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BHAGWAN SHREE RAJNEESH

DO SEXO À
SUPRACONSCIÊNCIA

EDITORA CULTRIX
Sumário

INTRODUÇÃO........................................................................ 6

Sexo, a gênese do amor........................................................... 9

Da repressão à emancipação................................................ 41

O pináculo da meditação...................................................... 69

Sexo, o superátomo................................................................ 99

Da luxúria ao Senhor........................................................... 122


INTRODUÇÃO

Tenho um amigo, John, que vive no Canadá. Encontramo-nos


numa festa de despedida, quando parti para a Índia pela primeira
vez, e depois, dezoito meses mais tarde, quando voltei. Ele estava
de jeans azul e eu, de laranja, um discípulo colorido de Bhagwan
Shree Rajneesh.
John levou-me para um canto e me fez uma pergunta. Algo o
estava perturbando profundamente e ele esperava que talvez eu
pudesse ajudá-lo. Respondi sua pergunta a partir de minha própria
experiência na Índia e do que Bhagwan me mostrara. Quando
terminei de falar, John olhou-me um momento e disse: "Você
acabou de destruir totalmente tudo o que sempre me ensinaram a
acreditar".
Isso foi há mais de quatro anos e, desde então, nunca mais o vi.
Esta edição de "Do Sexo à Supraconsciência" foi feita para
John.
Os cinco discursos publicados neste livro foram
pronunciados em Bombaim, durante o fim do verão e o começo do
outono de 1968. Agora estamos em 1978, e o que você pode ver no
SHREE RAJNEESH ASHRAM em Poona, atualmente, está muito
distante, em muitos níveis, do que você teria visto em Bombaim,
naquelas tardes quentes e abafadas das monções, dez anos atrás.
Já estou indo para meu sexto ano com Bhagwan e, durante
esse período, vim observando-o mudar. Amor é amor, não-
condenação é não-condenação, compaixão é compaixão — e isso é
tão intenso e incondicional hoje, quanto da primeira vez que o vi —
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mas ele está diferente. Como descrever? Tudo o que posso dizer é
que as vibrações de Bhagwan estão mais refinadas, muito mais sutis
do que antes, como se ele estivesse desaparecendo lentamente.
Agora há um silêncio profundo, um sereno frescor à sua volta. Em
Bombaim, em 1968, você teria encontrado um fogo crepitante.
Naquele tempo, por toda a Índia, falava-se de um jovem, um
Professor, um Acharya Rajneesh, de Kuchwada, pequeno vilarejo
do Estado de Madhya Pradesh, no centro-norte da Índia. Dizia-se
que ele viera de uma respeitável família jaina e que, dois anos antes,
abandonara uma carreira brilhante como professor na Universidade
Saugar, em Jabalpur, para devotar sua vida a Deus. Dizia-se
também que ele tinha 36 anos, era bacharel, muito bonito, orador
eloqüente e que já tinha um grupo considerável de seguidores. Em
alguns círculos dizia-se que ele era iluminado.
Um grupo de amigos convidou-o para fazer uma série de
conferências, em Bombaim, e o tema escolhido por eles foi "Amor".
Acredito que, em seu discurso de abertura, Bhagwan
destruiu totalmente tudo o que os organizadores sempre foram
ensinados a acreditar. Ao contrário de meu amigo John, eles nem
mesmo esperaram que Bhagwan terminasse: debandaram na
metade do discurso. As conferências foram canceladas e Bhagwan
voltou para Jabalpur.
Entretanto, algumas pessoas ouviram e, apesar da atitude
com relação ao sexo na índia ser comparável à da Inglaterra no
começo do século, essas pessoas quiseram ouvir mais. Um mês
depois, Bhagwan voltou a Bombaim e falou durante mais quatro
tardes diante de 15.000 pessoas, no Gowalia Tank Maidan.
Gostaria de dizer ainda uma outra coisa.
Nestas páginas, entre muitos outros toques de alerta, você
encontrará uma visão de um homem melhor — um potencial, uma
possibilidade. Já li inúmeros livros nos quais o autor propõe um
plano para uma humanidade melhor; você também já deve ter lido
vários. Mas você percebe que está lendo uma fantasia; pode ser bela
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e Impressionante, mas não passa de um sonho. A visão de
Bhagwan, anunciada publicamente há dez anos, está no processo de
se tornar uma realidade.
Atualmente, dentro e em volta de seu Ashram em Poona e
em muitos países do mundo, dezenas de milhares de sannyasins de
Bhagwan Shree Rajneesh estão de fato passando lentamente através
do sexo em direção a seu quarto e último estágio, ao celibato, ao que
na Índia é chamado de brahmacharya, à suprema união com a
existência. E quando isso acontecer, quando as crianças nascerem de
uma profunda união espiritual de casais, nos quais a energia sexual
floresceu na supraconsciência, haverá uma nova raça sobre a terra.
Será uma raça de homens e mulheres que trarão encanto e
benevolência a um planeta assediado e oprimido. Uma raça que só
será pequena em número.
Bhagwan se dissolverá como uma gota de chuva no oceano e
nós, seus sannyasins, também desapareceremos. Mas deixaremos
atrás de todos nós uma chama.
Se você vier a Poona e olhar em volta, verá que a visão de
Bhagwan, as preces que você vai ler agora, estão a caminho da
realização.

Swami Krishna Prem


Poona.

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Sexo, a Gênese do Amor.

1º Discurso
Auditório Bharatiya Vidya Bhavan, 28 de agosto de 1968, Bombaim.

Amor.
O que é amor? Sentir amor é fácil, mas defini-lo é realmente
difícil. Se você perguntar a um peixe o que é o mar, ele dirá: "O mar
é isto. O mar é tudo o que está ao meu redor. E pronto!" Mas se você
insistir — "Por favor, defina o mar" — então o problema será
realmente muito difícil.
Tudo o que há de mais belo e sutil na vida pode ser
vivenciado, mas dificilmente definido, descrito.
A miséria do homem é esta: durante os últimos quatro a
cinco mil anos, o homem tem apenas falado sobre algo que ele
deveria estar vivendo intensamente, sobre algo que deveria estar
sendo realizado em seu interior — o amor. Tem havido grandes
discursos sobre o amor, inúmeras músicas de amor têm sido
cantadas e hinos devocionais continuamente são entoados em
templos e igrejas. O que não é feito em nome do amor? — Mesmo
assim não existe lugar para o amor na vida do homem. Se

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pesquisarmos profundamente as linguagens do gênero humano,
não encontraremos uma palavra mais falsa do que "amor".
Todas as religiões pregam o amor, mas o tipo de amor que é
encontrado em todos os lugares, o tipo de amor que tem envolvido
o homem como um infortúnio hereditário, tem conseguido apenas
fechar todas as portas para o amor em sua vida. Entretanto, as
massas veneram os líderes religiosos como criadores de amor. Eles
têm falsificado o amor, têm bloqueado todas as correntes de amor.
E, quanto a isto, não existe diferença básica entre o Oriente e o
Ocidente, entre a índia e a América.
A corrente do amor ainda não veio à superfície no homem. E
atribuímos isto ao próprio homem. Dizemos que isto acontece
porque o homem está deteriorado, e que é por causa disto que o
amor não evoluiu que é por causa disto que, nenhuma corrente de
amor existe em nossas vidas. E colocamos toda a culpa na mente;
dizemos que é a mente que envenena. A mente não é veneno.
Aqueles que degradam a mente são os que envenenaram o amor, os
que não permitiram o crescimento do amor. Nada neste mundo é
veneno. Não existe nada de ruim em toda a criação de Deus; tudo é
um néctar. Foi o homem que transformou este copo cheio de néctar
em veneno. E os maiores criminosos são os chamados professores,
os homens sagrados e santos, os políticos.
Reflita sobre isto profundamente. Se essa doença não for
compreendida imediatamente, se ela não for curada
completamente, não haverá nenhuma possibilidade — agora ou no
futuro — de amor na vida do homem.
A ironia da coisa é que aceitamos cegamente as razões para
tal estado, oferecidas justamente pelas mesmas fontes responsáveis
pelo amor não estar despontando em primeiro lugar no horizonte
humano. Se princípios enganadores são repetidos e reiterados por
séculos, falhamos em ver as fraudes básicas que existem por trás
dos conceitos originais. Então, o caos é criado, porque o homem é
intrinsecamente incapaz de tornar-se o que essas regras desnaturais
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dizem que ele deve ser. Simplesmente aceitamos que o homem está
errado.

Ouvi contar que, há muito tempo, um mascate de leques


costumava passar todos os dias pelo palácio do rei, vangloriando-se
dos maravilhosos e incomparáveis leques que vendia. Ele
proclamava que ninguém nunca havia visto leques como aqueles.
O rei possuía uma coleção de leques de todos os tipos, de
cada parte do mundo, por isso ficou curioso. Um dia, ele se inclinou
sobre sua sacada para dar uma olhada nesse vendedor de leques
únicos e maravilhosos. Para ele, os leques pareciam comuns,
dificilmente valeriam um "tostão", mas mesmo assim resolveu pedir
ao homem para subir. O rei perguntou: "O que há de especial em
seus leques? E qual o preço deles?".
O mascate respondeu: "Sua Majestade, eles não custam
muito. Considerando a qualidade que possuem, o preço é muito
baixo: cem rúpias cada um".
O rei ficou intrigado: "Cem rúpias! Esse tipo de leque pode
ser encontrado em qualquer feira. E você pede cem rúpias! O que há
de tão especial nesses leques?".
O mascate disse: "A qualidade! Cada leque tem a garantia de
cem anos. Mesmo em cem anos ele não se desmantelará".
"Pela aparência, acho que não duram nem uma semana. Está
querendo me trapacear? Isto é uma fraude. E está fazendo isto com
o rei?"
O vendedor respondeu: "Meu Senhor, como poderia eu me
atrever? O senhor bem sabe Majestade, que passo diariamente em
frente ao seu palácio, vendendo meus leques. O preço é de cem
rúpias e sou o responsável, caso eles não durem cem anos. Estarei à
sua disposição na rua diariamente. E, além do mais, é o senhor
quem dita as leis neste país. Como eu poderia me safar se o
enganasse?".

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O leque foi comprado pelo preço estipulado. Embora o rei
não confiasse no mascate, estava morrendo de curiosidade para
saber que motivos o homem tinha para fazer tal afirmação. O
vendedor recebeu a ordem de comparecer novamente após sete
dias. A vareta central do leque partiu-se no terceiro dia e o leque
desintegrou-se totalmente antes de completar uma semana.
O rei estava certo de que o vendedor nunca mais voltaria,
mas, para sua surpresa, o homem compareceu como lhe havia sido
ordenado, no prazo certo, no sétimo dia.
"Às suas ordens, Majestade."
O rei ficou furioso: "Seu patife! Seu idiota! Olhe. Aqui está
seu leque, partido em pedaços. Veja em que condições está em uma
semana, e você me garantiu que duraria cem anos! Você é louco ou
apenas um grande trapaceiro?"
O homem replicou humildemente: "Com o devido respeito,
parece-me que Vossa Majestade não sabe usar leques. O leque
deveria durar cem anos; ele tem esta garantia. Como é que o senhor
se abana?".
O rei disse: "Oh, meu Deus! Agora terei de aprender como
me abanar também?".
"Por favor, não fique com raiva. Como o leque chegou a este
estado em apenas sete dias? Como o senhor se abana?"
O rei ergueu o leque, mostrando a maneira normal das
pessoas se abanarem.
O homem disse: "Agora compreendo. O senhor não deve se
abanar assim".
"E que outra maneira existe?", perguntou o rei.
O homem explicou: "Segure o leque imóvel. Conserve-o
imóvel à sua frente e mova sua cabeça para lá e para cá. O leque
durará cem anos. O senhor morrerá, mas o leque permanecerá
intacto. Não há nada de errado com o leque; o modo de se abanar é
que está errado. Conserve-o fixo e mova sua cabeça. Em que meu
leque falhou? A falha é sua e não do leque".
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O gênero humano é acusado de falha semelhante. Olhe para
a humanidade. O homem está doente, cheio de doenças acumuladas
em cinco, seis, dez mil anos. Repetidamente tem-se dito que o
homem é que está errado, não a cultura. O homem está se
degenerando e a cultura continua sendo louvada. Nossa grande
cultura! Nossa grande religião! Tudo é ótimo! E veja os frutos disso!
Dizem: "O homem está errado; o homem deve se
transformar"; entretanto, ninguém pergunta se as coisas não são
como são porque nossa cultura e nossa religião, incapazes de
preencher com amor o homem, após dez mil anos, estão baseadas
em falsos valores. Se o amor não se expandiu nos últimos dez mil
anos, isto nos leva a crer que não existe nenhuma possibilidade
futura de ver um homem sequer amoroso nesta cultura e nesta
religião. O que não pôde ser alcançado nos últimos dez mil anos
não poderá ser conseguido nos próximos dez mil. O homem de hoje
será o mesmo amanhã. Embora o invólucro, a etiqueta, a civilização
e a tecnologia mudem de tempos em tempos, o homem é e sempre
será o mesmo.
Nós não estamos preparados para revisar nossa cultura e
nossa religião, mas vivemos elogiando-as com alarde e beijando os
pés dos seus santos e guardiões. Não queremos nem mesmo
concordar em olhar para trás e refletir sobre nossos caminhos, sobre
a direção do nosso pensamento, para verificarmos se não estão nos
desviando, para vermos se não estão todos errados.
O que eu quero dizer é que a base está defeituosa, que os
valores são falsos. A prova é o homem atual. Que outra prova pode
haver?
Se plantamos uma semente e o fruto sai envenenado e
amargo, o que isto prova? Prova que a semente estava envenenada e
amarga. Mas é difícil, naturalmente, predizer se uma determinada
semente dará frutos amargos ou não. Você pode observá-la
cuidadosamente, pressioná-la ou abri-la, mas não pode predizer

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com segurança se o fruto será doce ou amargo. Terá de esperar o
teste do tempo.
Plante uma semente. Um broto surgirá. Anos se passarão.
Uma árvore surgirá, expandirá seus galhos para o céu e produzirá
frutos. Só então será possível saber se a semente plantada era
amarga ou não. O homem moderno é o fruto dessas sementes da
cultura e da religião que foram plantadas há dez mil anos e que têm
sido alimentadas desde então. E o fruto é amargo, cheio de conflitos
e misérias.
Mas nós somos justamente as pessoas que louvam essas
sementes e esperam que o amor floresça delas. Isto não acontecerá,
eu repito, porque todas as possibilidades de nascimento do amor
foram assassinadas pela religião. As possibilidades foram
envenenadas. Muito mais do que no homem, o amor pode ser visto
nos pássaros, nos animais, nas plantas e naqueles que não têm
nenhuma cultura ou religião. O amor é mais evidente no homem
não civilizado, nos atrasados homens do campo, do que nos
chamados evoluídos, cultos e civilizados. E lembre-se, o povo
aborígine não desenvolveu nenhuma civilização, cultura ou religião.
Por que o homem está se tornando progressivamente mais e
mais árido de amor, quando ele aparenta ser cada vez mais
civilizado, culto e religioso, freqüentando templos e igrejas para
rezar? Existem algumas razões e eu gostaria de expô-las. Se elas
puderem ser compreendidas, a eterna corrente de amor poderá
brotar. Mas ela está bloqueada por pedras e não pode vir à tona.
Está murada por todos os lados e o Ganges não pode jorrar, não
pode fluir livremente.
O amor está dentro do homem. Não é importado do exterior.
Não é algo que possa ser adquirido nas lojas. É a fragrância da vida.
Está no interior de cada um. A busca do amor, o cortejo do amor,
não é uma ação positiva, não é um ato exterior de sair para extrair o
amor de algum lugar.

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Um escultor estava trabalhando em uma rocha. Uma pessoa
veio para ver como uma estátua é feita e não viu nenhum sinal de
estátua, viu apenas uma pedra sendo talhada aqui e ali, por um
cinzel e um martelo.
"O que você está fazendo?", o homem perguntou. "Por que
você não está fazendo uma estátua? Vim para ver uma estátua
sendo feita, mas a única coisa que vejo é você talhando uma pedra."
O artista disse: "A estátua já está escondida aí dentro. Não há
necessidade de fazê-la. De algum modo, a camada de pedra inútil
que está fundida a ela tem de ser retirada para que a estátua se
mostre. As estátuas não são feitas, são descobertas. É preciso
descobri-las, trazê-las à luz".

O amor está preso dentro do homem; basta libertá-lo. A


questão não é produzi-lo, mas sim descobri-lo. Com o que nós o
cobrimos? O que é que impede o amor de vir à superfície?
Tente perguntar a um médico o que é saúde. É muito
estranho, mas nenhum médico no mundo pode dizer o que é saúde!
Com toda a ciência médica preocupada com a saúde, não há
ninguém capaz de dizer o que é saúde? Se você perguntar a um
médico, ele poderá lhe dizer apenas o que são as doenças ou quais
os seus sintomas. Ele poderá saber o termo técnico específico para
cada doença e também prescrever a sua cura. Mas e a saúde? Sobre
saúde, ele não sabe nada. Pode afirmar apenas que quando não há
nenhuma doença, existe saúde. Isto porque a saúde está oculta
dentro do homem. A saúde está além de qualquer definição
humana.
A doença vem do exterior e, portanto, pode ser definida; a
saúde vem do interior e, por isto, não pode ser definida. A saúde
desafia a definição. Podemos dizer apenas que saúde é a ausência
de doença. Na verdade, a saúde não precisa ser criada; ou está
oculta pela doença, ou se revela quando a doença é curada. A saúde
está em nosso interior. É a nossa natureza.
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O amor também está em nosso interior. O amor é nossa
natureza intrínseca. Basicamente, é errado esperar que o homem
crie amor. O problema não é criar amor, mas investigar e descobrir
por que ele não está sendo capaz de se manifestar. Qual é a
barreira? Qual é a dificuldade? Onde está o dique que o bloqueia?
Se não houver nenhuma barreira, o amor mostrar-se-á. Não
será necessário persuadi-lo ou guiá-lo. Todo homem seria repleto de
amor não fossem as barreiras da falsa cultura e das tradições
degradantes e prejudiciais. Nada pode acabar com o amor. O amor
é inevitável. O amor é a nossa natureza.
O Ganges flui do Himalaia. Ele é água; simplesmente flui —
não pergunta a nenhum padre o caminho para o oceano. Você já viu
um rio parado num cruzamento, perguntando a um policial o
paradeiro do oceano? Por mais distante que o oceano possa estar,
por mais oculto que possa estar, o rio certamente encontrará o
caminho. É inevitável: ele tem um impulso interno. Não possui
nenhum livro-guia, mas infalivelmente chegará a seu destino.
Abrirá fendas através das montanhas, cruzará planícies e
atravessará terras em sua corrida para chegar ao oceano. Um desejo
insaciável, uma força, uma energia existe dentro do seu coração,
bem no centro do seu coração.
Mas, suponhamos que obstruções sejam feitas em seu
caminho, pelo homem. Suponhamos que o homem construa diques.
O rio pode vencer e romper barreiras naturais, afinal, para ele, elas
não são barreiras de modo algum — mas se barreiras forem criadas
pelo homem, se diques forem construídos para barrá-lo, é possível
que ele não consiga chegar ao oceano. O homem, a suprema
inteligência da criação, pode impedir um rio de chegar ao oceano, se
assim o decidir.
Há uma harmonia, uma unidade fundamental na natureza.
Os obstáculos naturais, as oposições aparentes vistas na natureza
são desafios para despertar energia; servem como sons de clarim,

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para despertar o que está latente no interior. Não existe nenhuma
desarmonia na natureza.
Quando plantamos uma semente, parece que a camada de
terra colocada sobre a semente está pressionando-a para baixo,
obstruindo seu crescimento. Parece assim, mas na realidade essa
camada de terra não é uma obstrução; sem essa camada, a semente
não pode germinar. A terra pressiona a semente para baixo de
modo que possa amadurecer, desintegrar-se e transformar-se em
nova árvore. Exteriormente, é como se o solo a sufocasse, mas a
terra está apenas desempenhando a função de um amigo. É uma
operação clínica.
Quando uma semente não se torna planta, dizemos que a
terra pode não ter sido propícia, que a semente pode não ter
recebido água ou luz solar suficientes — nunca colocamos a culpa
na semente. Mas se não desabrocham flores na vida do homem,
dizemos que ele é o responsável por isto. Ninguém pensa se o
adubo foi pouco, se houve escassez de água ou falta de sol, e faz
algo em relação a isso; o próprio homem é acusado de ser mau.
Assim, a planta-homem tem permanecido subdesenvolvida,
oprimida pela hostilidade e incapaz de alcançar o estágio do
florescimento.
Natureza é harmonia rítmica. Mas a artificialidade que o
homem tem imposto à natureza, as coisas que ele tem construído
sobre ela e as invenções mecânicas que tem lançado na corrente da
vida criaram obstáculos em muitos lugares, paralisaram o fluxo. E o
rio foi transformado em réu. As pessoas dizem: "O homem é mau; a
semente é venenosa".
Gostaria de chamar sua atenção para o fato de que as
obstruções básicas são feitas pelo homem, são criadas pelo próprio
homem — do contrário, o rio do amor poderia fluir livremente e
alcançar o oceano de Deus. O amor é inerente ao homem. Se as
obstruções forem removidas conscientemente, o amor poderá fluir,
poderá elevar-se até tocar Deus, até tocar o Supremo.
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Quais são esses obstáculos criados pelo homem? Em primeiro
lugar, a obstrução mais óbvia tem sido a oposição ao sexo, a censura
da paixão. Esta barreira tem destruído a possibilidade do
nascimento do amor no homem.
A verdade simples é que o sexo é o ponto inicial do amor. O
sexo é o começo da jornada para o amor. A origem, o Gangotri do
Ganges do amor é o sexo, a paixão — e todo o mundo comporta-se
como seu inimigo. Qualquer cultura, religião, guru ou vidente tem
atacado este Gangotri, esta fonte, e o rio permanece refreado. O
clamor público tem sido sempre este: "Sexo é pecado. Sexo é anti-
religioso. Sexo é veneno", e nunca compreendemos que, no final, é a
própria energia sexual que viaja e alcança o oceano interno do amor.
O amor é a transformação da energia sexual. O florescimento do
amor vem da semente do sexo.
Olhando para o carvão, nunca lhe ocorreria que ele se
transforma no diamante. Os elementos contidos num pedaço de
carvão são os mesmos encontrados no diamante. Essencialmente,
não há nenhuma diferença básica entre eles. Após passar por um
processo que leva milhares de anos, o carvão toma-se diamante.
Mas o carvão não é considerado importante. Ao ser guardado
numa casa, o carvão é armazenado onde não possa ser visto pelas
visitas, enquanto os diamantes são usados ao redor do pescoço ou
no peito para que todos possam vê-lo. O diamante e o carvão são a
mesma coisa: são dois pontos da jornada de um mesmo elemento.
Se você estiver contra o carvão por ele não ter, à primeira vista,
nada para oferecer além de fuligem negra, a possibilidade dele se
transformar em diamante acaba aí mesmo. O carvão pode ser
transformado em diamante. Mas nós o odiamos. E assim, a
possibilidade de qualquer progresso é fechada.
Apenas a energia do sexo pode florescer no amor. Mas todo o
mundo, incluindo os grandes pensadores da espécie humana está
contra ele. Esta oposição não permite que a semente germine, e o
palácio do amor é destruído nos alicerces. A inimizade pelo sexo
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tem destruído a possibilidade de amor. Deste modo, o carvão é
incapaz de tomar-se diamante.
Por causa desses conceitos básicos errôneos, ninguém sente a
necessidade de passar pelos estágios de reconhecimento e
desenvolvimento sexuais e pelos seus processos de transformação.
Como podemos transformar aquele de quem somos inimigos, a
quem nos opomos, com quem estamos continuamente em guerra?
Uma batalha entre o homem e sua energia tem sido continuamente
forçada. O homem tem sido ensinado a lutar contra sua energia
sexual, a se opor contra sua necessidade sexual.
"A mente é venenosa, lute contra ela", tem sido dito ao
homem. A mente existe no homem assim como o sexo — e, no
entanto, espera-se que o homem fique livre dos conflitos internos.
Uma existência harmoniosa é esperada dele. Ele tem de lutar e ser
pacífico ao mesmo tempo. Tais são os sentimentos desses líderes. De
um lado levam o homem à loucura, e de outro, abrem asilos para
tratá-lo. Disseminam os germes da doença e constroem hospitais
para curar o doente.
Outra consideração importante é que o homem não pode ser
separado do sexo. O sexo é seu ponto inicial; ele nasce dele. Deus
fez da energia sexual o ponto de partida da criação. E os grandes
homens chamam de pecaminoso o que o próprio Deus não
considera pecado! Se Deus considerasse o sexo pecado, não haveria
maior pecador neste universo do que Deus.
Você nunca percebeu que o desabrochar de uma flor é uma
expressão de paixão, é um ato sexual? A dança do pavão em plena
glória é cantada por poetas, enche os santos de alegria — mas será
que eles estão conscientes de que a dança também é uma expressão
patente de paixão, que é primariamente um ato sexual? O pavão
dança para agradar a quem? Para chamar sua esposa, sua amada. O
papiha está cantando; o cuco está cantando; um menino tornou-se
adolescente; uma moça está se tornando mulher. O que é tudo isto?
Que jogo, que balela é esta? Isto tudo são indicações de amor, de
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energia sexual. Essas manifestações de amor são expressões de sexo
transformadas — borbulhantes de energia, declaradamente sexuais.
Através da vida inteira de uma pessoa, todos os atos de
amor, todas as atitudes e premências de amor, são florescimentos da
energia sexual primária.
A religião e a cultura derramam veneno contra o sexo na
mente do homem. Criam conflitos e guerras; envolvem o homem
numa batalha contra sua própria energia básica e o tornam fraco,
vulgar, tosco, desprovido de amor e repleto de vazio. A amizade e
não a inimizade deve ser feita com o sexo. O sexo deve ser elevado
às mais puras alturas.
Enquanto abençoava um casal, um sábio disse à noiva: "Que
você possa ser a mãe de dez crianças e, no final, que seu marido seja
seu décimo primeiro filho".
Quando a paixão é transformada, a esposa pode tornar-se
mãe; quando a luxúria é transcendida, o sexo pode tornar-se amor.
Apenas a energia sexual pode florescer numa força de amor. Mas
temos incutido no homem antagonismos sobre o sexo, e o resultado
tem sido o não florescimento do amor. O que vem depois, o vir a ser
só é possível pela aceitação do sexo. A corrente do amor não pode
jorrar por causa da forte oposição. O sexo, por outro lado, fica se
agitando por dentro, e a consciência do homem turva-se com a
sexualidade.
A consciência do homem está se tornando cada vez mais
sexual. Nossas canções, poemas, pinturas e até as figuras dos
templos giram em torno do sexo — isto porque nossa mente
também se revolve ao redor do eixo do sexo. Nenhum animal no
mundo é tão sexual quanto o homem. O homem é sexual em todas
as horas — acordado ou dormindo, em seus hábitos assim como em
suas etiquetas. A todo momento, o homem está obcecado pelo sexo.
Por causa dessa inimizade pelo sexo, dessa oposição e
repressão, o homem está decaindo interiormente. Ele não pode se
livrar de algo que é a própria raiz da sua vida, e em função desse
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constante conflito interior todo seu ser tornou-se neurótico. Ele está
doente. Essa sexualidade pervertida, tão evidente no gênero
humano, existe por causa desses homens chamados de líderes e
santos; são eles os responsáveis por isto. Até que o homem se livre
de tais professores, moralizadores, líderes religiosos e de seus falsos
sermões, a possibilidade do amor vir à tona será nula.

Lembro-me de uma estória:

Num domingo, um pobre fazendeiro estava saindo de sua


casa e encontrou no portão um amigo de infância que tinha vindo
para vê-lo. O fazendeiro lhe disse: "Seja bem-vindo! Onde você
esteve por todos estes anos? Entre! Olhe, prometi ir ver alguns
amigos e seria difícil adiar a visita agora. Assim, por favor, descanse
em minha casa. Voltarei dentro de mais ou menos uma hora, e
então, poderemos ter um longo bate-papo".
O amigo disse: "Oh, não seria melhor que eu fosse com você?
Só que minhas roupas estão muito sujas. Se você puder me dar algo
limpo, trocarei de roupa e irei com você".
Há algum tempo, o rei havia dado ao fazendeiro algumas
roupas valiosas e o fazendeiro as estava guardando para uma
ocasião especial. Alegremente, ele trouxe essas roupas para o amigo.
O amigo colocou o precioso casaco, o turbante, o dhoti e os
sapatos que eram muito bonitos. Ficou parecido com o próprio rei.
Olhando para ele, o fazendeiro ficou um pouco enciumado, pois,
comparado ao amigo, ele parecia um servo.
Tentou acalmar sua mente, vendo-se como um bom amigo,
um homem de Deus. Decidiu que pensaria apenas em Deus e em
coisas nobres: "Além do mais, que importância tem um casaco fino e
um turbante caro?" Mas quanto mais tentava convencer-se, mais o
casaco e o turbante tomavam conta de sua mente.
No caminho, embora estivessem caminhando juntos, as
pessoas que passavam olhavam apenas para seu amigo; ninguém o

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notava. Ele começou a sentir-se deprimido. Estava tagarelando com
o amigo, mas por dentro não pensava em outra coisa além do
casaco e do turbante!
Chegaram à casa das pessoas que iam visitar e ele apresentou
o amigo: "Este é um amigo meu, um amigo de infância. É um
homem encantador". E, de repente, soltou: "Quanto às roupas, elas
são minhas!".
O amigo ficou estupefato. Os donos da casa também ficaram
surpresos. O pobre fazendeiro compreendeu que o comentário
havia sido inoportuno, mas então já era tarde demais. Arrependeu-
se da sua asneira e reprovou-se interiormente.
Ao saírem da casa, ele desculpou-se com seu amigo.
O amigo disse: "Eu fiquei atônito. Como você pôde dizer uma
coisa dessas?".
O fazendeiro disse: "Sinto muito. Foi essa minha língua.
Cometi um erro".
Mas a língua nunca mente. As palavras só escapam da boca
de alguém quando existe alguma coisa na mente; a língua nunca
comete erros. Ele disse: "Perdoe-me. Não sei como pude dizer uma
coisa dessas". Mas ele sabia muito bem que o pensamento havia
surgido da sua mente.
Dirigiram-se então para a casa de um outro amigo. O
fazendeiro havia resolvido firmemente não dizer que as roupas
eram dele, e tentou endurecer sua mente. Quando chegaram ao
portão, reafirmou a decisão irrevogável de não dizer que as roupas
eram dele.
Aquele pobre homem não sabia que quanto mais resolvia não
dizer nada, mais firmemente se enraizava a consciência interna de
que as roupas pertenciam a ele. Na verdade, quando essas decisões
são tomadas? Quando um homem toma uma firme resolução, como
o voto de celibato, por exemplo, isto significa que sua sexualidade
está pressionando desesperadamente para precipitar-se para fora.
Se um homem resolve comer menos ou jejuar, a partir de um
22
determinado dia, isto implica num profundo desejo de comer mais.
Tais esforços resultam inevitavelmente em conflitos internos. Somos
o que nossas fraquezas são. Mas se decidimos refreá-las, se
resolvemos lutar contra elas, naturalmente isto se torna uma fonte
de conflitos subconscientes.
Assim, em meio a esse combate interno, nosso fazendeiro
entrou na casa. E começou muito cuidadosamente: "Este homem é
meu amigo" — mas notou que ninguém estava prestando atenção
nele; as pessoas olhavam para seu amigo e suas roupas com
admiração, e isto o tocou: "Este casaco é meu! E o turbante também!"
Mas lembrou-se a tempo de que havia resolvido não falar sobre as
roupas, e explicou para si mesmo: "Todo mundo tem roupas de um
tipo ou de outro, pobres ou ricas. Isto é algo trivial". Mas as roupas
oscilavam diante de seus olhos como um pêndulo, de um lado para
o outro.
Assim, ele resumiu a apresentação: "Ele é meu amigo. Um
amigo de infância. Um cavalheiro muito honrado. Quanto às
roupas, são dele e não minhas".
As pessoas ficaram surpresas. Nunca tinham ouvido tal
apresentação: "As roupas são dele e não minhas!".
Depois de terem saído da casa, ele novamente se desculpou
profundamente: "Que grande asneira", ele admitiu. Agora, estava
confuso sobre o que fazer ou não fazer. Ele disse: "Roupas nunca
tiveram qualquer importância para mim antes! Oh, meu Deus, o que
está me acontecendo?".
O que estava acontecendo com ele? O pobre sujeito não sabia
que usando consigo mesmo tal técnica, nem o próprio Deus
conseguiria se livrar da importância das roupas!
O amigo, agora totalmente indignado, disse que não iria mais
a lugar algum com ele. O fazendeiro agarrou seu braço e disse: "Por
favor, não faça isso. Ficarei infeliz pelo resto de minha vida por ter
demonstrado tão péssimas maneiras a um amigo. Prometo não

23
mencionar as roupas novamente. De todo o coração, juro por Deus
que não mencionarei mais as roupas".
Entretanto, deve-se desconfiar daqueles que juram, porque
há algo mais profundo envolvido quando alguém jura por alguma
coisa. As resoluções são tomadas pela mente superficial, e a coisa
contra a qual a resolução foi tomada permanece no interior, nos
labirintos da mente subconsciente. Se a mente estivesse dividida em
dez partes, essa que toma a resolução seria apenas uma delas, e
justamente a mais exterior; as nove restantes estariam contra ela. O
voto do celibato, por exemplo, é tomado por uma das partes da
mente, enquanto o restante da mente está louco por sexo, está
clamando por aquilo que foi implantado no homem por Deus.
Os dois amigos foram então à terceira casa. O fazendeiro
manteve-se rigorosamente firme. Pessoas controladas são muito
perigosas, porque existe dentro delas um vulcão vivo.
Exteriormente, são rígidas, contidas e reservadas, e por dentro, sua
ânsia de abandonar-se está completamente amarrada.
Lembrem-se: tudo que é forçado não pode ser contínuo nem
completo devido ao imenso esforço envolvido. Você tem de relaxar
de vez em quando, tem de descansar. Quanto tempo você consegue
ficar com o punho cerrado? Vinte e quatro horas? Quanto mais
tensão for usada para cerrá-lo, mais se cansará, e mais rapidamente
se abrirá. Trabalhe arduamente, gaste alguma energia a mais, e
rapidamente se cansará. Para cada ação há sempre uma reação que
vem prontamente. Sua mão pode permanecer sempre aberta, mas
não pode ficar cerrada o tempo todo. Tudo o que o cansa não pode
ser parte natural da vida. Sempre que algo é forçado, segue-se um
período de descanso. Assim, quanto mais aplicado é um santo, mais
perigoso. Após vinte e quatro horas de repressão seguindo regras
das escrituras, ele tem de relaxar pelo menos uma hora, e neste
período haverá tal revolta dos pecados reprimidos, que ele acabará
se sentindo no meio do inferno.

24
Assim, o fazendeiro ficou se vigiando rigorosamente para
não falar das roupas. Imagine a situação. Se você for pelo menos um
pouco religioso poderá imaginar seu estado mental. Se você já fez
um juramento ou um voto, se já se reprimiu por alguma causa
religiosa, compreenderá muito bem o estado lamentável de sua
mente.
Ao chegarem à casa seguinte, o fazendeiro estava
transpirando por todos os poros, exausto. O amigo também estava
preocupado.
O fazendeiro estava completamente angustiado. Devagar,
cuidadosamente, pronunciou cada palavra da apresentação:
"Apresento meu amigo. É um velho amigo. Um homem muito
bom".
Por um momento, vacilou. Um enorme impulso lhe veio de
dentro.
Ele sabia que estava sendo arrastado. Então, falou bem alto,
abruptamente: "Quanto às roupas, perdoem-me, mas não direi nada
sobre elas. Jurei que não diria nada sobre as roupas!".

