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TAVARES, Maria das Graças Medeiros

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: NOVO PARADIGMA DE UNIVERSIDADE?

O fortalecimento da sociedade civil através da auto-organização, principalmente no final da


década de 70 e durante os anos 80, vem possibilitar o delineamento de um paradigma de
universidade onde a extensão universitária passa a ter outra dimensão dentro da política
global da instituição.

A extensão passa a ser vista como indissociável ao ensino e a pesquisa, retirando o caráter de
prestação de serviços pagos ou assistencialistas, passando a ser encarada como trabalho social
que visa interferir no processo de transformação da sociedade. Além disso, a extensão se
transforma em instrumento da democratização e da autonomia universitária ao veicular o
saber produzido nessas instituições às necessidades da maioria da população. Essa população
deixa de ser receptora para se transformar em redimensionadora do próprio conhecimento.

A atividade de extensão passa a ser concebida, prioritariamente, dentro de um projeto político


global e não mais isoladamente, que veicula democratização com a necessidade de
relacionamento com a sociedade organizada, criando condições de qualificação dessa
população ao se elaborar conhecimento acessível a todos os membros e não apenas a uma
elite cultural e econômica, ou seja, a extensão passa a articular a pesquisa e o ensino com as
demandas e as necessidades de setores populares da sociedade, comprometendo e
confrontando a comunidade acadêmica com a realidade.

Nessa luta pela construção de uma nova hegemonia, a Associação Nacional dos Docentes do
Ensino Superior (ANDES/Sindicato Nacional) teve papel essencial na defesa de um novo
paradigma de universidade que possui como referencial a sociedade civil organizada para a
busca dos problemas a serem investigados cientificamente (pesquisa), para a reformulação
dos programas e processos de ensino, além da fiscalização e avaliação do trabalho
desenvolvido, cabendo à sociedade política financiar e proporcionar condições dignas de
trabalho aos integrantes das IES públicas. Por outro lado, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de
Extensão das Universidades Públicas Brasileiras se transforma, a partir de 1987, no espaço
privilegiado para a formulação de diretrizes políticas unitárias sobre extensão que, na
correlação de forças, consegue obter êxitos e influenciar a maioria das IES públicas brasileiras.

As propostas de redefinição da extensão universitária fazem parte, portanto, de um conjunto


de fatos que ocorreram no processo de reestruturação das IES públicas, efetivadas pela
comunidade universitária, na "contra-mão" das propostas oficiais que viam a extensão de
forma múltipla e diferenciada, ou seja, como mecanismos de transferência de conhecimentos
para fora da universidade, veículo de prestação de serviços pagos e/ou assistencialistas ou
instrumento de avaliação de desempenho para a concessão de recursos financeiros às IES.

Para o movimento docente organizado a nova universidade deveria ser capaz de produzir um
conhecimento que interferisse nas transformações sociais, no sentido de propiciar uma
estrutura social mais justa e que correspondesse aos anseios da maioria da população. Para
tanto, a universidade teria de ser autônoma, para não se submeter à lógica do capital e sim
servir ao interesse público, e a extensão universitária indissociada ao ensino e pesquisa,
servindo como forma alternativa de educação da classe trabalhadora.
Outro aspecto definidor do novo paradigma de universidade defendido pelo movimento
docente era que a relação com a população passasse a ser encarada como a oxigenação
necessária à vida acadêmica. A produção e a socialização do conhecimento visando intervir na
realidade possibilitam acordos e ação coletiva, ou seja, o ensino se transforma em educação
superior crítica, e a pesquisa é direcionada ao estudo dos grandes problemas sociais, utilizando
metodologias que proporcionam a participação da população.

Na construção do novo paradigma de universidade e conseqüentemente de extensão


universitária foram elaboradas algumas diretrizes políticas assumidas pelo Fórum Nacional dos
Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, onde os estágios e avaliações
de pesquisa e ensino obedecem a uma nova concepção de universidade comprometida com a
transformação social, havendo um fortalecimento da representação da extensão nos órgãos
colegiados superiores, uma determinação de que a contratação de pessoal, por departamento,
dependesse do grau de envolvimento deste com as atividades de extensão e a possibilidade de
alocação de um volume maior de recursos orçamentários para a extensão, tanto nas IES como
no próprio MEC.

