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SPGD 2017

3º SIMPÓSIO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESIGN DA ESDI


Rio de Janeiro, 22 e 23 de novembro de 2017

Cultivando materiais: o uso da celulose


bacteriana no design de produtos
Growning materials: the use of bacterial cellulose in
product design

COSTA, Pedro Zöhrer Rodrigues da Costa, BIZ, Pedro

RESUMO: Este trabalho objetiva prospectar o potencial de produtos de origem


biotecnológicas no design de produtos sustentáveis. Neste caso, tratamos do cultivo da
celulose bacteriana obtida da Kombucha, uma bebida probiótica milenar. Utilizamos três
métodos de pesquisa nesta prospecção: primeiro, nós adotamos a pesquisa exploratória,
onde são apresentados os descritores associados ao termo Kombucha e celulose
bacteriana; segundo, adotamos a pesquisa descritiva fazendo-se uso de gráficos e tabelas
sobre o panorama na qual a pesquisa se insere, com apresentação de informações de
ordem qualitativa e quantitativa; terceiro, pesquisa de abordagem explicativa que através
dos experimentos práticos possibilitou a assimilação dos meios e métodos adotados na
produção da celulose bacteriana. São apresentados os métodos base e diferentes técnicas
utilizados para o processo de fabricação da celulose bacteriana, pós tratamentos e
acabamentos e os primeiros experimentos práticos e os resultados da pesquisa em
andamento.
Palavras-chave: Ecodesign, biomateriais, biotecnologia, sustentabilidade, materiais e
processos de fabricação.

ABSTRACT: This work aims to prospect the potential of products of biotechnological origin
in the design for sustainable products. In this case, we deal with the cultivation of bacterial
cellulose obtained from Kombucha, a milenar probiotic drink. We used three research
methods in this prospection: first, we adopted the exploratory research, which describes the
descriptors associated with the term Kombucha and bacterial cellulose; second, we adopted
the descriptive research using graphs and tables on the panorama in which the research is
inserted, with the presentation of qualitative and quantitative information; third, a
explanatory research approach that allowed the assimilation of the means and methods
through the practical experiments adopted in the production of bacterial cellulose. We
present the basic methods and different techniques used for the bacterial cellulose
manufacturing process, treatments and finishes and the first practical experiments and the
results of the research in progress.
Keywords: Ecodesign, biomaterials, biotechnology, sustainability, materials and
manufacturing process
ZOHRER; BIZ. Cultivando materiais: o uso da celulose bacteriana no design de produtos

1 — Introdução
Essa pesquisa faz parte da tese de doutorado em andamento sobre novos materiais e
processos de fabricação para produtos em eco-compósito, assim como é uma pesquisa da
linha de biodesign do laboratório de design para agricultura urbana e sustentabilidade,
Espaços Verdes da ESDI.
O eco-compósito surge quando os materiais componentes de um compósito (fibras e
matriz) respeitam as metas ambientais, podendo ser de origem vegetal, derivados de
fontes renováveis ou não, devendo ser atóxicos e abundantes. As duas fases podem ser
biodegradáveis ou apenas uma delas, sendo que, no caso em que ambas as fases são
biodegradáveis, são conhecidos como bio-compósitos (SCHUH; GAYER, 1997).
Os materiais biotecnológicos com base na celulose bacteriana (CB), estão sendo
investigados para diferentes usos em produtos por apresentar condições de produção de
baixo custo, baixo impacto ambiental e por suas características físico-químicas e
mecânicas únicas, sendo um material biodegradável com aplicações nas mais diversas
áreas como: cosméticos, indústria têxtil, mineração e refinaria, tratamento de lixo,
purificação de esgotos, comunicações, indústria de alimentos, indústria de papel, medicina,
laboratórios, eletrônica, energia, engenharia de materiais, nas artes e mais recentemente
no design de produtos sustentáveis.
Neste artigo, apresentamos a kombucha e a celulose bacteriana, explicando suas
características; as aplicações da CB para diversos fins; as receitas de como produzir CB a
partir de kombucha; os resultados dos primeiros experimentos; e discutimos seu potencial
ecológico como substituto do couro animal.