O que aconteceu a esse homem acontece a todo o gênero


humano. Por causa da condenação, o sexo tornou-se obsessão,
doença, perversão. Ficou envenenado.
Desde os primeiros anos, as crianças são ensinadas a pensar
que sexo é pecado. Uma menina e um menino crescem, chegam à
adolescência e casam-se — então a jornada através da paixão se
inicia com a convicção predeterminada de que o sexo é pecado. Na
índia, também é dito à mulher que seu marido é Deus. Como pode
ela reverenciar como Deus alguém que a toma em pecado? Ao rapaz
é dito: "Esta é sua esposa, companheira e parceira", Mas se as
escrituras dizem que a mulher é a porta para o inferno, a fonte dos
pecados, o rapaz sente que tem por companheira de vida, um
perfeito demônio. O rapaz pensa: "Esta é minha esposa — o limiar

25
do inferno, um ser dirigido pelo pecado?" Como poderá haver
qualquer harmonia em suas vidas?
Os ensinamentos tradicionais têm destruído a vida marital no
mundo inteiro. Quando a vida conjugal é repleta de preconceitos,
cheia de veneno, não há nenhuma possibilidade para o amor. Se um
marido e uma esposa não podem se amar livremente, primária e
naturalmente, então quem pode amar a quem? Mas esta situação de
distúrbio pode ser modificada; o amor enlameado pode ser
purificado. Esse amor pode ser levado a picos tão sublimes que
romperá todas as barreiras, dissolverá todos os complexos, e marido
e mulher mergulharão numa alegria pura e divina. Este amor
sublime é possível. Mas se for cortado pela raiz, se for reprimido ou
envenenado, o que crescerá a partir disso? Como poderá florescer
daí uma rosa de amor supremo?

Um andarilho asceta acampou em uma vila. Um homem veio


e lhe disse que desejava chegar à compreensão de Deus.
O asceta perguntou: "Você já amou alguém?".
"Não, não pratico uma coisa tão mundana", o homem
replicou. "Nunca desci tão baixo. Quero chegar a Deus."
O asceta perguntou novamente: "Você nunca sentiu as
aflições do amor?".
O homem que buscava Deus respondeu enfaticamente:
"Estou dizendo a verdade".
O pobre homem estava sendo honesto. Na esfera da religião,
amar é uma desqualificação. Ele estava certo de que se dissesse ter
amado alguém, o asceta lhe diria para deixar o amor de lado,
renunciar ao apego e abandonar todas as emoções mundanas, antes
de pedir sua orientação. Assim, mesmo que tivesse amado alguém,
sentiu que devia negar. Onde se pode achar um homem que nunca
tenha amado, nem mesmo um pouquinho?
O monge perguntou pela terceira vez: "Diga-me algo. Pense
cuidadosamente antes de responder. Não houve nem mesmo um
26
pequeno amor por alguém, por qualquer pessoa? Você nunca amou
ninguém nem um pouco?".
O aspirante disse: "Perdoe-me, mas por que o senhor
continua fazendo a mesma pergunta? Eu não tocaria no amor nem
com uma vara de três metros. Quero chegar à auto-realização, à
Divindade".
Em vista disso, o asceta replicou: "Então, você terá de me
desculpar. Por favor, vá procurar outra pessoa. Minha experiência
me diz que se você tivesse amado alguém, qualquer pessoa, se
tivesse tido ao menos um vislumbre do amor, eu poderia ajudá-lo,
poderia auxiliar o amor a Crescer — provavelmente até chegar a
Deus. Mas se nunca amou, não existe nada em você, não existe
nenhuma semente para transformar-se em árvore. Vá e faça suas
indagações para outra pessoa. Na ausência de amor, meu amigo,
não vejo qualquer abertura para Deus".
Do mesmo modo, se não houver nenhum amor entre o
marido e a esposa...
Você está muito enganado se pensa que o marido que não
ama sua esposa é capaz de amar seus filhos. A esposa será capaz de
amar seu filho só no mesmo grau em que amar seu marido, porque
a criança é um reflexo do marido. Se não houver amor pelo marido,
como poderá haver amor pela criança? E se um filho não recebe
amor, se sua alimentação e criação não acontecem com amor, como
pode você esperar que ele ame seu pai ou sua mãe? Uma família é
uma unidade de vida; o próprio mundo é uma vasta família. Mas a
vida familiar tem sido envenenada pela condenação do sexo. E
lamentamos que o amor não possa ser encontrado em lugar
nenhum! Sob estas circunstâncias, como espera você encontrar o
amor em algum lugar?
Todo o mundo diz que ama. Mães, esposas, filhos, irmãos,
irmãs, amigos todos dizem que amam. Mas se você observar a vida
em sua totalidade, não encontrará na vida nenhum amor evidente.
Se tantas pessoas estão repletas de amor, deveria haver uma
27
enxurrada de amor; deveria haver um jardim repleto de flores, cada
vez com mais e mais flores. Se houvesse uma lâmpada de amor
brilhando em cada casa, quanta luz haveria neste mundo!
Entretanto, encontramos uma atmosfera impregnada de repulsa.
Não se encontra nem um simples raio de amor nesse lamentável
estado de coisas.
É esnobismo acreditar que o amor está em todo lugar.
Enquanto permanecermos nessa ilusão, a busca da verdade não
poderá sequer começar. Aqui ninguém ama ninguém. E até que o
sexo seja aceito sem reservas, não poderá haver amor. Até então,
ninguém poderá amar ninguém.
O que eu quero dizer é isto: o sexo é divino. A energia
primária do sexo tem em si o reflexo de Deus. É óbvio: ela é a
energia que cria novas vidas. E esta é a maior, a mais misteriosa
força que existe.
Acabemos com essa inimizade com o sexo! Se você quiser um
jorro de amor em sua vida, renuncie a esse conflito com o sexo.
Aceite o sexo com alegria. Reconheça sua qualidade sagrada.
Receba-o agradecido e compreenda-o cada vez mais
profundamente. Você ficará surpreso ao perceber o quanto o sexo
pode ser sagrado e isso ele revelará na medida de sua aceitação.
Quanto mais pecaminosa e irreverente for sua maneira de abordá-
lo, mais feio e pecaminoso será o sexo com o qual você se
defrontará.
Quando um homem se aproxima de sua esposa deve ter um
sentimento sagrado, como se estivesse se dirigindo a um templo. E
quando uma mulher vai com seu marido, deve sentir a mesma
reverência que tem ao se aproximar de Deus. Nos momentos de
sexo, os amantes praticam o coito, e este estado é muito próximo do
templo de Deus, é onde Ele se manifesta em sua criatividade sem
forma.
Penso que o homem teve seu primeiro vislumbre de samadhi
durante a experiência de relação sexual. Foi nesses momentos de
28
coito que o homem compreendeu que é possível sentir um amor tão
profundo, vivenciar uma bênção tão luminosa. E aqueles que
meditaram sobre esta verdade numa correta disposição de espírito,
aqueles que meditaram sobre o fenômeno do sexo, da relação
sexual, chegaram à conclusão de que nesses momentos de clímax, a
mente torna-se vazia de pensamentos. Nesse instante, todos os
pensamentos se esgotam. E esse vazio da mente, essa lacuna, esse
vácuo, esse congelamento da mente, é a causa do jorro de alegria
divina.
Tendo desvendado o segredo até esse ponto, o homem
descobriu um pouco mais. Ele raciocinou: se a mente puder ser
libertada dos pensamentos, se as ondulações da consciência
puderem ser paralisadas por algum outro processo, o homem
poderá chegar à felicidade pura! E foi a partir desse raciocínio que o
sistema de yoga se desenvolveu; foi daí que surgiu a meditação e a
oração. Essa nova abordagem provou que mesmo sem o coito, a
consciência pode ser paralisada e os pensamentos evaporados.
O homem descobriu que o deleite de surpreendentes
proporções, obtido durante um ato sexual, pode ser obtido também
sem ele.
Pela sua natureza, o ato do coito só pode ser momentâneo,
porque envolve a consumação de um fluxo de energia. O gozo puro,
o perfeito amor, o conforto beatífico no qual o yogi vive o tempo
todo, é alcançado na cópula, apenas por um momento. Mas não
existe diferença básica entre eles. Quem diz que o vishyanand e o
brahamanand, a pessoa que se entrega aos seus sentidos e a que se
entrega a Deus, são irmãos, afirmou inadvertidamente uma
verdade. Ambos vêm do mesmo útero. A única diferença é a
distância entre o céu e a terra.
Neste momento, gostaria de lhe dar o primeiro princípio. Se
você quiser conhecer a verdade elementar sobre o amor, o primeiro
requisito é aceitar o sexo como algo sagrado, aceitar a divindade do
sexo do mesmo modo que aceita a existência de Deus — com o
29
coração aberto. Quanto mais completamente você aceitar o sexo
com o coração e a mente abertos, mais livre estará dele. E quanto
mais o reprimir, mais você ficará preso a ele, como aquele
fazendeiro que se tornou escravo das suas roupas. A medida da tua
aceitação é a medida da sua libertação. A total aceitação da vida, de
tudo o que é natural na vida, de tudo o que é dado por Deus, dirigi-
lo-á às mais elevadas esferas de divindade, aos picos desconhecidos,
aos cumes sublimes.
Chamo essa aceitação de teísmo. Essa fé no que Deus dá é a
porta para a libertação.
Considero ateísmo aqueles preceitos que impedem o homem
de aceitar o que é natural na vida e no plano divino. "Oponha-se a
isto; reprima aquilo. O natural é pecaminoso, mau, libidinoso.
Abandone isto; abandone aquilo" — a meu ver, tudo isso constitui o
ateísmo. Aqueles que pregam a renúncia são ateus.
Aceite a vida em sua forma pura e floresça em sua plenitude.
A própria plenitude o elevará, passo a passo. A própria aceitação do
sexo o elevará a picos tão serenos como você nunca imaginou. Se o
sexo é carvão, certamente virá o dia em que será diamante. Este é o
primeiro princípio.
O segundo ponto fundamental sobre o qual quero falar é o
que tem, até este momento, se solidificado dentro de nós pela
civilização, pela cultura e pela religião: o ego, a consciência de que
"eu sou".
A natureza da energia sexual estimula o fluxo do amor, mas
o obstáculo do "eu" cercou essa energia como um muro, e o amor
não consegue fluir. O "eu" é muito poderoso, tanto nas pessoas más
como nas boas, tanto no ímpio como no santo. As pessoas más
podem afirmar o "eu" de muitas maneiras, mas as boas também
proclamam o "eu" com alarde: elas querem ir para o céu; querem ser
libertadas; renunciam ao mundo; constroem templos; não pecam;
querem fazer isto; querem fazer aquilo. Mas o "eu", esse ponto de
referência, está sempre presente.
30
Quanto mais forte é o ego da pessoa, mais difícil é para ela
unir-se a alguém. O ego fica no meio; o "eu" reivindica os seus
direitos. É um muro. Ele proclama: "Você é você e eu sou eu". E
assim, mesmo as experiências mais íntimas não aproximam uma
pessoa da outra. Os corpos podem estar perto, mas as pessoas estão
muito separadas. Enquanto existir o "eu" no interior, esse
sentimento de separação não poderá ser evitado.
Um dia, Sartre disse uma coisa maravilhosa: "O inferno é o
outro". Mas ele não explicou mais nada, não explicou por que o
outro é o inferno, por que o outro é o outro. O outro é o outro
porque eu sou eu, e enquanto eu for eu, o mundo ao redor será o
outro — algo diferente, à parte, segregado — e não existirá
nenhuma relação.
Enquanto houver esse sentimento de separação, o amor não
poderá ser conhecido. O amor é a experiência da unidade. A
experiência de amar significa a demolição dos muros, a fusão de
duas energias. Amor é o êxtase que acontece quando os muros entre
duas pessoas desmoronam, quando duas vidas se encontram,
quando duas vidas se unem.
Quando tal harmonia existe entre duas pessoas, chamo isto
de amor. E quando existe entre um homem e as massas, chamo isto
de comunhão com Deus. Se você puder imergir comigo em tal
experiência, a fim de que todas as barreiras se dissolvam, e uma
osmose aconteça no plano espiritual — então isto será amor. Se uma
unidade assim acontece entre eu e todas as pessoas e perco minha
identidade no Todo, então essa realização, essa fusão, é com Deus,
com o Onipotente, com o Onisciente, com a Consciência Universal,
com o Supremo, ou seja lá como você quiser chamá-lo. Assim digo
que o amor é o primeiro passo e Deus o último passo — o destino
puro e final.
Como posso apagar a mim mesmo?
A menos que eu me dissolva, como o outro poderá unir-se a
mim? O outro é criado como uma reação ao meu "eu". Quanto mais
31
alto eu grito "eu", mais forte torna-se a existência do outro. O outro
é o eco do "eu".
E o que é esse "eu"? Você já pensou calmamente sobre isso?
Ele está em sua perna, em sua mão, em sua cabeça ou no coração?
Ou ele é apenas o ego?
O que é e onde está seu "eu", seu ego? O sentimento de que
ele existe está presente, mas não pode ser encontrado em nenhum
lugar específico. Sente-se quietamente por um momento e procure
esse "eu". Você ficará surpreso, pois apesar da intensa busca não o
encontrará em lugar nenhum. Quando buscar profundamente
dentro de você, compreenderá que não existe nenhum "eu". O ego,
como tal, não existe. Quando a verdade do ser existe, o "eu" não está
presente.

O venerado monge Nagsen foi chamado pelo Imperador


Malind para honrar sua corte.
O mensageiro foi a Nagsen e disse: "Monge Nagsen, o
Imperador gostaria de vê-lo. Vim aqui para convidá-lo".
Nagsen replicou: "Se vocês querem, eu irei. Mas, perdoe-me,
não existe nenhum Nagsen aqui. Ele é apenas um nome, um rótulo
temporário".
O cortesão contou ao Imperador que Nagsen era um homem
muito estranho: "Ele disse que viria, mas que não havia nenhum
Nagsen lá". O Imperador ficou intrigado com aquilo.
No dia e hora previstos, Nagsen chegou na carruagem real e
o imperador foi recebê-lo no porte: "Monge Nagsen, desejo-lhe
boas-vindas!"
Ouvindo isto, o monge começou a rir: "Aceito sua
hospitalidade como Nagsen, mas por favor, lembre-se de que não
existe ninguém chamado Nagsen".
O Imperador disse: "O senhor fala por enigmas. Se o senhor
não é o senhor, então quem está aceitando meu convite? Quem está
respondendo a esta saudação de boas-vindas?".
32
Nagsen olhou para trás e disse: "Não é esta a carruagem em
que eu vim?".
"Sim, é essa mesma.".
"Por favor, solte os cavalos."
Isto foi feito.
Apontando para os cavalos, o monge perguntou: "Eles são a
carruagem?".
O Imperador disse: "Como os cavalos podem ser chamados
de carruagem?".
A um sinal do monge, os cavalos foram levados e as varas
usadas para unir os cavalos à carruagem foram removidas.
"Estas varas são sua carruagem?".
"É claro que não, são apenas varas e não a carruagem.".
O monge prosseguiu, ordenando a remoção das partes, uma
a uma, e cada vez que perguntava se aquilo era a carruagem o
Imperador tinha de responder: "Isto não é a carruagem".
No fim, nada permaneceu.
O monge perguntou: "Onde está sua carruagem agora? Para
cada peça retirada, você disse: 'Isto não é a carruagem'. Então me
diga, onde está sua carruagem agora?".
A revelação chocou o Imperador.
O monge continuou: "Você me compreendeu? A carruagem
era um conjunto, uma coleção de determinadas coisas. A carruagem
não tinha nenhum ser em si mesma. Por favor, olhe para dentro.
Onde está seu ego? Onde está seu 'eu'?"

Você não encontrará esse "eu" em nenhum lugar. É uma


manifestação de muitas energias, apenas isto. Pense em cada
membro, em cada parte de si mesmo, e elimine-as uma a uma. No
final, o nada permanecerá. O amor nasce desse nada. Esse nada é
Deus.
Em certa cidade, um homem abriu uma peixaria e colocou
um letreiro: "Vendem-se Peixes Frescos Aqui".
33
Logo no primeiro dia, um homem entrou na peixaria e leu:
"Vendem-se Peixes Frescos Aqui". Ele riu. "Peixes Frescos? Existe
algum lugar onde se vendam peixes estragados? Qual o sentido de
se escrever 'frescos'?"
O vendedor achou que ele estava certo; além disso, 'fresco'
dava a idéia de 'não-fresco' ao freguês. Ele retirou 'frescos' do
letreiro. Agora, lia-se no quadro apenas "Vendem-se Peixes Aqui".
No dia seguinte, ao visitar a peixaria, uma velha senhora leu
em voz alta: "'Vendem-se Peixes Aqui'? Você vende peixes em
algum outro lugar também?".
"Aqui" foi riscado. Agora, lia-se no quadro: "Vendem-se
Peixes". No terceiro dia, outro freguês veio à loja e perguntou:
"'Vendem-se Peixes'? Existe alguém que dê peixes de graça?".
A palavra "Vendem-se" foi retirada. Apenas "Peixes"
permaneceu. Um senhor idoso foi ao vendedor e disse: "'Peixes'?
Até um homem cego, de longa distância pode dizer, pelo cheiro,
que são vendidos peixes aqui". "Peixes" foi removido. O letreiro
ficou em branco.
Um passante perguntou: "Para que esse letreiro vazio?".
O letreiro também foi removido. Nada permaneceu após o
processo de eliminação; todas as palavras foram removidas, uma a
uma. E o que permaneceu foi o nada, o vazio.

O amor só pode nascer do vazio. Apenas um vazio pode


fundir-se com outro vazio; apenas um zero pode unir-se totalmente
a outro zero. Dois indivíduos não podem, mas dois vácuos podem
se encontrar, pois não possuem nenhuma barreira. Tudo o mais tem
muros; o vácuo não tem nada.
Assim, a segunda coisa a ser lembrada é: o amor nasce
quando a individualidade se desvanece, quando o "eu" e o "outro"
não existem mais. Então, seja lá o que for que permaneça, é tudo, é
ilimitado — mas sem nenhum "eu". Com essa compreensão, todas

34
as barreiras desmoronam-se e o avanço do Ganges retoma seu
curso.
Nós cavamos um poço. A água já está dentro dele, não
precisa ser trazida de nenhum lugar. É preciso apenas cavar a terra
e remover as pedras. O que fazemos exatamente? Criamos um vazio
a fim de que a água, que está lá dentro, possa encontrar um espaço
para mover-se, um espaço para poder mostrar-se. O que está dentro
quer lugar, quer espaço. Anseia por um vazio — que não está
conseguindo — para poder vir à tona, para poder jorrar. Se um poço
está cheio de areia e pedras, quando as removemos a água surge na
superfície. Do mesmo modo, o homem está repleto de amor, mas o
amor precisa de espaço para vir à tona. Enquanto seu coração e sua
alma estiverem dizendo "eu", você será um poço de areia e pedras e
o fluxo do amor não borbulhará em você.

Ouvi contar que existiu, certa vez, uma árvore antiga e


majestosa, cujos galhos expandiam-se em direção ao céu. Quando
estava na estação do florescimento, borboletas de todos os tipos,
cores e tamanhos dançavam ao seu redor. Quando floria e dava
frutos, pássaros de terras distantes vinham cantar sobre ela. Seus
galhos, como mãos estiradas, abençoavam os que vinham e
sentavam-se à sua sombra. Havia um menininho que costumava
brincar embaixo dela, e a árvore desenvolveu grande afeição por
ele.
O amor entre o grande e o pequeno é possível quando o
grande não está consciente de que é grande. A árvore não sabia que
era grande; apenas o homem tem esse tipo de conhecimento. O
grande sempre tem o ego como preocupação principal; mas, para o
amor, ninguém é grande ou pequeno. O amor abraça seja lá quem
for que esteja por perto.
Assim, a árvore criou um amor por esse pequeno menino que
costumava brincar perto dela. Seus galhos eram altos, mas ela os
curvava e os inclinava para baixo de modo que o menino pudesse
35
colher suas flores e apanhar seus frutos. O amor está sempre pronto
a se inclinar; o ego nunca está pronto para curvar-se. Quando você
se aproxima do ego, seus galhos se estendem ainda mais para cima;
ele se estica para você não poder alcançá-lo.
A criança vinha brincar e a árvore inclinava seus galhos. A
árvore ficava muito contente quando a criança colhia algumas
flores; todo seu ser se preenchia com a alegria do amor. O amor está
sempre feliz quando pode dar alguma coisa; o ego está sempre feliz
quando consegue tomar.
O menino cresceu. Algumas vezes, dormia no regaço da
árvore; outras, comia suas frutas e outras ainda, fazia uma coroa
com suas flores e brincava de rei. A pessoa torna-se rei quando as
flores do amor estão presentes, mas torna-se pobre e miserável
quando os espinhos do ego estão presentes. Ver o menino usando a
coroa de flores e dançando enchia a árvore de alegria. Ela balançava
de amor e cantava na brisa. O menino cresceu ainda mais e começou
a trepar na árvore para balançar-se em seus galhos. Ela sentia-se
muito feliz quando o menino descansava em seus galhos. O amor é
feliz quando dá conforto a alguém; o ego é feliz apenas quando dá
desconforto.
Com o passar do tempo, outros afazeres e obrigações vieram
ocupar o menino. A ambição cresceu; ele tinha exames para fazer;
tinha amigos para conversar e passear — por isso, não ia ver a
árvore com freqüência. Mas ela esperava ansiosamente pela vinda
dele. Chamava-o do fundo da alma: "Venha. Venha, Estou
esperando por você". O amor espera dia e noite. E a árvore
esperava. Ela sentia-se triste quando o menino não aparecia. O amor
é triste quando não pode ser compartilhado; o amor é triste quando
não pode dar. O amor é grato quando pode compartilhar. Quando
pode render-se totalmente, o amor é muito feliz.
Na medida em que crescia, o menino vinha cada vez menos.
O homem que se torna grande, o homem cuja ambição cresce,

36
encontra cada vez menos tempo para amar. O menino, nessa altura,
estava absorvido pelas ocupações do mundo.
Um dia, quando estava passando, a árvore lhe disse: "Estou
sempre esperando por você, mas você não vem. Eu o espero todos
os dias".
O menino disse: "O que você possui? Por que eu deveria vir a
você? Você tem dinheiro? Estou à procura de dinheiro". O ego está
sempre motivado. Só vem quando há algum propósito a ser
preenchido. Mas o amor não precisa de motivação. O amor é sua
própria recompensa.
A árvore ficou chocada e disse: "Você só virá se eu lhe der
algo?" Aquele que nega não ama. O ego acumula, mas o amor dá
incondicionalmente. A árvore disse: "Nós não temos essa doença e
somos felizes. As flores nascem em nós. Muitas frutas crescem em
nós. Damos sombra suavizante. Dançamos com a brisa e cantamos
canções. Pássaros inocentes pulam em nossos galhos e gorjeiam
mesmo que não tenhamos nenhum dinheiro. No dia em que nos
envolvermos com dinheiro, teremos de ir aos templos como fazem
vocês, homens fracos, para aprender a obter paz, para aprender a
encontrar o amor. Não, nós não temos nenhuma necessidade de
dinheiro".
O menino disse: "Então, por que devo vir a você? Irei onde
houver dinheiro. Preciso de dinheiro". O ego pede dinheiro, porque
precisa de poder.
A árvore pensou por um momento e disse: "Não vá a
nenhum outro lugar, meu querido. Colha meus frutos e venda-os.
Assim, você obterá dinheiro".
O menino imediatamente ficou radiante. Subiu na árvore e
colheu todos os seus frutos, até aqueles que estavam verdes. A
árvore sentiu-se feliz, apesar de alguns brotos e galhos quebrados, e
algumas folhas caídas no chão. Ficar quebrado também faz o amor
feliz; mas o ego, mesmo quando ganha algo, não fica feliz. O ego
sempre deseja mais. A árvore nem notou que o rapaz não olhou
37
para trás nenhuma vez para agradecê-la. Ela havia recebido o
agradecimento no momento em que o rapaz aceitou colher e vender
seus frutos.
O rapaz não voltou por longo tempo. Ele havia ganho
dinheiro e estava ocupado em aumentar mais e mais esse dinheiro.
Esqueceu-se completamente da árvore. Anos se passaram. A árvore
ficou triste. Ansiava pela volta do rapaz — como uma mãe que está
com os seios cheios de leite e o filho está perdido. Todo seu ser
clama pelo filho; ela busca loucamente o filho para que ele possa vir
aliviá-la. Tal era o lamento interior dessa árvore. Todo o seu ser
estava em agonia.
Após muitos anos, agora já adulto, o rapaz foi até a árvore.
A árvore disse: "Venha, meu rapaz. Venha abraçar-me".
O homem disse: "Pare com esse sentimentalismo. Isso era
coisa de infância. Não sou mais uma criança". O ego vê o amor
como uma loucura, como uma fantasia infantil.
Mas a árvore convidou-o: "Venha, balance em meus galhos.
Venha dançar, venha brincar comigo".
O homem disse: "Pare com essa conversa inútil! Eu preciso
construir uma casa. Você pode me dar uma casa?".
A árvore exclamou: "Uma casa! Eu não tenho uma casa".
Apenas os homens vivem em casas. Ninguém mais vive em casas, a
não ser o homem. E você já notou em que condição se vê após
confinar-se entre quatro paredes? Quanto maiores seus prédios,
menor o homem se torna. "Nós não vivemos em casas, mas você
pode cortar e levar meus galhos — assim, poderá construir sua
casa."
Sem perder tempo, o homem trouxe um machado e cortou
todos os galhos da árvore. Agora, ela era apenas um mero tronco.
Mas o amor não se preocupa com tais coisas — mesmo que seus
ramos sejam cortados pelo amado. Amar é dar; o amor está sempre
pronto para dar.

38
O homem não se preocupou nem em agradecer à árvore e
construiu sua casa.
Os dias tomaram-se anos. A árvore esperou e esperou.
Queria chamar por ele, mas não tinha mais galhos nem folhas que
lhe dessem forças. O vento soprava, mas ela não conseguia nem
mesmo enviar uma mensagem para ele. Mas em sua alma ainda
ressoava uma única prece: "Venha. Venha, meu querido. Venha".
Mas nada aconteceu.
O tempo passou e o homem tornou-se velho. Certa vez, ele
estava passando e parou ao lado da árvore.
A árvore perguntou: "O que mais posso fazer por você? Já faz
tanto, tanto tempo que você não vem".
O velho disse: "O que mais você pode fazer por mim? Quero
ir para terras distantes e ganhar mais dinheiro. Preciso de um barco
para viajar".
Alegremente, a árvore disse: "Mas isso não é problema, meu
amor. Corte meu tronco e faça um barco com ele. Ficarei muito feliz
se puder ajudá-lo a ir para terras distantes ganhar dinheiro. Mas,
por favor, lembre-se de que estarei sempre esperando pela sua
volta".
O homem trouxe um serrote, cortou o tronco, fez um barco e
navegou para longe.
Agora, a árvore era um pequeno toco. E esperava pelo
retorno do seu amado. Ela esperou, esperou e esperou. Mas o
homem nunca mais retomou; o ego só vai onde existe algo para ser
ganho, e a árvore não tinha mais nada, absolutamente nada para
oferecer. O ego não vai onde não existe nada para se ganhar. É um
eterno mendigo, num contínuo estado de pedinte, e o amor é
caridade. O amor é um rei, um Imperador! Existe algum rei maior
do que o amor?
Uma noite, eu estava descansando perto desse toco de
árvore. Ela sussurrou para mim: "Aquele meu amigo ainda não
voltou. Estou muito preocupada, porque ele pode ter naufragado ou
39
então ter-se perdido. Pode estar perdido em um desses países
longínquos. Pode ser que nem esteja mais vivo. Como gostaria de
receber notícias dele! Minha vida está próxima do fim e ficaria
satisfeita se recebesse, pelo menos, algumas notícias. Então,
morreria feliz. Sei que ele não virá, mesmo que eu consiga chamá-lo.
Nada me restou para dar e ele só entende a linguagem do tomar e
pegar".
O ego só entende essa linguagem; a linguagem do dar é
amor.
Não posso dizer mais nada além disso. Na verdade, não
existe mais nada para ser dito: se a vida puder tornar-se como essa
árvore, expandindo seus galhos em todo o redor, a fim de que todos
possam se abrigar em sua sombra, então compreenderemos o que é
amor. Não existem escrituras, mapas, ou dicionários para o amor.
Não há nenhum conjunto de regras para o amor.
O que mais eu poderia dizer sobre o amor! O amor é tão
difícil de ser descrito. O amor está simplesmente aí. Talvez você
possa vê-lo em meus olhos, se vier aqui e olhar dentro deles. Talvez
possa senti-lo quando meus braços se estendem num abraço.
Amor.
O que é amor?
Se o amor não for sentido em meus olhos, em meus braços,
em meu silêncio, então nunca poderá ser compreendido através das
minhas palavras.
Estou grato por terem me ouvido pacientemente. E, para
finalizar, inclino-me diante do Supremo que está no interior de
todos nós.
Por favor, aceitem meus respeitos.

40
Da Repressão à Emancipação

2º Discurso
Gowalia Tank Maidan, 29 de setembro de 1968, Bombaim.

Certa manhã bem cedo, antes do sol nascer, um pescador foi


a um rio. Chegando à margem, sentiu alguma coisa sob seus pés, e
descobriu que era um saquinho de pedras. Ele o apanhou e,
colocando sua rede de lado, sentou-se na margem do rio para
esperar o sol nascer. Esperava pela alvorada para iniciar seu dia de
trabalho. Preguiçosamente, pegou uma pedrinha de dentro do saco
e atirou-a a água. Depois apanhou outra e mais outra. Na falta do
que fazer, continuou jogando as pedras na água, uma após a outra.
Lentamente, o sol foi surgindo e iluminando. A essa altura,
ele já havia jogado todas as pedras, menos uma; a última ficou em
sua mão. Seu coração quase parou, quando viu, à luz do dia, o que
segurava nas mãos. Era uma pedra preciosa! No escuro, ele havia
jogado um saco inteiro delas! O que havia perdido sem saber! Cheio
de pesar, amaldiçoou a si mesmo. Lamentou-se, chorou e quase
enlouqueceu de desgosto.
Acidentalmente, havia encontrado a possibilidade de
enriquecer pelo resto da vida, mas na escuridão, por ignorância,