Além dessas diretrizes gerais, pode-se citar algumas definições de caráter interno às IES, como
por exemplo:

• define-se que a pesquisa deveria se vincular à criação e à recriação de conhecimentos


possibilitadores de transformações sociais, em que a questão política fosse identificar o que
deveria ser pesquisado e para que fins e interesses se buscavam novos conhecimentos;

• quanto ao ensino, busca-se uma nova concepção de sala de aula, entendida como todos os
espaços dentro e fora da universidade em que se realiza o processo histórico-social com as
suas múltiplas determinações;

• a extensão se transforma em prática acadêmica que interliga a universidade, nas suas


atividades de ensino e pesquisa, com as demandas da maioria da população;

• o estágio curricular deve estar integrado a projetos decorrentes dos departamentos e à


temática curricular, sendo obrigatório para todos os cursos, desde o primeiro semestre;

• a prestação de serviços não deveria ser assistencialista mas assumida em plano institucional
e inserida em uma proposta pedagógica global.

A extensão, dentro do novo paradigma de universidade pública, ao se concretizar como prática


acadêmica do ensino e da pesquisa definidas em função das exigências da realidade, leva,
necessariamente, à revisão do modelo estrutural da própria universidade onde as Pró-
Reitorias ou órgãos similares teriam a sua vinculação aliada à articulação e à coordenação no
confronto universidade e sociedade. Além disso, a extensão se coloca como espaço estratégico
para promover atividades acadêmicas integradoras entre áreas distintas do conhecimento,
fortalecendo a interdisciplinaridade.

Um aspecto importante, a ser ressaltado com relação ao novo paradigma de universidade


pública que se estabelece a partir da segunda década de 80, é o da nova universidade requerer
para si a autonomia de gestão na consecução das políticas governamentais, não se
contentando em ser mera executora dos programas elaborados pelo Governo. A universidade
reivindica a sua participação desde o processo de elaboração, execução e avaliação das suas
atividades convocando para essas tarefas a própria comunidade alvo e parceira, donde a
extensão universitária passa a ser requerida como uma atividade rotineira na universidade,
indissociável ao ensino e a pesquisa e que deve ser fortalecida institucionalmente, tanto em
nível interno como em externo, se constituindo em instrumento viabilizador da própria
autonomia.

A partir de 1993, a institucionalização da extensão universitária foi reforçada com a criação do


"Programa de Extensão" _ PROEXTE _, que viria a se constituir na forma de apoio institucional -
financeiro do MEC e abrangia Bolsas de Extensão, Apoio a Produção de Informação e a
Divulgação das Atividades de Extensão e Apoio a Projetos Institucionais de Extensão.

Com a criação do PROEXTE, começa a existir um fortalecimento dos mecanismos de


articulação entre o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão, interlocutor que define as
linhas políticas nacionais de apoio e fomento às ações de extensão e o próprio MEC, que
define as linhas de financiamento.

O que se observa, até então, é que a SESu, o PROEXTE e o Fórum Nacional conseguem articular
e sedimentar uma política de extensão com propostas concretas cujas características se
voltam para o privilegiamento de ações integradas com as administrações públicas e com
entidades da sociedade civil, nas quais os Programas Institucionais são submetidos à
aprovação de órgãos de deliberação acadêmica além de ter a sua avaliação sistemática
compatibilizada com o Programa de Avaliação Institucional das IES, resultando em
compromisso institucional para com as ações ditas de extensão universitária.

A vinculação de linhas de financiamento para a extensão, no próprio MEC, criou impactos em


nível das universidades que redimensionaram tanto o ensino, pautado mais na produção do
que na reprodução de conhecimentos, quanto a pesquisa, que se tornou mais adequada às
necessidades sociais. Além disso, fortaleceu-se a interdisciplinaridade e a articulação com
outros níveis de ensino, principalmente com o ensino fundamental e especial.