2 — O que é kombucha?
Kombucha é uma bebida fermentada produzida à base de chá verde e sacarídeos, como o
açúcar. É uma bebida milenar chinesa que acredita-se possuir propriedades medicinais
por ser probiótica e pelos produtos gerados da fermentação. A fermentação acontece a
partir de uma colônia viva de fungos e bactérias denominada Scoby1 ou Zoogleia.
A Kombucha é conhecida por diferentes nomes a listar: Kombuchá, Kombucha Tha,
Kombucha Mushroom Tea, Kombucha Mushroom Infusion, Kombucha Chá, Algue de Tha,
Champanhe da Vida, Champignon de la Charite, Champignon des Haros, Champignon de
Longue Vie, Champignon Miracle, Fungo Japonicus, Dr. Sklenar Kombucha Mushroom
Infusion, Kargasok Chá, Teekwass, Manchurian Fungo, Manchurian Mushroom Tea, Petite
Mare Japonaise, Spumonto, T’chai do Mar, Tade Kombucha, Thade Kombuchá,
Tschambucco.
A composição de fungos e bactérias dessa colônia “varia de acordo com condições
geográfica e climática, assim como da diversidade de espécies de fermentos e bactérias
selvagens” (RODRIGUES et al., 2009). Pode ser composta pelas bactérias
Gluconacetobacter xylinus, Bacterium gluconicum e dos fungos Zygosaccharomyces
kombuchensis, Pichia fluxum e Saccharomyces sp., entre outras. Isso quer dizer que cada
kombucha terá resultados diferentes de fermentação, porque cada fungo e bactéria produz
coisas diferentes. Por exemplo, o saccharomyces sp., também conhecido como fermento

1 Acrônimo de Symbiotic Colony Of Bacteria and Yeast, em português, colônia simbiótica de fungos e bactérias

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biológico, se alimenta de açúcar e produz álcool e gás carbônico, enquanto o acetobacter


xylinum se alimenta de açúcar e produz celulose e ácido acético (vinagre).
A fermentação por kombucha é composta de duas porções: uma película de celulose
gelatinosa e flutuante formada por fermentação pela Gluconacetobacter xylinus e um
líquido ácido fermentado. A película de celulose é um polímero de cadeia longa composto
apenas por moléculas de glicose. Em um líquido com sucrose (açúcar), o scoby quebra a
sucrose em glicose e frutose e então em álcool e gás carbônico, em seguida a glicose é
polimerizada e então se produz a celulose e a hemicelulose (RODRIGUES et al., 2009).
O líquido ácido fermentado é também resultado do trabalho do scoby sobre o líquido
açucarado. Os efeitos benéficos da kombucha são atribuídos à presença de polifenóis,
ácido glucônico, ácido lático, vitaminas, aminoácidos, antibióticos e micronutrientes
produzidos durante esse processo de fermentação (RODRIGUES et al., 2009), assim como a
presença de fungos e bactérias vivas no líquido.

3 — Celulose bacteriana
A celulose bacteriana (CB), conhecida assim porque a celulose é produzida por
microorganismos como bactérias, difere da celulose vegetal, obtida de árvores ou outros
vegetais. A composição química da celulose bacteriana é igual a da celulose vegetal. Ambas
são um polímero linear de unidades de β-D-glucopiranose ligadas entre si por ligações
glicosídicas β (1 à 4), mas as semelhanças param por aí, pois em termos estruturais, há
diferenças significativas entre as duas: as cadeias poliméricas de celulose bacteriana são
mais curtas que as da celulose vegetal e organizam-se espacialmente de forma mais ordeira
e em escala nanométrica, pelo que a sua cristalinidade é mais elevada. Além disso, a
celulose bacteriana é obtida numa forma pura, livre de outros polímeros, ao passo que a
celulose vegetal forma um compósito com lignina, hemiceluloses e pectina.
A celulose bacteriana também é conhecida por outros nomes de acordo com a área de
pesquisa ou contexto de uso, como por exemplo: biocelulose, celulose nativa, couro
vegano, nanocelulose cristalina, biofilme e mãe do vinagre. A bactéria mais estudada para
produção de celulose é a gluconacetobacter xylinus, por ser mais eficiente produtora de CB.
A produção de CB pode ser conduzida em condições estáticas, por agitação ou por
misturação, resultando em diferentes formas estruturais de celulose. Quando produzida
condições estáticas, resulta uma película tridimensional reticular interconectada,
enquanto tanto por agitação ou misturação é produzida uma partícula de celulose
irregular em forma de esfera com menor resistência mecânica (RODRIGUES et al., 2009).
Na atual busca por novos materiais resistentes, baratos e sustentáveis que possam
substituir aqueles derivados do petróleo e de origem animal, a celulose bacteriana
encontra-se como uma importante alternativa, principalmente devido às seguintes
propriedades:
● Elevada resistência térmica: combustão aos 325ºC;
● Elevada força tênsil, na ordem dos 200-300 MPa (consequência do seu alto
grau de cristalinidade);
● Condutibilidade elétrica e mecânica;
● Proteção UVA e UVB;
● Baixa densidade;
● Biodegradabilidade;
● Material de fonte renovável.