41
havia perdido a chance. Por outro lado, ainda teve sorte: sobrara-lhe
uma pedra; a luz havia surgido antes que ele a tivesse jogado
também. Geralmente as pessoas não têm tanta sorte.
Há escuridão por toda parte e o tempo voa. O sol ainda não
surgiu e já desperdiçamos todas as pedras preciosas da vida. A vida
é um imenso tesouro e o homem não faz nada além de jogá-lo fora.
No momento em que compreendemos a importância da vida, o
tempo já passou. O mistério, o segredo, a graça, a redenção, o
paraíso — tudo é perdido. E a vida é desperdiçada.
Nos próximos dias pretendo falar sobre os tesouros da vida.
Mas é difícil esclarecer as pessoas que tratam à vida como um saco
de pedras. Elas ficam aborrecidas se você chama-lhes a atenção para
o fato de que as coisas que estão jogando fora são pedras preciosas e
não pedregulhos. Elas se irritam, não porque o que é dito esteja
errado, mas porque lhes estão sendo mostradas suas próprias
tolices, porque estão sendo alertadas para o que perderam. Seus
egos interferem; elas ficam bravas.
Mesmo após ter perdido tanto; mesmo que a vida que lhe
resta seja curta; mesmo que só lhe reste uma pedra, sua vida ainda
pode ser salva. Nunca é muito tarde para aprender. Um auxílio
ainda é possível e, especialmente na busca da verdade, nunca é
tarde demais. Ainda há motivo para sentir confiança.
Entretanto, por ignorância e na escuridão, temos pensado
que o saco da vida nada contém além de pedras. Os covardes
simplesmente aceitam a derrota antes de fazer qualquer esforço
para encontrar a verdade.
Para começar, quero alertá-los contra as armadilhas do
fatalismo, contra a ilusão da derrota inevitável. A vida não é um
monte de areia e pedras; se você tiver olhos para ver, encontrará
muita coisa melhor. Encontrará na vida a escada para chegar a
Deus.
Dentro desse corpo de sangue, carne e ossos, existe algo ou
alguém que está além de tudo isso. Que não tem nada a ver com
42
carne, sangue e ossos; que é imortal. Algo sem começo nem fim.
Sem forma, ele está no âmago de cada um de nós. Da escuridão de
sua ignorância, eu o incito a almejar por essa chama imperecível!
Mas a chama imortal está ofuscada pela fumaça da morte;
por isso não podemos ver a luz. Encontramos a fumaça e recuamos.
Os mais corajosos procuram um pouco, mas somente na fumaça, e
assim não conseguem alcançar a chama, a fonte de luz.
Como podemos empreender essa viagem para a chama além
da fumaça — para o eu que está dentro do corpo? Como podemos
perceber o Eu Supremo, Universal? Como chegaremos a conhecer
aquilo que está camuflado pela natureza, que está oculto na
natureza?
Falarei sobre isso em três partes.
Em primeiro lugar, cobrimo-nos com tantos preconceitos,
idéias enfatuadas e falsas filosofias, que nos privamos da
capacidade de ver a verdade nua. Sem conhecer, sem buscar, sem
qualquer curiosidade, adotamos hipóteses prontas sobre a vida.
Durante milhares de anos, fomos ensinados que a vida não significa
nada, que é inútil e miserável. Temos sido hipnotizados para crer
que nossa existência é inútil, sem propósito, cheia de sofrimento;
que a vida existe para ser desprezada, ignorada. Essa repetição
constante nos estrangula, nos sufoca a tal ponto que acabamos
sentindo que a vida nada mais é que um grande ruído, uma grande
algazarra, um mar de misérias.
É só por causa desse desprezo pela vida que todo o prazer e
amor têm sido perdidos pelo homem. O homem é agora apenas
uma massa amorfa; é um turbulento mar de sofrimentos. E não é de
se espantar que, por causa dessas falsas concepções, o homem tenha
desistido de tentar refletir sobre si mesmo. Por que buscar pela
beleza num monte de feiúra? E quando se acredita firmemente que
a vida só serve para ser jogada fora, para ser rejeitada, então, que
sentido há em tentar apreciá-la, em tentar limpá-la e embelezá-la?
Tudo parece fútil.
43
Nossa atitude para com a vida não é diferente da de um
homem que está na sala de espera de uma estação de trem. Ele sabe
que só estará ali durante um tempo, que logo irá embora. Então, que
importância tem a sala de espera? Não tem importância nenhuma; é
totalmente insignificante. A pessoa anda de um lado para outro,
cospe no chão, suja-o, não pensa em nada; não se preocupa com seu
comportamento; afinal, ela estará partindo em breve. Da mesma
maneira, nós vemos a vida como uma residência temporária.
A tendência geral é perguntar para que se importar em
buscar a verdade e a beleza da vida. Mas quero enfatizar que a vida
chegará a um fim no seu devido tempo, e então não haverá como
fugir da realidade da vida. Podemos mudar nossas casas, nossos
corpos, mas a essência de nossas vidas permanece conosco. Esse é o
Eu, com E maiúsculo. Não existe absolutamente nenhuma maneira
de fugir dele.
Somos formados por aquilo que fazemos. No final, nossas
ações nos formam ou nos mutilam. Elas mudam as nossas vidas.
Configuram nossas vidas e moldam nossas almas. Como vivemos e
o que fazemos de nossas vidas formulam o nosso futuro. A atitude
de uma pessoa para com a vida guia os caminhos de sua alma:
como ela irá se desenvolver, até que ponto desvendará os mistérios
desconhecidos. Se o homem tivesse consciência de que sua atitude
para com a vida molda o seu futuro, imediatamente abandonaria
essa visão melancólica de que a vida é dissonante, de que a vida é
inútil e insignificante. Então, ele poderia compreender o engano
dessa crença de que a existência está cheia de infortúnios, de que
não há nenhum arranjo para as coisas. Chegaria a saber que tudo o
que se opõe à vida é irreligioso.
Mas ensinaram-nos a negação da vida em nome da religião.
A filosofia da religião tem sido sempre orientada para a morte em
vez da vida. A religião prega que o que vem depois da vida é
importante, mas o que acontece antes da morte não significa nada.
Até agora, a religião tem reverenciado a morte, e não tem mostrado
44
nenhum respeito pela vida. Em nenhum lugar se encontra a
aceitação jubilosa das flores e frutos da vida; em toda parte há um
apego obstinado às flores mortas. Nossas vidas são elegias a flores
mortas!
O foco da especulação religiosa tem sido sempre sobre o
outro lado da morte — sobre o paraíso, sobre moksha, sobre nirvana
— como se o que acontece antes da morte não tivesse nenhuma
importância. Eu pergunto: se você não é capaz de viver com o que
acontece antes da morte, como será capaz de enfrentar o que vem
depois da vida? Será quase impossível! Se não podemos aproveitar
aquilo que está aqui, antes da morte, não poderemos nunca nos
preparar ou nos qualificar para o que vem depois dela. A
preparação para a morte deve ser feita durante a vida! Se existe
outro mundo após a morte, lá também nos confrontaremos com o
que experimentamos nesta vida. Não há como escapar dos efeitos
posteriores desta vida, a despeito de toda a insistência em renunciá-
la.
Digo que não há, e nem pode haver, nenhum Deus além da
própria vida. Digo também que amar a vida é sadhana, é o caminho
para Deus. A verdadeira religião é servir-se da vida. Compreender a
suprema verdade que existe na vida é o primeiro passo auspicioso
para se obter a libertação total. Aquele que perde a vida é quem
certamente perderá tudo o mais.
Entretanto, a tendência da religião é exatamente o oposto:
rejeitar a vida, renunciar ao mundo. A religião não aconselha a
contemplação da vida; não o ajuda a conduzir sua vida; não lhe diz
que você só encontrará a vida se vivê-lo, mas diz que se a sua vida
tem sido miserável, é porque a sua percepção da vida é impura. A
vida pode derramar felicidade sobre você, se souber apenas a
maneira apropriada de vivê-la.
Chamo de religião a arte de viver. Religião não é um jeito de
solapar a vida, é um veículo para se penetrar profundamente nos
mistérios da existência. Religião não é voltar as costas para a vida, é
45
encarar a vida diretamente. Religião não é fugir da vida; religião é
aceitar a vida completamente. Religião é a total realização da vida.
Como resultado dessa incompreensão básica, apenas as
pessoas idosas mostram algum interesse pela religião atualmente.
Só são encontrados velhos nas casas de Deus — nos templos, nas
igrejas, nos gurudwaras e nas mesquitas. Não se vê nenhum jovem.
Por quê? Só existe uma explicação: nossa religião tornou-se uma
religião para pessoas idosas; para os que são perseguidos pelo
temor da morte, para aqueles que estão no fim de suas vidas, para
os que estão cheios de ansiedade sobre o que virá após a morte.
Como uma religião baseada na filosofia da morte pode
iluminar a vida? Mesmo depois de cinco mil anos de ensinamentos
religiosos, a terra continua afundando constantemente, indo de mal
a pior. Apesar de não faltarem templos, mesquitas, igrejas, padres,
professores, ascetas e coisas do gênero neste planeta, sua gente
ainda não se tornou religiosa. Isso por que a religião tem uma base
falsa. A vida não está na sua raiz; a religião está construída sobre a
morte. A religião não é um símbolo vivo; é uma sepultura. Este tipo
de religião tendenciosa não pode jamais trazer vida às nossas vidas.
Qual é a causa de tudo isso?
Durante alguns dias, discutirei sobre a religião da vida, a
religião da fé viva — e sobre um certo princípio elementar que o
homem comum jamais foi encorajado a descobrir e nem mesmo
ouviu falar a respeito. No passado, fazia-se todo o possível para
jogar um pano sobre essa regra primordial da vida, para suprimir
essa verdade básica. E o resultado desse grave erro desenvolveu-se
numa moléstia universal.
Qual é a direção básica do homem comum?
Deus? Não. A alma? Não. A verdade? Não.
Qual é o centro do homem? Qual o anseio básico existente
nas profundezas do homem comum — na vida do homem médio,
do homem que nunca medita, nunca busca sua alma, nunca sai em
peregrinação religiosa?
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Devoção? Não. Prece? Não. Liberação? Não. O Nirvana?
Absolutamente não.
Se olharmos o desejo básico do homem comum, se
buscarmos a força que impulsiona sua vida, não encontraremos
devoção, Deus, prece, nem sede de conhecimento. Encontraremos
algo diferente — algo que está sendo empurrado para a escuridão,
que nunca é encarado conscientemente, que jamais é valorizado. E o
que é isso? O que você encontrará se dissecar o âmago do homem
médio?
Deixemos o homem de lado por um momento. Se olharmos
para o reino animal ou vegetal, o que encontraremos no âmago de
qualquer coisa? Se observarmos a atividade de uma planta, o que
descobriremos? Para onde o seu crescimento conduz? Toda a sua
energia é dirigida para a produção de novas sementes. Todo o seu
ser está ocupado em formar uma nova semente.
O que fazem os pássaros? E os animais? Se observarmos
intimamente as atividades da natureza, descobriremos que existe
um só processo, apenas um processo real acontecendo. E esse
processo é o da criação contínua, da procriação, da criação de novas
e diferentes formas de si mesmo. As flores têm sementes; os frutos
têm sementes. E qual é o destino da semente? Ela está destinada a se
desenvolver numa nova planta, numa nova flor, num novo fruto,
numa nova semente — e assim o ciclo se repete. O processo de
procriação é eterno. A vida é uma força que está constantemente se
regenerando. A vida é uma criatividade, um processo de
autocriação.
O mesmo acontece ao homem. E nós batizamos o processo
com o nome de "paixão", "sexo". Nós o chamamos também de
"luxúria". Essa denominação é o mesmo que um insulto; é um tipo
de depravação. E esse próprio menosprezo tem poluído a
atmosfera.
Então, o que é luxúria? O que é paixão? O que é essa força
chamada "sexo"?
47
Desde tempos imemoriais, infinitas ondas rolaram e
rebentaram na praia. As ondas vêm, rebentam e retrocedem. De
novo recomeçam. Arremetem-se, esforçam-se, dispersam-se e
novamente retrocedem. A vida tem um Impulso Intrínseco de
progredir, de ir adiante. Há uma certa intranquilidade nessas ondas,
tanto quanto nas ondas da vida. Há um esforço constante para
conseguir alguma coisa. Qual é a meta? É um desejo intenso por
uma posição melhor; é uma paixão por atingir alturas maiores. Por
trás dessa energia que não se acaba está a própria vida — a vida
lutando por uma vida melhor, lutando por uma existência melhor.
Não faz muito tempo — apenas alguns milhares de anos —
que o homem surgiu na terra. Antes disso, só havia animais. E
também não faz muito tempo que os animais começaram a existir.
Antes disso, houve um tempo em que não existiam nem animais,
mas apenas plantas. E durante muito tempo, nem mesmo as plantas
existiram neste planeta. Só havia rochas, montanhas, rios e oceanos.
E qual era a inquietação desse mundo de rochas, montanhas,
rios e oceanos? O esforço para produzir plantas. E gradualmente,
sempre muito gradualmente, as plantas começaram a existir. A
força vital manifestou-se numa nova forma. Então a terra cobriu-se
de vegetação. Ela continuou a gerar vida, continuou a procriar: as
flores se abriram e os frutos cresceram.
Mas as plantas também não estavam tranqüilas. Também não
estavam satisfeitas com elas mesmas, também desejavam algo
superior; ansiavam por produzir animais e pássaros. E então os
animais e os pássaros passaram a existir e ocupar este planeta por
muitas eras. Mas ainda não se via o homem.
E, contudo, o homem sempre esteve presente, inerente aos
animais, lutando para romper a barreira, lutando para nascer.
Assim, no devido tempo, o homem passou a existir.
Agora, e o homem? O homem está incessantemente
empenhado em criar uma nova vida. E damos a isso o nome de
"sexo", de "paixão", de "luxúria". Mas o que significa essa luxúria?
48
O impulso básico é criar, produzir novas vidas. A vida em si
não quer acabar. Mas para que tudo isso? Será que esse homem,
interiormente, está tentando gerar um homem melhor, uma forma
superior de si mesmo? Será que a vida está esperando um ser muito
melhor que o próprio homem? Sábios, de Nietzsche a Aurobindo,
de Patanjali a Bertrand Russell, nutriram uma imagem dentro de
seus corações, um sonho, de dar origem a um homem superior a
eles — um super-homem. Perguntavam-se como um outro ser,
melhor que o homem, poderia ser procriado.
Condenamos deliberadamente, durante milhares de anos, a
necessidade de procriar. Em vez de aceitá-la, nós a depreciamos.
Nós a relegamos ao plano mais baixo possível. Nós a escondemos e
fingimos que não existia, como se não houvesse lugar para ela na
vida, nenhum lugar nesta ordem de coisas.
A verdade é que não existe nada mais vital do que esse
impulso. E ele deve ocupar o lugar certo. O homem não se livrou
dele por escondê-lo e esmagá-lo; pelo contrário, enredou-se ainda
mais. Essa repressão criou o resultado oposto daquele que se
esperava.
Imagine um novato aprendendo a andar de bicicleta. Por
mais largo que seja o caminho, se houver uma pequena pedra no
chão, o ciclista terá medo de passar sobre ela. Existe uma chance em
cem de que ele passe sobre a pedra — até um cego teria toda a
probabilidade de passar longe dela — mas por causa do seu medo o
ciclista fica consciente apenas da pedra. A pedra fica maior em sua
mente e a estrada desaparece. Ele fica hipnotizado pela pedra,
sente-se atraído por ela, e por fim acaba batendo nela. Colide
exatamente com aquilo que fez tudo para evitar.
O caminho era largo, como esse homem conseguiu se
acidentar?
O psicólogo Coué diz que a mente comum é governada pela
Lei do Efeito Inverso. Colidimos com aquilo que estamos tentando
evitar, porque o objeto do nosso medo torna-se o centro de nossa
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consciência. Da mesma maneira, o homem vem tentando livrar-se
do sexo nestes últimos cinco mil anos. E como resultado, em todas
as partes, em todos os cantos, é confrontado pelo sexo nas suas
formas mais diversas. A Lei do Efeito Inverso capturou a alma do
homem.
Você já observou que a mente é hipnotizada e atraída
exatamente para aquilo que está tentando evitar? Aqueles que
ensinaram o homem a ser contra o sexo são os únicos responsáveis
por ele ter se tornado tão consciente do sexo. A supersexualidade
que há no homem é o resultado de ensinamentos pervertidos.
Atualmente, tememos discutir o sexo. Por que temos um
medo mortal desse assunto? É pelo pressuposto de que o homem
possa tornar-se sexual só por falar em sexo. Essa visão está
totalmente errada. Existe, na verdade, uma vasta diferença entre
sexo e sexualidade. Nossa sociedade só estará livre do fantasma do
sexo quando desenvolvermos a coragem de falar sobre ele de
maneira racional e saudável.
Só entendendo o sexo em todos os seus aspectos é que
seremos capazes de transcendê-lo. Você não pode livrar-se de um
problema fechando os olhos para ele. Somente um louco pode achar
que seu inimigo desaparecerá se ele fechar os olhos. A avestruz no
deserto pensa assim. Acredita que se enterrar a cabeça na areia, e
não enxergar o inimigo, ele não estará lá. Esse tipo de lógica é
compreensível no caso da avestruz, mas no homem é imperdoável.
No que diz respeito ao sexo, o homem não se comporta
melhor do que a avestruz. Pensa que fechando os olhos e ignorando
o sexo, ele se esvairá. Se tal milagre pudesse ocorrer, a vida seria
realmente fácil. Mas, infelizmente, nada desaparece apenas
fechando-se as cortinas. Pelo contrário, isso prova que temos medo
do sexo, que sua atração é mais poderosa que a nossa resistência.
Por sentirmos que não podemos vencer o sexo, fechamos os olhos
para ele.

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Fechar os olhos é sinal de fraqueza, e a humanidade toda é
culpada disso. O homem não só fecha os olhos terminantemente
para o sexo como também entra em inúmeros conflitos internos com
ele. Os resultados devastadores dessa guerra contra o sexo são
muito bem conhecidos para serem enumerados aqui. Noventa e oito
por cento das doenças mentais, das neuroses, são devidos à
repressão sexual. Noventa e nove por cento das mulheres que
sofrem de histeria e doenças afins têm distúrbios sexuais. A maior
causa do medo, da dúvida, da ansiedade, da tensão e do
esgotamento no homem contemporâneo é a premência da paixão. O
homem voltou as costas para uma necessidade inerente e poderosa.
Sem tentar entender o sexo, fechamos os olhos para ele, por medo. E
os resultados têm sido realmente catastróficos.
Para ver a verdade disso, basta o homem olhar atentamente
sua literatura, o espelho de sua mente. Se alguém da Lua ou de
Marte viesse aqui e examinasse nossa literatura, se lesse nossos
livros e poesias, ou visse nossas pinturas, ficaria surpreso. Iria
perguntar porque toda a nossa arte e literatura giram em torno do
sexo.
"Por que todos os poemas, romances, revistas e estórias do
homem estão saturados de sexo? Por que há mulheres seminuas em
todas as capas de revistas? Por que todos os filmes dizem respeito à
luxúria?", perguntariam.
Ficariam perplexos. O visitante alienígena se perguntaria por
que o homem não pensa em nada além de sexo. E ficaria ainda mais
confuso se ele se encontrasse com um homem e conversassem,
porque o homem tentaria, insistiria em convencê-lo de que está
totalmente inocente da existência do sexo. O homem falaria sobre
alma, Deus, paraíso, emancipação, mas não diria nenhuma palavra
sobre sexo, embora todo o seu ser estivesse repleto de idéias sobre
sexo. O alienígena ficaria aturdido ao perceber que o homem
inventou mil e um truques para satisfazer um desejo sobre o qual
nem mesmo uma palavra é proferida.
51
A religião orientada para a morte tornou o homem sexo-
intencionado. E o perverteu também por outro lado, mostrando-lhe
os pináculos dourados do celibato, brahmacharya, mas não lhe
dando nenhuma orientação para um primeiro passo seguro, para
compreender a base, para compreender o sexo.
Antes de mais nada, temos que reconhecer o sexo e
compreendê-lo; temos que compreender esse impulso elementar.
Somente então poderemos nos esforçar para transcendê-lo, para
sublimá-lo e, assim, alcançar o estado do celibato. Sem compreender
essa força vital básica em todas as suas formas e facetas, todos os
esforços do homem para retê-la e suprimi-la só servirão para ajudá-
lo a se degenerar num lunático doente e incoerente. Mas nós não
nos concentramos na doença básica e proclamamos os altos ideais
do celibato. O homem nunca esteve tão mal, tão neurótico, tão
miserável e tão infeliz. O homem está completamente pervertido.
Ele está envenenado na raiz.

Certa vez passei por um hospital e li num cartaz: "Um


homem picado por um escorpião foi tratado aqui. Curou-se em um
dia e recebeu alta".
Em outro, lia-se: "Um homem mordido por uma cobra foi
tratado aqui e ficou curado em três dias".
Um terceiro dizia: "Um homem foi mordido por um cachorro
louco. Esteve sob tratamento nos últimos dez dias e em breve estará
bem".
Num quarto cartaz estava escrito: "Um homem foi mordido
por um outro homem. Isto aconteceu há algumas semanas atrás. Ele
continua inconsciente e são mínimas suas chances de recuperação".
Fiquei surpreso. Será que a mordida de um homem pode ser
assim tão venenosa?

Se observarmos bem, veremos que há muito veneno


acumulado no homem. Talvez seja por causa de seus médicos

52
charlatães, mas a maior razão é a sua recusa em aceitar o que é
natural nele, sua recusa em aceitar o seu ser fundamental. Temos
tentado em vão frear e aniquilar nossos impulsos inatos; não se faz
nenhuma tentativa para transformá-los, para elevá-los. Forçamo-nos
a controlar essa energia de maneira errada. Essa energia borbulha
dentro de nós como larva ardente; está sempre empurrando de
dentro: se não temos cuidado, pode derrubar-nos a qualquer
momento. E você sabe o que acontece quando ela consegue a menor
abertura?

Ilustrarei com este exemplo:

Um avião sofre um acidente. Você está por perto e corre para


o local da cena. Qual é a primeira pergunta que surge em sua mente
quando encontra um corpo entre os escombros?
"Será que é um indiano ou um chinês?"
Não.
"Será que é um hindu ou um muçulmano?"
Não.
Numa fração de segundo, antes de qualquer outra coisa, você
vai ver se o corpo é de um homem ou de uma mulher.

Você percebe por que essa questão brota na mente antes das
outras? É pelo sexo reprimido. É a repressão sexual que o torna tão
consciente da diferença entre um homem e uma mulher. Você pode
esquecer-se do nome, do rosto, da nacionalidade de alguém — se eu
o encontrasse, poderia esquecer seu nome, seu rosto, sua casta,
idade, status, tudo sobre você — mas ninguém se esquece do sexo
de uma pessoa, nunca se esquece se alguém é homem ou mulher.
Você tem qualquer dúvida que a pessoa com a qual conversou
noutro dia, digamos no trem de Delhi, no ano passado, seja um
homem?

53
Por quê? Se você esquece tudo sobre uma pessoa, por que
não pode apagar esse aspecto da sua memória? É porque a
consciência do sexo está tão firmemente enraizada na mente do
homem, no seu processo de pensamento, que o sexo está sempre
presente, sempre ativo.
Nem a nossa sociedade, nem o nosso planeta poderão ser
saudáveis enquanto existir essa cortina de ferro, essa distância entre
homens e mulheres. O homem não poderá ter paz consigo mesmo,
enquanto arder dentro dele esse fogo e enquanto o estiver
reprimindo tanto. Tem que lutar para suprimi-lo todos os dias, a
todo momento. O fogo nos queima, arde em nós.
Mas mesmo assim, não estamos prontos para enfrentá-lo, não
estamos preparados para olhar dentro dele.
O que é esse fogo?
Não é um inimigo, é um amigo.
Qual é a natureza desse fogo?
Quero lhes dizer que uma vez que conheçam esse fogo, ele
deixará de ser um inimigo e se tomará um amigo. Se entenderem
esse fogo, ele não os queimará. Aquecerá seus lares, alimentará
vocês e ainda se tomará um amigo para toda a vida.
A eletricidade esteve na atmosfera por milhões de anos.
Algumas vezes matou pessoas, mas nunca ninguém pensou que
essa mesma energia um dia iria mover nossos ventiladores e
iluminar nossas casas. Ninguém poderia imaginar então as
possibilidades dessa energia. Mas hoje a eletricidade tornou-se
nossa amiga. Como? Se tivéssemos fechado os olhos para ela, jamais
penetraríamos seus segredos, jamais a teríamos utilizado; ela teria
permanecido nossa inimiga, continuaria sendo sempre objeto de
medo. Mas o homem adotou uma atitude amigável para com a
eletricidade. O homem decidiu entendê-la, conhecê-la, e pouco a
pouco uma amizade duradoura se desenvolveu. Se isso não tivesse
acontecido, dificilmente conseguiríamos nos arranjar hoje.

54
O sexo dentro do homem, sua libido, é ainda mais vital que a
eletricidade. Uma partícula atômica de matéria aniquilou cem mil
pessoas na cidade de Hiroshima, mas um átomo da energia do
homem pode criar uma nova vida, uma pessoa! O sexo é mais
poderoso que uma bomba atômica. Você já pensou sobre as infinitas
possibilidades dessa força, em como podemos transformá-la para
uma humanidade melhor? Um embrião pode tomar-se um Gandhi,
um Mahavir, um Buda, um Cristo. Dele pode desenvolver-se um
Einstein; pode manifestar-se um Newton. Um átomo infinitamente
pequeno de energia sexual tem manifestado em si uma pessoa do
calibre de um Gandhi!
Mas não estamos inclinados nem mesmo a tentar entender o
sexo. Temos que juntar uma coragem imensa até para falarmos
sobre ele em público. Que tipo de medo é esse que nos contamina a
ponto de não estarmos preparados para entender a força da qual o
mundo nasce? Que medo é esse? Por que o sexo nos alarma tanto?
As pessoas se chocaram quando falei sobre sexo no primeiro
encontro no mês passado, em Bombaim. Recebi muitas cartas de
reprovação pedindo-me que não falasse dessa maneira, dizendo-me
que eu não deveria falar de modo algum sobre o assunto. Gostaria
de saber por que não falar sobre o assunto? Quando esse impulso já
nos é inerente, por que não falar sobre ele? A menos que possamos
entender seu comportamento, que possamos analisá-lo, como
poderemos esperar que ascenda a um plano mais alto? Pela
compreensão, podemos transformá-lo, conquistá-lo, sublimá-lo. A
menos que isso aconteça, morreremos e nem assim conseguiremos
nos livrar das garras do sexo.
Minha opinião é que aqueles que condenam que se fale sobre
sexo são os mesmos que empurraram a humanidade para o abismo
do sexo. Aqueles que se assustam com o sexo, e que por isso se
convenceram de que estão livres do sexo, são lunáticos. Eles
conspiraram para tornar o mundo todo um gigantesco hospício.

55
A religião diz respeito à transformação da energia do
homem. O objetivo da religião é integrar o ser interior do homem —
tanto suas aspirações puras como seus desejos básicos. Também é
verdade que a religião deve guiar o homem do mais baixo para o
mais elevado, da escuridão à luz, do irreal para o real, do efêmero
para o eterno.
Mas, para se chegar a algum lugar é preciso que se conheça o
ponto de partida. Temos que começar de onde estamos; é
imperativo que se saiba antes que lugar é esse. E, neste momento,
isso é mais importante do que o ponto onde queremos chegar, Neste
contexto, o sexo é o fato, é a realidade; o sexo é o ponto de partida.
Mas, e Deus? Deus está longe daqui. Só poderemos chegar à
verdade de Deus compreendendo o ponto inicial da jornada; caso
contrário, não nos moveremos nem uma polegada. Nos
perderemos. Entraremos num carrossel que não leva a lugar
nenhum.
Quando lhes falei no nosso primeiro encontro, vi que não
estavam preparados para encarar as realidades da vida. Que mais
então podemos fazer? O que podemos conseguir? Então todo esse
tumulto que se faz em torno de Deus e da alma não significa nada. É
totalmente vazio de convicção; é apenas conversa fiada.
Só adquirindo o conhecimento real sobre alguma coisa é que
podemos ascender para além dela. Na verdade, conhecimento é
transcendência. E antes de mais nada, um fato tem que ser
completamente compreendido: o homem nasce do sexo. Todo seu
ser existe por causa da prática do sexo. O homem está cheio de
energia sexual. A própria energia da vida é a energia do sexo.
O que é essa energia sexual? Por que é um distúrbio tão
poderoso em nossas vidas? Por que ele permeia todo o nosso ser?
Por que nossas vidas giram em torno dele até o final? Qual é a fonte
desse impulso?
Sábios e profetas têm rebaixado o sexo por milhares de anos,
mas o homem ainda não se convenceu. Há séculos, eles vêm
56
pregando que devemos impugnar o sexo, que devemos banir todos
os pensamentos sobre ele e todos os desejos, a fim de nos livrarmos
de maya, do mundo ilusório — contudo, o homem ainda não
conseguiu romper suas algemas. Você não pode escapar do sexo
dessa maneira; a abordagem está errada.
Sempre que encontro prostitutas, elas nunca falam de sexo.
Perguntam sobre a alma e sobre Deus. Encontro-me também com
ascetas e monges, e sempre que estamos a sós, eles só querem saber
sobre sexo. Foi uma surpresa descobrir que os ascetas, que estão
sempre pregando contra o sexo, parecem estar fascinados por ele.
Têm curiosidade e são perturbados por ele; todos têm essa confusão
mental sobre o sexo, e ao mesmo tempo pregam sobre a religião e
sobre os instintos animais do homem. E o sexo é tão natural.
Nós não quisemos e nem tentamos compreender esse
problema. Nunca pesquisamos a razão de haver tanta atração pelo
sexo.
Quem lhe ensina sexo?
Todo o mundo é contra ele ser ensinado. Os pais acham que
os filhos nada devem saber sobre ele, e os professores concordam.
As escrituras dizem a mesma coisa. Não existe nenhuma escola ou
universidade que ensine esse assunto; todos os estabelecimentos de
ensino proíbem esse conhecimento. Mas, na adolescência, um jovem
descobre por si mesmo que todo o seu ser, seu prana, está repleto de
ansiedade pelo sexo. Então as precauções dos mais velhos
fracassam. E o sexo vence.
Como acontece isso? A verdade e o amor são pregados, mas
os ensinamentos não se sustentam; são vulneráveis.
O sexo está firmemente enraizado no centro de nossos seres,
mas onde está ancorado? Onde é o centro desse impulso natural,
desse impulso tão poderoso, tão profundo? Aí está o mistério. E
primeiro é necessário reconhecer o mistério; só então poderemos ir
além dele.

57
Fundamentalmente, o que sentimos como atração sexual não
é absolutamente atração sexual.
Depois de cada orgasmo, o homem sente-se esgotado, vazio,
deprimido. Fica triste e desgostoso e pensa em abandonar essa
prática no futuro. Então, qual é a fonte desse estado de espírito? É
que ele deseja alguma coisa mais, que não é apenas a satisfação
física.
O homem não pode, normalmente, alcançar as profundezas
de seu ser, como alcança na consumação do ato sexual. No curso
normal de sua vida, na sua rotina diária, o homem passa por uma
variedade de experiências — faz compras, negocia, ganha seu
sustento — mas a relação sexual revela-lhe a mais profunda das
experiências. E essa experiência tem profundas dimensões
religiosas: nela, o homem vai além de si mesmo; nela, ele transcende
a si mesmo.
Duas coisas lhe acontecem nessas profundezas.
Primeiro, durante a cópula, o ego desaparece. É criado um
estado de não ego. Por um instante, não existe "eu"; por um instante,
a pessoa não se lembra de si mesma. Você sabia que o "eu" também
se dissolve completamente na experiência religiosa, que na religião
o ego também se dissolve no nada? No ato sexual o ego desaparece.
O orgasmo é um estado de auto-obliteração.
A segunda coisa sobre a experiência do sexo é que por um
instante o tempo se desfaz. Cria-se a atemporalidade, como Jesus
Cristo falou sobre o samadhi: "Não haverá mais tempo". No
orgasmo, a sensação do tempo não existe. Não há passado, não há
futuro; só existe o momento presente. O presente não faz parte do
tempo; o presente é a eternidade.
Esta é a segunda razão pela qual o homem tem tanta ânsia
pelo sexo. O desejo do homem não é pelo corpo da mulher assim
como o da mulher não é pelo corpo do homem; a paixão é por
alguma coisa além: pelo não-ego, pela atemporalidade.

58
Esse clímax sexual dura só um momento, mas nesse breve
momento o homem perde uma quantidade considerável de energia
e vitalidade e, mais tarde, lamenta essa perda. Em algumas espécies
de animais, o macho morre após um único ato sexual. Certo inseto
da África só pode praticar o ato uma vez; sua energia cai e ele morre
durante o próprio ato. Não que o homem não perceba que a relação
sexual diminui seu poder, decresce sua energia e traz a morte para
muito mais perto. Depois de cada experiência, ele se arrepende por
ter cedido, mas em pouco tempo se apaixona outra vez. Certamente
há um significado muito profundo nesse padrão de comportamento
do que os olhos podem ver.
Há um nível mais sutil na experiência sexual do que uma
mera rotina física. É um nível essencialmente religioso. Para
entender essa experiência é preciso prestar muita atenção. Se você
não puder apreender o significado dessa experiência, acabará por
viver e morrer apenas no sexo.
Relâmpagos brilham na escuridão da noite, mas a escuridão
não faz parte do relâmpago. A única relação entre ambos é que o
relâmpago só aparece à noite, somente na escuridão. E o mesmo
acontece em relação ao sexo. Há uma realização, uma alegria, uma
luz que brilha no sexo, mas esse fenômeno não vem do sexo.
Embora estejam associados, é apenas um subproduto. A luz que
brilha no orgasmo transcende o sexo; vem do além. Se pudermos
compreender essa experiência do além, ascenderemos acima do
sexo. Caso contrário, jamais conseguiremos.
Aqueles que se opõem cegamente ao sexo jamais conseguirão
apreciar o fenômeno em sua perspectiva apropriada. Jamais serão
capazes de analisar a causa desse desejo insaciável pelo sexo, dessa
ânsia profunda. O que eu quero enfatizar é que essa atração forte e
insistente pelo sexo é, na verdade, pela realização momentânea do
samadhi.
Você poderá libertar-se do sexo se puder aprender a atingir o
samadhi sem o sexo. Se for mostrado a um homem, que está
59
querendo um artigo que custa mil cruzeiros, onde poderá obter esse
mesmo artigo de graça, ele estará fora de juízo se for à loja para
comprá-lo. Se for mostrado ao homem como alcançar o mesmo
êxtase que ele consegue através do sexo por outros meios e numa
medida muito maior, sua mente cessará automaticamente essa
corrida em direção ao sexo e começará a correr em outra direção. O
homem teve sua primeira realização de samadhi na experiência
sexual. Mas o sexo custa caro, custa realmente caro. E não dura mais
que um instante; depois de um clímax instantâneo, voltamos
novamente à nossa posição original. Por um segundo, atingimos um
plano diferente de existência; por um segundo, escalamos um pico
de imensa satisfação.
O movimento é em direção ao pico, mas mal conseguimos
dar um passo já estamos de volta ao ponto inicial. Uma onda aspira
alcançar o céu, mas mal sobe um pouco e já começa a cair. Nós
somos iguais. É por esse êxtase, por esse júbilo, por essa realização
que, de tempos em tempos, acumulamos energia e começamos a
escalada. Quase tocamos esse plano mais sutil, esse domínio
superior, mas de novo voltamos à nossa posição inicial, com
considerável quantidade de energia e poder a menos.
Enquanto a mente do homem estiver imersa nesse rio de
sexo, ele subirá e cairá novamente. A vida é um esforço constante
em direção ao não-ego, à atemporalidade — seja isso consciente ou
inconsciente. Todo desejo do ser é conhecer o eu real, conhecer a
verdade, conhecer a fonte original, eterna, atemporal — unir-se
àquilo que está além do tempo, alcançar o puro não-ego. É para
satisfazer esse desejo interior e inconsciente da alma que o mundo
gira em torno do eixo do sexo.
Mas como podemos entender ou desenvolver qualquer tipo
de concordância com essa realização se continuarmos a negar a
existência desse fenômeno natural, interior e inclusivo? Quando nos
opomos ao sexo tão veementemente quanto o fazemos, o sexo torna-
se o centro de nossa consciência: não podemos nos livrar dele;
60
tornamo-nos aprisionados a ele. A Lei do Efeito Inverso entra em
ação e ficamos sujeitos a ela. Tentamos fugir do sexo, mas quanto
mais tentamos, mais nos enredamos nele.

Um homem estava doente. Sua doença era estar com muita


fome, o que, na verdade, não é doença. Ele leu que a negação da
vida era o caminho da libertação, que jejuar era um ato religioso e
que comer era pecaminoso. Disseram-lhe também que comer era
violento e contrário aos preceitos da não-violência.
Mas, quanto mais pensava que comer era pecado, mais
reprimia sua fome. E a fome reivindicava seus direitos em igual
medida. O homem costumava jejuar durante três ou quatro dias e,
então, no dia seguinte, comia de tudo e qualquer coisa, como um
glutão. Depois de comer, arrependia-se por ter quebrado seu voto
— além disso, comer demais tem suas próprias reações — e então,
para reparar, fazia outro período de jejum. E de novo, depois disso,
comia durante um tempo.
Por fim, decidiu que não era possível seguir o caminho certo
enquanto estivesse vivendo em sua casa; assim, renunciou ao
mundo, foi para a selva, subiu uma montanha e encontrou uma
caverna solitária. As pessoas de sua casa entristeceram-se e sua
mulher, supondo que ele tivesse superado a doença de comer em
seu retiro, mandou-lhe um ramo de flores, desejando-lhe
recuperação rápida e breve retorno.
O homem respondeu com um recado: "Agradeço muito pelas
flores. Estavam deliciosas". Ele as havia comido. Não podemos
imaginar alguém comendo flores em vez de comida, mas não
experimentamos o sadhana de um jejum, como aquele homem fez. É
claro que os devotados à comida realmente conseguirão
compreender a situação muito bem. E em proporção maior ou
menor, todo o mundo está comprometido com o sexo.

61
O homem começou uma guerra contra o sexo. E os resultados
dessa guerra são difíceis de serem corretamente avaliados. O
homossexualismo existe em outro lugar além das sociedades
chamadas civilizadas? Os aborígenes que vivem em áreas atrasadas
não podem sequer imaginar um homem mantendo relações sexuais
com outro homem. Estive entre algumas tribos, e quando contei que
as pessoas civilizadas tinham esse costume, ficaram aturdidos; não
podiam acreditar. Mas no Ocidente existem clubes de
homossexuais, existem associações que reivindicam ser
antidemocrático proibir o homossexualismo quando tantos o
praticam. Declaram que a proibição dessa prática por lei é uma
violação dos direitos humanos fundamentais, que é uma imposição
de uma maioria contra uma minoria. A mentalidade que deu
origem ao homossexualismo é o resultado da guerra contra o sexo.
A prostituição também existe em proporção direta à
civilização de uma sociedade. Você já refletiu sobre como a
prostituição instituída começou a existir? É possível encontrar
prostitutas nas regiões montanhosas das populações tribais, ou nas
aldeias distantes? Impossível. Essas pessoas nem mesmo imaginam
que existem mulheres que vendem suas virtudes, que praticam o
sexo em troca de remuneração. Mas esse comércio do sexo
desenvolveu-se com o avanço da civilização do homem. Isso é um
ato de comer flores. E ficaríamos ainda mais atônitos se fôssemos
levar em conta todas as outras perversões sexuais, se
examinássemos a vasta gama de todas as suas terríveis
manifestações.
O que aconteceu ao homem? Quem é o responsável por toda
essa coisa feia e debochada? Aqueles que ensinaram o homem a
reprimir o sexo em vez de compreendê-lo são os responsáveis. Por
causa dessa repressão, a energia sexual do homem transpira por
poros errados. Toda a sociedade do homem está doente e miserável,
e se essa sociedade cancerosa deve ser mudada, é essencial aceitar

62
que a energia sexual é divina, que a atração pelo sexo é
essencialmente religiosa.
Por que a atração pelo sexo é tão poderosa? Porque é claro
que é poderosa. Se compreendermos os níveis básicos do sexo,
poderemos ajudar o homem a sair do sexo. Só então o mundo de
Rama poderá emergir do mundo de kama; só então o mundo da
compaixão surgirá deste mundo de paixão.
Fui com um grupo de amigos a Khajuraho para ver o templo
mundialmente famoso que lá existe. A parede externa, a periferia do
templo, é decorada com cenas do ato sexual, com as variadas
posições do coito. Existem esculturas de muitas poses diferentes,
todas elas em posturas sexuais. Meus amigos perguntaram por que
aquelas esculturas estavam ali, decorando um templo.
Expliquei-lhes que os arquitetos que o construíram eram
pessoas altamente inteligentes. Sabiam que a paixão e o sexo
existem na circunferência da vida, e acreditavam que aqueles que
ainda estavam apegados ao sexo não tinham o direito de entrar no
templo.
Nós entramos. Dentro, não havia nenhum ídolo de Deus.
Meus amigos ficaram surpresos por não verem ídolos em nenhum
lugar. Expliquei-lhes que na parede externa da vida há paixão e
luxúria, enquanto que o templo de Deus está no interior. Aqueles
que ainda estão encantados pela paixão, pelo sexo, não podem
alcançar o templo de Deus; ficam perambulando apenas ao redor da
parede externa.
Os construtores daquele templo eram pessoas muito
sensíveis. Aquilo era um centro de meditação — sexualidade na
superfície, em toda a volta; paz e silêncio no interior, no centro. Eles
costumavam dizer aos aspirantes que meditassem antes sobre o
sexo, que refletissem profundamente sobre a cópula esculpida nas
paredes externas, e quando tivessem compreendido completamente
o sexo e estivessem certos de que suas mentes estavam livres dele,

63
então, que fossem para dentro. Somente então poderiam encarar
Deus interiormente.
Mas, em nome da religião, destruímos qualquer
possibilidade de entender o sexo. Declaramos guerra ao sexo, ao
nosso próprio instinto básico. A regra padrão não é absolutamente
ver o sexo, mas fechar os olhos e cambalear cegamente no templo de
Deus. Mas alguém consegue chegar a algum lugar com os olhos
fechados? Mesmo que você chegue, não conseguirá ver Deus com os
olhos fechados. Em vez disso, só verá aquilo do qual vem fugindo!
Talvez alguns pensem que faço propaganda do sexo. Se isso
ocorrer, por favor, digam a essas pessoas que elas não me ouviram.
É difícil, hoje em dia, encontrar maior inimigo do sexo que eu, sobre
a face da terra. Se as pessoas prestarem atenção ao que digo — sem
preconceitos — será possível libertar o homem do sexo. Este é o
único caminho para uma humanidade melhor. Os pânditas que
consideramos inimigos do sexo não são absolutamente inimigos,
mas divulgadores. Criaram uma fascinação em tomo do sexo; suas
veementes oposições criaram uma louca atração pelo sexo.
Um homem me disse que não se interessava por nada que
não fosse desaprovado, desafiante e ofensivo. Como todos nós
sabemos, o fruto roubado é sempre mais doce do que o comprado. É
por isso que a própria esposa não é tão apetitosa quanto a esposa do
vizinho. A outra é como um fruto roubado; a outra é como um
prazer proibido. E demos ao sexo a mesma posição. É muito
tentador. Foi coberto por tal capa de mentiras que se tornou
intensamente atraente.
Bertrand Russell escreveu que na era vitoriana, quando ainda
era criança, as mulheres jamais mostravam as pernas em público.
Suas roupas arrastavam-se pelo chão, cobrindo completamente os
pés. Se por acaso ficasse visível apenas um dedo do pé da mulher,
os homens imediatamente lançavam olhares cobiçosos para ele; isso
acendia-lhes a paixão.

