intenção de trabalhar questões
respectivamente. A quarta e última traz as
estruturantes na construção de um currículo de
considerações finais.
ensino médio, conforme previsto nos marcos legais
que regem essa etapa de ensino, e de ampliar o
O Projeto de Formação dos
quadro de referências conceituais e metodológicas
Professores Tutores
dos professores de forma a contribuir com uma
A proposta de formação concebida pela UNESCO constante revisão crítica do projeto pedagógico
visava a criar condições para a aquisição de da escola com vistas ao desenvolvimento de um
conhecimentos e habilidades que permitissem trabalho pedagógico diversificado e significativo
aos professores: em sua realidade escolar, foram definidos pela
UNESCO os seguintes temas para pautar as oficinas
„„ rever o projeto pedagógico da
com os professores:
escola com base na realidade do mundo
contemporâneo e do conhecimento de „„ Juventudes e a escola de ensino médio20
expectativas, sonhos, frustrações, projetos
„„ Gestão participativa e protagonismo
de futuro e do contexto de vida de seus
juvenil e docente
estudantes;
„„ Pesquisa e trabalho como princípio
„„ definir objetivos de aprendizagem
visando à aquisição de conhecimentos e educativo
ao desenvolvimento de atitudes, valores e „„ Interdisciplinaridade e contextualização
competências sociais e pessoais de forma do conhecimento
a preparar os jovens para atuarem frente às
„„ Pedagogia de projetos: concepção e
profundas mudanças que vêm ocorrendo
prática
no mundo atual, em todas as áreas do
conhecimento e em todos os setores da „„ Avaliação da aprendizagem
atividade humana; O projeto de formação teve a duração de oito
„„ planejar estratégias metodológicas meses e foi organizado em momentos presenciais
que estimulem a cooperação, o respeito às (84 horas) e a distância (80 horas), em um total
diferenças e a prática do diálogo; de 164 horas. Os momentos presenciais foram
distribuídos em dois encontros (um para discussão
„„ desenvolver e coordenar metodologias
inicial da proposta e outro para avaliação final
de ensino e aprendizagem considerando as
do processo formativo) e quatro oficinas com os
expectativas dos jovens e o conhecimento do
temas relatados acima. O público-alvo da formação
contexto de suas vidas, em uma abordagem
foram 39 professores, sendo um de cada escola.
interdisciplinar; A adesão ao projeto foi voluntária. Contudo, as
„„ trabalhar em equipe de forma a escolas participantes deveriam preencher os
estimular o protagonismo de seus pares e dos seguintes critérios:
estudantes na gestão da escola;
20 O tema “Juventudes e a escola de ensino médio” foi
„„ acompanhar e avaliar os estudantes tratado também como questão transversal em todo o
processo de formação por preceder e orientar a elaboração
no desenvolvimento das situações de do projeto pedagógico da escola de ensino médio e, em
aprendizagem, na perspectiva formativa; e consequência, do currículo de ensino médio.

64
„„ estar participando da proposta de prática pedagógica e a discussão de alternativas
reorganização curricular da SEDUC-CE; de aprimoramento da prática docente.
„„ selecionar os professores que atuassem Durante o processo de formação, a coordenação
como coordenadores de área e docentes das do projeto acompanhou e apoiou os professores
disciplinas do ensino médio; e por meio das seguintes ações:
„„ assumir junto com os professores „„ análise dos planos de tutoria dos
selecionados o compromisso de compartilhar professores-tutores;
os conhecimentos trabalhados nos encontros
„ „ diálogo permanente com cada
de formação com o restante dos professores das
professor-tutor, visando a apontar
escolas. Por esse compromisso, os professores
aspectos positivos, pontos frágeis e
foram denominados professores tutores.
estratégias de aprimoramento para a
Oficinas formação a ser desenvolvida na escola;
„„ análise dos relatórios de execução do

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


Conduzidas por especialistas nos temas, a
plano de tutoria e orientação para evidenciar
preparação dos professores para cada oficina
os principais aspectos das atividades
incluía a leitura de textos – sendo um deles
desenvolvidas;
elaborado especialmente para o projeto21 – e de
questões para reflexão propostas pelo especialista, „„ abertura e coordenação de quatro fóruns
seguida de debate virtual prévio. Além de valorizar no ambiente virtual para troca de materiais
o conhecimento adquirido pelos professores em de apoio e de experiências sobre a formação
suas práticas pedagógicas, essa metodologia realizada na escola (descritos no item
contribuiu para que o professor chegasse à oficina “Atividades a distância”, a seguir); e
com reflexões, dúvidas levantadas e questões
„„ alimentação de uma biblioteca virtual
consolidadas acerca do tema.
(também descrita no item “Atividades a
A dinâmica dos encontros era pautada por distância”).
diálogos entre os consultores e os professores
Na sequência, são descritas as quatro oficinas.
sobre os conceitos e as concepções expressos nos
textos, pela retomada das discussões ocorridas Oficina sobre juventudes e a
no ambiente virtual, pela exposição interativa escola de ensino médio
do especialista, por trabalhos em grupos e pela
apresentação e discussão dos resultados dos É com os jovens que os professores interagem
trabalhos feitos pelos professores. cotidianamente. Por isso, esse é um tema
central para ser trabalhado, além de atender
Ao final de cada oficina, os professores tinham
o estabelecido na Lei de Diretrizes e Bases
a tarefa de elaborar um plano de tutoria
da Educação Nacional (LDBEN) no que diz
para capacitação de seus pares nas unidades
respeito às finalidades do ensino médio. Discutir
escolares. Isso propiciou, além da aquisição de
as juventudes e a escola de ensino médio é
conhecimentos teóricos, a reflexão coletiva da
fundamental também em função do desafio de
21 Os quatro textos elaborados pelo projeto fazem da parte
da coletânea na qual o presente paper se insere. São eles: elaboração de um currículo que considere as
“Jovens e professores: sujeitos do ensino médio em diálogo” características e expectativas dos jovens.
(Paulo Carrano), “Gestão participativa: aprender pela e para
a participação nos processos de gestão escolar” (Ana Tereza Nesse sentido, é necessário que os professores
Melo Brandão), “O projeto político-pedagógico na escola de
ensino médio: elementos para revisão à luz de um currículo compreendam quem são os jovens estudantes
de formação geral orientado para o mundo do trabalho e para com os quais interagem na construção e no
as demais práticas sociais”” (Mônica Waldhelm) e “Avaliação da
aprendizagem: alguns aportes” (Sandra Zákia Lian Sousa).

65
desenvolvimento do currículo: Carta dirigidas aos estudantes
„„ Qual é sua a condição social, cultural e Olá jovem estudante!
econômica?
Você sabia que me preocupo muito com
„„ Quais são suas expectativas, seus sonhos você? Por vezes me vejo pensando sobre
e suas dúvidas? a nossa convivência na escola, e aí me
„„ Como esses conhecimentos se pergunto: por que nossa relação em alguns
constituem em elementos de referência na momentos é tão difícil? Estou percebendo
elaboração do currículo? cada vez mais a distância entre nós e sinto
a necessidade de uma interação maior.
„„ Como trabalhar essas informações na
construção do currículo e das atividades Nem sempre é fácil encontrar um
pedagógicas de forma a impactar momento para discutir sobre a nossa
positivamente na aprendizagem? relação dentro da escola e mesmo fora
dela. Mas acredito que não podemos mais
A oficina, coordenada pelo professor Paulo
fugir desta conversa ou deixar para depois.
Carrano, da Universidade Federal Fluminense
Então, por onde começar?
(UFF) e coordenador do portal “Ensino Médio
EMdiálogo”, teve os seguintes objetivos: Percebo que conheço você muito menos
do que deveria, mas, o pouco que sei, será
„„ reconhecer que as representações sobre
a base desta nossa conversa.
jovens e juventude são transformadas ao
longo da história; Sei, por exemplo, de sua curiosidade e
desejo de saber das coisas. O simples ato
„„ identificar processos sociais e dinâmicas
de vir à escola me diz isso, mesmo que seu
culturais e simbólicas da vida do jovem que
comportamento, às vezes, fale o contrário.
interferem na sua escolarização; e
Quero entender melhor os seus desejos,
„„ refletir sobre os desafios na elaboração seus medos, seus anseios e aquilo que
de currículos e na promoção de experiências espera da escola e de mim.
escolares significativas para os estudantes do
Sei que somos fruto de um meio social,
ensino médio.
cultural e familiar que cada vez mais cedo
Como síntese das discussões ocorridas na oficina, cobra e dá responsabilidades. Você está
os professores elaboraram uma carta dirigida em uma idade de transformações na vida,
aos estudantes, visando à abertura do diálogo e é difícil conciliar diversões, namoro, festas,
considerando o passado, o presente e o futuro como com a realidade de que em breve será
eixos articuladores da experiência de escolarização. adulto, e as responsabilidades aumentam
As discussões ocorridas durante a elaboração da carta nesse período da vida, de mudar, de
evidenciaram que o projeto pedagógico da escola crescer, quando ainda se é jovem.
e seus currículos foram elaborados sem conhecer
O jovem, na escola, na família, na
os alunos, seus contextos de vida, suas expectativas
sociedade, é cada vez mais protagonista
e seus interesses. Os professores concluíram que
e atuante, um comunicador antenado
esse desconhecimento dificulta uma aproximação
nas mudanças sociais e tecnológicas, que
com os alunos – condição importante para o
anseia por elas, pois vive em um mundo
estabelecimento de uma relação de confiança e para
cada vez mais globalizado. Você é esse
a elaboração e o desenvolvimento de um currículo
jovem, com suas tribos, seus grupos e redes
que tenha um significado e esteja mais próximo da
sociais. Traz a característica de possuir uma
realidade dos estudantes.
energia, capaz de fazer grandes mudanças.

66
Seria possível trazer essa energia da aprendizagem (REGATTIERI; CASTRO,
juventude, suas experiências e saberes para 2013, p. 217).
juntos transformarmos a vida da escola? No Brasil a gestão participativa é uma exigência
Como faria para usar seus esforços para se de lei. Além disso, há o compromisso firmado
tornar mais rico culturalmente? Aceita o entre os participantes da Cúpula Mundial de
desafio do diálogo para que a escola seja Educação, da qual o Brasil faz parte, de alcançar os
um ambiente interessante para todos? objetivos e metas de Educação para Todos (EPT)
Se aceita, vamos fazer da escola um lugar para todos os cidadãos e todas as sociedades. Um
com significado, onde se ampliam os dos objetivos é desse compromisso é desenvolver
horizontes, no qual professor e aluno se sistemas de administração e de gestão
compreendam e trabalhem pelo mesmo educacional que sejam participativos e capazes
ideal: viver e conviver bem em sociedade. de dar resposta e de prestar contas.
A oficina coordenada pela professora Ana
Oficina sobre gestão participativa e Brandão, diretora de Projetos Educacionais

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


protagonismo juvenil e docente da Associação Imagem Comunitária, em Belo
Horizonte (MG) teve como objetivos:
O tema engloba questões fundamentais na
„„ identificar processos e métodos de
garantia da participação, da transparência e da
gestão, por meio da análise dos impactos do
democracia na execução das políticas de educação,
sendo, ainda, fundamental na motivação e no fazer escolar na formação dos jovens;
compromisso dos estudantes em seu processo de „„ refletir sobre os modos de gestão
aprendizagem e também no engajamento dos enraizados em nossa cultura, ao analisar
professores na construção e no desenvolvimento do discursos e práticas que orientam nossas
projeto pedagógico da escola. formas de participar;
A construção coletiva de um currículo envolve „„ analisar os papéis sociais dos
o compartilhamento e a articulação de ideias participantes da vida escolar, ao buscar
e desejos e implica no conhecimento das identificar os deslocamentos, as competências
características e das expectativas dos jovens e as habilidades desejáveis/necessárias à
estudantes, assim como na disponibilidade dos gestão participativa; e
docentes em lidar com as diferenças e os conflitos
„„ refletir sobre as formas de gestão e de
que inevitavelmente surgem em um processo
participação escolar para identificar métodos
de construção coletivo. O protótipo curricular do
e técnicas que corroborem o fortalecimento
ensino médio, elaborado pela UNESCO, chama
de processos democráticos na escola e os
atenção para esse fato quando diz que:
aprendizados coletivos para o exercício de
É preciso, no mínimo, disposição
cidadania.
do coletivo escolar para a adoção
de uma gestão participativa, com Ao final da oficina, os professores elaboraram,
o envolvimento dos estudantes. além do plano de tutoria, um plano de ação
A gestão participativa da escola é participativa, tendo em vista a solução de um
imprescindível para que sua estrutura problema de gestão escolar. A orientação era
e seu funcionamento sejam colocados que o plano deveria: trabalhar os fluxos de
sob diagnóstico e se construam comunicação; prever avaliação participativa e
projetos de transformação. Essa é uma sistematização; e envolver os diversos sujeitos da
condição para transformar a escola
comunidade escolar. A atividade trouxe à tona
em uma comunidade de trabalho e
questões desafiantes, como a importância do

67
constante diálogo entre a direção da escola e os informações: tema do projeto e problema,
professores, a tomada de decisão no cotidiano contextualização, objetivos, competências
escolar e as relações de poder na escola. Fica e habilidades a serem desenvolvidos (com
evidente que essas questões, aliadas às condições base na matriz do Exame Nacional do Ensino
de trabalho dos professores, geram conflitos que Médio – Enem), conceitos e atividades a serem
interferem na elaboração e na execução de uma trabalhados, metodologia, recursos, cronograma,
proposta pedagógica de qualidade. intervenção na realidade e socialização dos
resultados. Essa atividade possibilitou aos
Oficina sobre pesquisa e trabalho como professores reflexões sobre aspectos importantes
princípios educativos, interdisciplinaridade e na elaboração de projetos interdisciplinares,
contextualização do conhecimento sistematizadas a seguir:

Essa oficina teve como tema a pesquisa e o „„ quando um problema nasce do próprio
trabalho como princípios educativos para a aluno é mais fácil envolvê-lo. Isso motiva e
elaboração e o desenvolvimento do currículo estimula o interesse pelo que está sendo
e visou a contribuir com o desafio de superar a estudado;
inadequação curricular do ensino médio, cuja „„ a escola como um todo deve ser
formulação, em sua maioria, além de não levar envolvida e não apenas um grupo de
em consideração a realidade e a expectativa professores e de alunos;
dos jovens, não os prepara para uma vida em
„„ o professor educa os outros e a si próprio
sociedade, para o prosseguimento de estudos
por meio da pesquisa;
posteriores ou mesmo para a inserção no mundo
do trabalho. „„ é preciso selecionar temas que motivem
professores e alunos para trabalhar de forma
A professora Mônica Waldhelm, doutora em
contextualizada e interdisciplinar; e
Educação e professora do Centro Federal de
Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (CEFET-RJ), „„ protagonismo é envolver o aluno no
coordenou a oficina com os seguintes objetivos: planejamento, na execução e na avaliação
do projeto, e não apenas na socialização dos
„„ reconhecer o papel da pesquisa e
resultados.
do trabalho como princípios educativos
que fortalecem o protagonismo juvenil no A avaliação dessa oficina ressaltou as dificuldades
currículo de ensino médio; dos professores em identificar possibilidades
de trabalho integrado das disciplinas/áreas
„„ discutir os conceitos de
no currículo em função da visão reducionista
interdisciplinaridade e contextualização,
de articulação por conteúdo programático
identificando equívocos comuns na sua
e da diversidade da jornada de trabalho dos
abordagem em currículos e projetos escolares; e
professores, o que dificulta um trabalho coletivo.
„„ identificar as etapas básicas para Evidenciou, ainda, a necessidade de atividades
o desenvolvimento de um projeto que estimulem o protagonismo dos estudantes.
interdisciplinar, incluindo a problematização
inicial e avaliação. Oficina sobre avaliação da aprendizagem

Os professores reformularam, à luz dos conceitos Parte integrante e fundamental do processo de


trabalhados na oficina, os planos de ação ensino e de aprendizagem, a avaliação tanto
participativa produzidos anteriormente ou, então, pode ser um elemento de punição e exclusão
criaram projetos interdisciplinares relacionados do sistema educativo quanto um processo que
às discussões realizadas, com base nas seguintes possibilita ao estudante superar suas dificuldades

68
de aprendizagem e desenvolver sua autonomia „„ a nota é uma expressão do processo
intelectual. Coordenada pela professora Sandra avaliativo e não a avaliação em si; e
Zákia Lian Sousa, a oficina teve como objetivo
„„ avaliação de projeto é diferente de
geral proporcionar uma compreensão crítica do
avaliação da aprendizagem.
papel da avaliação. Os objetivos específicos foram:
„„ compreender marcos interpretativos Atividades a distância
presentes nos estudos sobre avaliação da
As atividades a distância foram realizadas em um
aprendizagem no Brasil;
ambiente virtual criado especificamente para o
„„ analisar concepções e práticas avaliativas, projeto, com o objetivo de subsidiar as oficinas
dominantes em contextos escolares, para presenciais, o planejamento e a aplicação dos
apreciar suas implicações nos processos de planos de tutoria nas escolas. De fácil navegação
ensino e de aprendizagem; e “hospedado” no portal da educação a distância
(EAD) da SEDUC-CE, o ambiente disponibilizou
„„ identificar alternativas de vivência
ferramentas de interação, como fóruns de

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


da avaliação que estejam a serviço da
discussão, chat e mural, além de espaços como
aprendizagem de todos os alunos; e
biblioteca e calendário.
„„ esboçar um plano para desencadear
Os fóruns virtuais, relacionados aos temas da
o processo de formação dos professores da
oficina, tiveram como referência os textos
escola sobre avaliação da aprendizagem.
elaborados pelos especialistas e as questões
Os professores retomaram os projetos elaborados para reflexão propostas por eles. Propiciaram
na oficina anterior para, com base nos conteúdos aos participantes (professores, especialistas e
abordados, nos textos indicados para leitura e nas coordenadores do curso) o debate, a troca de
discussões realizadas, definirem os procedimentos experiências e o esclarecimento de dúvidas.
e os instrumentos de avaliação da aprendizagem. Contribuíram também para a aplicação do plano
A análise dessa atividade evidenciou que os de tutoria nas escolas.
professores ainda têm dificuldades para definir
Na biblioteca, foram disponibilizados textos para
tais elementos, tendo em vista que as sugestões
estudo, vídeos, apresentações em Power Point,
apresentadas foram mais centradas na avaliação
indicação de sites e outros materiais utilizados nas
do projeto e não da aprendizagem propriamente
oficinas, que foram selecionados pelos especialistas
dita. Contudo, essa evidência possibilitou as
e pela coordenação do projeto para subsidiar o
seguintes reflexões:
trabalho de formação e a atuação dos professores
„„ o objetivo do processo de ensino e nas escolas. Além disso, foram publicados os
aprendizagem é a apropriação e construção trabalhos de grupo realizados pelos professores
de conhecimento pelo aluno, tendo a durante as oficinas, bem como os planos e os
avaliação a finalidade de diagnosticar e relatórios do exercício da tutoria nas escolas.
estimular o avanço do seu conhecimento; O mural se constituiu em um espaço de
„„ a avaliação deve ocorrer durante todo comunicação da coordenação do projeto com
o processo, em uma perspectiva formativa, e os professores tutores e também estimulou a
não apenas em momentos pré-estabelecidos; comunicação entre os professores participantes.
Eram socializadas informações gerais, como
„„ os resultados da avaliação devem servir prazos de envio de planos e relatórios, avisos
para orientar a aprendizagem e direcionar o sobre publicação de novos materiais na biblioteca
processo educativo; e mensagens de incentivo à participação nos
fóruns, entre outros.

69
A biblioteca teve 10.407 acessos e o mural ações ligadas ao Enem, o que acarretou em
contou com 2.409 visualizações em sete meses. baixa disponibilidade de tempo para leitura e
O ambiente virtual possibilitou, ainda, o registro participação nos debates no ambiente virtual
das ações de formação realizadas pela equipe antes de cada oficina;
de coordenação do projeto e pelos professores
„„ falta de apoio do núcleo gestor na
tutores na atuação nas escolas, além do
organização e na realização da oficina nas
acompanhamento do processo de formação por
escolas. Em algumas, o núcleo gestor se
meio de relatórios de atividades, relatórios de
posicionava como se esse fosse um projeto
participação e relatórios estatísticos.
individual do professor e não da escola; e
Considerações finais „„ dificuldade em reunir todo o grupo de
professores em um único dia para a aplicação
Considera-se que as reflexões ocorridas durante
do plano de tutoria devido às diferentes
todo o processo de formação possibilitaram aos
jornadas de trabalho dos docentes em uma
professores analisar e avaliar sua prática docente,
mesma escola.
assim como elaborar propostas metodológicas
e instrumentos voltados à motivação dos Já entre os fatores facilitadores apontados pelos
estudantes e à melhoria do processo de ensino e professores, ressaltam-se:
de aprendizagem. „„ a adesão ao projeto pelo diretor da
Como resultado da aplicação do plano de tutoria, escola; e
durante o processo formativo os professores „„ em especial, o apoio e a participação do
tutores realizaram um total de 116 oficinas diretor, do núcleo gestor e dos professores
em suas escolas, com participação prioritária coordenadores de área.
de professores do 1º ano do ensino médio de
O acompanhamento do processo formativo e os
todas as áreas do conhecimento. Estima-se
resultados das avaliações desenvolvidas ao longo
que aproximadamente 370 profissionais, entre
da formação permitem que sejam indicadas
professores, diretores de escola e coordenadores
algumas conclusões. A primeira se relaciona ao
de área, de 31 escolas, participaram das oficinas
princípio de articulação entre teoria e prática que
promovidas pelos professores tutores.
regeu a formação. Percebe-se que a formação,
Ao final do processo, o encontro para avaliação ao favorecer que o professor estabeleça uma
do projeto permitiu aos professores e aos relação entre a teoria, a realidade da escola e sua
gestores participantes sistematizar o trabalho prática docente, possibilitou a análise crítica de
desenvolvido nas escolas, indicar e compartilhar sua atuação e a identificação de propostas de
com os gestores da SEDUC-CE e das escolas as
mudança que visassem à melhoria do processo
condições para a reorganização curricular no
de ensino e de aprendizagem. A formação que
ano seguinte, bem como trocar experiências,
articula a vivência concreta dos professores
aprendizagens e avaliações sobre o processo de
com discussões contemporâneas oriundas de
formação.
estudos e pesquisas em educação amplia as
Na avaliação dos participantes, fatores externos possibilidades de um trabalho significativo na
ao projeto de formação interferiram na realidade escolar.
participação dos professores no ambiente virtual
A escolha da realização de oficinas também se
e na aplicação do plano de tutoria nas escolas.
mostrou adequada. A dinâmica utilizada nessas
Entre eles, destacam-se:
oficinas possibilitou aos professores refletir
„„ acúmulo de ações e de projetos sobre suas práticas pedagógicas e sobre suas
desenvolvidos pela escola, principalmente as fragilidades diante do desafio de construir, com

70
os jovens estudantes, um processo educativo a ampliação conjunta de conhecimentos
significativo, que seja capaz de motivá-los para o teóricos sobre a realidade escolar, especialmente
desenvolvimento de um projeto de vida. sobre o currículo e o PPP. O trabalho na escola
Em todas as oficinas, ao expressar suas possibilitou, ainda, um maior entendimento
preocupações e suas críticas, os professores sobre o papel do PPP como um dos elementos
estabeleciam uma relação entre o conhecimento principais para a construção da identidade da
teórico, a análise da realidade onde atuam escola, na medida em que é fundamental para
e sua prática como docente, indicando que a construção de uma gestão democrática e que
a construção de conhecimentos por parte sua elaboração coletiva possibilita a definição
dos professores inclui a valorização de seus e a apropriação das competências que a escola
saberes e sua experiência. Ao se apropriar deseja desenvolver em seus alunos. Além disso,
do conhecimento, os professores têm mais explicitaram que a participação do coletivo
condições de refletir sobre sua prática docente e da escola na elaboração do PPP é uma forma
também de propor alternativas que contribuam de a equipe escolar se comprometer com o
acompanhamento e a avaliação de sua execução.

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


para a melhoria do processo de ensino e de
aprendizagem. O processo formativo contribuiu, ainda, para
„„ Os temas escolhidos se mostraram maior aproximação dos professores tutores com
adequados: os professores das escolas o grupo gestor das escolas e dos órgãos regionais
ampliaram as discussões e as reflexões sobre de educação no estado, as Coordenadorias
o currículo e manifestaram a necessidade de Regionais de Desenvolvimento da Educação
aprofundamento dos temas e da revisão do (Credes). Aprofundou ou provocou a interação
projeto político-pedagógico (PPP). entre os professores na troca de experiências,
anseios e expectativas ao possibilitar, dessa
„„ Os debates realizados nas oficinas e forma, o fortalecimento do sentimento de equipe
no fórum de discussão no ambiente virtual pertencente e responsável pelo destino da escola.
possibilitaram a reflexão e a aprendizagem
dos conceitos relativos aos temas Em síntese, a troca de experiências durante a
trabalhados, além da discussão de dúvidas aplicação do plano de tutoria contribuiu para que
e de estratégias de trabalho na escola, com os professores refletissem coletivamente sobre o
vistas ao desenvolvimento de um currículo papel da escola e do professor na aprendizagem
na perspectiva de integração das disciplinas. do aluno. Contribuiu também para fortalecer
A julgar pelas intervenções e dúvidas, o entendimento de que o PPP da escola é de
constata-se que o processo de formação responsabilidade de todos e não um projeto
contribuiu para o avanço conceitual e individual.
metodológico dos professores tutores. Além disso, a avaliação do processo formativo
„„ As estratégias planejadas para dos professores tutores evidenciou que
desenvolver o projeto de formação dos os diretores das escolas tiveram um papel
professores tutores se mostraram eficientes fundamental na autonomia e na participação
para motivá-los e para dar sentido e apoio a coletiva dos professores no planejamento e na
suas atividades como educador, além de gerar execução das oficinas nas escolas. A ausência
o sentimento de pertencimento de um grupo de estratégias para garantir uma participação
reunido em torno de um objetivo comum. sistemática dos diretores no processo formativo
dos professores tutores, aliada à mudança de
No que toca às formações na escola, avalia-se direção em algumas escolas, contribuiu para
que os professores valorizaram o conhecimento gerar incompreensões, evidenciadas na falta
e a prática de todos os docentes e propiciaram de apoio por parte de alguns diretores na

71
realização das oficinas. Avalia-se que é preciso Questões para reflexão
maior integração entre a SEDUC-CE, as Credes e
1. Com base na leitura do texto, faça um
as escolas, de modo a garantir o compromisso
esboço de projeto de formação continuada
dos diretores para viabilizar ações pautadas na
de professores de ensino médio articulado
participação do coletivo, docente e discente, a
à construção e ao desenvolvimento de um
fim de impactar a escola por meio do currículo.
currículo pautado por experiências escolares
É importante ressaltar que o apoio técnico,
significativas para os estudantes. O projeto pode
político e operacional da SEDUC às escolas e
ser para a rede de ensino (no caso de gestores
à coordenação do projeto foi fundamental no
e técnicos de secretarias de Educação) ou
processo de formação dos professores.
para a escola (no caso de gestores escolares e
professores).
Sugestões para projetos de formação
de professores 2. À luz dos temas trabalhados nas oficinas de
formação de professores aqui relatadas, como o
„„ Continuar a apoiar as ações de formação PPP da escola pode ser aperfeiçoado?
que possam instrumentalizar os professores
3. As características e as expectativas dos jovens
para extrapolar as iniciativas pontuais,
são pouco ou quase nunca consideradas
individuais, assistemáticas e também
na elaboração do projeto pedagógico e,
multidisciplinares no currículo.
consequentemente, no currículo escolar. Como
„„ Planejar ações de formação para você atuaria no sentido de provocar a discussão e
que ocorram ao longo do ano e não a reflexão na escola para garantir o protagonismo
concentradas em um período, a fim de apoiar juvenil no currículo do ensino médio?
o desenvolvimento do projeto pedagógico da
escola.
Referência bibliográfica
„„ Articular a vivência concreta dos
professores com discussões contemporâneas REGATTIERI, Marilza; CASTRO, Jane (Orgs.).
oriundas de pesquisas e estudos. Currículo integrado para o ensino médio: das
normas à prática transformadora. Brasília:
Por fim, ressalta-se a intenção que esteve
UNESCO, 2013. Disponível em: <http://unesdoc.
presente durante todo o desenvolvimento
unesco.org/images/0022/002226/222630POR.pdf>.
do projeto, que também configura uma
sugestão: não desqualificar o saber docente
dos profissionais, mas enriquecer seu quadro
de referências conceituais e metodológicas, de
forma a ampliar as possibilidades de um trabalho
coletivo, diversificado e significativo na realidade
escolar do ensino médio.