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O CB possui uma organização de fibras naturalmente porosa, que atua como uma matriz
capaz de agregar uma variedade de partículas de diferentes tipos de materiais de reforço,
gerando um material compósito com diferentes propriedades. Por exemplo, quando
utilizada nanoplaquetas de grafite como material de reforço à CB, forma-se um compósito
de boa condutibilidade elétrica para uso materiais eletrônicos (ZHOU et al., 2013). Quando
agregada a outros materiais, chamaremos de compósito de CB. O compósito de CB pode
ser sintetizado tanto por métodos in situ quanto ex situ. No método in situ, os materiais de
reforço são adicionados durante a síntese do polímero, ou seja, durante produção da CB
pelas bactérias, enquanto no processo ex situ, o CB é impregnado com materiais de reforço
em uma fase de pós tratamento (ESA et al., 2014).
É já extensa a lista de publicações que referem as fibras de celulose bacteriana como um
biopolímero promissor, assim como seus compósitos. Alguns destes compósitos já vêm
sendo usados no fabrico de peças de aviões e automóveis. A celulose bacteriana é também
utilizada no fabrico de novos têxteis, com especial ênfase em materiais super-absorventes,
como aditivo na produção de papel, como estabilizador de emulsões na indústria de
cosméticos, etc.

4 — Aplicações
Dada suas propriedades, a CB tem sido usada em diversos produtos, tanto em fase de
pesquisa como já disponíveis para consumo. Os usos mais comuns são para proteção,
conservação, estabilização de emulsão, condução elétrica e mecânica, absorção de
poluidores, filtração e vestimenta. Abaixo apresentamos uma tabela das aplicações da CB
classificada pela área de aplicação.

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Quadro 1: Aplicações da CB por área e exemplos de aplicação em produtos. Fonte: dos autores

5 — Técnicas de produção de celulose bacteriana


Existem diferentes maneiras de produzir CB, de processos industrializados a caseiros.
Aqui apresentamos a produção a partir da kombucha, uma técnica de baixa complexidade
e custo, facilmente reproduzível em casa sem demandar equipamentos diferentes dos
encontrados em uma cozinha. Existem diferentes receitas, mas o processo é o mesmo.
A produção de celulose a partir de kombucha é feita com quatro ingredientes: água,
sacarídeo, ácido e scoby. O sacarídeo é um açúcar, como glicose, frutose ou glicerol, serve
de alimento para os fungos e bactérias. O ácido, normalmente vinagre ou própria a solução

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ácida resultante da fermentação da kombucha, regula o Ph da cultura no nível ideal para


