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AS TRANSFORMAÇÕES DO MUNDO DO TRABALHO E SUAS

CONSEQUÊNCIAS PARA A SAÚDE MENTAL DO DOCENTE:


ESTUDO DE CASO EM FACULDADE PRIVADA DE FORTALEZA

Resumo: As transformações do mundo do trabalho são frequentes e trazem variadas


consequências para a sociedade e para os trabalhadores de forma geral, dentre elas as
condições que influenciam a saúde metal, tal como a possibilidade de sofrimento e
adoecimento psíquico. A condição mudança laboral vem perpassada por vários vieses, dentre
eles as condições de precarização, terceirização, desemprego estrutural, perda de direitos e
exploração da subjetividade do trabalhador, todos com interferência nas inserções e exercício
das atividades no cotidiano. Por outro lado, o trabalho também pode ter condições de prazer
diante de realizações e reconhecimentos no trabalho. O objetivo da pesquisa foi investigar as
consequências do mundo do trabalho para a saúde mental do docente em uma faculdade
privada em Fortaleza. Foram aplicadas entrevistas em quinze professores, dos cursos de
Psicologia e Serviço Social. Como resultados foram encontradas estratégias de defesa
utilizadas para lidar com situações de sofrimento, bem como apresentadas condições de
sofrimento e prazer nas vivências dos docentes. A pesquisa deverá ser subsídio para
ampliação de outras pesquisas que busquem conhecer em profundidade a condição de
trabalho do docente

Palavras-chave: Transformações trabalho. Ensino privado. Saúde mental. Universidades.

1 INTRODUÇÃO

O estudo da categoria trabalho tem se tornado cada vez mais pertinente, visto as
constantes mudanças nas organizações de trabalho e sua relevância na vida dos indivíduos e,
como suas consequências interferem diretamente em todo contexto, tal como o processo e
gestão organizacional, bem como na vida e cotidiano do trabalhador.
Cada vez mais os trabalhadores são inseridos em contextos diversificados, com
crescente individualização, concretizando o estranhamento e a alienação do cotidiano, sem
possibilidade de visualização do processo produtivo como um todo, formatando cada vez
mais a alienação e interferindo no aspecto fundamental para a vivência e satisfação no
trabalho. (JACQUES E CODO, 2002). Tal contexto se faz presente em várias realidades
profissionais e dentre elas as realidades vividas pelos docentes nas universidades públicas e
privadas.
O motivo de escolha do tema de pesquisa partiu da vivência como professora
universitária em instituições privadas, observação direta dos autores no contexto da docência,
assim como, de uma reflexão teórica sobre o tema. A pesquisa realizada teve foco qualitativo
e descritivo com a intenção de demostrar a realidade de uma faculdade privada em Fortaleza,
no que tange à saúde mental dos docentes diante das transformações que o mundo do trabalho
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proporciona. Utilizou-se o método de estudo de caso e aplicação de entrevistas que ajudassem
a visualizar o contexto a ser conhecido em profundidade.
Para melhor entendimento do processo de pesquisa que buscou relacionar trabalho,
suas transformações e a saúde mental do docente foi utilizado o estudo de caso que, segundo
Gil (1999), permite a proximidade entre o pesquisador e os fenômenos estudados,
aprofundando as questões levantadas, a partir de um contexto real. Para ampliação dessa
realidade escolheu-se a entrevista como técnica, definida por Gil (1999) como uma técnica
qualitativa de apreensão da percepção e vivência pessoal das situações e dos eventos do
mundo, explorando um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências
de informantes para serem posteriormente analisadas e apresentadas de forma estruturada.
A coleta de dados utilizou uma pergunta de partida, que possibilitou a expressão do
sujeito a partir de sua percepção e vivência. Quando necessário, havia a intervenção do
pesquisador para o melhor entendimento da fala e do contexto apresentado. A pergunta
apresentada inicialmente foi: "Como você percebe as transformações do mundo do trabalho
interferindo na sua saúde mental enquanto docente?", utilizando-se de eventuais perguntas
complementares também voltadas ao objetivo da pesquisa.
Como proposta teórico-metodológica de análise dos dados obtidos foi utilizada a
análise de conteúdo -AC, (Bardin, 1977), como forma de apreender as informações
necessárias para o entendimento do discurso, buscando interpretar o que está escondido e
latente na mensagem, interligando significantes com significados. Segundo Vergara (2005) a
análise de conteúdo é uma técnica de tratamento de dados que visa identificar o que está
sendo dito sobre determinado tema, relacionando posteriormente a uma teoria levantada que
dá suporte ao estudo e avaliação das falas, focalizando as peculiaridades e as relações entre os
elementos, enfatizando o que é significativo e relevante.

