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Breno Bringel, Enara Echart

MOVIMENTOS SOCIAIS E DEMOCRACIA:


os dois lados das “fronteiras”

DOSSIÊ
Breno Bringel*
Enara Echart**

A democracia evoluiu historicamente através de intensas lutas sociais e, com frequência,


também foi sacrificada em muitas dessas lutas. Nem sempre os movimentos sociais promovem
a democracia, mas há uma tendência contemporânea a que muitos deles incorporem uma
dimensão renovada de luta democrática, contribuindo para a ressignificação das práticas e
teorias democráticas no começo deste século. Este artigo pretende ir além das análises
unidirecionais com que foram tratadas as relações entre movimentos sociais e democracia nas
transições democráticas, com o objetivo de questionar e ampliar as articulações teóricas possí-
veis entre democracia e sujeitos sociais, tomando como referência a existência de quatro “fron-
teiras” que muitas vezes não são superadas: a da ciência, a do Estado-nação, a da instituição e a
do momento histórico.
PALAVRAS-CHAVE: movimentos sociais, democracia, espacialidade da política, escalas, fronteiras.

INTRODUÇÃO torno da transformação das instituições, a


autoinstituição explícita da pólis como processo
A democracia não é algo que foi inventado permanente. Além disso, como lembra Mignolo
em um lugar determinado e de forma definitiva. É (2005), o fato de os gregos terem inventado o pensa-
a reinvenção contínua da política. É um processo mento filosófico não quer dizer que tenham inventa-
histórico e conflituoso, sujeito a diferentes pro- do “O Pensamento”.1 Existem outras epistemologias,
cessos de ampliação ou retração (Lefort, 1981). outras formas de pensar a democracia, a maioria
Ainda que a democracia seja uma criação histórica delas silenciadas e, inclusive, perseguidas pelo li-

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do mundo grego-ocidental, isso não significa que beralismo democrático dominante.
pertença a esse mundo como um bem privativo, e A democracia evoluiu historicamente atra-
muito menos que tenha que se desenvolver se- vés de intensas lutas sociais e, com frequência, foi
guindo categorias ou modelos pré-definidos. Para também sacrificada em muitas dessas lutas. As ten-
Castoriadis (1986), a essência da vida político-de- sões sobre seus rumos e significados estão arraiga-
mocrática da Grécia antiga não é seu “modelo”, das em conflitos históricos, como aqueles que en-
mas sim seu processo histórico instituinte, ou seja, frentaram as convicções liberais contra a tirania e
as atividades e as lutas que se desenvolveram em os Estados absolutos no século XVI; as lutas pelos
* Pesquisador do Departamento de Ciência Política III e do direitos humanos no final do século XVIII; as lu-
Grupo de Estudos Contemporâneos da América Latina
da Universidade Complutense de Madri - Espanha. tas pelo acesso ao sufrágio universal durante o sé-
Facultad de Ciencias Políticas y Sociología. Campus de
Somosaguas s/n - 28223. Pozuelo de Alarcón - Madri - culo XIX; ou os conflitos mais contemporâneos,
Espanha. brenobringel@hotmail.com plasmados, em grande medida, nos debates entre
** Doutora em Ciência Política pela Universidade
Complutense de Madri. Professora e Pesquisadora do as perspectivas tecnocráticas, elitistas, pluralistas
Instituto Universitário de Desenvolvimento e Coopera-
ção (IUDC) da Universidad Complutense de Madrid. e radicais. De uma forma geral, na história de
Instituto Universitario de Desarrollo Cooperación. Calle
Donoso Cortés, 65 - Planta 6 - 28015. Madri - Espanha. 1
enaraem@pdi.ucm.es Citado em Porto Gonçalves (2005, p. 11).

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MOVIMENTOS SOCIAIS E DEMOCRACIA: os dois lados das “fronteiras”

enfrentamentos pelos sentidos da política demo- camente marginalizados nas teorias democráticas e
crática, subjaz a luta por determinar se a democra- dos movimentos sociais); a fronteira do Estado-na-
cia significa, por um lado, algum tipo de poder ção (estabelecendo as conexões entre diferentes esca-
popular – uma forma de vida em que os cidadãos las, do local ao global, que interferem nos proces-
participam no autogoverno e na autorregulação –, sos de democratização a partir da espacialidade da
ou se, por outro lado, trata-se simplesmente de política); a fronteira institucional (entendendo a
uma contribuição à tomada de decisões – um meio política como o espaço da experiência, para pensar
de legitimar as decisões dos eleitos, de vez em também o universo instituinte das práticas demo-
quando, por votação (os “representantes”), para cráticas, para além do instituído); e a fronteira do
exercer o poder (Held, 1996, p. 20). momento histórico (questionando as transições de-
Essas duas formas de pensar a democracia mocráticas como referência fundamental para os
nos levam, em última instância, a disputas inces- estudos entre movimentos sociais e democracia).
santes entre uma definição substancial e uma defi-
nição procedimental, à pugna entre um plano des-
critivo (o que é a democracia) e um plano prescritivo FRONTEIRA 1: o olhar da ciência
(o que deve ser a democracia), que não podem tran-
sitar por caminhos separados. Entre o crescente Uma primeira fronteira que limita as possi-
prestígio do ceticismo pós-moderno, a debilidade bilidades de interpretação das relações entre os
dos horizontes universalistas e as contradições da movimentos sociais e a democracia é a da ciência,
globalização, este artigo propõe revisar e ampliar que se refere, principalmente, às barreiras disci-
as perspectivas teóricas de análise das lutas dos plinares, mas também às epistemológicas e
movimentos sociais que reinventam e ressignificam metodológicas.
continuamente a política e a democracia, partindo No que diz respeito aos campos disciplina-
do suposto de que existe uma série de “fronteiras” res, é importante observar que a maioria das análi-
que limitaram, e continuam limitando, os estudos ses dos movimentos sociais, e, em particular, aque-
e as interações entre movimentos sociais e demo- las que avaliam sua relação com a democracia, tem
cracia, quando se analisa, na atualidade, o como ponto de partida a sociologia, a história e,
aprofundamento democrático. Entendemos que posteriormente, a ciência política. No entanto, de-
nem todos os movimentos sociais promovem a vido à crescente complexidade das sociedades con-
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democracia ou contribuem para a democratização, temporâneas, as ferramentas teórico-metodológicas


mas há uma tendência contemporânea para que oferecidas por essas disciplinas não são suficien-
muitos deles incorporem uma dimensão renovada tes para interpretar o mapa atual das ações coleti-
de luta democrática, que se expressa em diferentes vas e dos movimentos sociais. Dimensões impor-
paisagens materiais e simbólicas, contribuindo para tantes das práticas e teorias democráticas e dos
a reinvenção das práticas e teorias democráticas. movimentos sociais que emergem no novo século
Apesar do notável avanço no debate sobre exigem um esforço de superar essa fronteira, in-
os limites da democracia representativa, a crise dos corporando outras disciplinas, outrora marginali-
partidos políticos e a emergência de novos atores zadas, entre elas a geografia (fundamental para en-
sociais e formas de contestação política, a maioria tender as relações entre protesto, natureza e terri-
das abordagens continua circunscrita a dimensões tório e a construção de espaços de democracia ra-
específicas. Neste artigo buscaremos analisar e su- dical baseados nas práticas espaciais dos movi-
perar, a partir de um enfoque multidimensional e mentos) e as relações internacionais (que permi-
relacional, algumas dessas dimensões ou “frontei- tem aprofundar o estudo da dimensão global, das
ras”, a saber: a fronteira da ciência (incorporando redes e ações coletivas transnacionais, etc.). Ob-
um diálogo interdisciplinar com saberes histori- serve-se que apostamos não somente por ampliar