64
Russell escreveu depois que as mulheres de hoje andam
quase nuas, com as pernas completamente à vista, mas isso já não
nos afeta tanto. Isso prova, escreve ele, que quanto mais
escondemos uma coisa, mais ela nos provoca a curiosidade.
O primeiro passo para livrar o mundo da sexualidade é
permitir que as crianças fiquem nuas dentro de casa, o máximo
possível. É aconselhável que as crianças tenham permissão, tanto os
meninos quanto as meninas, para brincarem sem roupas, para que
se familiarizem totalmente com o corpo um do outro. Assim,
amanhã, não terão necessidade de ficar se agarrando pelas ruas.
Não haverá necessidade de publicar nus nos livros. Elas estarão tão
acostumadas ao corpo do outro que nenhum tipo de atração
pervertida será possível no futuro.
Mas o mundo faz exatamente o oposto. As pessoas que
cobriam e escondiam o corpo criaram, sem querer, uma atração tão
grande por ele que, apesar de ter tomado conta de nossas mentes,
não sentimos ainda todo o impacto dessa atitude.
As crianças deveriam ficar nuas e assim brincar por longo
tempo, para que nenhuma semente de loucura permanecesse para
infestá-las durante o resto da vida.
Mas o mal já existe e está aumentando. A existência do mal
pode ser observada na quantidade de literatura obscena publicada
atualmente. As pessoas a lêem, escondendo-a por entre as capas do
Gita e da Bíblia. Nós gritamos que os livros obscenos deveriam ser
banidos, mas nunca paramos para pensar de onde vêm os homens
que os lêem; protestamos contra a exposição de desenhos e fotos de
nus, mas nunca perguntamos por que eles são exibidos.
O sexo é natural, mas a sexualidade é o produto de
ensinamentos anti-sexuais. Se esses ensinamentos forem seguidos,
se os conselhos dados nesses sermões não científicos forem aceitos,
a alma do homem ficará totalmente repleta de sexualidade. Isso
quase acontece. Mas, graças a Deus, esses professores não são muito
bem sucedidos. E por causa desse fracasso, o homem tem
65
conseguido salvar parte de sua consciência, parte de seu
discernimento. Se o homem entender o sexo de maneira apropriada,
poderá ascender para além dele. Deve elevar-se para além dele; é
necessário que isso aconteça.
Todos os nossos esforços até esta data deram maus
resultados porque não acolhemos o sexo e sim declaramos guerra
contra ele; usamos a repressão e falta de compreensão como meios
de lidar com os problemas sexuais. Quanto mais profunda for a
compreensão do homem, mais ele poderá elevar-se para além do
sexo; quanto menor sua compreensão, maiores serão seus esforços
para reprimi-lo. E os resultados da repressão não são frutíferos,
agradáveis ou saudáveis.
O sexo é a energia mais vibrante do homem, mas não deve
ser um fim em si mesmo: o sexo deve levar o homem à sua alma. A
meta é da luxúria à luz.
Para alcançar o celibato, o sexo deve ser entendido. Conhecer
o sexo é estar livre dele, transcendê-lo, mas mesmo depois de toda
uma vida de experiência sexual, o homem não é capaz de perceber
que o relacionamento sexual proporciona uma rápida experiência
de samadhi, um relance da supraconsciência. Esse é o grande
atrativo do sexo, a grande sedução: é a atração magnética do
Supremo. Você tem que conhecer e meditar sobre esse vislumbre
momentâneo; tem que enfocá-lo com atenção. Em todo o mundo
essa atração é tremendamente forte.
Existem outras maneiras mais fáceis de se chegar exatamente
à mesma experiência — meditação, ioga e prece são as outras
alternativas, mas só o canal do sexo tem influência tão poderosa
sobre o homem. É muito importante ponderar sobre as várias
maneiras que existem para se chegar ao mesmo objetivo.
Um amigo escreveu-me dizendo que achou embaraçoso o
assunto de meu discurso. Pediu-me que imaginasse a desagradável
situação de uma mãe sentada na platéia com sua filha ou

66
acompanhada pelo filho. E também me aconselhou a não discutir
essas coisas na frente de qualquer pessoa.
Respondi-lhe que suas objeções não tinham fundamento e
que ele perdera o juízo. Se uma mãe for sensível, ela contará suas
experiências sexuais à filha no devido tempo, antes que ela
escorregue pelos terrenos inferiores do sexo, antes que ela se perca
no desconhecido de uma maneira imatura. Se um pai for sensível,
ao exercer suas responsabilidades paternas, discutirá abertamente o
assunto com seus filhos — para alertá-los contra os perigos mais
comuns e poupar suas vidas de possíveis perversões futuras.
Mas o mais irônico é que nem a mãe nem o pai possuem
qualquer experiência profunda e consciente sobre o assunto. Eles
mesmos não saíram do nível físico do sexo e por isso temem que
seus filhos fiquem presos nesse mesmo ponto. Mas, pergunto eu,
alguém orientou você? Você se emaranhou. E seus filhos também
farão o mesmo. E isso se repetirá na segunda e na terceira gerações,
e assim por diante. Mas não é possível que, se seus filhos ouvissem,
fossem ensinados, tivessem a permissão de pensar livremente por
eles mesmos, poderiam evitar a dissipação de suas energias? Eles
podem conservar suas energias. E podem transformá-las.
Muitas vezes já vimos o carvão. Os cientistas dizem que num
espaço de alguns milhares de anos, o carvão transforma-se em
diamante, e que não há diferença química ou estrutural entre o
carvão e o diamante. O diamante é a manifestação transformada de
um pedaço de carvão. O diamante é apenas carvão.
Quero dizer-lhes que o sexo é o carvão, enquanto que
brahmacharya, celibato, é o diamante. O celibato é uma forma de
sexo; o celibato é a transformação do sexo. O celibato é carvão, só
que passou por um determinado processo. E creiam-me, não há
nenhuma inimizade entre os dois extremos. Nenhum inimigo do
sexo jamais se torna um brahmacharya.
O que significa brahmacharya, celibato? É o charya de Brahma;
é a comunhão com Deus. É a realização da experiência divina, da
67
experiência de Deus. E, pelo uso da compreensão consciente, é
possível dirigir nossa energia sexual por esse caminho, o caminho
de Deus.
Amanhã, pretendo falar sobre como a experiência de kama, a
luxúria, pode ser sublimada na de Rama, a luz. Quero que ouçam
com atenção para que não haja falsas interpretações. E sejam quais
forem as questões que lhes vierem à mente, por favor, levantem-nas
com honestidade. Mandem-nas por escrito para que eu possa falar
sobre elas simples e diretamente, nos próximos dias. Não há
necessidade de esconder quaisquer perguntas que surjam em suas
mentes; não há por que esconder a verdade. Não faz sentido tentar
correr dela. A verdade continua sendo verdade quer fechemos os
olhos para ela ou não. Somente aqueles que têm coragem para
encarar a verdade são religiosos. Os que são fracos e covardes para
enfrentar os fatos da vida, jamais poderão ser ajudados a se
tornarem religiosos.
Nos próximos dias, convido-os a ponderarem sobre este
tópico. É um tópico sobre o qual não se espera que seus velhos
sábios falem. E talvez vocês não estejam acostumados a ouvir
discursos como estes. Suas mentes podem reagir com medo, mas
insisto que sejam pacientes e ouçam com atenção. É bem possível
que a compreensão do sexo os guie ao templo de suas almas. Esse é
o meu desejo.
Que Deus satisfaça esse desejo.

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O Pináculo da Meditação

3º Discurso
Gowalia Tank Maidan, 29 de setembro de 1968, Bombaim.

Resumo minha palestra com esta pequena estória: Há muitos


e muitos anos atrás, num certo país, vivia um pintor jovem e
famoso. Ele decidiu criar um retrato realmente grandioso, um
retrato vivo, repleto da alegria de Deus, o retrato de um homem
cujos olhos irradiassem paz eterna. Assim, saiu em busca de alguém
cujo rosto refletisse essa luz eterna, etérea.
O artista andou de uma aldeia a outra, atravessou selvas, em
busca do seu objetivo, até que por fim encontrou um pastor de olhos
brilhantes, com rosto e feições que continham a promessa de algum
lar celestial. Um olhar bastou para convencer o pintor que Deus
estava presente naquele jovem.
O artista fez um retrato do jovem pastor. Milhões de cópias
foram feitas e vendidas por toda parte. O povo sentia imensa
gratidão só por poder pendurar a pintura em suas paredes.
Quase vinte anos depois, quando já estava velho, o artista
decidiu pintar um outro retrato. Sua experiência havia lhe mostrado
que a vida não é só bondade, que Satã também existe no homem. A

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idéia de pintar um retrato do diabo persistiu. Realizando seu
propósito, as duas obras se completariam e mostrariam um homem
completo. Ele já retratara a divindade; agora queria retratar o mal
encarnado.
Saiu em busca de um homem que não fosse um homem, mas
o próprio diabo. Freqüentou covis de malfeitores, tavernas e
hospícios. O tema tinha que conter fogo do inferno; aquele rosto
tinha que mostrar tudo o que há de mau, feio e sádico.
Depois de longa busca, o artista finalmente encontrou um
prisioneiro numa cadeia. O homem havia cometido sete
assassinatos e estava sentenciado à forca, daí a poucos dias. O
inferno era evidente nos olhos do homem; eles esguichavam ódio.
Seu rosto era o mais feio que se poderia encontrar. O artista
começou a pintá-lo.
Quando acabou o retrato, trouxe o antigo e colocou-o ao lado
do novo para ver o contraste. Do ponto de vista artístico, era difícil
afirmar qual o melhor; ambos eram maravilhosos. Ficou parado,
olhando os dois retratos. De repente, ouviu um soluço. Virou-se e
encontrou o prisioneiro condenado chorando. O artista ficou
espantado. Perguntou: "Meu amigo, por que está chorando? Esses
quadros o perturbam?".
O prisioneiro disse: "Tenho tentado todo este tempo esconder
uma coisa de você, mas hoje não consigo. Obviamente você não
sabe que esse outro retrato também é meu. Os dois são meus. Sou o
mesmo pastor que você encontrou há vinte anos atrás nas
montanhas. Choro pela minha queda nestes últimos vinte anos. Caí
do céu para o inferno, de Deus para o Demônio".

Não sei se essa estória é verdadeira, mas de uma coisa tenho


certeza: a vida de cada homem tem dois lados opostos; é possível
fazer dois retratos de todo o mundo. Em cada homem existe tanto
Deus quanto o Diabo; em cada um há a possibilidade do céu e a do
inferno. Um buquê de belas rosas pode brotar do homem tanto
70
quanto um monte de lama pode acumular-se sobre ele. Todo
homem oscila entre esses dois extremos. Pode chegar a qualquer um
deles, mas a maioria das pessoas tende para o infernal. Os poucos
afortunados que aspiram pelo eterno, que permitem o crescimento
do divino dentro deles, são raros. Podemos fazer de nossas vidas
templos de Deus? Podemos nos tornar como o retrato que tinha em
si um vislumbre de Deus?
Como essa pergunta, resumo o que falarei hoje. Como o
homem pode tornar-se o reflexo de Deus? Como é possível tornar a
vida do homem um paraíso repleto de fragrância, beleza e
harmonia? Como é possível ao homem conhecer aquilo que é
imortal? Como é possível ao homem entrar no templo de Deus?
Nesse contexto, os fatos da vida indicam que todo o nosso
progresso, até agora, tem sido na direção oposta. Na infância,
estamos no paraíso, mas conforme vamos crescendo, aos poucos
acabamos no inferno. O mundo da infância é cheio de inocência e
pureza, mas gradualmente começamos a trilhar uma estrada
pavimentada com mentiras e traições, e quando amadurecemos
estamos velhos — não apenas física, mas espiritualmente também.
Não só o corpo se torna fraco e cambaleante, como a alma também
cai num estado de ruína. Mas simplesmente aceitamos isso, e
deixamos que o assunto termine aí. Mas terminamos conosco
mesmos também.
A religião é fatalista sobre essa questão, sobre essa queda,
sobre essa jornada do céu para o inferno. Mas essa jornada tem que
ser invertida. Essa jornada deve ser gratificante — da dor à alegria,
da escuridão à luz, da mortalidade à imortalidade. O anseio interior
do homem é alcançar a imortalidade e sair dos limites da morte;
essa é a sede de sua alma. A única busca da alma é ir da escuridão à
luz. A direção básica de nossa energia primal é ir da mentira à
verdade.
Mas para essa viagem, o homem precisa conservar sua
energia; precisa permitir que sua energia cresça. Para escalar a
71
verdade, para alcançar a alma, o homem deve esforçar-se para ser
um reservatório de força ilimitada; só então alcançará o eterno.
O céu não é para os fracos.
Repito, o céu não é para os fracos. A verdade da vida não é
para os que dissipam suas energias, que se permitem ser débeis e
fracos. Os que desperdiçam energia vital, os que se tornam
interiormente insípidos e impotentes, não podem empreender esta
expedição. Requer-se grande energia para a escalada às alturas.
A conservação de energia é o primeiro requisito da religião.
Mas somos uma geração fraca, doente, e através dessa perda de
energia estamos mergulhando progressivamente em níveis cada vez
mais fracos. Nossa vitalidade está escoando e tudo o que resta
dentro de nós é uma máquina sem bateria; não há mais nada além
de um terrível vazio. Nossas vidas são uma triste e interminável
estória de perdas; nossas vidas não são de modo algum produtivas.
Por que existe essa situação tão pouco atraente? E como
perdemos nossa energia?
A maior válvula de escape da energia do homem é o sexo. O
sexo é um escoamento contínuo que deve parar. Ninguém quer
perder nada, mas, como já lhes disse, há uma razão irresistível para
que o homem desperdice tanta energia. Por causa da visão beatífica
no sexo, o homem é levado, querendo ou não, a perder energia
repetidamente. O êxtase luminescente, mas passageiro, que vem
com o sexo exerce tanta atração sobre o homem que ele está
consentindo impensadamente na perda exatamente daquilo que é a
base de tudo.
Se o mesmo êxtase pudesse ser alcançado por outros meios,
não se pararia de perder a própria energia através do sexo? Existe
algum outro meio de se obter essa mesma experiência? Existe outra
maneira de realizar a mesma experiência tão sublime, onde
mergulhamos nos recessos mais profundos da alma, onde tocamos
o mais alto pico da existência, onde nos é dado o revitalizante
vislumbre da graça sutil e da felicidade pura, onde todas as
72
definições e limitações evaporam? Há alguma outra maneira? Existe
alguma técnica que nos lance nesse abismo sereno que há dentro de
nós mesmos? Existe algum outro processo que nos una à eterna
fonte de paz e alegria que existe em todos nós?
O conhecimento disso acenderá uma transformação no
homem.
Então ele dará as costas para kama e se voltará para Rama; aí
sua jornada será da luxúria a Deus. Uma revolução interna tomará
lugar e uma nova porta se abrirá.
Se não se mostrar ao homem uma nova porta, ele continuará
a dar voltas no mesmo círculo e eventualmente acabará se
destruindo. Mas a idéia retrógrada que ele tem do sexo o impede
até de pensar numa outra porta, em qualquer saída superior. E um
grande e destrutivo caos está sendo criado em sua vida.
A natureza dotou o homem com apenas uma porta, a do
sexo, mas os ensinamentos ao longo dos séculos fecharam essa
porta, obstruíram essa saída. Na falta de uma passagem adequada,
a energia circula sem direção, esforçando-se inutilmente para subir,
desintegrando a personalidade do homem, degenerando-o,
tornando-o um neurótico.
Além disso, esse homem desintegrado e neurótico não pode
nem utilizar a porta natural do sexo, e a arremetida da energia que
vem de dentro destrói as paredes e janelas de seu ser. Como
conseqüência, ela irrompe e o homem cai e quebra a cabeça, tropeça
e quebra os braços e as pernas. Por estar confinada pelo fechamento
da porta natural e não estando ainda aberta a porta sobrenatural, a
energia sexual do homem escoa por saídas artificiais. É esse o maior
infortúnio do homem. Nenhuma porta nova ainda se abriu, e a
velha já está fechada.
É por isso que sou firmemente contra os ensinamentos
tradicionais de inimizade ou repressão ao sexo. É por causa dos
velhos ensinamentos que a sexualidade não só deixou de se

73
desenvolver no homem como também se tornou pervertida. Qual é
o remédio? Não existe outra alternativa?
Observemos cuidadosamente a situação. A realização
conseguida no momento do orgasmo consiste em dois elementos:
ausência de ego e ausência de tempo. O tempo pára e o ego
evapora. Por causa da ausência de ego e da parada de tempo, tem-
se uma visão clara do próprio eu, do eu real. Mas essa glória é
momentânea, e voltamos ao mesmo velho ponto. E nesse meio
tempo perdemos quantidade considerável de energia.
A mente anseia por essa iluminação; a mente almeja
consegui-la novamente, mas essa luz, essa realização é tão
transitória que mal a vislumbramos e ela já desapareceu. O que
permanece então é uma ânsia, uma obsessão, uma profunda
ansiedade em novamente atingir essa experiência. Durante toda a
extensão de sua vida, outra e outra vez o homem tenta agarrar esse
vislumbre, essa experiência estimulante, mas ela nunca permanece.
Há dois meios para se chegar à supraconsciência, para se
alcançar a essência do seu interior: sexo e meditação. O sexo é a
porta provida pela natureza. O sexo é o curso natural: os animais o
têm; os pássaros o têm; as plantas o têm; os homens o têm.
Enquanto o homem se utilizar da porta natural, não estará acima
dos animais, não poderá se elevar acima dos animais. Essa porta é
acessível a eles também. No dia em que o homem encontrar uma
nova porta, esse dia poderá ser considerado a alvorada do que há
de humano no homem. Antes disso, nós não somos homens; antes
disso, nosso centro coincide com o centro dos animais, com o centro
da natureza. Até que nos ergamos acima disso, até que
transcendamos isso, estamos realmente no nível dos animais. Na
aparência, somos homens. Vestimo-nos como homens, falamos a
linguagem dos homens, mas por dentro, no âmago, no centro,
somos como os animais. E não podemos ser mais do que isso. É por
esse motivo que o animal existente em nós irrompe na primeira
oportunidade.
74
Durante o período de comoção, na época de formação da
Índia e do Paquistão, viemos a perceber que um animal carnívoro
ocultava-se por trás da máscara de homem. Soubemos o que as
pessoas que oravam nas mesquitas e recitavam o Gita nos templos
eram capazes de fazer: saqueavam, matavam e roubavam. Os
mesmos que estavam orando nos templos e mesquitas, no dia
anterior, estavam agora saqueando pelas ruas. O que acontecera a
eles?
Um homem tira férias de sua humanidade sempre que tem a
mais leve oportunidade de largar seus deveres de lado — e o
animal, sempre de prontidão, salta para fora. O animal está sempre
ansiando por rédeas soltas. E o homem está sempre tenso —
detendo esse animal, prendendo-o.
Na multidão, num grupo, o homem encontra chance para se
livrar de seus trajes de humanidade e esquecer de si mesmo. Na
massa, ele cria coragem para esquecer de si, e deixa sair da
identidade real que vem contendo. O animal é liberado.
Individualmente, nenhum homem jamais comete tantos pecados
quantos os que cometem em meio à multidão. Quando só, o homem
teme um pouco que alguém possa reconhecê-lo; preocupa-se com o
que está demonstrando. Sozinho, pensará antes no que irá fazer;
teme que possam chamá-lo de animal. Mas, no meio de um grande
grupo de pessoas, perde sua identidade, não se preocupa em ser
notado. É parte integrante da massa; faz o que as pessoas em volta
estão fazendo.
E o que ele faz? Atira pedras, ateia fogo, rouba e viola. Como
parte da turba, aproveita a oportunidade de soltar seu animal. É por
isso que, a cinco ou dez anos, o homem está ansioso pela guerra; é
por isso que está sempre esperando, querendo que estoure um
motim. Está bem para ele que o pretexto seja um conflito entre
hindus e muçulmanos; se não, a causa Gujarati-Marathi também
servirá. Se os gujaratis e marathis não estiverem prontos para um
conflito, então um confronto entre grupos de língua hindi e não-
75
hindi também o satisfará. Ele só precisa de uma desculpa, qualquer
que seja, para libertar sua insaciável besta interior.
O animal que há no homem é frustrado pela barreira
constante; está urrando para sair. Mas a menos que esse animal seja
vencido, destruído, a consciência do homem jamais se erguerá
acima da bestialidade.
Nossa natureza, nossa força vital, nossa energia, só tem uma
saída fácil, que é o sexo. Vedar esse canal criará problemas, assim,
antes de fechá-lo, é muito importante abrir uma nova porta para
que a energia possa ser desviada numa nova direção. Isso é
possível, mas ainda não aconteceu, pela simples razão de que a
repressão é muito mais fácil do que a transformação. É mais fácil
cobrir uma coisa, abafá-la, do que tentar resolvê-la ou transformá-la
— porque isso exige o esforço de um sadhana; de uma conduta
constante de ação meditativa. Por isso, temos escolhido a repressão
interna do sexo.
Ao mesmo tempo, não percebemos que nada pode ser
destruído pela repressão; pelo contrário, é fortalecido como uma
reação. Nós nos esquecemos também de que reprimir qualquer
coisa intensifica nossa atração por ela. Aquilo que reprimimos não
apenas se torna o centro de nossa consciência como também penetra
nos níveis mais profundos do nosso subconsciente. Podemos
reprimir enquanto estamos despertos, mas, à noite, isso se manifesta
em nossos sonhos. Fica esperando lá dentro, ansioso para atacar
violentamente à primeira oportunidade.
A repressão não livrará o homem de nada; pelo contrário,
suas raízes entrarão cada vez mais fundo em seu subconsciente e,
como conseqüência, prendê-lo-ão numa armadilha. No processo de
tentar dar cabo do sexo, o homem acabou se emaranhando, caiu na
armadilha.
Enquanto o animal tem seus limites e períodos, o homem não
tem nem uma coisa nem outra. O homem é sexual o tempo todo,
durante o ano inteiro. Sem exceção, nenhum animal é tão sexual a
76
esse ponto. Os animais possuem épocas específicas para isso, um
período, um cio que vem e vai. Terminado esse momento, o animal
não pensa nisso novamente. Mas veja o que acontece com o homem.
Aquilo que ele tentou reprimir, tentou suprimir, continua crescendo
por toda a sua vida. É um vulcão eternamente ativo.
Você já observou que nenhum animal é o tempo todo sexual,
mas que o homem tende para o sexo em todas as situações? A
sexualidade exala do homem como se o sexo fosse tudo na vida.
Como aconteceu essa perversão? Como ocorreu tamanho desastre?
Por que isso não aconteceu a nenhum animal? Só existe uma causa:
o homem fez o que pôde para reprimir o sexo. E ele irrompeu
através da sua personalidade na mesma medida.
E pense no que fizemos para reprimir o sexo! Tivemos que
desenvolver uma atitude insultante em relação a ele; tivemos que
degradá-lo; tivemos que corrompê-lo. Tivemos que chamá-lo de
pecado; tivemos que gritar do alto das torres: "Sexo é pecado!"
Tivemos que proclamar que aqueles que a ele se entregavam eram
desprezíveis, deviam ser menosprezados. Tivemos que inventar
incontáveis nomes degradantes para o sexo, de modo a justificar
nossa repressão a ele. Mas nem por um momento nos preocupamos
em ver que esses abusos e objeções iriam fatalmente envenenar todo
o nosso ser.
Certa vez, Nietzsche fez uma declaração muito significativa.
Disse que embora a religião tenha tentado matar o sexo por
envenenamento, ele não havia morrido, mas continuava vivo e
cheio de veneno. Teria sido melhor que tivesse morrido, mas isso
não aconteceu; foi envenenado e mesmo assim continuou vivo. O
truque não deu certo. A sexualidade que vemos hoje à nossa volta é
o resumo do sexo envenenado.
O sexo existe também no animal porque é a fonte da vida,
mas a sexualidade só existe no homem. Não há sexualidade entre os
animais. Olhe nos olhos de um animal; você não encontrará luxúria
neles. Mas se olhar nos olhos de um homem, não verá nada além da
77
luxúria; nada além de um desejo grosseiro pelo sexo. Assim, os
animais hoje em dia, de um certo modo, são belos; mas não há
limite para a feiúra e mau cheiro do homem, o louco repressor.
Como primeiro passo para livrar o homem da sexualidade, as
crianças — meninos e meninas — devem, como eu disse ontem,
receber instrução sobre o assunto. Além desse conhecimento,
também deve desaparecer essa distância feia e artificial entre eles.
Na verdade, devem crescer mais próximos uns dos outros; a
segregação é completamente antinatural.
Homens e mulheres tornaram-se espécies completamente
diferentes. Olhando essa separação, essa divisão criada entre ambos,
é difícil acreditar que pertençam à mesma espécie, que ambos façam
parte da raça humana. Se os meninos e meninas fossem livres para
andar pela casa despidos, como e quando quisessem, a curiosidade
obscena e antinatural que mais tarde acaba se desenvolvendo seria
cortada pela raiz. Já sabemos muito bem o quanto a ignorância que
temos do corpo do outro provoca curiosidade nas crianças. Veja
como os filhos de pais civilizados adoram brincar de "médico".
Além do mais, não sei se vocês já ouviram falar de um novo
movimento iniciado por um segmento da sociedade americana,
formado por pessoas ditas religiosas. O seu objetivo é impedir que
os cães, gatos, cavalos e outros animais sejam exibidos sem roupas;
querem que eles sejam vestidos para sair às ruas. A idéia por trás
disso é que as crianças podem ser corrompidas se olharem para os
animais despidos. Como é engraçado pensar que uma criança
poderá se corromper por olhar um animal nu! Mas, de qualquer
maneira, está se formando uma associação para banir os animais
despidos das ruas. Veja quantas coisas estão sendo feitas para salvar
a humanidade !
Esses pseudo-salvadores são justamente os que estão
destruindo o homem. Você já notou como os animais são belos e
maravilhosos, mesmo despidos? Mesmo em sua nudez, são
inocentes, simples e plenos. Raramente se pensa num animal como
78
estando nu, e você jamais os verá como tal a menos que esteja
escondendo dentro de si a sua própria nudez! Mas aqueles que
sentem medo, que são covardes, tentarão de tudo para compensar o
medo que têm da própria nudez. Devido à invenção de tais
reparações é que a humanidade está degenerando dia a dia.
O homem deveria ser tão simples a ponto de poder estar nu,
despido, inocente e cheio de graça. Alguém como Mahavir resolveu
fazer a experiência de ficar nu, e, da mesma maneira, todo homem
deveria cultivar uma mentalidade com a qual também pudesse estar
nu. As pessoas chamadas de religiosas dizem que Mahavir rejeitou
as roupas como sendo indesejáveis, abandonando o uso de qualquer
traje. Mas eu nego isso. Seu chitta, sua consciência tornou-se tão
clara, tão inocente — tão pura quanto a de uma criança — que ele se
ergueu nu para encarar o mundo. Quando não existe mais nada
para ocultar, o homem pode se desnudar.
O homem se cobre porque sente que há alguma coisa lá
dentro que precisa ser encoberta. Mas quando não há nada para
esconder, não é preciso nem vestir roupas. Há uma grande
necessidade de um tipo de mundo onde todos os indivíduos sejam
tão isentos de culpa, tão puros de mente e tão serenos que sejam
capazes de abandonar suas roupas.
Qual é o crime? Que perigo existe em estar nu?
A questão é outra quando as roupas são usadas por outras
razões, mas quando usadas apenas por causa do medo da nudez,
isso é desprezível. Usar roupas por causa do terror pela nudez
indica uma nudez ainda maior, prova que a mente está
contaminada. Mas, hoje em dia, sentimo-nos culpados até mesmo
usando roupas, como se ainda não tivéssemos conseguido limpar a
existência da nossa nudez interior.
Ah! Deus é tão infantil! Poderia tão facilmente ter criado o
homem com roupas.
A propósito, por favor não concluam que sou contra o uso de
roupas. Mas não tenho nenhum problema em afirmar que usar
79
roupas por puro medo da nudez não cobre a nudez; pelo contrário,
descobre-a. Essa noção antinatural da nudez é desprezível e
degenerante. E essa noção tem sido decretada por uma longa
tradição social.
Uma pessoa pode parecer nua mesmo usando roupas e outra,
mesmo estando nua, pode parecer vestida. É preciso pensar melhor
nesse assunto, depois de se ver as roupas modernas, justas ao corpo,
usadas tanto por homens quanto por mulheres? Essa é a
conseqüência de um desejo insatisfeito de vislumbrar o corpo e
exibi-lo. Se homens e mulheres estivessem familiarizados com seus
corpos, as roupas automaticamente não teriam outro propósito além
de protegê-los. Mas, em vez disso, atualmente as roupas são criadas
com a intenção do despertar a sexualidade.
Para onde está indo a civilização quando as roupas não são
mais roupas, mas incentivos à sexualidade? É por isso que insisto
em se deixar as crianças ficarem nuas até uma certa idade. Elas
devem compreender que a necessidade de roupas tem a ver com
outra coisa além de sexo!
Além disso, o conceito de nudez é subjetivo. Para uma mente
simples, para uma mente inocente, a nudez não é ofensiva; tem sua
própria beleza. Mas, até agora, o homem tem se alimentado de
veneno e, gradualmente, com o passar do tempo, esse veneno se
espalhou de um pólo a outro de sua existência. Conseqüentemente,
nossa atitude diante da nudez é completamente antinatural.
Quando falei sobre este tópico em nosso primeiro encontro
no Bharatiya Vidya Bhavan Auditorium, fui procurado por uma
senhora que me disse: "Estou muito aborrecida. Estou zangada com
você. O sexo é um assunto escandaloso. É um pecado. Por que você
fala tanto sobre isso? Eu realmente desprezo o sexo".
Agora, veja, essa senhora despreza o sexo, embora seja
casada e tenha filhos e filhas. Como pode amar o marido que a
levou ao sexo? Como pode amar os filhos que nasceram do sexo?
Sua atitude para com a vida está permeada de veneno; seu amor
80
permanecerá envenenado. E assim fatalmente terá que haver uma
fenda profunda entre essa mulher e seu marido. Também haverá
uma cerca de espinhos entre ela e os filhos, porque estes são, para
ela, frutos do pecado. O relacionamento dela com o marido é
orientado pelo pecado; ela é assaltada por um complexo de culpa
inconsciente relacionado ao sexo. Pode-se viver em harmonia com o
pecado?
Aqueles que difamam o sexo perturbam a vida conjugal de
todos. Em vez de proporcionar qualquer tipo de libertação, essa
atitude destruidora contra o sexo tem causado efeitos
profundamente prejudiciais. O homem que se depara com uma
barreira invisível entre ele mesmo e sua mulher jamais se sentirá
satisfeito com ela: procurará outras, preferirá as prostitutas. Se ele se
sentisse gratificado em casa, todas as mulheres do mundo seriam
como irmãs e mães para ele, mas por essa insatisfação, agora ele
verá todas elas como mulheres em potencial, estará sempre atrás de
alguma outra coisa. É natural; tem de ser assim. Ele encontra
veneno, repulsa e acusações de pecado onde deveria sentir-se
abençoado com felicidade, êxtase e serenidade. Suas necessidades
básicas não são satisfeitas em casa e, por isso, ele vagueia por toda
parte, buscando satisfação em todos os cantos. E o que o homem
não inventou para satisfazer essas necessidades básicas! Você se
surpreenderia se tentássemos enumerar todos os truques
inventados por ele.
O homem se desviou de seu caminho para ficar inventando
truques, mas jamais parou para pensar cuidadosamente sobre essa
atitude reversa básica. Agora, aquilo que era uma lagoa de amor
tornou-se uma poça de sexo, e a poça está envenenada. E quando
existe um agudo senso de pecado, de veneno, quando há um
sentimento de hesitação entre marido e mulher, essa abordagem de
culpa acaba com a possibilidade de qualquer crescimento em suas
vidas em comum.