O ano de 1995 traz modificação no Programa de Fomento à Extensão Universitária que passa a
privilegiar duas linhas de ação: Linha 1 - "Articulação da Universidade com a Sociedade"
financiada com recursos oriundos da SESu/MEC e a Linha 2 - "Integração da Universidade com
o Ensino Fundamental e Educação Especial, financiada com recursos oriundos do FNDE/SESu,
antes vinculada diretamente às Secretarias de Educação dos Estados e Municípios. Esse
fortalecimento da articulação entre universidades e Órgãos Governamentais demonstra a
existência não só de concepções acerca dos objetivos da universidade e da extensão
universitária mas de uma política clara e com critérios definidos quanto ao direcionamento das
ações desenvolvidas pela universidade no tocante a intervenção na realidade social.

Outro aspecto importante que demonstra o processo já em curso da nova política de extensão
universitária é quanto aos critérios existentes para a habilitação institucional na participação
do Programa de Fomento. As IES públicas vinculadas ao sistema federal, estadual ou municipal
podem se candidatar ao financiamento nas duas linhas de ação acima colocadas enquanto as
IES Comunitárias, Filantrópicas ou Confessionais poderão pleitear recursos apenas na Linha 2,
além de haver a necessidade de comprovar a existência de um órgão responsável pela
implementação da Política de extensão nas IES.

O compromisso institucional para a estruturação e efetivação das atividades de extensão, bem


como o impacto das atividades de extensão junto aos segmentos sociais alvos e parceiros
dessas atividades são aspectos determinantes para a aceitação dos projetos encaminhados
para financiamento que ainda passam por uma análise dentro dos seguintes indicadores de
avaliação: relevância acadêmica, relevância social e viabilidade do programa.

Pode-se afirmar, mediante análise dos fatos ocorridos durante o período pesquisado (1987-
1995), que o novo paradigma de universidade aponta, também, para uma universidade cidadã
que só se concretiza através da efetiva articulação com instituições e organizações da
sociedade civil e política, igualmente comprometidos com a transformação do atual quadro de
exclusão social. Além disso, o próprio repensar sobre as relações que se estabelecem
internamente nas IES estimula processos que visam à eliminação das distorções existentes
tanto no ensino como na pesquisa, redimensionando a atuação junto ao sistema de ensino
público que se constitui em uma das diretrizes prioritárias dentro do novo projeto político de
universidade pública

Enfim, existe um processo político de construção de nova hegemonia presente no cotidiano


das IES públicas que se expressa:

a) através de um redirecionamento em sua política de atuação, tanto no nível político-


filosófico como nos conteúdos de ensino e pesquisa, visando aos interesses e às necessidades
de parcelas da população que, historicamente, não estiveram representadas enquanto foco de
preocupação para a produção do conhecimentos que sirvam à transformação da realidade;

b) na democratização e redistribuição do poder dentro da universidade pública brasileira ao


priorizar as parcerias com órgãos externos às IES, ampliando o poder de decisão para fora da
instituição universitária;

c) na articulação das várias instâncias decisórias para possibilitar o desenvolvimento de um


projeto institucional, global e orgânico;

d) na compreensão de que educar é fazer pesquisa, identificando as questões


problematizadoras e intervindo com propostas para a solução dessas questões, ou seja,
realizando a praxis do conhecimento.

Como enquadrar esse paradigma de universidade dentro de um modelo neoliberal de


desenvolvimento que teve início no Governo Collor e se fortalece no Governo de Fernando
Henrique Cardoso? Quais as evidências de que essas diretrizes políticas estão sendo reforçadas
e executadas quando, por princípio, o neoliberalismo defende a privatização dos serviços
públicos, o "darwinismo" social, o mercado, como solução para as desigualdades econômicas e
sociais e a busca de uma qualidade que se quer total? Como se coloca a questão da autonomia
universitária, condição sine qua non para o fortalecimento deste paradigma de universidade
democrática? Qual a proposta do atual Governo para a universidade brasileira?