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as possibilidades de novas abordagens disciplina- onde se manifesta um novo utopismo de caráter


res, mas também por avançar rumo a um diálogo explicitamente espaço-temporal (Harvey, 1989;
inter e transdisciplinar. As convergências entre as Massey, 1994); não se trata de um espaço como
ferramentas críticas oferecidas pela geografia polí- dado contextual, mas de um espaço criado da or-
tica e o olhar mais ampliado das relações interna- ganização e das produções sociais, como
cionais servirão para ilustrar as possibilidades de espacialidade de base social (Soja, 1993); como um
articular movimentos sociais e democracia para campo político e ideológico, aberto e híbrido, sem-
além dos enfoques disciplinares habituais, em um pre provisório, onde se expressam as relações so-
contexto onde se observam duas tendências que ciais e de poder, mas também onde se reage contra
se aprofundam: uma que revitaliza o local, a partir elas (Lefebvre, 1970).
do “lugar”, entendido não só como um espaço ge- Revitaliza-se o pensamento de Lefebvre e,
ográfico concreto, mas como espaço político, como em particular, sua concepção da produção do es-
manifestação de experiência e sentido, como os paço como possibilidade privilegiada de explora-
marcos formais e informais dentro dos quais se ção de estratégias alternativas e emancipatórias, em
formam as interações sociais quotidianas (Bringel, um contexto onde a tendência é que os lugares se
2006; Jelin, 2003); e outra que caminha em direção unam verticalmente (por exemplo, através de cré-
à globalização e à transnacionalização, aos fenôme- ditos internacionais cuja utilização está subordi-
nos de escala planetária nas comunicações, nos nada aos mandatos do capital). Porém os lugares
interesses econômicos, aos perigos ambientais, aos também podem se unir horizontalmente, resistin-
acordos e desacordos internacionais (Echart; do e reconstruindo uma base de vida comum (San-
López; Orozco, 2005). tos, 2002). Nesse sentido, a espacialização das ações
Dentro da teoria social ocidental, houve uma coletivas pode ser uma importante variável para se
constante marginalização do “lugar”, o que acarre- analisar a democratização, já que permite ampliar
tou muitas consequências na nossa compreensão o seu estudo a práticas espaciais localizadas nos
da cultura, do conhecimento, da natureza e da eco- âmbitos locais, regionais, nacionais e globais, e não
nomia, nublando formas subalternizadas de pen- somente a territorialidades circunscritas à
samento, organização e modalidades locais e regi- institucionalidade do Estado-nação. Para Slater
onais de configurar o mundo (Escobar, 2005). Con- (1998, p. 47; 2000, p. 529), ao viver uma era
tudo, o “lugar” adquiriu uma renovada visibilida- marcada pela intensificação e aceleração das rela-

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de na medida em que a globalização, em seus mo- ções através do espaço, aquelas relações que não
vimentos contraditórios, deixou mais à vista luga- se limitam necessariamente a nenhuma esfera (como
res antes ocultos. Como afirma Dirlik, a democratização) devem ser interpretadas como
parte de um “interior” e um “exterior” entrelaça-
... os lugares oferecem não apenas uma vanta- dos, de tal forma que o global, o regional e o local
gem para uma crítica fundamental do
globalismo, mas também locações para novos ti- podem ser interpretados como profundamente
pos de atividades políticas radicais que reafir- imbricados com a noção de “fronteirização” do
mam as prioridades da vida cotidiana contra o
desenvolvimento abstrato da modernidade capi- mundo, sublinhando a fragilidade das ordens es-
talista (1999, p. 40). paciais estabelecidas.
Como consequência disso, não é possível
A geografia crítica, dialogando com outros negar a dimensão global no estudo dos movimen-
campos como a antropologia ou a ecologia políti- tos sociais contemporâneos e sua relação com a de-
ca, cumpre um papel fundamental nessa nova in- mocracia, entre outras razões, pelos impactos da
terpretação da política do lugar, que é visto não globalização; o afastamento dos centros de tomada
como um cenário estático, mas influenciado por de decisões e seu traslado a âmbitos globais; a ne-
relações específicas de classe, gênero, etnia, raça, cessidade de identificar esses novos interlocutores

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políticos e responsáveis no âmbito internacional a aquém e para além desse âmbito, considerando o
quem dirigir as demandas; os limites do sentido global do lugar, já que, como afirmara Mil-
aprofundamento da democracia no âmbito estatal, ton Santos (2002, p. 161), “hoje, certamente mais
que levam a uma exigência de maior democratiza- importante que a consciência do lugar, é a consci-
ção também das relações internacionais; a crescen- ência do mundo, obtida através do lugar”. Insere
te organização e atuação transnacional dos própri- também uma imaginação geográfica que intervém
os movimentos sociais, etc. Desse modo, o global na política internacional, ou o que Agnew (2006)
aparece como uma variável fundamental para o considera uma das tendências mais relevantes de
estudo dos movimentos sociais, e as relações in- convergência entre alguns geógrafos e teóricos das
ternacionais se configuram como um novo campo relações internacionais: a reorientação da discus-
de análise para levar a cabo essa tarefa. são sobre a espacialidade da política mundial, dis-
No entanto, apesar da importância do estu- tanciando-se de uma divisão entre território versus
do dos movimentos sociais a partir das relações redes e (ou) fluxos, para considerar sua influência
internacionais, as teorias clássicas dessa área de recíproca. No âmbito concreto do estudo dos mo-
conhecimento não incorporaram os movimentos vimentos sociais e a democracia, a partir dessa in-
sociais globais como um ator. Para a compreensão fluência mútua, é possível tecer várias articula-
do atual sistema internacional, torna-se, então, ções como aquela proposta num artigo recente por
necessária uma revisão dos conceitos clássicos Conway (2008), em que a autora estuda a Marcha
utilizados para definir essa realidade, em particu- Mundial das Mulheres, a partir de ferramentas teó-
lar o de “ator internacional”. A redução das rela- ricas provenientes das relações internacionais (to-
ções internacionais às relações interestatais deixa mando como eixo as redes transnacionais de mo-
de fora um número considerável de forças que atu- vimentos de mulheres) e da geografia (as práti-
am e influem nesse âmbito, e, entre essas forças, cas espaciais dessas redes). Uma das idéias-chave
os movimentos sociais adquirem uma relevância que subjaz é que as separações rígidas entre o inte-
cada vez maior, potencializando o debate e rior e o exterior, as forças de abaixo e de acima,
incidindo nas estratégias dos demais atores (Echart, impedem ver a imbricação entre as diferentes esca-
2008). Desse modo, as relações internacionais, las, nublando as forças democratizantes translocais:
apesar da ortodoxia ainda predominante, apresen- é difícil falar de uma “globalização a partir de cima”,
tam-se como um campo fértil, já que pode oferecer sem notar seus efeitos locais, da mesma forma que
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um enfoque mais integral que o de outras discipli- seria um erro falar do papel de democratização dos
nas, oferecendo uma visão a partir de um ângulo movimentos sociais numa esfera global, sem con-
internacionalista. Nesse sentido, sem negar a im- siderar suas interações com o local.
portância dos estudos centralizados no local ou No entanto, além de superar a divisão dis-
no estatal, é preciso oferecer perspectivas analíti- ciplinar, é preciso também superar uma fronteira
cas mais amplas. As relações internacionais ofere- mais ampliada que engloba o próprio sentido do
cem uma perspectiva holística, sem que isso im- estudo, a própria visão de ciência, ou do científi-
plique desconsiderar teorias ou aportes de outras co, no desafio de estudar os movimentos sociais:
disciplinas. O fator determinante para a escolha os pressupostos epistemológicos de onde partem
de uma disciplina não é tanto o objeto de estudo, os processos de pesquisa sobre os movimentos
mas sim a perspectiva com que se pretende anali- sociais. Esses pressupostos epistemológicos
sar, nesse caso a das relações internacionais. incidem no desenvolvimento de uma pesquisa, na
Um enfoque integrador entre as perspecti- medida em que há diferentes formas de abordar e
vas críticas da geografia e das relações internacio- conhecer o mundo. Alguns desses pressupostos
nais permite, assim, uma resistência a um puro fazem referência, por exemplo, ao problema da
estadocentrismo e a articulação de alternativas para influência dos valores, ao problema ontológico da