72
Jovens e professores:
sujeitos do ensino médio em diálogo22

Paulo Cesar Rodrigues Carrano


22

Em estudo sobre a capacidade das políticas de A expansão da escola


educação em promover a melhoria das condições
de vida da população pobre, Marcelo Neri (2007) Presenciamos, desde a década passada, a
apresenta argumentos que dão provas dos expansão da escolarização para grande parte
impactos que a escolarização produz na elevação dos jovens brasileiros. Essa expansão, relativa aos
do padrão material de vida dos indivíduos. Os níveis fundamental e, principalmente, médio

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


níveis mais altos de escolarização aumentam as dos sistemas públicos de ensino, vem atingindo,
chances de inserção no mercado de trabalho e em especial, os jovens das camadas populares.
de acesso aos maiores salários23 e promovem Segundo Fanfani (2000), temos assistido, no
efeitos indiretos sobre as condições de saúde, processo de expansão das escolas na América
a fecundidade e a redução da exposição à Latina, à massificação dos sistemas de ensino.
criminalidade. No entanto, a universalização da O autor mostra que há algo em comum nas
educação básica brasileira é, contudo, tarefa formas de expansão das escolas nos países
ainda a ser realizada. A expansão da escola e latino-americanos, em que o processo de
a fragilidade da oferta da escolarização para a expansão ocorreu sob o sacrifício do gasto per
maioria da população apresentam-se como a capita, especialmente no que toca aos recursos
expressão de uma cidadania escolar (BRANDÃO, humanos, à infraestrutura física e ao equipamento
2009) falha. A escola, instituição republicana, didático.
não tem realizado de forma plena as atividades Nesse âmbito, inicia-se um processo que objetiva
específicas e inerentes de sua responsabilidade a “racionalização” e a “correção” do setor escolar
no processo de socialização de seus alunos. 24 para adequar a estrutura já disponível a um
Ao longo deste texto, analisaremos o cenário da atendimento mais eficaz, buscando, para isso,
expansão do ensino médio no país. Refletiremos, tanto a diminuição dos índices de retenção
ainda, sobre como compreender a presença (repetência) quanto a ampliação geral da
do jovem na escola e como, com base nessa escolarização da população. Os programas de
reflexão, tornar o ambiente escolar um espaço “aceleração da aprendizagem” são a pedra de
culturalmente significativo para esse público. toque desse projeto que “produz” vagas pela
Por fim, trataremos das tecnologias e das novas aceleração de processos sem, contudo, criar
manifestações culturais dos jovens. infraestrutura (ALGEBAILE, 2009).

22 Este texto foi elaborado no âmbito do Projeto Formação Nesse contexto, não é de se estranhar que o
de Professores Tutores do Ensino Médio, desenvolvido pela ensino fundamental mantenha níveis desiguais de
UNESCO e pelo governo do estado do Ceará, em 2013.
23 Segundo o estudo, os salários dos universitários excedem desempenho e conclusão, como aponta o estudo
em 540% ao salário dos analfabetos e a chance de ocupação é sobre “As desigualdades na educação no Brasil”,
308% maior no caso dos primeiros (NERI, 2007, p. 46).
24 O conceito de cidadania escolar está ligado à noção de realizado pelo Observatório da Equidade (CDES,
que os participantes desse espaço possam ser realmente 2007), com base em dados coletados tomando
sujeitos de direitos e deveres, bem como sejam capazes de
atuar efetivamente da construção da escola para que ela como referência o ano de 2005. De acordo com o
tenha sentido real.

73
estudo, a expansão da escolarização não tornou se avança na idade, menor a taxa de frequência
a instituição menos seletiva. Os dados são claros: escolar. Dos jovens na faixa etária entre 18 e 24
se a taxa de conclusão para a 4ª série no país anos e de 25 e 29 anos – de quem se espera estar
era de 89% (sendo 79% no Nordeste e 96% no cursando ou ter concluído o ensino superior
Sudeste), para a 8ª série o índice apresentou-se – 68,3% e 87%, respectivamente, estão fora do
significativamente mais baixo: 54% no país (38% sistema de ensino e muitos deles sem sequer
para o Nordeste e 69,3% para o Sudeste). haver concluído a escolaridade básica (CASTRO;
AQUINO, 2008).
O público esperado para o ensino médio é aquele
composto por jovens com idades compreendidas Ainda no âmbito da análise dos níveis desiguais
entre os 15 e 17 anos. E quem são esses jovens de desempenho e conclusão, tomando como
no Brasil? Em números absolutos, são 10.262.468 causa as condições econômicas e sociais adversas,
jovens, dos quais são 49% mulheres, 51% homens; observa-se que, no indicador percentual de alunos
55% se autodeclaram pretos ou pardos e 45% de 1a a 8a série com renda inferior a meio salário
brancos. Os que moram nos centros urbanos mínimo, tem-se, no país, ingressando na 1ª série
são 81% e os que moram no campo são 19%. (no ano de 2005) 55,4% de alunos. Segundo o
Dos jovens de 15 a 17 anos, 71% são oriundos de mesmo indicador, ingressaram na 8ª série, no
famílias com nível de renda abaixo de um salário mesmo ano, apenas 36,4% dos alunos. Por sua
mínimo (INEP, 2009). Os dados indicam, ainda, que vez, tomando como referência a Região Sudeste,
o segmento de idade de 15 a 17 anos, em relação tem-se, para esse indicador, 41,2% de ingressantes
ao total da população, tem alguma vantagem na 1ª série do ensino fundamental e apenas 26%
social fruto de investimentos dos últimos anos na de ingressantes na 8ª série, o que demonstra que,
escolarização das novas gerações.25 Contudo, 18% mesmo com estrutura precária, a escola mantém
dos jovens nessa faixa etária não frequentam a seletividade significativa para os segmentos mais
escola e 55% do total de jovens que a frequentam pobres da sociedade.
não terminaram o ensino fundamental. Apenas
É fácil notar os efeitos deletérios da irregularidade
2% são analfabetos, enquanto na população em
das trajetórias escolares também no ensino
geral o número de analfabetos atinge a marca
médio, que, além de produzir seus próprios
de 10%. Quanto ao mercado de trabalho, 29%
entraves à escolarização, ainda herda o histórico
já possuem alguma inserção, sendo que 71%
de defasagens idade-série acumulado nos anos
recebem menos de um salário mínimo (CORTI et
anteriores.
al., 2011). De acordo com o documento “Síntese
dos indicadores sociais do IBGE, uma análise Síntese de fatores associados à
das condições de vida da população brasileira” expansão degradada do acesso à escola
(IBGE, 2010), a taxa de escolarização bruta26 dos
„„ Aligeiramento dos conteúdos escolares
adolescentes de 15 a 17 anos é 85,2% e a taxa de
escolarização líquida27 50,9%. Isso significa dizer „„ Má formação de educadores
que metade dos adolescentes na faixa etária „„ Sobrecarga do trabalho docente
entre 15 e 17 anos ainda não está matriculada
„„ Precária estrutura física institucional
no ensino médio. Observa-se que quanto mais
escolar
25 Apenas 2% são analfabetos, enquanto na população em
geral o número de analfabetos atinge a marca de 10%. „„ Diminuição do investimento per capita
26 Taxa de escolarização bruta: indicador que permite
comparar o total de matrículas de determinado nível de „„ Massificação dos sistemas de ensino
ensino com a população na faixa etária adequada a esse nível
de ensino. „„ Aumento da demanda por escolarização
27 Taxa de escolarização líquida: indicador que identifica média
o percentual da população em determinada faixa etária
matriculada no nível de ensino adequado a essa faixa etária.

74
„„ Expansão desregulada do ensino médio abstratas. Nesse sentido, seria preciso abandonar
ao encargo dos governos estaduais toda a pretensão de elaboração de conteúdos
únicos e arquiteturas curriculares rigidamente
„„ Multiplicação e complexificação de
estabelecidas.
desigualdades escolares entre sistemas e redes
de ensino A aposta – e, por extensão, também o risco –
estaria na realização do inventário permanente
„„ Reordenamento das hierarquias no
das trajetórias de vida (BOURDIEU, 1996)
interior das redes e sistemas
e escolarização, bem como e na atenção
„„ Complexificação de desigualdades no necessária aos reais interesses e necessidades
interior de instituições. de aprendizagem e interação desses sujeitos
com os quais estamos comprometidos no
Em síntese, percebe-se a criação de uma
tabuleiro escolar. Dessa forma, a articulação do
espécie de sistema precário de escolarização
processo educativo dos jovens deixaria de ser
que atravessa tanto o ensino fundamental
vista apenas como escolarização – dinâmica
quanto o ensino médio. Esse sistema é marcado

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


de ensino-aprendizagem – e assumiria toda a
pelos processos de escolarização com pouca
radicalidade da noção de diálogo da qual nos
infraestrutura e insuficiente formação acadêmica
fala Paulo Freire. Em outros termos, é preciso
e socialização promovidas pela escola. Uma das
caminhar para uma ética da compreensão da
peculiaridades desse processo é que os jovens,
juventude que habita a escola, para um estado
em especial os jovens pobres, são os mais atingidos.
de equilíbrio entre as intenções pedagógicas
Compreender a presença inscritas em nossos planos e diretrizes curriculares
dos jovens na escola28 e a atenção e escuta aos sujeitos histórica,
corpórea e culturalmente concretos com os quais
Os jovens são sujeitos que emitem sinais pouco interagimos em condições de escolarização.
compreensíveis e parecem habitar mundos
“Compreender” – esse é o título de um dos
culturais reconhecidos, por alguns professores,
capítulos do livro “A miséria do mundo”, de Pierre
como social e culturalmente pouco produtivos
Bourdieu (1997). O sociólogo francês alerta para
para o desafio da escolarização. Ou, se pensarmos
a necessidade de um exercício de reflexividade
nos termos da reflexão de Bourdieu (1997), os
diante da interação social entre pesquisador
jovens oriundos de famílias com baixo capital
e pesquisado que o processo de entrevista
cultural experimentam trajetórias acidentadas
provoca em uma pesquisa. Essa busca do agir
que os afastam do tempo certo da escolarização.
reflexivo teria, em última instância, a finalidade de
Quais estratégias poderiam despertar os sentidos elaboração de uma comunicação não violenta e
para uma presença culturalmente significativa que fosse capaz de reduzir os efeitos da “intrusão”
dos jovens no espaço da escola? Essa parece que a situação de entrevista pode significar para o
ser uma pergunta-chave para a reorganização entrevistado. Nas palavras do próprio Bourdieu:
curricular e a articulação de processos educativos
É efetivamente sob a condição de
social e culturalmente produtivos no cotidiano
medir a amplitude e a natureza da
escolar. Deveríamos caminhar para a produção distância entre a finalidade da pesquisa
de espaços escolares culturalmente significativos tal como é percebida e interpretada
para uma multiplicidade de sujeitos jovens – e pelo pesquisado, e a finalidade que
não apenas alunos –, que sejam histórica e o pesquisador tem em mente, que
territorialmente situados e impossíveis de serem este pode tentar reduzir as distorções
conhecidos por meio de definições gerais e que dela resultam, ou, pelo menos,
de compreender o que pode ser dito
28 Trecho adaptado de Carrano (2008).

75
e o que não pode, as censuras que o é “re-conhecido” no jogo da aprendizagem escolar.
impedem de dizer certas coisas e as E passo, então, a apresentar alguns elementos
incitações que encorajam a acentuar sobre a socialização contemporânea dos jovens
outras (BOURDIEU, 1997, p. 695). que podem contribuir para a compreensão sobre
É sob essa perspectiva do estabelecimento de uma o que é viver a juventude nos dias de hoje. Parto
relação compreensiva que realizo nosso diálogo sobre do princípio de que muitos problemas que os
a presença dos jovens na escola. Guardando-se as educadores enfrentam nas salas de aula e nos
devidas proporções entre uma situação de pesquisa espaços escolares deste país com os jovens têm
sob a direção de um pesquisador e um processo de origem em incompreensões sobre os contextos
ensino-aprendizagem conduzido por um educador, não escolares – os cotidianos e os históricos mais
é possível dizer que estamos diante de um mesmo amplos, em que estão imersos. Dito de outra
campo de interação simbólica. Campo esse capaz forma, é cada vez mais improvável que consigamos
de produzir (re)conhecimentos e proximidades, mas compreender os processos sociais educativos
também distâncias e estranhamentos entre sujeitos escolares se não nos apropriarmos dos processos
situados em distintos lugares sociais: pesquisadores e mais amplos de socialização.
pesquisados, professores e alunos.
Concordo com Marilia Spósito (2003), ao
defender a adoção do ponto de vista de uma
Conhecer para educar
sociologia não escolar da escola. É preciso
buscar compreender os tempos e os espaços
O educador Moacyr de Góes conta uma
não escolares dos sujeitos jovens que estão na
história que exemplifica a importância
escola, mas que não são, em última instância,
de fazer do gesto educativo uma relação
da escola. Esse aluno, que cada vez chega mais
compreensiva. Conto de memória e
jovem às classes de educação de jovens e adultos
mantenho o sentido da narrativa sem me
(EJA), carrega para a instituição referências de
preocupar com a precisão das palavras. Um
sociabilidade e interações que se distanciam das
padre-educador da cidade de Natal (RN)
referências institucionais atuais, que se encontram
impressionava a todos com sua capacidade
em crise de legitimação.
de ensinar o latim a crianças muito pobres
da periferia da cidade. Perguntado sobre o O novo público que frequenta a escola, sobretudo
método que utilizava para ensinar, disse: adolescente e jovem, passa a constituir, em seu
interior, um universo cada vez mais autônomo
— Como faço para ensinar latim ao João?
de interações, distanciado das referências
Para ensinar latim ao João, eu primeiro
institucionais, o que traz novamente, em sua
conheci o João. Fui a sua casa, descobri
especificidade, a necessidade de uma perspectiva
do que ele gostava, descobri sua árvore
não escolar no estudo da escola, a via não escolar.
preferida, fiquei seu amigo. Primeiro conheci
o João, o latim veio depois. [...] A autonomização de uma subcultura
adolescente engendra, para os alunos da
Essa é uma história simples que nos convida
massificação do ensino, uma reticência
a encontrar no sujeito do conhecimento a
ou uma oposição à ação do universo
verdadeira centralidade dos processos de normativo escolar, ele mesmo em crise. A
ensino-aprendizagem. escola cessa lentamente de ser modelada
somente pelos critérios da sociabilidade
Deixo, então, aos professores e professoras a tarefa
adulta e vê penetrar os critérios da
política, educativa e, por que não dizer afetiva, de
sociabilidade adolescente, exigindo um
descobrir, na recuperação da trajetória de seus
modo peculiar de compreensão e estudo
jovens alunos e jovens alunas, as “portas de acesso”
(SPÓSITO, 2003, p. 19-20).
ao sujeito que pode conhecer, na medida em que

76
Articulação de currículos e espaços-tempos cavalos, reis e rainhas, fazem movimentos sur-
escolares culturalmente significativos preendentes? Essa é uma metáfora de crítica aos
currículos rígidos e uniformizadores que tentam
É necessário aprender a trabalhar com as
comunicar e fazer sentido para sujeitos de múlti-
experiências prévias dos jovens para que eles
plas necessidades e potencialidades. É assim que
sejam entendidos como sujeitos culturais e
enxergo o desafio cotidiano de organização de
portadores de biografias originais e não apenas
currículos flexíveis, capazes de se comunicar com
alunos de determinada instituição. O mito da
os sujeitos concretos da escola sem que, com isso,
intencionalidade pedagógica como a viga
se abdique da busca de inventariar permanente-
mestra da educação29 não permite os acasos
mente a unidade mínima de saberes em comum
significativos, as surpresas reveladoras, a escuta
que as escolas devem socializar.
do outro, nem permite que alunos e professores
corram o risco da experimentação. Não se trata de negar o planejamento
pedagógico, mas de praticar a escuta e a atenção
Os jovens, mesmo aqueles das periferias onde
que podem nos lançar para o plano dos afetos,
cidade não rima com cidadania, são mais plurais

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


das trocas culturais e do compromisso político
do que aquilo que a instituição escolar deseja
entre sujeitos de diferentes experiências e idades.
receber. A escola espera alunos e o que chega são
Por que não? Não é isso que as pesquisas e nossa
sujeitos com múltiplas trajetórias e experiências
própria experiência têm narrado: que são aqueles
de vivência do mundo. São jovens que, em sua
espaços, tempos e sujeitos escolares nos quais os
maioria, estão aprisionados no espaço e no
alunos e as alunas encontram atenção e cuidado
tempo – presos em seus bairros e incapacitados
que lhes fortalecem o sentido de presença na
para produzir projetos de futuro. Sujeitos que,
instituição escolar?
por diferentes razões, têm pouca experiência de
circulação pela cidade e se beneficiam pouco
Jovens e professores entre redes sociais e
ou quase nada das poucas atividades e redes
tecnologias
culturais públicas ofertadas em espaços centrais
e mercantilizados das cidades. Jovens que vivem Uma das questões mais impactantes para a
em bairros violentos, nos quais a violência é a educação escolar tem sido o reconhecimento
chave organizadora da experiência pública e da de que o aluno é também um jovem e que
resolução de conflitos. não existe a juventude, mas “juventudes”. No
contexto da percepção da multiplicidade de
Talvez seja possível pensar as possíveis reorgani-
maneiras de ser aluno e jovem há, também, a
zações curriculares não apenas como estratégias
compreensão de que ser jovem significa ser
funcionais de favorecer o ensino-aprendizagem,
sujeito das intensas transformações pessoais e
mas como políticas educativas e culturais que
societárias relacionadas com o amplo processo
permitam reorganizar espaços e tempos de com-
de desenvolvimento das tecnologias de
partilhamento de saberes, ampliar a experiência
informação e comunicação (TIC). Os jovens
social pública e o direito de todos às riquezas
possuem hoje um campo maior de autonomia
materiais e espirituais das cidades. Por que não
frente às instituições do denominado mundo
pensar o currículo como tabuleiro de xadrez, em
adulto para construir os próprios acervos e
que algumas peças se movem com alguma pre-
identidades culturais. Há uma via de mão
visibilidade e linearidade e outras peças, como
dupla entre aquilo que os jovens herdam e a
29 Ou seja, o planejamento consciente da aula, considerando capacidade de cada um construir os próprios
a atuação do professor, o tempo, o espaço e os métodos. Essa repertórios culturais. Uma das mais importantes
visão pedagógica está mais voltada para a ação do professor
e não há espaço para a espontaneidade ou para alterar o tarefas das instituições atualmente é contribuir
planejamento com base no que pode acontecer de diferente para que os jovens possam realizar escolhas
na sala de aula.

77
conscientes sobre as próprias trajetórias alicerces sobre essa necessidade de identidade e
pessoais, e isso inclui o desafio da construção contribuem para respondê-la.
pessoal e coletiva de conhecimentos
Ainda seguindo as pistas de Melucci (2004),
significativos. As intensas transformações nas
é possível afirmar que um mundo que vive a
formas e nos conteúdos das instituições sociais
complexidade e a diferença não pode fugir à
interferem em suas condições e capacidades
incerteza e pede ao indivíduo a capacidade de
de promover processos de socialização. O
mudar sua forma permanecendo o mesmo. O
que pode se chamar de crise ou esgotamento
eu não está mais solidamente fixado em uma
da forma escolar (VINCENT et al., 2011) se
identificação estável: joga, oscila e se multiplica.
confunde com o próprio esgotamento
Há jogo é a expressão usada na linguagem
da capacidade de resposta aos desafios
mecânica para indicar que uma engrenagem não
contemporâneos das instituições criadas na
está rigidamente presa em seu encaixe. Diante
modernidade. Indaga-se até que ponto a
dessa folga, o eu pode sentir medo e perder-se.
instituição escolar teria condições de responder
Ou, então, aprender a jogar.
às mutações que ocorrem no campo da
subjetividade juvenil sem promover mudanças E esse jogo é também o processo de busca da
significativas de princípios de atuação e de individuação, ou seja, o caminho percorrido
organização dos espaços-tempos cotidianos. pelo indivíduo na busca de sua independência
suficiente do sistema.
As redes sociais se constituem como
[...] no processo de individuação
paradigma emergente de novos contextos
tornamo-nos capazes de produzir, de
de relacionamentos e compartilhamento de
modo autônomo, aquilo que antes
experiências e saberes caracterizados pela
necessitávamos receber dos outros.
dispersão e pela pluralidade em uma evidente rota
A identidade adulta é, portanto,
de colisão com a lógica de linearidade de escolas a capacidade de produzir novas
que se fecham entre suas “paredes” (SIBILIA, 2012). identidades, integrando passado
Pode-se dizer que nas redes sociais encontra-se um e presente e também os múltiplos
dos mais expressivos campos de experimentação elementos do presente, na unidade
para a constituição das identidades juvenis. e na continuidade de uma biografia

Alberto Melucci (2004), ao considerar que a individual (MELUCCI, 2004, p. 46).

identidade se fundamenta unicamente em uma A crescente popularização da internet tem pos-


relação social e que ela depende da interação, sibilitado a emergência de novas culturas da
do reconhecimento recíproco entre nós e os participação (SHIRKY, 2011) e de espaços-tem-
outros, assinala que a identidade contém uma pos de aprendizagem não hierarquicamente
tensão “irresolvida e irresolvível” entre a definição organizados. Há mais generosidade nas trocas
que temos de nós mesmos e o reconhecimento comunicacionais no mundo conectado do que
dado pelos outros. A identidade comporta no contexto das comunicações unilaterais dos
uma divergência entre a autoidentificação e a emissores clássicos de conteúdo, quer sejam
identificação fornecida pelo ambiente externo. conteúdos midiáticos, como os que caracte-
Tornamo-nos, inclusive, aptos a concentrar rizaram quase toda a história dos canais de
e focalizar nossos esforços a fim de nos televisão, ou ainda os conteúdos escolares que
reapropriarmos daquilo que reconhecemos como trafegavam na rua de mão única daquilo que
nosso. A participação em ações de mobilização Paulo Freire denominou de educação bancária.
coletiva e em movimentos sociais, o engajamento O que se acostumou chamar de “mundo virtual”
em atividades de inovação cultural e ações da internet – com todas as imprecisões que o
voluntárias de cunho altruísta assentam seus termo pode assumir – é espaço-tempo pleno de

78
possibilidades de reais interações humanas. Um Referências bibliográficas
importante campo de pesquisa se constitui com
ALGEBAILE, Eveline. Escola pública e pobreza no
a problematização sobre linguagens e meios de
Brasil: a ampliação para menos. Rio de Janeiro:
comunicação que possuem influência sobre a
Lamparina; Faperj, 2009.
constituição das subjetividades juvenis. Nessa
direção se encontram as chamadas redes sociais
de relacionamento (Facebook, Twitter etc.) que, BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Petrópolis:
sem exagero, já podem ser consideradas um tra- Vozes, 1997.
ço civilizatório organizador dos modos de vida BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA,
de jovens em todo o mundo. Assim, torna-se Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Orgs.). Usos
estratégica a realização de estudos que aprofun- e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996,
dem conhecimentos e inventariem a multiplici- p. 183-191.
dade de situações e usos que os jovens fazem
BRANDÃO, Zaia. Escola de tempo integral e
dos diferentes canais de interação disponíveis na
cidadania escolar. Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 80,
sociedade tecnológica no Brasil.

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


p. 97-108, abr. 2009.
As manifestações culturais juvenis, em especial
CARRANO, Paulo. Educação de jovens e adultos
as que se fazem notar pelas mídias eletrônicas,
(EJA) e juventude: o desafio de compreender os
podem e devem ser utilizadas como ferramentas
sentidos da presença dos jovens na escola da
que facilitem a interlocução e o diálogo entre
“segunda chance”. In: MACHADO, Maria Margarida.
os jovens, profissionais da educação e da escola,
Formação de educadores de jovens e adultos.
contribuindo, assim, para o desenvolvimento de
Brasília: Secad/MEC, UNESCO, 2008, p. 103-118.
práticas pedagógicas inovadoras em comunidades
de aprendizagens que contribuam para superar CASTRO, Jorge Abrahão; AQUINO, Luseni.
tradicionais hierarquias de práticas e saberes ainda Juventude e políticas sociais no Brasil. Brasília: IPEA,
tão presentes nas instituições escolares. 2008.
CDES. Observatório da Equidade. As desigualdades
Questões para reflexão
na escolarização no Brasil. Brasília: Conselho de
1. Como pensar a escola como um espaço de Desenvolvimento Econômico e Social, 2007.
uniformidade com tanta diversidade social e (Relatório de observação, 2).
cultural de sujeitos no interior da instituição?
CORTI, A. P. et al. Caderno de reflexões: jovens de 15
2. Considerando que os jovens possuem a 17 anos no ensino fundamental. Brasília : MEC,
experiências de vida, de cultura, de trabalho, de Via Comunicação, 2011. Disponível em: <http://
navegação na internet, entre outras, para além portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
de sua condição de aluno, seria possível pensar docman&view=download&alias=8301-coef2011-
em uma organização curricular que incorporasse caderno-reflexoes&category_slug=junho-2011-
esses saberes e essas experiências? Isso seria pdf&Itemid=30192>.
desejável? Como poderia ser feito?
FANFANI, Emílio Tenti. Culturas jovens e cultura
3. Os jovens do ensino médio encontram-se em escolar. In: SEMINÁRIO ESCOLA JOVEM: UM NOVO
um momento crucial de suas vidas. É tempo de OLHAR SOBRE O ENSINO MÉDIO. Brasília, 2000.
fazer escolhas pessoais e também profissionais. A Anais... Brasília: MEC, 2000.
escola pode desempenhar um papel significativo
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
para as escolhas e a construção de projetos de
(PNAD). Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de
vida, trabalho e continuidade dos estudos. Como
Geografia e Estatística, 2006.
a escola poderia contribuir com seu aluno? O que
você pensa sobre isso? IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das

79
condições de vida da população brasileira 2010.
Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, 2010.
INEP. EDUDATABRASIL: sistema de estatísticas
educacionais. Brasília: Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira, 2006.
Disponível em: <http://www.edudatabrasil.inep.
gov.br/>. Acesso em: 25 out. 2011.
MELUCCI, Alberto. O jogo do eu. São Leopoldo: Ed.
Unisinos, 2004.

NERI, Marcelo. Equidade e eficiência na educação.


Conjuntura Econômica, v. 61, n. 4, p. 44-46, jan.
2007. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.
br/ojs/index.php/rce/article/view/26195>. Acesso
em: 22 mar. 2015.
SIBILIA, Paula. Redes ou paredes: a escola em
tempos de dispersão. Rio de Janeiro: Ed.
Contraponto, 2012.
SHIRKY, Clay. Cultura da participação: criatividade
e generosidade no mundo conectado. Rio de
Janeiro: Zahar, 2011.
SPOSITO, Marilia Pontes. Uma perspectiva não
escolar no estudo sociológico da escola. In:
PAIXÃO, Lea Pinheiro; ZAGO, Nadir. Sociologia
da educação: pesquisa e realidade brasileira.
Petrópolis: Vozes, 2007. p. 19-43.
SPOSITO, Marilia Pontes. Uma perspectiva não
escolar no estudo sociológico da escola. Revista
USP, n. 57, Seção Textos, pp. 210-226, mar./maio
2003.
VINCENT, Guy; LAHINE, B.; THIN, D. Sobre a história
e a teoria da forma escolar. Educação em Revista.
Belo Horizonte, n. 33, jun. 2001, p. 7-47.

80
O projeto político-pedagógico
na escola de ensino médio:
elementos para revisão à luz de um currículo de
formação geral orientado para o mundo do trabalho
e para as demais práticas sociais30

Mônica Waldhelm

30

Educadores e alunos cotidianamente vivenciam Historicamente reduzido à etapa preparatória

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


as dificuldades para colocar em prática um para o ensino superior, é no ensino médio que
currículo de ensino médio significativo, com os conhecimentos científicos e tecnológicos
tempo e espaço para desenvolvimento de apropriados pelo aluno ao longo de toda a
projetos nos quais alunos sejam protagonistas. educação básica devem ser consolidados, de
Outro desafio é construir um currículo que modo a garantir sua formação humanística e a
favoreça o trabalho integrado das áreas do preparação básica para o trabalho e para a vida.
conhecimento e que propicie situações de Para que isso se concretize, é preciso investir em
aprendizagem que contextualizem conteúdos currículos que fomentem práticas que favoreçam
e problematizem a realidade. Como é possível a formação integral. Nesse sentido, faz-se oportuna
avançar em relação a essas questões e uma breve reflexão acerca dos significados de
esses desafios? De que forma a escola pode currículo, um conceito polissêmico, imbuído de
efetivamente garantir a autonomia intelectual múltiplos significados e sentidos, que refletem
de seus alunos? Como aplicar o que preconiza a distintas concepções de educação.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Infelizmente, ainda é comum encontrarmos no
(LDBEN) vigente, que caracteriza o ensino médio meio educacional a ideia do currículo como o
como etapa final da educação básica sem um elenco de conteúdos disciplinares (geralmente
currículo voltado a sua especificidade? extraídos de programas de exames vestibulares e
Este texto parte da concepção de que é necessá- de índices de livros didáticos) a serem trabalhados
rio rever o currículo de ensino médio e, ao fazê-lo, no ano letivo ou em um segmento de ensino. Tal
reconstruir os projetos político-pedagógicos concepção reducionista prejudica a aquisição de
(PPPs) das escolas. Nas próximas páginas, vere- outros significados e inibe uma visão mais ampla
mos sugestões de que tipo de questionamento e crítica de questões curriculares. Ao considerar
é necessário no momento de revisar o PPP e o que essas e outras concepções sempre refletem
currículo (como a reflexão acerca das escolhas pontos de vista teóricos, podemos afirmar que os
metodológicas, da perspectiva de avaliação e, estudos e as produções no campo do currículo
principalmente, das aprendizagens esperadas nos são atravessados, com maior ou menor ênfase,
componentes curriculares). por discussões sobre os conhecimentos que se
ensinam e se aprendem, sobre valores e visões
de mundo que consideramos legítimos e mais
30 Este texto foi elaborado no âmbito do Projeto Formação qualificados, bem como identidades – docentes e
de Professores Tutores do Ensino Médio, desenvolvido pela discentes – que ajudamos a construir.
UNESCO e o governo do estado do Ceará em 2013. 

