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A extensão passa a ser vista como indissociável ao ensino e a pesquisa, retirando o caráter de
prestação de serviços pagos ou assistencialistas, passando a ser encarada como trabalho social
que visa interferir no processo de transformação da sociedade. Além disso, a extensão se
transforma em instrumento da democratização e da autonomia universitária ao veicular o
saber produzido nessas instituições às necessidades da maioria da população. Essa população
deixa de ser receptora para se transformar em redimensionadora do próprio conhecimento.
Nessa luta pela construção de uma nova hegemonia, a Associação Nacional dos Docentes do
Ensino Superior (ANDES/Sindicato Nacional) teve papel essencial na defesa de um novo
paradigma de universidade que possui como referencial a sociedade civil organizada para a
busca dos problemas a serem investigados cientificamente (pesquisa), para a reformulação
dos programas e processos de ensino, além da fiscalização e avaliação do trabalho
desenvolvido, cabendo à sociedade política financiar e proporcionar condições dignas de
trabalho aos integrantes das IES públicas. Por outro lado, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de
Extensão das Universidades Públicas Brasileiras se transforma, a partir de 1987, no espaço
privilegiado para a formulação de diretrizes políticas unitárias sobre extensão que, na
correlação de forças, consegue obter êxitos e influenciar a maioria das IES públicas brasileiras.
Para o movimento docente organizado a nova universidade deveria ser capaz de produzir um
conhecimento que interferisse nas transformações sociais, no sentido de propiciar uma
estrutura social mais justa e que correspondesse aos anseios da maioria da população. Para
tanto, a universidade teria de ser autônoma, para não se submeter à lógica do capital e sim
servir ao interesse público, e a extensão universitária indissociada ao ensino e pesquisa,
servindo como forma alternativa de educação da classe trabalhadora.
Outro aspecto definidor do novo paradigma de universidade defendido pelo movimento
docente era que a relação com a população passasse a ser encarada como a oxigenação
necessária à vida acadêmica. A produção e a socialização do conhecimento visando intervir na
realidade possibilitam acordos e ação coletiva, ou seja, o ensino se transforma em educação
superior crítica, e a pesquisa é direcionada ao estudo dos grandes problemas sociais, utilizando
metodologias que proporcionam a participação da população.
Além dessas diretrizes gerais, pode-se citar algumas definições de caráter interno às IES, como
por exemplo:
• quanto ao ensino, busca-se uma nova concepção de sala de aula, entendida como todos os
espaços dentro e fora da universidade em que se realiza o processo histórico-social com as
suas múltiplas determinações;
• a prestação de serviços não deveria ser assistencialista mas assumida em plano institucional
e inserida em uma proposta pedagógica global.
O que se observa, até então, é que a SESu, o PROEXTE e o Fórum Nacional conseguem articular
e sedimentar uma política de extensão com propostas concretas cujas características se
voltam para o privilegiamento de ações integradas com as administrações públicas e com
entidades da sociedade civil, nas quais os Programas Institucionais são submetidos à
aprovação de órgãos de deliberação acadêmica além de ter a sua avaliação sistemática
compatibilizada com o Programa de Avaliação Institucional das IES, resultando em
compromisso institucional para com as ações ditas de extensão universitária.
O ano de 1995 traz modificação no Programa de Fomento à Extensão Universitária que passa a
privilegiar duas linhas de ação: Linha 1 - "Articulação da Universidade com a Sociedade"
financiada com recursos oriundos da SESu/MEC e a Linha 2 - "Integração da Universidade com
o Ensino Fundamental e Educação Especial, financiada com recursos oriundos do FNDE/SESu,
antes vinculada diretamente às Secretarias de Educação dos Estados e Municípios. Esse
fortalecimento da articulação entre universidades e Órgãos Governamentais demonstra a
existência não só de concepções acerca dos objetivos da universidade e da extensão
universitária mas de uma política clara e com critérios definidos quanto ao direcionamento das
ações desenvolvidas pela universidade no tocante a intervenção na realidade social.
Outro aspecto importante que demonstra o processo já em curso da nova política de extensão
universitária é quanto aos critérios existentes para a habilitação institucional na participação
do Programa de Fomento. As IES públicas vinculadas ao sistema federal, estadual ou municipal
podem se candidatar ao financiamento nas duas linhas de ação acima colocadas enquanto as
IES Comunitárias, Filantrópicas ou Confessionais poderão pleitear recursos apenas na Linha 2,
além de haver a necessidade de comprovar a existência de um órgão responsável pela
implementação da Política de extensão nas IES.