os fungos e bactérias trabalharem. A kombucha tradicional tem mais um ingrediente que é
o chá verde, resultando em uma CB resultante de cor marrom e mais opaca. Para obter CB
com outras cores e transparências usam-se outros ingredientes.
O preparo é semelhante à produção de um chá adoçado: ferver água, fazer a infusão do chá
verde e adicionar o açúcar. Após esfriar até 25-30º, coar o chá e adicionar o scoby. É
importante cobrir o recipiente com um pano para deixar o oxigênio entrar e gases como
gás carbônico serem liberados, mas evitar a entrada de insetos ou outros animais.
A partir desse líquido adoçado, os fungos e bactérias vão produzir álcool, ácido acético,
ácido málico, enzimas, ácido glucônico, ácido lático e outros. Dentro de alguns dias,
começa a se formar uma película de CB sobre a superfície. Quando essa película estiver na
espessura desejada, retira-se do líquido e abre sobre uma superfície plana de madeira
para deixar secar. Quando o CB não estiver mais molhada, está pronta para ser retirada e
usada.
Como a CB cresce e ocupa toda a superfície do líquido, sua forma será resultante do
formato do recipiente usado. Sendo assim possível reduzir a perda de materiais
excedentes pré-estabelecendo formas específicas de acordo com a forma do produto final.
Nas pesquisas, objetivando apenas a celulose bacteriana e a extração da celulose cristalina,
os componentes são reduzidos a uma bactéria, uma levedura, e uma solução ácida
contendo uma fonte de açúcar ou substrato. Entretanto, nessas condições a colônia fica
muito vulnerável a contaminações e merece um nível de assepsia maior. Como o scoby é
uma colônia de fungos e bactérias, os microorganismos se protegem mutuamente,
minimizando os riscos de contaminação, e por isso a kombucha é tão usada.
A vantagem do meio sintético em relação ao complexo/rico, são controle de temperatura,
controle e monitoramento de processos, facilidade de aplicação de escala e de recuperação
e purificação do produto (ZHANG e GREASHAM, apud VIEIRA, 2013). Porém segundo
Vieira (2013), o meio de cultivo mais complexo tem custo mais baixo o que aumenta sua
viabilidade econômica.

Figura 1: Receita de Celulose Bacteriana da Suzane Lee. Fonte: Adaptado e traduzido de Popular Science, 2015

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Além do que Vieira (2013) cita, devemos considerar que na produção da Kombucha
podemos obter não só a CB mas o probiótico de Kombucha e o refrigerante de Kombucha
(obtida de uma segunda fermentação só que do tipo anaeróbica). Abaixo seguem os
processos de obtenção da CB para diferentes fins, que se utilizam de meios ricos ou
complexos a partir de um scoby ou em solução fermentada que é a própria bebida de
Kombucha contendo os fungos e bactérias. Nas receitas mais comuns de Kombucha para
cada litro se usa 100g de açúcar, de 4-6 bolsas de chá preto e 25 % de bebida de
Kombucha. Abaixo as proporções para se fazer 1 litro de meio de cultivo segundo
diferentes pesquisadores.

Quadro 2. Receitas de produção de CB. Fonte: dos autores.

A receita proposta pela Ellen Rykkelid é uma adaptação da proposta de Suzanne Lee. A
principal variação está no uso de outras fontes de sacarídeo no meio de cultivo que o
scoby vai consumir, que resulta em variações no tempo de fermentação e nas
características da CB, principalmente variando em coloração e transparência e
propriedades mecânicas. Outra diferença é o uso de vinagre da produção anterior (solução
fermentada ácida), caso não seja a primeira vez que se esteja fazendo. Para Rykkelid
(2017), quanto mais ácido o meio, mais rápida a fermentação. Além do vinagre da
produção anterior já possui cultura suficiente para iniciar a fermentação, dispensando o
uso de um novo scoby. Outra diferença reside no fato de Ellen Rykkelid não usar chá verde
ou outro chá associado à produção de kombucha.
Segundo a pesquisa de Vieira (2013), o chá verde é utilizado pois se trata de pesquisa na
área de farmácia para obtenção do que chamam de biofilme, sendo as propriedades
medicinais do chá verde úteis e afetam positivamente o crescimento da cultura do scoby.
Além dos estudos de propriedades medicinais do biofilme obtido, na pesquisa de Vieira