2 DESENVOLVIMENTO

O fenômeno trabalho é complexo, multifacetado e polissêmico, podendo assumir dife-


rentes conotações, mas, de forma geral, é aquilo que implica, do ponto de vista humano, o ato
de trabalhar, o saber-fazer, que envolve o movimento do corpo, o exercício da inteligência, a
capacidade de refletir, de interpretar e de intervir nas situações; é o poder de sentir, de pensar
e de inventar, somado às vivências de prazer, sofrimento e subjetivação.
Para Blanch Ribas (2003), o trabalho é uma atividade humana social, experiência do
real, complexa e dinâmica, exercida de forma individual ou coletiva, que não se reduz a ações
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instintivas decorrentes das funções biológicas voltadas para a sobrevivência, mas uma prática
de natureza reflexiva, consciente, propositiva, estratégica, instrumental e moral. Trabalhar
não é apenas produzir, implica necessariamente na transformação do eu e do meio.
Diante dos processos de mudança, introduzidos pelo modelo econômico neoliberal, e
que repercutem diretamente nas relações sociais, a experiência do trabalho se tornou mais
complexa porque deixou de estar alocada em um espaço conhecido e visível para ser
transferida pela propriedade do hipertexto, onde ambiguidade e incerteza são características.
Um dos grandes desafios do trabalhador são as descontinuidades e o contínuo ajustamento,
fatos que fazem parte do cotidiano e lhe são cobrados para adaptação e inserção da
organização. E no universo do ensino e da aprendizagem tal situação se complexifica, pois a
necessidade de atualização se torna uma constante.
As mudanças que se processam no mundo do trabalho, decorrentes da reestruturação
produtiva são envolvidas por vários processos, tais como a incorporação de novas
tecnologias, heterogeneização, fragmentação e complexificação de estratégias gerenciais,
perda de diretos e garantias, além da ampliação de conhecimentos de forma acelerada da
força de trabalho, incluindo sua inserção no setor informal levam a um novo perfil de
trabalhador, de inserção e de atuação profissional na organização e tais condições interferem
em sua vida pessoas e social, com consequências em sua saúde física e mental. As mudanças
no mundo do trabalho, para a classe trabalhadora, atingem a subjetividade, afetando a forma
de vivenciar o trabalho. Esses trabalhadores se encontram cada vez mais em um contexto de
mudança e precisam se adaptar de forma rápida, o que pode trazer consequências físicas e
psíquicas negativas. (ANTUNES, 2005)
Mendes (2007) aponta que o trabalho é percebido como um elemento central
estruturante, organizador da sociabilidade e fundamental na construção da identidade, com
perspectiva de promoção de saúde e equilíbrio mental ou sofrimento e dor psíquica. Ele
ocupa um lugar de destaque no cotidiano por estar ligado à necessidade de sobrevivência e de
auto realização, influenciar a constituição de redes de relações sociais, trocas afetivas e
econômicas, auxiliar o processo de aprendizado, a interação e a forma de consolidação da
identidade pessoal e social.
Dejours (1988) define o trabalho como carga física e psíquica, modo privilegiado de
equilíbrio, com a participação em um contexto coletivo, inserindo novos hábitos, além de
uma carga psíquica, difícil de quantificar. Pressupõe espaço de exigências, tais como o tempo
e o ritmo no qual o corpo é inicialmente o ponto de impacto, neutralizando a atividade mental

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de quem o pratica. Diante da carga atual, influencia e transcende o seu tempo de jornada
propriamente dita, estendendo-se para a vida particular, com efeitos sobre a família,
interferindo nas relações sociais do não trabalho, direta ou indiretamente. A influência do
trabalho também deve ser considerada nas relações sociais, nas trocas afetivas e econômicas,
e, em perspectiva psíquica no alicerce e na constituição do sujeito, com uma rede de
significados.
Deve-se considerar que a categoria trabalho é um componente inseparável dos seres
sociais e por essa condição influencia diretamente na identidade e subjetividade dos
indivíduos. Humaniza e hominiza, desenvolvendo potenciais e habilidades, devendo ser
analisada por dois aspectos: fonte de satisfação das necessidades, pois faz parte do processo
de humanização, facilitando sustento e relacionamentos interpessoais, mas também pode ser
fonte de infelicidade, esgotamento, mortificação e negação da condição humana, sendo,
portanto, precedente do adoecimento físico e psíquico, (MENDES, 2007).
Nesse contexto, o trabalho tende a perde sua significação, deixando de ser motivo de
orgulho e satisfação, despersonaliza-se e dificulta a compreensão da significação da ação no
conjunto da atividade da organização. O trabalhador que não compreende a finalidade do
trabalho que realiza pode se sentir inútil, com desapropriação da liberdade, da expressão e da
invenção, levando ao sofrimento psíquico.
De acordo com Codo (1993), os trabalhadores não se mostram passivos face às
exigências e pressões organizacionais. Diante das dimensões intrapsíquicas e intersubjetivas
presentes no cotidiano do trabalho, são criadas estratégias de evitação de condições que
levem ao sofrimento. São estratégias adotadas com a finalidade de evitar a doença e preservar
seu equilíbrio psíquico, desenvolver mecanismos de defesa para manter-se sadio e apto para o
trabalho. Segundo Dejours (2000), a “normalidade” solicitada, diante das diversidades
vividas, é alcançada através de uma batalha contra a desestabilização psíquica provocada
pelas situações impostas no trabalho de conteúdos empobrecidos das tarefas, isolamento e
monotonia, rigidez e interdições. Trata-se de uma conquista mediante uma luta feroz entre as
exigências do trabalho e a ameaça de desestabilização psíquica e somática, fatos que podem
levar ao sofrimento e adoecimento.
Há contextos variados de adoecimento interligados ao trabalho, como já estudado por
vários autores (ANTUNES 2002, 2005; MENDES, 2007 DEJOURS 1994, 2000;
CODO,1993) apontando profissões e condições organizacionais como mais propensas à
condição de adoecimento e alguns poucos estudos realizados no contexto do docente. Tal fato

