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20 DE SETEMBRO

Na véspera da data maior do Rio Grande do Sul rumamos para São Lourenço, onde uma grama
bem crescida me aguardava para um embate com foice, ancinho e máquina de cortar. A situação
de fato estava difícil e acabei dissipando boa parte do dia na tarefa. Mas antes assisti com minha
família o desfile tradicionalista local, que deve ser um dos maiores do estado. Emocionada pelo
conjunto de homens e mulheres, de crianças de colo e velhos cultuando a tradição, ao referir-se
à participação das crianças minha esposa disse que “isto ninguém mais tira”. Tem toda a razão.
A despeito dos festejos da Semana Farroupilha, entretanto, que demonstram com simplicidade o
amor telúrico de nossa gente, parece que virou moda diminuir seus feitos e tornou-se cult atacar
alguns personagens, não raro achincalhando sua memória. Trata-se de buscar a verdade, dirão
alguns. Assim acusa-se Canabarro de ter entregado para o martírio, em Porongos, uma centena
de negros. Assim debocha-se dos festejos dizendo que celebram uma derrota.
Não sou a pessoa mais apropriada para abordar o tema, porque meu conhecimento acerca da
Guerra dos Farrapos é modesto, mas sei que a coragem se mostra maior quando lutamos com
inimigo mais poderoso. Ora, de pronto há que reconhecer que a insurreição dos homens da
Província de São Pedro contra o poder central se enquadra à perfeição neste modelo. Terra de
estancieiros, gente da lida campeira, pegou em armas contra tropas certamente maiores e mais
organizadas. Contava, porém, com um trunfo, afinal lutar no próprio chão multiplica as forças.
Em “Garibaldi e a Guerra dos Farrapos” Lindolfo Collor pontua que a maior falha da revolução foi
não ter conquistado o porto de Rio Grande, talvez possível se Bento Gonçalves, no ataque final,
houvesse decidido chacinar as tropas governistas. Teria hesitado e deixado escapar a última
chance da revolução. Aliás, lendo aqui e acolá, deve-se reconhecer as qualidades de Bento
como exímio cavaleiro, verdadeiro centauro, como homem valente e leal. Militarmente, porém,
como estrategista e guerreiro, na hora fatal em que a pólvora nubla o campo de batalha, não se
ombreia com Garibaldi, mas isto não o ananica, senão apenas dá sua verdadeira dimensão perto
daquele gigante dos dois mundos.
Tive a oportunidade de visitar Massada, o platô escarpado do qual se avista o Mar Morto e que
serviu de palco para uma das mais aguerridas resistências militares da história. Tito arrasara
Jerusalém e os romanos agora se empenhavam em quebrar o último foco de resistência judaica.
Cercaram Massada, protegida por quase mil zelotas, incluindo mulheres e crianças. Os romanos
organizaram acampamentos ao redor da montanha, cujo topo situa-se na casa dos quatrocentos
metros de altura. Reservatórios de água, cereais e azeite de oliva prolongaram a resistência por
mais de dois anos e só foi possível vencê-la pela construção de uma torre junto ao flanco mais
vulnerável. Obra de arquitetura militar das mais extraordinárias da Antiguidade, dá bem a mostra
do que foi necessário para quebrantar os zelotas. O historiador Flávio Josefo registrou que ao
fim restaram uma velha, uma mulher jovem e cinco crianças. Os legionários não encontraram
guerreiros. Os que haviam sobrevivido deram fim à própria vida para não se tornarem escravos.
Não conheço um povo mais coeso que o judeu e mais uma vez vem deles um exemplo bem
interessante. A sinagoga mais importante do mundo é apenas uma parede de pedras enormes, o
Muro das Lamentações. Foi o que restou do complexo sobre o qual um dia existiu o Templo de
Salomão, arrasado pelo mesmo Tito e seus comandados. Ter a iniciação religiosa naquele muro
é o que há de mais extraordinário para um menino judeu no ritual da maioridade, o Bar-Mitzvá. A
despeito dos lamentos pela destruição, longínqua no tempo, a fé é muito maior que a marca da
derrota do primeiro século. Da mesma forma, Massada é símbolo de orgulho em Israel, ainda
que ali tenha se plasmado uma derrota que podemos afirmar total. Ao mesmo tempo aquela
elevação é símbolo para o lema “Massada nunca mais” e ponto turístico da maior importância.
Enquanto isto, na terra em que o hino canta que “povo que não tem virtude acaba por ser
escravo” persistem alguns criativos historiadores tentando diminuir os feitos, achincalhar os
símbolos, garrotear nossa identidade. Não se trata de escamotear a verdade, mas de colher os
frutos saudáveis da árvore da história. Muitos há, entretanto, que preferem entreter-se com os
frutos caídos, apodrecidos, frequentemente por exibicionismo, haja vista que a pirotecnia atrai.
Se judeus fossem, provavelmente estariam a condenar os zelotas que se suicidaram e os
guardiões do Templo que não conseguiram deter Tito. A despeito desta gente, sigamos o que há
de melhor em nossa tradição, fonte preciosa do “isto ninguém mais tira”. Viva o Rio Grande!

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