Ao se analisar o Planejamento Político-Estratégico elaborado pelo MEC para o período


1995/1998, fica claro que, se não houver uma mobilização intensa da sociedade civil
organizada para fazer valer conquistas históricas conseguidas ao longo dos anos 80, as
diretrizes previstas para a extensão universitária e, em geral, para a universidade pública no
seu todo, não terão chances de fortalecimento já que o direcionamento tomado pelo governo
vai de encontro ao que já se conseguiu avançar até agora.
O MEC, ao contrário do que foi apontado na pesquisa sobre o Perfil da Extensão _ em que ele
é visto como órgão financiador _ passa a ter, no Governo do Presidente Fernando Henrique
Cardoso, um papel super dimensionado, ou seja, um papel político-estratégico de formulação
e articulação das políticas públicas na área de educação além de coordenação das mesmas em
nível nacional. Os Estados e Municípios atuam apenas no plano estratégico-gerencial e as
escolas, no caso as universidades, em nível gerencial-operacional, o que significa apenas
executar as diretrizes emanadas pela sociedade política.

Dentro de uma visão supostamente descentralizadora _ só em nível de execução _, o MEC


detém o poder de avaliar sistematicamente o desempenho dos alunos e das instituições,
traçando, dentro desses parâmetros, a política de financiamento, orientação e estímulo das
redes de atendimento em todos os níveis, com o objetivo de obter melhores resultados para
os alunos, o que denomina "gestão da qualidade".

Para o ensino superior, a busca da qualidade se pauta pela "racionalização dos gastos,
aproveitamento do enorme potencial que as instituições de ensino superior representam, em
termos de recursos humanos e físicos mobilizáveis com vistas ao desenvolvimento econômico
e social do país"(MEC,1995,p.5/6), onde a prioridade é a implantação da autonomia financeira
na rede federal para "assegurar aumento de eficiência na gestão e uma maior liberdade na
execução" (id.,p.7), o que significa, na prática, a desobrigação do poder público com a
educação superior e a inviabilização de um paradigma de universidade voltada às necessidades
e aos interesses de setores da população historicamente marginalizados, já que a autonomia
financeira, posta, impede qualquer proposta alternativa que não esteja dentro dos parâmetros
definidos pelo Governo central.

Ressaltando alguns problemas estruturais inerentes ao sistema de ensino superior facilmente


comprovados _ daí a força do discurso do Governo _ como a complexidade e a
heterogeneidade das IES públicas federais, estaduais, municipais, empresariais, leigas e
confessionais; a falta de eqüidade no acesso ao ensino superior com relação as diferentes
faixas de renda e regiões do país; assumindo-se que não é possível, a curto prazo, aumentar
recursos para o ensino superior_ eximindo-se, assim, de resolver o problema detectado_, o
Plano político-estratégico do Governo para a Educação coloca como solução para tais
problemas a implantação de um sistema de controle em que, através da avaliação da
qualidade dos serviços prestados, estabelecem-se padrões mínimos de eficiência e eficácia
para o uso dos recursos públicos.

Como sugestão para melhorar o padrão de qualidade do ensino de graduação, propõe-se a


realização de exames de final de curso e avaliação por comissões especiais, dando prioridade
ao conteúdo já pronto, limitado à mera reprodução, ao invés de procurar perceber como está
sendo elaborado pelos alunos o conhecimento resultante do confronto com a realidade
concreta, ou seja, como está se dando a formação do profissional-cidadão, conhecedor das
necessidades e interesses da sociedade onde vai atuar.

Para controlar a qualidade, o documento aponta para o recredenciamento periódico das IES
baseado em processos avaliativos, e para estimular a pesquisa, a reorganização do processo de
avaliação da CAPES, tendo em vista a ampliação da formação no nível de pós-graduação strictu
senso para os docentes de nível superior, a readequação da pós-graduação em sentido lato, a
criação de mestrados strictu senso profissionalizantes e a consolidação dos "centros de
excelência" em pesquisa e pós-graduação. Em nenhum momento se questiona o modelo
econômico em vigor, dando-se ênfase aos aspectos técnicos e racionais como solução para os
problemas existentes
.