81
Conforme posso ver, se um casal tentar considerar o sexo
com harmonia, com um amor no qual haja compreensão, com um
sentimento de alegria pura e sem qualquer sensação de
obscuridade, se não hoje, amanhã o relacionamento entre ambos
poderá ser transformado, elevado. E depois disso, é possível que a
esposa, a mesma esposa, continue ali, mas na forma de uma mãe!
Ouvi contar que Kasturba esteve certa vez no Ceilão
juntamente com Gandhi e sua comitiva. No seu discurso de boas-
vindas, o anfitrião disse o quão afortunado se sentia por ser
honrado pela presença da mãe de Gandhi que acompanhava o filho
em sua viagem e estava sentada a seu lado. O secretário de Gandhi
não sabia o que fazer. O erro havia sido dele. Antes de mais nada,
deveria ter apresentado os membros da comitiva aos organizadores
da recepção. Mas então já era tarde: Gandhi já estava diante do
microfone e começava seu discurso. O secretário temia ser
repreendido por Gandhi depois, mas não sabia que Gandhi não se
zangaria com ele, porque a mulher que consegue transformar-se de
esposa em mãe é realmente alguém muito raro.
Gandhi disse: "Foi uma feliz coincidência que o amigo que
nos apresentou tenha, por engano, falado a verdade. Nos últimos
anos, Kasturba tornou-se realmente minha mãe. Antes já foi minha
esposa, mas agora é minha mãe".
Juntos, isso pode acontecer. Se um casal se esforçar um pouco
em examinar sua vida sexual, poderão se tomar bons amigos e
ajudar-se mutuamente na transformação do sexo. E no dia em que
conseguirem isso, um sentimento de gratidão nascerá entre eles.
Mas hoje em dia, não existe outra coisa, além de uma inimizade
insidiosa e inata entre maridos e esposas. Há uma luta constante;
jamais uma amizade serena.
Um sentimento de gratificação profunda nasce entre um
casal quando cada um serve de veículo para transformar os desejos
sexuais do outro. Uma amizade verdadeira floresce quando ambos
se tornam parceiros na ascendência, na transcendência do sexo.
82
Nesse dia, o homem ficará pleno de respeito pela mulher, porque
ela o ajudou a encontrar a libertação da luxúria. Nesse dia, a mulher
se encherá de gratidão pelo marido por livrá-la da paixão. Desse dia
em diante, eles viverão na verdadeira harmonia do amor, e não
mais na luxúria. Esse é o começo da viagem através da qual o
marido torna-se um deus para sua mulher e ela torna-se uma deusa
para o marido. Mas essa possibilidade tem sido envenenada.
Ontem, declarei que é difícil encontrar maior inimigo do sexo
do que eu. Isso não implica em que eu despreze ou reprove o sexo;
disse isso apreensivamente, como um guia na direção da
transcendência, como uma indicação de como a luxúria pode ser
transformada. Sou inimigo do sexo no sentido de que sou a favor da
transformação do carvão em diamante. Eu gostaria de transformar o
sexo.
Como fazer isso? Como proceder?
Digo que uma outra porta precisa ser aberta, uma nova porta.
O sexo não se manifesta logo que a criança nasce. O corpo
acumula energia, as células ganham força, e ainda há tempo até que
o pleno desenvolvimento do corpo aconteça. Aos poucos, a energia
vai se juntando, e então empurra a porta que esteve fechada nos
primeiros catorze anos de vida, este é o momento em que a criança
se introduz no mundo do sexo.
Quando uma porta está aberta é muito difícil abrir outra.
Devido à natureza da força da vida, toda a vitalidade, toda a
energia de uma pessoa corre na direção onde ela forçou a abertura.
Desde que o Ganges instalou o seu curso, nunca mais deixou de
fluir por ele; não ficou buscando diariamente outros cursos. Água
nova pode brotar diariamente, mas o rio continua a fluir pelo
mesmo canal. De modo similar, a força vital do homem cava um
curso por si mesma e então segue sua viagem por ele.
Se o homem deve ser curado da sexualidade, é muito
importante criar uma nova abertura antes que a porta do sexo se
abra. Essa nova abertura é a meditação.
83
Cada criança, desde pequena, deve ser ensinada a meditar,
deve ser introduzida na meditação. Os falsos ensinamentos sobre o
sexo deveriam ser abolidos e, em seu lugar, deveria ser ensinada a
meditação. A meditação é uma porta positiva; é uma abertura
superior. É preciso que se faça uma escolha entre sexo e meditação,
e a meditação é a alternativa mais alta. Não reprove o sexo; ensine a
criança a meditar.
Opor-se ao ensino do sexo às crianças apenas as tornam
alertas para a existência dele. E essa abordagem é altamente
perigosa. Mais tarde, isso levará a perversões de sexualidade
imatura. Quando ainda não há nenhuma porta aberta, quando
ambas estão fechadas, quando a energia ainda está retida, qualquer
uma das portas pode ser empurrada — mas essa insistência contra o
sexo é como bater na porta do sexo.
Uma planta nova e flexível pode ser inclinada para qualquer
direção; pode até pender humildemente por conta própria. Mas
conforme cresce, torna-se dura. Se você quiser dobrá-la então, ela
quebrará ou ficará disforme. Aqui é o mesmo caso.
É muito difícil conseguir um estado meditativo quando se é
mais velho. Pessoas idosas tentando a meditação é como semear
após a estação. A semente da meditação pode ser facilmente
semeada nas crianças, mas o homem, assim como é, só se mostra
interessado na meditação, próximo ao fim da vida. Aí tem ânsia de
meditar — quando sua energia baixou, quando todas as
possibilidades de progresso secaram completamente. Só então ele
pergunta sobre meditação e ioga. Quer reformar-se quando a sorte
já foi lançada, quando a transformação é realmente muito difícil.
Um homem com um pé na cova pergunta se alguma coisa pode ser
feita para conseguir a liberdade através da meditação. Isso é
estranho. É uma noção um tanto louca.
Este planeta não poderá jamais ter paz enquanto não dermos
início a uma jornada rumo à meditação, em todas as mentes jovens.
Mas é inútil tentar isso com os que estão no fim da estrada, que
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estão no crepúsculo de suas vidas. Mesmo que fosse tentado, isso
exigiria um enorme esforço e, mesmo assim, as vantagens não
seriam muito grandes. Mas pode ser conseguido se for tentado mais
cedo na vida, quando não é preciso tanto esforço.
Assim, o primeiro passo em direção à transformação do sexo
é iniciar as crianças pequenas na meditação — ensiná-las a serem
calmas e guardarem para si mesmas suas opiniões; ensiná-las a
serem silenciosas e esclarecê-las sobre o estado de não-mente.
Embora as crianças já sejam calmas e pacificas pelos padrões
adultos, se fossem guiadas na direção certa e ensinadas a praticar a
discrição e a serenidade, mesmo que fosse um pouco a cada dia,
abrir-se-ia uma nova porta antes que elas completassem catorze
anos de idade. Assim, quando o sexo apontasse, quando a energia
aflorasse e estivesse pronta para transbordar, fluiria pela nova porta
que já estaria aberta. Já teriam percebido a serenidade, a felicidade,
a graça, a atemporalidade e a ausência de ego da meditação muito
antes da experiência sexual. Essa familiaridade impediria que suas
energias se movessem por canais errados e as conduziria para os
caminhos corretos.
Em vez de ensinar a tranqüilidade da meditação, ensinamos
as crianças a abominar o sexo. "Sexo é pecado", "sexo é sujeira",
dizemos. Dizemos a elas que é feio e mau; dizemos que é o inferno.
Mas esses insultos absolutamente nada fazem para alterar a situação
real. Pelo contrário as crianças tomam-se curiosas; querem saber
mais sobre esse inferno, esse mal, essa coisa suja que deixa seus pais
e mestres em pânico, cheios de medo. Procuram pela resposta em
toda parte; anseiam por entender porque existe tanta comoção a
respeito disso.
E em pouco tempo, as crianças descobrem que seus próprios
pais estão envolvidos na mesma busca; dia e noite eles fazem
exatamente aquilo a respeito do qual não lhes é permitido saber
nada. O resultado instantâneo e automático da descoberta desse fato
é o fim da admiração que sentem por seus pais. A educação
85
moderna não é responsável, como se crê por aí, pelo grande
decréscimo na veneração pelos pais; os próprios pais são culpados
disso. Rapidamente as crianças percebem o paradoxo; ficam logo
sabendo que seus pais estão totalmente submersos exatamente
naquilo que lhes ensinaram a odiar.
As crianças são observadoras perspicazes. Vêem que a vida
noturna deles é bem diferente da diurna, que os ensinamentos deles
diferem largamente de suas práticas. Elas vêem o que se passa em
casa. A despeito do pai chamar de "sujo" e a mãe chamar de "mau",
elas vêem que exatamente aquilo está se passando dentro de casa.
Compreendem o que acontece e, nesse caso, perdem toda a
reverência por seus pais. Os pais são ardilosos, hipócritas, conclui a
criança.
E lembre-se, as crianças que perdem a fé em seus pais, jamais
conseguirão desenvolver a fé em Deus. Elas têm o primeiro
vislumbre de fé, o primeiro vislumbre de Deus, através dos pais. Se
essa fé é destruída, certamente elas crescerão como ateus. As
crianças têm o primeiro reconhecimento de Deus na retidão de seus
pais, e se isso se mostrar ilusório, será difícil fazer com que elas se
voltem para Deus. A relação entre essas crianças e Deus será
abalada porque elas foram traídas por suas primeiras divindades,
seus pais, que provaram não serem honrados.
Hoje em dia, a geração mais jovem nega a existência de Deus,
ridiculariza a idéia de liberação e chama a religião de fraude, não
porque tenha chegado a isso por ela mesma e tirado suas próprias
conclusões, mas por causa dessa traição cometida por seus pais. Eles
condenaram essa geração a uma vida de cinismo.
Esse sentimento de traição passou a existir porque o sexo foi
erroneamente apresentado pelos mais velhos. Deveria ser
abertamente explicado a eles que o sexo é parte integrante da vida,
que nós todos nascemos do sexo, e que ele faz parte de suas vidas.
Isso os ajudaria a entender o comportamento dos pais na sua devida
perspectiva, e quando crescessem e experimentassem a vida por
86
eles mesmos, sentiriam respeito e reverência pela honestidade de
seus pais. O início dessa fé e reverência numa criança deitaria as
bases para uma vida religiosa. As crianças de hoje suspeitam que
seus pais sejam hipócritas; daí o atual conflito ideológico entre
gerações. A repressão do sexo separou maridos de esposas e
colocou os filhos contra os pais. Não precisamos dessa repressão do
sexo; o que é necessário é o esclarecimento sobre o sexo. Tão logo as
crianças amadureçam, tão logo comecem a especular, os pais devem
expor, de maneira agradável, os principais fatos da vida diante
delas. Isso deve ser feito antes que as crianças se tornem
desnecessária ou prejudicialmente curiosas, antes que elas comecem
a nutrir atrações doentias que possam levá-las a satisfazer a
curiosidade em lugares errados. Caso contrário, assim como ocorre
hoje, as crianças descobrirão o que querem saber, mas pelas pessoas
erradas; descobrirão em condições anormais e através de práticas
perigosas. Esses caminhos são prejudiciais e ruinosos. Os resultados
torturam e doem pelo resto da vida, e, por fim, um muro de
vergonha e segredos se ergue entre pais e filhos.
Os pais jamais ficam sabendo sobre a vida sexual de seus
filhos, assim como eles ignoram a dos pais. A alienação que resulta
desse jogo de esconde-esconde é realmente muito perigosa. As
crianças precisam ser apropriadamente educadas sobre o sexo;
devem receber uma educação correta:
Em segundo lugar, as crianças deveriam aprender a meditar
— como estarem calmas, serenas, silenciosas; como alcançar o
estado de não-mente. As crianças podem aprender isso muito,
muito rapidamente. Todos os lares deveriam ter um programa
criado para ajudar as crianças a entrarem em silêncio. Isso só será
possível quando vocês, como pais, também praticarem com elas.
Sentar-se em silêncio durante uma hora por dia deveria ser
obrigatório em todas as casas. Essa hora de silêncio deveria ser
observada a qualquer custo, mesmo que fosse preciso ficar sem

87
comida. É errado dizer que uma casa é um lar quando ali não se
observa o silêncio diariamente. Não deveria nem se chamar família.
Uma hora diária de silêncio é suficiente para conservar a
energia. Então, aos catorze anos de idade, ela aumentará
repentinamente seu fluxo e empurrará a porta da meditação, esse
estado meditativo no qual o homem toca no atemporal e no não-
ego, no qual vislumbra a alma, no qual vislumbra o Supremo. Um
encontro com esse ápice antes da experiência sexual poderia dar um
fim à louca corrida atrás do sexo; a energia encontraria um caminho
melhor, mais cheio de graça, e de maior dignidade.
Este é o primeiro estágio no processo do celibato: transcender
o sexo. E o caminho é a meditação.
A segunda coisa fundamental é o amor. As crianças devem
ser ensinadas a amar desde a infância. O medo mais comum é que o
ensino do amor leve o homem aos labirintos do sexo. Mas esse
medo não tem fundamento. O ensino do sexo pode levar o homem
ao amor, mas o ensino do amor jamais o arrastará para a
sexualidade. A verdade não corresponde à crença geral. A energia
do sexo transforma-se em amor.
Um homem é capaz de espalhar amor aos que o circundam
na proporção direta ao amor que cresce dentro dele. Os que estão
vazios de amor estão cheios de sexo. E permanecem obcecados,
sexo-intencionados. Quanto menos o homem ama, mais ele odeia;
quanto menos amor houver em sua vida, mais rancoroso ele será. E
aqueles que são carentes de amor estão cheios de ciúme exatamente
no mesmo grau. Quanto menos o homem ama, mais lutas
conhecerá. As pessoas são preocupadas e infelizes
proporcionalmente à falta de amor em suas vidas. E quanto mais
um homem for engolido pela vaidade, pelo ciúme, pelo orgulho,
pelas mentiras e coisas do gênero, mais suas energias
enfraquecerão, tornando-se débeis e frágeis; o tempo todo ele se
sentirá tenso. E a única saída para esse conjunto rude, grosseiro,
baixo e degradante de emoções é o sexo.
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O amor transforma a energia. O amor é fluido, criativo,
harmonioso; o amor satisfaz. E a gratidão do amor é muito mais
profunda e muito mais valiosa do que a obtida pelo sexo. Aquele
que conhece essa satisfação jamais olhará para qualquer outro
substituto, tal como o homem que adquire jóias jamais procurará
bijuterias.
Mas um homem cheio de ódio jamais encontra satisfação.
Está sempre inquieto; destrói tudo em seu caminho. E a destruição
jamais traz felicidade; somente a criação pode encher o homem de
um sentimento gratificante. Um homem cheio de ciúmes é
beligerante e competitivo, mas ser assim jamais traz satisfação. Um
homem agressivo somente desrespeita e abusa dos outros.
A graça só pode ser conseguida quando se dá, nunca
tomando. Agarrar e acumular tudo que estiver ao alcance da vista
nunca trará paz de espírito, mas ela pode ser conseguida quando se
dá, quando se distribui beneficamente. Um homem ambicioso está
sempre desejando; nunca está em paz — mas aqueles que não estão
atrás de poder, mas em busca do amor, os que distribuem amor em
toda parte, vivem em felicidade suprema. A profundidade da
satisfação depende de quanto amor o homem tem em si; essa
satisfação, essa alegria, essa sensação de realização existem no
fundo de seu coração. Uma pessoa assim iluminada não se
importará com sexo; nem mesmo precisará tentar desviar-se dessa
direção. Isso acontece porque a satisfação e a bem-aventurança
encontradas no sexo lhe são perpetuamente disponíveis através do
amor.
O próximo movimento: crescer na totalidade do amor.
Devíamos venerar o amor, acolher o amor, viver no amor. Mas
apenas amar os outros não é o objetivo almejado; ser devotado ao
amor é abastecer de amor toda uma personalidade. Estou falando
de uma educação totalmente baseada no amor. Devíamos conseguir
apanhar uma pedra como se estivéssemos tocando num amigo;

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devíamos dar a mão a um inimigo como se a estivéssemos dando a
um amigo.
Alguns homens lidam com as coisas materiais com carinho,
enquanto que outros dão aos seus semelhantes um tipo de
tratamento que não se deve dar nem a objetos inanimados. Para um
homem preocupado com ódio, os humanos não são melhores do
que os objetos inanimados, mas um homem cheio de amor até
mesmo concede uma individualidade, uma personalidade, a tudo o
que toca!
Certa vez, um viajante culto visitou um afamado faquir. Por
alguma razão, o homem estava aborrecido, provavelmente devido à
viagem difícil. Assim, ele desamarrou os cordões dos sapatos e
raivosamente atirou-os a um canto. Depois, abriu a porta com toda
a força. Quando um homem está com raiva, tira seus sapatos como
se eles fossem seu pior inimigo. E chega a abrir uma porta como se
houvesse entre ambos uma grande hostilidade.
O homem abriu a porta, entrou e apresentou seus respeitos
ao faquir.
O faquir disse: "Não, não aceito sua homenagem. Antes, peça
desculpas à porta e aos sapatos".
"O que há com você?", perguntou o outro. "Pedir desculpas a
uma porta? A um par de sapatos? Por quê? Eles estão vivos?"
O faquir respondeu: "Você não pensou nisso quando estava
jogando sua raiva naqueles objetos inanimados. Lançou fora seus
sapatos como se eles tivessem culpa de alguma coisa, e abriu a porta
de tal modo que ela parecia ser sua inimiga. Quando alguém atribui
individualidade às coisas, lançando sua raiva sobre elas, deve estar
preparado para pedir-lhes perdão também. Por favor, vá e ofereça-
lhes suas desculpas. Caso contrário, não estou disposto a continuar
esta entrevista com você".
O viajante pensou que, como havia vindo de tão longe para
encontrar-se com o ilustre faquir, seria ridículo encerrar a conversa
por um assunto tão trivial. Assim, chegou perto de seus sapatos e,
90
com as mãos postas, disse: "Amigos, perdoem-me por minha
insolência". À porta disse: "Desculpe-me. Foi um erro empurrá-la
com tanta raiva".
Que momento para aquele homem!
Em suas memórias, o viajante escreveu que, a princípio,
sentira-se muito ridículo, mas que quando acabou de se desculpar,
algo novo surgiu dentro dele: sentiu-se tão calmo, tão sereno, em
paz. Não poderia imaginar que alguém pudesse sentir-se tão calmo,
tão centrado e tão feliz só por pedir desculpas a uma porta e a um
par de sapatos.
Depois de pedir suas desculpas, entrou e sentou-se diante do
faquir que começou a rir e disse: "Agora está tudo bem. Agora você
está harmonizado e podemos conversar. Você demonstrou amor e
está mais leve. Agora é possível haver um encontro entre nós dois".
O princípio não é amar apenas os seres humanos, mas sim
estar pleno de amor.
Dizer que uma pessoa deve amar sua mãe está errado; é um
embuste. Se um pai pede a seu filho que o ame só por ser seu pai, é
uma fraude; está dando uma razão para o amor. Da mesma
maneira, se uma mãe diz a seu filho que deve amá-la pela simples
razão de ser sua mãe, é uma imposição. O amor que está sujeito a
"porquês" e "portantos" não é amor. O amor não pode ter nenhum
motivo; não pode estar atolado em razões. A mãe diz: "Cuidei de
você, eduquei-o, portanto, você deve me amar". Ela está dando uma
razão. E aí, o amor acaba. Se uma criança é forçada, pode mostrar
alguma afeição pela mãe, mesmo sem querer, mas o alvo do
aprendizado do amor não é forçar a criança a expressar amor por
alguma razão, mas sim criar um ambiente onde ela ficará plena de
amor.
É preciso que vocês aprendam que isso é uma questão de
crescimento da criança, de toda a sua personalidade, de seu futuro,
de seu prazer em ser amorosa com quem quer que ela encontre, seja
uma pedra, um ser humano, uma flor, um animal, qualquer coisa ou
91
pessoa. O ponto não é amar apenas um animal, uma flor, sua mãe
ou seja lá quem for. O ponto é a criança estar cheia de amor. Disso
depende não só o seu futuro, mas o futuro da humanidade. As
tremendas possibilidades de florescimento da alegria e da felicidade
na vida do homem depende de quanto amor há dentro dele. Um
homem amoroso pode estar livre da sexualidade também. Mas nós
não concedemos amor; não zelamos pelo amor.
Você acha que um homem pode amar uma pessoa e odiar
outra ao mesmo tempo? Não, é impossível. Um homem amoroso,
mesmo quando só, está cheio de amor, porque essa é a sua natureza;
não tem nada a ver com os seus relacionamentos. Um homem
raivoso sente raiva mesmo quando só; um homem cheio de ódio,
odeia mesmo quando só. Observe-o quando estiver só, e verá sua
raiva mesmo que ele não a esteja demonstrando a ninguém em
particular naquele momento. Todo seu ser simplesmente transborda
de ódio, de raiva. De maneira oposta, se você vir um homem cheio
de amor, poderá senti-lo jorrando amor mesmo quando só.
As flores que nascem na mata espalham sua fragrância,
havendo ou não alguém para apreciá-las, esteja alguém passando
por elas ou não. Ser perfumada é a natureza da flor. Não se iluda
pensando que a flor está exalando seu perfume só para você!
As pessoas deveriam estar simplesmente cheias de amor; não
deveriam depender de "para quem". Mas um amante quer que seu
amado ame apenas a ele e a mais ninguém. "Ame só a mim", ele diz,
mas não sabe que os que não podem amar todos não podem amar
ninguém. A mulher diz ao marido que ame apenas a ela e não
mostre afeição por mais ninguém, mas não compreende que o amor
dele é falso e que ela foi a causa disso. Como um marido que não
sente amor por mais ninguém pode amar sua esposa? Ser amorosa é
a natureza da vida.
Não é possível estar cheio de amor por uma pessoa e não
sentir amor por mais ninguém. Mas a humanidade não tem
conseguido ver essa verdade pura e simples. O pai quer que o filho
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o ame, mas ensinou a criança a amar o velho criado da casa? Ele
também não é um homem? O criado pode ser velho, mas pode
também ser o pai de alguém. Não, ele é só criado e, portanto, não há
por que ser cortês ou amável com ele. Mas esse pai não compreende
que quando envelhecer irá queixar-se de que seus filhos não
demonstram nenhuma afeição. Seus filhos poderiam ter se tomado
homens cheios de amor se tivessem sido ensinados a amar a todos.
E então, da mesma maneira, teriam respeitado o velho pai.
O amor não é um relacionamento, o amor é um estado de
espírito. É um componente essencial da personalidade de um
homem. Portanto, o segundo estágio no aprendizado do amor é
ensinar a criança a amar tudo. Se uma criança nem mesmo consegue
colocar um livro de volta no lugar, sua atenção deveria ser chamada
para o fato de que não é conveniente deixar um livro daquela
maneira. Deveria ter consciência do que as pessoas vão pensar dela,
vendo-a tratar o livro desse modo. Se você se comporta
brutalmente, mesmo com seu cão, isso indica falha na sua
personalidade; é uma prova de que você carece de amor. E quem
não tem amor não é absolutamente um homem.

Lembro-me da estória de um faquir que vivia numa pequena


cabana. Uma noite, por volta da meia-noite, chovia fortemente e o
faquir e sua mulher estava m dormindo. De repente, bateram à
porta: alguém procurava abrigo.
O faquir acordou a esposa: "Alguém está lá fora", disse ele.
"Algum viajante, algum amigo desconhecido."
Você notou a expressão? Ele disse: "amigo desconhecido". E
você não considera amigo nem aqueles a quem conhece. A atitude
dele era de amor.
O faquir disse: "Algum amigo desconhecido espera lá fora.
Por favor, abra a porta".
Sua esposa disse: "Não temos quarto. Não temos lugar nem
para nós dois. Como podemos receber mais uma pessoa?".
93
O faquir respondeu: "Minha querida, este não é o palácio de
um homem rico. Não pode tornar-se menor do que é. O palácio de
um homem rico parece diminuir quando chega um único hóspede,
mas esta é a cabana de um homem pobre".
A esposa perguntou: "O que essa questão de pobreza ou
riqueza tem a ver com isso? O fato é que esta cabana é muito
pequena!".
O faquir respondeu: "Se houvesse espaço suficiente em seu
coração, sentiria que esta cabana é um palácio, mas se seu coração é
estreito, mesmo um palácio parecerá pequeno. Por favor, abra a
porta. Como podemos repelir um homem que bateu à nossa porta?
Até agora, nós estivemos deitados. Talvez não possamos deitar os
três, mas poderemos nos sentar. Haverá lugar para todos se
ficarmos sentados."
A mulher teve que abrir a porta. O homem entrou com as
roupas ensopadas. Eles se sentaram e começaram a conversar.
Depois de um tempo, chegaram mais duas pessoas e bateram à
porta.
O faquir disse: "Parece que há mais alguém". E pediu ao
hóspede, sentado mais perto da porta, que a abrisse. O homem
disse: "Abrir a porta? Não há espaço".
O homem que havia recebido abrigo na cabana momentos
antes se esqueceu de que não havia sido o amor que o faquir sentia
por ele que lhe havida dado o lugar, mas sim o amor que havia na
cabana. Agora, haviam chegado outras pessoas. E o amor devia
acolher os recém-chegados.
Mas o homem disse: "Não, não é preciso abrir a porta. Não vê
a dificuldade que temos agachados aqui?".
O faquir disse: "Meu caro, não tive lugar para você? Você foi
recebido porque aqui há amor. E ele ainda está aqui; não acabou
com a sua entrada. Abra a porta, por favor. Agora estamos sentados
longe uns dos outros; nós nos sentaremos mais perto. Além do

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mais, a noite está fria e nos dará calor e prazer sentarmos bem perto
uns dos outros".
A porta foi aberta e os dois recém-chegados entraram. Todos
se sentaram bem juntos e começaram a se apresentar.
Então, chegou um burro e empurrou a porta com a cabeça. O
animal estava molhado; queria abrigar-se da noite. O faquir pediu a
um dos homens, que estava sentado quase encostado na porta, que
a abrisse. "Um novo amigo chegou", disse o faquir.
Olhando lá fora, um dos homens disse: "Não é um amigo ou
nada parecido com isso. É apenas um asno. Não é preciso abrir".
O faquir disse: "Talvez você não saiba que à porta de um
homem rico os homens são tratados como animais, mas esta é a
cabana de um pobre faquir e estamos acostumados a tratar os
animais como seres humanos. Por favor, abra a porta".
Em uníssono, todos reclamaram: "Mas, e o espaço?".
"Há bastante espaço. Em vez de ficarmos sentados, podemos
ficar de pé. Não se aborreçam. Se for necessário, eu sairei e haverá
lugar para todos."

Pode o amor deixar de fazer tudo isso?


É imperativo ter-se um coração pleno de amor. Uma atitude
de amor é o que todos deveríamos ter.
A humanidade só nasce num homem quando ele tem um
coração amoroso. E com um coração amoroso vem um sentimento
de profunda satisfação, de contentamento profundo e agradável.
Você já notou que, após demonstrar um pouco de amor por alguém,
uma onda de contentamento, uma grande sensação de felicidade
invade todo seu ser? Já percebeu que os mais serenos momentos de
satisfação foram os que vieram nos momentos de amor
incondicional?
O amor puro só pode sobreviver se não for adulterado por
condições; um amor condicional não é amor. Você nunca sentiu
uma satisfação, depois de ter sorrido para um estranho na rua? Não
95
sentiu, a seguir, uma paz, como uma brisa soprando? É infinita a
onda de felicidade serena que você sente quando ajuda um homem
caído a levantar-se, quando dá apoio a alguém, quando leva flores
para um doente, mas não quando faz isso porque essa pessoa é seu
pai ou sua mãe. Pode não ser ninguém em particular, mas
simplesmente dar um presente já é uma grande recompensa, um
grande prazer.
O amor deveria jorrar de dentro de você — amor pelas
plantas, amor por seres humanos, por estranhos, por estrangeiros,
amor por aqueles a caminho da lua e das estrelas. Seu amor deveria
estar sempre aumentando.
A possibilidade do sexo na vida de um homem diminui à
medida que o amor aumenta dentro dele. O amor e a meditação
abrirão aquela porta que é a porta para Deus. Juntos, o amor e a
meditação atingem Deus, e então o celibato floresce na vida de um
homem. Então, toda a força vital ascende por uma nova passagem, e
não mais escoa gradualmente, nunca mais retrocede. A energia
cresce a partir de dentro; ergue-se em sua viagem rumo ao céu.
Nossa jornada, no presente, vai em direção a níveis inferiores. Pela
própria natureza, a energia flui apenas para baixo, para o sexo, mas
o celibato é uma jornada para cima. E o amor e a meditação são os
ingredientes básicos do celibato.
Amanhã, falaremos sobre o que atingimos através do
celibato. O que ganhamos? A que alturas ele nos conduz?
Hoje eu falei de duas coisas: amor e meditação. Disse-lhes
que o treinamento deve começar na infância, mas não se deve
inferir disso que, desde que não se é mais criança, não há mais nada
a fazer. Nesse caso, meus esforços seriam inúteis. Seja qual for a sua
idade, este trabalho pode começar a qualquer momento. Embora se
torne mais difícil com o passar dos anos, a jornada nesse caminho
pode ser empreendida a qualquer momento da vida. É melhor
iniciá-la na infância, mas é bom compreendê-la seja qual for o
estágio da vida. Pode-se começá-la hoje. Os velhos que desejam
96
aprender, que têm uma atitude de aprendizagem, ainda são
crianças, mesmo que possuam muitos anos. Da mesma maneira,
podem começar outra vez; podem também aprender, se não
estiverem convencidos de que já sabem tudo ou que já conseguiram
tudo o que queriam.

Gautama Buda tinha um discípulo que há muitos anos lhe


era devotado. Um dia, Buda lhe perguntou: "Monge, qual é a sua
idade?".
"Cinco", respondeu o monge.
Buda surpreendeu-se. "Cinco anos de idade? Parece ter pelo
menos setenta. Que resposta é essa?"
O monge respondeu: "Digo isso porque a luz da meditação
entrou em minha vida há cinco anos atrás, e só nos últimos cinco
anos o amor derramou-se em minha vida. Antes, ela era apenas um
sonho, eu vivia dormindo. Quando conto meus anos, não considero
os anteriores. Como poderia? Minha vida real começou há apenas
cinco anos. Só tenho cinco anos".
Buda chamou a atenção de seus discípulos para a resposta do
monge.
Todos deveriam contar suas idades dessa maneira; esse é o
padrão para contagem de idade. Se o amor e a meditação ainda não
nasceram em você, sua vida pode ser anulada até agora; você ainda
não nasceu. Mas nunca é tarde para tentar. Todos nós deveríamos
nos esforçar por uma vida superior. E para isso nunca é tarde.
Portanto, não conclua pelas minhas palavras que, se você já
passou da infância, elas só podem interessar para as gerações
futuras. Em tempo nenhum, o homem foi tão longe no caminho
errado a ponto de não poder mais voltar ao certo; nenhum homem
tornou-se tão obstinado a ponto de não poder ser beneficiado pela
luz verdadeira.
Falando comparativamente, esta jornada não requer muito
empenho. O que se recebe em realizações e satisfações no despertar
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da iluminação é muito maior do que qualquer esforço que se faça.
Um mero vislumbre do raio daquela luz, daquela felicidade,
daquela verdade, dá-nos a sensação de ter conseguido muito com
pouco esforço; mostra-nos que conseguimos o inestimável com
esforços realmente insignificantes.
Por favor, não ouçam as minhas palavras com uma má
disposição de espírito. Este é meu humilde pedido a todos vocês.

98
Sexo, o Superátomo.

4º Discurso
Gowalia Tank Maidan, 30 de setembro de 1968, Bombaim.

Aqui está uma estória: Numa pequena escola de aldeia, um


professor ensinava a estória de Rama. Quase todas as crianças
estavam cochilando. Isso era comum durante a recitação do
Ramayana; até mesmo os adultos tiravam uma soneca nessa hora. A
estória havia sido contada e recontada tantas vezes que havia
perdido a importância; não era mais novidade.
O professor recitava mecanicamente, sem nem mesmo olhar
de vez em quando para o livro aberto à sua frente, e qualquer
pessoa podia ver que ele também cochilava. Sabia aquilo de cor e
narrava os episódios como um papagaio. Não tinha nenhuma
consciência do que estava dizendo. Todos os que memorizam coisas
jamais sabem o significado do que estão dizendo.
De repente, houve uma surpresa na classe: o inspetor havia
entrado. Os alunos ficaram atentos e o professor também ficou
alerta. E continuou a aula.
O inspetor disse: "Fico feliz em ver que você está ensinando o
Ramayana. Farei algumas perguntas às crianças sobre Rama".