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torna necessário aprofundar o debate sobre sua relação com a saúde mental, bem como a
importância sobre o reconhecimento dessa relação como forma de garantir amparo ao
trabalhador (DEJOURS, 1994).
Diante das condições impostas ao trabalhador e a possibilidade de adoecimento, além
do desenvolvimento das defesas surgem somatizações que para Dejours (1994) são processos
onde um conflito que, não consegue encontrar uma resolução mental, desencadeia desordens
endócrino-metabólicas, diante a realidade de que o sofrimento psíquico só recebe atenção
quando se torna crítico e clinicamente diagnosticado, associado à somatização.
A somatização, portanto, pode ser uma resposta individual ao sofrimento no trabalho,
onde o indivíduo encontra uma saída que se manifesta através da doença, pois não pode
abandonar ou mudar o contexto do emprego, rígido em sua estrutura, uma vez que este é o
meio de sua subsistência. Percebe-se que a somatização mascara o sofrimento mental.
Para Jacques (2007) existem possibilidades de não adoecimento. O prazer no trabalho
está ligado a uma consonância entre os anseios, desejos e aspirações do trabalhador e aquilo
que o contexto de produção pode oferecer. Alguns aspectos são de fundamental importância
para o estabelecimento do prazer no trabalho, nomeadamente: flexibilização da organização
do trabalho; visualização do processo de produção em todo o seu contexto, isto é, com
começo, meio e fim da atividade; utilização de métodos e instrumentos de trabalho mais
adequados; identificação com o trabalho a partir da constatação da totalidade dos resultados e
objetivos; maior autonomia; uso de competências técnicas e criativas e relações sociais
baseadas na confiança, cooperação e participação. Caso essas situações não sejam vivências
concretas, acarretam situações de sofrimento como uma vivência individual ou compartilhada
pelo grupo com experiências de angústia, medo e insegurança, resultantes da impossibilidade
de uma negociação bem-sucedida entre os desejos e anseios individuais e o contexto de
produção do trabalho e de sua organização.
Diante de tantas transformações vivenciadas pelas organizações de forma geral,
focou-se, nesta pesquisa, na realidade de trabalho docente, diante das ampliações de
faculdade privadas no Brasil. O mal-estar docente é uma temática que tem sido debatida
mundialmente e suscitado investigações em diversos países( ESTEVE ,1999, CODO 1999,
MOSQUERA & STOBÄUS 2001; 2006 e JESUS 1998; 2004) investigaram fatores, causas e
consequências desse fenômeno que atinge os professores por várias frentes, seja pela
sobrecarga de funções, falta de reconhecimento profissional, baixos salários, carência de

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condições objetivas de trabalho, ausência de apoio da família e até mesmo da escola e do
sistema de ensino em todos os seus âmbitos.
Segundo Souza e Peixoto (2013), com todas essas mudanças a classe trabalhadora
ficou ainda mais fragmentada, heterogênea e mais diversificada. O trabalho tornou-se mais
precarizado pelas formas de subemprego, desemprego, intensificação dos níveis de
exploração dos que trabalham, além de variadas formas de alienação relacionadas a essas
transformações.
Segundo Laher (2003) a educação é um processo constitutivo das práxis sociais sendo
considerado um processo fundamental da reprodução da vida humana. A expansão das
universidades tem importância no contexto da reforma da educação superior em curso, com
crescente mercantilização da educação superior em nosso país, formando o empresariado da
educação. O que ocorre na verdade é um retrocesso na qualidade da educação por conta do
desmonte progressivo do tripé ensino, pesquisa e extensão.
A educação passa a ser vista como mercadoria, produto plenamente comercializável.
As universidades particulares adaptam-se ao capitalismo redesenhando suas estruturas
administrativas, financeiras e pedagógicas.
Os estudos ampliam suas percepções sob os aspectos negativos da docência, estudam
o mal-estar ou sofrimento da docência como buscar da percepção das condições de aspecto
negativo das atividades desenvolvidas, ampliadas diante das transformações do mundo do
trabalho. Descrevem os efeitos negativos que afetam o docente, como resultado das
condições psicológicas e sociais em que se pratica a docência e que concorrem para o seu
exercício (Esteve, 1999). Os sintomas mais evidentes são os comportamentos que expressam
insatisfação profissional, elevado nível de stress, absenteísmo, falta de empenho, desejo de
abandonar a carreira, podendo, em algumas situações, resultar em estados de depressão.
Esteve (1999), na obra “O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos
professores”, apresenta a classificação estabelecida por J. Blase, em 1982, sobre o estresse
dos docentes. De acordo com este autor, há dois tipos de fatores que provocam mal-estar na
docência: os secundários, ou contextuais, que se relacionam com as condições ambientais, ao
contexto em que se exerce docência, e os primários, ou principais, que incidem diretamente
sobre a ação do professor em sala de aula. Esses fatores são denominados, por alguns autores,
a exemplo de Mosquera & Stobäus (1996), como de segunda e primeira ordem, fazendo
referência, respectivamente, àqueles.