Dentro desse entendimento, as propostas para a reestruturação das IES públicas se pautam na
autonomia total das Instituições de Ensino Superior para as quais o Governo se compromete a
repassar os recursos financeiros de forma global, associando e limitando os mesmos a
indicadores de desempenho para incentivar ganhos de produtividade que incluem a busca por
recursos extra-orçamentários, através de parcerias junto às empresas; na autonomia dos
Hospitais Universitários e na instituição de um novo regime jurídico para docentes e servidores
excluindo-os, assim, da pretensa isonomia prevista na atual Constituição brasileira.

Tendo por base esse direcionamento político já em andamento, como desenvolver uma
autonomia universitária que se vincule a integração da universidade com às realidades
conjunturais, privilegiando projetos interdisciplinares em parceria com setores da população,
que são minoria enquanto poder para decidir sobre o que ensinar e pesquisar nas IES públicas?
Ou ainda: o discurso pretensamente democrático do Governo não deixa margem para que a
universidade possa desenvolver um trabalho de intervenção política, assessorando parcelas da
população, visando a transformação social.

Ao reforçar a dimensão de venda de serviços, transformando a universidade pública em um


grande mercado em que os serviços podem ser comprados por quem possa pagar, promove
um total desmoronamento do sistema atual de educação superior e a impossibilidade de se
avançar nas diretrizes políticas da extensão universitária defendidas pelo Fórum Nacional que,
por sinal, são quase ignoradas.

Ao tratar da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão o documento do MEC aponta


para algumas tímidas ações pontuais, sem um sentido institucional-orgânico-curricular, dentro
de uma dimensão de prestação de serviços, sem vínculo nenhum com uma proposta mais
ampla de intervenção na realidade, como, por exemplo, promover a integração da pós-
graduação com a graduação; incentivar as relações entre o setor produtivo e entre as
universidades e as políticas de desenvolvimento regional; apoiar programas de formação de
professores e de aperfeiçoamento em serviço; ampliar a oferta de vagas pela otimização dos
recursos, incentivando a abertura de cursos noturnos e estimular o ensino superior a distância,
analisando a possibilidade de se criar a "universidade aberta".

Existe hoje, por parte do governo, uma tentativa de recriar projetos que, historicamente, se
vinculam a concepções já ultrapassadas de extensão universitária, marcada por eventos,
descontextualizados da exigência curricular acadêmica, assistencialistas, sem relação direta
com os interesses e com as necessidades das comunidades atendidas, que nem sequer foram
ouvidas, nem das prefeituras das cidades escolhidas para a atuação das ações, negando,
desconhecendo e inviabilizando toda uma política articulada pelo Fórum Nacional de Pró-
Reitores de Extensão. Essas tentativas podem ser resumidas no "Projeto Universidade
Solidária".

Esse Projeto coordenado pelo Conselho Comunidade Solidária, um "programa de combate à


pobreza e a exclusão social", pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e pelo
Ministério da Educação e do Desporto teve seu início em janeiro e fevereiro de 1996, com o
objetivo de levar estudantes de vários pontos do País a transmitir conhecimentos e
informações sobre educação e educação para a saúde, em regiões diferentes e de condições
precárias como o Nordeste e o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
Observe-se que a concepção de extensão veiculada nesse Projeto é a de que a Universidade,
detentora do saber, transmite um conhecimento escolhido por organismos externos, para uma
comunidade dita carente _ um conhecimento que foi definido como de divulgação necessária
e que se reveste de um caráter de favor, de prestação de serviços e que, portanto, não pode
ser questionado por aqueles que se colocam como seus beneficiários.