81
O campo do currículo nunca é um território e professores, mas que, por serem desarticuladas,
neutro: ele corresponde a um espaço cultural no sem consonância com os princípios e os
qual são reproduzidas ideologias e concepções compromissos explicitados pelo coletivo da
de mundo, bem como ideologias e concepções escola e sem o respaldo e a legitimidade dados
sobre que tipo de pessoa queremos formar. pelo PPP, tornam-se simples apêndices. O
Alunos sentem tanto os efeitos de aprendizagens currículo, quando cheio desses “penduricalhos”,
intencionais, explicitadas como objetivos nos pode funcionar como um anexo de luxo do PPP:
planejamentos, quanto as não intencionais, bonito de ver, mas desprovido de sentido para a
que se dão como resultado da conjunção de comunidade escolar, com baixo impacto em suas
fatores presentes no ambiente escolar, tais como intervenções na realidade e, o mais grave, com
organização dos tempos e espaços, relações pouca probabilidade de garantir as aprendizagens
de poder e hierarquia, grau de integração entre curriculares necessárias ao aluno. A articulação
pessoas e setores dentro e fora da escola. curricular deve ser garantida, portanto, no
nível macro, com o PPP, e no nível micro, com
Como construir o currículo? as atividades realizadas pelos professores em
Por mais que compartilhemos ideias e todos os espaços de aprendizagem. Neste texto,
conheçamos experiências educacionais exitosas trataremos primordialmente do primeiro nível de
de outros lugares, não há como “encomendar” articulação com o PPP.
um modelo de currículo para a nossa escola,
O PPP não deve ser visto como um portfólio
visto que não há receitas infalíveis e universais
de planos de ensino desarticulados ou como
em educação. O currículo deve ser construído
resultado de tarefa burocrática obrigatória a
no seio de cada escola, com base nos anseios,
ser arquivado e encaminhado às autoridades
nas expectativas e nas experiências de cada
educacionais. Tampouco deve ser compreendido
comunidade. Ao revisar o projeto pedagógico da
como tarefa específica de um consultor externo,
escola e construir um novo currículo, espera-se
de pedagogos, do coordenador pedagógico
rever:
ou do diretor da escola. Muito menos pode ser
„„ a estrutura curricular; considerado um paraquedas direto da Secretaria
„„ as escolhas metodológicas; de Educação para o pátio da escola. Por sua
natureza dinâmica, relativamente transitória
„„ a perspectiva de avaliação (considerando
e coletiva como processo democrático de
também as prescrições normativas de cada
decisões, o PPP deve instaurar uma forma da
sistema de ensino); e
organização do trabalho pedagógico (incluindo o
„„ a definição dos objetivos de administrativo) que leve à superação de conflitos.
aprendizagem dos componentes curriculares. Deve estar, ainda, atento à competitividade,
ao autoritarismo, ao corporativismo, ao
Outros ajustes são previstos, como formas de
individualismo e à desconfiança que por vezes
composição do corpo docente e de gestão,
minam as relações na escola e dificultam os
da infraestrutura e das condições oferecidas
esforços integradores. A construção/revisão
pela rede de ensino às escolas, bem como
do PPP mobiliza e articula a participação ativa
das estratégias para formação docente e para
de todos os sujeitos da comunidade escolar:
interação com a comunidade.
diretores, supervisores, professores, funcionários,
A revisão do currículo deve começar pela revisão pais, alunos e outros, para juntos traçarem
do PPP para não corrermos o risco de desenvolver um retrato mais fiel e completo da realidade
atividades curriculares que, isoladas, podem e, desse modo, garantir o caráter coletivo dos
parecer interessantes e motivadoras para alunos compromissos assumidos.

82
Perguntas que podem auxiliar na preconizados na legislação para a educação
reconstrução do currículo escolar básica e em especial para o ensino médio, a fim
de subsidiar a discussão. Embora apresentados
„„ O que e como se aprende na escola? na forma de itens, não se pretende aqui propor
„„ Como democratizar o que é discutido uma sequência linear de passos ou um roteiro
nas escolas de forma a incluir conhecimentos rígido a ser seguido nessa revisão, que deve ter
dos diferentes segmentos sociais, sem anular caráter coletivo e reflexivo. Na realidade, os itens
identidades ou segregar saberes? estão articulados entre si e não correspondem a
aspectos estanques do PPP ou da escola.
„„ Como proporcionar uma sólida formação
geral ao jovem com preparação básica para Que pessoas queremos formar?
o trabalho que de fato incorpore a dimensão
intelectual ao trabalho manual? É importante analisar que estratégias e ações
previstas no PPP refletem explicitamente o
„„ Por que estudar? compromisso de formar jovens capazes de
„„ O que ensinar? enfrentar os problemas da vida cotidiana e de

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


participar na definição de rumos coletivos na
„„ Como fazer aprender? De que modo?
busca de uma perspectiva mais humana, para si
Para quê?
mesmos e para a sociedade em que vivem, de
forma a promover o aperfeiçoamento dos valores
Assim como em todo projeto, a construção
humanos e das relações pessoais e comunitárias.
do PPP precisa buscar um rumo, uma direção
com sentido explícito e compromisso definido. A flexibilidade na organização de tempos
Assim também é o PPP. Sua dimensão política e espaços escolares é explicitada no PPP
diz respeito ao comprometimento esperado a fim de viabilizar a articulação entre as
com os interesses reais e coletivos da população, áreas de conhecimento e subcomponentes
pautados por valores éticos, bem como com curriculares assim como a realização de
a formação do cidadão para uma sociedade atividades curriculares menos tradicionais?
democrática. Na dimensão pedagógica reside a
Para viabilizar um currículo menos fragmentado
possibilidade da efetivação da intencionalidade
e linear, o PPP deve prever a flexibilização de
da escola, que é o local em que a sociedade
tempos e espaços escolares que extrapolem
espera que a aprendizagem aconteça, de
as horas-aulas em salas tradicionais (ou que
forma planejada e para todos (entendendo-se
fazem uso tradicional de recursos tecnológicos)
que é preciso levar em conta a diversidade e a
nas quais ocorram ações exclusivamente
singularidade nas formas de aprender, sem cair
disciplinares. Essa integração também depende
no elitismo ou na superficialidade de conteúdos
de uma liderança articuladora, de uma gestão
em abordagens curriculares que esvaziem
participativa e de mecanismos de conexão mais
o sentido da escola). Essas duas dimensões
específicos e efetivos. É preciso garantir tempo
(política e pedagógica) são indissociáveis e,
e espaço destinados a reuniões com professores
portanto, o PPP é, mais do que um produto, um
de todas as áreas para identificar caminhos para
processo permanente de reflexão e discussão
buscar articulações e planejar atividades.
do cotidiano da escola na busca de alternativas
viáveis e exequíveis, que não caia no comodismo, Discutir a relação entre PPP e currículo, entre
mas enfrente o desafio das inovações e das conhecimento e função social da escola, bem
mudanças que se fizerem necessárias. Para como reconhecer a importância da flexibilidade
o movimento/momento de revisão do PPP, para abrir espaço para novas organizações de
destacaremos, a seguir, princípios e mecanismos tempos e espaços escolares e até mesmo as

83
novas possibilidades de articulação dentro e Vale ressaltar, contudo, que projetos não devem
fora da escola são pontos que costumam causar ser eventos pontuais ou meramente festivos, mas
desconforto. Isso porque essa discussão remete efetivamente inseridos no currículo.
à histórica hierarquização de saberes, nos quais
É preciso considerar que é difícil garantir uma
algumas disciplinas são consideradas mais
formação integral discente que não se limite a
importantes porque reprovam mais e têm maior
conteúdos formais das disciplinas na escola sem
carga horária.
uma estrutura organizadora do currículo indicada
explicitamente no PPP, na qual sejam criadas
Em que medida o trabalho e a pesquisa se
oportunidades para atividades interdisciplinares
constituem princípios que embasam o PPP
e contextualizadas (com foco na preparação
e não aparecem como simples estratégias
básica para o trabalho e demais práticas
operacionais no cotidiano da escola?
sociais). A experiência mostra que, quando isso
O PPP deve abrir espaço para a vivência de ocorre, geralmente se dá de forma isolada e
experiências de formação que estimulem o assistemática. Ao garantir espaço curricular para
trabalho social produtivo, na família, na escola atividades conjuntas com foco na formação
e na comunidade. Segundo o estudo “Currículo integral do aluno, legitima-se um espaço
integrado para o ensino médio: das normas à educativo rico e de natureza singular, tanto para
prática transformadora”, estudo realizado pela estudantes quanto para professores.
UNESCO para orientar que o currículo de ensino
médio cumpra com o que determina a LDBEN: O PPP atua como instrumento de interação
[...] o trabalho é assumido como da comunidade e de intervenção na
princípio educativo e a pesquisa como realidade escolar?
princípio pedagógico, estando ambos O PPP somente adquire legitimidade na
estreitamente relacionados. São eles comunidade escolar quando é resultado
que orientam o desenho da estrutura
de um planejamento participativo. Assim, a
e da organização do currículo; a
comunidade deve ser ouvida tanto na sua
definição dos objetivos e das atividades
construção quanto na sua revisão. Espera-se
de aprendizagem; a articulação ou a
que o PPP garanta a existência e a eficácia
integração de todos os componentes
de canais de diálogo e de participação dos
curriculares; a escolha e as ênfases dos
critérios e procedimentos de avaliação diversos protagonistas da comunidade externa.
(REGATTIERI; CASTRO, 2013, p. 198). Corroborando uma gestão participativa, deve
prever espaços curriculares para tomada de
decisão coletiva, assim como para reflexão em
Embora não sejam as únicas alternativas possíveis, torno das demandas, das necessidades, das
o desenvolvimento de projetos constitui fragilidades e das potencialidades apresentadas
estratégia potencial para o desenvolvimento na realidade escolar. Algumas perguntas podem
da atividade de pesquisa na educação básica e auxiliar na busca pela participação: como
abre espaço para investigação de questões que a escola se comunica com a comunidade?
emergem do universo escolar, além de favorecer a Há parcerias previstas em alguma atividade
construção coletiva e integrada do conhecimento curricular? Os projetos desenvolvidos levam
no currículo, tomando como ponto de partida em conta a realidade da comunidade? Alunos
a problematização de contextos significativos e seus responsáveis participam das discussões
para o aluno. Sem a problematização como curriculares? De que forma?
ponto de partida, desanda-se para uma prática
fragmentada, ainda disciplinar ou multidisciplinar.

84
Estratégias para mobilização da simples tradição ou preciosismo docente. Alunos
comunidade escolar mais autônomos terão condições de continuar
aprendendo além dos muros da escola e, assim,
„„ Elaboração de cartilhas informativas com de buscar o conteúdo que não foi trabalhado
linguagem simples no currículo escolar se houver necessidade ou
„„ Confecção de murais interesse pessoal. É preciso garantir também
flexibilidade para que as áreas de conhecimento
„„ Produção de jornais
possam antecipar conteúdos de anos posteriores
„„ Envio de carta-convite com explicações ou mesmo retomar conteúdos de anos anteriores,
sobre o PPP e outros temas caso isso seja necessário aos projetos e a outras
„„ Promoção de palestras, mostras ou feiras atividades desenvolvidas na escola. Cabe aos
culturais professores, juntamente com colegas de sua
disciplina e sua área, identificar quais conceitos
„„ Criação de canais virtuais, como espaços
dos conteúdos curriculares de ensino médio
de discussão na internet
são essenciais para compreender fenômenos e

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


„„ Divulgação por meio de jornais processos que, quando efetivamente dominados,
comunitários, associação de moradores ou permitem ao aluno fazer extrapolações e
outros espaços agregar conceitos mais periféricos, de forma
„„ Realização de debates em sala de aula a instrumentalizá-lo para o enfrentamento de
questões contemporâneas, como as relativas
„„ Organização de atividades culturais
ao impacto das produções da tecnologia e da
centradas na discussão sobre a importância da
ciência, suas implicações éticas, as discussões
participação coletiva na construção/revisão do
ambientais e outras questões importantes para
projeto de escola
a vida cidadã. Além disso, é importante lembrar
que todas as áreas do conhecimento têm papel
Que saberes o PPP legitima como válidos?
fundamental na formação integral do aluno do
Como os conhecimentos são selecionados?
ensino médio e, portanto, devem ter o mesmo
Se a escola for reduzida a uma simples fonte de peso no currículo (o que deve se refletir, inclusive,
informações, não conseguirá acompanhar o fluxo na carga horária).
promovido pelas tecnologias da comunicação
contemporâneas. O desafio hoje é promover Que tipo de abordagem do conhecimento
aprendizagens que mobilizem e ampliem o PPP privilegia e valoriza? Como a
recursos cognitivos que capacitem o aluno para contextualização e a interdisciplinaridade
selecionar informações desse fluxo ininterrupto podem impactar o currículo?
de forma mais qualificada, para, assim, construir Os conceitos selecionados para o trabalho
conhecimento e não ser mero consumidor na escola precisam ser devidamente
de dados. É importante investir em situações contextualizados para fazer sentido e, sempre que
diversificadas de aprendizagem, nas quais o possível, estar articulados com outros campos
jovem possa aprender a comparar, interpretar, do conhecimento. Nas práticas curriculares,
classificar, analisar, sintetizar, discutir, debater, constatamos que a abordagem interdisciplinar
descrever, esquematizar, opinar, julgar, fazer amplia as possibilidades de contextualização e
generalizações, analogias, diagnósticos etc., em problematização do conteúdo a ser ensinado,
diferentes disciplinas, conteúdos e contextos. o que não significa, contudo, limitar-se ao
Isso implica abrir mão de currículos com excesso cotidiano imediato do aluno. Cabe à escola
de conteúdos que, por vezes, se mantêm por propiciar a ampliação do quadro de referências

85
e experiências culturais do aluno. Sem ignorar a O PPP compromete-se com uma perspectiva
familiaridade dos professores com as disciplinas inclusiva e multicultural de currículo?
com que trabalham, cabe relativizá-la, buscando
Ao assumir no PPP que o currículo escolar não
avançar para outros níveis de integração.
se reduz a um simples instrumento seletivo de
A multidisciplinaridade representa o primeiro conteúdos com função estritamente técnica
nível de integração entre os conhecimentos e burocrática, cabe também destacar que
disciplinares. Caracteriza-se por ações ele constitui um importante mecanismo de
fragmentadas e simultâneas de uma gama de políticas culturais e traz, de forma implícita em
disciplinas em torno de uma temática comum, suas escolhas, suas ênfases e suas omissões,
nas quais não se explora a relação entre os o tipo de pessoa que se quer formar e quais
conhecimentos disciplinares/disciplinas, conhecimentos/competências/valores são
restringindo-se à justaposição, o que implica perda legítimos e necessários para essa formação.
de tempo e desmotivação de alunos e professores. Assim, etnia, gênero, classe social, religião,
Isso é muito comum na escola quando identidade e outras categorias de análise
professores abordam um tema em comum, atravessam a discussão do currículo desenvolvido
trabalhando-o em suas aulas sob a própria ótica, historicamente em nossas escolas – currículo
mas sem articulação com outros campos do esse que tem sido predominantemente branco,
conhecimento. eurocêntrico e masculino.

A abordagem interdisciplinar vai além da Para Gomes (2006), os currículos e as práticas


multidisciplinaridade e corresponde a uma escolares que incorporam uma visão de
interação entre disciplinas na qual elas mantêm educação como processo constituinte da
sua identidade, mas dialogam, de modo a ampliar experiência humana, tendem a aproximar-se do
o olhar e a abordagem de questões. Ela surge da trato positivo da diversidade cultural e social,
problematização de contextos significativos e não pois a experiência da diversidade faz parte dos
de temas isolados. processos de socialização e humanização. Como
um componente do desenvolvimento biológico
Já a transdisciplinaridade representa um nível de e cultural da humanidade, a diversidade está
integração disciplinar no qual as fronteiras entre presente nas práticas, nos saberes, nos valores
campos disciplinares se diluem. Pouco aplicável e nas experiências de aprendizagem que
na organização dos currículos, ela é importante produzimos.
na vida cidadã, que nos desafia a ter uma visão
holística (do todo) e menos fragmentada da Mas como essa diversidade é tratada no âmbito
realidade. do PPP? Que vozes são valorizadas e que reflexos
produzem no currículo da escola? Não basta
Uma escola atenta às demandas do mundo prever vagas e espaços com acessibilidade para
contemporâneo precisa, em seu PPP, assumir pessoas com necessidades físicas e pedagógicas
o compromisso em formar pessoas capazes de especiais, por exemplo. Ferri e Hostins (2006)
olhar/pensar/agir de modo mais integrado na afirmam que o conceito de educação inclusiva
realidade. O PPP pode prever a integração entre implica uma nova postura da instituição
áreas e disciplinas ao institucionalizar espaços educativa, que precisa propor em seu projeto
curriculares tanto de planejamento quanto de pedagógico – no currículo, na metodologia de
ação coletiva. ensino, na avaliação e na atitude dos educadores
– ações que viabilizem a interação social, a
valorização e a expressão das diferenças de seus
alunos. Essa postura conduz, necessariamente, a

86
processos de mudança na prática pedagógica. cionados a práticas sociais igualmente impor-
De modo a reforçar essa ideia, Nogueira, Felipe tantes, entre as quais: a convivência familiar
e Teruya (2008) afirmam que educadores que responsável, a participação política, assim
assumem um posicionamento crítico em como ações de desenvolvimento ambiental,
relação aos conceitos de gênero, raça e etnia cultural, social e econômico na comunidade.
podem mobilizar uma ação contra os padrões Sabemos que, na escola, diversos projetos
e os processos de exclusão instituídos e, assim, podem e devem ser desenvolvidos pelos pro-
colaborar para a implantação de um PPP (e de um fessores, tanto no âmbito de suas disciplinas
currículo) atento à diversidade cultural. quanto em atividades interdisciplinares, mas
espera-se que o PPP de uma escola de ensi-
O PPP estimula o protagonismo juvenil? no médio indique explicitamente caminhos
Cresce a ideia de que a juventude pode e deve e espaços curriculares específicos para essas
protagonizar ações frente ao mundo e à própria aprendizagens diferenciadas.
realidade. Muitos jovens, ao atuar em projetos
curriculares ou de outros espaços sociais, Que princípios orientam a avaliação?

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


apresentam propostas viáveis de intervenção, A avaliação deve ser entendida como prática
capazes de fomentar iniciativas, projetos social solidária ao processo educativo, que apoia
ou organizações sociais nos mais diferentes a construção do conhecimento coletivo, subsidia
campos de atuação (na escola, na família, em o PPP da escola, acompanha e orienta o trabalho
empresas, no bairro, na cultura etc.) assumindo, do professor, propicia a autonomia intelectual e
assim, o papel de protagonistas. Esse grau o respeito ao pensamento divergente. Trata-se,
crescente de autonomia do aluno deve ser portanto, de um ponto importante na revisão
promovido de modo intencional pela escola. do PPP.
Cabe nos perguntar de que forma o PPP reforça
As novas Diretrizes Curriculares Nacionais
a importância da participação consciente, ativa
para a Educação Básica e para o Ensino Médio
e construtiva do jovem na vida, na escola e em
omitiram o conceito de competências, mas estas
outros espaços da sociedade. Se desejamos
permanecem na matriz do Exame Nacional do
oferecer uma formação integral e desenvolver
Ensino Médio (Enem) e na organização curricular
a autonomia do aluno, é necessário propor um
do ensino técnico de nível médio. O “Currículo
currículo que contemple e valorize seus interesses
integrado para o ensino médio: das normas à
e suas expectativas, seu saber e suas referências
prática transformadora” da UNESCO (REGATTIERI;
culturais, de modo a viabilizar a realização de seus
CASTRO, 2013) optou pela definição de objetivos
projetos de vida. É importante sugerir projetos
de aprendizagem que associam valores,31
curriculares que envolvam a participação ativa de
competências e habilidades a conteúdos e por
todos – com protagonismo discente e mediação
isso são mais facilmente identificados como
docente – e privilegiem aprendizagens que
pertinentes pelo professor em cada área/
integram e mobilizam conhecimentos, atitudes,
disciplina. Além disso, orientam a avaliação de
valores e capacidades necessários ao mundo do
forma mais clara. Contudo, estas aprendizagens,
trabalho (o que não significa profissionalização),
como trabalhar em equipe e expressar-se
como a elaboração de planos e projetos, o
oralmente, precisam de estratégias avaliativas nas
trabalho em equipe, a organização do trabalho e
o uso dos recursos da comunicação. 31 O art. 27 da Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394, promulgada
em 20 de dezembro de 1996, faz referência à educação
Além da preparação para o trabalho, esse tipo em valores ao determinar que os conteúdos curriculares
da educação básica observarão, entre outras, as seguintes
de projeto favorece a realização de atividades diretrizes: “A difusão de valores fundamentais ao interesse
focadas em objetivos de aprendizagem rela- social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem
comum e à ordem democrática”.

87
quais o professor possa observar o desempenho leva em consideração as condições sociais e
do aluno em situações que exigem dele esses culturais daqueles que serão avaliados e ressalta o
recursos em ação. Acerca desse aspecto, a senso de responsabilidade tanto dos avaliadores
publicação da UNESCO ressalta: quanto dos avaliados. Além disso, o processo
Só conseguiremos avaliar se as capacida- de comunicação e interação estabelecido
des previstas nos objetivos foram real- constitui também um aprendizado para o
mente desenvolvidas, ao enfrentarmos desenvolvimento de uma postura pedagógica
os problemas e desafios nos quais elas ética e emancipadora.
são exigidas. [...] Constata-se, igualmente,
que a melhor forma de avaliar se os ob- O PPP valoriza a formação docente?
jetivos foram alcançados é a observação Como toda proposta nova, que introduz
– centrada no desempenho do estudan- modificações no que está instituído e, às
te, ao enfrentar os problemas e desafios vezes, cristalizado por práticas historicamente
apresentados. Assim, a avaliação da
recorrentes e entraves burocráticos, a revisão do
aprendizagem torna-se contínua e ine-
PPP com vistas a mudanças curriculares depende
rente ao processo educacional. Juntos,
da formação continuada dos docentes e demais
avaliação e acompanhamento individual
educadores. Isso porque implica em uma revisão
constituem-se em processos integrados
de práticas e concepções pessoais acerca da
(REGATTIERI; CASTRO, 2013, p. 213).
educação, do papel da escola, da aprendizagem
Assim, o PPP deve orientar os educadores para e até do mundo em que queremos viver. Sem
uma concepção de avaliação que contemple as uma ação coordenada de esforços, pautada na
múltiplas aprendizagens e estratégias avaliativas, discussão, na reflexão coletiva e no exercício
que vão além de exames escritos e exclusiva- contínuo de planejamento participativo para os
mente disciplinares. O “Currículo integrado para projetos e demais atividades de aprendizagem,
o ensino médio: das normas à prática transfor- dificilmente haverá superação dos desafios e
madora” (REGATTIERI; CASTRO, 2013) lembra que sustentação a essas práticas. O PPP, em seus
o próprio Enem caracteriza-se como um tipo de princípios e orientações, deve garantir momentos
avaliação que incentiva a integração curricular, mais formais e especificamente destinados
com uma matriz de referência em que uma série à formação continuada dos professores.
de competências e de habilidades específicas Assim, vislumbra-se como real e possível um
de cada área de conhecimento deriva de um currículo inclusivo, integrado e integrador, vivo,
pequeno conjunto de eixos cognitivos comuns a significativo, que realmente prepare pessoas
todas elas. para continuar aprendendo, atuar de modo
protagonista, conviver e viver em uma sociedade
Estudos têm demonstrado que, de maneira
mais justa e solidária.
geral, os professores conhecem e afirmam que
gostariam de aplicar os princípios das novas
modalidades da avaliação, mas a prática cotidiana
da escola por vezes limita sua ação pedagógica
e favorece a adoção de uma postura avaliativa
convencional, disciplinar, pautada no controle
e até na coerção do aluno. O PPP, ao explicitar
em seus princípios uma visão que rompa com
esses velhos paradigmas, abre espaço para a
negociação e humaniza a avaliação. A tomada
de decisões democraticamente compartilhada

88
Questões para reflexão
1. Tendo como referência a complexidade das
propostas das atuais Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, o que a escola na
qual você trabalha já efetivou acerca do que elas
normatizam? Quais os principais obstáculos para
sua concretização?
2. Escolha dois aspectos levantados no texto
acerca do PPP e explique com exemplos
concretos da realidade de sua escola por que os
considera importantes ao planejar uma revisão
curricular. 
3. À luz das reflexões e dos elementos trabalhados
no texto, construa um plano de trabalho para

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


revisão do PPP de sua escola.

Referências bibliográficas
FERRI, C.; HOSTINS, R. C. L. Currículo e diferença:
processos de seleção e organização de
conhecimentos para atendimento educacional
de alunos com histórico de deficiência mental.
In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 30, 2006. Anais...
Caxambu: ANPED, 2006. p. 1-19.
GOMES, Nilma Lino. Diversidade cultural,
currículo e questão racial. Desafios para a prática
pedagógica. In: ABRAMOWICZ, Anete; BARBOSA,
Maria de Assunção; SILVÉRIO, Valter Roberto
(Orgs.). Educação como prática da diferença.
Campinas: Armazém do Ipê, 2006, p. 21-40.
NOGUEIRA, Juliana Keller; FELIPE, Delton
Aparecido; TERUYA, Tereza Kazuko. Conceitos de
gênero, etnia e raça, reflexões sobre a diversidade
cultural na educação escolar. In: SEMINÁRIO
INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO – CORPO,
VIOLÊNCIA E PODER, 8. Florianópolis, 2008. Anais...
Florianópolis: [s.n.], 2008.
REGATTIERI, Marilza; CASTRO, Jane (Orgs.).
Currículo integrado para o ensino médio: das
normas à prática transformadora. Brasília:
UNESCO, 2013. Disponível em: <http://unesdoc.
unesco.org/images/0022/002226/222630POR.pdf>.

89
90
© UNESCO
Projetos interdisciplinares:
estratégias de integração no currículo
de ensino médio orientado para o trabalho
e demais práticas sociais32

Mônica Waldhelm

O ensino médio passa atualmente por uma crise adoção de projetos interdisciplinares no currículo
de identidade. Por vezes reduzido à antessala da escolar. Eles podem garantir a contextualização
universidade, com currículos pautados nos exames e a articulação do conhecimento e, com isso,
de acesso ao ensino superior e em índices de livros dar sentido ao currículo. Neste capítulo, veremos
didáticos, essa etapa de ensino tem a atribuição alguns aspectos que devem ser levados em conta
legal de preparar o aluno para o prosseguimento no momento de trabalhar com projetos desse
de estudos, a inserção no mundo do trabalho tipo. O texto tem como referência o documento
e a participação plena na sociedade. Contudo, da UNESCO “Currículo integrado para o ensino
historicamente, para cumprir os programas dos médio: das normas à prática transformadora”
vestibulares tradicionais, professores e alunos (REGATTIERI; CASTRO, 2013), elaborado para
tornam-se reféns de um currículo de ensino médio orientar o cumprimento do determinado pela
esvaziado de sentido e de caráter propedêutico. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) no ensino médio.
O cenário recente parece ser o de universalização
do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) Fragmentação curricular e cidadania
como prova de acesso ao ensino superior.
Pressionados por resultados, cursos e escolas têm Por que os currículos predominantes nas
investido recursos para obter boas colocações escolas, de modo geral, ainda revelam
no ranking do Ministério da Educação (MEC), em a dificuldade em colocar em prática os
especial no mercado cada vez mais competitivo princípios que estruturam pedagogicamente
da educação privada. o Enem? Estudos mostram que os
motivos vão desde o tipo de formação
Sendo o Enem uma forma de avaliar a qualidade
docente até a cristalização de um modelo
da formação oferecida no ensino médio, de
curricular linear, disciplinar e com enfoque
certificar a conclusão desse nível de ensino e a
descontextualizado do conhecimento.
principal porta de acesso ao ensino superior, não
Esse diagnóstico é preocupante, afinal a
pode deixar de ser considerado na definição dos
cidadania no mundo contemporâneo exige
objetivos curriculares.
autonomia e protagonismo para intervir
Em face desse cenário, é preciso um olhar de na realidade marcada por situações que
enfrentamento dos obstáculos, articulado com a mobilizam saberes múltiplos, complexos
realidade na qual se insere a escola. Um dos meios e interligados. A excessiva fragmentação
possíveis para se estabelecer esse olhar é com a curricular, com disciplinas isoladas e
32 Este texto foi elaborado no âmbito do Projeto de aprisionadas em seus espaços e tempos das
Assessoria técnica aos Professores do Ensino Médio, grades curriculares, dá conta do cidadão que
desenvolvido pela UNESCO e pelo governo do estado do
Ceará em 2014. a escola precisa formar?