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relação entre ação e estrutura, ou, ainda, ao pro- de e das subjetividades (vide os autores do proje-
blema da dicotomia entre explicação e compreen- to modernidade e colonialidade como Dussel,
são na analise das variáveis. Nesse sentido, o pro- Escobar, Mignolo, Quijano e outros). Trata-se de
blema dos valores, amplamente debatido nas ciên- uma sugestiva proposta para pensar o estudo dos
cias sociais (Weber, 1978), começa a ser superado. movimentos sociais e suas experiências democrá-
Diante do positivismo, reconhece-se a construção ticas, cujas práticas nem sempre foram “traduzidas”
social do conhecimento e a consequente impossi- adequadamente.2
bilidade de uma ciência neutral, desprovida de Isso nos leva, finalmente, a um último pro-
valores, onde o objeto de estudo pudesse perma- blema inter-relacionado, o metodológico, que se
necer absolutamente desvinculado do sujeito que refere ao dilema entre um enfoque explicativo ou
observa a partir de uma percepção inócua (Linklater, compreensivo do objeto de estudo (Freund, 1993).
1996). Essa perspectiva analítica vem permitindo Se partirmos de uma hipótese explicativa, o obje-
uma série de novos estudos sobre movimentos tivo principal seria verificar empiricamente certas
sociais realizados a partir de uma perspectiva mi- dimensões, ou seja, os fatos. Contudo, essa pers-
litante ou ativista. No que se refere ao problema pectiva assume o risco de limitar os movimentos
ontológico, relacionado à análise do objeto de es- sociais à sua dimensão de mobilização, às suas
tudo, frente à dicotomia entre a dimensão dos ato- manifestações públicas ou ações coletivas desen-
res (baseada num individualismo metodológico: volvidas, à parte visível, sem ter em conta o senti-
teorias da mobilização de recursos, a escolha raci- do dessas atuações. Como afirmam Clemens e
onal ou a ação coletiva) e a do contexto (que deter- Hughes (2002, p. 212), “... em várias de suas di-
minaria a atuação dos movimentos sociais, ofere- mensões, os movimentos sociais são como icebergs,
cendo oportunidades ou constrições: teorias so- com muitas de suas ações ocorrendo abaixo da
bre o comportamento coletivo, a estrutura de opor- superfície visível”. Nesse sentido, a partir de uma
tunidade política, os ciclos de protesto, etc.), ob- hipótese compreensiva, é possível visualizar as
servam-se avanços no sentido de uma superação dimensões mais esquivas à verificação empírica,
na tradição crítica dialética (Ritzer, 1993): as estru- mas que são fundamentais para a compreensão do
turas podem condicionar, mas não determinar a objeto de estudo: intuições, práticas internas, con-
ação, que pode ocorrer, ou não, dependendo dos vicções, subjetividades coletivas. Poder-se-iam
recursos (materiais e simbólicos), da capacidade analisar, assim, o sentido da mobilização, suas

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mobilização, da existência de uma identidade co- simbologias, práticas internas e sua incidência,
letiva, etc. nesse caso, na democratização.
Articulados a essas preocupações, vários Uma análise completa sobre os movimen-
autores, na última década – considerando a ciên- tos sociais supõe incluir essas duas hipóteses para
cia como um dos principais motores da abordar a realidade social como uma totalidade,
racionalidade moderna ocidental –, reivindicam a manifestando seus antagonismos estruturais e suas
necessidade de se considerar a existência de ou- contradições. No campo dos movimentos sociais,
tras racionalidades alternativas a partir de “experi- notam-se muitos avanços nessa linha analítica,
ências silenciadas ou desperdiçadas”, de uma como o que Klandermans e Staggenborgh (2002)
“epistemologia do Sul” (Santos, 2006). Ou da
“descolonização do pensamento” de regiões como 2
O conceito de tradução foi revitalizado recentemente
a América Latina que, com o fim do colonialismo, por alguns autores como Boaventura de Sousa Santos,
mas devemos nos reportar à base moldada por Walter
permaneceram expostas à colonialidade do poder Benjamin, que o relaciona à validez de outras formas de
– colonialidade da política e da economia –, do experiência e ao próprio conhecimento. Para Benjamin
(1988), conhecer é traduzir interminavelmente a língua
saber – em termos epistêmicos, filosóficos e cientí- das coisas para a palavras humanas. O pensamento e a
linguagem humana não constituiriam o mundo, mas
ficos – e do ser – entre outras coisas, da sexualida- seriam responsáveis por imitá-lo, traduzi-lo.

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consideram uma ausência de um dogmatismo riam mais próprias de uma teoria política inter-
metodológico nesse campo, que contribui para a Estados (Connolly, 2002). Dentro dessa lógica,
realização de pesquisas empíricas mais ricas e ino- como lembra Slater,
vações metodológicas. De fato, os estudiosos dos
movimentos sociais vêm realizando tanto estudos ... os movimentos sociais estão ligados ao domí-
nio político mediante seu impacto sobre as po-
quantitativos como qualitativos, utilizando entre- líticas públicas ou sobre as prioridades dos par-
vistas em profundidade e enquetes, estudos de tidos políticos, mas qualquer conexão com a po-
lítica global é feita com a mediação do sistema
arquivos e observação participante, estudos de político interno (2000, p. 508).
casos singulares e desenhos comparativos bastan-
te complexos, simulacros matemáticos e análise de Contudo, durante a última década, houve
eventos de protesto, estudos ecologistas de cam- um avanço fundamental tanto dentro das teorias
pos multiorganizacionais ou narrações de históri- das ações coletivas e dos movimentos sociais como
as de vida, análises de discurso e estudos de nar- das teorias democráticas, que acompanharam a
rativas; incorporando ferramentas e técnicas de crescente complexidade das sociedades contem-
diversos campos do saber, o que contribui para a porâneas com os processos de globalização, bus-
superação das fronteiras disciplinares. cando superar as fronteiras do Estado-nação de
Esses avanços analíticos, em suma, fazem forma a se pensarem as relações entre os movi-
emergir um vasto campo de possibilidades, caso mentos sociais e a democracia. Porém, é importan-
sejam ampliados os olhares científicos, que po- te matizar que, da mesma forma que antes nem
dem enriquecer o entendimento das dinâmicas dos tudo era estatizado, nem tudo o que emerge é
movimentos sociais e suas relações com a demo- transnacionalizado. Assim, o Estado continua sen-
cracia ou democratização. do uma referência fundamental nas relações entre
movimentos sociais e democracia, já que, entre
outras funções, ele detém o monopólio legítimo
FRONTEIRA 2: o Estado-Nação da violência (com repercussão direta na sua fun-
ção repressora sobre os movimentos sociais) e con-
A dupla tendência de globalização e tinua sendo um importante interlocutor político e
transnacionalização, por um lado, e de revitalização receptor de muitas demandas (Bringel; Falero, 2008;
do “lugar”, por outro, assinalada anteriormente, Echart; López; Orozco, 2005).
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supõe um importante ponto de inflexão e ruptura No caso dos “teóricos dos movimentos so-
tanto para as teorias das ações coletivas como para ciais”, estudos como os de Keck e Sikkink (1997),
as teorias democráticas. No que se refere às teorias Smith, Chatfield e Pagnucco (1997), Della Porta,
das ações coletivas e dos movimentos sociais, a Kriesi e Rucht (1999) ou, mais recentemente, de
partir dos estudos de diferentes escolas que emer- Della Porta e Tarrow (2005), Tarrow (2005) e Echart
giram principalmente a partir da década de 1960, (2008), lançaram discussões pioneiras sobre um
o Estado-nação se constituiu como o marco novo ativismo sem fronteiras. Por outro lado, den-
interpretativo e articulatório central da ação coleti- tro dos “teóricos da democracia”, autores como
va. Os teóricos políticos da democracia também se Anderson (2002), Connolly (2002), Held (1995),
centraram em analisar a democracia baseados na Kaldor (2005) ou McGrew (1997) também adverti-
concepção de uma “democracia territorial”, sus- ram sobre esse processo de abertura, a partir de
tentada por uma teoria política intra-Estado, que estudos inovadores que levaram à proposição de
tendeu a opor as “questões internas” (como direi- conceitos como “democracia cosmopolita” (Held),
tos, justiça, comunidade, obrigação, identidade e “democracia transnacional” (Anderson) ou “soci-
legitimidade) às “questões externas” (como segu- edade civil global” (Kaldor). Apesar do caráter
rança, guerra, violência, cooperação, etc.), que se- eminentemente normativo dessas propostas, é in-