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Os fatores secundários relacionam-se com a modificação no papel docente e de
agentes tradicionais de socialização, especialmente as famílias; a função docente com suas
contestações e contradições; a modificação do apoio do contexto social; os objetivos do
sistema de ensino e os avanços dos conhecimentos; a imagem do professor e a modificação
crescente de atividades e responsabilidades que são impostas à docência
Os primários dizem respeito às tensões que incidem diretamente sobre o trabalho do
professor, como a ausência de recursos materiais e deficitárias condições de trabalho;
violência nas instituições escolares; acúmulo de exigências sobre o professor e esgotamento
docente.
O aspecto mais preocupante, apontando pelos estudos até agora, é que o mal-estar
docente desemboca no esgotamento, também conhecido como síndrome de burnout. Foi
descoberto por Hebert J. Freudenberger, psicanalista nova-iorquino, na década de 1970. O
termo inglês significa “queimado por completo” e na área educacional é traduzido para
“professor queimado” (MOSQUERA & STOBAUS, 1996).
A síndrome de burnout compreende um processo longo e gradual, decorrente do stress
que pode se manifestar no professor pela exaustão emocional, indiferença e redução do
sentimento de competência e realização profissional. Neste contexto, no percurso do trabalho
docente, educadores antes motivados e dedicados vão perdendo o idealismo e a esperança,
tornando-se resignados e apáticos.
Mancebo (2003) indica preocupação com a flexibilização do ensino através dos cursos
de curta duração, ensino à distância e enxugamento dos currículos e de outros exemplos do
investimento neoliberal na educação, onde essas organizações assumem o perfil capitalista,
com reestruturação das normas, inserção de novas tecnologias e novas formas de gestão de
pessoas
Muitos estudos já foram realizados em contextos de ensino público, mas diante da
ampliação das universidades particulares surge a demanda por avaliações desse novo
contexto organizacional voltado ao ensino, com características próprias de empresas com
foco no lucro, com políticas institucionais diferenciadas, além do vínculo empregatício ser
diferenciado.
Diante desse contexto, os docentes tiveram que se adaptar às características evolutivas
dos processos de trabalho inserido nas universidades, ainda que, na maioria das vezes, não se
tenha evoluído necessariamente na melhoria das condições objetivas neste tipo de exercício
profissional. (ESTEVE, 1999)

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A preocupação com as condições de trabalho e saúde dos trabalhadores tem sido tema
de estudo em diversas áreas de conhecimento científico, mas o que justifica a escolha do tema
para este projeto de pesquisa é o fato de buscar as relações de saúde e trabalho docente em
relação aos contextos de mudanças e formas especificas da realidade laboral nas faculdades
particulares, vindo a crescer o interesse pelo estudo das relações laborais e suas vinculações
com as organizações privadas, diante da questão do comprometimento e consequências de
trabalho serem diversificadas.
Pensar em estratégias e formular políticas públicas que possam ser desenvolvidas para
amenizar o mal-estar docente deve ser compromisso de todos os envolvidos que se
preocupam com a educação na esfera de sua competência.
A organização educacional pesquisada funciona na cidade de Fortaleza (CE) há treze
anos, tendo 5 unidades localizadas em bairros diferentes dessa cidade. Quinze professores
foram selecionados por meio do critério de conveniência e acessibilidade, sendo professores
do curso de Serviço Social e Psicologia. O número de participantes atendeu à sugestão de
Barker, Pistrang e Elliot (1994), que consideram ser possível obter a saturação dos dados em
estudos qualitativos a partir de amostras entre 5 e 15 participantes.
Todos os participantes da pesquisa assinaram termos de livre consentimento para
participação da pesquisa. Eles serão identificados através de números para que não ocorra
identificação dos mesmos. Os primeiros dados levantados foram referentes ao perfil
sociodemográfico: 10 do gênero feminino, cinco do masculino. Treze com mestrado e dois
com doutorado. Dez com tempo de trabalho na organização de até cinco anos e os demais
com mais tempo. Idades entre 25 e 35 anos (oito entrevistados), 36 à 45 (5 entrevistados) e
dois com mais de 45 anos. Todos declararam ter carteiras de trabalho assinadas e metade
deles realizam atividades extras a condição de docente.

2.1 O discurso dos docentes


As entrevistas aplicadas aos quinze docentes foram transcritas para, a seguir,
identificar-se o que viria a compor os conjuntos temáticos a serem analisados. Após o recorte
dos conteúdos, esses foram agrupados e identificados nas seguintes categorias centrais de
análise: Contexto da organização de trabalho, Formação e qualificação dos docentes,
Docência: atividade de responsabilidade, Sofrimento ou prazer e Estratégias defensivas.

2.1.1 Contexto da organização de trabalho

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Esta categoria apresenta o contexto e organização do trabalho como um dos pontos
que exercem influência nas atividades de trabalho dos líderes, bem como em suas percepções,
relacionando-o à condição psíquica de trabalho. O trabalho é caracterizado como um
conjunto de gestos, formas do fazer cotidiano que engloba o saber fazer, o engajamento do
corpo diante de um ambiente ambivalente e com potencial e sentimentos.
Como aponta Dejours (1994), o determinante da organização do trabalho e o conteúdo
da tarefa realizada, substituem o livre arbítrio através da divisão do trabalho e das condições
impostas. As condições de trabalho somadas a uma organização de trabalho desorganizada e
exploradora, interferem e adoecem o corpo, envolvem e limitam o psíquico, desencadeando
sofrimento. Estando diante de situações implantadas por um outro, que ignora
individualidade e subjetividade, podendo causar infelicidade, alienação, doença física e
mental, mas por outro lado, contraditoriamente, pode servir de mediação da auto-realização e
saúde, conforme se apreende da fala dos docentes 3 e 5:

As informações não são repassadas, existe até uma falta de respeito, tudo é cheio de
processos, normas, gente para responder... (docente 13)
A estrutura da faculdade é boa, dá para trabalhar legal. O que perturba é esse
negócio de mudança: um dia de um jeito, um dia de outro... acaba que todos
reclamam, sem saber o que é para fazer hoje. Cada dia aparece uma coisa diferente,
um processo diferente para fazer (docente 1)

A dificuldade de adaptação às constantes mudanças, as características intrínsecas de


uma organização universitária e as pressões são desencadeadoras de situações de conflito e
sofrimento.
Gosto da faculdade, gosto das pessoas, diretoria, mas com tantas mudanças que
acontecem e coisas que não são explicadas, do dia para a notifica fica complicado.
Metas que não tem explicação, ordens sem lógica e se não cumpridas sabe que vai
ter problemas. (docente 3)
Tentamos fazer com que dê certo, mas se não der muda logo. Muitas regras que
mudam rápido. Muitas coisas que nem entendemos, isso que é ruim. (docente 5)

Percebe-se que a forma de organização do trabalho tem influência direta sobre a saúde
mental dos docentes, levando-os ao sofrimento, tendo inclusive a interferência da questão
familiar nesse processo.
Faço meu trabalho por gostar mesmo, mas com tanta mudança tudo piorou.
Influindo até na minha vida pessoal. Tenho dormido mal, e com problemas
familiares, até mesmo pelo tempo (docente 11)
A faculdade é legal, os alunos são bons,, mas é tudo muito estressado se não tiver
do jeito que a faculdade quer...dá problema (docente 5)

2.1.2 Formação e qualificação dos docentes

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Esta categoria apresenta a necessidade, revelada pelos entrevistados, por formação e
capacitação constante para exercer as atividades de docência. Adverte-se que muitas das vagas
de emprego conseguidas surgem por indicação, sem a necessária qualificação e preparação
para o exercício da função, mas a continuidade é decorrente do exercício das atividades de
forma competente e com conhecimento dos assuntos ensinados. A realidade é de reforço de
uma cultura organizacional que reproduz o jeito de ser da organização, pois só se mantém
quem a reproduz e conserva os comportamentos indicados como perfil de docente da faculdade
estudada, no contexto de ambiência da organização.

Aqui você precisa seguir as regras, para se manter tem que seguir o que pedem.
Precisa estudar muito, os alunos são exigentes também. (docente 12)
Vivemos um momento de muitas mudanças e exigências. Precisamos nos manter
atualizados, se não perdemos o emprego (docente 10)
Entramos por indicação, mas só se mantém quem os alunos gostam e para eles
gostarem a gente não pode deixar de estudar e trazer novidades. (docente7)

Dejours (2000) afirma que uma organização de trabalho, concebida como serviço
especializado, com mudanças implantadas por um outro, torna-se estranha, chocando-se com
a vida mental, motivação e desejo do trabalhador. A insatisfação em relação ao conteúdo da
tarefa tem um impacto, antes de tudo, na mente e na subjetividade. Essa forma de
organização, socialmente construída, tem papel central na determinação do sofrimento
mental, caso não exista uma reorganização ou adaptação. Torna-se, portanto, necessário certo
nível de informação e treinamento para que as atividades sejam feitas a contento, tendo em
vista se tratar de um serviço especializado para não se tornar estranho e desestimulante, aos
olhos de seus executores.

Viver essa condição de docente sem poder implantar mudanças em sua sala de aula,
inovar nas formas de aula me deixa desmotivado. Tanta coisa boa se pode fazer,
mas não deixam. (docente 9)
Ser professor é muito bom, mas tem condições que desmotivam. Seguir tantas
regras. Tanta qualificação é importante, mas a gente deixa de ficar até com a
família. (docente 8)

Os entrevistados apontam que não existe uma formação ou desenvolvimento para que
consigam exercer a função de docência, mas que na verdade são escolhidos e indicados a
desenvolver as atividades de responsabilidade de ensino, muitas vezes sem profissionalização
ou qualificação adequada, o que se pode apreender das falas de todos os líderes entrevistados:

Os antigos que trabalham demais e viram os melhores professores da faculdade,


muitas vezes sem estar preparados para a função, pois não fizeram nenhum curso
voltado para sua atuação docente. (docente 3)

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Não tem curso nem treinamentos para atualização, nada que ajude no cotidiano de
trabalho. A gente aprende fazendo... é legal, mas as vezes faz errado...aí já viu!
(docente 2)
A gente não é formado para isso, sem treinamentos ou curso, é empurrado
literalmente para fazer algumas atividades que são da nossa função, mas que não
tem preparação. Hoje está diferente, acontecem algumas seleções, mas tudo muito
desorganizado, pois entra muita indicação. (docente 9 )
Nunca fui ensinado, aprendi fazendo as atividades e fui fazendo. Acho que é assim
mesmo, se aprende fazendo... ou você faz ou tá fora, então vamos fazer. (docente 4)
Minha experiencia é de gestão, como ensinava meus funcionários achei que posso
ensinar na faculdade. Estou aqui, mas não tive muita indicação de como fazer não.
Vou fazendo. (docente 6)
O docente precisa conhecer bem sua função, lidar bem com seus alunos, saber o
aspecto técnico para poder ensinar e ajudar. A gente aprende fazendo sabe, acho que
ser docente é o dia a dia, lidar com seus alunos. (docente 5)