O Projeto Universidade Solidária contou com a adesão de 22 IES públicas federais, 11 estaduais
e municipais, 18 comunitárias e 10 particulares, muitas delas pertencentes ao Fórum Nacional,
que, ao aceitarem participar do Projeto, sem grandes questionamentos, demonstraram a
subserviência ainda presente dos dirigentes das IES públicas aos interesses governamentais,
adotando, assim, uma postura equivocada quanto à política de intervenção da universidade
nas regiões carentes, confundindo a praxis transformadora ( ação-reflexão-ação) que necessita
de ações mais permanentes, organicamente vinculadas, tanto à academia como ao público ao
qual se destinam, com a ocupação de espaços sem critérios e sem maiores
comprometimentos.

Envolvendo recursos provenientes de múltiplos organismos como o Ministério da Educação e


do Desporto/CAPES e FAE, Ministério da Saúde/FIOCRUZ, Ministério da Ciência e
Tecnologia/CNPq, Ministério das Comunicações/TELEBRAS e EBCT, Ministério das Forças
Armadas, Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e Fundação Roberto
Marinho, esse Projeto, segundo análise da Comissão Nacional de Extensão Universitária e do
Comitê Assessor de Extensão, vinculados ao SESu/MEC, em reunião realizada em novembro de
1995, absorveu um montante de recursos muito acima da média que se tem aplicado em
programas institucionais, permanentes e processuais que ocorrem nas IES públicas:

A relação custo-benefício do Programa, considerando: o deslocamento dos estudantes e do


professor de uma região para outra, ou dentro de uma mesma região; a ajuda de custo de
R$250,00 para o estudante e R$600,00 para o professor; a hospedagem e a alimentação ( sob
a responsabilidade das Prefeituras ); o transporte ( aéreo, rodoviário ) e o prazo de
permanência ( três semanas ), parece refletir um investimento muito acima da média do que
tem sido aplicado em programas institucionais, permanentes e processuais, ocorrentes nas
universidades, que poderiam ser otimizados, em contraponto a uma possível pulverização de
recursos que o Programa estimularia ( Ata da Comissão NAcional/Comitê Assessor, 1995, p.4.).

O que parece ser mais contraditório nisso tudo é que, há três (3) anos, vem se consolidando o
"Programa nacional de financiamento para as ações de extensão universitária", pelo MEC, _
PROEXTE _, que tem proposto critérios e condições claros e transparentes, com diretrizes
políticas bem delineadas para as IES públicas, onde a relevância acadêmica (articulação com o
ensino e a pesquisa) e a relevância social (inserção na realidade local/regional e melhoria da
qualidade de vida da população) norteiam os programas que se desenvolvem em parceria com
a sociedade civil organizada e populações periféricas, urbanas e rurais, graças ao intercâmbio
do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão.

O PROEXTE recriou os mecanismos de articulação entre as diferentes IES públicas, no que diz
respeito à programação extensionista, tendo como interlocutor central o Fórum Nacional;
além disso, promoveu uma mudança de qualidade ao instituir uma avaliação de mérito dos
programas, realizada pelo Comitê Técnico Assessor, criando impactos no nível das IES que
redimensionaram o relacionamento entre Universidade/Sociedade através de uma nova
dimensão do ensino e da pesquisa.
O que se observa dentro desse delineamento político para financiamento de ações de
extensão universitária é uma tentativa de diminuir a área de atuação das universidades com
relação a forma de intervenção na realidade. Caso queiram obter recursos para desenvolver
suas atividades de extensão, as universidades voltam a ser meras executoras de ações
propostas por agentes externos, submetendo-se às diretrizes traçadas pelo Governo que,
praticamente, priorizam a prestação de serviços através do oferecimento de cursos para
capacitar recursos humanos.