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teressante notar como, nessas construções teóri- etc.) para aparecer com maior força no cenário in-
cas, converge a idéia de que forças globais rom- ternacional. Em terceiro lugar, e como
pem com os pressupostos fundamentais de uma consequência dos dois pontos anteriores, o “glo-
teoria democrática hegemônica, restritas ao marco bal” converte-se em uma variável fundamental
liberal-representativo, aos Estados soberanos, à quando analisamos os movimentos sociais con-
integridade e jurisdição territorial e às comunida- temporâneos, ao mesmo tempo em que “o lugar”
des nacionais independentes. também se revitaliza. A frase “atuar localmente e
Uma aposta complementar, que une pers- resistir globalmente” é o maior símbolo dessa ten-
pectivas da geografia e das relações internacionais, dência, incorporada ao discurso e à prática de
é a de analisar a espacialização da democracia e da muitos movimentos sociais contemporâneos.
democratização e a conexão entre descentralização Desse modo, a análise da relação entre mo-
governamental e democracia territorial (Slater, 1998, vimentos sociais e democracia, tendo em conta
2000), assim como aprofundar a articulação entre a “fronteira do Estado-nação”, implica pensar como
os aspectos políticos das práticas espaciais e as os movimentos sociais se organizam para atuar no
abordagens pós-estruturalistas das teorias demo- cenário internacional, quais são as atividades e vias
cráticas, em particular aquelas ligadas à política de participação abertas nesse contexto, qual é o
radical. Até que ponto uma sensibilidade espaci- seu novo repertório de ações coletivas e, ainda,
al, em constante crescimento nas ciências sociais e quais são as influências ou impactos desses movi-
humanas, contribuiria para repensar a questão mentos sociais nas relações internacionais, e, em
democrática e suas conexões glocais? Essa é uma concreto, na democratização dessas relações. Nes-
questão aberta que aparecerá durante várias passa- se sentido, é fundamental adaptar a esse contexto
gens deste artigo. algumas das variáveis e marcos de referências que
Frente à hegemonia estadocêntrica dos es- são utilizados para se estudarem os movimentos
tudos sobre as relações entre movimentos sociais sociais no âmbito nacional. A união em movimen-
e democracia, é fundamental introduzir a dimen- tos e redes transnacionais implica mudanças em
são global, com suas relações e implicações com o relação à sua “estrutura clássica”: as relações soci-
local, por três razões principais: em primeiro lu- ais que constroem a ação coletiva no cenário inter-
gar, no atual contexto de globalização, muitas das nacional são mais informais e descentralizadas para
decisões políticas que afetam a vida quotidiana das que possa ser incluída toda a heterogeneidade de-

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pessoas já não são tomadas no âmbito do Estado- rivada da conexão de diferentes lutas sociais. Nes-
nação, mas em organizações internacionais. Isso se ponto, é notável a importância de adaptação da
torna necessária a identificação de novos dimensão local para a ação coletiva transnacional,
interlocutores políticos no âmbito internacional, a que varia desde repertórios mais clássicos e (ou)
quem dirigir certas demandas. Em segundo lugar, informais (como manifestações ou campanhas de
e em consonância com isso, os movimentos soci- denúncia e sensibilização) à criação de marcos mais
ais também começam a atuar no plano inter e estruturados (como os espaços de encontro pró-
transnacional, transcendendo as fronteiras estatais. prios – Fórum Social Mundial e outros – e a parti-
Assim, os movimentos sociais, mesmo tendo ba- cipação em encontros e fóruns oficiais). Por outro
ses estatais, incluem a dimensão internacional (por lado, também mudam as estruturas de oportuni-
exemplo, em lutas contra a aplicação de políticas dades políticas, que Tarrow (1998) define como
econômicas ou comerciais impostas por algumas aquelas dimensões do entorno político que pro-
organizações internacionais) e criam redes porcionam incentivos para a ação coletiva, afetan-
transnacionais com outros movimentos afins (caso do suas experiências de êxito ou fracasso. Para
do movimento antiglobalização, mas também de autores como Smith, Chatfield e Pagnucco (1997)
redes de camponeses, mulheres, ambientalistas, ou Kaldor (2005), é justamente a existência de es-

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truturas nacionais relativamente rígidas, ou com convite” em espaços institucionalizados – são os


pouco poder de decisão real, o que leva as forças “insiders” (Keck; Sikkink, 1997; Tarrow, 2005), que
sociais a dirigirem-se ao cenário internacional, onde atuam a partir de dentro, para contribuir para a
podem ter maior incidência e onde começam a abrir democratização do sistema político –, a uma “par-
canais de participação cidadã. ticipação por irrupção” em espaços alternativos –
De acordo com Tarrow (2005), um dos gran- os “outsiders”, que atuam a partir de fora, desafi-
des êxitos dos movimentos sociais transnacionais ando as políticas das instituições internacionais,
é a definição de seus marcos interpretativos, que com uma participação política mais rupturista); o
cumprem três funções básicas: explicativa, de arti- alargamento do espaço público (com o amplo leque
culação e de mobilização. Isso é possível pela cria- de participação citado, os movimentos sociais con-
ção de “marcos multi-temáticos” (multi-issue tribuem para ampliar a esfera pública: conseguem,
frames), que não estão focalizados em um único com isso, uma maior transparência e accountability,
tema ou ideia, devido à existência de objetivos anteriormente escassas no cenário internacional,
comuns oferecidos pelo internacionalismo (alvos mudanças discursivas e a abertura de espaços para
como o FMI, a OMC, a União Européia ou os Esta- uma “participação por convite”); e a incorporação
dos Unidos) e que condensam numa única ima- de temas sociais no debate internacional (na pugna
gem, uma ampla gama de objetivos. Isso permite o pela definição do atual marco de discussão global,
surgimento de “identidades coletivas tolerantes”, inserem continuamente novas sensibilidades: os
que juntam as diferenças através da união frente à aspectos de gênero, meio ambiente, direitos huma-
luta contra a globalização, fonte de problemas glo- nos, democracia, etc.).
bais, mas com impactos locais, o que amplia, ain- No entanto, essas diferentes reivindicações não
da mais, a conexão glocal. Com isso, consegue-se se limitam à sua incorporação, muitas vezes desvir-
estender ao imaginário coletivo uma explicação dos tuada, nas agendas, devido a uma reapropriação
efeitos negativos da globalização, juntamente com discursiva das elites, mas levam também à prolife-
a identificação de responsáveis na cena internaci- ração de um imaginário geral de justiça social e de
onal e com certa legitimação social dos protestos, democracia participativa, que serve como base para
que impulsionam e ampliam a mobilização com a uma nova consciência global. Os movimentos so-
ruptura discursiva de um “outro mundo é possí- ciais globais cumprem, assim, nas relações inter-
vel”. nacionais, uma função de controle cidadão e de
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008

Nesse sentido, os movimentos sociais, em democratização, fatores que podem mudar a confi-
suas lutas pela democratização das relações inter- guração das relações internacionais.
nacionais, contribuem com várias atividades e re- Ainda assim, se espacializarmos o repertó-
cursos (Smith, Chatfield; Pagnucco, 1997) imbri- rio de ações coletivas dos movimentos sociais para
cados entre si, entre os quais podemos identificar: além do âmbito estatal, é possível também analisar
a criação de redes transnacionais (que ajudam a as repercussões dos projetos globais nas histórias
criar vínculos entre diferentes realidades sociais e locais (Mignolo, 2003). Inclusive, nos casos das
a mobilizar recursos materiais e simbólicos no ce- redes e movimentos sociais transnacionais, o local
nário internacional); a difusão de informação e constitui-se em base material e de socialização. É
sensibilização cidadã (ao incrementar o pluralismo interessante notar o que muitos autores (na sua
informativo, os movimentos sociais contribuem maioria, europeus e norte-americanos) consideram
para a compreensão dos problemas globais e, em já uma “crise” ou o “fim” do movimento
última instância, para o aprofundamento demo- antiglobalização, devido à perda de visibilidade de
crático); a participação nas arenas políticas multi- seu conjunto de protestos, com o “ciclo de contra-
laterais (através de estratégias de participação e cúpulas” (iniciado em Seattle em 1999 e que teve
incidência, que vão desde uma “participação por seu momento auge em 2001 em Gênova) e o início