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temos estudos de produtividade e viabilidade econômica das várias formulações de meio


de cultivo incluindo o uso de refugo presentes na cadeia produtiva das frutas e legumes.
Depois de removida a CB se faz necessário proceder a uma lavagem e purificação a fim de
se retirar sobretudo compostos orgânicos (ácidos nucleicos e proteínas do meio de
cultura). Segundo Saharman Gea e colaboradores (2011), isso melhora o comportamento
estrutural, mecânico, térmico e morfológico da CB. Ou seja, além da simples lavagem,
purificações com diversos substâncias químicas podem ser usados para se obter uma
celulose mais pura e cristalina. Segundo a designer Suzane Lee, a lavagem deve ser feita
com água fria e sabão; e, segundo Saharman Gea, a purificação deve ser feita com soda
cáustica (NaOH) e água sanitária (NaOCl) e depois lavados com água para retirar os
agentes de purificação. Após essa etapa ela é seca por liofilização ou simples secagem ao
sol ou estufa a baixa temperatura (não mais que 50 graus celsius) sendo estendida sobre
superfícies bi ou tridimensionais (como madeira fig. 7) ou esticada em molduras tal qual o
similar couro. Como se trata de material altamente higroscópico2, é útil para receber
medicamentos, cicatrizantes etc. Tratamentos para tornar a CB mais impermeável podem
ser adicionados mas caso se queira estampar ou tingir, o mesmo deve ser feito antes dessa
etapa. Como impermeabilizantes, podemos listar óleos secativos, ceras naturais entre
outros. A CB pode ser cortada úmida ou seca, sendo que é possível substituir costuras por
simples fusão das tramas secas se as partes a serem unidas forem molhadas e
pressionadas uma contra outra, e depois secas.

6-Primeiros testes
Após obtenção de um scoby, fizemos os primeiros testes de produção de celulose
bacteriana. Esses testes tiveram caráter exploratório e assistemático, buscando dominar a
técnica de produção da CB. A princípio foram utilizados recipientes plásticos com
capacidade para 3l como biorreatores estáticos, onde foram testados diferentes
formulações. Testamos a receita da Suzanne Lee, Ellen Rykkelid utilizando cenoura.

Figura 2: Biorreatores estáticos com três receitas para produção CB. Fonte: Os autores

2 Que absorve umidade.

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Figura 3: Duas amostras de celulose bacteriana feitas, respectivamente, de açúcar cristal e de mascavo. Fonte
os autores

Do processo e dos resultados, destacamos as seguintes observações:


● O uso de açúcar mascavo tem um tempo de formação maior e quantidade de
CB menor, ficando mais escuro. No entanto, quando seco tem ótima
maleabilidade e permite ser dobrada sem cisalhar. Uma produção maior é
obtida com açúcar cristal que também apresenta uma coloração mais clara e é
menos flexível. (Fig. 3)
● Uso de legumes como cenoura e beterraba crus são mais suscetíveis a
contaminações indesejadas (Fig 4e), logo têm que ser previamente fervidas
sendo que devem estar preferencialmente na forma de sucos. Outro fator que
pode colaborar com as contaminações são excesso de açúcar e PH muito
básico (de 7 para cima). A acidez (Ph) deve estar entre 3 e 4,5.
● Ao iniciar uma nova kombucha, o ideal é não usar um scoby com CB, pois ele
pode ficar flutuando na superfície e aderir a nova camada de CB que começara
a crescer, tirando a homogeneidade de espessura da mesma. Recomendamos
sempre que possível utilizar apenas a solução de inóculo.
● Notamos que a formação de bolhas de gás carbônico, oriundas de
fermentação, influenciam na regularidade da superfície de CB. Essas bolhas
podem estar associadas ao excesso de açúcar ou uma população de cultura
grande. O ideal seria descartar 75% da cultura ou acrescentar mais 75% de
açúcar e de água ao meio de cultivo. Como existem leveduras de natureza
anaeróbica que produzem os gases que interferem na formação de uma CB
homogênea, uma variável importante pode estar relacionada à relação
volume/ superfície do biorreator, onde a mesma se desenvolve.
● Como a CB contém 98,50% de água (fig 4a e b), quando desidratada, camadas
de CB muito finas ficam frágeis e tendem a se desmanchar ou rasgar durante a
secagem ou pelo manuseio. Em geral, não se deve tirar toda a umidade a fim
de se manter as melhores propriedades mecânicas da CB (fig 5 a e b).