A análise até aqui realizada destacou sempre a importância do fortalecimento das


organizações da sociedade civil, comprometidas com outro modelo de relações sociais, como
condição necessária na construção de uma outra hegemonia que desse conta dos interesses e
necessidades de setores não beneficiados com o direcionamento político-econômico
defendido pela sociedade política no poder. Essa construção se dá através de uma ação
política que é, necessariamente, uma ação transformadora da realidade social, no curso de
uma difícil e prolongada caminhada, que leva em conta a correlação de forças em disputa pela
direção da sociedade, ou seja, a possibilidade de se construir uma identidade entre a
organização material da existência e as formas de consciência desta organização, a ideologia.
Nesse processo, os "Aparelhos de Hegemonia", entre eles as instituições de ensino, possuem
papel definidor na construção de uma nova concepção de mundo, de homem e de sociedade.

Tendo consciência da importância da educação no processo de fortalecimento de uma nova


direção política-econômica que se quer consensual e hegemônica e não contando com uma
resistência forte e organizada por parte da sociedade civil organizada na área da educação
capaz de redirecionar suas investidas, o Governo enviou, ao Congresso Nacional, Propostas de
Emendas à Constituição _ PEC nº 233 -A _, de 1995, tentando convencer à sociedade de que o
problema da educação não se dá pela escassez de recursos financeiros a ela atribuída mas pelo
"evidente desequilíbrio na repartição de responsabilidades e recursos"(PEC nº 233-A, 1995,
p.9) propondo, para tanto, a criação de mecanismos de redistribuição de recursos fiscais dos
Estados e Municípios.

Entre algumas tentativas de restrição dos direitos já garantidos, como a limitação da


gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais, com destaque para a exclusão dos cursos
superiores de pós-graduação lato sensu, considerados atividades de extensão universitária,

e que, segundo a Proposta, se constituem em "fonte de receita própria não desprezível" (id.,
p.11), o Governo, através da PEC nº 233 - A, aponta para um modelo de universidade eficaz e
racional, que exige, para sua efetivação, "uma correta formulação da questão da autonomia
universitária"(id.,ib.).

Melhor dizendo: pretende-se engessar o princípio constitucional da autonomia universitária,


considerado não auto-aplicável para as universidades mantidas pelo Estado, através de uma
legislação infra-constitucional, justificando "que estão elas sujeitas aos regulamentos da
administração pública, como entidades que são da administração indireta"(Exposição de
Motivos nº 273, 1995, p.11).

Em paralelo, é aprovado no Senado Federal o Parecer nº 72, de 1996, que fixa as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, observando-se que no Capítulo IV _ Da Educação Superior,
privilegia-se uma nova forma de estatuto jurídico especial para as universidades públicas, leia-
se Organizações Sociais de caráter privado, "para atender às peculiaridades de sua estrutura,
organização e financiamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos de carreira e do
regime jurídico do seu pessoal"(art.53, p.17/8).
Como a concepção de autonomia do governo se vincula a indicadores de eficiência que não
estão definidos nem são consensuais, as determinações contidas no Parecer nº 72 ,
principalmente em seus arts. 52 e 53, se atêm a limitar a autonomia das universidades aos
recursos orçamentários disponíveis, o que não quer dizer muita coisa.

Ora, no momento em que se aprova mudanças na Constituição que restringem direitos


conseguidos através da luta desenvolvida por toda a sociedade civil organizada com o pretexto
de que a Carta Magna acolheu,

aspirações e interesses de diversos segmentos da sociedade, sem a necessária avaliação da


efetiva possibilidade da ação governamental [....] (gerando) compromissos que ampliam em
muito a complexidade da gestão da Educação, nas três esferas do Poder Público (Exposição de
Motivos nº 273, p.8). (acrésc. nosso)

e uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que inviabiliza uma concepção de
universidade democrática, porque pública e comprometida com as necessidades de uma
parcela maior de beneficiários que não podem pagar pelos serviços de Educação, como fica a
política de extensão universitária vista como resultado das ações de ensino e pesquisa voltadas
para os interesses e necessidades da maioria da população? Ou melhor: como é tratada a
extensão universitária neste novo ordenamento legal que conseguiu aprovação em nível de
Senado?