464
Breno Bringel, Enara Echart

de certo esgotamento de suas propostas (com as institucional, a inserção de novos temas nas agen-
críticas sobre a capacidade articuladora de espa- das políticas, a incidência nas políticas públicas,
ços como o FSM). Trata-se, na verdade, de um etc.). Por outro lado, no âmbito do instituinte, o
“recolhimento” ao local de um repertório eixo fundamental constitui-se no potencial de cri-
transnacional que antes tinha maior intensidade e ação de novas experiências democráticas, que vão
visibilidade no cenário internacional. Nesse senti- além do âmbito do instituído, tensionando com
do, o movimento antiglobalização vive um momen- ele (é o caso dos espaços de democracia radical,
to de redefinição, com uma revalorização do lugar, que desenvolveremos logo a seguir).
um maior protagonismo das redes sociais do Sul Há uma tendência, nos estudos contempo-
global – principalmente através do ativismo agrá- râneos sobre movimentos sociais e democracia, a
rio e indígena –, um refluxo do impacto nos meios priorizar o âmbito do instituído, as inovações
de comunicação convencionais e uma crescente institucionais e a participação de atores sociais em
importância de determinados eixos temáticos, como novos espaços deliberativos. Isso é especialmente
as migrações ou a soberania alimentar (Bringel; válido no caso brasileiro, frente à emergência de
Echart; López, 2008). Observa-se, assim, que cer- novos atores sociais nos espaços institucionais
tas demandas, como a soberania alimentar – que participativos, como o orçamento participativo e
surgiu em 1995, no seio da Via Campesina, como os conselhos gestores de políticas públicas, os
alternativa à proposta de segurança alimentar dis- quais, muitas vezes, nublam a dimensão mais au-
cutida pela FAO –, continuam sendo demandadas tônoma dos movimentos sociais e (ou) seu cará-
globalmente, mas são construídas localmente, a par- ter instituinte. Ainda assim, boa parte desses es-
tir das espacialidades dos movimentos sociais que tudos considera que essas novas práticas
conformam essa rede, como, por exemplo, o MST participativas e os novos atores sociais “substitu-
no Brasil, a Federação Bartolina Sisa na Bolívia, em” os enfoques e abordagens anteriores sobre a
ou a União Nacional de Camponeses (UNAC) em ação coletiva no país, sobretudo aqueles mais di-
Moçambique, enfrentando-se assim as fundidos no contexto de transição política. Assu-
especificidades da construção dessa demanda (ou mir essa assertiva supõe olhar somente um lado
de sua “des-construção local”) nos diferentes con- da fronteira da institucionalidade – o lado do ins-
textos locais, nacionais e regionais. tituído –, analisando um determinado tipo de
participação – a institucionalizada –, e deixando

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008


de lado outras perspectivas mais rupturistas, de
FRONTEIRA 3: a institucionalidade caráter instituinte, criadoras de novos marcos de-
mocráticos, que estão intrinsecamente ligadas e em
Na maioria das análises sobre as relações constante tensão.
entre os movimentos sociais e a democracia, outra A fronteira da institucionalidade está ligada
fronteira claramente identificável, além das duas aos diferentes locus de enunciação e de criação de
anteriores, é dada pela institucionalidade. Na sua novas experiências democráticas. Ainda que, em
relação com a democracia, os movimentos sociais muitos casos, seja difícil traçar uma divisão rígida
respondem a uma dinâmica complementar, de entre o instituído e o instituinte, é fundamental
dupla direção: a dialética entre o âmbito do insti- considerar a democracia para além da esfera vin-
tuído e o âmbito do instituinte. No âmbito do ins- culada às instituições, a um regime político libe-
tituído, o eixo analítico central é o impacto da ral, baseado na realização de eleições livres, na
atuação dos movimentos sociais nas “democracias concorrência entre partidos, etc. A democracia sig-
realmente existentes” (antes citávamos alguns de- nifica também a possibilidade de criar novas de-
les, como a ampliação do pluralismo informativo, terminações, através de um imaginário criador,
a ampliação dos espaços de participação instituinte. Para Castoriadis (2007), a democracia

465
MOVIMENTOS SOCIAIS E DEMOCRACIA: os dois lados das “fronteiras”

é uma autoinstituição explícita, um processo de Ainda que possamos estabelecer certos pla-
autonomia que não se esgota no instituído. nos de conexão, o enfoque que Alain Touraine
Consequentemente, a democratização não pode ser propõe para pensar os movimentos sociais e a de-
entendida somente na sua dimensão política, vin- mocracia dista bastante daquele de Tilly. Enquan-
culada a um lado da fronteira, como aqueles avan- to a escola norte-americana acabou consolidando
ços dentro da esfera do sistema político que per- um enfoque mais “institucionalista”, centrado nas
mitem, por exemplo, um aperfeiçoamento no fun- estruturas das organizações dos sistemas
cionamento dos mecanismos institucionais. A cons- sociopolítico e econômico, as abordagens prove-
trução de instituições político-democráticas sóli- nientes da Europa transitaram por terrenos de ca-
das ou a realização de eleições são requisitos ne- ráter mais “autonomista”, revisando o marxismo e
cessários, porém não exclusivos nem suficientes buscando explicações mais conjunturais, localiza-
da democratização, que significa também a busca das no âmbito político e nos microprocessos da
da igualdade nos grupos de status, um processo vida quotidiana (Gohn, 2006, 2008; Neveu, 1996).
imbuído nas relações sociais, nas ações coletivas e Essas diferentes concepções repercutem sobre
na cultura política. como cada um desses autores delimita a discus-
É interessante observar que autores clássi- são sobre democracia e democratização, e o papel
cos, como Alain Touraine e Charles Tilly, que que dão aos movimentos sociais, nesses proces-
teorizaram sobre os movimentos sociais desde os sos. Se Tilly se preocupa com uma análise mais
anos 1960, passaram a incorporar, de forma cres- macro, de cunho histórico-sociológico, buscando
cente, aos seus estudos a questão democrática face os motivos pelos quais os atores sociais se mobili-
às ações coletivas, nem sempre pensando os limi- zam, as alianças tecidas e seus impactos nos siste-
tes da fronteira da institucionalidade. No caso de mas políticos, Touraine lança um enfoque mais
Tilly, em obras como Contention and Democracy endógeno, buscando entender a dinâmica de um
in Europe, 1650-2000 (2004), Trust and Rule (2005) determinado processo social que conta com a pre-
e, a mais recente, Democracy (2007), subjaz a pre- sença dos movimentos. Enquanto Tilly está mais
ocupação de explicar como as lutas sociais afetam preocupado em avaliar como a atuação dos movi-
os processos de democratização através de um va- mentos sociais contribui para a democratização
riado repertório de ação coletiva. Partindo de idéi- política (e vice-versa), Touraine prefere analisar a
as-chave desenvolvidas na escola norte-america- democratização social a partir da ação dos movi-
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008

na, como “interesses”, “repertórios” e “oportuni- mentos sociais. Da mesma forma que Tilly (2007),
dades”, Tilly relaciona os movimentos sociais com Touraine (1994) também dedicou um livro inteiro
os “processos políticos”, chegando à conclusão de sobre a questão democrática e suas relações com
que as ações dos movimentos sociais favoreceram os sujeitos sociais. Para Touraine, o sujeito e a
historicamente, tanto em termos quantitativos como democracia são forças inseparáveis de mediação
qualitativos, os processos de democratização (o que na sociedade, e os movimentos sociais têm um
seria verificável em determinadas conjunturas his- papel central na construção democrática, através
tóricas). Por outro lado os processos de democrati- da defesa de seus interesses coletivos, mas isso
zação também contribuiriam para o desenvolvimen- vai além das mobilizações coletivas de atores soci-
to dos movimentos sociais. Analisando as condi- ais, já que são expressões de poder dentro da soci-
ções sob as quais os movimentos sociais contri- edade civil. Para Touraine (1997), o social não pode
buiriam para a promoção de democracia (Tilly, estar subordinado ao político na aspiração do
2003), esse autor argumenta que não há condições aprofundamento democrático, já que, quanto mais
unidirecionais e que o processo depende de um um poder político domina um movimento social,
amplo campo de tensões e alianças dos movimen- mais difícil é o caminho da construção de uma
tos sociais com as elites e outros atores políticos. sociedade democrática.