Assim, percebe-se a necessidade de uma qualificação, pois a docência é influência. Por


não haver esse critério, sentem-se pouco preparados, reforçando o fato de que a profissão é
formada no cotidiano de trabalho no contexto de ensino. Como o papel principal do docente é
“guiar” seus alunos para conseguir ter bons resultados na avaliação é necessário que haja uma
preparação para tais funções, fato que se percebe não existir. Uma vez que falta essa
preparação percebem-se situações de pressão e cobrança, que podem levar a condições de
sofrimento.

2.1.3 Docência: atividade de responsabilidade e sobrecarga.


Nessa categoria é apresentada a responsabilidade da função de docente e a sobrecarga
que tal atividade pode causar. Dejours (2000) apresenta que os níveis de sofrimento psíquico
são elevados, mas as pessoas tendem a calar perante as situações geradoras de mal-estar,
buscam adaptação ao trabalho pela responsabilidade de que são cobrados, pela inserção no
importante mundo do trabalho, etc. Docentes são definidos como responsáveis por sua sala de
aula, com uma grande quantidade de alunos e sobrecarga de atividades, diante da preparação
de aulas, correção de trabalhos, dentre outros. Outros aspectos importantes apontados foram a
baixa remuneração, com baixa autonomia e grande responsabilidade por gerir inúmeras
atividades que, segundo os entrevistados, não lhes resultam em recursos e retornos
necessários para fazer frente às exigências de seu trabalho, ao mesmo tempo em que, mesmo
sem essa contrapartida, intensificam de forma crescente os ritmos de trabalho. A polivalência
é citada como um fator que aumenta a tensão. No caso a polivalência é inerente ao trabalho
dos docentes.

Não somos preparados para a função, começamos e seguimos as atividades que são
de grande responsabilidade. Tomar de conta de uma sala de aula, as vezes com
oitenta alunos, tomar de conta de muitas pessoas que, ás vezes, não querem estudar

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é muito complicado, mas é o que deve ser feito. Horas extras e muito trabalho,
responsável por desenvolvimento de provas, correção de trabalhos, preparação de
aulas, tudo de acordo com a responsabilidade da atividade, sem retorno por isso,
nem mesmo reconhecimento da faculdade. (docente 1)
Ensinar bem, acho que isso é o mais complicado com tudo que a gente tem que
fazer e eu gosto, gosto de ensinar, mas tem dias que é difícil, tem muita coisa, muita
gente, é difícil. Responder sobre todas as demandas. É uma cobrança minha
mesmo, de estar fazendo a coisa do jeito certo, do jeito que eu sei que a organização
pede. (docente 14)
Muita sobrecarga de responsabilidade, se alunos não conseguem ter bons resultados,
somos cobrados, mas sem condição para mudar. (docente 11)

A separação entre momento de trabalho e folga não é tão nítida no contexto atual, essa
situação altera a vida dentro e fora do trabalho. Mesmo aquele que se encontra em uma
situação aparentemente privilegiada, como a de um docente, com vínculos de trabalho
aparentemente estáveis, experimentam a insegurança e a competição, vivendo a precariedade
do trabalho, uma precariedade subjetiva, coerente com o que se tem testemunhado e que vem
caracterizando o atual mundo trabalho.
Família fica em segundo plano. Falta de tempo para cuidar da saúde, estudos, a
gente fica muito tempo aqui. Pressão grande, cobrança, nível de stress alto para
todos, docência ainda mais. (docente 1)
Problemas familiares, briga com a esposa, estamos mais para lá do que para cá.
Cansaço por ficar direto, sobrecarga de atividades, cansaço, mas não consigo
descansar bem.(docente 2)
Vivo preocupada em seguir as regras e não perder meu emprego (docente 4)
Sobrecarga? Tem que aceitar né! Se não, tá difícil emprego lá fora (docente 3)

2.1.4 Sofrimento ou prazer na docência?

Nesta categoria é apresentada a existência do sofrimento ou prazer no cotidiano de


trabalho. O sofrimento no trabalho é consequência de experiências dolorosas, tais como
angústia, medo e insegurança, instalado quando a realidade não oferece as possibilidades de
gratificação de seus desejos. Seligman e Silva (1994) afirmam que o trabalho poderá
fortalecer a saúde mental ou levar a distúrbios que se expressarão em termos sociais,
psíquicos, psicossomáticos ou psiquiátricos. A forma de trabalho dominado, característico do
mundo hodierno, produz o sofrimento na medida em que a dominação esmaga a identidade e
aprisiona à estrutura organizacional. Existe uma busca por transformar percepção da
organização do trabalho, mas com pouca eficácia como reforçado pelos docentes pela rigidez
da normatização da organização. O prazer é a consonância do desejo, anseios e aspirações
diante do contexto que lhe é oferecido. Essas vivências são tecidas no cotidiano de trabalho,
interpretando a realidade e reagindo de forma física, mental e afetiva.