91
Os objetivos de aprendizagem em ação, isso também deve ser observado em
sua avaliação. Nem todas as aprendizagens
Diante da tarefa de formação integral do aluno,
importantes na formação integral do aluno
de preparação para a vida cidadã, para o mundo
podem ser avaliadas no âmbito de uma prova
do trabalho e de continuidade dos estudos,
escrita. Para avaliar o quanto o aluno aprendeu
faz-se necessário definir quais aprendizagens o
a trabalhar em equipe, expressar-se oralmente
currículo vai propor. Diante do ritmo acelerado
etc., são necessárias estratégias avaliativas por
de produção de conhecimento, não é possível
meio das quais o professor possa observar o
simplesmente acrescentar tópicos ao campo
desempenho em situações que exigem dele
“conteúdo programático” no momento de
esses recursos em ação.
planejamento.
Embora as novas Diretrizes Curriculares Nacionais Autonomia intelectual do aluno
para a Educação Básica (2010) e o parecer
sobre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais A escola precisa investir e colaborar com
para o Ensino Médio (2011) tenham omitido o a promoção da autonomia intelectual do
conceito de competências, na avaliação que aluno. Se o aluno fica mais autônomo, tem
propõe o Enem e suas matrizes referenciais o condições de continuar aprendendo além
enfoque nesses recursos cognitivos permanece. dos muros da escola e buscar o conteúdo
Objetivos de aprendizagem podem ser vistos que não foi trabalhado no currículo escolar
como competências a desenvolver, articuladas a se tiver necessidade ou interesse pessoal.
conceitos, experiências e valores.
Para desenvolver diferentes objetivos de A seleção de conteúdos
aprendizagem e ajudar o aluno a ampliar sua
Um currículo inchado, com uma lista extensa
autonomia intelectual, é necessário propor situações
de conteúdos programáticos, não abre espaço
de aprendizagem diversificadas, que mobilizem
para desenvolvimento de projetos, atividades
as competências e as habilidades esperadas,
de caráter mais prático, trabalhos de campo,
bem como conceitos disciplinares selecionados
visitas a espaços informais de educação e outras
para aquele nível de ensino. Não basta pensar no
possibilidades que conferem cor e sabor a uma
conteúdo conceitual a ser trabalhado. Ao planejar
escola feita para jovens.
aulas, projetos ou outras situações didáticas,
é preciso lembrar que a atividade deve estar Cabe aos professores, junto com colegas de
coerente com a competência focada e não apenas sua disciplina e área, identificar que conceitos
o conteúdo. Nas aulas de biologia, a competência são essenciais para instrumentalizar o aluno a
de ler e interpretar gráficos pode ser desenvolvida fazer extrapolações e agregar outros conceitos
em aulas que trabalhem ecologia, enzimas, calor, mais periféricos. A abordagem interdisciplinar
crescimento bacteriano, entre outras. Já no ensino e contextualizada facilita esse trabalho e evita
de geografia, a mesma competência pode ser sobreposição de conteúdos, ao poupar tempo e
ampliada em atividades com leitura/interpretação adicionar sentido ao que se ensina/aprende. No
de gráficos demográficos.33 tempo e espaço destinados a reuniões com os
colegas de outras disciplinas e áreas, é possível
Assim como as competências apenas são
identificar caminhos para buscar articulações
construídas em situações nas quais são colocadas
e planejar atividades. Esse caminho não ocorre
necessariamente pela identificação de conceitos,
33 No “Currículo integrado para o ensino médio: das normas
à prática transformadora” (REGATTIERI; CASTRO, 2013), mas a partir de contextos/problematizações ou
encontram-se orientações mais específicas a respeito das competências em comum.
estratégias para desenvolver objetivos de aprendizagem
variados.

92
Projetos interdisciplinares: a Quando não há inserção no currículo, o projeto
contextualização e a articulação do pode até envolver a escola e mobilizar os alunos,
conhecimento para dar sentido ao currículo mas compromete as aprendizagens de ensino
Existem mecanismos múltiplos de integração: médio, que são parte do compromisso e da
por exemplo, articular as disciplinas em quatro função social da escola. Professores e alunos ficam
áreas de conhecimento (linguagens, matemática, sobrecarregados para dar conta das inúmeras
ciências naturais e ciências humanas) por meio da atividades e eventos desses projetos que enfeitam
definição de objetivos de aprendizagem comuns e parecem enriquecer o currículo, mas que perdem
para a área como um todo. Destaca-se o potencial sentido ao ignorar os objetivos de aprendizagem.
integrador de projetos ou centros de interesse O currículo acaba correndo em paralelo aos projetos,
nos quais os temas de pesquisa partem das com programas sendo cumpridos em aulas
áreas e seus resultados convergem para elas. A expositivas (afinal, não sobra tempo para atividades
integração por eixos temáticos (trabalho, cultura, diversificadas, pois o projeto demanda muito).
ciência e tecnologia), preservando o trabalho e Sem um bom planejamento, que garanta a

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


a pesquisa como princípios educativos, também diversidade e a adequação de estratégias didáticas
constitui uma estratégia. no currículo, as competências e os conceitos
Para trabalhar com projetos é preciso reorganizar (das áreas e também das disciplinas) contidos
tempos e espaços escolares, por vezes nos diferentes objetivos de aprendizagem não
cristalizados pelas grades curriculares. É preciso são desenvolvidos nem avaliados.
tempo para que professores das diferentes Temos como efeito colateral perverso e
áreas possam se encontrar, planejar e realizar daninho desse tipo de projeto interdisciplinar
atividades coletivas, de modo a favorecer a uma escola partida: uma fatia colorida, festiva,
interdisciplinaridade. Portanto, essa integração envolvente, mas que não promove efetivamente
também depende de uma liderança articuladora, as aprendizagens de ensino médio, e outra fatia
de uma gestão participativa e de mecanismos de cinzenta, monótona, enciclopédica, preocupada
conexão mais específicos e efetivos. É essencial em dar conta dos conteúdos programáticos a
a participação de professores de diferentes áreas “toque de caixa”. Por que desperdiçar tempo,
em um trabalho coletivo protagonizado pelos espaço e energia nessa fragmentação se o que se
alunos. Detalharemos a seguir aspectos a serem busca em um projeto é justamente seu potencial
levados em conta no trabalho com projetos integrador? Percebe-se, portanto, a importância
interdisciplinares. de desenvolver projetos que articulem estas
diferentes dimensões: mobilizem alunos e
Inserção curricular
a comunidade e promovam aprendizagens
Projetos interdisciplinares não devem ser previstas e necessárias ao ensino médio.
eventos pontuais e sim efetivamente inseridos
no currículo, de forma a mobilizar objetivos de A abordagem interdisciplinar
aprendizagens e conteúdos selecionados do O princípio da interdisciplinaridade, por vezes, tem
plano curricular para o ano letivo em questão. O abordagens equivocadas que descaracterizam
próprio conceito de sala de aula e de currículo e comprometem seu potencial integrador.
deve ser ampliado, desmistificando a ideia de que Entendemos aqui interdisciplinaridade como a
a visita a uma empresa, um trabalho de campo interação entre disciplinas na qual elas mantêm
ou a exibição de um filme seguida de debate não sua identidade, mas dialogam, e, assim, ampliam
sejam aulas/atividades curriculares e, portanto, o olhar e a abordagem de questões. A abordagem
situações de aprendizagem. interdisciplinar vai além da multidisciplinaridade e
fica aquém da transdisciplinaridade.

93
A multidisciplinaridade representa o primeiro ver alunos e professores passando o ano letivo
nível de integração entre os conhecimentos desenvolvendo atividades desarticuladas e,
disciplinares e se caracteriza por uma ação por vezes, desprovidas de significado curricular
simultânea de uma gama de disciplinas em (como a preparação de cartazes e maquetes
torno de uma temática comum. Nesse nível, para serem exibidos). Sem a problematização
a ação ainda é muito fragmentada, pois não como ponto de partida não há uma questão
se explora a relação entre os conhecimentos a ser investigada, as disciplinas não são
disciplinares: constata-se uma justaposição “convocadas” a ajudar a resolver o problema.
de disciplinas. Isso é muito comum na escola, Isso acaba por criar uma inserção artificial de
quando professores abordam determinado disciplinas que pouco têm a contribuir na
tema comum ao trabalhá-lo em suas aulas sob a questão, predominando a integração no nível da
própria ótica, sem articulação com outros campos multidisciplinaridade.
do conhecimento.
A problematização também orienta para o
Já a transdisciplinaridade representa um nível de tempo necessário, em função das atividades
integração disciplinar no qual as fronteiras entre que serão demandadas. Um projeto não precisa
campos disciplinares se diluem. A abordagem durar o ano todo. Há muitos contextos que
transdisciplinar insere-se na busca por novos podem gerar projetos e permitem acionar
paradigmas pautados em uma visão holística conteúdos curriculares diferentes, não tendo
(do todo) e nas contribuições da Teoria da sentido forçar a inserção de tudo a ser aprendido
Complexidade de Edgar Morin (1999; 2005), bem em um único projeto.
como na ideia do conhecimento/aprendizagem
A contextualização
em rede.
Nas práticas curriculares, constatamos que
Quando discutimos currículo, não se pretende
a abordagem interdisciplinar amplia as
negar a importância da disciplinaridade, mas de
possibilidades de contextualização. No currículo
relativizá-la à luz da organização curricular, da
escolar, isso implica problematizar o conteúdo a
sociedade que se tem, da escola da qual nossa
ser ensinado em um contexto mais amplo, isto
sociedade precisa. A interdisciplinaridade não
é, em um campo do conhecimento, tempo e
anula a disciplinaridade, pois cada disciplina tem
espaço definidos. Contudo, contextualizar não
sua identidade, seu objeto de estudo, assim como
significa limitar-se ao cotidiano imediato, nem
sua forma de pesquisar e produzir conhecimento.
à dimensão concreta ou local de determinado
A problematização como ponto de partida problema. É importante ampliar o quadro de
referências do aluno e favorecer seu trânsito em
Para avançar da multidisciplinaridade, que
contextos próximos e distantes, ao relacionar
ainda predomina nas práticas curriculares,
problemáticas locais com questões globais.
para a interdisciplinaridade por meio dos
projetos, a palavra-chave é problematização Acerca disso, Charlot (2001) nos lembra que
– que demanda a atividade de investigação e a escola deve levar em conta a cultura da
pesquisa inerente a esse tipo de trabalho. Sem comunidade, mas deve também ampliar o
isso, como identificar quais conhecimentos mundo do jovem para além dessa cultura, para,
disciplinares são efetivamente necessários para dessa forma, vislumbrar outras possibilidades.
o entendimento da questão e garantir a inserção Para que o jovem desenvolva uma atitude
significativa e articulada das disciplinas? Nem transformadora, é preciso que o currículo
todas as disciplinas precisam participar de um escolar lhe permita reconhecer que a vida é/
mesmo projeto. Quando a escola desenvolve pode ser diferente em outras classes/tempos/
projetos partindo de temas isolados, é comum espaços sociais.

94
O trabalho e a pesquisa como princípios e da organização do currículo; a
educativos definição dos objetivos e das atividades
de aprendizagem; a articulação ou a
O princípio educativo pode ser definido como
integração de todos os componentes
a origem e o fundamento de todas as escolhas curriculares; a escolha e as ênfases dos
curriculares. Essa proposta curricular pretende critérios e procedimentos de avaliação
ir além da concepção de um currículo no qual (REGATTIERI; CASTRO, 2013, p. 198).
o aluno deve “aprender fazendo”. Não se trata,
portanto, de vincular a formação exclusivamente Educar por meio da pesquisa implica valorizar e
ao fazer cotidiano, a tarefas feitas de modo levantar as problemáticas sobre as quais os alunos
mecânico e esvaziadas de reflexão. É preciso gostariam de saber, investigar e desvendar. Isso é
garantir ao aluno acesso ao conhecimento bem diferente do que historicamente se associa
socialmente produzido e ao reconhecimento do à ideia de pesquisa escolar, na qual predomina o
trabalho como prática social inserida em uma “recorte e colagem” de textos e imagens (ainda
totalidade de relações. mais com as facilidades de buscadores como

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


o Google) com uma abordagem fragmentada.
Assumir o trabalho como princípio educativo
Sem questionamento, sem ter boas perguntas
implica mostrar como o saber se relaciona
para serem respondidas, por que pesquisar?
com a conversão do processo de trabalho
E mais: como identificar que articulações
em força produtiva. Inúmeras atividades e
interdisciplinares serão relevantes para as
formas de trabalho podem ser desenvolvidas
respostas?
pelos alunos no âmbito curricular. Em projetos
interdisciplinares, as problematizações podem, Ao incorporar a pesquisa em sua prática,
por exemplo, levar o aluno a aprender a os professores mudam sua relação com o
planejar, orçar, entrevistar, divulgar, usar recursos conhecimento, reconhecendo-o como infinito,
tecnológicos de modo crítico e adequado etc. provisório, construído por um coletivo de trabalho.
Oferece-se, assim, a possibilidade de vivenciar A cada pesquisa, a cada resposta dada, novas
experiências de formação que estimulem o perguntas podem ser feitas. Muda também a
trabalho social produtivo na família, na escola e forma como alunos e professores se relacionam. A
na comunidade. pesquisa os torna parceiros de trabalho e rompe
com a visão autoritária e centrada na figura
Estratégias como projetos interdisciplinares
docente como única detentora de saber e poder.
também representam campos férteis para
desenvolvimento da atividade de pesquisa na Uma organização curricular que responda a esses
educação básica e abre espaço para investi- desafios requer:
gação de questões que emergem do universo [...] adotar estratégias de ensino
escolar. A pesquisa mostra-se essencial tanto diversificadas, que mobilizem menos
como uma das dimensões do trabalho docen- a memória e mais o raciocínio e outras
te pautado na ação-reflexão-ação quanto um competências cognitivas superiores,
princípio pedagógico que deve permear as prá- bem como potencializem a interação
ticas curriculares e envolver os alunos. Trabalho entre aluno-professor e aluno-aluno
e pesquisa, desse modo, não se limitam a estra- para a permanente negociação dos
tégias didático-pedagógicas: significados dos conteúdos curriculares,
de forma a propiciar formas coletivas de
[...] o trabalho é assumido como
construção do conhecimento; estimular
princípio educativo e a pesquisa como
todos os procedimentos e atividades
princípio pedagógico, estando ambos
que permitam ao aluno reconstruir
estreitamente relacionados. São eles
ou ‘reinventar’ o conhecimento
que orientam o desenho da estrutura

95
didaticamente transposto para a sala pessoais e de organização social. Ao mesmo
de aula, entre eles a experimentação, a tempo, construirão sua autonomia ao formular e
execução de projetos, o protagonismo ensaiar a concretização de projetos de vida e de
em situações sociais; organizar os sociedade. De modo geral, costuma-se associar
conteúdos de ensino em estudos ou protagonismo juvenil à atuação dos jovens
áreas interdisciplinares e projetos que
como personagens principais de uma iniciativa,
melhor abriguem a visão orgânica do
atividade ou projeto voltado para a solução
conhecimento e o diálogo permanente
de problemas reais. Implica na participação
entre as diferentes áreas do saber;
consciente, ativa e construtiva do jovem na vida
tratar os conteúdos de ensino de modo
contextualizado, aproveitando sempre
da escola, da comunidade ou da sociedade
as relações entre conteúdos e contexto mais ampla. Nesse sentido, percebe-se como
para dar significado ao aprendido, a autonomia – embora não seja sinônimo –
estimular o protagonismo do aluno e tem relação direta com o protagonismo, com
estimulá-lo a ter autonomia intelectual a tomada de decisões pelos jovens de forma
[...] (REGATTIERI; CASTRO, 2013, p. 31). mais independente em relação aos adultos.
O protagonismo juvenil também pode ser
O protagonismo juvenil entendido como mecanismo de integração
O trabalho com projetos interdisciplinares é curricular que coloca o coletivo juvenil como
um espaço fecundo para a ação protagonista ator principal de uma ação transformadora que
dos alunos. Ele provoca a reflexão acerca das articula todo o currículo.
relações de poder na escola e exige negociação
A avaliação diferenciada
e cooperação entre os envolvidos. Nesse tipo de
trabalho, não cabe um papel discente passivo, Tendo partido de contextos favoráveis ao
como “tábula rasa” ou “esponja”, que deve desenvolvimento de determinados objetivos
simplesmente absorver conteúdos prontos. de aprendizagem e conteúdos curriculares, o
Ao “aprender a aprender”, o conhecimento desenvolvimento de um projeto interdisciplinar
disciplinar (geral ou específico) para o aluno deve prever como avaliar o processo – e não
torna-se meio, não fim, e o instrumentaliza para apenas o(s) produto(s) – e o quanto foi alcançado
analisar, problematizar e provocar intervenções pelo aluno/turma.
na realidade, favorecendo, assim, o exercício da
A avaliação depende da observação dos alunos
cidadania e de sua prática profissional futura.
em ação, de forma a mobilizar competências
Cabe ressaltar que protagonismo discente não
e conceitos nas situações-problema que
prescinde da mediação docente no currículo.
enfrentam. Embora algumas situações possam
É importante acompanhar todas as etapas nas
ser inesperadas, decorrentes do processo de
quais os alunos estão envolvidos e dar o suporte
investigação nos projetos, a maior parte deve ser
e a orientação necessários para evitar equívocos
prevista, como atividades que tenham relação
conceituais e procedimentais que possam
direta com os objetivos de aprendizagem
comprometer os objetivos de aprendizagem.
definidos.
Uma escola de ensino médio deve atuar como
A autoavaliação dos alunos deve ser incentivada,
uma comunidade de aprendizagem, em que
assim como a metacognição: parar para
os jovens desenvolvam uma cultura para o
pensar e refletir sobre o raciocínio e os
trabalho e demais práticas sociais por meio do
percursos cognitivos utilizados nas atividades
protagonismo em atividades transformadoras.
é especialmente importante no trabalho com
Ao realizar essas atividades, eles poderão explorar
projetos interdisciplinares, visto que os alunos
interesses vocacionais, além de perspectivas devem tomar decisões sobre quais estratégias

96
usar e como usá-las. Recursos como cartas, ao currículo e ao projeto político-pedagógico
diários de bordo e portfólios são excelentes para (PPP) da escola:
o registro dos processos nos quais o aluno pensa „„ Seleção de um contexto significativo a
sobre a própria aprendizagem. Para incentivar ser problematizado (o contexto deve favorecer
a metacognição, que amplia a autonomia as aprendizagens previstas no plano curricular
intelectual e o protagonismo, é necessário para o ano letivo em questão)
prever ocasiões em que os alunos tenham
„„ Problematização inicial com questões
oportunidade de expressar suas ideias em voz
norteadoras
alta com seu grupo e com a turma. Ouvir como
„„ Identificação das áreas/disciplinas
os colegas resolvem problemas encontrados
que efetivamente podem colaborar na
no desenvolvimento dos projetos pode ajudar
investigação do problema e questões
cada um a ampliar seu repertório pessoal de
norteadoras
estratégias possíveis.
„„ Pesquisa e seleção de fontes de
Envolver a comunidade e intervir na realidade informação, em diferentes formas e suportes

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


Tendo a problematização como ponto de partida, (incluindo os livros didáticos utilizados no
os projetos interdisciplinares devem chegar a ensino médio)
algum nível de solução. Por isso é importante que „„ Vivência de atividades que favoreçam
o recorte do contexto que origina o projeto esteja as diferentes aprendizagens, incluindo
bem definido: temas muito amplos dificultam ou cooperação e trabalho em equipe
inviabilizam propostas de intervenção. „„ Registro do percurso feito, da memória
Um projeto sobre a fome no mundo, por do projeto com diferentes recursos técnicos e
exemplo, não tem sentido. Por sua amplitude e linguagens, o que pode servir de subsídio para
sua complexidade, precisa ser problematizado outros trabalhos
para determinado recorte da realidade sem „„ Avaliação processual, incluindo
fragmentá-la. Dentro desse macroproblema, metacognição e autoavaliação, sem se deter
a escola pode desenvolver um projeto ao conteúdo programático desenvolvido
curricular como “Alternativas alimentares ou no trabalho final (podem ser propostos
sustentáveis e de baixo custo: uma proposta produtos intermediários)
de cardápios na comunidade X”. Dessa forma, „„ Propostas de intervenção na realidade e
conteúdos curriculares das disciplinas/ levantamento de novas questões a partir do
áreas de ensino médio (biologia, sociologia, conhecimento construído
matemática, química, entre outros) podem ser
„„ Estímulo à integração da escola com a
acionados, a comunidade pode ser envolvida
comunidade
e uma proposta concreta de intervenção na
Para finalizar, vale ressaltar que, ao buscar a
realidade pode ser feita como uma cartilha de
formação integral e o desenvolvimento da
reaproveitamento de alimentos, sugestões de
autonomia do aluno, cabe à escola propor um
receitas, oficina de culinária, construção de
currículo que contemple e valorize seus interesses
hortas, feiras etc.
e suas expectativas, assim como seu saber e suas
Uma síntese referências culturais. Um currículo que garanta
Com base nos aspectos destacados espaço para práticas pedagógicas criativas e
anteriormente, sem a pretensão de apresentar integradoras, como o desenvolvimento de projetos
uma receita infalível, podemos listar o que é interdisciplinares, provavelmente será mais capaz
importante considerar ao planejar e executar um de envolver os alunos na própria aprendizagem.
projeto efetivamente interdisciplinar e articulado

97
Além disso, é urgente e necessário avançar para como projetos interdisciplinares – possam de fato
uma perspectiva plural, inclusiva e intercultural, ser implementadas no âmbito do currículo da
na qual diferentes etnias, gêneros, faixas etárias, escola? 
necessidades de aprendizagem e outras
2. Por que a problematização como ponto de
categorias da diversidade sejam efetivamente
partida favorece a abordagem interdisciplinar e
contempladas. Para isso, devemos ficar atentos
contextualizada no trabalho com projetos? Se
para conhecer quem é o nosso aluno de ensino
possível, utilize exemplos da sua prática docente.
médio. Mesmo os que estão na faixa etária
padrão desse segmento de ensino não podem 3. Com base na proposta curricular da escola e
ser incluídos em uma categoria homogeneizante. nas ideias expostas neste texto, identifique temas
Singularidades distinguem entre si os alunos e respectivas questões para desenvolvimento de
adolescentes e as adolescências, pois, tal qual projetos interdisciplinares.
as juventudes, apresentam uma pluralidade de
expectativas, desejos, vivências e sentidos que
não se diluem simplesmente por caracterizar uma Referências bibliográficas
mesma faixa etária. BRASIL. CNE/CEB. Pareceres. Brasília: 2011.
Lembremo-nos do saudoso mestre Paulo Freire. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/mais-
No prefácio que fez para o livro “Alunos felizes: educacao/323-secretarias-112877938/orgaos-
reflexões sobre a alegria na escola a partir de vinculados-82187207/16368-ceb-2011>.
textos literários”, de autoria de Georges Snyders, BRASIL. Ministério da Educação. Conselho
ele reafirma a necessidade da alegria na escola: Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB
É preciso conjugar esforços, pois o nº 7/2010, aprovado em 7 de abril de 2010. Diretrizes
tempo da escola tem se configurado Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
como um tempo de enfado, em que o Básica. Brasília: CNE/CEB, 2010.
educador, a educadora e os educandos
CHARLOT, Bernard. Os jovens e o saber:
vivem os segundos, os minutos, os
perspectivas mundiais. Porto Alegre: Artmed, 2001.
quartos de hora, à espera de que a
monotonia termine, a fim de partirem MORIN, Edgar. Complexidade e
risonhos para a vida que os espera lá transdisciplinaridade: a reforma da universidade e
fora. A tristeza experimentada na escola do ensino fundamental. Natal: EDUFRN, 1999.
termina por deteriorar a alegria de viver
MORIN, Edgar. A introdução ao pensamento
(SNYDERS, 1993, p. 9).
complexo. Porto Alegre: Sulinas, 2005.
Desse modo, viver plenamente a alegria na escola REGATTIERI, Marilza; CASTRO, Jane (Orgs.).
significa mudá-la, significa lutar para incrementar, Currículo integrado para o Ensino Médio: das
melhorar e aprofundar a mudança no mundo. normas à prática transformadora. Brasília:
Que os currículos de nossas escolas de ensino UNESCO, 2013. Disponível em: <http://unesdoc.
médio ajudem a resgatar essa alegria. unesco.org/images/0022/002226/222630POR.
pdf>. Acesso em: 3 mar. 2015.

Questões para reflexão SNYDERS, George. Alunos felizes: reflexões sobre


a alegria na escola a partir de textos literários. Rio
1. Apesar de existir dificuldades de romper com
de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
a estrutura disciplinar, fragmentada e linear dos
currículos escolares, há possibilidades de avançar
em relação a isso. Que condições você identifica
como necessárias para que ações desse tipo –

98
Avaliação da aprendizagem:
alguns aportes34

Sandra M. Zákia Lian Sousa

Mudar a avaliação significa provavelmente mudar desde os anos 1980, sob a crença de que
a escola. Pelo menos se pensarmos em termos de eventuais mudanças nas práticas avaliativas, tal
mudanças maiores, no sentido de uma avaliação como tradicionalmente concebidas e vivenciadas
sem notas, mais formativa, uma vez que as na escola, decorrem de transformações em
práticas de avaliação estão no centro do sistema nossas concepções de sociedade, de educação e
didático e do sistema de ensino. Mexer com essas do papel social da escola (SOUSA, 1986).

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


práticas significa pôr em questão um conjunto Quanto ao ensino médio, é inegável que sua
de equilíbrios frágeis e parece representar uma oferta vem se ampliando no Brasil, mas é
vontade de desestabilizar a prática pedagógica e igualmente evidente o padrão excludente que
o funcionamento da escola. ainda prevalece no atendimento escolar. Garantir,
‘Não mexam na minha avaliação!’ é além da ampliação do acesso, a permanência –
o grito que damos assim que nos de forma a reverter as altas taxas de reprovação
apercebemos que basta puxar pela e de abandono escolar – e a conclusão com
ponta da avaliação que o novelo se sucesso dessa etapa da escolarização básica é
desfie... (PERRENOUD, 1999, p. 173). ainda um desafio a ser superado.

Colocar em questão concepções e práticas de São diversos os fatores extra e intraescolares que
avaliação da aprendizagem que têm sido dominantes condicionam a exclusão dos jovens na sociedade
na escola é condição necessária para aqueles que e na escola. Assumir a perspectiva da inclusão
buscam a democratização do ensino médio, com supõe o reconhecimento da exclusão,
vistas a tornar realidade o direito de todos à educação [...] processo complexo e multifacetado,
básica. O modo como usualmente se realiza a uma configuração de dimensões
avaliação da aprendizagem dos alunos não tem materiais, políticas, relacionais e
apoiado mudanças nessa direção e não tem sido subjetivas. [...] Não é uma coisa ou
expressão de um projeto educacional e social que se um estado, é processo que envolve o
paute pelo compromisso com a inclusão de todos homem por inteiro e suas relações com
os alunos. Portanto, buscar um (re)direcionamento os outros. Não tem uma única forma e
das práticas avaliativas é uma questão que somente não é falha do sistema, [...] é produto
será levantada por quem esteja comprometido do funcionamento do sistema (SAWAIA,

com a permanência, a terminalidade e o ensino de 2002, p. 9).

qualidade para todos.


Se por um lado compreendemos que a
Essas considerações expressam o ponto de seletividade e a exclusão escolar não serão
partida que tenho adotado em minhas produções contidas somente por ação da escola (até
sobre o tema da avaliação da aprendizagem, porque não são unicamente decorrentes de sua
intervenção), por outro lado, reconhecemos que
34 Este texto foi elaborado no âmbito do Projeto Formação os aspectos intraescolares contribuem para a
de Professores Tutores do Ensino Médio, desenvolvido pela
UNESCO e pelo governo do estado do Ceará, em 2013. produção do sucesso ou do insucesso escolar.

99
Sem negar a totalidade das relações sociais pelo coletivo escolar de modo integrado
de que a escola é parte, os estudos da área e articulado com os princípios e objetivos
educacional, particularmente a partir dos anos definidos para o ensino médio;
1980, têm apontado para a importância de „„ acompanhar a aprendizagem; e
conhecer os mecanismos internos da escola,
„„ os componentes curriculares estiverem
pois é por meio da mediação das condições
integrados.
intraescolares que a seletividade se efetua de
Fonte: REGATTIERI; CASTRO, 2013, p. 15.
maneira concreta. Ou seja, o fracasso escolar,
há muito evidenciado e denunciado, é também
expressão do modo como a escola está Neste texto, nos dedicamos à temática da
organizada, o que impõe observar criticamente avaliação da aprendizagem que, entre os muitos
suas regras, seus rituais, suas práticas, enfim, o mecanismos seletivos que se concretizam
conjunto de relações e interações que nela se na escola, tem contribuído para exclusão de
estabelecem (SOUSA, 2007). Assim, redirecionar muitos alunos (SOUSA, 1986). Não se ambiciona
o significado que vem assumindo a avaliação explorar aqui a complexidade e a diversidade
da aprendizagem é um desafio que integra a de manifestações dos processos de exclusão/
perspectiva de reconstruir o currículo de escolas inclusão social e escolar. A pretensão é focar
de ensino médio. nas tendências que têm dominado concepções
Entre as considerações sobre avaliação que e práticas de avaliação da aprendizagem. Essa
podem ser feitas no momento de reconstruir análise é um passo inicial para buscar alternativas
o currículo de escolas de ensino médio é a de de vivência da avaliação que estejam a serviço
que a avaliação seja um meio que favoreça a da aprendizagem de todos os alunos. Com esses
integração curricular, na perspectiva “de formas propósitos, quatro pontos são explorados:
não disciplinares de organização do currículo ou, „„ Práticas avaliativas na escola
pelo menos, a organização do currículo com a
„„ Significado da avaliação
inclusão de componentes curriculares distintos
„„ Funções da avaliação
das disciplinas tradicionais” (REGATTIERI; CASTRO,
2013, p. 15). Essas autoras, no documento „„ Transformação de concepções e práticas
“Currículo integrado para o ensino médio: das avaliativas
normas à prática transformadora” (REGATTIERI; Recorro, no tratamento desses tópicos, a
CASTRO, 2013, p. 15), transcrevem excertos de produções anteriores por mim já divulgadas que
resoluções e pareceres do Conselho Nacional contêm ponderações que merecem ser reiteradas
de Educação (CNE) que abarcam considerações na medida em que ainda nos defrontamos com o
sobre avaliação. desafio de conceber e vivenciar a avaliação como
atividade que se coloque a serviço da promoção
A avaliação na construção do currículo do direito à educação.