466
Breno Bringel, Enara Echart

A interpretação crítica e o diálogo entre al- cas espaciais desenvolvidas pelos zapatistas mexi-
gumas de suas obras conduzem a pensar uma dupla canos, os movimentos do El Alto boliviano, os acam-
face da democracia, a partir de suas relações com pamentos e assentamentos do MST do Brasil, as
os movimentos sociais: de um lado, a democracia organizações dos bairros periféricos de Santiago
como demanda e, de outro, a democracia como do Chile, as fábricas recuperadas da Argentina ou
criação social. A primeira baseia-se numa pers- as comunidades do Pacífico colombiano (Zibechi,
pectiva exógena, baseada nas ações coletivas que 2007). São só alguns dos vários movimentos soci-
estão orientadas para incluir novos conteúdos e ais que vêm construindo, na América Latina (com
dimensões para a democratização política. A se- experiências efêmeras ou mais duradouras),
gunda privilegia uma perspectiva mais endógena contrapoderes e espaços de democracia radical, que
– e mais abandonada pelos teóricos dos movimen- desafiam, através do conflito, os poderes instituí-
tos sociais e da democracia –, cujo epicentro são dos, demonstrando que um poder democrático não
as práticas quotidianas dos atores sociais, sua com- se inventa somente a partir dos poderes instituí-
posição e organização interna, a horizontalidade dos, mas também contra e em tensão permanente
nos espaços deliberativos, a igualdade de gênero, com eles.
etc. Mais que ações coletivas que buscam incidir Outra questão importante, que se relaciona
na democratização política, são ações e práticas com a dinâmica dos limites das fronteiras da
dirigidas à democratização social, através da base institucionalidade, refere-se às representações po-
educativa, cultural e social interna desses sujeitos líticas. Vários estudos da ciência política con-
participantes. temporânea vêm insistindo sobre os déficits
A democracia como demanda considera um da representação política, na distância entre repre-
amplo leque de possibilidades para precisar as vias sentantes e representados, na criação de mecanis-
e em que medida os movimentos sociais contribu- mos para suprir ou harmonizar essa convivência,
em para melhorar o funcionamento das “democra- por exemplo, a partir do controle dos represen-
cias realmente existentes”. Por exemplo, em que tantes. A maioria desses enfoques tende a incor-
medida os movimentos sociais podem alargar o porar uma visão entre representante e representa-
campo comunicativo, participativo ou das políti- do, baseada no âmbito do instituído. No entanto,
cas públicas (Barcena; Ibarra; Zubiaga, 1998). Mas, se recolocamos a questão da representação da pers-
além do marco das “democracias realmente exis- pectiva dos movimentos instituintes, a noção de

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008


tentes”, é necessário observar em que medida os “representação política” se torna mais ampliada,
movimentos sociais adotam referências, geram dis- associada a uma semântica de “representações”
cursos e criam práticas espaciais de resistência, (também políticas) vinculadas às dinâmicas
nas quais a democracia aparece como uma criação “movimentistas”, o que Lefebvre (1974, 1980) –
coletiva, como a instituição de um novo imaginá- inspirado não só na restritiva acepção democráti-
rio, de tensão permanente entre projetos e co-representativa, mas sim em uma significação
territorialidades. Trata-se de captar como as práti- estética e filosófica mais aberta – denominou “re-
cas contestatórias dos movimentos sociais (ligadas presentações do espaço” e “espaços de represen-
ao espaço que configuram os âmbitos de atividade tação”. As representações do espaço se referem aos
dos sujeitos sociais, os quais estão intimamente espaços concebidos, derivados de certos códigos,
vinculados com as experiências das vidas quoti- signos, saberes técnicos. Para Oslender (2000), são
dianas) constituem espaços de democracia radi- os “espaços legíveis” e representações normalizadas
cal, analisando as temporalidades e dinâmicas in- que existem nas estruturas estatais, na economia e
ternas da mobilização social, em vez de sua na sociedade civil. Essa “legibilidade” funciona
interação com o sistema político. como uma simplificação do espaço (reduzido a uma
Aqui podemos exemplificar com as práti- superfície transparente), oferecendo uma visão

467
MOVIMENTOS SOCIAIS E DEMOCRACIA: os dois lados das “fronteiras”

normalizada que nubla as lutas sociais, as No entanto, o MST atua também como “cria-
ambiguidades e outras formas de ver e imaginar o dor” de novos espaços de democracia radical, em
mundo. Já os espaços de representação seriam os seus acampamentos e assentamentos. São espaços
“espaços vividos”, que mudam com o tempo, e de luta, resistência e socialização política, onde o
representam formas de conhecimentos locais me- movimento constrói a base de sua política
nos formais, dinâmicas, simbólicas e saturadas de contestatória. São espaços de formação e aprendi-
significados. zagem dialógicas, em um sentido freireano. São
No caso brasileiro, o MST é um exemplo espaços de solidariedade e renovação da cultura
paradigmático. Uma das principais características política: espelhos do plano normativo da demo-
do MST, ao cumprir já vinte e cinco anos, é o cracia pela qual lutam e buscam ampliar. Se anali-
processo de reconstrução continuado de suas li- sarmos esses espaços a partir de sua tensão per-
nhas de atuação, reiventando-se a partir das suas manente e de contestação com as relações de po-
lutas e experiências. Na atualidade, suas deman- der e saber dominantes, e se entendemos a geogra-
das vão além da reforma agrária, e seu âmbito de fia como uma “geo”grafia (como ato de marcar,
atuação vai além do Estado brasileiro, trafegando “grafar”, a terra, como propõe Porto-Gonçalves,
entre o local e o global. Suas lutas pela democracia 2001), pode-se interpretá-los como espaços intrin-
não estão restritas à democratização do uso da ter- secamente ligados ao terreno político e ao proces-
ra ou das instituições políticas, mas arraigadas na so de criação de um magma de significações (e “re-
democratização política e social em um sentido mais presentações políticas”), entre as quais se en-
amplo. Em primeiro lugar, participa em várias ações contra a ressignificação da democracia. Desse modo,
coletivas (principalmente ocupações, concentrações um dos principais motivos do “êxito” do MST
e marchas) através das quais interpela o poder como movimento social é que ele não se restringiu
político quanto à necessidade de tornar mais a lutar pela democracia como proposta, em suas
operativa a “democracia realmente existente”. Em interações políticas, mas buscou criar espaços pró-
segundo lugar, contribui para alargar o campo co- prios de exercício da democracia (radical) em suas
municativo, com o uso de rádios comunitárias, práticas sociais e espaciais, articulando habilmen-
circulação de jornais, revistas e vários outros pro- te ambas as dimensões.
jetos “contra-informativos” em parceria com ou- Alguns autores poderiam interpretar essa
tros atores sociais, diversificando o fluxo da infor- abordagem como uma espécie de volta ao “basismo”.
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008

mação controlado pelos meios de comunicação Contudo, a criação de espaços de democracia em


hegemônicos. Em terceiro lugar, o MST contribui um contexto de fortes transformações globais faz
para ampliar o espaço participativo não somente com que essas práticas se articulem a partir de uma
através da sua presença na cena política local, na- perspectiva contraditória e renovada para a política
cional e internacional, mas também através de ini- radical, baseada, por exemplo, na intensificação dos
ciativas paralelas, como a proposta de consultas debates sobre “diferença” e “reconhecimento”, uma
populares, a exemplo do Plebiscito Popular sobre maior heterogeneidade das demandas, uma
a estatização da Vale do Rio Doce, em setembro de revalorização do território, a transnacionalização da
2007. Em quarto lugar, o movimento influencia a política e da ação coletiva e o retorno – ainda que
decisão e a definição de agendas políticas e políti- ressignificado – de conceitos-chave, como “desen-
cas públicas, como no caso recente do debate pú- volvimento” e “emancipação”.
blico sobre os agrocombustíveis como nova matriz Existe um forte vínculo glocal do efeito
energética. Em todas essas dimensões, o MST con- democratizador das ações coletivas e práticas
tribui para a democratização, pensando a demo- contestatórias do MST, que leva a que suas práti-
cracia como demanda a partir da exteriorização de cas contestatórias locais distem muito da volta a
suas ações. um basismo. Ao articular-se, no plano regional,