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Figura 4. Amostras da CB (a e b) durante o processo de produção; etapa de secagem ©; amostras da CB pronta


(d); CB contaminada por microorganismos indesejados no biorreator (e). Fonte: os autores

Figura 5. Espessuras da CB antes (a) e depois (b) da secagem. Fonte: Os autores

Como forma de tornar a pesquisa da CB visível e sustentável economicamente, foi tomada


a iniciativa de financiar o projeto com recursos obtidos no espaço de convívio da Esdi
(cozinha) onde um garrafão com 6 litros de kombucha foi disponibilizado para degustação,
com uma proposta de contribuição voluntária por dose. Um infográfico foi colocado no
local informando os potenciais benefícios do probiótico e que a colaboração voluntária de
recursos era revertida para a própria pesquisa de CB.(Fig 6)

Figura 6. Kombucha e infográfico na cozinha da Esdi. Fonte: Os autores

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7. Questões ecológicas sobre a celulose bacteriana


Donini et al. (2010) argumentam que a produção de CB é ecologicamente sustentável
comparada à produção de celulose vegetal, que demanda uma grande área de árvores
plantadas, muito tempo e água, além dos impactos resultantes do processo de separação
para obtenção da celulose pura, tendo baixo rendimento e geração de resíduos e
poluentes. A CB é um processo mais simples que demanda menos recursos que resultam
em celulose pura e nanocristalina com propriedades únicas. Entretanto, os autores não
compararam (ou citaram) os custos de produção da fonte de carbono e seu impacto – que
são diversos –, da CB, apenas o processo de produção da CB em relação ao da celulose
vegetal. Sendo assim, conclui-se que não é possível ter uma comparação precisa sobre o
quão mais sustentável um processo é em relação ao outro, sem uma análise completa do
ciclo de vida.
Alguns estudos focaram no uso de resíduo agrícola e excedente de produção industrial
como um meio econômico em potencial para a produção em escala industrial de CB, tais
como restos de fermento de cerveja, casca de uva, xarope de bordo etc (ESA et al., 2014),
assim como restos de frutas e leguminosas (RODRIGUES et al., 2009) ou mesmo
subprodutos como o glicerol que pode vir como subproduto do biodiesel. Desse modo, não
há um cultivo de alimento específico para a celulose bacteriana, diferente do cultivo de
árvores específicas para obtenção de celulose vegetal. Na produção da celulose bacteriana,
usa-se o que seria descartado, incentivando o aproveitamento total de materiais. Não
encontramos estudos que considerassem as vantagens comerciais que se teriam com a
produção do produto probiótico kombucha e da celulose bacteriana simultaneamente.
Entretanto, consideramos uma das vantagens mais interessantes desse material esteja
nele como substituto ao couro animal, uma vez que os curtumes são sabidamente
impactantes ao meio ambiente, e a sua origem animal eticamente questionável.

Conclusões
Este artigo buscou introduzir uma visão geral sobre a CB, suas aplicações e técnicas
básicas de produção. Não encontramos registros de experimentos com ou sobre CB em
pesquisas de design brasileiras. A indústria de biomateriais cresce e, como apresentamos,
já vem sendo empregados no exterior por designers, principalmente pela moda, e por
engenheiros.
Dada a facilidade de produção, versatilidade de aplicação e propriedades a celulose
bacteriana mostra-se um material promissor na substituição de materiais de origem não
renovável ou menos sustentáveis. A facilidade de produção também é um ponto positivo
para utilização para fins didáticos em sala de aula e pesquisas acadêmicas.
Próximos experimentos que pretendemos fazer são de pós-tratamento da CB para
tingimento e impermeabilização; processos de fabricação de conformação e união da CB
ainda úmida com produções do tecido em maior escala para desenvolvimento e avaliação
de protótipos de produtos.

Referências
DONINI, Igor A. N.; DE SALVI, Denise T. B.; FUKUMOTO, Fabiana K.; LUSTRI, Wilton R.;
BARU, Hernane S.; MARCHETTO, Reinaldo; MESSADDEQ, Yomes; RIBEIRO, SYDNEY, L..

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Biossíntese e recentes avanços na produção de celulose bacteriana, Eclética química, v.


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Notas sobre os autores

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pedrotrg@gmail.com

Zöhrer Rodrigues da Costa, Pedro; Doutorando; Ecocompósitos de reciclagem por


solubilização; Fernando Reiszel Pereira; 2017; http://lattes.cnpq.br/2136830389128266
pedro.zohrer@gmail.com

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