A avaliação pode exercer um papel Tendências dominantes nas práticas


integrador do currículo se: avaliativas
„„ tiver por base a mesma concepção de Estudos e pesquisas que se voltam para a
educação que orienta a aprendizagem; compreensão dos princípios e das finalidades
„„ for abrangente e envolver até mesmo os que têm orientado a vivência da avaliação
mecanismos de integração curricular; no contexto escolar revelam sua natureza
„„ tiver como referência os objetivos essencialmente classificatória, seletiva e
de aprendizagem e esses forem definidos autoritária.

100
Apesar de acreditar que essas análises já tenham de novas respostas. Isso se evidencia quando
sido bastante divulgadas aos educadores, constatamos que, embora elas já tenham sido
retomo-as aqui de modo sucinto, pois entendo bastante divulgadas, têm tido pouco impacto no
que se constituem como ponto de partida para sentido de provocar transformações no contexto
quaisquer encaminhamentos que visem a sua escolar.
transformação, já que revelam para que e para
quem serve a avaliação, além de possibilitar que Avaliação e medida
se mostre o projeto educacional em curso. Ainda que brevemente, é oportuno retomar
Confundindo-se com o procedimento de contribuições da literatura que auxiliam no
atribuição de notas e de seleção dos alunos com processo de buscar superar uma visão da
condições de serem promovidos para séries avaliação que a limita a procedimentos de
subsequentes, a aprovação ou reprovação do verificação.36
aluno se constitui no foco central do processo É comum o termo avaliação ser empregado
de avaliação e na finalidade do próprio processo para referir-se à medida de desempenho

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


de ensino e aprendizagem. Mesmo em redes escolar, ao procedimento de atribuição
de ensino que implantaram alternativas não de nota/conceito ou à aplicação de um
seriadas de organização do trabalho escolar, instrumento de testagem do aproveitamento
observa-se que a finalidade preponderante escolar (a prova). Na literatura referente ao
da avaliação, expressa nas práticas escolares, tema, encontramos já há muito tempo uma
ainda é a classificação dos alunos por níveis de clara diferenciação entre medida e avaliação,
aprendizagem.35 caracterizando-se a medida como um
A avaliação permanece caracterizada como procedimento mais restrito que a avaliação,
instrumento de controle e adaptação de que fornece dados quantitativos que apoiam o
condutas educacionais e sociais dos alunos. julgamento. Como afirma Gronlund,
Trabalha-se com os alunos em direção à avaliação é um termo bem mais
adequação e à submissão aos padrões e às abrangente do que medida. Avaliação
expectativas definidas pela escola, os quais, no inclui descrições qualitativas e/ou
entanto, não levam em conta suas características quantitativas do comportamento
como grupo social. O saber escolar é transmitido do aluno e mais julgamento de
valor quanto a desejabilidade do
de forma desvinculada da cultura de origem dos
comportamento. Medida é limitada
alunos e a avaliação visa a verificar o domínio
a descrições quantitativas do
desse saber (que não é o dos setores populares
comportamento do aluno (GRONLUND,
da sociedade), o que converte desigualdades
1974, p. 32).
sociais em fracasso escolar, sob um discurso de
que a todos são dadas iguais oportunidades A avaliação não se reduz ao procedimento de
educacionais, mas são os alunos que se constatação e quantificação de “acertos” ou “erros”
comportam de maneira diversa (SOUSA, 1986). dos alunos, com o qual tem sido confundida. Ela é
Essas revelações possibilitam evidenciar que uma atividade que envolve julgamento do objeto
o projeto educacional dominante em nossas de avaliação e tomada de decisão com base no
escolas é o de reprodução cultural e econômica julgamento.
das relações de classe de nossa sociedade. Tomar
conhecimento dessas questões é um passo inicial,
mas não é o suficiente para impulsionar a busca 36 Vale consultar o artigo de Luckesi (1990), amplamente
difundido aos educadores, intitulado “Verificação ou avaliação:
o que pratica a escola? A construção do projeto de ensino e
35 Ver referências de pesquisas em Sousa e Barretto (2004). avaliação”.

101
A avaliação é um processo que contempla: propor e, nesse contexto, aponta para
uma avaliação global, que vai além do
aspecto quantitativo, porque identifica
o desenvolvimento da autonomia do
estudante, que é indissociavelmente
ético, social, intelectual (BRASIL, 2010).

Nota-se, portanto, que tanto a literatura da área


quanto às orientações legais apresentam uma
concepção de avaliação em que os resultados
das produções dos alunos (seus acertos, erros,
sucessos e fracassos) constituem evidências
que devem ser consideradas pelo professor e
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação também pelo aluno – sujeito do processo de
Nacional (LBDEN), em vigor desde 20 de aprendizagem e, consequentemente, sujeito
dezembro de 1996, Lei nº 9.394, dispõe em da avaliação – como condição para o contínuo
seu art. 24, inciso V, sobre a avaliação do aprimoramento dos processos de ensino e de
rendimento escolar. Entre outras indicações, aprendizagem.
prescreve a “avaliação contínua e cumulativa
do desempenho do aluno, com prevalência dos
aspectos qualitativos sobre os quantitativos e
dos resultados ao longo do período sobre os de
eventuais provas finais”.37
A Resolução n. 4/2010, do CNE, que define
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica, em seu capítulo II, seção I, trata
da avaliação da aprendizagem, afirmando no art.
47, parágrafo primeiro:
A avaliação da aprendizagem baseia-se
na concepção de educação que norteia
a relação professor-estudante-conheci-
mento-vida em movimento, devendo
ser um ato reflexo de reconstrução da
prática pedagógica avaliativa, premissa
básica e fundamental para se questionar
o educar, transformando a mudança em
ato, acima de tudo, político.

Adaptado de SOUSA, 2007.


§ 1º A validade da avaliação, na
sua função diagnóstica, liga-se à
Para a obtenção de evidências sobre o
aprendizagem, possibilitando o aprendiz
desenvolvimento dos alunos, diferentes
a recriar, refazer o que aprendeu, criar,
procedimentos e instrumentos podem ser
37 Sousa (2009) apresenta levantamento e análise da úteis, desde que adequados aos objetivos que
legislação educacional, promulgada em âmbito federal, se quer avaliar. Gronlund (1974) classifica os
relativa à avaliação da aprendizagem. Abrangendo o período
de 1930 até a legislação vigente, destaca as principais
procedimentos utilizados para avaliação da
orientações e normas constantes dos textos analisados, com aprendizagem dos alunos em:
o propósito de explicitar concepções a eles subjacentes.

102
„„ testagem – conjunto de tarefas usadas Funções da avaliação
para colher amostras do comportamento
Na literatura da área têm sido enfatizadas
do indivíduo em determinada situação e em
como funções da avaliação: o diagnóstico,
determinado tempo;
a retroinformação e o favorecimento do
„„ autorrelato – situação em que o indivíduo desenvolvimento dos alunos. Essa concepção
fornece informações sobre si mesmo; e caracteriza a avaliação como uma prática que
„„ observação – procedimentos que tem por fim, essencialmente, apoiar e orientar
permitem a apreensão direta do fenômeno os processos de planejamento e de mudança.
que vai ser avaliado. Portanto, avaliar a aprendizagem vai além da
função somativa, que se realiza ao final de uma
Ao indicar essa classificação, considero oportuno etapa de ensino (um semestre, um ano, um
esclarecer que “prova” é um instrumento de curso), quando se busca identificar se foram
testagem ao qual podemos recorrer, não atingidos os objetivos educacionais, muitas vezes
necessariamente de modo exclusivo, para realizar com função classificatória e/ou certificadora.
uma avaliação, não se confundido, no entanto,

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


com a própria avaliação. A “prova” pode ser um Entre as funções da avaliação, exploradas na
instrumento valioso dependendo do que se literatura da área, a classificação do aluno, ao fim
pretende avaliar; no entanto, é fundamental de um bimestre, semestre ou curso, é a menos
estarmos atentos para o uso que será feito de enfatizada, sendo ressaltadas como funções básicas:
seus resultados, quais consequências serão
por eles geradas: a mera constatação de
acertos e erros e classificação dos alunos ou
o encaminhamento do processo de trabalho
com eventuais redirecionamentos com base no
julgamento dos resultados?
Assim, a avaliação não se caracteriza apenas
por um procedimento de mensuração, ou
seja, de dimensionamento de modo preciso
(numérico) do desempenho do aluno. Trata-se
de uma atribuição de valor quanto ao grau de
desejabilidade do desempenho apresentado e
que apoia ações subsequentes, cujas evidências
podem ser obtidas por diferentes procedimentos. Dimensões formal e informal

Nesse sentido, a “nota” ou o “conceito” são É importante lembrar que ressignificar a avaliação
representações de quão desejável foi o pressupõe uma reflexão sistemática acerca das
desempenho do aluno nas experiências de dimensões formal e informal da avaliação, como
aprendizagem, considerando-se os objetivos nos alerta Freitas (2003) em texto que analisa
visados. A utilização de símbolos pode ser implicações da adoção de ciclos e progressão
entendida como um recurso administrativo que continuada por sistemas de ensino:
serve para representar, de forma sintética, as No plano da avaliação formal estão as
condições que o aluno apresenta face a padrões técnicas e procedimentos palpáveis de
previamente estabelecidos. avaliação com provas e trabalhos que
conduzem a uma nota; no plano da ava-
liação informal estão os juízos de valor
invisíveis e que acabam por influenciar
os resultados das avaliações formais

103
finais, sendo construídos pelos profes- uma questão que somente será considerada para
sores e alunos nas interações diárias. Tais quem tem um projeto diferente ou divergente
interações criam, permanentemente, daquele que tem sido hegemônico.
representações de uns sobre os outros.
O eixo da discussão, em meu entender, não é
A parte mais dramática e relevante da apenas o aprimoramento das técnicas e dos
avaliação se localiza aí, nos subterrâneos procedimentos avaliativos, mas a análise das
onde os juízos de valor ocorrem. Impe- finalidades da avaliação escolar. O movimento
netráveis, eles regulam as relações tanto a ser privilegiado é a busca de respostas às
do professor para com o aluno, quanto indagações sobre para que e para quem serve
do aluno para com o professor. [...] a avaliação, visando a deixar mais claro seu
real significado no processo de ensino e de
Os professores tendem a tratar os alunos
conforme os juízos de valor que vão fa-
aprendizagem. Ao explicitar os fins de nossa
zendo deles. Aqui começa a ser jogado o prática avaliativa, no limite, evidenciaremos qual é
destino dos alunos – para o sucesso ou nosso projeto institucional.
para o fracasso. As estratégias de traba- A transformação da cultura avaliativa que
lho do professor em sala de aula ficam está impregnada nas instituições supõe um
permeadas por tais juízos e determinam,
envolvimento dos que integram a escola na
consciente ou inconscientemente, o
análise do que vem sendo feito até então. É
investimento que o professor fará neste
com base nessa reflexão que emergirão novas
ou naquele aluno. É nessa informalidade
ações construídas no contexto do cotidiano
que se joga o destino das crianças mais
pobres (FREITAS, 2003, p. 45).
institucional, na interação e no confronto entre os
diversos projetos existentes.
A atenção à dimensão informal da avaliação Para ter força de transformação, o desvelamento
é fundamental em uma escola que se paute dos princípios que norteiam as práticas avaliativas
pelo compromisso com a inclusão escolar e (e sua análise nas dimensões técnica, política e
social de todos, para, assim, romper com a ideológica) precisa estar ancorado no desejo de
noção, tradicionalmente assimilada, de que sua mudança e provocar intervenções na realidade.
finalidade é transmitir determinado conjunto de Se apenas o discurso resolvesse, diz Vasconcellos,
informações que deve ser assimilado por todos
não teríamos mais problemas com a
os alunos, mas que, “já se sabe”, nem todos têm
avaliação [...]. Para se atingir um nível
condições de dominá-las, nos tempos e nas
mais profundo de conscientização, o
condições pré-estabelecidas, convivendo-se,
parâmetro deve ser colocado em termos
então, com os altos e persistentes índices de de mudança da prática. O educador
fracasso escolar (SOUSA, 1998). pode ler um texto que critica o uso
autoritário da avaliação, concordar com
Desafio: construir um novo significado para
ele e continuar com o mesmo tipo de
a avaliação
avaliação. A conscientização é um longo
Retomando o que afirmei no início deste texto, processo de ação-reflexão-ação; não
observo que as práticas avaliativas são uma acontece ‘de uma vez’, seja com um cur-
das formas de concretização de determinado so ou com a leitura de um texto. Quan-
projeto educacional e social. Portanto, buscar do se tenta mudar o tipo de avaliação é
um redirecionamento da prática de avaliação é que se pode ter a real dimensão do grau
de dificuldade da transformação, bem
como do grau de conscientização do
grupo de trabalho. As ideias se enraízam

104
a partir da tentativa de colocá-las em entender, merece ser questionado quanto a
prática. Vai-se ganhando clareza à me- sua intencionalidade e sua contribuição para a
dida que se vai tentando mudar e refle- melhoria do ensino médio, pois é, muitas vezes,
tindo sobre isto, coletiva e criticamente erroneamente, assumido como instrumento de
(VASCONCELLOS, 1993, p. 53). avaliação de aprendizagem.38

É fundamental que se articule as discussões Questões para reflexão


sobre avaliação da aprendizagem e avaliação
1. Com base em sua vivência e sua experiência
institucional. Construir projetos de avaliação, com
no ambiente escolar, como você diferencia o
base no diálogo e na negociação sobre o projeto
conceito de avaliação de aprendizagem das
educacional, envolvendo todos os integrantes da
noções de medida, de prova e de nota abordados
escola, é um desafio presente. Ao discorrer sobre
no texto? Você concorda com as considerações
avaliação da eficácia das escolas, Thurler observa
apresentadas no texto? Explique sua opinião.
que ela
[...] resulta de um processo de constru- 2. De modo dominante, o que ocorre na escola:

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


ção, pelos atores envolvidos, de uma medida ou avaliação?
representação dos objetivos e dos 3. Em sua apreciação, ao comparar as práticas
efeitos de sua ação comum. Assim, a tal como ocorrem de modo dominante em
eficácia não é mais definida de fora para
sua escola e as contribuições apresentadas
dentro: são os membros da escola que,
neste texto, quais os principais desafios a
em etapas sucessivas, definem e ajus-
serem enfrentados para desenvolver um tipo
tam seu contrato, suas finalidades, suas
de avaliação que se coloque a serviço do
exigências, seus critérios de eficácia e,
desenvolvimento de todos os alunos?
enfim, organizam seu próprio controle
contínuo dos progressos feitos, nego-
ciam e realizam os ajustes necessários
(THURLER, 1998, p. 176).

Nesse processo, cabe tomar os resultados das


avaliações externas à escola, tão difundidas nos
dias atuais, como um dos indicadores para a
avaliação institucional.
Nos limites deste texto e da temática central aqui
abordada – a avaliação da aprendizagem – não
cabe explorar e problematizar o significado e
as implicações de avaliações externas, como
é o caso do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica (Saeb) ou do Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem). No entanto, gostaria de
demarcar a diferença entre essas duas iniciativas.
Reconheço o Saeb como uma avaliação externa
e em larga escala de desempenho de alunos
da educação básica (na qual se insere o ensino
médio), bem como uma ferramenta que
possibilita que seus resultados sejam tomados 38 Aos interessados em conhecer interpretações que venho
construindo sobre o Enem, fica o convite para a leitura do
pela equipe escolar como um dos indicadores artigo “Ensino médio: perspectivas de avaliação” (SOUSA,
para avaliação do trabalho. Já o Enem, em meu 2011).

105
Referências bibliográficas SOUSA, Sandra M. Zákia L. Ensino médio:
perspectivas de avaliação. Retratos da Escola.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho
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Siqueira de Sá (Coord.). Estado do conhecimento:
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Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
SOUSA, Sandra M. Zákia L. Avaliação da
aprendizagem na legislação nacional: dos
anos 1930 aos dias atuais. Estudos em Avaliação
Educacional, v. 1, p. 1-18, 2009. Disponível em:
<http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/
eae/arquivos/1536/1536.pdf>.

106
Avaliação da aprendizagem:
a busca de caminhos no âmbito
de projetos interdisciplinares39
Sandra M. Zákia Lian Sousa

A avaliação é um meio de contribuir para [...] a eficácia não é mais definida de fora
a concretização do projeto pedagógico da para dentro: são os membros da escola
escola (WALDHELM, 2014) e, por isso, precisa que, em etapas sucessivas, definem e
ser abrangente. O que se realiza de modo ajustam seu contrato, suas finalidades,
mais sistemático atualmente é a avaliação da suas exigências, seus critérios de eficácia
e, enfim, organizam seu próprio controle

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


aprendizagem dos alunos, no entanto todos
contínuo dos progressos feitos, nego-
os integrantes e os diversos componentes da
ciam e realizam os ajustes necessários
organização escolar deveriam ser avaliados.
(THURLER, 1998, p. 176).
Teriam de ser avaliados também a atuação do
professor e de outros profissionais da escola; os Neste texto, vamos nos deter em considerações
conteúdos e processos de ensino; as condições, relativas à avaliação da aprendizagem, sem
dinâmicas e relações de trabalho; os recursos esquecer, no entanto, que a concepção e os
físicos e materiais disponíveis; a articulação instrumentos a serem assumidos como referência
da escola com a comunidade, com grupos na discussão, necessariamente, precisam se articular
organizados da sociedade; as relações da escola com o projeto de escola assumido coletivamente.
com outras escolas e instâncias do sistema Em particular, para tratar de avaliação da
(SOUSA, 1999). aprendizagem, nos pautaremos na proposta de
O que se quer pontuar é a necessidade de elaboração de projetos interdisciplinares como
ampliação da noção de avaliação escolar, com estratégias de integração no currículo de ensino
base na compreensão de que a qualidade do médio. Para isso, veremos por que é necessário
trabalho escolar e, em decorrência, as atividades ressignificar o papel das avaliações de projetos
que propiciam o desenvolvimento dos alunos, interdisciplinares e passaremos por algumas
resultam de um conjunto de fatores, externos e sugestões de como fazê-lo.
internos à escola (SOUSA, 2013). Essa expectativa é apresentada nos protótipos
A avaliação da aprendizagem, portanto, precisa curriculares de ensino médio desenvolvidos pela
estar referenciada no projeto da escola, que UNESCO no Brasil, ao afirmar o desafio de superar
resulta de um processo de construção, pelos a fragmentação curricular, em direção a “formas
atores envolvidos, de uma representação dos não disciplinares de organização do currículo ou,
objetivos e dos efeitos de sua ação comum pelo menos, a organização do currículo com a
(THURLER, 1998, p. 176). A autora, ao discorrer inclusão de componentes curriculares distintos
sobre avaliação da eficácia das escolas, realça que: das disciplinas tradicionais” (REGATTIERI; CASTRO,
2013, p. 21), o que remete a que a avaliação
seja apresentada como meio que favoreça a
integração curricular.
39 Este texto foi elaborado no âmbito do Projeto Formação
de Professores Tutores do Ensino Médio, desenvolvido pela
UNESCO e pelo governo do estado do Ceará em 2013.

107
Buscar ultrapassar os limites [...] se uma das finalidades dos projetos
das disciplinas escolares é promover formas de aprendizagem
que questionem a ideia de verdade
Fernando Hernández (1998), na introdução do
única, ao colocar os alunos diante
livro “Transgressão e mudança na educação:
de diferentes interpretações dos
os projetos de trabalho”, diz que o texto a ser fenômenos está-se questionando
apresentado: plenamente a visão de avaliação
É um convite a soltar a imaginação, baseada na consideração da realidade
a paixão e o risco por explorar novos como algo objetivo e estável. Com
caminhos que permitam que as isso, o papel da avaliação passa a
escolas deixem de ser formadas por fazer parte do próprio processo de
compartimentos fechados, faixas aprendizagem, e não é um apêndice
horárias fragmentadas, arquipélagos que estabelece e qualifica o grau de
de docentes e passe a converter-se em ajuste dos alunos com a ‘resposta única’
uma comunidade de aprendizagem, que o docente define. [...] O papel
onde a paixão pelo conhecimento do professor consistirá em organizar,
seja a divisa e a educação de melhores com um critério de complexidade,
cidadãos o horizonte ao qual se dirigir as evidências nas quais se reflita o
(HERNÁNDEZ, 1998, p. 113). aprendizado dos alunos, não como um
ato de controle, mas sim de construção
Reproduzo aqui o alerta do autor por considerá-lo de conhecimento compartilhado
pertinente à proposta de implantação de projetos (HERNÁNDEZ, 1998, p. 93).
interdisciplinares na escola. Supõe-se, como diz
Hernández, a disposição dos envolvidos para aceitar Portanto, ressignificar o papel da avaliação é parte
o convite para exploração de “novos caminhos”, em do desafio de concretizar uma nova organização
especial que os professores se disponham a romper do trabalho escolar. Na escola, de modo
com o individualismo e a fragmentação usualmente dominante, a avaliação vem se caracterizando
presentes na organização do trabalho escolar. como medida pontual de desempenho de alunos,
em geral por meio de provas, “confundindo-se
São diversos os fatores que condicionam a com o procedimento de atribuição de notas,
organização do trabalho na escola, como o tipo de seleção dos alunos com condições de serem
de contrato dos docentes, as condições materiais promovidos para séries subsequentes”, além de
da escola, entre outros. No entanto, é possível servir como “instrumento de controle e adaptação
desencadear ações que provoquem alterações de condutas educacionais e sociais dos alunos”
nessa realidade. (SOUSA, 2013).
Aceitar o desafio de ultrapassar os limites das Ao problematizar essa concepção, tratei
disciplinas escolares pressupõe alterações no (SOUSA, 2013) de explorar outras finalidades
modo como a escola lida com o conhecimento da avaliação ao destacar que a avaliação deve
e, consequentemente, alterações em seus servir para diagnosticar e estimular o avanço
objetivos e procedimentos de ensino e de do conhecimento, bem como para realçar sua
aprendizagem (WALDHELM, 2014). A avaliação função formativa, tendo como referência os
precisa ser repensada em outras bases. objetivos estabelecidos no plano de trabalho.
Novamente, recorro a Hernández (1998), Afirmei, ainda, que as
cujas considerações relativas à avaliação nos
ajudam a situar implicações advindas de uma
perspectiva interdisciplinar:

108
produções dos alunos (seus A escolha dos procedimentos e dos
acertos, erros, sucessos e fracassos) instrumentos de avaliação
constituem-se em evidências
Não existe o melhor procedimento ou
que devem ser consideradas pelo
professor e também pelo aluno –
instrumento de avaliação. Sua pertinência será
sujeito do processo de aprendizagem julgada em função de sua adequação para avaliar
e, consequentemente, sujeito os objetivos propostos. Como já tratei antes
da avaliação – como condição (SOUSA, 2013), para a obtenção de evidências
para o contínuo aprimoramento sobre o desenvolvimento dos alunos, diferentes
dos processos de ensino e de procedimentos e instrumentos podem ser
aprendizagem (SOUSA, 2013, p. 6). úteis, desde que adequados aos objetivos que
se quer avaliar, de modo a possibilitar a coleta
Para tanto, é fundamental compartilhar com de informações que apoiem julgamentos e
os alunos os objetivos e os critérios que serão decisões subsequentes. Gronlund (1974) classifica
utilizados para avaliar suas realizações. Dizendo os procedimentos utilizados para avaliação da
de outro modo, Hernández (1998) afirma a

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


aprendizagem dos alunos em:
necessidade de:
„„ testagem – conjunto de tarefas usadas
converter a avaliação numa peça-chave do para colher amostras do comportamento
ensino e da aprendizagem, que possibilite do indivíduo em determinada situação e em
aos docentes pronunciar-se sobre os
determinado tempo;
avanços educativos dos alunos e, a esses,
„„ autorrelato – situação em que o indivíduo
contar com pontos de referência para
julgar onde estão, aonde podem chegar fornece informações sobre si mesmo; e
e do que vão necessitar para continuar „„ observação – procedimentos que
aprendendo (HERNÁNDEZ, 1998, p. 97). permitem a apreensão direta do fenômeno
que vai ser avaliado.
Na sequência, vamos registrar considerações
sobre alguns caminhos possíveis para conduzir
Ressignificar o papel da avaliação a avaliação, com informações que possam ser
úteis na vivência de projetos interdisciplinares.
Ressignificar o papel da avaliação no As indicações a seguir são apenas sugestões e
processo de ensino e de aprendizagem é devem ser entendidas como possibilidades de
o passo inicial para transformá-la em um conduzir a avaliação.
meio de promoção do desenvolvimento
de todos os alunos. Em decorrência, Portfólio
deparamo-nos também com a necessidade Trata-se de um instrumento de avaliação que
de recorrer a novos procedimentos para demanda dos alunos o registro das evidências
concretizar essa mudança para ultrapassar mais significativas de sua produção. A ideia
os testes com lápis e papel, aplicados com a é ilustrar qual foi o caminho percorrido no
finalidade exclusiva de sancionar ou reprovar desenvolvimento de um projeto de trabalho,
resultados obtidos. Faz-se necessário recorrer ou no decorrer do curso, e os resultados a
a diferentes procedimentos que se mostrem que se chegou. Esses registros constituem
apropriados aos objetivos de aprendizagem, elementos que permitem conhecer a trajetória de
que ofereçam aos professores e alunos aprendizagem vivenciada pelos alunos e avaliar
pistas sobre os resultados que vêm sendo os objetivos alcançados, previstos ou não no
alcançados e que apoiem iniciativas que plano inicial de trabalho. O portfólio possibilita
estimulam e possibilitam avanços. uma avaliação processual e formativa, que apoie

109
professores e alunos no julgamento do que vem concretiza pela imersão orientada na
sendo produzido e nas decisões subsequentes, complexidade de um determinado
seja a de manter ou a de mudar os caminhos espaço geográfico, do estabelecimento
que vêm sendo trilhados no ensino e na de um diálogo inteligente com o
aprendizagem. Hernández (1998) define portfólio mundo, com o intuito de verificar e de
produzir novos conhecimentos (LOPES;
como:
PONTUSCHKA, 2009, p. 173).
[...] um continente de diferentes classes
de documentos (notas pessoais, Possivelmente, projetos interdisciplinares que
experiências de aula, trabalhos visem a integrar o currículo contemplarão
pontuais, controle de aprendizagem, estudos de meio, por isso é oportuno registrar
conexões com outros temas fora o que dizem Lopes e Pontuschka (2009) sobre
da escola, representações visuais, a avaliação: “esta prática pedagógica encontra
etc.) que proporciona evidências do
plena expressão no interior de uma teoria
conhecimento que foi construído, das
curricular aberta na qual o trabalho educativo
estratégias utilizadas para aprender e
das escolas não seja regulado, externamente, por
da disposição de quem o elabora em
um sistema de avaliação homogeneizadora e
continuar aprendendo (HERNÁNDEZ,
1998, p. 100).
homogeneizante”.40
Ao conduzir a avaliação ao longo da experiência
O portfólio pode incluir diferentes produções, do estudo do meio, é preciso estar atento para
mas é importante que o professor defina junto objetivos que envolvem não apenas habilidades
com os alunos alguns critérios que orientem cognitivas (ao estimular articulação da teoria
a seleção, a organização e a apresentação das e de elementos do meio físico e social), mas
produções que sejam relevantes para demonstrar também aspectos atitudinais relativos ao
o processo de desenvolvimento e avanços compromisso com o trabalho e com o grupo
ocorridos ao longo de determinado período de trabalho (que preveem participação nas
do curso ou de desenvolvimento do projeto atividades de grupo, com responsabilidade
em análise, tendo como referência o plano de e solidariedade, tendo como base relações
trabalho previamente discutido. democráticas e cooperativas).
O portfólio é um recurso que auxilia a vivência
da avaliação como integrante do processo de Auto e heteroavaliação
ensino e de aprendizagem. Ele apoia o processo Considerar os alunos como sujeitos da avaliação
de construção do conhecimento, que prevê, pressupõe que eles sejam chamados a participar
continuamente, avaliação e, eventualmente, dela, seja com a análise da própria atuação, seja
revisões e redirecionamentos. com a análise da atuação de seus colegas, seus
professores e outros profissionais da escola,
Avaliação no estudo do meio para, assim, propiciar um processo de reflexão
O estudo do meio não se refere a um individual e coletivo e também de decisões com
procedimento de avaliação, mas base nos resultados identificados.41
[...] pode ser compreendido como
40 Como este texto tem como foco a avaliação, sugerimos
um método de ensino interdisciplinar
a leitura do texto de Lopes e Pontuschka (2009) para mais
que visa a proporcionar para alunos informações sobre o significado e os procedimentos de
e professores contato direto com organização e condução do estudo do meio, além da
identificação de outras referências sobre o assunto.
uma determinada realidade, um meio 41 No caso da avaliação institucional cabe, ainda, sua
qualquer, rural ou urbano, que se decida participação na avaliação de outros aspectos, como as
condições de desenvolvimento do trabalho existentes na
estudar. Esta atividade pedagógica se
escola.