468
Breno Bringel, Enara Echart

com a Coordenadora Latino-americana de Organi- como também como práticas significantes no pla-
zações do Campo (CLOC) e, num plano internaci- no normativo sobre o que significa a democracia,
onal, com a Via Campesina, além de tecer várias utilizando, em alguns casos, as próprias práticas
alianças táticas no cenário internacional,3 os sem- do movimento ou, pelo menos, um horizonte de
terra trazem, ao debate local e nacional, muitas das construção dessas práticas.
discussões e subjetividades vividas num plano
internacional e vice-versa, numa retroalimentação
que tem suas consequências na construção dos FRONTEIRA 4: o momento histórico
discursos e práticas do movimento. Assim, essa
fronteira da institucionalidade também converge Finalmente, a perspectiva dominante no
com a do Estado-nação, ao limitar a atuação dos debate sobre as relações entre os movimentos soci-
atores sociais à participação mais institucional. Um ais e a democracia acabou construindo uma quarta
exemplo, na política internacional, poderia ser a “fronteira”, a do momento histórico, ao limitar, em
análise das formas de participação de algumas or- grande medida, o papel democratizante dos movi-
ganizações sociais em grandes instituições inter- mentos sociais a uma conjuntura histórica especí-
nacionais, e de como dita participação pode con- fica: a das transições políticas. Desse modo, os
tribuir para a democratização de certas estruturas, processos de transição democrática vividos em
como nos casos de algumas cúpulas da União vários países latino-americanos, do Sul e Leste da
Européia ou do Mercosul. Como assinalamos na Europa, entre outros, receberam uma atenção es-
seção anterior, as formas de participação dos ato- pecial dos teóricos dos movimentos sociais, que
res sociais são muito mais amplas e variadas. Exis- analisaram como os práticas e discursos desses
tem vários espaços próprios de protesto e delibe- movimentos contribuíram para a passagem de re-
ração (caso dos Fóruns Sociais Mundiais, regio- gimes autoritários a regimes democráticos “mais
nais, nacionais ou locais, mas também de Confe- ou menos consolidados” (Ibarra, 2003, p. 2). No
rências Internacionais de vários movimentos soci- caso brasileiro, vários estudos como os de Kowarick
ais, como a última da Via Campesina, realizada (1987), Moisés (1982), Sader (1988), Scherer-
em outubro de 2008 em Moçambique, que se cons- Warren e Krischke (1987), entre muitos outros,
tituem como instância máxima de deliberação po- também abordaram, a partir de diferentes perspec-
lítica para o movimento) que permitem experimen- tivas, a ação dos movimentos sociais no contexto

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008


tar novas formas de entender a democracia, a par- de transição para a democracia.
tir da auto-organização, da autonomia e do De forma paralela, a literatura internacional
transnacionalismo, sendo essa a grande novidade abordou a relação entre movimentos sociais e de-
nos dias de hoje. mocracia a partir de grandes “ciclos de protesto”,
Em suma, a democracia e os movimentos so- ferramenta interpretativa proposta por Tilly (1978,
ciais, analisados da perspectiva da institucionalidade, 1984) e desenvolvida principalmente por Tarrow
respondem tanto a uma dinâmica “externa” (que (1991, 1998). Esse autor retoma a idéia, já presen-
inclui as reivindicações de uma democracia mais te em teóricos sociais e da cultura, em historiado-
social e participativa, vinculadas às práticas res políticos e econômicos, de que sistemas intei-
institucionais), como “interna” (por cultivarem ros experimentam mudanças cíclicas, para exami-
práticas democráticas vinculadas às sociabilidades nar não tanto a progressão entre os diferentes ci-
e espacialidades). Desse modo, a democracia apa- clos, mas sim verificar a estrutura e a dinâmica do
rece tanto como pano de fundo das lutas sociais, próprio ciclo, que seria o que produz os efeitos
externos que alimentam e transformam os movi-
3
Para as articulações transnacionais tecidas pelo MST, mentos. Para Tarrow, um ciclo de protesto é uma
vide Bringel e Falero (2008) e Bringel, Landaluze e Barrera
(2008). fase de intensificação dos conflitos e do

469
MOVIMENTOS SOCIAIS E DEMOCRACIA: os dois lados das “fronteiras”

enfrentamento entre atores no sistema social, o que cratização ao âmbito institucional, reduzindo o
inclui uma rápida difusão da ação coletiva dos debate sobre a democracia à sua oposição ao
setores mais mobilizados aos menos mobilizados, autoritarismo. Eleições livres e periódicas, garan-
um ritmo de inovação acelerado nas formas de tia de direitos civis ou restauração da ação política
confronto, marcos novos ou transformados para a sem coerção passaram a se constituir em variáveis
ação coletiva. Trata-se de uma combinação de par- exclusivas.
ticipação organizada e não organizada e algumas A partir da década de 1990, vários enfoques
sequências de interação intensificada entre dissi- críticos começaram a assinalar os limites da
dentes e autoridades (Tarrow, 1998, p. 144-150). “transitologia” e da “consolidology”, localizando o
Assim, esses estudos sobre ciclos de ação coleti- debate sobre democracia e democratização dentro
va, da mesma forma que aqueles da transição à de seu contexto sócio-histórico específico, partin-
democracia, têm como eixo analítico períodos de do das transformações na matriz de relações entre
alta agitação política e social, em que a democracia Estado, política e sociedade, e rejeitando tanto as
representativa é questionada a partir de intensas análises puramente abstrato-formais como os
lutas sociais. enfoques reducionistas do liberalismo democráti-
No entanto, como reivindica Ibarra (2003), co (Nun, 1987; Garretón, 1995); ou, a partir de
são escassos os enfoques que postulam o “papel prismas mais sociológicos, apontando que a vi-
central” (deveríamos adicionar “contínuo”) dos gência da democracia implica a incorporação de
movimentos sociais no jogo democrático. Para além valores democráticos nas práticas quotidianas, nas
dos valiosos estudos sobre os movimentos sociais relações sociais, na cultura política, numa nova
em momentos históricos específicos, é necessário subjetividade coletiva (Avritzer, 1996; Moisés,
esboçar um enfoque multidimensional, em que os 1995). Apesar da contribuição desses enfoques para
movimentos sociais sejam considerados não so- se pensar a democratização não como um momen-
mente “impulsores” de processos de democratiza- to de transição, mas como um processo perma-
ção, mas também “protagonistas” de uma contí- nente e inacabado de concretização da soberania
nua reinvenção da política democrática (Bringel, popular (Rossiaud; Scherer-Warren, 2000), resta um
2008; Ibarra, 2003). Para levar isso a cabo, é funda- longo caminho por aprofundar, no estudo da com-
mental que nos afastemos do que Marilena Chauí, plexa relação entre movimentos sociais e democra-
em prefácio à obra de Eder Sader (1988), denomi- cia, quando pensamos na abordagem de diferentes
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008

na “historiografia dos mitos fundadores”, que con- momentos históricos, passando, por exemplo, pela
sideraria os movimentos sociais populares das recuperação da memória histórica e das lutas demo-
décadas de 1970 e 1980 a origem exclusiva das cráticas passadas, hoje silenciadas pelo liberalismo
lutas democráticas em vários países latino-ameri- democrático e pelos consensos oficiais.
canos, entre eles o Brasil. Tão importante quanto É o que acontece, por exemplo, no caso es-
o cuidado com os “mitos fundadores”, é o panhol. No dia 06 de dezembro de 2008, quando
distanciamento dos movimentos da periodização a Constituição espanhola cumpria 30 anos, vários
histórica oficial, em que a democracia apareceria atores sociais questionaram o caráter exemplar da
como sinônimo de “processo de redemocratização”, transição, como havia sido (e continua sendo) con-
nos marcos de uma transição criada a partir de siderada pelo discurso oficial e pela ciência
cima. Nesse sentido, os “teóricos da transição”, política hegemônica. De fato, autores espanhóis
sob uma hegemonia de olhares restritivos da ciên- exportaram para vários países, entre eles o Brasil,
cia política (onde se destacam os estudos de Linz a visão de um modelo a seguir. Na convocação da
e Stepan, de 1999, ou a clássica trilogia organizada Jornada ¿Transición ejemplar? De la Constitución
por O’ Donnell, Schmitter e Whitehead, de 1986), de 78 a la recuperación de la memoria histórica,
limitaram, em grande medida, o estudo da demo- realizada em Madri, é possível ler:

