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GIOVANNA MIZIOKA

Nº USP 9271844

ANÁLISE DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO “PRODUÇÃO, COMÉRCIO


E TENSÕES NAS VILAS DO NORTE DA CAPITANIA DE SÃO PAULO (1788 –
1808)”, DE FELIPE DE MOURA GARRIDO.

Trabalho de conclusão do curso de História do Pensamento Econômico (FLH0109)

UNIVERSIDADE DE SÂO PAULO


Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas
Departamento de História

SÃO PAULO

2018
A obra escolhida para a elaboração do presente trabalho foi a dissertação de mestrado
de Felipe de Moura Garrido, intitulada “Produção, Comércio e Tensões nas Vilas do Norte da
Capitania de São Paulo (1788 – 1808)”, e produzida sob a orientação da Professora Doutora
Denise A. Soares de Moura, para o programa de mestrado de 2012 da Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Hoje Felipe
também é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais.

A dissertação supracitada analisa os processos do desenvolvimento da economia das


vilas do norte da capitania de São Paulo, entre 1788 e 1808. O autor analisa o crescimento da
importância da agricultura como atividade econômica na região, a partir do alinhamento dos
produtores aos gêneros de maior utilidade para a Fazenda Real. Ao curso de seu estudo, o
autor tinha o objetivo de verificar os modos pelos quais a Coroa portuguesa influenciou o
resultado final das residências da região, e como os principais produtores fizeram pedidos de
privilégios para a Monarquia. Para tanto, foram analisados maços de população do Arquivo
Público do Estado de São Paulo, de modo a identificar os principais agricultores da época e o
cultivo de seus respectivos fogos. Adicionalmente, foram revisados documentos do Conselho
Ultramarino para a dimensão da influência da Coroa.

Ao decorrer da dissertação, Felipe explicita os embasamentos de seu trabalho.


Considera-se, assim, que no Antigo Regime dos trópicos, não havia uma nobreza presente de
modo consolidado, o que permitia uma maior mobilidade social àqueles que detinham posses.
Com isto em mente, o autor concluiu que a escravidão era um importante fator para a
formação e a manutenção das relações hierárquicas. Ao mesmo tempo, o autor lembra, ao fim
do século XVIII o Marquês de Pombal começa a introduzir à Coroa portuguesa os preceitos
do iluminismo em seu modo de governo.

No Brasil, com o acentuado declínio das atividades mineradoras, e o concomitante


sucesso e consolidação dos frutos das bandeiras paulistas, os colonos da Vila de São Paulo
passam a redirecionar seus esforços para a agricultura. Os colonos passam, deste modo, a
constituir os primórdios da sociedade do interior paulista. Com o aval e o incentivo do
Marquês de Pombal para o aumento populacional e para a diversificação dos gêneros
produzidos, os colonos passam a cultivar açúcar e tabaco, mas também novos itens para
exportação, como algodão, arroz, cacau, café e anil(ALDEN). Estes incentivos – defende o
autor da dissertação – andavam de mãos dadas com o sistema de concessão de mercês por
parte da Coroa. Por este sistema, o Marquês não apenas supria parte da demanda de produtos
por meio da colônia, substituindo parte dos produtos que eram importados da Inglaterra, bem
como incentivava os colonos de maiores resultados a crescerem socialmente, mesmo estando
à periferia dos grandes polos de atenção no Brasil ao fim do século XVIII e início do XIX.

Assim, é possível concluir que Felipe parte de uma abordagem próxima da que
Fernando Novais se utiliza em sua obra “ “, ao fazer uma análise sistêmica dos motores do
desenvolvimento econômico e social das Vilas do Norte de São Paulo, observando-as não
apenas como fruto de fatores locais, mas sim determinando a influência inclusive da
Inglaterra do período pré-Napoleônico. Deste modo, o autor da dissertação sob escrutínio no
presente trabalho insere o Brasil – mesmo em sua condição de colônia – no sistema
internacional de poder, que inclui os fatores de economia internacional. A expansão
ultramarina das grandes metrópoles, assim, é um fator determinante sob este ponto de vista
para a determinação desta economia que pode ser considerada globalizada.