As finalidades da Educação Superior contidas no Parecer nº 72/96, o qual incorpora as


diretrizes do governo para a educação brasileira, não deixam clara a concepção sobre extensão
universitária que tanto pode estar vinculada ao ensino enquanto transmissão _ quando trata
de "divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos [....] e comunicar o saber" _,
como à prestação de serviços _ quando se refere a "prestar serviços especializados à
comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade" ou, ainda, com a educação
continuada _ quando trata da "extensão cultural"(Senado Federal, Parecer 72/76, art.41-
IV,VI,VII, p. 14). Entretanto é visível a vinculação da extensão universitária a sua tradicional
forma de cursos "abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso
pelas instituições de ensino"( id., art. 42-IV, p. 16) e como forma de financiamento público às
escolas privadas ao possibilitar apoio financeiro sob a forma de bolsas de estudo (id., art.79 &
2º, p.25).

Por outro lado, o direcionamento tomado nas discussões sobre autonomia universitária,
modelos de universidade e financiamento para a educação, até o presente momento, parece
não contemplar o fortalecimento de ações de ensino e pesquisa que se voltem para um
rompimento com diferentes níveis de dependência econômica, cultural e política, através da
articulação orgânica com a sociedade organizada em seus vários níveis (sindicatos, órgãos
públicos, organizações populares, categorias profissionais etc.).

Enfim poder-se-ia afirmar que os anos 80, e mais especificamente a sua segunda metade,
possibilitaram a construção de um paradigma de universidade em que a extensão universitária
deixa de ser mais uma função desarticulada do projeto acadêmico global desenvolvido nas IES
públicas para se transformar em instrumento de autonomia e democratização dessa mesma
universidade.

Se o momento presente parece não apontar para o fortalecimento desse paradigma de


universidade a solução, segundo Gramsci, é lutar cotidianamente pela conquista de espaços e
posições, envolvendo cada vez mais toda a comunidade acadêmica e os organismos da
sociedade civil comprometidos com a transformação social, para que continue a existir um
intenso trabalho de crítica, de penetração cultural e de difusão de idéias a serviço da maioria
da população.

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Proposta de Emenda à Constituição nº 233 _ A, de 1995 (Do Poder
Executivo). Brasília/DF., out.,1995.

CONSELHO COMUNIDADE SOLIDÁRIA/ CRUB / MEC. Universidade Solidária _ experiência


piloto. Brasília/DF., 1995.

FORUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS. Ata da


Comissão Nacional/Comitê Assessor de Extensão Universitária. Brasília/DF., nov., 1995.

MEC/SESu/DEPES/DIEG. Programa de Fomento à Extensão Universitária/1995 e Convocatória.


Brasília/DF.,nov., 1995.

MEC. Planejamento Político-Estratégico 1995/1998. Brasília/DF., maio, 1995.

MEC/SESu. Perfil da Extensão Universitária no Brasil. Rio de Janeiro/RJ.,Apoio


NAPE/Departamento de Extensão, Sub-Reitoria para Assuntos Comunitários/UERJ, 1994.

SENADO FEDERAL/COMISSÃO DIRETORA. Parecer nº 72/96, de 1996. Redação Final do


Substitutivo do Senado ao Projeto de Lei da Câmara nº 101, de 1993 ( nº 1.258, de 1988, na
Casa de Origem). Brasília/DF., mar., 1996.

Fica patente a consolidação das parcerias entre as IES e as Secretarias de Educação Estaduais e
Municipais, possibilitando uma articulação orgânica com o ensino fundamental, através dos
programas financiados com recursos do FNDE.

Um outro fato que chama a atenção nas diretrizes políticas traçadas pelo Governo é o
incentivo à valorização de modelos institucionais alternativos de formação para o mercado de
trabalho, especialmente formação de professores para o ensino básico, o que pode sinalizar
uma estratégia para retirar as licenciaturas das universidades, desvalorizando, cada vez mais, a
formação de educadores.

Ver Declaração de Voto do Deputado Hélio Bicudo anexa a PEC nº 233 - A, 1995, p. 23/33.

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