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Sabendo que as crianças memorizam facilmente acontecimentos
sobre coisas quebradas e batalhas, fez uma pergunta simples:
"Digam-me, crianças, quem quebrou o arco de Shankara?".
Um menino levantou a mão, ficou em pé e disse: "Desculpe-
me, senhor. Mas não fui eu quem quebrou. Estive fora por quinze
dias. E também não sei quem foi. Quero esclarecer isso
imediatamente, porque sempre que qualquer coisa acontece nesta
escola, sou sempre o primeiro a ser culpado".
Isso atingiu o inspetor como um raio. Voltou-se para o
professor, que já erguia a sua bengala, e ouviu-o dizer: "É claro que
esse malandro é o culpado. É o pior de todos". E lançou-se sobre o
garoto. "Se você não fez isso, por que se levantou e disse que não
fez?" E para o inspetor: "Não se deixe enganar pelas palavras
inocentes desse garoto!".
O inspetor achou melhor não dizer nada; apenas se virou e
saiu da classe. Mas estava furioso, e foi direto à sala do diretor
narrar o incidente. Queria saber o que ele faria a respeito.
O diretor insistiu para que o inspetor não levasse o assunto
adiante. Explicou que seria perigoso dizer qualquer coisa aos
alunos. "Não interessa quem possa tê-lo quebrado", disse,
"abandone esse assunto. Faz apenas dois meses que conseguimos
ter paz nesta escola. Antes, os alunos quebravam e queimavam os
móveis. É melhor ficarmos quietos. Dizer qualquer coisa a eles
agora seria apenas um convite a maiores problemas. Pode haver
uma greve, um dharna, um jejum até a morte a qualquer momento!".
O inspetor estava pasmo; completamente atônito. Foi ao
presidente do comitê escolar e contou-lhe o que estava acontecendo
que o Ramayana estava sendo ensinado numa classe, que um aluno
dissera que não havia quebrado o arco de Shankara, que o professor
achava que esse aluno era o culpado, que o diretor havia implorado
para que o assunto fosse posto de lado não importava quem fosse o
responsável, dizendo ser inútil insistir naquilo, pois havia um medo

100
constante de greve, etc., etc. O inspetor pediu a opinião do
presidente.
O presidente disse que considerava sábia a política do
diretor. "Além disso", acrescentou, "não importa quem seja o
culpado. Não interessa quem quebrou o arco, o comitê cuidará de
repará-lo. É melhor consertá-lo do que insistir na questão".
O inspetor, totalmente desgostoso diante da situação,
relatou-me sua experiência. Eu lhe disse que não havia nenhuma
novidade em sua estória. É uma fraqueza humana comum gabar-se
de coisas das quais nada se sabe.
Ninguém se lembrava da parte do Ramayana onde o arco de
Shankara fora quebrado. Não teria sido muito melhor que eles
tivessem perguntado: "Qual Shankara?" Mas ninguém está pronto
para assumir a própria ignorância. Ninguém é tão corajoso. Essa
tem sido a maior cilada da história da humanidade. Essa fraqueza é
suicida. Agimos como se soubéssemos tudo, e como resultado
confundimos nossas vidas. Todas as nossas respostas aos nossos
problemas são como aquelas dadas pelo aluno, pelo professor, pelo
diretor e pelo presidente do comitê escolar. Tentar dar uma resposta
sem compreender a pergunta torna o homem um trapaceiro. É pura
auto-enganação.
Além disso, há a atitude de indiferença. O homem indiferente
perguntaria: "Agora, realmente, o que temos a ver com o fato de
terem quebrado o arco de Shankara?".
Em contraste com os problemas dessa estória tola, existem
enigmas mais profundos na vida, e da solução correta desses
enigmas depende se uma vida é decente ou não, se uma vida é
harmoniosa ou não, se a direção atual rumo ao progresso está certa
ou não, e assim por diante. Achamos que conhecemos as respostas,
mas as conseqüências nos mostram quão inexata é realmente a
nossa percepção da vida. A vida de cada um de nós mostra que não
conhecemos nada sobre ela. Caso contrário, como seria possível
haver tanto desespero, tanta miséria, tanta ansiedade?
101
Digo a mesma coisa no que diz respeito ao nosso
conhecimento do sexo. Não sabemos nada sobre ele. Talvez você
não concorde e argumente: "É bem possível que não saibamos nada
sobre a alma ou sobre Deus, mas como você pode dizer que não
sabemos nada sobre sexo?" Provavelmente você dirá que tem uma
esposa e filhos. E mesmo assim ouso dizer que vocês não sabem
nada sobre o sexo, embora possa ser muito difícil que concordem
comigo. Pode ser que tenham passado por experiências sexuais, mas
sobre o sexo, não sabem mais que um animal. Passar
mecanicamente por um processo não basta para conhecê-lo.
Um homem percorre mil milhas dirigindo um automóvel,
mas isso não implica necessariamente que ele conheça mecânica. Ele
pode achar ridícula essa minha afirmação, dizendo que acabou de
dirigir mil milhas, mas eu continuo me arriscando a acusá-lo de não
saber nada sobre carros. Repito: dirigir um carro é diferente de
conhecer o seu mecanismo interno. Um homem aperta um botão e
acende uma luz. Aperta novamente a luz se apaga. Ele faz isso
inúmeras vezes. Então pode dizer que conhece tudo sobre
eletricidade porque apaga e acende a lâmpada quando quer, mas
nós diremos que esse homem é um tolo, que até uma criança pode
fazer isso, que para isso não é necessário nenhum conhecimento de
eletricidade.
Qualquer um pode casar. Qualquer um pode procriar filhos.
Isso não tem nada a ver com a compreensão do sexo. Os animais
procriam, mas isso não significa que conheçam algo sobre o sexo.
A verdade é que o sexo não tem sido estudado
cientificamente. Nenhuma filosofia ou ciência do sexo se
desenvolveu porque todos acham que sabem a respeito do sexo.
Não se sente necessidade de estudos sobre o sexo. Este é um grave
erro da humanidade.
No dia em que desenvolvermos completamente um estudo,
uma ciência, um sistema completo de pensamentos sobre o sexo,
produziremos uma nova raça de homens. Então, não se procriará
102
seres humanos tão feios, insípidos, aleijados e frágeis. Não se verá
sobre a terra homens doentes, fracos e estúpidos.
Não é absolutamente necessário continuar procriando a atual
espécie de geração, uma geração nascida do pecado e da culpa. Mas
não temos consciência disso. Estamos habituados a acender e
apagar a luz, e concluímos que sabemos tudo sobre eletricidade.
Mesmo no fim da vida, um homem não fica sabendo o que é o sexo.
A única coisa que sabe é "acender" e "apagar" — e mais nada.
Nunca nos aprofundamos na questão do sexo, nunca
refletimos sobre a prática do sexo, nunca tentamos ir ao fundo da
questão, nunca meditamos sobre ele — devido ao engano de que já
conhecemos tudo o que há para se conhecer a respeito. Quando
todos já sabem tudo, para que discutir o assunto? Mas gostaria de
lhes dizer que não existe mistério mais profundo, segredo mais
profundo, assunto mais profundo do que o sexo — neste mundo e
na própria vida.
Apenas recentemente aprendemos sobre o átomo e o mundo
sofreu com isso uma tremenda mudança. Mas quando
conseguirmos conhecer completamente o átomo do sexo, a
humanidade entrará numa nova era de sabedoria. É impossível
prever a enormidade, a grandeza das alturas a que poderemos
chegar quando nos aprofundarmos no processo e na técnica da
criação da vida. Mas uma coisa pode ser afirmada como certa: o
sexo é o assunto mais misterioso, mais profundo, mais precioso e,
ao mesmo tempo, o mais maldito; e estamos na total escuridão no
que diz respeito a ele. Jamais demos atenção a esse Importante
fenômeno. Um homem passa pela rotina do coito durante toda a
vida, mas não sabe o que ele é.
Quando, no primeiro dia, falei sobre o vazio, a ausência de
ego, a não-mente, muitos amigos não se convenceram. Depois, um
deles me disse: "Nunca havia pensado nisso antes, mas aconteceu o
que você disse". Uma senhora falou: "Jamais tive essa experiência.
Quando você falou a respeito, reparei que minha mente torna-se
103
satisfeita e silenciosa nessa hora, mas jamais experimentei a
ausência do ego, ou qualquer outra experiência profunda". É
possível que muitos não tenham pensado sobre isso antes, e por
esse motivo vamos elaborar alguns pontos.
Em primeiro lugar, o homem não nasce com um
conhecimento prévio sobre a ciência do sexo. Raras são as pessoas
que, retendo as impressões de muitas vidas passadas, são capazes
de entender completamente a arte do sexo, a estratégia do sexo ou o
conhecimento das complexidades do sexo. Essas são almas que
podem alcançar o estágio real do celibato. A uma pessoa que
conheça a realidade completa do sexo e todas as suas implicações,
ele se torna inútil. Essa pessoa simplesmente passa por ele; ela o
transcende. Mas não faz parte da nossa tradição discutir o sexo com
aqueles que já o transcenderam. Por outro lado, aqueles que já
conseguiram alcançar a pureza do celibato só podem falar de seus
nascimentos e vidas passadas depois de um esforço imenso.
Só um celibatário perfeito pode revelar a verdade perfeita
sobre o sexo e a divindade. Os sensualistas não compreendem as
sutilezas, e por causa dessa ignorância, suas vidas ficam
mergulhadas na sexualidade até o fim. Como eu disse antes, os
animais têm uma época para a relação sexual; eles possuem um cio.
Esperam pelo momento, pela disposição, mas o homem não tem um
tempo definido para isso. O que isso significa? É que o animal vive
num nível mais profundo de sexo que o homem.
Aqueles que pesquisaram o sexo, que se aprofundaram nele,
que meditaram sobre as múltiplas experiências da vida, deduziram
que, se o coito durar apenas um minuto, o homem o desejará de
novo no dia seguinte, mas se puder ser prolongado por três
minutos, ele não pensará em sexo durante uma semana. Além disso,
observaram que, se o coito puder ser prolongado por sete minutos,
o homem ficará tão livre do sexo, que não terá nenhum sentimento
de paixão nos três meses seguintes. E se um período de coito puder

104
ser estendido por três horas, o homem se libertará do sexo para
sempre; jamais o desejará outra vez!
Mas a experiência do sexo geralmente tem a duração de um
momento; é difícil até imaginar um período de três horas.
Entretanto, reitero: se uma pessoa puder permanecer em posição
coital, em samadhi, se ficar nessa submersão por três horas, então um
único ato sexual será suficiente para libertá-lo do sexo para o resto
da vida. Isso deixa uma experiência de satisfação tal, uma
experiência de graça tão grande, que dura pelo resto da vida. Após
um coito perfeito, não permanece nenhuma barreira para que se
alcance o real celibato.
Mesmo depois de toda uma vida de experiências sexuais, nós
nunca chegamos perto desse estágio supremo, dessa divindade. Por
quê? Um homem chega a uma idade avançada, chega ao fim de sua
vida, mas nunca se livra de sua luxúria pelo sexo, de sua paixão
pelo coito. Por quê? É porque ele nunca entendeu e nem lhe
disseram nada sobre a arte do sexo, sobre a ciência do sexo. Ele
nunca ponderou sobre isso; nunca discutiu sobre isso com os que se
iluminaram.
Você pode não acreditar que uma experiência geralmente
com um minuto de duração possa ser prolongada por três horas,
por isso eu lhe darei algumas indicações. Se você as observar, a
jornada rumo ao celibato se tornará mais simples.
Quanto mais rápida for a respiração, mais curta será a
duração do intercurso; quanto mais calma e lenta for a respiração,
mais ele será prolongado. E quanto mais longo for o tempo do
intercurso, maior possibilidade haverá do sexo tornar-se uma porta
para o samadhi, um canal para a supraconsciência. Como eu disse
antes, a realização do não-ego, da atemporalidade, surge no homem
nesse sexo-samadhi. A respiração deve ser muito lenta. A lentidão
da respiração abrirá perspectivas cada vez mais profundas de
realização.

105
Outra coisa que deve ser lembrada durante o intercurso, é
que a sua atenção deve estar focada entre os olhos, no ponto do
agnichakra. Se a atenção estiver focada aí, a duração do clímax
poderá ser estendida mesmo até três horas. E um ato coital dessa
espécie pode enraizar a pessoa firmemente no solo do celibato —
não apenas por esta vida, mas pela próxima também.
Uma senhora escreveu-me, perguntando se eu não
concordava em que Vinoba, sendo celibatário, provavelmente nunca
havia experimentado o samadhi. Continuava dizendo que eu
também, sendo celibatário e solteiro, da mesma maneira talvez não
tivesse experimentado o samadhi. Se essa senhora estiver presente
neste auditório, quero dizer a ela que nem Vinoba, nem eu e nem
ninguém pode compreender o estágio e a importância do celibato
sem a experiência real do sexo. Quero também dizer que a
experiência pode ter acontecido nesta vida ou na anterior. Aqueles
que alcançam o celibato nesta vida devem isso a uma profunda
união coital numa vida anterior e a nada mais. Essa é a única
explicação. Se um homem teve uma profunda experiência sexual
numa vida passada, nascerá livre do sexo nesta vida; o sexo não o
perturbará, nem mesmo em sua imaginação. Pelo contrário, ele
ficará surpreso de como as outras pessoas se comportam em relação
ao sexo; ficará espantado ao ver o quanto as pessoas são loucas pelo
sexo. Um homem assim terá até que se esforçar para distinguir um
homem de uma mulher.
Se alguém imaginar que pode simplesmente ser um
celibatário desde a infância, que pode ser um celibatário sem ter
experimentado o sexo, tomar-se-á um neurótico. Aqueles que estão
sempre insistindo no celibato, que apregoam que o celibato seja
observado, estão causando a desintegração do homem. Nada além
de desintegração advém disso. O celibato não pode ser imposto; o
celibato se desenvolve apenas como a nata de uma experiência
anterior. Brahmacharya, celibato, é o resultado de uma experiência
sexual serena e profunda. Se, durante o ato sexual, uma pessoa tiver
106
uma revelação absoluta, mesmo que seja uma vez, estará livre do
sexo pela jornada infinita de vidas.
Até agora discutimos dois fatores para se alcançar a
experiência absoluta: a respiração deve ser superficial, tão
superficial a ponto de ser imperceptível, e a atenção deve estar
focada no agnichakra, no ponto entre os olhos. Quanto mais a
atenção estiver focada nesse ponto, mais profundo será o intercurso.
E a duração do coito será na proporção direta da lentidão da
respiração. Assim, pela primeira vez, você perceberá que a atração
não é pelo intercurso em si; o que atrai é o samadhi. Se você puder
escalar tais altitudes, se puder vislumbrar esse brilho, ele iluminará
seu caminho futuro.
Um homem está dormindo há muito tempo num quarto sujo
e mal cheiroso. As paredes estão rachadas e podres. Um dia, ele se
levanta e abre a janela. Pode ver, então, a luz do sol brilhando no
céu e os pássaros voando livremente. Súbito, ele se dá conta da
vastidão do céu, do sol e da lua, dos pássaros voando, das árvores
balançando ao vento e do perfume das flores. Então não viverá mais
na sujeira e na escuridão de seu quarto por um só momento —
correrá para o ar livre.
Aquele que vislumbrou o samadhi no sexo, embora
rapidamente, logo reconhece a diferença entre o interior e o exterior,
entre a liberdade e a prisão. Todos nós nascemos dentro de celas
apertadas, fechadas por muros, e elas são escuras e sujas. É essencial
perceber que existe o mundo exterior; esse conhecimento nos
inspira a voar para fora. Mas uma pessoa que não abre sua janela e
fica apenas sentada num canto dizendo que não quer saber da
sujeira de sua casa, não pode mudar sua situação nem um pouco.
Permanecerá para sempre na casa suja.
O que se autodenomina celibatário está tão aprisionado à cela
do sexo quanto qualquer pessoa. A única diferença entre ele e você
é que a atitude dele é fechada, enquanto que os seus olhos estão
abertos. O que você faz fisicamente, ele faz mentalmente. Além do
107
mais, o ato físico é natural, mas a imaginação vicária é uma
perversão. Portanto, insisto em que não sejam contra o sexo, mas
que tentem compreendê-lo com simpatia. Dêem ao sexo uma
posição sagrada em suas vidas. Já discutimos dois aspectos
importantes. O terceiro é a atitude de seu enfoque. No momento do
coito, estamos perto de Deus. Deus está presente no ato da criação
que dá origem a uma nova vida; portanto, a atitude deve ser a
mesma de quem vai a um templo ou igreja. No momento do
orgasmo, estamos mais próximos do Supremo. Tornamo-nos
instrumentos; uma nova vida está sendo introduzida na existência;
nós concebemos uma criança. Como? Num intercurso, estamos mais
perto do Criador, e Sua sombra nos converte em criadores. Se
abordarmos o sexo com a mente pura e com sentimento de
reverência, poderemos facilmente ter um vislumbre Dele.
Mas em vez disso, abordamos o sexo indiferentemente.
Dirigimo-nos ao sexo com uma atitude condenatória, com um
sentimento de culpa, e fracassamos em sentir a existência do
Criador. Não se deve nunca abordar o sexo quando se está
angustiado, com ódio, com ciúme ou indignação; não se deve nunca
abordar o sexo cheio de preocupações ou numa atmosfera poluída.
Mas a prática geral é oposta a tal orientação. Quanto mais raiva se
sente, quanto mais triste, quanto mais atormentado ou desesperado
se está, mais a pessoa se move para o sexo. Um homem alegre não
sai à caça de sexo, mas aquele que está cheio de tristeza se move
para o sexo porque o vê como a saída perfeita para a sua
infelicidade. Mas lembre-se, se você entrar no sexo com amargura,
com irritação, com condenação ou tristeza, jamais alcançará aquela
satisfação, aquela realização da qual toda sua alma está sedenta.
Insisto em que vocês só devem abordar o sexo quando
estiverem cheios de alegria, quando estiverem cheios de amor e, por
último, mas não menos importante, quando estiverem em atitude
de prece. Somente quando sentirem que seus corações estão repletos
de alegria, paz e gratidão, deverão pensar em ter uma relação
108
sexual. Praticando o intercurso desta maneira, o homem pode
alcançar a sublimação. E alcançando a realização suprema, nem que
seja por uma única vez, isto será suficiente para livrá-lo do sexo
para sempre. Com uma única experiência, você pode romper a
barreira e penetrar a periferia do samadhi.
Uma criança emergindo do útero da sua mãe passa por um
grande desconforto; é como uma árvore sendo arrancada do solo.
Todo o seu ser clama por ser reunido à terra; sua ligação com a terra
significa a sua vida, a sua vitalidade, o seu alimento. Ela foi
arrancada e clama pela volta porque agora está separada de sua
linha vital. Um a criança é arrancada de seu mundo quando sai do
útero materno, e agora a sua alma, todo seu ser, quer reunir-se à
mãe, à fonte. Esse desejo é a sede de amor. O que mais significa
amor?
Todos querem se entregar ao toma-lá-dá-cá do amor; todos
querem se reunir à corrente da vida — e essa unidade vem na
consumação do ato sexual, no intercurso, na junção de um homem e
uma mulher. O sexo é a re-experiência da unidade original.
A cópula de um homem e uma mulher tem uma profunda
importância: o ego evapora nessa assimilação de dois seres
humanos. Uma pessoa que entende realmente a essência dessa
unidade, desse desejo de amor e união, pode também compreender
uma outra espécie de unidade — um iogue se une; um asceta se
une; um santo se une; um meditador se une. Uma pessoa também se
une num intercurso: sua identidade é diluída na do outro, e ambos
tornam-se um. No samadhi, a pessoa une-se a todo o universo e
toma-se um com ele. No sexo, há a fusão de duas pessoas, enquanto
no samadhi a pessoa perde sua identidade e unifica-se com o
universo. Um encontro entre duas pessoas é temporário, mas a
união de uma pessoa com o universo é eterna.
Duas pessoas são seres finitos, e por isso a união de ambas
não pode ser infinita, não pode ser eterna. E existem dificuldades;
existem as limitações do matrimônio e do amor físico: não podemos
109
nos unir para sempre. Nós nos aproximamos num momento de
êxtase, mas logo temos de nos separar. A separação é dolorosa e por
isso os amantes estão em constante estado de desespero. A outra
pessoa parece ser a causa desse sentimento de depressão, dessa
sensação de solidão, e a irritação explode no relacionamento.
As pessoas que sabem dirão que dois indivíduos possuem
basicamente identidades diferentes, e que podem encontrar-se
temporariamente, mas não podem permanecer fundidos para
sempre, nem mesmo no nível espiritual; que é por essa paixão
insaciável que surgem conflitos entre os amantes e que um começa a
desprezar o outro; uma tensão, uma disputa, um sentimento de
alienação e até mesmo um ódio começa a insinuar-se, e tudo isso
porque um imagina que o outro provavelmente não o quer mais e
que, por isso, a união não é completa. Mas nenhum dos dois pode
ser culpado por essa falta de totalidade. Os seres humanos são seres
finitos e da mesma maneira a fusão de ambos também só pode ser
finita. Não podem fundir-se para sempre.
A fusão eterna só pode ser com Deus, com Brahma, com a
Existência. Aqueles que chegaram à sutileza do intercurso podem
imaginar, se um momento de união com um indivíduo é capaz de
causar tanta bem-aventurança, o que deve ser então um encontro
com o Eterno. Mas o homem comum não pode nem imaginar tal
pico de êxtase. É estupendo, etéreo, está além das palavras. É eterna
felicidade.
Suponha que você esteja sentado na frente de uma vela,
tentando imaginar a diferença entre a luz da vela e a luz do sol. A
tentativa de comparação é inútil. A vela é uma coisa tão fraca e o sol
é tão imenso, cerca de sessenta mil vezes maior do que a nossa terra.
Embora esteja a dez bilhões de milhas distante, ele nos aquece, nos
queima a pele; então, como podemos avaliar a diferença entre a luz
de uma vela e a luz do sol?
Entretanto, não interessa que número astronômico possa ser,
matematicamente é possível calcular a diferença, porque ambos
110
estão ao alcance do conhecimento humano; a diferença pode ser
avaliada. Mas é impossível avaliar a diferença entre o êxtase do
orgasmo e a felicidade eterna do samadhi. O encontro sexual de dois
seres temporais é frenético; na união com o Universal a pessoa se
perde como uma gota no oceano. Não há meio de compará-los;
nenhuma unidade pode medir a magnitude dessa união.
Poderia alguém desejar o sexo depois de tocar essa
felicidade? Poderia alguém até mesmo pensar nesse prazer fugidio
depois de alcançar o oceano eterno? Um vislumbre do Eterno
convence o homem de que o prazer sensual é insignificante, de que,
em comparação com o outro, ele é loucura. Então, as paixões de
uma pessoa tornam-se algo desprezível; parecem um escoadouro,
um desperdício de energia, uma fonte de angústia. Depois dessa
convicção surgir no homem, ele está a caminho do objetivo
desejado, do celibato em si.
É um longo caminho do sexo ao samadhi. Samadhi é a meta
suprema; o sexo é apenas o primeiro passo. E quero salientar que
aqueles que se recusam a reconhecer o primeiro passo, que
censuram o primeiro passo, não podem chegar nem mesmo ao
segundo. Não podem progredir de modo algum. É imperativo dar o
primeiro passo com consciência, compreensão e atenção. Mas esteja
prevenido: o sexo não é um fim em si mesmo; o sexo é o começo.
Para progredir é necessário dar cada vez mais passos.
Mas o maior obstáculo da humanidade tem sido sua
indisposição para dar o primeiro passo. E ela aspira chegar ao
último! Um homem despreza o primeiro degrau da escada e mesmo
assim ambiciona alcançar o último; ele não tem nem a experiência
da luz de uma vela e, mesmo assim, exige o esplendor do sol! Isso é
impossível. Temos de aprender a compreender a tênue luz de uma
vela, a qual vive por um momento e imediatamente é vencida por
uma leve brisa, para depois alcançarmos o significado do sol. Para
despertar o anseio, o desejo, a inquietude pelo último passo, o

111
impulso de alcançar o sol, o primeiro passo deve ser iniciado
corretamente.
Uma apreciação propícia da música trivial pode abrir
caminho para a música eterna; a experiência da luz vaga de uma
vela pode nos conduzir para a luz infinita; conhecer uma gota é um
prelúdio para conhecer o oceano.
O conhecimento do átomo pode revelar o mistério de todas
as forças materiais, das forças da matéria, e a natureza nos dotou
com um pequeno átomo de sexo, mas não o reconhecemos de modo
algum. Nem mesmo o agradecemos e admitimos totalmente. Isso
acontece porque não temos nem a clareza de mente nem o senso de
mistério para reconhecê-lo, para entendê-lo ou vivenciá-lo. Assim,
estamos tremendamente longe da compreensão desse processo que
pode nos levar do sexo ao samadhi. Tão logo o homem compreenda
e acate esse processo de transcendência, ele introduzirá uma nova e
mais elevada ordem na sociedade.
Homem e mulher são dois pólos diferentes, o pólo de energia
positivo e o negativo. O encontro correto desses dois pólos completa
um circuito e produz um tipo de eletricidade. Um conhecimento
direto dessa eletricidade é possível se o período de coito, no qual
vocês estão em profunda e total entrega um ao outro, puder ser
estabilizado por um tempo maior. Se ele puder ser prolongado por
uma hora, uma alta carga, produzindo uma auréola de eletricidade,
se desenvolverá por si mesma; se as correntes do corpo estiverem
num completo e total abraço, será possível até ver um fragmento de
luz na escuridão. Um casal ao experimentar essa corrente elétrica de
energia está bebendo um cálice repleto de vida.
Mas nós não temos consciência desse fenômeno. Achamos
que tudo isso é muito estranho porque não acreditamos no que não
experimentamos, porque isso está fora do campo da experiência
comum. Mas eu lhe digo: se você não teve essa experiência, deveria
pensar sobre ela e tentar novamente. Deveria rever sua vida,
especialmente o capítulo sobre sexo, desde o ABC.
112
O sexo não deveria ser apenas um instrumento de prazer,
deveria ser também um meio de elevação espiritual. O sexo é um
processo iogue. Não penso que o nascimento de Cristo, de Mahavir
ou de Buda tenha sido acidental; cada um deles foi o fruto da mais
plena união entre duas pessoas. Quanto mais profunda a união,
melhor o fruto; quanto mais superficial o encontro, pior o fruto. Mas
atualmente, o grau da humanidade está caindo cada vez mais.
Algumas pessoas põem a culpa disso na deterioração dos padrões
morais, enquanto outras atribuem isso aos efeitos de Kaliyuga, a era
predestinada do caos, mas todos esses pressupostos são falsos e sem
valor. A deterioração no homem é devida apenas à grosseria de
nossa atitude em relação ao sexo, tanto na teoria como na prática. O
sexo perdeu sua santidade original. O sentido original de reverência
que o homem tinha em relação ao sexo tem sido poluído. O sexo
degenerou-se num pesadelo mecânico. E essa atitude em relação ao
sexo denuncia uma violência sutil, no sentido estrito do termo. O
sexo não é mais uma experiência de amor. O sexo não é mais um
veículo para o sagrado. O sexo não é mais um ato meditativo. E por
causa disso, a humanidade está caindo diretamente num abismo.
O resultado de qualquer coisa depende da atitude mental
com que a fazemos. Se um escultor bêbado estiver fazendo uma
estátua, você espera que ele crie uma bela obra de arte? Se uma
bailarina ao dançar estiver perturbada, com raiva ou deprimida,
você espera dela uma brilhante atuação? Similarmente, nossa
abordagem do sexo tem sido errada.
O sexo é a coisa mais negligenciada em nossas vidas. Não é
um tremendo erro que o fenômeno do qual depende a procriação da
vida, do qual dependem novas crianças, do qual depende a entrada
de novas almas neste mundo, seja o mais negligenciado? Você
provavelmente não está consciente de que o clímax do coito cria
uma situação na qual uma alma desce e uma nova vida é concebida.
Você cria apenas a circunstância; quando a condição necessária e
apropriada para uma determinada alma é preenchida, essa alma
113
nasce. A qualidade da alma tem uma relação direta com as
circunstâncias. A criança concebida com raiva, culpa ou ansiedade é
afligida desde o nascimento.
O padrão da nossa progenitura pode ser aperfeiçoado, mas
para conceber uma alma mais elevada, as circunstâncias também
devem ter uma qualidade mais alta. Só então almas superiores
podem nascer; só então o padrão da humanidade pode ser
finalmente elevado. É por isso que eu digo que quando o homem se
familiarizar com a ciência do sexo, com a arte do sexo, quando ele
for capaz de partilhar esse conhecimento tanto com os jovens
quanto com os velhos, nós seremos capazes de prover as
circunstâncias que darão origem ao que Aurobindo e Nietzsche
chamaram de Super-homem. Uma tal posteridade pode ser
procriada! Um mundo assim pode ser criado! Mas até então, não
poderá haver nenhum progresso; até então, não poderá haver paz
no mundo; até então, as guerras não poderão ser evitadas, o ódio
não poderá ser abolido, a imoralidade não poderá ser curada, o mal
não poderá ser erradicado, a libertinagem não poderá ser
desenraizada e a atual escuridão não poderá ser eliminada.
Mesmo que utilizemos todas as vantagens e inovações
modernas; mesmo que políticos, sociólogos e líderes religiosos
façam o máximo possível, as guerras não cessarão, as tensões não
diminuirão e a violência e o ciúme não desaparecerão. Nos últimos
dez mil anos, os apóstolos, os messias e os líderes pregaram contra a
guerra, contra a violência, contra a raiva e assim por diante — mas
ninguém os ouviu. Pelo contrário, matamos um homem que
pregava o evangelho do amor, que tentou nos ensinar a não sermos
violentos, que nos mostrou um caminho espiritual. Gandhi nos
ensinou a praticar a não-violência, a refinar nossas almas, a viver
juntos em harmonia, e nós o recompensamos com tiros. Foi assim
que expressamos nossa gratidão por seus nobres serviços.
Todos os apóstolos da humanidade, tanto no passado como
no presente, não tiveram sucesso. Eles fracassaram. Nenhum dos
114
ideais e valores previstos e incentivados por eles deram frutos.
Nenhum deles foi capaz de oferecer uma panacéia prática; todos os
altos e sonoros ideais fracassaram. O maior entre os maiores, o mais
valioso entre os mais valiosos — todos foram insuficientes. Eles
vieram, pregaram, e morreram. E o homem continua tateando no
escuro, se afundando cada vez mais numa espécie de inferno na
terra. Isso não mostra que houve algum erro básico na concepção
dos ensinamentos deles e no que pregaram?
O homem é frustrado porque foi concebido num momento de
frustração. Carrega o germe da frustração desde o princípio; sua
própria alma está doente. Essa doença, esse câncer de miséria e
tristeza está enraizado nas profundezas da sua alma. Seu ser inteiro
é formado no momento em que ele é concebido; assim sendo,
Budas, Mahavirs, Cristos e Krishnas fracassarão. Todos eles já
fracassaram.
Talvez não admitamos isso abertamente, por um senso de
decência e polidez, mas a humanidade está se tornando cada vez
mais inumana, diariamente. A despeito de tantos ensinamentos
sobre a não-violência, o amor e a tolerância, só melhoramos na
evolução do punhal para a bomba de cobalto. Disseram-me que
matamos cerca de trinta milhões de pessoas durante a Primeira
Guerra Mundial — e após o armistício falamos sobre paz e amor.
Na Segunda Guerra Mundial matamos setenta e cinco milhões de
pessoas — e depois começamos a negociar a paz e a coexistência
novamente. De Bertrand Russell a Vinoba, todo o mundo grita que a
paz deve ser mantida e, mesmo assim, estamos nos preparando
para a terceira guerra mundial. E, em comparação, essa guerra fará
as anteriores parecerem brincadeira de crianças.
Certa vez, alguém perguntou a Einstein o que poderia
acontecer na terceira guerra mundial. Einstein disse que ele não
podia predizer nada sobre a terceira guerra, mas poderia prever
alguma coisa sobre a quarta guerra mundial. Surpreso, o
entrevistador perguntou como poderia prever algo sobre a quarta,
115
se ele não podia dizer nada sobre a terceira? Einstein replicou que
uma coisa era certa: não haveria uma quarta guerra mundial,
porque não haverá nenhuma possibilidade de alguém sobreviver à
terceira. Esse é o fruto dos ensinamentos morais e religiosos da
humanidade, mas a causa encontra-se num outro lugar e há uma
necessidade urgente de revisão. A menos e até que consigamos
trazer harmonia para o ato sexual, conceder uma estrutura
espiritual ao sexo, chegar a respeitar o sexo como porta para o
samadhi, uma humanidade melhor não poderá existir. A menos que
isso aconteça, é certo que a humanidade vindoura será cada vez
pior, porque as crianças inferiores de hoje procriarão, através do
sexo, crianças piores do que elas mesmas. A qualidade de cada nova
geração será cada vez pior; isto pelo menos pode ser profetizado.
Mas nós já chegamos num nível tão baixo que não há,
provavelmente, mais nada para descer. O mundo todo quase já se
tornou um imenso manicômio.
A partir de estatísticas compiladas, psiquiatras americanos
deduziram que apenas dezoito por cento da população da cidade de
Nova York pode ser considerada mentalmente normal. Se apenas
dezoito por cento é mentalmente normal, qual então é a condição
dos oitenta e dois por cento restantes? Estão num estado de virtual
desintegração. E você ficará surpreso ao perceber a quantidade de
loucura escondida em seu interior, se simplesmente se sentar calado
num canto e refletir sobre si mesmo por um momento. Como você
controla e reprime sua loucura é, entretanto, outra questão. Um leve
contratempo emocional e qualquer homem pode se tornar um
maníaco completo.
É realmente provável que num espaço de cem anos o mundo
inteiro se torne um imenso manicômio. É claro que, por um lado,
haverá muitas vantagens: não precisaremos de psiquiatras para
tratar de neuróticos; não precisaremos de tratamentos para
insanidade. Ninguém sentirá que está louco, porque o primeiro
sintoma de um louco é que ele nunca admite que está louco. Essa
116
doença está sempre em alta. Essa enfermidade, essa angústia
mental, essa escuridão mental, está sempre se elevando. Uma nova
humanidade não poderá ser produzida nunca, a menos que o sexo
seja sublimado, a menos que o ato sexual se torne divino.
Tenho dado ênfase a uma certa idéia nos últimos três dias:
um novo homem deve nascer! A alma do homem está ansiosa por
escalar as alturas, por alcançar o céu, por se iluminar como a lua e
as estrelas, por desabrochar como uma flor, por fazer música, por
dançar. A alma do homem está angustiada; sua alma está sedenta.
Mas o homem está cego. Ele dá voltas num círculo vicioso: é
incapaz de sair dele; é incapaz de se elevar acima dele. Qual é a
causa? Há uma causa, e apenas uma: seu atual processo de
procriação é absurdo; está repleto de loucura. E é assim porque não
temos sido capazes de fazer do sexo uma porta para o samadhi. Um
ato sexual iluminado pode abrir a porta para o samadhi.
Durante estes três dias, trabalhei apenas sobre alguns
princípios. Agora, gostaria de recapitular um ponto, e então
concluir a palestra de hoje.
Quero dizer que aqueles que nos levam para longe das
verdades da vida são os inimigos da humanidade. Aqueles que lhes
dizem para nunca pensar sobre o sexo são seus inimigos, eles não
permitiram que você pensasse sobre o sexo, que refletisse sobre ele.
Do contrário, como seria possível ainda não termos uma atitude
justa e adequada em relação a esse assunto?
Além disso, as pessoas que dizem que o sexo não tem
nenhuma relação com a religião estão inteiramente erradas, porque
é a energia do sexo, numa forma transformada e sublimada, que
entra na esfera da religião. A sublimação dessa energia vital eleva o
homem a reinos sobre os quais conhecemos muito pouco. A
transformação dessa energia sexual eleva o homem para o mundo
onde não há morte, não há tristeza, para o mundo onde nada mais
existe além de felicidade, de felicidade pura. E qualquer um que

117
possuir essa energia, essa força vital, poderá elevar-se para esse
reino de alegria, de verdadeira consciência, de Satchitananda.
Mas nós temos desperdiçado essa energia. Somos como
baldes furados, e estamos usando esses baldes para tirar água do
poço. Mas a água toda escoa durante o processo e, no fim, o que
temos é um balde vazio. Somos como canoas com buracos do fundo;
remamos apenas para naufragar. Um barco assim nunca pode
chegar à outra margem; está destinado a afundar no melo da
correnteza. Todo esse vazamento é devido ao desvio do fluxo de
energia sexual.
Aqueles que exibem fotos de nus, escrevem livros obscenos e
produzem filmes eróticos não são responsáveis por essa perda de
energia. A responsabilidade por esses tipos de perversão está com
aqueles que colocaram barreiras no caminho da nossa compreensão
do sexo. É por causa dessas pessoas que desenhos e fotos de nus
estão sendo solicitados, que livros pornográficos estão à venda, que
filmes eróticos são produzidos, e nós vemos os resultados sórdidos
e absurdos todos os dias. Os responsáveis são aqueles que
chamamos do santos e ascetas. Se você olhar profundamente para
isso, verá que eles são os verdadeiros agentes publicitários da
obscenidade.

Uma pequena estória e terminaremos a palestra de hoje.

Um padre estava indo para oficiar uma missa na igreja de um


povoado vizinho. Estava quase correndo para chegar na hora. Ao
atravessar um campo, viu um homem ferido estatelado numa vala
próxima. O homem havia sido esfaqueado no peito e estava
sangrando. O padre pensou em erguê-lo e ajudá-lo, mas num
segundo pensamento, achou que isso poderia atrasar sua chegada
na igreja. Havia escolhido o tema "Amor" para seu sermão; havia
decidido falar sobre a famosa máxima de Cristo: "Deus é amor".

118
Mentalmente vinha preparando seus comentários enquanto corria
pelo caminho.
Mas o homem ferido abriu os olhos e gritou: "Padre, sei que
você está indo para a igreja fazer um sermão sobre o amor. Eu
estava indo para a igreja também, mas alguns bandidos me
esfaquearam e me jogaram aqui. Ouça, se eu sobreviver, direi às
pessoas que um homem estava morrendo na beira da estrada e que,
em vez, de salvá-lo, você saiu correndo para fazer um sermão sobre
o amor. Eu o previno não me ignore!".
Isso amedrontou um pouco o padre. Ele viu que, se esse
homem sobrevivesse e contasse o incidente, as pessoas da vila iriam
dizer que todos os seus sermões eram falsos. O padre não estava
preocupado com o homem moribundo, mas com a opinião pública,
assim aproximou-se relutantemente do homem. Quando chegou
mais perto viu mais nitidamente o rosto do homem: parecia de
algum modo familiar. Ele disse: "Meu filho, parece que já o vi em
algum outro lugar antes".
O homem ferido disse: "Você deve ter me visto. Sou Satã, e
tenho velhas relações com os padres e líderes religiosos. Se eu não
fosse familiar a você, quem mais seria?".
O padre lembrou-se então claramente; havia visto um quadro
dele na igreja. Recuou e disse: "Não posso salvá-lo. É melhor que
você morra. Você é o Diabo. Nós sempre quisemos que você
morresse e é bom que esteja morrendo. Por que eu deveria tentar
salvá-lo? Até tocar em você é um pecado. Vou seguir meu
caminho".
O diabo começou a rir bem alto e disse: "Ouça-me, no dia em
que eu morrer você estará desempregado; você não pode existir sem
mim. Você só é quem é porque estou vivo; sou a base da sua
profissão. Você faria melhor se me salvasse, porque se eu morrer
todos os padres e ministros ficarão desempregados. Eles serão
extintos; não haverá mais necessidade deles".

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O padre pensou nisso por um segundo e viu que era
verdade. Imediatamente ergueu o homem ferido em seus ombros e
disse: "Meu caro Satã, não se preocupe. Eu o levarei para o hospital.
Por favor, fique bom logo. Não morra, pelo amor de Deus. Você está
certo. Se morrer, nós ficaremos desempregados".