Além da influência da abordagem de Novais, observa-se também a convergência de


ideias com Immanuel Wallerstein e sua obra denominada “O Sistema Mundial Moderno”,
onde introduz a ideia de “economia-mundo”, que Braudel caracteriza pela delimitação
geográfica; pela premissa de aceitação de um centro dominante; e, finalmente, pela condição
da hierarquização deste espaço. Deste modo, ainda que o Felipe de Morais não faça
referências diretas a este conceito, e não cite Wallerstein ou Braudel em sua bibliografia, é
possível analisar suas ideias a partir deste contexto.

Partindo desta ótica, Portugal de Marquês de Pombal é o centro da economia-mundo


que se estabelece, e a Colônia Portuguesa fica à sua periferia, adotando o trabalho escravo
como mão de obra, e fica à mercê da divisão internacional do trabalho, ao mesmo tempo em
que tais relações de hierarquia entre centro e periferia incentivam que colonos não nobres
mantenham tal ciclo de dependência da colônia para a metrópole em troca de promessas de
ascensão social dentro da periferia, e perante também à Coroa Portuguesa.

Tal desigualdade assegurada pelo conjunto de interdependências e incentivos


econômicos entre o centro – Portugal – e periferia – Colônia – sobrepõe o desenvolvimento
econômico de um sobre o outro na perspectiva capitalista. Apesar de intrinsecamente ligados,
“a centralização e a concentração de recursos e das riquezas se processam necessariamente a
favor de certos lugares de eleição da acumulação”1.

1 4 Fernand Braudel, “As divisões do espaço e do tempo na Europa” (cap. 1) in: idem, Civilização Material,
Economia e Capitalismo. São Paulo, trad. port., Martins Fontes, 1996 (1967-79), tomo 3, p. 26
Assim, podemos observar que o trabalho de Felipe parte de uma análise
completamente particular, em condição, sobre o desenvolvimento da economia nas Vilas do
Norte de São Paulo, mas ela deflagra e explicita uma relação macroeconômica entre Colônia e
Metrópole – mesmo que não intencionalmente a partir de seus objetivos – mas que corrobora
a estrutura social inclusive em uma região considerada como periférica dentro da própria
Colônia.

Bibliografia:

ALDEN, Dauril. O período final do Brasil colônia: 1750-1808. In: BETHELL, Leslie
(Org.). História da América Latina. São Paulo: EDUSP, Brasília: FUNAG, 1998. p. 527.

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul.
São Paulo: Companhia das letras, 2000.

FRAGOSO, J. BICALHO, M. GOUVÊA, M. (Org.). O Antigo regime nos trópicos: a


dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010.

GARRIDO, Felipe de Moura. Produção, comércio e tensões nas vilas do norte da


capitania de São Paulo (1788 – 1808). Franca: [s.n.], 2012.

NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808).


8ª ed. São Paulo: Hucitec, 2005.

Fernand Braudel, “As divisões do espaço e do tempo na Europa” (cap. 1) in: idem,
Civilização Material, Economia e Capitalismo. São Paulo, trad. port., Martins Fontes, 1996
(1967-79).

Fernand Braudel, A Dinâmica do Capitalismo. Rio de Janeiro, trad. port., Rocco, 1987 (1977).

Immanuel Wallerstein, “Introdução: sobre o estudo da mudança social”, “Prelúdio medieval”


(cap. 1), “A nova divisão do trabalho europeia. 1450-1640” (cap. 2) e “A Monarquia Absoluta
e o Estatismo’” (cap. 3), in: idem, O sistema Mundial Moderno. Porto, trad. port.,
Afrontamento, (1974, 1980), vol. 1, pp. 13-163.

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