470
Breno Bringel, Enara Echart

Enquanto se celebram trinta anos da aprovação ternacionais. Uma análise orientada pela
da Constituição de 1978, alguns dos resultados
do denominado “consenso” – atitude política que espacialidade das ações coletivas que repercutem
primou no trânsito da ditadura franquista à de- na política democrática permite, pelo contrário,
mocracia representativa – começam a ser ques-
tionados, abrindo um debate sobre as políticas conectar as dimensões locais e globais, dentro e
da memória [...] Uma nova geração de espanhóis
começa a questionar a exemplaridade de uns fora tanto do Estado-nação como do marco
acordos elitistas, vitoriosos para adequar uma institucional, analisando-se suas imbricações e
economia semiperiférica ao entorno geopolítico
ocidental e para ampliar certas liberdades civis contradições.
e políticas, mas que não frearam as dinâmicas
mais depredadoras da ordem socioeconômica
capitalista consolidada com o franquismo [...].
Estreitamente relacionada com essa questão apa- CONCLUSÕES
rece o silêncio oficial sobre nosso incômodo e
conflituoso passado, que nos obriga a esquecer
as lutas que levaram às mudanças durante a II Buscou-se, neste artigo, explorar articula-
República, a resistência antifascista durante a
Guerra Civil e a ampla oposição clandestina anti- ções teóricas e experiências democráticas normal-
franquista, furtando, assim, a narrativa da nossa
democracia.4 mente pouco consideradas nas abordagens sobre
as práticas e teorias democráticas contemporâne-
As transições políticas para a democracia não as. Racionalidades e abordagens muitas vezes ocul-
são momentos históricos tão exemplares, tampouco tas (deliberadamente ou não) pelos saberes con-
o único momento em que os movimentos sociais vencionais das ciências sociais. Nesse sentido, o
podem atuar, de forma decisiva, na ampliação dos artigo considera que um dos maiores desafios teó-
espaços democráticos. A “fronteira” da transição ricos para as teorias democráticas é captar a ampli-
política para a democracia, como “momento histó- ação de experiências democráticas, que consiste
rico referencial”, contribuiu para obviar uma série na definição de um horizonte de ampliação dessas
de práticas, momentos históricos e experiências, de experiências que não se confunda com a necessá-
intensidade democrática inclusive superior, e que ria preservação de certas conquistas democráticas
haviam sido violentamente silenciadas pela impo- (a que emerge, por exemplo, com a derrota dos
sição de regimes autoritários, como no caso da II regimes autoritários), mas que leve a uma amplia-
República espanhola (1931-1939). ção dessas (tanto em termos políticos como soci-
De fato, se “cruzarmos” essa fronteira com ais, macro e micro, dentro e fora do sistema políti-
as duas anteriores, notaremos que o enfoque da co) e ao enquadramento de uma relação

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008


“transitología” também deixa de fora toda a atua- multidimensional entre os processos de democra-
ção situada à margem do Estado-nação e do âmbi- tização, os repertórios de ação coletiva e a criação
to institucional, já que não permite analisar as prá- de novas democracias.
ticas democráticas existentes fora desse modelo Talvez uma das melhores maneiras para
concreto de democracia (tanto no âmbito local como superar as fronteiras (e limitações) aqui enuncia-
no global) nem o papel dos movimentos sociais das seja justamente “pensar na fronteira”, a partir
em sua constante reinvenção. No âmbito interna- do “pensamento fronteiriço” (border thinking) su-
cional, por exemplo, onde não são aplicáveis os gerido por Mignolo (2003). O autor propõe pensar
esquemas clássicos de um modelo político demo- as lutas da periferia do sistema-mundo a partir da
crático, e onde não é possível falar de “transições”, “periferia”, ou seja, com uma postura epistêmica
torna-se ainda mais importante o papel dos movi- fronteiriça, que se localizaria na fronteira do siste-
mentos sociais na democratização das relações in- ma moderno-colonial. Ainda que não possamos
discutir as polêmicas implicações desse conceito,
4
Tradução dos autores. Para ver o programa completo se interpretado parcialmente como um lugar de
dessas jornadas e o áudio das intervenções, Disponível
e m w w w. r e d c o n v o z . o r g / i n d e x . p h p ? enunciação que possa articular conhecimentos
option=com_content&task=view&id=432 &Itemid=1
(Acesso em: 10 dez, 2008). subalternizados, concordamos com Florez (2007)

471
MOVIMENTOS SOCIAIS E DEMOCRACIA: os dois lados das “fronteiras”

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474
Breno Bringel, Enara Echart

SOCIAL MOVEMENTS AND DEMOCRACY : the two MOUVEMENTS SOCIAUX ET DEMOCRATIE: les
sides of the “borders” deux cotés des “frontières”

Breno Bringel Breno Bringel


Enara Echart Enara Echart

Democracy has evolved historically through intense Tout au long de l’histoire la démocratie a évolué grâce
social struggles and, frequently, it was also sacrificed à des luttes sociales intenses, mais aussi, elle a souvent
in many of those struggles. Not always social été sacrifiée au cours de ces nombreuses luttes. Les
movements promote democracy, but there is a mouvements sociaux n’ont pas toujours été favorables à
contemporary tendency that many of them incorporate la démocratie, il existe cependant une tendance
a renewed dimension of the democratic struggle, contemporaine qui fait que nombreux sont ceux qui lui
contributing to the ressignification of the practices and donnent une dimension renouvelée de lutte
democratic theories at the beginning of this century. démocratique, permettant de re-signifier les pratiques et
This paper intends to go beyond the unidirectional les théories démocratiques du début de ce siècle. Cet
analyses with which the relations between social article se veut d’aller au-delà des analyses
movements and democracy were treated in the unidirectionnelles qui ont servi à l’étude des relations
democratic transitions, with the objective of existantes entre les mouvements sociaux et la démocratie
questioning and enlarging the possible theoretical au cours des transitions démocratiques. Ceci permet de
articulations between democracy and social subjects, remettre en question et d’amplifier les articulations
taking as reference the existence of four “borders” that théoriques possibles entre démocratie et sujets sociaux.
a lot of times are not overcome: the science one, the La référence utilisée est celle de l’existence de quatre
Nation-state one, the institutional one and the historical “frontières” qui souvent ne sont pas dépassées: la frontières
moment one. de la science, celle de l’Etat - Nation, celle de l’institution
et celle du moment historique.
KEYWORDS: social movements, democracy, spaciality of
politics, scales, borders. MOTS-CLÉS: mouvements sociaux, démocratie, spatialité
de la politique, échelles, frontières

CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 457-475, Set./Dez. 2008


Breno Bringel - Pesquisador do Departamento de Ciência Política III e do Grupo de Estudos Contemporâneos
da América Latina da Universidad Complutense de Madri (Espanha). Entre 2006 e 2008, durante o doutora-
do-sanduíche, atuou como Pesquisador-visitante na UNICAMP e no Programa de Pós-Graduação em Ciênci-
as Sociais da UFBA. É membro do Grupo de Estudos sobre Movimentos Sociais, Democracia, Educação e
Cidadania (GEMDEC-UNICAMP) e pesquisador da Fundação Centro de Estudios Políticos y Sociales (CEPS)
da Espanha. É membro do Research Committee on Social Classes and Social Movements (RC-47) da Associ-
ação Internacional de Sociologia (ISA) e co-editor (responsável da América Latina) da New Cultural Frontiers,
nova revista internacional da ISA. É autor de vários capítulos de livro e artigos em revistas nacionais e
internacionais. No Caderno CRH, publicou recentemente (com Alfredo Falero) o artigo Redes transnacionais
de movimentos sociais na América Latina e o desafio de uma nova construção socioterritorial (v. 21, n. 53).
Enara Echart - Doutora em Ciência Política pela Universidad Complutense de Madri (Espanha). Atualmen-
te, é Professora e Pesquisadora do Instituto Universitário de Desenvolvimento e Cooperação (IUDC) da
Universidad Complutense de Madri. É editora da Revista Española de Desarrollo y Cooperación e coordena-
dora do Mestrado em Cooperação Internacional do IUDC-UCM. Desenvolve suas pesquisas principalmente
no campo das Relações Internacionais, com ênfase em movimentos sociais, desenvolvimento e democracia.
É autora do livro Movimientos Sociales y Relaciones Internacionales (Madri, 2008) e co-autora (com Sara
López e Kamala Orozco) de Orígenes, protestas y propuestas del movimiento antiglobalización (Madri,
2006), além de organizadora de vários livros e autora de numerosos artigos em publicações internacionais.

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