Pode-se afirmar, mediante análise dos fatos ocorridos durante o período pesquisado (1987-
1995), que o novo paradigma de universidade aponta, também, para uma universidade cidadã
que só se concretiza através da efetiva articulação com instituições e organizações da
sociedade civil e política, igualmente comprometidos com a transformação do atual quadro de
exclusão social. Além disso, o próprio repensar sobre as relações que se estabelecem
internamente nas IES estimula processos que visam à eliminação das distorções existentes
tanto no ensino como na pesquisa, redimensionando a atuação junto ao sistema de ensino
público que se constitui em uma das diretrizes prioritárias dentro do novo projeto político de
universidade pública
Para o ensino superior, a busca da qualidade se pauta pela "racionalização dos gastos,
aproveitamento do enorme potencial que as instituições de ensino superior representam, em
termos de recursos humanos e físicos mobilizáveis com vistas ao desenvolvimento econômico
e social do país"(MEC,1995,p.5/6), onde a prioridade é a implantação da autonomia financeira
na rede federal para "assegurar aumento de eficiência na gestão e uma maior liberdade na
execução" (id.,p.7), o que significa, na prática, a desobrigação do poder público com a
educação superior e a inviabilização de um paradigma de universidade voltada às necessidades
e aos interesses de setores da população historicamente marginalizados, já que a autonomia
financeira, posta, impede qualquer proposta alternativa que não esteja dentro dos parâmetros
definidos pelo Governo central.
Para controlar a qualidade, o documento aponta para o recredenciamento periódico das IES
baseado em processos avaliativos, e para estimular a pesquisa, a reorganização do processo de
avaliação da CAPES, tendo em vista a ampliação da formação no nível de pós-graduação strictu
senso para os docentes de nível superior, a readequação da pós-graduação em sentido lato, a
criação de mestrados strictu senso profissionalizantes e a consolidação dos "centros de
excelência" em pesquisa e pós-graduação. Em nenhum momento se questiona o modelo
econômico em vigor, dando-se ênfase aos aspectos técnicos e racionais como solução para os
problemas existentes
.
Dentro desse entendimento, as propostas para a reestruturação das IES públicas se pautam na
autonomia total das Instituições de Ensino Superior para as quais o Governo se compromete a
repassar os recursos financeiros de forma global, associando e limitando os mesmos a
indicadores de desempenho para incentivar ganhos de produtividade que incluem a busca por
recursos extra-orçamentários, através de parcerias junto às empresas; na autonomia dos
Hospitais Universitários e na instituição de um novo regime jurídico para docentes e servidores
excluindo-os, assim, da pretensa isonomia prevista na atual Constituição brasileira.
Tendo por base esse direcionamento político já em andamento, como desenvolver uma
autonomia universitária que se vincule a integração da universidade com às realidades
conjunturais, privilegiando projetos interdisciplinares em parceria com setores da população,
que são minoria enquanto poder para decidir sobre o que ensinar e pesquisar nas IES públicas?
Ou ainda: o discurso pretensamente democrático do Governo não deixa margem para que a
universidade possa desenvolver um trabalho de intervenção política, assessorando parcelas da
população, visando a transformação social.
Existe hoje, por parte do governo, uma tentativa de recriar projetos que, historicamente, se
vinculam a concepções já ultrapassadas de extensão universitária, marcada por eventos,
descontextualizados da exigência curricular acadêmica, assistencialistas, sem relação direta
com os interesses e com as necessidades das comunidades atendidas, que nem sequer foram
ouvidas, nem das prefeituras das cidades escolhidas para a atuação das ações, negando,
desconhecendo e inviabilizando toda uma política articulada pelo Fórum Nacional de Pró-
Reitores de Extensão. Essas tentativas podem ser resumidas no "Projeto Universidade
Solidária".
O Projeto Universidade Solidária contou com a adesão de 22 IES públicas federais, 11 estaduais
e municipais, 18 comunitárias e 10 particulares, muitas delas pertencentes ao Fórum Nacional,
que, ao aceitarem participar do Projeto, sem grandes questionamentos, demonstraram a
subserviência ainda presente dos dirigentes das IES públicas aos interesses governamentais,
adotando, assim, uma postura equivocada quanto à política de intervenção da universidade
nas regiões carentes, confundindo a praxis transformadora ( ação-reflexão-ação) que necessita
de ações mais permanentes, organicamente vinculadas, tanto à academia como ao público ao
qual se destinam, com a ocupação de espaços sem critérios e sem maiores
comprometimentos.
