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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PÓS GRATUAÇÃO LATO SENSU EM PSICANÁLISE E SAÚDE


MENTAL

PÓS GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE E SAÚDE MENTAL

DISCIPLINA: SUS E REFORMA PSIQUIÁTRICA

PROFESSORA: TANIA MARINS

CARTOGRAFIA A PARTIR DA FALA EM AULA


INAUGURAL DO PSICANALISTA FERNANDO TENÓRIO

POR

GILMA GODINHO

NITERÓI

2019/1
Na Aula Inaugural do curso de Pós-Graduação em Psicanálise e Saúde Mental
realizada na Universidade Federal Fluminense, o professor e psicanalista Fernando
Tenório fala aos alunos e demais ouvintes presentes. Inicia sua aula comentando acerca
da resposta dada à sociedade sobre o tema da Loucura, quando comparada à resposta
excludente, segregadora e cínica que era oferecida antes da Reforma Psiquiátrica
Brasileira à sociedade.

Para ele, a resposta que temos hoje é pautada pela ética, orientada pela
dimensão da inclusão prática e social e orientada para a escuta do sujeito louco. No
entanto alguns problemas sociais e clínicos se levantam a partir dessa resposta. Tenório
fala sobre uma particularidade da saúde mental da cidade de Niterói no período da
Reforma. A cidade teve como fio organizador, o Hospital Psiquiátrico Público dirigido de
maneira ética, orientado por uma clínica de inclusão. O trabalho desenvolvido por ele
entre os anos de 2002 e 2006, como mesmo ressalta, foi um trabalho “junto” e não
“contra” a instituição hospitalar. Esse hospital, segundo Tenório, foi importante pois
contribuiu positivamente para que pudesse garantir condições para uma clínica que
pode ser estendida à Rede e, portanto, garantindo a implantação dos serviços
substitutivos na cidade de Niterói como os Centros de Atenção Psicossocial Casa do
Lago, Ambulatório de Pendotiba, Jurujuba e Sergio Arouca, Residências Terapêuticas e
outros.

Tenório provoca os ouvintes afirmando que Niterói realizou uma reforma


psiquiátrica com dois dispositivos muito “endemonizados”: O Hospital Psiquiátrico e o
Ambulatório de Saúde Mental. Desta forma, defende que não se cria uma Rede clínica,
assertiva e resolutiva de saúde mental sem esses dispositivos. Fernando defende esse
ponto de vista partindo do princípio que os dispositivos substitutivos ao antigo
manicômio (centro de atenção psicossocial, residências terapêuticas e centros de
convivência e cultura, dentre outros) foram heranças de trabalhos realizados a partir do
Hospital Psiquiátrico de Jurujuba e de Ambulatórios de Saúde Mental.

O segundo tema colocado pelo professor gira em torno do retrocesso o qual o


Sistema Único de Saúde (SUS) e por conseguinte, a saúde mental vem atravessando na
atualidade. É uma ameaça inimaginável que exigirá de todos, aperfeiçoamento
profissional, muito esforço e trabalho, militância, posicionamento político, resistência e
muita discussão. Contudo o interlocutor se deteve a falar a respeito dos problemas
internos à própria Reforma e ao caminho que ela trilhou – vitorioso – mas que apresenta
pontos de atenção, análise e cuidado. Tenório lança ao público o que ele mesmo chama
de “provocações” para tratar os problemas internos da Reforma. Segundo ele: “A Clínica
não é a Atenção Psicossocial” e “A Clínica não se faz espontaneamente. Ela exige
mediações, instituições, lugares físicos e lugares transferenciais.”

Essas provocações questionam se na atualidade, o ambiente construído pela


Reforma é favorável à Clínica ou se ele continua sendo favorável à medida de garantias
de direitos, inclusão social, de proteção ao portador de sofrimento mental grave, porém
talvez, não especificamente tão favorável a uma Clínica. A constituição da Reforma
Psiquiátrica possui duas vertentes. Ela herda uma discursividade política (vertente
originada a partir da Psiquiatria Democrática Italiana) que, segundo o texto de Franco
Rotelli chamado “A Instituição Inventada” e citado por Fernando Tenório, aponta que a
instituição a qual se tratava de desinstitucionalizar não era o manicômio, ou seja, o
hospital psiquiátrico e sim a própria noção de doença mental. Citando Rotelli: “Faz-se
necessário repetir algo para nós óbvio, mas desconhecido para muitos: a instituição que
colocamos em questão nos últimos vinte anos não foi o manicômio mas a loucura.”

Tenorio aponta ainda o texto Resposta à Crise (1988), escrito pelos psiquiatras
Giuseppe dell´Acqua e Roberto Mezzina, ambos de Trieste. Citando os autores:
Os centros para crise, tendem, geralmente, a propor
instrumentos de intervenção rápidos e precoces que
tenham como objetivo a solução imediata do problema
fora do circuito psiquiátrico e, em particular, destinam-se
a reduzir as internações no hospital psiquiátrico. Tais
intervenções terapêuticas são, todavia, de curta duração
e não dispõe de instrumentos para oferecer uma tutela
global ao paciente em crise; portanto, não podem
reelaborar os possíveis fracassos e, de fato, encaminham
os pacientes a outras instituições mais adequadas e,
finalmente, ao hospital psiquiátrico, confirmando o papel
central deste. (DELL´ACQUA, MEZZINA, 1988)