110
A autoavaliação consiste em cada aluno avaliar Rumos a serem seguidos: o necessário diálogo
o próprio desempenho, seus avanços, bem entre professores e entre estes e os alunos
como suas dificuldades em determinados
É importante ter em mente que os aspectos
momentos do processo de aprendizagem. Já a
tratados neste texto sobre avaliação da
heteroavaliação implica em cada um participar da
aprendizagem – uma das facetas da avaliação
avaliação dos diversos integrantes do grupo, com
escolar – apenas ganharão sentido na medida em
base em objetivos estabelecidos coletivamente.
que estiverem articulados a um projeto de escola
Fernandes e Freitas (2007) destacam como um que se coloque a serviço da aprendizagem de
dos aspectos fundamentais de uma avaliação todos os alunos.
formativa a
O eixo da discussão não é o aprimoramento
construção da autonomia por parte das técnicas e dos procedimentos avaliativos,
do estudante, na medida em que mas, antes disso, é a busca de respostas às
lhe é solicitado um papel ativo em indagações sobre para que e para quem serve
seu processo de aprender. Ou seja, a avaliação, com vistas a tornar mais claro seu

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


a avaliação formativa, tendo como
real significado no processo de ensino e de
foco o processo de aprendizagem,
aprendizagem. Não basta mudar o como avaliar
numa perspectiva de interação
se não redirecionamos suas finalidades. Essa
e de diálogo, coloca também no
transformação, no entanto, depende de reflexões
estudante, e não apenas no professor,
e decisões do coletivo da escola, que tomem
a responsabilidade por seus avanços
e suas necessidades. Para tal, é como referência o necessário diálogo sobre
necessário que o estudante conheça valores a serem afirmados e rumos a serem
os conteúdos que irá aprender, os implantados por meio do projeto de escola.
objetivos que deverá alcançar, bem
Questões para reflexão
como os critérios que serão utilizados
para verificar e analisar seus avanços 1. Na escola em que você atua, a aprovação/
de aprendizagem. Nessa perspectiva, a reprovação de alunos se apresenta como principal
autoavaliação torna-se uma ferramenta finalidade da avaliação da aprendizagem? Se sim,
importante, capaz de propiciar maior diante dos argumentos apresentados neste texto,
responsabilidade aos estudantes
que implicações essa visão de avaliação traz para
acerca de seu próprio processo de
os processos de ensino e de aprendizagem? Se
aprendizagem e de construção da
não, apresente e discuta com os seus colegas a que
autonomia (FERNANDES; FREITAS,
finalidades a avaliação da aprendizagem tem servido.
2007, p. 22).
2. Como a sua escola lida com uma concepção
A auto e a heteroavaliação não podem ser de avaliação que visa ao acompanhamento e ao
entendidas como atividades pontuais e estímulo ao desenvolvimento dos alunos (tendo
esporádicas, mas devem ser vivências que em conta as diferenças individuais)? Que ações
integram o desenvolvimento das atividades podem ser desenvolvidas para implementar
escolares e que contribuem para a autonomia e o atividades avaliativas baseadas nessa concepção?
desenvolvimento pessoal dos alunos.
3. Em sua apreciação, cotejando as práticas
tal como ocorrem de modo dominante em
sua escola e as contribuições apresentadas
neste texto, qual(is) o(s) principal(is) desafio(s)
a ser(em) enfrentado(s) com vistas à vivência
de uma avaliação que se coloque a serviço do
desenvolvimento de todos os alunos?

111
Referências bibliográficas
FERNANDES, Claudia de Oliveira; FREITAS, Luiz
Carlos de. Indagações sobre currículo: currículo
e avaliação. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2007.
GRONLUND, Norman Edward. Educational tests
and measurements. New York: Macmillan, 1971.
HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança
na educação: os projetos de trabalho. Porto
Alegre: ArtMed, 1998.
LOPES, Claudivan S.; PONTUSCHKA, Nídia N.
Estudo do meio: teoria e prática. Geografia.
Londrina, v. 18, n. 2, p. 173-191, 2009.
REGATTIERI, Marilza; CASTRO, Jane (Orgs.).
Currículo integrado para o ensino médio: das
normas à prática transformadora. Brasília:
UNESCO, 2013. Disponível em: <http://unesdoc.
unesco.org/images/0022/002226/222630POR.
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alguns aportes; Projeto Formação de Professores
Tutores do Ensino Médio. Fortaleza: Secretaria de
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2013.
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elementos para discussão. In: SEMINÁRIO O
ENSINO MUNICIPAL E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA.
São Paulo, 1999. Anais... São Paulo: Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo, 1999.
THURLER, Monica G. A eficácia nas escolas não
se mede: ela se constrói, negocia-se, pratica-se
e se vive. In: FDE. Diretoria de Projetos Especiais.
Sistemas de avaliação educacional. São Paulo, 1998.
p. 175-190.
WALDHELM, Mônica de C. V. Projetos
interdisciplinares como estratégias de integração no
Currículo de Ensino Médio orientado para o trabalho
e demais práticas sociais; Projeto de Assessoria
Técnica aos Professores do Ensino Médio.
Fortaleza: Secretaria de Educação do Estado do
Ceará, UNESCO no Brasil, 2014.

112
Gestão participativa:
aprender pela e para a participação
nos processos de gestão escolar42
Ana Tereza Melo Brandão

A gestão participativa e democrática está entre Desafios estruturais


as importantes inovações previstas ao ensino Para reinventar a escola e as relações sociais,
público pela Constituição, a Lei de Diretrizes e é fundamental superar questões de ordem
Bases da Educação Nacional (LDBEN) e o Plano simbólica e subjetiva. Nossas práticas
Nacional de Educação (PNE). Entretanto, apesar educativas estão fortemente enraizadas

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


dessas leis e do trabalho de muitos profissionais em nossos imaginários, porém as relações
comprometidos com a melhoria da educação sociais reconfiguram-se rapidamente com o
pública, o país tem avançado de forma lenta na desenvolvimento de novas tecnologias (que
instituição de práticas educativas pautadas pela possibilitam a circulação de conhecimentos
gestão participativa. múltiplos e discursos diversos). Ao mesmo tempo,
A proposta deste texto é problematizar estamos diante de novos desafios políticos,
práticas, métodos e técnicas de gestão escolar ecológicos e econômicos, que se somam aos
comumente desenvolvidas no país no que se antigos problemas, ainda não solucionados,
refere à gestão participativa e democrática. relacionados à justiça social.
Buscaremos identificar limites e potencialidades A ciência não cumpriu sua promessa de evolução
para a construção de uma escola democrática, humana e revolução social e é cada vez mais
participativa e sobre a qual se repense claro que temos novos problemas que não serão
constantemente por meio do fazer colaborativo. resolvidos pelos métodos convencionais da
Trataremos da busca pela adoção de novos ciência moderna.
caminhos que possibilitem um novo saber,
A escola é também abalada pela crise que
múltiplo, coletivo, e que permitam também
a ciência moderna enfrenta devido a sua
revelar o obscuro, o erro, o acaso, os paradoxos e
inabilidade em solucionar essas questões. E,
as contradições.
como em qualquer crise, estamos a repensar
Para isso, apresentarei uma breve discussão sobre instituições, métodos, papéis sociais e formas
os desafios de natureza estrutural que se impõem de caminhar, bem como formas de produzir e
diante das mudanças necessárias. Em seguida, consumir conhecimentos e riquezas. Muitos são,
apresentarei as experiências e a abordagem portanto, os desafios e as dificuldades. Em épocas
adotada na escola Oi Kabum! de Belo Horizonte de transição, muitas são as incertezas.
(MG) em relação à gestão participativa. Falarei
É necessário ressignificar nossas práticas de
também sobre a concepção que temos de
gestão do conhecimento, que não devem
público e a valorização de saberes. Por fim, tratarei
estar em função do modo de fazer e pensar
das várias maneiras existentes de participação
hegemônico, mas em função de garantias de
voltadas para uma gestão coletiva.
um bem viver comum. Por isso, a justiça social
42 Este texto foi elaborado no âmbito do Projeto Formação deve ser princípio em nossas práticas escolares.
de Professores Tutores do Ensino Médio, desenvolvido pela
UNESCO e pelo governo do estado do Ceará em 2013.
Para Boaventura de Souza e Santos (2007),

113
não existirá justiça social sem justiça cognitiva. transformação? Um ponto fundamental está
Buscamos construir uma escola que engendre relacionado ao campo simbólico, a nossas crenças,
saberes que corroborem com a autonomia de a nossa capacidade inventiva, a nossa maneira de
nossos alunos, professores, gestores, funcionários ver o mundo. Aprender não seria justamente olhar
e a comunidade, transformando a escola em o mundo com outros olhos? Como ensinar outras
um laboratório de práticas sociais, éticas e formas de olhar se não mudamos nossas formas de
emancipatórias. dizer e ensinar o mundo?

A experiência da Oi Kabum!
Não há justiça social sem justiça cognitiva
Desde sua criação, em 2009, temos procurado
Para Boaventura de Souza e Santos (2007), experimentar na Oi Kabum! Escola de Arte e
em uma sociedade justa, os sujeitos se Tecnologia de Belo Horizonte43 novas formas de
realizam em suas singularidades, em formas olhar, ensinar e aprender, tendo por horizonte
expressivas, diferentes racionalidades a constituição do ambiente escolar como um
que os tornam únicos, e não apenas pelo espaço de reflexão e construção coletiva e
que partilham com a comunidade, o que democrática.
têm em comum, o que é universal. Para o
Com essa perspectiva, duas premissas são
autor, o saber é colocar ordem nas coisas
centrais no projeto pedagógico da escola.
e, portanto, novas ordens sociais somente
Primeiro, a Oi Kabum! aposta na prática da
serão determinadas por outros saberes
pesquisa como forma de aprendizado coletivo,
culturais e sociais. A justiça cognitiva seria
o que se reflete em investimento em um grupo
o reconhecimento e possibilidade de
de pesquisa permanente composto por jovens,
condições para que esses múltiplos saberes
professores e pesquisadora da Associação
e racionalidades sejam legitimados e
Imagem Comunitária (AIC). Conforme afirma o
garantidos em nossas instituições públicas. projeto pedagógico da Oi Kabum!:
As atividades da pesquisa na Oi Kabum!
Quais são os saberes necessários para
BH se voltam para ações ligadas
alcançarmos uma experiência democrática efetiva
ao monitoramento dos processos
em nossa sociedade e em nossas escolas? Como
formativos e ao levantamento de
podemos repensar as velhas estruturas e recriar o informações relevantes a partir deles,
espaço e a ocupação de nossas escolas? com vistas a aperfeiçoar continuamente
A relação entre estruturas políticas e as práticas e métodos utilizados,
administrativas estabelecidas e nossa vontade bem como para a sistematização do
e possibilidade de ação é o maior desafio. conhecimento acumulado para torná-lo

Geralmente, investimos grande parte de nossos 43 A Oi Kabum! (http://concatena.org/) é uma escola


esforços na resolução de questões objetivas, técnica de arte e tecnologia criada em 2003 pelo Instituto
Oi Futuro. Consiste em um programa educativo em arte
preocupação que conduz a uma armadilha:
que visa a promover o desenvolvimento integral das
desmoralizamos nossa vontade de transformação potencialidades de jovens entre 16 e 20 anos por meio
da expressão criativa e da ação autônoma e coletiva.
social. Estamos, quase sempre, descrentes,
Existem escolas em Belo Horizonte (MG), Salvador (BA),
desmotivados, cansados e entregues às estruturas Rio de Janeiro (RJ) e Recife (PE). Neste texto, a experiência
como se não fizéssemos parte delas, como se não relatada é referente à Oi Kabum! de Belo Horizonte, gerida
em parceria com a Associação Imagem Comunitária
existissem possibilidades de rearranjo. (AIC). A AIC (www.aic.org.br) é uma organização sem fins
lucrativos com sede em Belo Horizonte que, desde 1993,
Como podemos transformar a sociedade busca colocar em prática um ideal de acesso público à
se as questões objetivas são tão poderosas? comunicação baseado na produção coletiva, na educação
midiática e na experimentação com diferentes linguagens
Como podemos intensificar a vontade de e na efetiva ocupação de espaços de divulgação de ideias.

114
compartilhável com outras instituições e Em nossas políticas públicas, no entanto, ainda
profissionais da área, e com a sociedade são acanhadas as experiências de participação
de modo geral (BRÁULIO, 2012, p. 4). popular efetiva e a ideia de público ainda é
a do espectador passivo, do beneficiário, do
A segunda premissa é o reconhecimento do
povo amorfo. A ideia de controle social é forte,
potencial de transformação associado à gestão
mas pouco se investe em monitoramento,
participativa, prática e objeto de pesquisa
em comunicação efetiva e democrática e em
continuada na escola. Os saberes e os modos
educação para a participação cidadã.
de fazer, de produzir e de gerir são focos de
produção de conhecimento em todas as Nossas leis são herméticas, nossos canais de
disciplinas, em todos os espaços escolares, sendo, participação são pouco difundidos e acessíveis.
portanto, uma práxis estruturante e transversal, Nosso sistema político é apropriado, de forma
mas também específica na matriz curricular. O geral, apenas por quem o domina e não pelo
que buscamos é pensar a escola como espaço povo, como na origem da ideia de democracia.
público, acreditando na ideia de público Os canais de participação popular estão

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


atuante, rico em sua diversidade e vivo em suas circunscritos aos votos, aos referendos, aos
potencialidades. “O espaço público se constrói plebiscitos44 e às leis de iniciativa popular, que
na tessitura coletiva de um mundo comum, preveem aos eleitores o “direito de apresentar
que transcende os sujeitos sem prescindir deles” projetos ao Congresso Nacional desde que
(MENDONÇA, 2012). reúnam assinaturas de pelo menos 1% do
Subjacente a essas duas premissas está o eleitorado nacional, localizado em pelo menos
reconhecimento do potencial gerado por cinco estados brasileiros” (BRASIL, 2014). Vale
situações de conflito. A aposta é que, por meio destacar a experiência de participação por
de tensões, abalos e conflitos – e da reflexão meio do Orçamento Participativo, importante
contínua sobre seus significados –, podem ser instrumento de complementação da democracia
abertas brechas pelas quais velhas estruturas representativa.
possam ser transformadas. É relevante percebermos que o “público” no
Brasil, via de regra, foi e ainda é relativo a um
A escola e o público, o público e a educação
povo com características uniformes, ao popular
Nas artes contemporâneas, as ideias de público, vulgar, rude, distinto da elite erudita e lúcida, um
de atuação e de direção estão se transformando povo diferente do colonizador. Um “outro” quase
por meio da superação de dicotomias clássicas sempre estigmatizado, passivo, inferiorizado,
(emissor e receptor, ficção e real, público e violentado, ignorado em sua cultura considerada
criador, oralidade e textualidade, composição e primitiva.
improviso, roteiro e acaso etc.). Essas mudanças
Segundo Arroyo (2011), a educação pública hoje
de concepção de público, artista e expressão
praticamente não é uma educação para todos,
artística têm inspirado linguagens e experiências
não serve para o “uso” de todos, e permanece
estéticas que desafiam e desconstroem o quadro
estranha em sua linguagem, em seus modos
referencial e as modalidades artísticas tradicionais.
de produção e em seu sentido a grande parte
Por analogia, em regimes democráticos, a
44 Plebiscito e referendo são duas modalidades de consulta
implementação de modalidades de governança ao povo para decidir sobre matéria de relevância nacional.
varia conforme a definição de povo a quem cabe “Nos plebiscitos, a população é convocada para opinar sobre
o assunto em debate antes que qualquer medida tenha
a soberania (MENDONÇA, 2012). sido adotada, fazendo com que a opinião popular seja base
para elaboração de lei posterior. No caso do referendo, o
Congresso discute e aprova inicialmente uma lei e então os
cidadãos são convocados a dizer se são contra ou favoráveis à
nova legislação” (BRASIL, 2014).

115
de alunos, pais e funcionários. A escola pública Outros sujeitos, outros olhares,
brasileira não atende a boa parte dos interesses outros saberes
das classes populares, pois, em geral, não é
capaz de prepará-los para a resolução de seus Arroyo (2011) questiona o significado da escola
problemas mais básicos e cotidianos. O público e do saber escolar para pais e mães de nossos
escolar, durante muito tempo, foi pensado como alunos. O que nossos saberes proporcionaram
o público que assiste, mas não atua na produção em suas vidas precarizadas? Em que a escola
do saber. Mas sabemos que essa situação vem contribui para que esses jovens e suas famílias
mudando e que muitos esforços vêm sendo feitos se sintam valorizados como cidadãos? Como a
para que a escola supere problemas de evasão, escola cultiva valores e saberes populares e lida
com outros hábitos de vida sem desqualificá-los?
desinteresse e reprodução de preconceitos.
E, afinal, qual é a inclusão que pretendemos?
O ideal de transformação social, pautado pelo Segundo Paulo Freire (1988), um dos equívocos
mito da democracia social e da meritocracia, de uma concepção ingênua do humanismo é
precisa ser revisitado e repensado em bases que, na ânsia de corporificar um modelo ideal de
realmente democráticas, que considerem a “bom homem”, se esquece da situação concreta,
imensa desigualdade social perpetuada em existencial, presente dos seres humanos mesmos.
nossas instituições públicas. A escola pública, em
A escola somente mudará, de fato, se a cultura
sua concepção burguesa, iluminista, estruturada
escolar se deixar permear pelo momento atual e
em consonância com o modelo de produção
pela presença dos atores sociais, por suas formas
capitalista, ainda se prepara para lidar com os
de pensar, por outras concepções de saber,
enormes desafios pautados pela universalização
outras culturas, outros modos de fazer que não
do ensino, pelas diferentes concepções de
os modos da “educação bancária”, em via de mão
trabalho e pela diversidade de formas de viver.
única. Se o aluno é sujeito em seu aprendizado,
Ainda não nos adaptamos às novas pautas
a comunidade escolar deve ser também
políticas sociais que pretendem garantir direitos
considerada atuante na produção de saberes e
básicos, como o direito ao acesso aos bens de
fazeres. Essa mudança na educação ocorrerá se
produção cultural e a difusão de conhecimento
formos capazes de repensar novos papéis para os
na era digital.
sujeitos em uma comunidade escolar.
O público de nossas escolas é diverso e tem
Repensar os sujeitos envolvidos nas práticas
mudado conforme avançam as políticas de
escolares significa uma revisão de métodos e
inclusão, as recentes políticas afirmativas, bem
técnicas e uma abertura para a experimentação
como as novas concepções e articulações
de novas formas de participação. Em sua
sociais. A escola pública tem buscado caminhos
origem, nossa escola pública foi concebida
para acolher a diferença desse “outro”, avesso às por concepções estigmatizantes e pejorativas
linguagens e à forma de produção da cultura das sobre o seu público, crianças e jovens oriundos
elites brasileiras. das classes populares. A atuação, o papel
Precisamos refletir sobre a ideia de inclusão social, das classes populares em nossas políticas
que não solucionou o problema de milhares de foi restrito por séculos, pois o povo não era
jovens e crianças que desistem do estudo por razões considerado digno de saberes e fazeres
diversas ou que nem chegam a acessar os direitos legítimos. Desconsideravam-se as formas
garantidos pela Constituição. Trata-se, ainda, de de produzir e de educar tradicionais em
uma inclusão questionável, pois foi pensada apenas meios populares, como entre comunidades
sob a ótica dominante, que comumente ignora a quilombolas, indígenas, camponesas e urbanas.
realidade desses sujeitos que desejamos em nossos Desprezavam-se outras formas de organização e
espaços educativos. de transmissão de saberes, de produção material

116
e imaterial. Acreditava-se na monocultura do que elas conduzem.
saber,45 e assim, aos poucos, nos tornamos
Tal proposta parte de uma crença no potencial
céticos em relação ao que não é hegemônico.
da gestão coletiva para favorecer o envolvimento
Portanto, desconsideramos a complexidade
dos sujeitos nas questões de interesse comum, o
e a diversidade própria da natureza, do fazer
que contribui para que se sintam agentes ativos
humano, do viver comum.
na constituição daquele espaço que vivenciam,
Nessa direção, é possível pensar que nosso experimentam e constroem conjuntamente.
maior desafio seja o questionamento da própria
A gestão democrática é entendida
pedagogia e seus métodos. Outro grande desafio
como a participação efetiva dos vários
seria pensar em políticas que compreendam o segmentos da comunidade escolar, pais,
público como sendo de todos, para todos, por professores, estudantes e funcionários
todos, não apenas para esse “outro” inferiorizado. na organização, na construção e na
Miguel Arroyo (2012) propõe uma radicalização avaliação dos processos pedagógicos,
do pensamento pedagógico, que, segundo ele, na administração dos recursos da escola,

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


enfim, nos processos decisórios da
deve ser capaz de ser permeado por novas formas
escola (OLIVEIRA; MORAES; DOURADO,
de fazer e saber e, assim, de gerar aprendizados
2009, p. 11).
humanizadores. É um pensamento inspirado nos
movimentos sociais que geraram condições de A transformação social deve ser entendida
aprendizado bem distintas, nunca legitimadas como responsabilidade e compromisso de
pela ciência e pela pedagogia modernas. Uma todos. Contudo, se devemos pensar o comum
possível direção seria a incorporação de saberes em sua diversidade, precisamos repensar a
e dos problemas sociais, de forma a dar novos participação em suas nuances e em suas infinitas
sentidos ao aprender. possibilidades, tendo em vista a singularidade dos
Precisamos incorporar histórias não contadas, sujeitos envolvidos. A participação pode ocorrer
não ouvidas ou ignoradas por nossa pedagogia e em âmbitos diversos.
pelas instituições de ensino. Precisamos convocar Devemos considerar os sujeitos envolvidos
para os espaços escolares aquilo que, durante em suas múltiplas dimensões constituintes
muito tempo, foi escondido, invisibilizado, – histórica, econômica, social, afetiva, física,
excluído de nossos estudos. cultural, entre outras – e, com isso, buscar
valorizar saberes, desejos e sentidos múltiplos
As várias formas de participar
para uma vida comum. Devemos propor ações
A gestão participativa e democrática deve passar que contribuam para que cada membro da
de um dispositivo do estatuto legal para uma comunidade escolar identifique seus valores, seus
possível solução para a renovação das instituições saberes e suas habilidades que podem contribuir
públicas, em especial, da escola e da educação para a construção coletiva.
pública. O envolvimento dos diversos sujeitos
Uma gestão democrática pressupõe a
que compõem a comunidade escolar em
coparticipação, a interação, a colaboração
discussões e tomadas de decisão coletivas são
e o diálogo contínuo. Não falamos de uma
crescentemente percebidas como cruciais para o
participação dirigida por roteiros, na qual não
bom funcionamento das instituições de ensino e
caibam a improvisação e a expressão de novos
para a plena efetividade dos processos educativos
sentidos. “A coparticipação neste diálogo é
45 Segundo Boaventura de Souza e Santos (2007) a monocul-
que torna o homem capaz de transformar a
tura do saber destrói outros conhecimentos, produz o “episte- realidade que o cerca, sem a invasão e imposição
micídio” por determinar que outros conhecimentos não têm
validade e nem o rigor do conhecimento científico.
unidirecional” (HENRIQUES, 2004, p. 27).

117
Estamos habituados a relações baseadas instituídos, buscando alinhá-los a
no poder e na competitividade. Na escola, compromissos sociais humanitários
inconscientemente, comparamos desempenhos, (BRANDÃO, 2010, p. 13).
valorizamos atitudes definidas, nos cegamos e
Os aprendizados de um fazer coletivo
nos fechamos para outras formas de convivência.
É urgente repensarmos as nossas relações tecidas A proposta de gestão coletiva na Oi Kabum!
na escola, pois o saber é sempre construído de Belo Horizonte se baseia na organização da
socialmente. As relações estabelecidas em redes comunidade escolar em grupos de gestão, a qual
de poderes não nos servirão para a construção faz parte da proposta curricular da escola e se
de uma sociedade em que a reciprocidade, a desdobra em outras práticas cotidianas, como
colaboração e o bem-estar comum não estejam semanas de avaliação, mostras de trabalhos
desassociados da realização individual. artísticos, produção e condução de reuniões,
festas de família, seleção de jovens e educadores
Essas discussões trazem à tona a perspectiva
e debate da matriz curricular. Todos os processos
da superação do paradigma transmissivo,
e instrumentos da escola são construídos
seja no campo de educação, seja na esfera da
colaborativamente.
comunicação. Tal paradigma não apresenta
respostas aos complexos problemas ligados Alternância de papéis
aos processos e às relações que ocorrem na
sociedade (entre os quais nos interessam, Em determinado momento, um professor
em especial, os problemas relacionados à é quem conduz e ensina uma matéria,
aprendizagem e à difusão de conhecimento). em outro, ele é o pesquisador que busca
Em contraponto ao paradigma transmissivo, descobrir soluções para atividades que
pesquisadores ligados à corrente sociológica nunca executou antes. Um aluno, em
do interacionismo simbólico propuseram determinada situação, é avaliado em
que o “eu e a sociedade” fossem considerados uma banca de apresentação de trabalho
processos e não estruturas. O mundo simbólico e, em outro momento, é o avaliador do
apenas acontece por meio da interação. Diante trabalho da equipe e dos seus colegas.
disso, os processos de educação não podem A alternância de papéis cria uma cultura
ser percebidos fora das relações sociais. O escolar de aprendizes e mestres em
caráter processual e as interações sociais são constante movimento, o que desestabiliza
focos necessários, pois o esforço cooperativo, relações clássicas de poder instituídas nas
determinante para a produção coletiva, somente escolas. O saber não pode ser associado
pode se desenvolver por meio de um esforço de ao poder: o saber deve ser meio para
compreensão mútua uns dos outros. realizar tarefas comuns, importantes para
todos e cada um.
É um desafio: como transformar uma
instituição associada historicamente
ao trabalho de reprodução em A experiência dos grupos de gestão,
um espaço ligado ao fomento da trata-se de uma carga horária dedicada
invenção e da descoberta? Para além diretamente à gestão, bem como à
da criação de métodos e para além da reflexão sobre seus fluxos e dinâmicas
nossa capacidade de gerar e difundir de funcionamento, o que inclui: a
informações, as experiências que infraestrutura e organização da escola,
abraçam este desafio buscam retomar o políticas de uso e compartilhamento
sentido da produção do conhecimento de espaços físicos e equipamentos, a
e, acima de tudo, analisar os métodos participação de pessoas nas diversas

118
tarefas, sistemas de circulação de Notamos que, em um período
informações e tomadas de decisão sobre relativamente curto de permanência
temas de interesse coletivo (BRÁULIO, na escola, os jovens apreendem
2012, p. 4). certos preceitos básicos da proposta,
que passam a ser compartilhados e
Gestores, professores, alunos e funcionários utilizados para nortear suas ações.
assumem posições horizontais, o que redefine Eles demonstram compreender
responsabilidades com base na tarefa a ser a importância de um sistema de
desenvolvida. Cabe aos educadores e aos gestores organização coletiva que dê voz a
orquestrar essas práticas, sem estabelecer o papel todos, que favoreça a troca de ideias e
exclusivo de transmissor de técnicas e saberes. argumentos, que tenha razões claras,
As experiências de gestão devem ser espaços de decisões justificadas, abertura para a
pesquisa e reflexão partilhada. diversidade de pontos de vista, para
o questionamento e a discordância,
Para que a experiência seja de fato transformadora e que o fim último seja o bem
e desloque os participantes de seus papéis coletivo, de modo que os processos

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


habituais, de forma a transformar a escola e decisórios promovam na comunidade
impactar nosso sistema escolar, as práticas de a sensação e o senso de justiça
gestão devem ser orgânicas, experimentais e (BRÁULIO, 2012, p. 5).
sistemáticas. A gestão democrática na escola,
portanto, pode e deve ocorrer em diversos Outro importante aprendizado observado na
âmbitos, além de ser capaz de incorporar formas comunidade escolar é que democracia não é
variadas de participação de diferentes sujeitos. O sinônimo de consenso. Os dissensos devem ser
exercício de participação deve incentivar a criação visibilizados, discutidos e legitimados, apesar de
de novos espaços de produção de conhecimento direcionados a um bem comum. Certamente, o
e de diversos agrupamentos por interesse e que for decidido não atenderá a todos os anseios
questões variadas, para, assim, constituir espaços individuais. O que notamos em nossas práticas
participativos efetivos – não apenas consultivos, é que os jovens, assim como funcionários, pais e
mas também deliberativos. educadores, não estão habituados a se expressar
e a debater conflitos. É necessário aprender a lidar
Para colocá-la [a gestão participativa]
com diferentes opiniões como uma riqueza social.
em prática, os sujeitos são convocados
“O importante, nesse sentido, não é o que cada
a atuar coletivamente, a dividir
ator defende individualmente, mas o processo
conhecimentos e responsabilidades,
a lançar mão do discurso como
coletivo de reflexividade gerado por um choque
ferramenta de ação política, a considerar de discursos que são simultaneamente acessíveis
as opiniões dos outros e rever e inteligíveis a todos” (MENDONÇA, 2010, p. 25).
continuamente seus pontos de vista,
desestabilizando relações hierárquicas
e de poder, em um processo constante O debate como parte da gestão coletiva
de autocrítica e autorreflexão (BRÁULIO,
2012, p. 4). A prática de debates cotidianos tem se
mostrado um grande desafio. Percebemos
Um dos grandes aprendizados dessas que o domínio da habilidade discursiva é
experiências de gestão é a rápida incorporação determinante para que o debate público
de noções de cidadania, que são experimentadas seja qualificado e para que ideias e valores
e refletidas com a participação atuante de todos possam ser partilhados.
os educadores e funcionários da escola.