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Tenho sentido muitas dores de cabeça e cansaço extremo. As vezes acho que não
vou aguentar (docente 2)
Tem períodos que a sobrecarga é maior. A gente fica até sem ver a família direito
(docente 6)
Professor sofre né. Tem muita coisa e a inda tem aluno que não valoriza. (docente3)
Muita sobrecarga leva à dor nas costas, muita ansiedade. Eu fico até com dor de
estomago nesses períodos (docente 11)

Com a definição de Esteve (1999) que aponta o mal-estar docente, com uma
classificação de J. Blase sobre o estresse dos docentes, indicando existir dois tipos de fatores
que provocam mal-estar na docência: os secundários, ou contextuais, que se relacionam com
as condições ambientais em que se exerce docência, e os primários, ou principais, que
incidem diretamente sobre a ação do professor em sala de aula. Assim, percebe-se que, no
contexto pesquisado, é apontado os dois tipos de mal-estar. Os fatores secundários
relacionam-se com a modificação no papel docente que vivenciamos na atualidade, a função
docente com suas contradições e modificações do contexto social. No contexto privado os
objetivos do sistema de ensino e os avanços dos conhecimentos são diversos e nem todos são
apontados de forma clara, além de a imagem do professor e a crescente modificação de
atividades e responsabilidades que são impostas à docência.

As mudanças que vivemos com a era da globalização tem interferido muito nas
atividades do professor. Cada vez mais temos que saber mais. E isso não é bom.
(docente 4)

Os primários dizem respeito às tensões que incidem diretamente sobre o trabalho do


professor, como a ausência de recursos materiais e deficitárias condições de trabalho;
violência nas instituições escolares; acúmulo de exigências sobre o professor e esgotamento
docente.

Cada vez mais temos mais responsabilidades e nossa atividade em sala de aula tem
se ampliado. A reponsabilidade pelo aprendizado do aluno que nãoo se dedica tanto
e que afirma estra comprando o serviço me deixa muito triste. Por outro lado, faltam
objetos simples, tais como livros na biblioteca e materiais tecnológicos que
facilitem o processo de aprendizado na atualidade (docente 5)

Nos discursos dos entrevistados percebe-se um comportamento manifesto que indica,


de forma latente, o sofrimento por que passam, tendendo a se calar perante situações de mal-
estar e buscando formas de adaptação:

Eu sentia stress, me abalava com o aluno, me afastava, dava as costas, não queria
me indispor com o cliente. (docente 13)
Sou novo na atividade de docência, gosto do que faço, mas as cobranças são
grandes, às vezes dá vontade de desistir. Queria que fosse mais simples, mas não
sei mais. Com tanta sobrecarga e responsabilidade de trabalho. Você fica sem tempo
para estudar, muita coisa errada que você fica sendo responsável sem ser. Gosto do
13
que faço, mas tem horas que penso em desistir, é muito pesado, muita pressão,
cobrança, responsabilidade. (docente 15)
Sinto dores pelo corpo pela sobrecarga de trabalho. Não acho certo o docente passar
por isso, mas fazer o que né. Dores no corpo são diárias, dores de cabeça as vezes.
Gosto do meu trabalho, mas dá trabalho ser professor. Não tenho tempo para a
família, os dias de folga são para descansar, mas a mulher reclama desse cotidiano,
mas até acho que ela ta acostumada. (docente 10)

Vale a pena ressaltar que o trabalho também pode ser fonte de equilíbrio e produtor de
prazer (Dejours, 1994). Nos discursos apanhados são apresentadas algumas situações
prazerosas, pois existe a confirmação do gostar e de vivências positivas das atividades
realizadas, além de alguns apontarem certo nível de autonomia para o exercício da função de
docente. Observou-se ainda uma de negação do sofrimento alheio, inclusive calando o seu.

Às vezes acho que nem é tanto assim, afinal de contas muitas pessoas sofrem com o
trabalho que é muito mais pesado né. Ser professor é até tranquilo. Depende do
período e da turma. (docente 6)
Ser professor tem vantagem. Eu gosto. É melhor que muita coisa por aí (docente 8)
Ser professor é bom, tem muitas coisas boas. Nem tem tanto problema assim. Só as
vezes. (docente 9)

Prazer versus sofrimento é um conceito dialético que coexiste e é inerente ao trabalho,


um trabalho como lugar de significações psíquicas e construção de relações sociais,
interações e representação humana:

Estou tomando remédios mais fortes, fluoxetina. Tomando só 1 de manhã, mas


vinha trabalhar com atestado, porque é da gente, fico agoniado, querendo fazer
muitas coisas ao mesmo tempo. (docente 3)
As pessoas às vezes se distanciam, são grosseiras e a gente fica sem saber o que
fazer. E tem que aguentar e também segurar as pontas das cobranças e os problemas
que a gente tem, as coisas pessoais.( docente 14)

Alguns sentimentos indicadores de sofrimento, tais como indignidade, inutilidade,


desqualificação e vivência depressiva são percebidos na fala dos entrevistados. Assim como a
confirmação de condições de adoecimento decorrentes do esgotamento de tentativas de
adaptação dos sujeitos ao trabalho:

Muita dor de cabeça, palpitação. Dor no peito, tinha dia que eu pensava que tava
com problema no coração, fui no cardiologista e ele disse que não..era só stress.
Tem dias que a cabeça só falta explodir, é ruim, ruim. Tomo remédio, mas não
passa. Passo o dia mal.(docente 13)