O que parece ser mais contraditório nisso tudo é que, há três (3) anos, vem se consolidando o
"Programa nacional de financiamento para as ações de extensão universitária", pelo MEC, _
PROEXTE _, que tem proposto critérios e condições claros e transparentes, com diretrizes
políticas bem delineadas para as IES públicas, onde a relevância acadêmica (articulação com o
ensino e a pesquisa) e a relevância social (inserção na realidade local/regional e melhoria da
qualidade de vida da população) norteiam os programas que se desenvolvem em parceria com
a sociedade civil organizada e populações periféricas, urbanas e rurais, graças ao intercâmbio
do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão.
O PROEXTE recriou os mecanismos de articulação entre as diferentes IES públicas, no que diz
respeito à programação extensionista, tendo como interlocutor central o Fórum Nacional;
além disso, promoveu uma mudança de qualidade ao instituir uma avaliação de mérito dos
programas, realizada pelo Comitê Técnico Assessor, criando impactos no nível das IES que
redimensionaram o relacionamento entre Universidade/Sociedade através de uma nova
dimensão do ensino e da pesquisa.
O que se observa dentro desse delineamento político para financiamento de ações de
extensão universitária é uma tentativa de diminuir a área de atuação das universidades com
relação a forma de intervenção na realidade. Caso queiram obter recursos para desenvolver
suas atividades de extensão, as universidades voltam a ser meras executoras de ações
propostas por agentes externos, submetendo-se às diretrizes traçadas pelo Governo que,
praticamente, priorizam a prestação de serviços através do oferecimento de cursos para
capacitar recursos humanos.
e que, segundo a Proposta, se constituem em "fonte de receita própria não desprezível" (id.,
p.11), o Governo, através da PEC nº 233 - A, aponta para um modelo de universidade eficaz e
racional, que exige, para sua efetivação, "uma correta formulação da questão da autonomia
universitária"(id.,ib.).
Em paralelo, é aprovado no Senado Federal o Parecer nº 72, de 1996, que fixa as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, observando-se que no Capítulo IV _ Da Educação Superior,
privilegia-se uma nova forma de estatuto jurídico especial para as universidades públicas, leia-
se Organizações Sociais de caráter privado, "para atender às peculiaridades de sua estrutura,
organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do
regime jurídico do seu pessoal"(art.53, p.17/8).
Como a concepção de autonomia do governo se vincula a indicadores de eficiência que não
estão definidos nem são consensuais, as determinações contidas no Parecer nº 72 ,
principalmente em seus arts. 52 e 53, se atêm a limitar a autonomia das universidades aos
recursos orçamentários disponíveis, o que não quer dizer muita coisa.
e uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que inviabiliza uma concepção de
universidade democrática, porque pública e comprometida com as necessidades de uma
parcela maior de beneficiários que não podem pagar pelos serviços de Educação, como fica a
política de extensão universitária vista como resultado das ações de ensino e pesquisa voltadas
para os interesses e necessidades da maioria da população? Ou melhor: como é tratada a
extensão universitária neste novo ordenamento legal que conseguiu aprovação em nível de
Senado?
Por outro lado, o direcionamento tomado nas discussões sobre autonomia universitária,
modelos de universidade e financiamento para a educação, até o presente momento, parece
não contemplar o fortalecimento de ações de ensino e pesquisa que se voltem para um
rompimento com diferentes níveis de dependência econômica, cultural e política, através da
articulação orgânica com a sociedade organizada em seus vários níveis (sindicatos, órgãos
públicos, organizações populares, categorias profissionais etc.).
Enfim poder-se-ia afirmar que os anos 80, e mais especificamente a sua segunda metade,
possibilitaram a construção de um paradigma de universidade em que a extensão universitária
deixa de ser mais uma função desarticulada do projeto acadêmico global desenvolvido nas IES
públicas para se transformar em instrumento de autonomia e democratização dessa mesma
universidade.
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda à Constituição nº 233 _ A, de 1995 (Do Poder
Executivo). Brasília/DF., out.,1995.
Fica patente a consolidação das parcerias entre as IES e as Secretarias de Educação Estaduais e
Municipais, possibilitando uma articulação orgânica com o ensino fundamental, através dos
programas financiados com recursos do FNDE.
Um outro fato que chama a atenção nas diretrizes políticas traçadas pelo Governo é o
incentivo à valorização de modelos institucionais alternativos de formação para o mercado de
trabalho, especialmente formação de professores para o ensino básico, o que pode sinalizar
uma estratégia para retirar as licenciaturas das universidades, desvalorizando, cada vez mais, a
formação de educadores.
Ver Declaração de Voto do Deputado Hélio Bicudo anexa a PEC nº 233 - A, 1995, p. 23/33.