119
Em espaços democráticos, códigos, linguagens, em uma comunidade de trabalho e
leis e meios devem ser disponibilizados de aprendizagem (REGATTIERI; CASTRO,
modo a ser apropriados e discutidos por todos. 2013, p. 218).
As leis e as práticas de gestão não devem ser
Todas as falas, silêncios, racionalidades, saberes e
um fim em si mesmas, mas os meios para
desejos devem estar expostos em nossas práticas
alcançar a melhor forma de estarmos juntos.
de gestão escolar e de ensino para que, em
No entanto, “a melhor forma de estarmos
um exercício de partilha, possamos, em nossas
juntos” muda como mudam as pessoas e as
especificidades e especialidades, contribuir para a
circunstâncias. Novos problemas requerem
tessitura de um todo complexo que é o viver em
novas soluções, novas técnicas, novas
sociedade. Cada professor pode colaborar com
organizações, novas aprendizagens. Aprender a
seu saber específico, com sua experiência afetiva
participar é um exercício de autoconhecimento
e cultural; assim como cada mãe, cada faxineiro,
e de escuta dos outros.
cada criança etc. pode, em sua singularidade, ser
Percebemos nas situações de fazer coletivo um ponto nodal de uma grande articulação de
uma nova função para a escola pública, que, saberes e fazeres comuns.
segundo Miguel Arroyo (2011), deve ser canal de
Se valorizarmos apenas o ensino do universal,
visibilidade, de divulgação de conflitos sociais e
o que nos torna iguais, se não abrimos espaço
de problemas concretos a serem resolvidos por
para as crises, os questionamentos e as
meio do conhecimento e da ação coletiva. A
rupturas, dificilmente a instituição escolar terá
escola pública deve ser o espaço de construção
condições de impactar o macrossistema político
de alternativas para esses problemas, além de ser
educacional. Não nos prepararemos como
a célula inspiradora de políticas públicas em suas
gestores, pais, alunos e funcionários para uma
diretrizes para a educação.
efetiva participação política e não escutaremos
A proposta de organização escolar em um as potências e os silêncios dos excluídos de
núcleo46 articulador de trabalho e de pesquisa nossa sociedade se não ressignificarmos nossas
colaborativos, que agregue diferentes áreas experiências e nosso entendimento sobre a
de saberes, distintos atores e a comunidade participação política.
escolar e do entorno, se configura como um
Somos nós, diretores, coordenadores, alunos,
espaço potente para experiências dessas
familiares, funcionários e a comunidade em geral
práticas de gestão participativas. Essas práticas
que materializamos, no cotidiano escolar, os mais
poderão propiciar conexões entre sujeitos,
nobres ideais políticos. Para alcançar esse novo
saberes e problemas reais de modo a favorecer
fazer, devemos vencer o corporativismo, o medo,
a integração curricular e reorganizar nossos
os preconceitos e a preguiça metodológica para
saberes e competências.
aprender a trabalhar com a diferença, o acaso e
É preciso, no mínimo, disposição o erro. Com isso, seremos capazes de lidar com
do coletivo escolar para a adoção nossos limites e recuperaremos o compromisso
de uma gestão participativa, com com a educação como práxis transformadora.
o envolvimento dos estudantes.
A gestão participativa da escola é
imprescindível para que sua estrutura
e seu funcionamento sejam colocados
sob diagnóstico e se construam
projetos de transformação. Essa é uma
condição para transformar a escola
46 Proposta apresentada em Regattieri e Castro (2013).

120
Questões para reflexão FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 12.ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1988.
1. Ao entender a escola como uma comunidade de
aprendizagem, como você percebe a participação HENRIQUES, Márcio Simeone. Comunicação
de cada grupo de atores (alunos, professores, e estratégias de mobilização social, v.1. Belo
direção, administração, família, serviços gerais, Horizonte: Autêntica, 2004.
vizinhança etc.) no cotidiano de sua escola? Em
MENDONÇA, Ricardo Fabrino. Alguns argumentos
que momentos e como ocorre a participação
em prol do audiovisual comunitário. In: LEONEL,
de cada um desses grupos? Existem espaços de
Juliana; MENDONÇA, Ricardo Fabrino (Orgs.).
representação ou participação desses grupos na
Audiovisual comunitário e educação: histórias,
gestão escolar? Se sim, quais?
processos e produtos. Belo Horizonte: Autêntica,
2. Quais os conflitos mais comuns em sua 2010.
escola e como eles são encaminhados? Qual é
OLIVEIRA, João Ferreira; MORAES, Karine Nunes;
a participação dos diferentes atores do espaço
DOURADO, Luiz Fernandes. Gestão escolar
escolar no encaminhamento desses conflitos?
democrática: definições, princípios, mecanismos

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


Como você lida com os conflitos que aparecem
de sua implantação. In: INEP. CD-Rom do Programa
em sua sala de aula? Como é possível aproveitar
Nacional de Escola de Gestores. Brasília: Inep, 2009.
situações de conflito para o aprendizado dos
Disponível em: <http://escoladegestores.mec.
alunos?
gov.br/site/4-sala_politica_gestao_escolar/pdf/
3. Você concorda que o professor é um gestor dos texto2_1.pdf>. Acesso em: 19 maio 2015.
processos de produção de conhecimento? Se sim,
REGATTIERI, Marilza; CASTRO, Jane M. (Orgs.).
quais são as habilidades, as competências e as
Currículo integrado para o ensino médio: das
responsabilidades requeridas para esse papel?
normas à prática transformadora. Brasília:
UNESCO, 2013. Disponível em: <http://unesdoc.
unesco.org/images/0019/001922/192271por.
Referências bibliográficas
pdf>. Acesso em: 3 mar. 2015.
ARROYO, Miguel G. Currículo, território em disputa.
SANTOS, Boaventura de Sousa e. Renovar a teoria
Petrópolis: Vozes, 2011.
crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo:
ARROYO, Miguel G. Outros sujeitos, outras Boitempo, 2007.
pedagogias. Petrópolis: Vozes, 2012.
BRANDÃO, Ana Tereza Melo. Cap. Educação. In:
OI KABUM! Projeto pedagógico Oi Kabum! BH.
Belo Horizonte: Oi Kabum!, 2010. Disponível em:
<http://issuu.com/oikabumbh/docs/projeto_
pedagogico_1.0>. Acesso em: 3 mar. 2015.
BRASIL. Entenda a diferença entre plebiscito,
referendo e leis de iniciativa popular. Portal Brasil, 4
nov. 2014. Disponível em: <http://www.brasil.gov.
br/governo/2014/11/entenda-a-diferenca-entre-
plebiscito-referendo-e-leis-de-iniciativa-popular>.
Acesso em: 13 mar. 2015.
BRÁULIO, Débora. A gestão coletiva na Oi Kabum!
BH: uma construção contínua de saber pelo fazer
compartilhado. Belo Horizonte: Oi Kabum! BH, 2012.

121
122
© UNESCO
Interação escola-família:
subsídios para práticas escolares

Patrícia Monteiro Lacerda


Cynthia Paes de Carvalho

O presente texto tem como objetivo oferecer aos deve criar e estruturar as próprias ações, conectadas
gestores educacionais e escolares informações ao conjunto das demais práticas educacionais
qualificadas para o desenvolvimento de projetos consideradas válidas para sua realidade.
e políticas de interação escola-família em sua
Todo esse esforço pretende provocar mudanças
missão de garantir aos alunos o direito de
positivas nas condições de aprendizagem de

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


aprender. Ele foi adaptado da publicação da
crianças e adolescentes, além de posicionar a
UNESCO “Interação escola-família: subsídios para
escola também como local estratégico para a
práticas escolares” (CASTRO; REGATTIERI, 2009),
construção de uma efetiva rede de proteção
que, por sua vez, é fruto de um estudo conduzido
integral de seus alunos.
a partir da seguinte questão: como construir
uma relação entre escola e família que favoreça a O texto está organizado em cinco tópicos.
aprendizagem das crianças e dos adolescentes? O primeiro trata de diferentes abordagens
da relação entre escola e família. Depois, são
O estudo foi realizado em 2009, com base na
relatados os tipos de relação identificados na
articulação de informações e análises sobre
pesquisa. Em seguida, com base no estudo
iniciativas de interação entre escolas e famílias
realizado, são propostos elementos para a
desenvolvidas em todo o país, com pesquisas
construção de uma política de interação. O quarto
acadêmicas sobre o tema. Ao todo, foram
tópico articula os conceitos com lições da prática
estudadas 32 experiências. Na publicação
e destaca elementos para a construção de uma
completa, pode-se encontrar um quadro que
política de interação escola-família. Por fim, são
resume as políticas e os projetos identificados
apresentadas as considerações finais.
no estudo, além de informações sobre a
metodologia da pesquisa. É importante dizer que, assim como na publicação
na qual este texto se baseia, optou-se por utilizar
É importante destacar que a interação escola-família
as informações pesquisadas sem mencionar sua
é tratada neste texto como uma ação que pode
origem a cada frase ou parágrafo. A razão para
estar a serviço de diversas finalidades, tais como: o
essa opção foi tornar a leitura mais acessível a
cumprimento do direito das famílias à informação
um público amplo. Ao final, apresentamos a
sobre a educação dos filhos, o fortalecimento da
bibliografia utilizada.
gestão democrática da escola, o envolvimento da
família na promoção de condições de aprendizagem Caminhos e escolhas
dos filhos, o estreitamento de laços entre
O estudo que baliza este texto posiciona no
comunidade e escola, bem como o conhecimento
centro da cena os alunos da escola pública que
da realidade do aluno.
estão nos anos iniciais do ensino fundamental.47
As ideias aqui expostas não devem ser entendidas Ao olharmos com cuidado para esses meninos e
como “mais um pacote pronto” destinado a quem
47 Apesar de o estudo ter tido como referência os anos iniciais
está nas salas de aula. Pelo contrário: ao começar a do ensino fundamental, acredita-se que ele contém elementos
elaborar projetos e políticas, cada município ou escola úteis também para outras etapas da educação básica.

123
meninas, vemos que é impossível entendê-los sem É preciso colocar a interação escola-família em
considerar seu contexto familiar. Como dizia José uma perspectiva processual que estabeleça
Ortega y Gasset “eu sou eu e minhas circunstâncias” horizontes de curto, médio e longo prazos. No
(ORTEGA Y GASSET, 1967, p. 52), ou seja, não é primeiro momento, faz-se o conhecimento
possível dizer quem é o aluno sem considerar suas mútuo; no segundo, são estabelecidas as
circunstâncias sociais. condições de negociação das responsabilidades
Sempre que a escola se perguntar o que fazer para específicas sobre a educação das crianças;
apoiar os professores na relação com os alunos, por fim, no terceiro, são construídos espaços
provavelmente surgirá a necessidade de alguma de corresponsabilidade, abertos também à
interação com as famílias. Nessa corrente, cabe participação de outros atores importantes no
aos sistemas de ensino estabelecer programas e processo de educação dos filhos/alunos.
políticas que ajudem as escolas a interagir com as
Princípios para uma proposta de interação
famílias e, assim, apoiar o processo desenvolvido
escola-família
pelos professores junto aos alunos.
A possibilidade de várias abordagens e usos da „„ A educação de qualidade, como direito
interação escola-família exige que explicitemos fundamental de todas as pessoas, tem como
algumas reflexões e escolhas que orientaram elementos essenciais a equidade, a relevância
o estudo do qual este texto é fruto. A principal e a pertinência, além de dois elementos de
delas é que a expressão interação escola-família se caráter operativo: a eficácia e a eficiência.
baseia na ideia de reciprocidade e de influência „„ O Estado (nos níveis federal, estadual
mútua, considerando as especificidades e mesmo e municipal) é o responsável primário pela
as assimetrias existentes nessa relação. educação escolar.
A assimetria das posições está vinculada também „„ A escola não é somente um espaço
às diferentes responsabilidades que a família e de transmissão da cultura e de socialização.
o Estado têm em relação à educação escolar de É também um espaço de construção de
crianças e adolescentes. Para assegurar a oferta de identidade.
educação escolar, o Estado institui um sistema de
ensino operado por profissionais especializados, „„ O reconhecimento de que a escola
encarregados de transmitir saberes socialmente atende alunos diferentes uns dos outros
validados. A família, por sua vez, desempenha possibilita a construção de estratégias
seu papel educacional a partir de um contexto educativas capazes de promover a igualdade
sociocultural específico. O reconhecimento de oportunidades.
dessa diferença é fundamental para a interação: „„ É direito das famílias ter acesso a
o desafio é fazer com que essa assimetria informações que lhes permitam opinar e tomar
produza complementaridade e não exclusão ou decisões sobre a educação de seus filhos e
superposição de papéis. exercer seus direitos e responsabilidades.
Um detalhe que faz toda a diferença é a ordem „„ O sistema educacional, por meio das
escolhida para descrever a relação: escola- escolas, é parte indispensável da rede de
família e não família-escola. Assumimos que a proteção integral que visa a assegurar outros
aproximação com as famílias é parte do trabalho direitos das crianças e adolescentes.
escolar, uma vez que as condições familiares
„„ A proteção integral de crianças e
estão presentes de forma latente ou manifesta na
adolescentes extrapola as funções escolares
relação professor-aluno e constituem chaves de
e deve ser articulada por meio de ações que
compreensão importantes para o planejamento
integrem as políticas públicas intersetoriais.
da ação pedagógica.

124
Do aluno esperado ao aluno real caminho para novas práticas educacionais,
No mundo familiar, as crianças são filhos; no acabou sendo usado como álibi: a escola
mundo escolar, elas são alunos, mas a passagem eximiu-se de responsabilidades e jogou sobre
de filho a aluno não é uma operação automática. as crianças e suas famílias o ônus do fracasso.
Muitos professores e diretores apostaram que,
Assumimos que a educação é para todos e, ao eleger e reforçar os alunos bem-sucedidos,
sob a perspectiva inclusiva, não podemos usar estariam incitando os demais a se esforçar para
características individuais ou sociais para negar o seguir o mesmo modelo. Nesse movimento,
acesso e o progresso de qualquer um na escola. desvalorizaram aqueles que não traziam em
No entanto, não podemos ignorar que o trabalho sua bagagem familiar os comportamentos e os
escolar, em geral, pressupõe que uma criança recursos necessários para enfrentar a vida escolar.
chegue à escola com uma série de características:
físicas (deve estar saudável e bem alimentada); As diferenças (étnicas, culturais, sociais, corporais
linguísticas (precisa entender bem a língua usada etc.) foram convertidas em carências e déficits
pelos professores e pelos colegas); e atitudinais que deviam ser compensados e ultrapassados

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


(tem de respeitar os professores, cumprir acordos, até que o aluno real se transformasse no “aluno
assumir compromissos, saber se controlar etc.). No ideal”. A tese do déficit cultural gerou programas
entanto, parte das características fundamentais que ofereciam às crianças das classes sociais
para o sucesso escolar não é ensinada na escola, marginalizadas condições para recuperar
espera-se que elas sejam adquiridas no convívio seu “atraso”. Ao aplainar as carências afetivas,
familiar. nutricionais e linguísticas, por exemplo, todos os
alunos se transformariam no aluno esperado e a
Assim, os alunos cujas famílias têm experiências escola poderia seguir seu projeto sem grandes
e valores próximos aos da escola ocupam o mudanças.
lugar do “aluno esperado”. Já os estudantes cujas
famílias têm culturas e valores diferentes dos Passadas algumas décadas, a situação de
da escola e têm poucos recursos para investir desigualdade social no Brasil ainda permanece
na escolarização dos filhos são, muitas vezes, grave, mas consolida-se cada vez mais a
classificados simplesmente pela distância que os compreensão sobre as formas de se alcançar
separa do “aluno esperado”. justiça social e se manter a conquista de direitos.

Historicamente, as práticas pedagógicas O desafio da equidade


baseavam-se na homogeneização do grupo de
Chegamos, então, a uma questão crucial: a
alunos: os que se encaixavam no padrão esperado
equidade educacional. Desde o final dos anos
seguiam em frente, e os demais fracassavam até
1980, as lutas pelos direitos das minorias e em
desistir. Com a conquista paulatina de direitos
defesa da diversidade confrontaram os discursos
infanto-juvenis, a magnitude do problema ficou
consolidados sobre a igualdade vigente até
mais clara: com praticamente toda a população
então. A fórmula “somos todos iguais” começou
em idade escolar dentro do sistema de ensino,
a ser revista com base no reconhecimento de
muitas crianças não sabiam transitar pelas
que somos todos diferentes: a igualdade não
regras institucionais, não dispunham de recursos
deve ser tomada como um ponto de partida,
materiais necessários, nem podiam contar, fora
mas sim como um horizonte a ser alcançado.
da escola, com apoio de um adulto que tivesse
Posiciona-se, assim, a noção de equidade como
tempo, afeto e conhecimento para lhes oferecer.
base de um projeto político de igualdade e
Entretanto, o conhecimento da realidade precária, justiça social que parte do reconhecimento das
que comprometia as condições de escolarização desigualdades iniciais.
de grande parcela do alunado, em vez de abrir

125
Para aplicar essa noção à educação é preciso Esse fato pode ser em parte explicado pela
reconhecer que a concepção de que todos somos complexidade do tema e das inúmeras
iguais, por desconsiderar as diferenças de origem, dificuldades que as escolas públicas brasileiras
contribuiu para converter desigualdades sociais enfrentam para acolher o universo das crianças.
em desigualdades escolares. A oferta educativa As pesquisas mostram que essa interação nem
homogênea, pensada para atender o grupo dos sempre é cordial e solidária. Um agravante da
alunos esperados, reforçava a desvantagem inicial dificuldade do empreendimento pode ser,
dos alunos que se distanciavam desse perfil. justamente, a falta de referências concretas
Na empreitada pela equidade, a relação escola-família de experiências que obtiveram resultados
ressurge como um fator-chave. Mesmo que não haja comprovados48 de uma interação que resultasse
uma comprovação científica da influência direta da em melhoria na qualidade educacional.
interação escola-família na melhoria do aprendizado Com base nas informações coletadas, foi feita uma
dos alunos, numerosas pesquisas no Brasil e no mun- leitura transversal que aglutinou as experiências em
do têm mostrado que as condições socioeconômicas, quatro tipos de intencionalidade, listadas a seguir.49
as expectativas e a valorização da escola, assim como
o reforço da legitimidade dos educadores, são fatores Educar as famílias
que emanam da família e estão altamente relaciona- Praticamente todas as escolas e redes de ensino
dos ao desempenho dos alunos. fazem reuniões de pais e promovem debates
O conhecimento das condições de vida sobre as mudanças sociais que afetam crianças,
de crianças e adolescentes em idade de jovens e, consequentemente, escolas e famílias.
escolarização obrigatória pode dar origem a Nessas ocasiões, apresentam seus projetos
ações interligadas em dois níveis: pedagógicos, falam de seus planos e convidam
1. a revisão dos projetos e das práticas palestrantes para esclarecer sobre o perigo
educacionais, com base na diversidade dos do envolvimento com drogas, o risco de uma
alunos e não apenas no aluno esperado; e gravidez precoce, a dificuldade de impor limites
2. a convocação de novos atores e a e manter a autoridade do adulto etc. Às vezes, as
articulação das políticas educacionais com reuniões são organizadas de forma mais lúdica,
políticas setoriais capazes de apoiar as famílias com técnicas de dinâmica de grupo para que
dos alunos para que tais políticas possam as pessoas se sintam mais acolhidas. Entretanto,
exercer suas funções. quase sempre a organização desses eventos abre
poucos canais para ouvir o que os pais têm a dizer.
Tipos identificados de relação das escolas
com as famílias Além disso, existe a ideia de que algumas famílias
são omissas em relação à criação de seus filhos. Essa
O levantamento realizado revelou ser pequeno
“omissão parental” – que alguns autores nomeiam
o número de iniciativas – organizadas por
como um mito –, aparece reiteradamente no
secretarias de Educação – em curso no Brasil
discurso dos professores e gestores como uma das
que sejam desenhadas especificamente para
principais causas dos problemas escolares.
estimular a relação escola-família. Constatamos
também que várias experiências haviam sido
interrompidas com pouco tempo de duração. 48 Nas entrevistas e nas visitas realizadas, colhemos
informações de diversos atores que mostram indícios de bons
Isso pode indicar tanto que tais experiências resultados. No entanto, como nenhuma das experiências
foram projetadas como eventos pontuais – dia da passou por uma avaliação rigorosa, consideramos que
as evidências obtidas ainda não são suficientemente
família na escola, ação comunitária, festividades – consistentes.
quanto a dificuldade de conceber e implementar 49 Um quadro resumo das políticas e dos projetos
identificados no estudo no qual se baseia este texto pode ser
uma proposta mais consistente.
encontrado na publicação “Interação escola-família: subsídios
para práticas escolares” (CASTRO; REGATTIERI, 2010).

126
Esse tipo de explicação incorre em uma inversão Assim – sem deixar de reconhecer que
perigosa de responsabilidades, já que uma coisa os mecanismos de participação e gestão
é valorizar a participação dos pais na vida escolar democrática são conquistas preciosas e
dos filhos e outra é apontar a falta de participação relevantes –, as formas como eles são praticados
das famílias como principal problema da deve ser objeto de atenção e reflexão cuidadosa
educação escolar. por parte de escolas e redes de ensino. A
legitimidade é uma moeda importante na gestão
Abrir a escola para a participação familiar escolar/educacional.
Essa é uma das formas de aproximação mais
difundidas atualmente no meio escolar. É nela Interagir para melhorar os indicadores
que se inscrevem políticas federais como o educacionais
Escola Aberta, o Mais Educação e também as Uma das principais causas diagnosticadas da
ações que visam a cumprir as diretrizes de gestão fragilidade da interação das famílias com as
democrática da escola. O espaço da escola é escolas é que a maioria dos usuários do ensino
visto como equipamento público a serviço da público não tem a cultura de exigir educação de

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


comunidade cuja utilização deve ser ampliada qualidade para seus filhos. Pesquisas com pais de
com a realização de atividades comunitárias, alunos de escolas públicas atestam que, para a
como oficinas para geração de renda e trabalho. maior parte deles, o direito à educação continua
Os responsáveis pelos alunos são tratados como sendo confundido com vaga na escola e acesso
parte da comunidade escolar e representam seus ao transporte, ao uniforme e à merenda escolar.
pares em conselhos escolares, associações de Em resposta a isso, cartilhas com orientações
pais e até mesmo participam como voluntários sobre os direitos e os deveres das famílias e com
em ações cotidianas da escola, inclusive em sugestões a respeito de formas de envolvimento
alguns casos como auxiliares das professoras em de pais e mães na educação dos filhos têm sido
salas de aula. No entanto, a ação propriamente largamente divulgadas.
pedagógica continua sendo uma questão de
Com a criação do Índice de Desenvolvimento
especialistas e um pedaço da conversa na qual
da Educação Básica (Ideb), passaram a ser
não cabe a opinião familiar.
desenvolvidas várias iniciativas governamentais e
Embora o diálogo nesse tipo de interação não governamentais de mobilização da sociedade
seja mais fecundo do que no tipo descrito civil (familiares incluídos) para monitorar as metas
anteriormente, os estudos que focam de forma estabelecidas para cada município e cada escola.
específica a participação dos pais na escola Muitas redes de ensino começaram a estabelecer
revelam que as oportunidades e os espaços incentivos à interação escola-família com base
destinados a essa participação costumam nessas medidas.
privilegiar um tipo de família que já se encontra
Cumprindo a determinação legal, nesse tipo de
mais próxima da cultura escolar. Em outras
interação as informações são compartilhadas
palavras, são sempre os mesmos, e poucos, pais
com os familiares e as metas estabelecidas para
e mães que participam da gestão escolar. Nesse
os alunos são colocadas como um horizonte
sentido, a ideia de representação é questionada
de interesse comum. Profissionais da educação
diante da dificuldade em reunir um número
orientam familiares a atuar complementarmente
realmente significativo de pais para a tomada de
ao trabalho da escola, de forma a valorizar e
decisões coletivas.50
acompanhar a vida escolar dos filhos. Procura-se
também ajudar a encontrar alternativas, quando
50 Cabe lembrar que, atualmente, há programas de formação a família não consegue auxiliar nas atividades de
de conselhos municipais de educação, conselhos escolares e
outros mecanismos que ajudam a qualificar esses processos apoio escolar. Apresenta-se, assim, o princípio
de decisão coletiva.