2.1.5 Estratégias defensivas

Nessa categoria são apresentadas as defesas criadas, segundo Dejours (1994), diante
das condições de trabalho oferecidas pela organização, isto é, uma alternativa para o não
adoecimento. As defesas estratégicas são processos mentais, pois não modificam a realidade
14
imposta pela organização; são diferentes e necessárias para a proteção da saúde mental;
desenvolvidas de acordo com a identidade e subjetividade do trabalhador, cumprindo papel
paradoxal, porém capital nas motivações da dominação, pois permitem que os trabalhadores
se mantenham ativos em seus trabalhos, adaptando-se a pressões que lhe sejam causadas,
(Dejours, 2000). Trata-se de situações sutis, cheias de engenhosidade, variedade e invenção
na busca de modificação, transformações ou minimização da sua percepção da realidade que
lhe é imposta na organização de trabalho:
Tem que beber umas cervas e tentar ficar melhor..saia mais com os amigos..era
mulherengo, mas agora sou mais responsável, tenho que dar exemplos. Bebo
minhas geladas para me acalmar.(docente 10)
Não bebo, não fumo, mas gosto de jogar vídeo-game. (docente 13)
Aumenta a carga de trabalho quando está estressado, vou lá e faço as atividades.
Escuto muita música, boto meu fone de ouvido e faço de conta que não tenho
problemas, as vezes nem ligo para o que me falam, vou lá e faço meu serviço.
(docente 4)
Prefiro deixar um pouco de lado a vida em família e fazer com que dê certo por
aqui, dando conta de todas as atividades. Gosto de uma cervejinha, ajuda a relaxar e
brinco com meus filhos, quando dá. Conversar com as pessoas me ajuda a encontrar
uma resposta para as dificuldades, às vezes surgem boas idéias. (docente 15)

Essa busca por adaptação entra em confronto com as crescentes mudanças e


cobranças do contexto de trabalho, criando, o que costuma ser denominado
“intersubjetividade particular”. No entanto o que deve ser salientado aqui é o fato de que
essas estratégias não modificam a realidade, mas ajudam a manter os trabalhadores ativos,
adaptando-se a pressões que lhes sejam impostas.

Sou quieto, não reclamo, não falto...tá tudo bem do jeito que ta. Sou calmo, gosto
daqui. Me ajuda ficar quieto, encontro a solução, vou lá e resolvo. Para que brigar
né... por isso fico na minha, a solução chega.(docente 12)

Condições de saúde no trabalho, como aponta Mendes (2007), são vivências de


prazer e para que elas aconteçam utiliza-se de mecanismos capazes de satisfação e adaptação.
Diante do coletado nas entrevistas, os trabalhadores não se mostram passivos frente às
exigências e pressões da organização, criando estratégias para evitar condições que levem ao
sofrimento. Segundo Dejours (2000) mostrar fraquezas pode implicar em demissão, por
conseguinte se observa também o policiamento para não demonstração de fraquezas,
angústias ou ansiedade, para que não se seja substituído em função desses atributos
“negativos”. No entanto, tais fatos podem tornar o trabalhador insensível diante daquilo que o
faz sofrer, fazendo com que aceite as condições como naturalizadas.

Não brigo mais com as pessoas, vou lá e faço.(docente 1)

Tem coisas que não adianta. São atividades do professor mesmo. Melhor fazer logo
(docente 13)
15
O prazer é vivenciado quando o trabalho favorece a valorização e o reconhecimento,
pela realização de uma tarefa significativa e importante para a organização. Na maioria dos
casos, e confirmado na atual pesquisa, a organização não disponibiliza as possibilidades de
uma situação de envolvimento e conhecimento, por parte do docente, de todos os processos
de trabalho que lhes correspondem, ou da dimensão e importância de sua produção e ação, o
que se torna fator desencadeante de sofrimento:

Não vejo valorização, reconhecimento, isso deixa a gente chateado. (docente 2)

Percebe-se que existe relação entre as vivências de prazer e sofrimento no contexto de


trabalho dos encarregados de empresa familiar. Os fatores que influenciam diretamente no
sofrimento, detectado na fala dos docentes, são relacionados ao contexto da organização, à
pressão, à dificuldade em sua formação e qualificação de suas funções e às responsabilidades
inerentes a sua realidade profissional. As estratégias de defesa utilizada são as mais variadas
possíveis como, por exemplo, a busca de adaptação à realidade vivenciada. Ademais,
percebe-se em seus relatos a relação do sofrimento com algumas questões inerentes à sua
inserção e realização das atividades de docente na faculdade pesquisada.

3 CONCLUSÕES

As condições de trabalho na atualidade vêm passando por variadas transformações,


decorrentes dos processos de mudança vivenciados no mundo como um todo. Os
trabalhadores vêm presenciado muitas mudanças em seus variados contextos laborais e tal
condição influência todos os espaços de trabalho, dentre eles os de educação. O docente está
envolvido nesse processo, principalmente quando inserido em organizações privadas que tem
como pressuposto a organização e lucro que as demais possuem, sendo a educação o negócio
foco do lucro.
Na faculdade pesquisada percebe-se como a influência das mudanças do contexto do
trabalho são vividas e dentre elas suas consequências
Considerações conclusivas de acordo com o objetivo anunciado e o estágio da pesquisa ou
estudo.

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