Talvez você não possa conceber que o demônio esteja na raiz


do sacerdócio e que o sacerdócio esteja por trás do trabalho do
demônio. Satã está muito ocupado na exploração do sexo e a
exploração do sexo é a raiz de tudo. Através do nevoeiro, não
podemos ver que os padres estão por trás de todo esse distúrbio,
que o sexo se tornou cada vez mais atraente por causa da sua
degradação pelos padres, que o homem se tornou cada vez mais
libidinoso por causa da contínua difamação do sexo pelos padres.
Quanto mais eles batalham para aniquilar os pensamentos
das pessoas sobre sexo, mais misterioso ele se toma, e mais
curiosidade ele provoca.
O homem é impotente; o homem é um escravo do sexo, e
essa impotência deve ser desprezada. Nós queremos o
conhecimento, não a ignorância. O conhecimento em si é poderoso,
e o conhecimento do sexo é um poder ainda maior. É perigoso
continuar a viver na ignorância sobre o sexo.
Talvez não possamos chegar à lua. Não há necessidade real
de se chegar à lua. A humanidade talvez não ganhe muito com a
nossa ida à lua, nem o mundo acabará se não chegarmos à
profundidade de cinco milhas no Oceano Pacífico, onde os raios de
sol não podem penetrar. Conseguir essas coisas não beneficiará
muito a humanidade. Também não é terrivelmente importante se
dividimos o átomo ou não. Mas, ter sucesso na produção de um
novo homem é uma questão de interesse supremo; é de terrível
necessidade que aceitemos o sexo, que venhamos a conhecer o sexo
totalmente, que o compreendamos e o transcendamos.

120
Expliquei algumas coisas a vocês durante os últimos três
dias, e amanhã procurarei responder suas perguntas. Suas
perguntas devem ser propostas com toda a honestidade. A atitude
com a qual vocês têm perguntado sobre a alma e sobre Deus não
ajudará. Esta é uma questão de vida, é vital, e somente se suas
perguntas forem diretas e honestas é que poderemos penetrar
profundamente no assunto. A verdade está sempre pronta para ser
descoberta; nós precisamos apenas de uma curiosidade verdadeira,
honesta e conscienciosa para chegar a conhecê-la. Mas, infelizmente,
disso nós carecemos.

121
Da Luxúria ao Senhor

Discurso Final
Gowalia Tank Maidan, 1º de outubro de 1968, Bombaim.

Muitas perguntas têm sido feitas por amigos. Um deles me


perguntou por que escolhi o sexo como tema de minhas palestras.
Deixe-me ilustrar. Num encontro público organizado em
uma grande praça em Bombaim, um pândita falava sobre Kabir e
sua filosofia. Recitou o místico: "Kabir está de pé no meio da praça.
Está brandindo sua vara, clamando e chamando a todos: 'Só aqueles
que têm coragem para queimar suas casas podem me seguir'."
Observei que as pessoas estavam gostando do chamado, e
supus que, se elas se sentiam à vontade ouvindo uma mensagem de
Kabir tão profunda e drástica, deviam realmente ter coragem para
queimar suas casas e sair em busca da verdade. Com tais pessoas,
pensei, poderia falar francamente, do fundo do meu coração. Mas,
na verdade, nenhuma delas estava pronta para abandonar e
queimar sua casa. A questão é: se Kabir estivesse lá, não teria de
modo algum ficado feliz com a situação. Todos nós aqui gostamos
de ouvir o que Kabir disse, mas nenhuma das pessoas presentes
quando Kabir disse isso, há trezentos anos atrás, ficou feliz. Eu

122
estava sendo vítima da mesma ilusão de Kabir, de Cristo. O homem
é um animal tão maravilhoso — sente prazer em ouvir falar sobre os
que morreram, e ameaça matar os que estão vivos.
Esperavam que eu dissesse alguma coisa sobre a verdade.
Mas para falar sobre a verdade, é necessário solapar as inverdades
que o homem tem aceito como verdades. Muitos princípios que
aceitamos como verdadeiros são, na realidade, falsos. A menos que
essas inverdades sejam expostas, o primeiro passo em direção à
verdade não poderá ser dado.
Disseram-me para falar sobre o "Amor". Mas senti que
enquanto estivéssemos tolhidos por certas suposições incorretas
sobre sexo e luxúria, nunca seríamos capazes de compreender ou
apreciar o amor. Enquanto essas crenças enganosas estiverem
enraizadas, seja o que for que dissermos sobre o amor será
incompleto, será um desperdício, será falso. Assim, para enfocar
esse ponto, falei sobre luxúria e sexo durante aquele encontro. Disse
que a própria energia sexual pode ser transformada em amor.
Se um homem adquirir esterco, sujo e mal cheiroso, e o
empilhar na calçada em frente à sua casa, isso trará dificuldades
para qualquer um que passe por ali. Mas se ele espalhar o esterco
em seu jardim, então suas sementes crescerão. As sementes se
tornarão plantas, as plantas darão flores e a sua fragrância será um
convite a todos. As pessoas que passarem por ali ficarão encantadas.
Você provavelmente nunca pensou sobre isso, mas a fragrância de
uma flor nada mais é do que o cheiro fétido do esterco — erguendo-
se da semente através da planta, o mau cheiro do esterco torna-se o
perfume da flor. Um mau cheiro pode ser transformado num doce
perfume.
Do mesmo modo, o sexo pode tornar-se amor. Mas como
pode alguém que odeia o sexo tornar-se pleno de amor algum dia?
Como pode alguém transformar o sexo quando é inimigo dele?
Portanto, dei ênfase à necessidade de compreender a luxúria, de

123
conhecer o sexo. Naquele dia, salientei que o sexo deve ser
transformado.
Pensei que aqueles que tinham sido capazes de considerar a
questão de queimar suas casas ficariam felizes em ouvir um
discurso franco. Mas estava tristemente enganado. Quando terminei
meu discurso naquele dia, fiquei surpreso ao ver que todo o público
que estava sobre o palanque, os amigos que organizaram o encontro
haviam sumido de vista. Não vi nenhum deles quando desci da
platéia para sair. Pensei que, provavelmente, haviam corrido para
suas casas no caso delas terem pegado fogo — entretanto, o mais
provável é que eles correram para casa a fim de apagar seus
próprios fogos.
Até mesmo o principal organizador não estava presente para
me agradecer. Todos os boinas brancas, todas as pessoas de roupa
khadi não estavam na plataforma; já tinham escapado bem antes do
término da palestra. Os líderes são realmente tipos muito fracos. E
velozes também. Fogem antes que seus seguidores o façam.
Mas algumas pessoas corajosas se aproximaram de mim —
alguns homens e mulheres animados: alguns velhos, outros jovens.
Eles todos disseram que eu havia dito coisas que ninguém nunca
dissera antes. Disseram que seus olhos haviam sido abertos, que se
sentiam muito mais leves interiormente. Havia uma expressão de
gratidão em seus olhos, em suas lágrimas de alegria. Eles me
pediram para completar a série de palestras. Aquelas pessoas
honestas estavam prontas para compreender a vida; perguntaram
se eu poderia desenvolver o assunto, e esta foi uma das razões da
minha volta a Bombaim.
Uma grande multidão se reuniu, até mesmo enquanto eu saía
do Bhavan, e as pessoas me congratulavam pelo que eu havia dito.
Assim, apesar dos líderes terem fugido, senti que o público estava
comigo. E, naquele momento, decidi fazer uma exposição completa
sobre o tópico. Foi por isso que selecionei este tema.

124
Outra razão foi que aqueles que fugiram do palanque
começaram a falar para as pessoas em todos os lugares que eu havia
dito tantas blasfêmias que a religião seguramente seria destruída,
que eu havia dito coisas que tornariam as pessoas irreligiosas!
Assim, para contestá-los, senti que devia desenvolver meu ponto de
vista. Senti que eles deviam compreender que as pessoas não se
tornariam irreligiosas por ouvirem palestras sobre sexo, mas que,
pelo contrário, as pessoas são irreligiosas porque não
compreenderam o sexo até agora.
A ignorância pode torná-lo irreligioso; o conhecimento nunca
o tornará irreligioso. E, eu digo, se o conhecimento pode causar
irreligiosidade, ainda as sim prefiro o conhecimento. Mas, é claro
que não é esse o caso. Conhecimento é religião, e Ignorância é
irreligião. Além do mais, uma religião que prospera em cima da
falta de conhecimento não é de modo algum religião — é irreligião
— e quanto antes estivermos livres dela, melhor. A luz que carece
de luz não é luz; é escuridão sob o disfarce de luz. Não, a luz
sempre atrai a luz; o conhecimento sempre dá boas-vindas ao
conhecimento. E lembre-se, religião nada mais é do que outro nome
para a busca do conhecimento sublime, para a realização da luz
perfeita. A ignorância, a escuridão, são sempre prejudiciais.
Se a humanidade se tornar mais degradada, se uma
perversão total ocorrer, se a humanidade ficar completamente
neurótica por causa da ignorância do sexo, a culpa cairá não sobre
aqueles que refletiram e meditaram sobre o assunto, mas na porta
das pessoas chamadas de pregadores da moral e da religião. Elas
têm tentado manter o homem enclausurado na ignorância há
milhares de anos. Se não fossem esses líderes opressivos, a
humanidade estaria livre da sexualidade há muito tempo. O sexo é
normal, mas a invenção da sexualidade é obra desses gurus. Esse
obstáculo não poderá nunca ser superado enquanto existir a
ignorância sobre o sexo.

125
Não sou a favor da ignorância em qualquer nível de vida.
Estou sempre pronto para dar boas-vindas à verdade a qualquer
custo, a qualquer risco. Senti que se um pequeno raio de verdade
pôde espalhar tanta agitação entre as pessoas, então era apropriado
falar sobre todo o espectro, toda a gama dessas coisas, de modo a
clarear a questão sobre se o conhecimento do sexo torna o homem
religioso ou irreligioso. Esses são os antecedentes; é por isso que
escolhi este assunto. Sem isso, não me teria ocorrido escolher este
tema; sem isso, eu não teria falado sobre este tópico absolutamente.
E assim, aqueles que criaram esta oportunidade e me levaram,
indiretamente, a escolher este assunto para estas palestras são
dignos de alguns agradecimentos. Portanto, se você tem em mente
me agradecer pela escolha deste assunto, por favor não o faça; ao
invés disso, congratule aqueles que propagaram falsidades a meu
respeito. Eles me forçaram a escolher.
Agora, vamos ao assunto.
Um amigo perguntou: "Se a transformação do sexo está no
amor, então isso quer dizer que o amor de uma mãe por seu filho
também é causado pelo sexo?" Outras pessoas fizeram perguntas
similares.
Ajudará bastante entender isso. Se você ouviu atentamente,
lembrar-se-á de que eu lhes disse haver uma grande profundidade
na experiência do sexo, uma profundidade que uma pessoa
normalmente não alcança. Há três níveis de sexo e pretendo falar
sobre eles agora.
O primeiro nível de sexo é o grosseiro. Por exemplo, um
homem que vai a uma prostituta. A experiência que ele obtém lá
não pode ser mais profunda do que a física. Uma prostituta pode
vender seu corpo, mas não seu coração e, certamente, não existe
nenhum meio de se vender a alma.
Nesse nível, os corpos se encontram — como num estupro.
Num estupro, não há encontro de corações ou almas; o estupro

126
acontece apenas no nível físico. Não existe Jeito de violar uma alma;
a experiência do estupro é unicamente física.
A experiência primária de sexo é no nível fisiológico, mas
aqueles que se detêm nele não chegam nunca à completa
experiência do sexo. Eles não podem nunca conhecer as
profundezas sobre as quais tenho falado. Atualmente, muitas
pessoas estão estacionadas no nível físico.
Em relação a isso, é importante saber que em países onde os
casamentos acontecem sem amor, o sexo fica estagnado no nível
físico. Não consegue nunca progredir além disso. Esses casamentos
podem ser de dois corpos, mas nunca de duas almas. O amor só
pode existir entre duas almas. O casamento pode ter um significado
mais profundo se acontece por amor, mas os casamentos que
acontecem por causa dos cálculos de pânditas e astrólogos, ou a
partir de considerações de casta, credo ou dinheiro, nunca vão além
do nível físico.
Há uma vantagem para esse sistema, pois o corpo é mais
estável do que a mente, e assim, numa sociedade na qual o corpo é a
base do casamento, os casamentos são mais estáveis. Duram mais
porque o corpo não é instável, porque o corpo é um fator quase
constante e a mudança insinua-se nele muito, muito devagar, quase
imperceptivelmente. O corpo tem um estado de constância, e essas
sociedades que pensam ser necessário estabilizar a instituição do
casamento, permanecer com a monogamia, não deixar nenhuma
possibilidade de mudança, têm que matar o amor; têm de extirpar o
amor. Porque o coração é a sede, a morada do amor, e o coração é
instável; o divórcio é inevitável nas sociedades onde os casamentos
estão baseados no amor. Não pode haver casamentos estáveis
nessas sociedades porque o amor é fluido. O coração é mercurial; o
corpo é constante, estável.
Se há uma pedra em seu quintal, ela estará à noite no mesmo
lugar em que estava de manhã, mas uma flor se abre de manhã e à
noite murcha e cai na grama. A pedra é um objeto inanimado: o que
127
quer que seja de manhã, será também à noite. Um casamento
realizado no nível físico trará estabilidade, mas não será diferente
de uma pedra. Esse tipo de casamento é de interesse para a
sociedade, mas é prejudicial ao indivíduo.
Em tais casamentos, o sexo entre marido e mulher não toca as
camadas mais profundas; torna-se meramente uma rotina mecânica.
O ato é simplesmente repetido com freqüência e torna-se viciado;
nada mais acontece, e então os participantes tornam-se cada vez
mais entediados. Há muito pouca diferença entre ir a uma
prostituta e se casar sem amor. Você compra uma prostituta por
uma noite, enquanto adquire uma esposa pela vida inteira; essa é a
única diferença. Quando não há amor, uma compra está sendo feita
— ou você está contratando uma mulher por uma noite ou está
fazendo arranjos vitalícios. É claro que por causa da associação
diária, um tipo de relacionamento acontece — e chamamos isso de
amor. Isso não é amor; amor é uma outra coisa completamente
diferente. Esses casamentos são simplesmente do corpo, e então o
relacionamento nunca pode ir além do físico. Nenhum manual ou
escritura sobre o amor, de Vatsyayan a Koka Pundit, vai além do nível
físico.
Outro nível é o psicológico — da mente, do coração. O
casamento de pessoas que se apaixonam e então se casam vai um
pouco mais adiante, é um pouco mais profundo do que os
casamentos no nível físico. Eles chegam ao coração; chegam à
profundidade psicológica, mas por causa da monotonia retrocedem
para o nível físico a cada dia. A instituição do casamento que se
desenvolveu no Ocidente nestes últimos duzentos anos está nesse
nível. E por causa disso, a sociedade ocidental está desarticulada e
depravada.
A razão disso é que não se pode confiar na mente. Hoje a
mente deseja uma coisa; amanhã pedirá outra. Ela quer uma coisa
de manhã e uma outra à noite. O que ela sente agora é totalmente
diferente do que sentiu alguns momentos atrás.
128
Você deve ter ouvido falar de Lorde Byron. Antes de
finalmente se casar, havia sido íntimo de pelo menos sessenta ou
setenta mulheres.
Apesar disso, no momento em que estava saindo da igreja
após o casamento, de braços dados com sua noiva, ele viu uma bela
mulher passando. Ficou paralisado pela beleza dela e, por um
momento, esqueceu-se de sua esposa, de seu recente casamento.
Mas ele deve ter sido um homem muito honesto, porque, assim que
entrou na carruagem com sua noiva, disse a ela: "Você percebeu?
Uma coisa estranha aconteceu justamente agora. Ontem, antes de
nos casarmos, eu estava preocupado, pensando se eu realmente
seria capaz de cativar você ou não — você era a única mulher na
minha cabeça — mas, agora que já estou de fato casado com você, vi
uma mulher bonita na calçada, quando estávamos acabando de sair
da igreja e, por um momento, me esqueci de você: minha cabeça
começou a correr atrás daquela mulher; e isto cruzou em minha
mente: 'Será que eu conseguiria conquistar aquela mulher? '".
A mente é muito mutável; assim, as sociedades querendo
estabilizar a vida familiar, não permitiram que os casamentos
chegassem ao plano psicológico; empenharam-se em deter o
casamento no nível físico. Disseram: "Casem-se, mas não por amor.
Se surgir amor após o casamento, ótimo; do contrário, deixem as
coisas serem como são".
A estabilidade é possível no nível físico, mas no plano
psicológico é muito difícil. A experiência sexual é mais profunda e
mais sutil no plano mental, portanto a experiência no Ocidente tem
sido mais profunda do que no Oriente. Os psicólogos do Ocidente,
de Freud a Jung, tem escrito sobre esse segundo estágio do sexo,
sobre o nível psicológico. Mas o sexo sobre o qual estou falando é
do terceiro nível, o qual até agora, não foi compreendido no Oriente
nem no Ocidente. Esse terceiro nível de sexo é o nível espiritual.
Pelo corpo ser inerte há um tipo de estabilidade no nível
físico. Há também um tipo de estabilidade no nível espiritual,
129
porque não há nenhuma mudança nesse nível: nele, tudo é calmo;
nele, tudo é eterno. Entre esses dois estágios, existe o nível
psicológico. Ele é inconstante, como a memória.
A experiência do Ocidente está nesse nível, e assim os
casamentos se rompem e as famílias se desintegram. Um casamento
que nasce de um encontro de mentes não pode produzir uma
situação familiar estável, e agora a tendência no Ocidente é para o
divórcio. Os divórcios agora ocorrem a cada dois anos, mas isso
pode mudar para duas horas! A mente da pessoa pode mudar até
em uma hora! A sociedade no Ocidente está se desintegrando. Em
comparação, a sociedade oriental tem se mantido estável, mas o
Oriente também não tem sido capaz de penetrar as sutis e sublimes
profundezas do sexo.
Um homem e uma mulher que conseguem encontrar-se no
nível espiritual, que conseguem unir-se espiritualmente — ainda
que uma vez — sentem que se uniram pela eternidade. Há uma
fluidez profunda; a atemporalidade e o êxtase puro são o dote do
casamento.
O sexo do qual estou falando é o sexo espiritual, a
experiência divina. O que desejo é uma orientação espiritual do
sexo.
E se você compreender o que estou dizendo, perceberá que o
amor da mãe por seu filho também faz parte do sexo espiritual.
Você dirá que esta é uma afirmação absurda. Perguntará que tipo de
relação sexual pode haver entre uma mãe e seu filho. Para
compreender completamente isso, temos de examinar muitos outros
aspectos do sexo e suas interações no relacionamento entre marido,
esposa e filho.
Como eu lhes disse, um homem e uma mulher se encontram
apenas durante certo tempo. Suas almas também se encontram, mas
apenas por um momento, enquanto que a criança permanece no
útero da mãe por nove meses. Durante esse período sua existência
está unida à da mãe. O marido também se encontra com a mulher
130
nesse nível — onde há apenas existência, onde há apenas o ser —
mas é apenas por um momento e então eles se separam. Maridos e
esposas se encontram por um momento e depois se separam; assim,
a intimidade que uma mãe tem com seu filho não é possível com
seu marido; não pode ser.
A criança no útero respira a respiração da mãe; seu coração
bate através do coração da mãe. A criança está unida ao sangue e à
vida da mãe: ainda não tem uma existência individual; ainda é parte
da mãe. Nenhum homem pode preencher uma mulher tanto quanto
um filho; nenhum marido pode jamais dar à esposa o profundo
sentimento de intimidade que um filho dá. Do mesmo modo, o
crescimento pleno de uma mulher é incompleto a menos que ela se
torne mãe. A menos que ela chegue à maternidade, a radiância total
da personalidade de uma mulher, o florescimento supremo de sua
beleza não é possível. Uma mulher não pode jamais ficar totalmente
satisfeita a menos que se torne mãe, a menos que tenha conhecido o
profundo relacionamento espiritual que existe entre mãe e filho.
E em vista disso, tenha em mente que tão logo uma mulher se
torna mãe, seu interesse pelo sexo diminui. Ela bebeu
profundamente da maternidade; por nove meses coexistiu com uma
nova vida pulsando, e agora sente pouca atração pelo sexo. Às
vezes, o marido fica desnorteado pela apatia da esposa, porque
tornar-se pai não muda seu comportamento sexual de modo algum;
ele não tem uma relação profunda com o processo do parto. O pai
não tem a sensação de unidade espiritual com a nova vida que
nasceu. Tomar-se mãe ocasiona uma mudança básica na mulher,
mas a paternidade é apenas uma instituição social. Uma criança
pode crescer sem um pai, mas tem um relacionamento
profundamente enraizado com a mãe.
Um novo tipo de bem-estar espiritual preenche a mulher
após o nascimento de uma criança. Se você olhar para uma mulher
que se tornou mãe e para uma que não se tornou, sentirá a diferença
em suas personalidades; a primeira demonstra uma sensação de
131
tranqüilidade. Você encontrará numa mãe uma resplandecência,
uma calma — o tipo de quietude que se vê num rio quando chega à
planície — mas numa que ainda não se tornou mãe, verá uma
espécie de fluidez borbulhante como a de um rio através das
montanhas — ribombando, rugindo, transbordando, correndo para
as planícies. Uma mulher se torna tranqüila, calma e serena
interiormente após ser mãe.
Em relação a isso, gostaria de afirmar também que as
mulheres que estão atormentadas pela paixão do sexo, como é o
caso das ocidentais de hoje, são mulheres que não querem tornar-se
mães. Após a maternidade, a atração da mulher pelo sexo diminui
subitamente, e as mulheres ocidentais que se recusam a tornar-se
mães estão fazendo isso porque sabem que, tão logo se tornem
mães, perderão seu interesse pelo sexo. Elas mantêm o prazer no
sexo, não se tornando mães.
Os governos de muitos países ocidentais estão preocupados
com isso. Se essa situação continuar, o que acontecerá com a
população? O Oriente se preocupa com o aumento da população,
mas alguns países no Ocidente temem o decréscimo da população
porque nada poderá ser feito se as mulheres decidirem não se
tornarem mães, por saberem que assim perderão o interesse pelo
sexo. Um programa de planejamento familiar pode ser implantado
por lei, mas nenhuma lei pode forçar uma mulher a tornar-se mãe.
Esse problema dos países ocidentais é mais complexo do que o
nosso de explosão populacional. Podemos deter o aumento da
população pela força, ou legalmente, mas eles não podem aumentar
a população pela lei. Nos próximos duzentos anos esse problema
atingirá proporções gigantescas no Ocidente, e a população dos
países orientais, crescendo aos trancos e barrancos, poderá dominar
o mundo todo. Simultaneamente, com o passar dos anos, o
potencial humano do Ocidente diminuirá. Eles terão de fazer com
que as mulheres concordem em se tornar mães novamente.

132
Alguns psicólogos ocidentais começaram a se tornar
favoráveis ao casamento entre crianças. Uma mulher entrando na
maturidade não se interessará por se tornar mãe — estará mais
interessada no prazer sexual — e assim, esses psicólogos estão
aconselhando as pessoas a se casarem cedo. Nesse caso, as mulheres
não terão outros pensamentos e desejos antes de se tomarem mães.
Esta foi também uma das razões por trás dos casamentos entre
crianças no Oriente; sabia-se que uma moça não iria querer casar-se
e tomar-se mãe quando chegasse à adolescência, quando se
conscientizasse do sexo, quando tivesse desenvolvido um gosto por
ele. Essa mentalidade, essa imensa atração pelo sexo, existe nas
mulheres até que saibam o que obterão tornando-se mães. Mas isso
elas não podem compreender a menos que atinjam a maternidade.
Não existem meios de se ter uma vaga idéia disso antes de se tornar
realmente uma mãe.
Por que uma mulher se sente tão gratificada ao tornar-se
mãe? Porque ela tem uma divina, completa e perfeita experiência de
sexo espiritual com seu filho. E é apenas por causa disso que há
uma intimidade tão intensa entre mãe e filho. Uma mulher dará sua
vida pela criança, mas não pode nem imaginar tirar a vida de seu
próprio filho. Uma esposa pode matar o marido — isso acontece
freqüentemente — e, mesmo que não faça isso de fato, pode criar
circunstâncias em casa que levem à mesma coisa. Mas com respeito
a seu filho, ela não pode nem pensar em tal coisa. Isso porque a
relação com seu filho é muito profunda, muito intima.
Mas, ao mesmo tempo, quero dizer que quando uma mulher
desenvolve uma relação profunda com seu marido, o marido
também se torna um filho para ela. Então não é mais um marido. Há
muitos homens e mulheres sentados aqui neste auditório. Gostaria
de perguntar aos homens aqui presentes se eles não se comportam
exatamente como criancinhas com suas mães, quando estão num
estado de total amor por suas esposas. Vocês sabem por que a mão
de um homem inconscientemente se dirige para o seio da mulher? É
133
a mão de bebê procurando pelo seio de sua mãe. Assim que o,
homem se sente transbordar de amor por uma mulher, sua mão
automaticamente procura pelo seio dela. Por quê? O que tem o seio
a ver com o amor? Ou com o sexo? O sexo não tem de modo algum
relação com o seio, mas uma criança tem uma profunda associação
com o seio da mãe. Desde o nascimento, ela vai tomando
consciência de que o seio é o seu elo, sua ligação com a vida.
Quando um homem transborda de amor, torna-se um filho!
E para onde vai a mão da mulher? Sua mão se estende para a
cabeça do homem; seus dedos começam a acariciar os cabelos dele:
essa é a lembrança do filho; ela está acariciando os cabelos de seu
filho. É por isso que, se o amor floresce completamente no nível
espiritual, o marido se torna o filho; é por isso que o marido deve se
tornar um filho. Então a pessoa sabe que chegou ao terceiro nível do
sexo, ao nível espiritual. Mas nós somos completamente ignorantes
a respeito desse relacionamento.
O relacionamento entre marido e mulher é o início de uma
jornada e não o fim. E lembre-se, por ser uma jornada é que maridos
e esposas estão sempre num estado de tensão. Uma jornada é
sempre cansativa; a paz só é encontrada na chegada. Maridos e
esposas nunca estão calmos porque estão sempre a caminho,
sempre na estrada — e a maior parte das pessoas perecem no
caminho, nunca chegam à meta. Por causa disso, há sempre um
estado de conflito entre maridos e esposas; há uma luta constante. E
é isso o que chamamos de "amor".
Infelizmente, nem o marido nem a mulher compreendem a
causa real da tensão, da luta. Cada um pensa que escolheu o
parceiro errado. O marido pensa que tudo seria melhor se tivesse se
casado com outra mulher, a esposa pensa que tudo provavelmente
estaria bem se tivesse se casado com outro homem. Quero lhes dizer
que essa é a experiência de todos os casais do mundo. Se lhes derem
a chance de mudar de parceiro, a situação não mudará nem um
pouco. Será a mesma coisa que mudar de ombro quando se está
134
carregando um caixão para o cemitério: você se sente aliviado por
um tempo, então nota que o peso novamente se tornou o mesmo. A
experiência no Ocidente, onde o divórcio é desenfreado, é que a
nova esposa, em pouco tempo, mostra-se exatamente como a
anterior — e em duas semanas, o novo marido também acaba sendo
igual ao primeiro. A razão não pode ser encontrada na superfície,
mas num nível mais profundo. A razão não tem nada a ver com o
indivíduo, com o homem ou a mulher; a razão é que o casamento é
uma jornada, um processo. O casamento não é o alvo, não é o
objetivo. A meta só será alcançada quando a mulher se tornar uma
mãe e o homem, um filho.
Um amigo perguntou algo sobre essa questão. Disse que não
me aceita como uma autoridade em sexo. Disse que posso falar
sobre Deus, mas não sobre sexo. Disse que ele e alguns amigos
vieram aqui para ouvir falar em Deus e que eu, portanto, deveria
falar apenas sobre Deus. Talvez eles não tenham percebido que é
absurdo perguntar a alguém sobre Deus se não consideram essa
pessoa uma autoridade nem mesmo em sexo. É possível perguntar a
respeito do pico dourado a alguém que não sabe nada sobre o sopé
da montanha? Se o que eu tenho a dizer sobre sexo não é aceitável
para você, então não deveria me perguntar sobre Deus também. Se
eu não sou considerado capaz de falar sobre o primeiro passo, então
como serei competente para falar sobre o último?
A psicologia por trás dessa questão é que kama e Rama, a
luxúria e o Senhor, têm, até agora, sido considerados inimigos um
do outro. Até agora, tem-se tido por certo que aqueles que estão em
busca de religião não podem ter nada a ver com sexo, e que aqueles
que investigam sobre o sexo não podem ter nada em comum com a
espiritualidade. Ambos são ilusões. A jornada para kama é também
a jornada para Rama. A jornada para a luxúria é também a jornada
para a luz. A tremenda atração pelo sexo é também a busca pelo
Sublime.

135
O homem nunca sente que sua jornada está completa, por
estar completamente envolvido pelo sexo. A menos que Rama seja
alcançado, a menos que a sublimação seja atingida, sua busca nunca
terá fim. E a busca daqueles que reprovam kama e estão à procura de
Rama não é uma autêntica busca por Deus; nada mais é do que um
escapismo em nome de Rama. Eles se escondem por trás de Rama
para fugir de kama. Isso porque morrem de medo do sexo, porque
suas vidas estão num estado de constante agitação causada pelo
sexo. Procuram refúgio repetindo alto o nome de Rama, "Rama,
Rama, Rama", a fim de que possam se esquecer de kama, do sexo.
Sempre que você observar um homem cantando o nome de
Rama, olhe bem de perto para ele: por trás da repetição de Rama
estará o eco de kama; uma consciência do sexo estará presente. Se
uma mulher estiver à vista, eles começarão a recitar — "Rama, Rama,
Rama" — girando seus rosários a grande velocidade e cantando o
nome de Rama aos berros. O kama interior empurra-os de dentro, e
esses escapistas tentam ignorar, sufocar, reprimir isso cantando o
nome de Rama. Se um truque tão simples pudesse mudar a vida de
uma pessoa, o mundo teria mudado para melhor há muito tempo. A
religião não é assim tão fácil de se atingir.
É imperativo conhecer kama se você quer alcançar Rama, se
quer buscar o Sublime. Por quê? Tome o exemplo de um homem
que deseja ir de Bombaim a Calcutá. Primeiro, ele obtém
informações sobre Calcutá onde é, qual a direção a seguir, mas se
ele não conhecer nem onde é Bombaim, onde está em relação a
Calcutá, como poderá ser bem sucedido em sua missão? Para ir de
Bombaim a Calcutá, é absolutamente necessário saber primeiro
onde está Bombaim. Se eu não sei onde fica Bombaim, todas as
minhas informações sobre como ir de Bombaim a Calcutá não
valerão nada. Antes de mais nada, tenho de começar de Bombaim;
minha jornada tem de começar em Bombaim. O ponto inicial
sempre vem primeiro. A chegada sempre vem por último.

136
Onde você está agora? Você diz que anseia fazer a jornada
para Rama? Ótimo. Você diz que deseja chegar a Deus? Muito bem.
Mas onde você está agora?

Agora você está encalhado na luxúria; agora está encalhado


no sexo — e é a partir desse ponto, de onde você está agora, que
precisa dar o primeiro passo à frente. É imperativo compreender
onde você está agora. Pela aceitação desse fato simples, pela
compreensão dessa realidade dura, você pode ver também a
possibilidade para o futuro. Para saber o que você pode atingir, é
importante saber o que você é.
Para chegar ao passo final, é necessário dar o primeiro —
porque o primeiro passo preparará o terreno para o segundo e,
finalmente, para o último passo da jornada. Se o seu primeiro passo
for dado na direção errada, você nunca chegará ao destino
almejado; poderá acabar, ao invés disso, no deserto. Portanto, se
você quer alcançar o Supremo, é mais importante para você
compreender kama do que compreender Rama. Você não pode
chegar a Deus sem primeiro compreender o sexo.
Também fui informado por carta que as opiniões de Freud
sobre sexo podem ser aceitáveis e valiosas, mas me perguntaram
como as minhas podem ser consideradas verdadeiras e sinceras.
Como você pode decidir se eu sou honesto e sincero ou não?
Nesse caso, seja o que for que eu diga, não será decisivo porque eu
mesmo é que estou sendo o tema sob consideração. Se eu disser que
sou honesto, isso não terá sentido. E também não terá sentido dizer
que não sou honesto, porque o próprio objeto de debate é se a
pessoa que está fazendo essas afirmações é um homem honesto ou
não. Assim, o que eu disser neste contexto não terá sentido; será
inútil. O que posso dizer é: experimente com o sexo e descubra por
si mesmo se sou honesto ou não. Você virá a conhecer a verdade das
minhas afirmações quando chegar à experiência por si mesmo. Não
existe outro jeito.
137
Por exemplo, se eu estivesse, falando sobre uma determinada
técnica de natação, você poderia duvidar se meu método é
praticável ou não. Minha resposta a isso seria pedir a você que fosse
a um lugar onde pudesse nadar. Se meu conselho fosse útil para
ajudá-lo a nadar no rio, então você saberia que o que eu disse não
era mentira nem algo sem valor.
No que diz respeito a Freud, gostaria de explicar para essa
pessoa que me escreveu que é bastante provável que Freud não
tivesse consciência do que estou dizendo aqui. Freud foi uma das
poucas pessoas de visão que guiaram a humanidade em direção à
liberação sexual, mas ele não tinha nenhuma idéia sobre a existência
do sexo espiritual. O conhecimento que Freud sistematizou era o do
sexo doentio; suas pesquisas foram com o patológico. Freud era um
tipo de médico e suas descobertas foram usadas como tratamentos
administrados a pessoas doentes. Freud não estudou o sexo normal,
sadio. Ele foi um sábio pesquisador lidando com a doença, a
perversão, e sua preocupação foi fundamentalmente com
tratamentos, com cura.
Portanto, se você está inclinado a comprovar a veracidade do
que estou dizendo, terá de se voltar à filosofia do Tantra. O Tantra
fez as primeiras tentativas para espiritualizar o sexo, e, embora
tenhamos proibido o pensamento sobre o Tantra há milhares de
anos atrás, os monumentos de Khajuraho e os templos de Puri e
Konarak são testemunhos vivos. Você já esteve em Khajuraho? Você
já viu as imagens lá? Se viu, deve ter experimentado dois
fenômenos maravilhosos. Primeiro, mesmo após ver as imagens de
casais nus em relação sexual, você não terá qualquer sensação de
vulgaridade; não verá nada de feio ou mau nas imagens de homens
e mulheres nus copulando. E a segunda coisa é que você
experimentará uma sensação de paz. Um sentimento do sagrado o
envolverá. Sua reação o surpreenderá. Os visionários que criaram
aquelas estátuas eram pessoas que tinham visto e conhecido
intimamente o sexo espiritual.
138
Se você olhar para um homem dominado pelo sexo, se olhar
para seu rosto e olhos, ele parecerá feio, assustador, bestial; verá
nele uma luxúria perturbada o feroz. Quando uma mulher vê um
homem se aproximando dela, e ele está cheio de luxúria, mesmo
que ele seja querido, ela verá nele um inimigo e não um amigo. Ele
não lhe parecerá nem mesmo humano; será como um mensageiro
do inferno. Mas no rosto daquelas estátuas você encontrará a
sombra gloriosa de Buda, o reflexo sublime de Mahavir. A
compostura e serenidade nos rostos das estátuas é a do samadhi.
Uma serenidade sagrada emana deles. Se meditar sobre aquelas
estátuas nada menos do que uma onda de paz eterna o cingirá. Você
ficará admirado.
Se tem medo de que a sexualidade o esmagará após ver as
estátuas nuas, eu lhe peço: vá direto ao Khajuraho, sem perda de
tempo. Khajuraho é um monumento único nesta terra, embora os
moralistas como o falecido Shree Purshottamdas Tandon e seus
colegas sejam da opinião de que os muros de Khajuraho deveriam
ser cobertos por uma camada de terracota, pois acreditam que as
imagens tomam as pessoas sexuais. Fiquei atônito quando ouvi isso!
Os construtores de Khajuraho tinham um propósito: se as pessoas
sentassem em frente das estátuas e meditassem, ficariam livres da
luxúria. Por milhares de anos essas imagens têm sido objetos de
meditação. Mostram-nos um exemplo tão admirável que se pedia às
pessoas muito sexuais para irem aos templos de Khajuraho, a fim de
meditarem sobre as estátuas e extasiarem-se com elas.
Embora tenhamos observado freqüentemente essa mesma
verdade na experiência humana comum, não fomos realmente
capazes de ver isso. Por exemplo: se você está passando e vê duas
pessoas brigando na rua, tem vontade de parar e observar a briga.
Por quê? Alguma vez você já pensou sobre o que ganha vendo os
outros brigarem? Deixando de lado seu trabalho, você fica parado
por meia hora para ver as pessoas brigando. Vai também às lutas de
boxe. Por quê? Provavelmente não percebeu que elas têm um efeito
139
terapêutico. Ao observar dois homens brigando, o instinto de brigar
que existe profundamente enraizado em seu interior é satisfeito. Ele
se dissipa; é jogado fora, e você fica muito mais calmo. Se alguém se
senta e medita com uma mente pacífica sobre as imagens de relação
sexual, o maníaco interior, a sexualidade louca do homem, pode
evaporar.

