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gáucho

Era-se feliz naquela época. Ah! Aquela época... Era-se feliz. Aquela época...
Qual época? Qual época era-se feliz? Era-se feliz? Quem era feliz? Eu! Eu era feliz?
Talvez tenha sido.

Meu filho tinha apenas 8 anos. Ele tinha cabelos escuros – igual aos cabelos da
família da mãe – e seu formato não era nada estiloso, porém combinava com sua idade.
Seus traços físicos mostravam a cara do Sul do Brasil. Possuía marcas de um legítimo
guarani, que vinham de sua mãe: corpo que não se desenvolveria musculosamente;
facilidade de se bronzear; seus olhos sumiam ao sorrir; mãos e pés pequenos. Além disso,
as marcas das migrações estavam nele: nariz e olhos de italiano e jeitão de “polaco”.
Sim, havia mais características guaranis do que europeias, mas como seria diferente? O
gene da mãe era um gene forte, não se entrega para qualquer um. Apesar de ser muito
jovem, muita coragem tinha, assim como sua mãe. Sentia nele um quê de revolucionário,
nunca o via conformado, tão pouco o via satisfeito, e ele questionava até os irmãos
Grimm. Era uma criança diferente. Deixava-me feliz isso.
Eu era caixeiro viajante. Trabalhava três dias da semana, a viagem totalizava um
dia. Restavam-me três dias para desfrutar com a família. Nesses dias gostava de levá-lo à
escola. Era interessante ouvir sua rotina colegial. Era interessante ver o modo como ele
falava dos professores e eu amava as perguntas.
Papai, ouvimos a história da Chapeuzinho Vermelho para não fazer o que ela fez?
Sim, meu filho. Mas eu quero viajar, assim como o senhor, e o senhor atravessa
florestas, mesmo tendo o Lobo Mau. Não quero deixar de viajar por causa do Lobo
Mau, quero ser que nem você! É preciso coragem e malemolência para viajar, meu
filho. O que é malemolência? É saber lidar com situações difíceis, saber se safar
do Lobo Mau. O Presidente sabe se safar do Lobo Mau? Sabe, claro que sabe.
Ele tinha uma fascinação pela presidência. Sempre me perguntava tudo sobre o cargo e
sobre quem o exercia.
O que é Brasília, papai? É um lugar que o presidente construiu pros políticos
ficarem longe dos barcos inimigos. Os barcos inimigos são fortes? Depende de
onde eles vêm. Eles são brasileiros? Nem todos, mas os brasileiros são os piores.
Por que? Por que eles te apunhalam pelas costas, sem você nem esperar.
Jotaká parece nome de quem mora nos Estados Unidos, não de brasileiro. Jotaká
é apelido, meu filho. Por que não chamam ele pelo nome? Por que o nome é muito
difícil de falar. Mas tá certo, é difícil ser presidente, tem que fazer todo mundo
gostar de você. Todo mundo não, meu filho, mas a maioria.
Acho que era sessenta e oito quando ele sumiu. Lembro-me que ele tinha doze
anos.
[SEPÉ tiajaru]

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