Fernando novamente Franco Rotelli a partir de uma entrevista concedida à Paulo


Amante. Segundo ele: “origem do hospital psiquiátrico é o direito de asilo no sentido
político.” (Tenório, apud Rotelli). Explica que quando um ambiente está perigoso e
insuportável para o sujeito, essa pessoa pode solicitar asilo e proteção em um outro
lugar. Tenório lança uma pergunta aos ouvintes: O acolhimento que o Caps oferece é
suficiente para responder, por exemplo um caso do Caps III na Rocinha, onde ocorreu
uma questão em que o sujeito do tráfico evade-se do Caps, diz que estava preso e como
consequência desta fala, o movimento vai até o Caps e ameaça os funcionários? Estamos
garantindo para esse sujeito a coerção necessária para que ele possa não se expor a isso
que ele está se expondo e não expor o Caps ao que ele está expondo? Todavia, no
contexto político da Reforma Psiquiátrica no Brasil, não é de bom tom indicar que esse
sujeito deixe o acolhimento do Caps e seja encaminhado para internação no hospital
psiquiátrico, neste caso, Pinel.

É isso que Fernando interroga em sua aula considerando duas vertentes a seguir:
Vertente política: o lugar do hospital psiquiátrico no contexto da Reforma e segundo,
se estamos tendo as condições mais favoráveis para o trabalho clínico efetivamente?
Em paralelamente à vertente política, o professor coloca a vertente clínica trazendo ao
grupo à memória do psicanalista e psiquiatra Jean Paul Oury que contrário à juízo
basagliana, defendia a ideia de que a loucura, ou o que a chama de psicose, é uma
condição mental, subjetiva, de existência particular para qual são necessários, para que
a interação seja produtiva e favorável com ela, mediações. São necessários instrumentos
de mediação práticos, conceituais e teóricos em que a clínica é essa mediação necessária
para que haja uma relação favorável, ética, inclusiva com a loucura.

Essa tradição defende a pertinência da ideia de doença mental, defende a


pertinência de que vejamos a psicose como uma estrutura, ou como uma condição
particular específica que implica um lado de funcionamento específico, um modo de
relação do sujeito com os fatos da vida social, com os fatos da vida individual, com as
exigências da vida diferente daquele que é o modo dominante no laço social que, para
simplificar, é o modo neurótico.

A partir dessa fala, tomei o cuidado em percorrer as ideias da psiquiatria clássica


que apoiadas em um modelo cartesiano de funcionamento da razão, considerava como
ação importante para o estudo da loucura, o isolamento dos sujeitos ditos loucos
justificando suas contingências a partir das relações pessoais familiares conflituosas.
Não restam dúvidas que as estruturas neuróticas e psicóticas, restaram-se diferenciadas
quanto ao modo ver o mundo e se ver no mundo, todavia, trabalhos com a arte, por
exemplo, mostra a tentativa do sujeito louco de entrada no chamado laço social descrito
por Jaques Lacan. O Laço Social é, sem dúvidas, terapêutico.

Tenório complementa que essa a condição específica da psicose exige um


vocabulário específico para abordar, a problematização clínico-teórico da relação do
profissional com isso e exige também, instituições específicas para bordar. Essa vertente
se materializa na origem da Reforma, na experiência do primeiro CAPS no Brasil, em São
Paulo, que foi pioneiro e paradigmático. Tenório fala sobre a necessidade da psicose ter
uma instituição – que evidentemente não é o manicômio – para a sua abordagem uma
vez que ela dependia de conceitos específicos para a sua abordagem.

As duas vertentes, segundo o professor, conviveram com muito equilíbrio


durante grande parte da Reforma Psiquiátrica Brasileira, no entanto a leitura que ele faz
da atualidade é que independente da filial a qual o profissional professa (herança
basagliana ou herança psicanalítica, dentre outros) as condições oferecidas, ao menos
na cidade do Rio de Janeiro, são condições que sem querer e sem perceber cada vez
mais estão orientadas ao fazer o serviço mais por uma dimensão cada vez mais política,
meramente social, e cada vez menos clínica. Segundo ele, cada vez mais nos fóruns, nos
seminários de rede, nas discussões de caso clínico, nas reuniões de equipes dos CAPS,
os casos são trazidos só em termos de comportamento e de coisas que são quase
sempre disruptivas (exemplo: é o paciente que rouba, é o paciente que assedia, é o
paciente que fica na rua) e a discussão gira em torno de como regular esses
comportamentos, ou seja, reconduzir essas condutas disruptivas a uma certa
normalidade e cada vez menos as discussões são pautadas nas falas dos pacientes.
Citando Tenório: “Ou seja, como aquele paciente, na fala dele, manifesta pra você, como
ele está organizado e funcionando como sujeito? Por onde estão passando as questões
por ele? Quais são as questões que estão passando por ele? Em qual registro estão
passando essas questões por ele?”

Ele conclui então que esse é um ambiente cada vez menos clínico e que o
ostracismo do hospital psiquiátrico e dos ambulatórios de saúde mental contribuem
para essa situação começando pela lei 3088 (Raps) a qual não inclui o hospital
psiquiátrico e o ambulatório como dispositivos. Para tratamento continuada, a portaria
prevê dois dispositivos, segundo ele: O Programa de Saúde da Família (PSF) e a Atenção
Primária – responsáveis pelo 80% de resolutibilidade em saúde, e os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS). Porém Fernando destaca que a Clínica da Família não é o lugar onde
o sujeito terá um dispositivo onde ele possa se exercer na palavra, para falar, para tentar
alguma localização ao seu próprio sofrimento, a não ser excepcionalmente através de
um psicólogo de NASF.

Fernando conclui questionando qual é o lugar do atendimento individual, qual é


o lugar do trabalho na palavra.

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