Um homem foi ao psiquiatra com um problema: estava


muito aborrecido com seu chefe. Se seu chefe lhe dizia alguma
coisa, imediatamente ficava zangado e sentia vontade de tirar seu
sapato e jogá-lo em seu chefe.
Mas como você pode bater em seu chefe? Existe algum
homem que não sinta vontade de bater em seu chefe de vez em
quando? Um empregado assim é raro.
De qualquer modo, o homem foi reprimindo o desejo de
bater em seu chefe, mas começou a criar um complexo por causa
disso e, com medo de que pudesse realmente bater em seu chefe
algum dia, passou a deixar seus sapatos em casa. Mas não
conseguia esquecer-se dos sapatos. Sempre que via o chefe, suas
mãos automaticamente iam em direção aos pés. Mas felizmente os
sapatos tinham sido deixados em casa, e ele se sentia um pouco
mais tranqüilo porque sabia que um dia, num arrebatamento,
poderia tirar um sapato e atirá-lo em seu chefe.
Mas não ficou livre dos sapatos apenas por deixá-los em casa;
eles continuavam a avultar em sua consciência. Se ele estivesse
rabiscando com uma caneta, desenhava sapatos no papel; nos
momentos de lazer, fazia esboços de sapatos. Os sapatos
preenchiam seus pensamentos, e ele estava morrendo de medo de
atacar seu chefe algum dia.
Em casa, disse à família que seria melhor que ele não fosse
mais trabalhar. Agora, sua condição mental estava de um jeito, que
ele não precisava mais dos próprios sapatos: poderia arrancar os
sapatos de qualquer pessoa para bater em seu chefe; suas mãos já
140
tinham até começado a se mover em direção aos pés de seus
colegas. A essa altura, sua família decidiu que estava na hora dele ir
a um psiquiatra. E assim ele foi.
O psiquiatra disse que a doença dele não era nada grave, que
era curável. Aconselhou-o a pendurar uma fotografia de seu chefe
em casa e bater nela com um sapato cinco vezes, todas as manhãs.
Devia bater na foto religiosamente, antes de ir trabalhar, e, além
disso, não deveria deixar de bater nem um único dia. O ritual tinha
de ser observado diariamente, como se fosse uma oração matinal, e,
então, ao voltar para casa deveria repetir o mesmo processo.
A primeira reação do homem foi dizer: "Que absurdo!"
Embora ele estivesse atônito com a idéia, sentiu-se muito feliz com
ela. A foto foi pendurada e ele iniciou o ritual prescrito.
Já no primeiro dia, quando foi para o escritório após ter
batido na foto cinco vezes, notou uma estranha sensação: não estava
com tanta raiva de seu chefe como antes. E, em quinze dias, tornou-
se muito polido com seu patrão. Seu chefe também percebeu a
mudança nele, mas é claro que não sabia o que estava acontecendo.
Disse ao empregado que ele havia se tornado muito polido, muito
obediente e realmente muito simpático nos últimos tempos, e queria
saber o que havia acontecido. O empregado replicou: "Por favor,
não me pergunte nada sobre isso ou tudo vai ficar de pernas para o
ar outra vez. Eu simplesmente não posso lhe dizer".
Qual é a verdade por trás dessa estória? Alguma coisa
realmente pode ser conseguida apenas por se bater numa foto? Sim
— por bater na foto, a obsessão de bater no chefe com um sapato
simplesmente se dissolveu, desapareceu.

Templos como os de Khajuraho, Konarak e Puri deveriam


existir em todos os cantos deste país. Não existe nada tão
importante em outros templos; não há nada de científico, nenhum
projeto, nenhum significado neles. Não são absolutamente
necessários. Mas a existência dos templos de Khajuraho e outros
141
como eles está repleta de significado. Qualquer pessoa cuja mente
esteja opressivamente ansiosa com sexo deveria ir lá e meditar.
Quando retomasse, sentiria o coração leve, sentir-se-ia em paz.
Os tântricos tentaram transformar o sexo em espiritualidade,
mas os pregadores da moralidade em nosso país não permitiram
que a mensagem chegasse às massas. E foram essas mesmas pessoas
que quiseram acabar com minhas palestras.
Em meu retomo a Jabalpur, três dias após minha palestra no
Bharatiya Vidya Bhavan Auditorium aqui em Bombaim, recebi uma
carta de um amigo dizendo que se eu continuasse com estas
palestras, eu seria morto. Gostaria de ter respondido a carta, mas o
gentil cavalheiro parece ser um covarde: não assinou sua carta nem
colocou seu endereço; provavelmente ficou com medo de que eu
contasse a ameaça à polícia. Contudo, se ele estiver presente aqui,
deve aceitar minha resposta agora. Mesmo que ele esteja aqui, estou
certo de que está escondido atrás de algum muro ou árvore. Caso
esteja em algum lugar por perto, quero lhe dizer que não irei
denunciar a ameaça, mas que ele devia me dar seu nome e endereço
para que eu possa, pelo menos, lhe enviar uma resposta. Mas, se
não se atreve a tanto, darei minha resposta aqui. Ele deve ouvi-la
cuidadosamente.
Provavelmente, ele não está consciente disso, mas em
primeiro lugar, não deveria ter pressa em atirar em mim, porque,
com o disparo da bala, o que estou dizendo se tornaria uma verdade
eterna. Se Jesus não tivesse sido crucificado, o mundo o teria
esquecido a muito tempo. De certo modo, a perseguição foi benéfica
para Jesus. O autor George Gouzette disse que Jesus planejou sua
própria crucificação. Jesus quis ser crucificado porque, assim, todas
as palavras que havia pregado se tornariam a verdade viva por
séculos e seriam benéficas a milhões de pessoas.
Isso é totalmente possível. Judas, que vendeu Jesus por trinta
moedas, foi um de seus discípulos mais amados. É inacreditável que
alguém que tenha passado tantos anos com Jesus fosse vendê-lo por
142
uma quantia tão insignificante, a menos que o próprio Jesus tivesse
sugerido que ele fizesse isso ou que mudasse de lado e organizasse
a perseguição, a fim de que suas palavras pudessem se tornar uma
fonte de néctar eterno, liberando bilhões.
Poderia haver trezentos milhões de jainistas no mundo ao
invés de apenas três milhões, como é o caso, se Mahavir tivesse sido
crucificado. Mas Mahavir morreu pacificamente; provavelmente
nunca pensou em morrer numa cruz. Ninguém tentou fazer isso
para ele, nem ele mesmo tentou organizar isso. Não foi Buda, nem
Maomé, nem Rama, nem Krishna, nem Mahavir, mas Jesus quem
foi pregado na cruz — e hoje metade do mundo é cristã. E o mundo
inteiro talvez se converta ao cristianismo, um dia. Este é o lado mais
glorioso de ser crucificado. Portanto, digo ao meu amigo para não
se precipitar atirando em mim; do contrário, se arrependerá de seu
ato pelo resto de seus dias.
A segunda coisa é que ele não deve se preocupar muito com
isso, porque não tenho a intenção de morrer na cama. Quando o
tempo certo chegar, farei o máximo que puder para alguém dar um
tiro em mim. Ele não deve apressar-se; eu mesmo darei um jeito
nisso. A vida é proveitosa, mas, quando uma pessoa é assassinada, a
morte também se torna proveitosa. Uma morte à bala pode muitas
vezes consumar o que a vida não pôde.
As pessoas estão sempre repetindo esse mesmo erro —
aqueles que envenenaram Sócrates, aqueles que mataram Mansur,
os que crucificaram Jesus. Todos esses atos foram infantis, auto-
abortivos. E, mais recentemente, o homem que atirou em Gandhi
não estava consciente de que nenhum dos seguidores de Gandhi
poderia ter tido tanto sucesso em prolongar sua memória quanto
ele, ao praticar o assassinato. Gandhi cruzou suas mãos e fez um
gesto de reverência quando recebeu o tiro e estava morrendo. Esse
cumprimento foi muito significativo. Era uma indicação de que o
último e melhor discípulo de Gandhi finalmente havia chegado: o

143
homem que tornaria Gandhi imortal. Deus enviara o homem
necessário.
Ninguém morre ao ser assassinado; isso apenas ajuda um
homem a se tornar imortal. A trama da vida é complexa; a estória
da vida está repleta de suspense: as coisas não são tão simples como
parecem. O homem que morre na cama morre para sempre,
enquanto que o homem que morre por assassinato nunca morre.
Quando o veneno estava sendo preparado para Sócrates,
alguns de seus amigos perguntaram como seu corpo deveria ser
tratado após a morte. "Deve ser cremado, enterrado ou o quê?" eles
perguntaram. Sócrates riu e disse: "Homens tolos! Vocês não sabem
disso, mas nunca serão capazes de me enterrar. Viverei até mesmo
quando todos vocês não estiverem mais vivos. O truque é que eu
preferi morrer apenas para viver para sempre!".
Portanto, meu amigo, se você está aqui, não deve agir
impensadamente; do contrário, logo se verá como perdedor. Eu não
serei prejudicado; não sou daqueles que balas podem destruir. Sou
daqueles que sobrevivem às balas. Você não deveria estar com
pressa de atirar em mim. Não deveria estar perturbado também,
pois farei o que puder para não morrer na cama. Esse tipo de morte
é impróprio. Esse tipo de morte não tem valor.
O terceiro ponto para lembrar-se é não ter medo de assinar
cartas, não ter medo de dar seu endereço. Se eu estiver convencido
de que há alguém corajoso o suficiente e pronto para me dar o tiro,
escolherei o candidato sem contar a ninguém, assim, mais tarde, ele
não será envolvido.
Mas não existe nada de muito estranho nesse homem. Ele
escreveu com a convicção de que estava protegendo a religião.
Escreveu porque pensou que eu queria destruir a religião, e ele quer
restaurar a religião. Suas intenções não são más. Seus sentimentos
foram muito sinceros e, para ele, muito religiosos.
Essas pessoas chamadas de religiosas estão brincando com as
emoções do mundo. Suas intenções podem ser muito boas, mas sua
144
inteligência é muito pobre. Por séculos, essas pessoas
aparentemente santas e as do mesmo tipo têm sufocado o
florescimento completo da verdade, e porque o conhecimento tem
sido abafado do mesmo modo, a ignorância está se difundindo. Nós
estamos tateando no escuro, estamos perdidos na noite da
ignorância. E em meio à nossa escuridão, esses pregadores da moral
construíram altos púlpitos de onde proferem sermões para nós.
Mas é igualmente verdadeiro também que, quando o fulgor
da verdade começar a despontar em nossas vidas, esses homens
chamados de santos estarão desempregados. Quando formos
capazes de gerar um relacionamento vivo com Deus; quando
chegarmos a conhecer o samadhi; quando nossas vidas comuns,
mundanas, começarem a ser transformadas em vidas divinas, nada
será deixado para esses moralistas e pregadores. O pregador só
predomina enquanto as pessoas estão tateando na escuridão.
Um médico é necessário quando as pessoas ficam doentes,
mas os médicos serão supérfluos se as pessoas pararem de ficar
doentes. Como a profissão de pregador, a profissão médica
desenvolve-se em cima do conflito interno, porque o sustento do
médico depende das pessoas ficarem doentes. Um médico trata dos
pacientes exteriormente, mas interiormente espera que eles fiquem
doentes. E quando há uma epidemia, ele agradece a Deus pelo
trabalho.

Ouvi uma estória:

Uma noite, um grupo de amigos fazia uma grande festa.


Bebendo e comendo, eles se divertiram até de madrugada. Quando
começaram a ir embora, o proprietário do hotel disse à sua mulher
que agradecesse a Deus por lhes ter mandado um número tão
grande de fregueses. Se tal movimento continuasse, ficariam ricos.
O anfitrião, ao pagar a conta, pediu ao proprietário que orasse pela

145
prosperidade do seu negócio também, assim ele poderia voltar
novamente.
O proprietário perguntou: "A propósito, qual é o seu negócio,
senhor?".
"Sou agente funerário", disse ele. "Meu negócio prospera
mais quando muitas pessoas morrem."
Similarmente, a profissão de um médico pode ser curar as
pessoas, mas quanto mais as pessoas ficam doentes, mais dinheiro
ele ganha. Interiormente, ele espera que o paciente não se recupere
muito depressa. Assim, leva tempo para curar seus pacientes,
especialmente os ricos. Os pacientes pobres se recuperam mais
depressa, porque o médico não ganha muito quando o pobre fica
doente por longo tempo. O lucro vem dos clientes ricos, assim ele
vai devagar quando está curando o rico. De qualquer modo, os ricos
estão sempre indispostos; eles são a resposta às preces de um
médico.
O pregador está na mesma classe. Quanto mais as pessoas
forem imorais, quanto mais elementos marginais houver, quanto
mais anarquia espalhada, mais alto seu púlpito se elevará — porque
então haverá mais necessidade dele exortar as pessoas a observarem
a não-violência, a serem verdadeiras, a se comportarem
honestamente, a observarem os regulamentos, a cumprirem as
regras, e assim por diante. Se as pessoas fossem corretas,
disciplinadas, pacíficas, honestas e santas, a profissão de pregador
deixaria de existir.
E por que existem tantos pregadores e líderes religiosos na
Índia — mais do que em qualquer outra parte do mundo? Por que,
em toda e qualquer vila, em toda e qualquer casa, há um pândita,
um guru, um swami ou um padre? Por que existe um exército tão
grande de líderes religiosos neste país?
Não se deve presumir que somos um povo profundamente
religioso pelo fato de termos tantos santos e gurus. É fato que
somos, hoje, um dos países mais irreligiosos e imorais do mundo. É
146
por isso que tantos pregadores encontram oportunidades de ouro
em nosso país. Pregar tornou-se nossa imagem nacional. Um amigo
me enviou um artigo de uma revista americana. Ele queria minha
opinião sobre uma falha que havia notado no Artigo. Era um artigo
humorístico, afirmando que o caráter nacional de qualquer país
pode ser determinado, deixando bêbado um homem desse país. Se
um holandês fica bêbado, o artigo dizia, lança-se à comida e se
recusa a deixar a mesa do Jantar; tão logo toma uma bebedeira,
começa a comer por duas ou três horas. Se um francês bebe, torna-se
agitado; quer cantar e dançar. Se um inglês fica muito bêbado, vai
sentar-se num canto e se isola. Um inglês é normalmente quieto e
quando fica bêbado torna-se totalmente reservado. Tais são as
reações típicas das várias nacionalidades, de acordo com o artigo.
Mas, por erro ou ignorância, não havia nenhuma menção aos
indianos. Meu amigo perguntou o que eu tinha a dizer sobre o
caráter indiano; perguntou-me o que aconteceria se um indiano
bebesse excessivamente. Escrevi a ele que a resposta já era
mundialmente famosa: quando um indiano fica bêbado,
imediatamente começa a pregar. Esse é o nosso caráter nacional.
Essa fila interminável de pregadores, ascetas, monges e gurus é
sinal de uma doença muito difundida; é indicação de uma grande
imoralidade.
E o mais estranho é que, no fundo, nenhum desses líderes
quer que a imoralidade seja extinta, ou que a doença seja erradicada
— porque se e quando ela for curada, os pregadores não terão mais
ocupação. O íntimo desejo deles é que a doença continue, que o mal
aumente.
O meio mais fácil de permitir que essa doença continue
incontrolada é restringir o crescimento de um conhecimento
totalmente abrangedor sobre a vida, e amedrontar os homens para
que não queiram compreender os mais profundos e significativos
aspectos da vida. E é essa ignorância que provoca automaticamente
a propagação da imoralidade, da libertinagem e da corrupção. Se as
147
pessoas tentassem examinar e conhecer essas profundas e
esclarecedoras facetas da vida, a irreligiosidade e suas subseqüentes
doenças começariam a desaparecer, uma a uma.
Quero chamar a atenção para o fato de que o sexo é o aspecto
da vida mais responsável pela imoralidade. Tem sido sempre a
causa mais básica e influente da perversão, da libertinagem e da
estupidez no homem. Por isso, os líderes religiosos nunca querem
falar a respeito disso.
Outro amigo me enviou uma mensagem dizendo que
nenhum santo ou guru fala sobre sexo. Escreveu que a alta estima
que tinha por mim diminuiu por causa das minhas palestras sobre
sexo. Gostaria de dizer a ele que não há razão nenhuma para ficar
desapontado comigo. Antes de mais nada, se você alguma vez me
respeitou, isso foi um erro seu. Por que teve necessidade de me
honrar? Qual foi o seu motivo? Quando eu pedi o seu respeito? Se
você me tinha respeito, esse erro foi seu; se não está mais tão
favorável, esse privilégio é seu. Não sou nenhum mahatma, nem
estou disposto a ser um.
Se eu tivesse o mais leve desejo de me tornar um mahatma
ou um guru, nunca teria selecionado este assunto, em primeiro
lugar. Um homem não pode jamais se tornar um mahatma se não
for muito sagaz na seleção dos tópicos para suas palestras. Eu nunca
fui um mahatma, não sou um mahatma e certamente não quero
tornar-me um mahatma — esse desejo em si é uma projeção de um
ego sutil, refinado. Sou um homem, e isso é suficientemente bom
para mim. Não é suficiente ser apenas um homem? Um homem não
pode ser feliz sem estar sendo carregado nos ombros de outros
homens, sem se impor aos outros, sem adquirir poder de uma
forma ou de outra? Um homem não pode ser feliz simplesmente
sendo um homem? Seja qual for a posição na qual me encontro
estou feliz e satisfeito.
Anseio pela grandeza da humanidade; quero ver um homem
melhor. Não é uma grandeza tornar-se um homem, chegar à
148
dimensão total de humanidade? Todo homem pode tornar-se
grande; todo homem é capaz de se tornar grande no verdadeiro
sentido da palavra. Os dias dos mahatmas e gurus se foram; eles
não são mais necessários. Uma grande humanidade é essencial; a
necessidade do momento é a de uma grande humanidade. Tem
havido muitos grandes homens, mas o que ganhamos com eles? A
necessidade não é de grandes homens, mas de uma grande raça
humana, de uma humanidade melhor.
Pelo menos uma pessoa está desiludida; pelo menos um
homem chegou a saber que eu não sou um grande homem. É um
grande alívio a desilusão desse homem. Ele escreveu para me tentar
com o mahatmatismo; ele disse que eu poderia me tornar um
grande guru se parasse de falar sobre tais assuntos. Até agora, os
mahatmas e gurus têm sido enganados por tais propostas e, como
resultado, essas grandes, mas frágeis pessoas não falaram sobre
assuntos que poderiam tornar-se desastrosos para seus guruísmos,
para seus mahatmatismos. Na preocupação de salvar seus próprios
tronos, nunca se importaram com quantas pessoas estavam
influenciando prejudicialmente.
Não estou interessado em nenhum alto pedestal. Não sonho
com isso, nem tenho essa intenção. Por outro lado, estou
preocupado com o fato de que alguém possa querer criar um
mahatma algum dia. Hoje em dia, não há escassez de gurus e
mahatmas, e para ser considerado um é muito importante adotar a
postura correta. Sempre foi assim. Mas o ponto crucial da questão
não é a disponibilidade de mahatmas, mas como um homem
autêntico pode evoluir. O que podemos fazer para alcançar essa
meta? Como podemos nos dedicar a essa tarefa?
Confio e acredito que o que falamos os guiará ao caminho
apropriado para quebrar aquelas barreiras que se erguem no curso
da evolução de um homem autentico. Um caminho é visível; a
transformação gradual da sua luxúria é possível. Seu sexo pode
tornar-se seu samadhi.
149
Agora, como você é hoje, você é a sua luxúria; não é a sua
alma. Vocês também podem tornar-se almas, mas só pela
transformação gradual da sexualidade. Só então a jornada para
Deus poderá começar.
Muitas outras questões similares têm sido enviadas a mim,
assim deixe-me rever alguns pontos importantes.
Disse que vocês devem se esforçar por uma contínua
conscientização do vislumbre do samadhi no coito. Devem tentar
entender esse ponto, esse vislumbre de samadhi, o qual lampeja
como um relâmpago no meio da relação sexual, o qual tremeluz por
um segundo como um fogo-fátuo, e então se desvanece. O esforço
deve ser para conhecer isso, para familiarizar-se com isso, para
permanecer com isso. Se puderem estabelecer esse contato
plenamente, pelo menos uma vez, nesse momento saberão que não
são um corpo, que são incorpóreos. Por essa fração de tempo você
não é um corpo; nesse momento é transformado em outra coisa: o
corpo é deixado para trás e você se torna a alma, o eu real. Se tiver
um vislumbre dessa glória, pelo menos uma vez, poderá persegui-
la, através de dhyana, meditação, e estabelecer um relacionamento
profundo e permanente com ela. Então, o caminho para o samadhi
será seu. E quanto isso se tornar parte de seu entendimento, parte
de seu conhecimento e de sua vida, não haverá mais espaço para a
luxúria.
Outro amigo está com medo do que possa acontecer à nossa
progenitura, à nossa raça, se abandonarmos o sexo como tal. "Se
todo o mundo chegar ao celibato pelo samadhi", ele diz, "como
haverá futuras gerações?"
Pode-se afirmar definitivamente que o tipo de criança que
está sendo procriado agora, não existirá. O modo atual de
procriação está bem para produzir gatos, cachorros e outros
animais, mas não é suficientemente bom para o homem. Que tipo
de atitude para com a procriação é esse? Que tipo de produção
impensada de crianças é esse? Esse tipo de procriação acidental em
150
massa é sem propósito, é inútil. E como nosso povo se tornou
numeroso! Nossa população explodiu em proporções tão incríveis
que se não for controlada a tempo, dizem os cientistas, daqui a cem
anos não haverá lugar nem para se mover os dedos! Em cem anos
você se sentirá o tempo todo no meio de algum tipo de
congregação. Para onde quer que olhe, sentirá que uma assembléia
está acontecendo. Convocar uma assembléia será desnecessário.
A pergunta desse amigo é muito relevante. Ele pergunta
como as crianças serão procriadas se o celibato se tomar um lugar-
comum.
Quero dar a ele mais um esclarecimento, e vocês também
deveriam prestar atenção: crianças podem nascer do celibato, mas
neste caso todo o propósito e significado da procriação terá uma
nova dimensão. A luxúria não é o veículo correto para a procriação
— o celibato é o único meio suficientemente judicioso. Como é
agora, o nascimento de uma criança é acidental; você começa a
relação sexual por algum outro motivo; as crianças simplesmente
acontecem. As crianças são hóspedes não convidados, e você só
pode ter por essas crianças o amor que tem pelos visitantes
inesperados.
E como os hóspedes imprevistos são tratados? Você prepara
uma cama para o conforto deles e serve comida; você os acolhe
polidamente e os mima — mas tudo é feito por etiqueta;
internamente não há nenhum sentimento de amor. Seu pensamento
constante é: "Quando será que esses chatos vão embora?".
Você trata as crianças indesejadas do mesmo modo, pela
simples razão de que, em primeiro lugar, você nunca as quis
realmente. Você estava atrás de alguma coisa; elas foram apenas
subprodutos. As crianças de hoje não são produtos; são
subprodutos. Elas não são produzidas; vêm junto com o sexo como
a palha que aparece com o milho.
Assim, o mundo todo tem tentado proteger o sexo desses
acidentes. O controle da natalidade se desenvolveu a partir dessa
151
atitude; auxílios artificiais foram inventados para que pudéssemos
desfrutar do sexo e, ao mesmo tempo, estar a salvo de crianças. Por
séculos, esforços têm sido feitos para resguardar a humanidade
desse pseudo mal. Até mesmo as antigas escrituras ayurvédicas
mencionam remédios. Os respeitáveis cientistas de hoje também
estão preocupados com a mesma coisa que preocupou os estudiosos
ayurvédicos há três mil anos atrás.
Por quê? Por que o homem concentra-se nessa pesquisa?
Crianças causam tumulto; crianças surgem inesperadamente no
meio das coisas; crianças trazem o peso da responsabilidade, e há
também o perigo da mulher se tornar apática sexualmente depois
de dar à luz.
Os homens também não querem filhos. Um homem pode
querer filhos enquanto não tem nenhum, não porque ame crianças,
mas porque ama sua riqueza. Quando um homem quer uma
criança, não se engane pensando que sua alma está ansiosa por um
filho, por um novo e inocente ser humano. Ele acumulou sua
riqueza com árduo trabalho. Quem sabe em que mãos sua riqueza
cairá após sua morte? Ele precisa de um herdeiro, alguém nascido
do seu próprio sangue, para salvar sua riqueza, para desfrutar de
seus bens. Ninguém quer uma criança por amor à criança.
Tentamos nos livrar delas, mas elas simplesmente vêm por conta
própria. Queremos apenas desfrutar do sexo e uma criança aparece!
Essa prole é o subproduto da sexualidade. Essas crianças são
doentes, fracas, frágeis, oprimidas pela ansiedade.
As crianças podem ser procriadas pelos celibatários também,
mas não serão o subproduto acidental do sexo. Quando isso
acontece, o sexo é o veículo para gerar crianças, mas não um fim em
si mesmo.
Você sobe a bordo de um avião para ir a Delhi. O avião é o
veículo para se chegar a Delhi. Quando você chegar lá, não dirá que
não quer sair do avião.

152
Quando você chegar ao estado de supraconsciência através
do sexo, quando chegar ao brahmacharya, ao estado de comunhão
com o divino, seu filho será um produto verdadeiro, será
verdadeiramente uma criação! Mas até agora, a mente engenhosa
do homem concentrou-se em construir mecanismos defensivos para
ajudá-lo a evitar crianças, permitindo o mais pleno gozo do sexo. Os
esforços deviam ser feitos na direção contrária. Mas nós ainda
queremos permanecer em nossos assentos mesmo depois de termos
chegado ao aeroporto de Delhi. Você percebe o meu ponto de vista?
Se o brahmacharya se difundir, nossa criatividade poderá ser
aplicada na direção da espiritualidade. No presente, o esforço está
na direção oposta: abominação da idéia de crianças e gozo do sexo
apenas pelo sexo.
Gostaria também de perguntar a esse homem por que ele está
tão preocupado em salvar o mundo dos brahmacharyas. Ele está
muito apreensivo no momento com o fato de que as pessoas possam
tornar-se brahmacharyas, que o nascimento de crianças pare e o
mundo se acabe. Meu amigo, como as coisas estão agora, a
possibilidade das pessoas se tornarem brahmacharyas é nula. E isso
permanecerá assim, enquanto esse desrespeito insensível,
intencional e particular pelo sexo existir. Não, meu amigo, não há
perigo para o mundo a partir desse ponto. Mas a possibilidade de
extinção esta aumentando dia a dia, por causa desses nascimentos
contínuos e acidentais. Se vocês continuarem a procriar desse modo,
o mundo certamente chegará ao fim. E não será preciso bombas
atômicas ou de hidrogênio. Essa população constantemente
multiplicada, esse obsceno subproduto de um enxame de vermes,
destruirá a si mesmo.
O novo homem, nascido de brahmacharya, teria um
desenvolvimento diferente. Teria uma longevidade que não
podemos imaginar. Sua saúde seria excelente; seria livre de
doenças. Sua forma e porte seriam como a de algumas estátuas
majestosas. Uma fragrância etérea emanaria dele. Bondade, amor,
153
verdade, beleza e religião seriam seus caracteres. Ele nasceria com a
religião em si mesmo. Seria um tipo de divindade encarnada.
Nós fomos procriados irreligiosamente. Recebemos a pena de
irreligiosidade desde o nascimento e morremos na irreligião. E no
intervalo, da manhã à noite, do nascimento à morte, durante toda a
extensão de nossas vidas, falamos e falamos sobre religião. Nesse
homem superior, não haverá palavras inúteis ou discussões vazias
sobre religião, porque a religião será seu modo de viver. Falamos
sobre coisas que não fazem parte de nossas vidas, e não falamos
sobre as coisas que fazem parte. Não falamos sobre sexo porque ele
é o nosso modo de viver, mas ficamos falando sobre Deus porque o
nosso modo de viver não tem nada a ver com Deus. Na verdade,
mantemos-nos satisfeitos falando sobre coisas que não podemos
atingir nem obter.
Vocês já repararam que as mulheres falam mais do que os
homens?
As mulheres estão sempre ocupadas em falar sobre uma
coisa ou outra — com suas vizinhas, com qualquer um que as ouça.
Sem querer ofender, dizem que é muito difícil imaginar duas
mulheres sentadas lado a lado por um tempo, sem que uma fale
com a outra.

Ouvi contar que foi organizado um grande concurso na


China para selecionar o maior mentiroso do país. O vencedor
receberia um grande prêmio, e assim os maiores mentirosos se
reuniram no local escolhido para o concurso.
Quando chegou sua vez, um homem disse: "Fui a um parque
e vi duas mulheres sentadas em um banco. As duas se mantiveram
reservadas e não conversaram".
Houve uma grande algazarra. Todo o mundo aplaudiu. As
pessoas gritaram: "Não pode haver uma mentira maior do que essa!
Esse é o maior mentiroso de todos!".
Todos votaram nesse homem.
154
Por que as mulheres falam tanto assim? Os homens têm seu
trabalho, mas as mulheres não têm muito que fazer. Onde não há
muito trabalho, muita atividade, há sempre tagarelice. Esse tipo de
inconveniente feminino é o caráter nacional da Índia. Não há
nenhum progresso neste país; há apenas conversa fiada e discussão.
O novo homem, o homem nascido do brahmacharya, não será
tagarela — ele viverá a vida. Não ficará falando e falando sobre
religião, ele viverá na religião. As pessoas se esquecerão da religião
como um tópico de discussão ociosa, porque a religião será a
própria natureza delas. Pensar sobre esse homem, imaginá-lo, é
maravilhoso; inspira reverência.
Tais homens têm nascido, mas seus nascimentos têm sido
raros. Ocasionalmente, muito ocasionalmente, um homem assim
nasce. As roupas mais caras não podem embelezá-lo; ele se levanta
despido, nu, e o esplendor de sua beleza se espalha por todos os
cantos. As pessoas se aglomeram em torno dele — para vê-lo, para
se maravilhar diante de uma divindade viva. Um homem assim
existiu. Ele tinha um tal fulgor, uma tal vitalidade que, embora seu
nome fosse Vardhamana, as pessoas o chamavam de Mahavir — o
grande vitorioso. A glória de brahmacharya nele era tal que as
pessoas se prostravam à sua frente, diante desse Deus-homem.
Ocasionalmente um Buda nasce, ocasionalmente um Cristo nasce,
ocasionalmente um Lao Tzu nasce. Podemos contar apenas alguns
nomes como esses em toda a história da humanidade.
No dia em que as crianças nascerem do celibato, de uma
comunhão divina — você provavelmente não gosta do som da frase
"crianças nascidas do celibato", mas estou falando sobre um novo
conceito, sobre uma possibilidade mais nobre, no dia em que as
crianças nascerem do celibato, a humanidade será tão bela, tão forte,
tão ponderada, tão energética e tão inteligente que o conhecimento
do eu, do Supremo, da Consciência Universal, não estará muito
longe de ninguém. Contudo, isso é difícil de imaginar. Deixe-me
ilustrar com um exemplo.
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Se a um homem que sofre de insônia eu disser que ele
dormirá no momento em que deitar sua cabeça no travesseiro, o
mais provável é que ele não me acredite. Ele me dirá que fica
sempre rolando na cama, sentando-se ou levantando-se para rezar,
ou contando carneiros, mas que não pode dormir. Dirá que sou um
mentiroso.
Perguntará como é possível dormir instantaneamente só por
deitar-se. Ele se queixará de que, a despeito de todos os tipos de
experimentos não consegue dormir profundamente, nem mesmo
por uma noite.
Trinta a quarenta por cento dos residentes da cidade de Nova
York tomam pílulas para dormir. E os psiquiatras temem que em
cem anos ninguém seja capaz de dormir naturalmente, que todo o
mundo tenha de tomar tranqüilizantes quando for para a cama. Se
esse é o estado corrente da saúde mental em Nova York, então a
mesma coisa acontecerá na Índia daqui a duzentos anos. Os líderes
indianos nunca ficam muito para trás em copiar estrangeiros.
Portanto, não podemos estar muito atrás dos nova-iorquinos. Se
plagiamos tudo o mais, como podemos ignorar isso?
Assim, no espaço de quinhentos anos, é totalmente possível
que todos os homens do mundo tomem soníferos antes de ir
dormir. E imediatamente após nascer, as crianças irão querer
tranqüilizantes ao invés de leite, porque não estarão tranqüilas nem
mesmo no útero da mãe! Então será muito difícil convencer as
pessoas de que, há quinhentos anos, as pessoas costumavam
simplesmente fechar seus olhos e dormir, sem barbitúricos. Elas
dirão que isso é impossível, perguntarão como isso podia ser feito.
Similarmente, será muito difícil convencer os que nascerem
do celibato que as pessoas uma vez foram desonestas, que já houve
ladrões e assassinos, que homens cometiam suicídio, que
envenenavam e esfaqueavam um ao outro, que guerreavam. Eles
também não acreditarão que as pessoas nasciam de uma

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sexualidade vulgar que não ia nem um pouco além do contato
físico.
Um sexo espiritual pode surgir. Uma nova vida para a
humanidade pode começar.
Durante os últimos quatro dias, falei a vocês sobre a
possibilidade de se chegar a um novo nível de existência espiritual.
Vocês ouviram minhas palestras pacientemente e com muito amor,
embora ouvir tais discursos tranqüilamente deva ter sido difícil;
vocês devem ter se sentido embaraçados algumas vezes.
Um amigo veio me ver e expressou seu medo de que alguns
homens, sentindo que tal assunto não deveria ser comentado,
pudessem se levantar e provocar um clamor para as palestras
pararem. Ele sentia que algumas pessoas poderiam protestar
intensa e ruidosamente contra a discussão de tal tópico em público.
Eu disse a ele que o mundo seria melhor se houvesse pessoas tão
corajosas ao redor. Onde você encontrará um homem tão corajoso a
ponto de se levantar diante de uma reunião pública e pedir ao
orador que pare seu discurso? Se uma pessoa tão corajosa existisse
neste país, então as palestras loquazes e absurdas pronunciadas das
altas plataformas, por uma longa série de homens tolos, teriam
parado a muito tempo atrás. Mas não pararam ainda e nunca
pararão. O tempo todo estive esperando por algum homem corajoso
que se levantasse e me pedisse para interromper minhas palestras.
Então eu poderia discutir o assunto com ele em detalhes. Teria sido
uma fonte de grande prazer para mim.
Assim, mesmo tais palestras, sobre tal tópico — a despeito de
muitos amigos terem ficado com medo de que alguém pudesse se
levantar para protestar, de que alguém pudesse criar pandemônio
aqui, vocês ouviram silenciosamente. Todos vocês são muito
amáveis. Estou grato pela paciente pacifica atenção que tiveram.
Concluindo, do fundo do meu coração, desejo que a luxúria
interior de cada um de nós possa tornar-se uma escada pela qual se

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possa chegar ao templo do amor; que o sexo dentro de cada um de
nós possa tornar-se um veículo para a supraconsciência.
E, finalmente, inclino-me diante do Supremo que reina em
todos nós.
Por favor, aceitem meus respeitos.

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