127
de responsabilização de cada parte na mesa de Reflexões sobre a prática
negociações e novos atores entram em cena,
A diversidade de experiências que encontramos
como o Conselho Tutelar – convocado para
reforça o que já dissemos sobre as múltiplas
ajudar no combate à infrequência e ao abandono
funções e possibilidades que a interação escola-
escolar, por exemplo.
família pode cumprir. Nesse sentido, é oportuno
Incluir o aluno e seu contexto fazermos aqui uma observação: na construção
Apesar desse tipo ter sido identificado em de uma interação escola-família, importa mais o
apenas três das 18 experiências realizadas por tipo de relação que a atividade favorece do que
secretarias de educação (e de forma parcial), a modalidade da atividade em si. Percebemos
essas experiências incorporam de maneira mais que a interação com as famílias pode ser mais
completa os princípios propagados no estudo no ou menos superficial, dependendo do objetivo
qual se baseia este texto e indicam possibilidades estabelecido por cada escola ou rede/sistema
mais promissoras de interação escola-família. de ensino.
Nesse tipo de abordagem, a aproximação das Algumas conquistas formais, como a participação
famílias tem como ponto inicial a necessidade do de representantes de pais e mães e mesmo
conhecimento sobre as condições de vida dos alunos na gestão escolar, muitas vezes não
alunos e sobre como elas podem interferir nos passam de rituais burocráticos travestidos
processos de aprendizagem. Para estabelecer o de democracia. Para que um programa de
diálogo, a escola tanto recebe as famílias quanto interação escola-família cumpra seus objetivos
vai até elas por meio de visitas domiciliares, de construção de igualdade de oportunidades
entrevistas com familiares, enquetes e troca de para todos os alunos, é preciso analisar que
informações com outros agentes sociais que participação é essa, em que medida ela é
interagem com as famílias (como os agentes de representativa do conjunto das famílias e
saúde do Programa Saúde da Família). A equipe que fatores podem inibir a participação mais
de gestão escolar atua na preparação dessa igualitária dos diversos grupos familiares.
aproximação e no planejamento das atividades
Destacamos também que a presença de
pedagógicas com base no que foi apreendido
familiares na escola nem sempre é um bom
sobre os alunos e seu contexto familiar.
indicador de uma interação a serviço da
A interação com as famílias atinge todos os alunos, aprendizagem dos alunos/filhos. Uma escola
mas as consequências do programa dão origem que promove muitos eventos pode estar se
a formas diferenciadas de atendimento a eles. Por comportando mais como um centro cultural/
exemplo: os casos de vulnerabilidade e abuso são social e perdendo de vista o que lhe é específico,
tratados em conjunto com outros órgãos públicos isto é, garantir uma educação escolar de
e, a partir das primeiras abordagens, serviços de qualidade. Assim, é importante fazer uma
atendimento educacional aos alunos com menos diferenciação entre participação familiar nos
apoio familiar podem ser organizados e assumidos espaços escolares e participação na vida escolar
pelas escolas. dos filhos – o que também nem sempre depende
Esse é um tipo de relação que requer uma da presença dos responsáveis no estabelecimento
disposição de revisão permanente das práticas e de ensino.
das posturas da instituição escolar, bem como a Chama a atenção o fato de que, em boa parte
articulação de outros profissionais para compor das experiências identificadas, a interação com
uma rede de proteção à criança e ao adolescente as famílias não é pensada como uma estratégia
que seja realmente integral. de conhecimento da situação familiar para a
construção de um diálogo em torno da educação

128
escolar, mas sim como uma intervenção no famílias dos alunos, (buscando envolvê-las, na
ambiente familiar para que ele responda, de medida de suas possibilidades, na educação
forma mais efetiva, às demandas da escola. Essa escolar dos filhos).
diferença pode parecer sutil, porém é bastante
Ao conhecer as condições reais das famílias –
significativa.
simbólicas e materiais –, as escolas conseguem
Elementos para uma política de interação delimitar seu espaço de responsabilidade específica
escola-família e planejar de forma mais concreta os apoios
Com base no estudo realizado, propomos alguns necessários para os alunos cujas famílias não têm
elementos para a elaboração de uma política condições (mesmo que temporariamente) de se
ou um programa de interação escola-família, envolver na escolarização dos filhos.
desenvolvidos nesta seção. A identificação das práticas e das atitudes que
As escolas podem trabalhar sem as famílias? distanciam as famílias de um diálogo focado
no desenvolvimento escolar dos seus filhos é
O trabalho conjugado entre escola e família importante para, por exemplo, rever os conteúdos

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


favorece o desenvolvimento integral (incluindo de formação dos docentes, reorganizar a forma
a carreira escolar) de crianças e adolescentes, como as escolas convocam e recebem familiares
mas não podemos esquecer que o Estado é o dos alunos, repensar as instâncias de participação
responsável primário pela educação pública na gestão da escola, entre outras providências.
e, por isso, deve procurar meios para priorizar
e garantir esse direito. O sistema de ensino
que deposita todas as suas expectativas (ou a Interação em sala de aula
culpa dos resultados escolares de seus alunos)
Quando os alunos percebem que seus
exclusivamente na família renuncia a sua missão.
professores os conhecem, sabem com
O dever da família quanto à educação escolar
quem moram, em que situação vivem,
é matricular e enviar regularmente seus filhos
sentem-se mais seguros para expressar
às escolas. O não cumprimento desse dever
seus medos e suas dúvidas em sala de
caracteriza negligência passível de punição legal.
aula. Esse conhecimento pode vir por meio
É preciso que as escolas conheçam as famílias de visita domiciliar, realizada pelo próprio
dos alunos para mapear quantas e quais famílias professor ou outro agente educacional, por
podem apenas cumprir seu dever legal, quantas informações organizadas via questionário,
e quais famílias têm condições para oferecer um pela presença de pais nos espaços
acompanhamento sistemático da escolarização escolares e mesmo por atividades realizadas
dos filhos e quantas e quais podem, além de diretamente com os alunos.
acompanhar os filhos, participar mais ativamente
Muitos professores ouvidos no estudo
da gestão escolar e mesmo do apoio a outras
afirmaram que, ao verem com mais
crianças e famílias.
nitidez a realidade de alunos, modificaram
Uma política para quê? sua interpretação sobre o próprio
A política de interação deve estar alinhada com comportamento, deixaram de lado a
objetivos gerais, como garantir aos alunos o expectativa de aluno ideal e abraçaram o
direito a educação de qualidade e a salvo de toda aluno real.
forma de negligência e discriminação; promover Se a percepção de um professor sobre
ensino de qualidade, que compreenda e inclua o cada um de seus alunos é decisiva
contexto familiar e social do aluno no processo para a promoção de uma boa relação
educativo; além de conhecer as situações das escola-aluno, um diagnóstico baseado

129
em suposições – e não em evidências Não se espera que a educação resolva todos
– sobre os fatores que interferem nos os problemas sociais. A assistência social do
problemas de aprendizagem pode município geralmente tem a atribuição de
gerar intervenções pedagógicas pouco formar a Rede de Proteção Integral para crianças
eficazes e com resultados desastrosos. e adolescentes, conforme prevê o Estatuto da
Além disso, os julgamentos escolares Criança e do Adolescente (ECA). Acreditamos,
costumam influenciar a expectativa das porém, que as secretarias de educação e as
famílias – o que, por sua vez, impacta escolas são parte estratégica dessa rede de
consideravelmente as chances de uma proteção porque têm contato cotidiano com
criança, um adolescente ou um jovem ter as crianças e os jovens e, por meio deles, com
sucesso como aluno. O círculo vicioso se suas famílias. O papel dos agentes educacionais
quebra quando “a escola abraça até o mau é identificar as demandas e encaminhá-las aos
aluno”, como disse uma coordenadora serviços de apoio social existentes no município/
pedagógica entrevistada. bairro, estruturados especificamente para as
necessidades não escolares. É preciso que
Quem propõe a política? gestores e demais responsáveis pela educação
Ao considerarmos as instituições escolares como tenham uma visão intersetorial, ou seja, que se
iniciadoras do movimento de aproximação com posicionem como um dos elos de uma rede
as famílias, as orientações aqui apresentadas interdisciplinar de diferentes setores e agentes
se dirigem prioritariamente aos gestores sociais, incumbidos da proteção e da promoção
educacionais, gestores escolares e professores. dos direitos de crianças e adolescentes.
Embora tenhamos encontrado experiências No desenho de políticas e ações intersetoriais, a
interessantes em andamento em algumas coordenação costuma ficar a cargo do prefeito,
escolas, percebemos que a interferência direta já que exerce poder de articulação entre os
ou a liderança da secretaria de educação diversos setores de governo e pode, ainda,
aumenta as chances de sucesso de um programa mobilizar organizações não governamentais,
de interação. Além disso, é importante que a meios de comunicação e a população em
política conte com a participação da sociedade, geral. Essa liderança é um pré-requisito para
representada, por exemplo, pelo Conselho desencadear as ações multissetoriais necessárias
Municipal de Educação, pelo Conselho Municipal ao desenvolvimento de uma política educacional
da Criança e do Adolescente etc. de interação responsável e eficiente. Significa
Uma política com quem? dizer que, se dos prefeitos espera-se o papel de
coordenador das políticas intersetoriais, do gestor
A experiência tem mostrado que, quando a
educacional esperam-se iniciativa, disposição e
escola vai ao encontro das famílias dos alunos,
capacidade de articulação horizontal com seus
principalmente quando há contato direto como
pares da saúde, da assistência social etc., pois,
por meio de visitas domiciliares, os educadores
muitas vezes, é necessário agilidade para que
se deparam com situações e demandas de
os problemas sociais não se alojem apenas nos
várias ordens: alcoolismo, vício em drogas,
estabelecimentos de ensino.51
violência, precariedade de condições das
moradias, necessidade de atendimento médico,
trabalho infantil doméstico etc. Esses problemas
extrapolam a função dos educadores e, muitas
vezes, causam-lhes uma sensação de impotência 51 A publicação “Interação escola-família: subsídios para
que os fragiliza emocionalmente. práticas escolares” (CASTRO; REGATTIERI, 2010), da qual este
texto foi adaptado, apresenta uma série de políticas em curso
que podem compor a estratégia de intersetorialidade.

130
Uma política com que recursos? experiência, a SME constatou que as escolas já
Sabemos que a descontinuidade dos programas desenvolviam ações de interação com as famílias
na mudança de gestores públicos é um problema de seus alunos e resolveu apoiá-las. Implantou
grave na gestão educacional. Quando a política uma coordenação técnica para que os projetos
envolve custos elevados, fica mais vulnerável a não ocorressem de forma isolada e mantivessem
cortes orçamentários. suas especificidades.

Nas experiências pesquisadas, os recursos Seja qual for a opção, uma aprendizagem
materiais e humanos necessários para importante das análises é que essa política
implementar ações dependiam diretamente da não pode ser imposta. As secretarias precisam
estratégia de aproximação com as famílias. Em um informar e oferecer condições para que as escolas
dos estudos de caso, encontramos iniciativas com se posicionem.
custo mínimo, apenas com a cessão de técnicos
Formas de aproximação das escolas em
da Secretaria Municipal de Educação (SME) para
direção às famílias
acompanhar esporadicamente os trabalhos

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


nas escolas. Já as iniciativas que incluíam visitas No levantamento que fizemos, encontramos
domiciliares contavam com a provisão de diversas estratégias de aproximação dos agentes
recursos para custear os deslocamentos e o escolares das famílias dos alunos. Essa diversidade
trabalho dos agentes educacionais. de estratégias nos parece válida e necessária em
Além dos encontros diretos com familiares, é um país tão plural quanto o nosso. É importante
preciso prever recursos e prazos para atividades pensar nos riscos e nas possibilidades de cada
de formação dos profissionais de educação uma dessas estratégias.
envolvidos e também para reuniões periódicas Em alguns lugares, os professores fazem as visitas,
de troca de experiências, cursos ou outras em outros, quem faz isso é o agente da educação.
atividades de formação continuada, reuniões ou Como as visitas precisam ser bem preparadas,
fóruns de pais, além da avaliação dos resultados questiona-se até que ponto os professores (que já
e do replanejamento das ações. Em municípios têm uma vida profissional muitas vezes atribulada),
maiores, o envio de publicações às casas das têm condições de assumir mais essa função.
famílias, a fórum de pais, a serviços de ouvidoria
Vimos também iniciativas nas quais os familiares
(0800), a programas de rádio e a outras estratégias
dos alunos se fazem presentes em vários
de comunicação também foi uma estratégia
espaços escolares: auxiliam no recreio, apoiam
identificada.
os professores em sala de aula, abrem suas
Formas de atuação de secretarias de casas para a realização de reforço escolar para
educação junto às escolas seus filhos e vizinhos etc. É importante salientar,
As experiências identificadas no estudo foram conforme indicam outras pesquisas, que a
implantadas pelas secretarias de duas formas participação das famílias nas atividades escolares
básicas. Na primeira experiência analisada, a SME, pode gerar conflitos com professores, que veem
depois de ouvir as equipes escolares, elaborou suas salas de aula ocupadas por adultos que não
o projeto e o apresentou às escolas para que têm as mesmas responsabilidades institucionais
manifestassem interesse em aderir a ele. nem a formação requerida para desempenhar
funções de ensino.
Os técnicos da SME elaboraram critérios para
priorizar os estabelecimentos de ensino que Seja qual for a estratégia de aproximação, é
tinham problemas mais agudos relacionados à fundamental preparar todos os profissionais
aprendizagem, ao abandono ou à vulnerabilidade envolvidos no programa para que atuem com
das condições de vida dos alunos. Na segunda segurança. Para isso, o dirigente educacional e

131
sua equipe técnica devem estruturar linhas de Ações de formação dos educadores
formação continuada, apoio e monitoramento Ainda que obter informações sobre os alunos
das atividades que serão planejadas e executadas e seu contexto familiar seja muito importante,
por professores e gestores escolares. não é suficiente para preparar os profissionais
Algumas decisões prévias são fundamentais para da educação para tomar a iniciativa de se
definir o escopo do plano de ação. É necessário aproximar das famílias dos alunos. A formação dos
definir, por exemplo, se todos os alunos serão educadores deve ser pensada em seu conjunto,
contemplados. Ao comparar as experiências, desde a preparação de informações sobre o
concluímos que, desde que as famílias desenvolvimento do aluno que serão levadas até
permitam,52 todas devem ter a oportunidade as famílias, passando pelo tipo de informação que
de um encontro no qual possam se apresentar a escola precisa observar/coletar sobre o contexto
e conhecer melhor o ambiente e as pessoas de vida familiar, até a capacidade dos agentes
encarregadas da formação escolar de seus filhos. escolares de trabalhar com essas informações para,
Observamos que, quando a aproximação está enfim, incorporá-las ao planejamento das práticas
ligada apenas a problemas como infrequência, pedagógicas e/ou de gestão.
evasão e mau desempenho, ela ganha uma Nos encontros de formação, recomenda-se
conotação negativa que estigmatiza os alunos que os educadores discutam as pesquisas que
visitados e faz com que os demais não queiram trabalham a revisão dos mitos sobre o descaso
uma interação maior com os agentes escolares. das famílias em relação à educação dos filhos,
sobre as novas configurações familiares e
Aspectos a serem considerados na
as transformações sociais que impactam as
operacionalização do programa ou da política
instituições escola e família. Outra vertente
A seguir, apresentamos mais algumas de estudos que cresce no Brasil e ajuda nessa
aprendizagens da interlocução entre teoria formação diz respeito ao sucesso escolar de
e prática, que indicam aspectos a serem alunos de camada popular, considerando fatores
considerados na operacionalização de programas, intra e extraescolares.
políticas ou práticas de interação escola-família.
Professores e coordenadores pedagógicos
Coleta e organização das informações sobre entrevistados relataram seu crescimento pessoal e
alunos e familiares profissional nas atividades de interação escola-família,
A qualidade de informações que as redes ao observar como foram considerados importantes
de ensino têm sobre seus alunos é um fator e relevantes por seus alunos, seus familiares e a
importante para seu planejamento geral e comunidade em geral. No entanto, ouvimos também
também para planejar as formas de aproximação histórias de dificuldades, frustração e desencontro.
das famílias dos alunos. É preciso levantar as Por isso, na preparação de profissionais para o
informações das quais a escola/rede de ensino encontro com as famílias dos alunos – seja indo até
já dispõe para, então, definir quais dados devem elas, seja abrindo o espaço escolar para sua maior
ser buscados junto às famílias. Há dois blocos de presença e participação –, duas questões merecem
questões interligadas a se considerar: um ligado atenção: de um lado, a idealização que costuma
às características sociais, econômicas e culturais; e haver sobre o arranjo parental que as famílias devem
outro às formas de apoio para a escolarização. ter; de outro lado, a idealização de si mesmo que,
muitas vezes, destaca os agentes escolares como
detentores de uma posição cultural supostamente
superior à da família, o que impede que ela expresse
52 É sempre importante que as famílias tenham o direito de
dizer se desejam ou não receber uma visita, por exemplo, e seu saber sobre si e sobre o mundo.
possam participar de outro tipo de atividade.

132
As redes de ensino precisam apoiar as escolas metodologias e conteúdos utilizados em sala
para que aposentem o discurso da família de aula, que, por sua vez, alteram os projetos
desestruturada como disfunção a ser tratada político-pedagógicos, podendo impactar até os
e comecem a construir competências para planos de educação locais.
discernir que situações são de negligência e
Outro produto da aproximação com as famílias
vulnerabilidade socioeconômica que precisam
é a necessidade de aperfeiçoamento dos
ser encaminhadas e o que são arranjos familiares
instrumentos de avaliação. É avaliando que
pouco usuais.
podemos prestar contas do que estamos fazendo,
Ou seja, todo o conhecimento sobre os alunos disseminar boas experiências e corrigir rumos.
deve ser incorporado ao trabalho cotidiano Embora a avaliação da aprendizagem dos alunos
da equipe escolar. Ele deve servir para rever a esteja, atualmente, consolidada nos sistemas
comunicação com os familiares, os contatos com de ensino, o monitoramento e a avaliação das
a comunidade, os mecanismos de participação na políticas e dos projetos especiais das secretarias e
gestão da escola, o planejamento das atividades e escolas nem sempre são realizados.

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


a linguagem utilizada com os alunos. Além disso,
Embora seja comum a alegação de falta de tempo
deve subsidiar a avaliação sobre os alunos para
e de excesso de funções burocráticas, constatou-se
alimentar a interação permanente das relações
também que ainda faltam instrumentos e capacidade
que incidem sobre as suas condições de vida e
técnica em muitas secretarias de educação para
aprendizagem.
avaliar internamente ou contratar avaliações
Concluímos que, para lidar com as famílias dos externas. Esse foi o ponto mais frágil das experiências
alunos sem reproduzir os mecanismos que reforçam identificadas no estudo.
a desigualdade, a formação dos educadores não
Participação no grupo articulador das políticas
deve ser pensada apenas como transmissão de
intersetoriais
mais informação técnica: ela deve ser um espaço
Com relação aos aspectos relacionados aos
de revisão de pressupostos e de exposição de
alunos, que extrapolam a alçada da escola e
conflitos e receios, ou seja, deve abranger também
da educação, é preciso acionar as instâncias
as dimensões pessoais, éticas e políticas.
que compõem o grupo de gestão intersetorial.
Acompanhamento, apropriação das Como já abordado anteriormente, deve haver
aprendizagens e avaliação das ações vontade política do poder executivo para
Nas experiências pesquisadas, três efeitos da liderar e sustentar um grupo de trabalho com
aproximação com as famílias se mostraram mais representantes das diversas secretarias e demais
relevantes. Um deles foi a incorporação das órgãos de governo. Um avanço em relação a
aprendizagens obtidas no contato com as famílias esse ponto é a promoção do planejamento
dos alunos para organizar serviços e atendimento integrado de escolas, postos de saúde e centros
a necessidades específicas. Outro foi a ampliação de assistência social, por território. Os diretores
da participação das famílias na vida escolar dos de cada um desses estabelecimentos públicos se
alunos e na relação com os agentes escolares. reúnem periodicamente para, juntos, traçar metas
Por fim, o terceiro efeito foi a articulação de de atendimento às demandas da população
programas e instituições para ajudar a escola a local.53
apoiar os alunos em situação mais vulnerável.
53 Taboão da Serra (SP) foi um dos municípios visitados no
Um dos encaminhamentos produzidos por esses estudo do qual este texto é fruto. A experiência lá desenvolvida
se destaca na pesquisa realizada como a única política de
efeitos é a possibilidade de tirar o aluno real
governo identificada, na qual a vontade política do executivo
da sombra do aluno esperado. Essa mudança municipal é determinante para o sucesso da política. Mais
de ótica pode implicar a revisão da linguagem, informações na publicação “Interação escola-família: subsídios
para práticas escolares”.

133
Considerações finais Vivemos um momento em que todas as
Nos últimos 60 anos, as fronteiras e as relações crianças e adolescentes, dos mais diversos
entre escola e família mudaram vertiginosa- grupos familiares, têm reconhecido seu direito
mente no Brasil e no mundo. De uma escola de serem bem acolhidos pela escola. A relação
para poucos, chegamos a uma escola de massas escola-família é inevitável e importante. Ocorre
com um alunado com características comple- que não é fácil para as escolas lidar com tantos
tamente diferentes daquelas apresentadas nos públicos diferentes. Professores, coordenadores
tradicionais cursos de formação de professores. e diretores simplesmente não foram preparados
Esse novo aluno e essa nova família desafiam os nas faculdades para isso. Além disso, a velocidade
educadores. No passado recente, quando nos das transformações socioculturais foi maior fora
deparamos com os problemas sociais do entor- do que dentro do sistema educacional, o que
no, trazidos para a escola na bagagem de seus gera anacronismos nas relações escola-família
novos alunos, cometemos alguns erros que de- que precisam ser revistos. Boa parte desses
vem ser evitados: profissionais, infelizmente, atribui o insucesso
escolar à ausência ou à omissão dos responsáveis.
1. Não podemos retomar o mito de que a Dizer que as condições para o sucesso da
escola como sistema educativo é o único e educação escolar estão nas mãos das famílias é o
principal fator da mudança social. Uma das mesmo que admitir que a escola somente é capaz
poucas certezas que temos na atualidade é de ensinar a alunos que já vêm educados de casa.
que o desafio de garantir o direito de todas
as crianças a uma educação de qualidade As pesquisas revelam que há um conhecimento
transcende as políticas educativas e se ainda precário sobre os alunos e suas condições
inscreve no centro das políticas sociais de de vida. Isso significa que o trabalho desenvolvido
desenvolvimento. Isso não significa retirar da nas escolas pode não estar considerando a
escola seu papel específico na socialização diversidade e as reais necessidades de seu
do saber e na formação de atitudes público.
compatíveis com a vida em sociedade, Iniciar um movimento da escola em direção às
mas sim atribuir-lhe novas funções de famílias está no escopo da responsabilidade
articulação de outros atores para que não legalmente atribuída aos sistemas de ensino, mas
se sobrecarregue tentando resolver os o conhecimento gerado nessa aproximação e sua
problemas do mundo, que atravessam as utilização no planejamento pedagógico têm sido
salas de aulas. pouco enfatizados.
2. Não podemos persistir em práticas
Por isso, das várias funções que a interação
homogêneas que desconsiderem as diferenças
escola-família pode ter – informar os pais,
dos alunos e obriguem todos a se conformar
orientá-los para se envolverem na vida
a um modelo de aluno esperado. Além de
escolar dos filhos, fortalecer a participação
não ser desejável, isso não é possível. As
em conselhos e outras instâncias de
diferenças linguísticas, culturais, étnicas,
democratização da escola etc. –, privilegiamos
econômicas, físicas etc. não podem ser
o conhecimento dos alunos em seu contexto
convertidas em desigualdade de desempenho
como um primeiro passo necessário para
e de oportunidades. Isso significa pensar em
o estabelecimento de uma relação que se
projetos político-pedagógicos, políticas e
desenvolve ao longo do tempo.
programas que contemplem todos e cada um
dos alunos – o que não impede que se pense Diante da complexidade que afeta a vida dos
em atendimentos e serviços diferenciados de alunos e para cumprir sua missão de assegurar
acordo com as necessidades específicas. um ensino público de qualidade, a estrutura

134
educacional deve assumir a iniciativa da Questões para reflexão
aproximação com as famílias, tendo sempre
1. Quais são as atividades que sua escola desen-
em seu horizonte a articulação de políticas
volve na perspectiva da interação escola-família?
com outros atores e serviços sociais. Para isso,
Em que tipologia(s) elas se enquadram? Reflita
as escolas e os sistemas de ensino poderiam
criticamente sobre ela à luz do que foi tratado
responder a perguntas simples, como:
no texto.
1. Por que chamar as famílias à escola?
2. Como e com quem (órgãos governamentais
2. Quando e por que ir às famílias?
e não governamentais) sua rede de ensino pode
3. Nos encontros programados pelos
se articular a fim de fortalecer a possibilidade das
educadores, os familiares têm oportunidades
políticas públicas apoiarem as famílias de um
para falar o que pensam?
ponto de vista intersetorial?
4. As situações de interação contribuem
realmente para aproximar escola e famílias, 3. Como o conhecimento acerca de seu aluno,
ou acabam aumentando as distâncias sociais sua família e seu contexto de vida pode reunir
informações importantes para a escola desenvolver

CURRÍCULO DO ENSINO MÉDIO: REFLEXÕES E INDICAÇÕES PARA SUA IMPLANTAÇÃO


e culturais entre elas?
5. A escola está aberta para conhecer um projeto educacional com vistas à melhoria da
e respeitar a cultura, a organização e aprendizagem de todos os alunos? Que meios sua
os saberes dos grupos familiares mais escola utiliza para conhecer seus alunos em seu
distanciados do padrão tradicional? contexto de vida familiar?
6. Os familiares têm mesmo poder de
interferência nos conselhos, nas assembleias,
Referências bibliográficas
nos colegiados?
7. A escola utiliza o conhecimento mais ALHO, S.; NUNES, C. O papel do diretor de turma
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140
AUTORES

Ana Tereza Melo Brandão


Mestranda em educação, integrante do Observatório da Departamento de Educação da PUC-Rio, onde coordena
Juventude da FAE/UFMG. Graduada em Comunicação o grupo de pesquisa Gestão e Qualidade da Educação
Social (UFMG), é diretora de produção e programação da (GESQ), dá aulas na graduação e orienta futuros mestres
Rede Minas de Televisão. Foi diretora da escola Oi Kabum! e doutores na área de gestão educacional e escolar,
de Belo Horizonte e diretora de projetos educacionais da sociologia e política da educação.
Associação Imagem Comunitária (AIC). Tem experiência
na área de educação, com ênfase em gestão de processos Francisco de Moraes
pedagógicos, atuando nos temas: arte, tecnologia e
Pedagogo e pós-graduado em gestão e empreen-
educação, juventude, comunicação e gestão colaborativa.
dedorismo social. Foi gestor no Senac São Paulo e
no Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula
Antônia Maria Coelho Ribeiro
Souza (CEETEPS), conselheiro do Conselho Estadual
Formada em letras pela Universidade Federal do Piauí de Educação de São Paulo (CEE/SP), consultor da
(UFPI) e mestre em ensino e aprendizagem abertos e UNESCO e de diversas organizações. Autor do livro
a distância, pela Universidade Estadual de Educação a “Empresas-escola: educação pelo trabalho versus
Distância da Espanha e Cátedra da UNESCO de Madrid. educação para o trabalho”.
Atuou como consultora do Ministério da Educação
(MEC) na implantação da reforma do ensino médio e Jane Margareth de Castro
como consultora da UNESCO no Brasil na formação
Formada em Psicologia pela Universidade Federal de
de professores de ensino médio no estado do Ceará,
Minas Gerais (UFMG), com especialização em políticas
especialmente no que se refere à concepção e à
públicas. Trabalhou na UNESCO como assistente
mediação de ambientes virtuais. 
sênior em educação e, nessa função, assessorou a
coordenação de educação. Atuou no Ministério de
Bahij Amin Aur
Educação (MEC) na reforma do ensino médio com
Consultor em educação de instituições públicas e assessoria aos estados na construção e na execução da
privadas de educação básica, profissional e superior política de ensino médio. Como consultora autônoma
para instituições como UNESCO, Conselho Nacional da UNESCO, coordenou tecnicamente, em 2013 e
de Educação (CNE), Ministério da Educação (MEC), 2014, o Projeto de Formação de Professores de Ensino
Ministério da Cultura (MinC) e secretarias estaduais. Foi Médio da rede de educação do estado do Ceará.
diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial de São Paulo (Senac/SP); secretário de Mão de Jarbas Novelino Barato
Obra do Ministério do Trabalho; presidente do Conselho
É doutor em educação pela Universidade Estadual
Deliberativo do Centro Estadual de Educação Tecnológica
de Campinas (Unicamp) e mestre em tecnologia
Paula Souza (CEETEPS/SP); membro do Conselho Estadual
educacional pela San Diego State University. Autor
de Educação/SP e, atualmente, é membro do Conselho
de livros e artigos sobre tecnologia educacional e
Municipal de Educação de São Paulo.
educação profissional. Trabalhou durante 30 anos
no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
Cynthia Paes de Carvalho
de São Paulo (Senac/SP). Nos últimos anos, realizou
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade diversos trabalhos de consultoria para UNESCO,
Católica do Rio de janeiro (PUC-Rio). Tem extensa Comissão Técnica do Centro Interamericano para o
experiência profissional como professora da educação Desenvolvimento do Conhecimento em Formação
básica e consultora nas áreas de pesquisa, avaliação de Profissional, da Organização Internacional do Trabalho
projetos e políticas públicas, planejamento, gestão e (OIT/Cinterfor), Senac Nacional, Secretaria de Educação
assessoria pedagógica para instituições sociais públicas Profissional e Tecnológica (Setec/MEC) e secretarias de
e privadas. Desde 2008, é professora adjunta do educação de São Paulo e do Paraná.

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José Antonio Kuller
Graduado em pedagogia pela Universidade Estadual e professora do curso de especialização Educação e
de São Paulo (Unesp) e pós-graduado em psicologia Inclusão e Gestão Escolar da mesma universidade.
da educação pela Pontifícia Universidade Católica de Consultora de organismos internacionais, governos e
São Paulo (PUC/SP). Trabalhou no Serviço Nacional de instituições do terceiro setor na área de educação. Atua
Aprendizagem Comercial de São Paulo (Senac/SP), no principalmente com os temas: políticas públicas de
Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para educação, práticas pedagógicas, promoção de leitura e
a Formação Profissional, do Ministério da Educação relação escola-comunidade.
(Cenafor/MEC), na Fundação do Livro Escolar, na
antiga Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor Paulo Cesar Rodrigues Carrano
(Febem/SP) e foi professor da PUC/SP. Consultor da Professor associado da Faculdade de Educação da
Fundação para o Desenvolvimento da Educação Universidade Federal Fluminense (UFF), doutor em
(FDE/SP), da UNESCO, do Banco Interamericano para educação e coordenador do grupo de pesquisa
o Desenvolvimento (BID), do Conselho Nacional de Observatório Jovem do Rio de Janeiro. Pesquisador nível
Educação (CNE), do Senac e de outras organizações. É 2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
sócio-diretor da Germinal Consultoria. Tecnológico (CNPq-2) e do Programa Cientista do Nosso
Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do
Marilza Machado Gomes Regattieri Rio de Janeiro (FAPERJ). É coordenador do Portal Ensino
Mestre em economia pela Universidade Federal de Médio EMdiálogo e autor de livros, artigos e filmes-
Viçosa (UFV). Atuou no Ministério da Educação (MEC) documentários sobre juventude e cultura popular.
como consultora na reforma da educação profissional
e, por 15 anos, como oficial de projetos em educação Sandra M. Zákia Lian Sousa
na UNESCO no Brasil, sendo responsável pelas áreas de Doutora em educação pela Universidade de São Paulo
ensino médio e educação profissional. Nesse período, (USP). Professora da Faculdade de Educação da USP,
acumulou o cargo de coordenadora do Setor de onde atua na pós-graduação na área “Estado, Sociedade
Educação durante três anos. Atualmente é diretora de e Educação”. O campo de pesquisa privilegiado trata de
educação da empresa Raiz Consultoria e Projetos. política, planejamento e avaliação educacional, com
produções divulgadas em artigos e capítulos de livros.
Mônica Waldhelm
Doutora em educação pela Pontifícia Universidade
Católica de Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestre em
educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
e licenciada em ciências biológicas pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenadora adjunta
e docente no curso de especialização lato sensu em
educação tecnológica da Universidade Aberta do Brasil
no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio
de Janeiro (Cefet/RJ); consultora da UNESCO, da TV
Escola, da Fundação Roberto Marinho, do Ministério da
Educação (MEC) e de outras instituições. Coautora de
livros didáticos de ciências e biologia e diversas outras
publicações em educação.

Patrícia Monteiro Lacerda


Graduada em psicologia pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), mestre e doutora em educação
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio). É gerente de Educação, Arte e Cultura do
Instituto C&A desde 2010. Foi pesquisadora colaboradora
do Grupo de Sociologia da Educação da PUC-Rio (SOCED)

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