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A Realidade Interna 1
Loucura do Espelho
LOUCURA DO ESPELHO
A REALIDADE INTERNA
A Realidade Interna 2
Loucura do Espelho
Abel Biasi
LOUCURA DO ESPELHO
A REALIDADE INTERNA
A Realidade Interna 3
Loucura do Espelho
Título
Loucura do Espelho – A Realidade Interna
Todos os Direitos Reservados
ABEL BIASI
Capa
ABEL BIASI
Revisão Ortográfica:
Abel Biasi
EDIÇÃO
JANEIRO DE 2019
A Realidade Interna 4
Loucura do Espelho
A nossa mente produz ilusões tão grandes que chega a ser difícil
apenas imaginá-las, quanto mais senti-las. Ou até, podemos senti-las,
mesmo somente as imaginado. Temos muito que aprender com tal
máquina, que desperta em nós, algo que não conseguimos distinguir, algo
surreal. Será então tudo real? Ou será ilusão?
Temos ainda algo a mais, que os cientistas “quebram a cabeça”,
tentando entender seus significados. Somos seres invejáveis quanto à
capacidade de raciocínio, dedução e junção de idéias. Mas, estamos ainda,
usando menos do que realmente poderíamos usar e, usando para fins
maléficos. Se assim pensarmos e conseguíssemos fazer com que pessoas
parassem de fabricar bombas atômicas e transformassem, essas suas armas,
em resultados de energias quase que inexpiráveis, sendo esse o seu único e
verdadeiro pensamento, teríamos um fim pacífico. Seríamos um povo, ou
uma raça, cada vez mais perto do sentido da palavra “evolução”.
Se realmente existe uma evolução genética, nós, como os únicos
seres pensantes e com intelecto desenvolvido e que assim se acha, estamos
estagnados nessa cadeia evolutiva. Estamos provando que, de nada adianta
a inteligência se não conseguirmos controlá-la para um bem único.
Se, realmente existe um Deus, estamos indo contra os seus
princípios de vida perfeita ou vida eterna. E se viemos do macaco,
comprovando assim que sempre estamos em evolução, estamos regredindo
com essas guerras e formas diferentes de viver. O que vemos que tudo isso
o que tornamos, estamos acabando com o planeta. Somos ao mesmo tempo,
a raça invejável, com atos detestáveis. Mas, há quem diga que as guerras é
um dos frutos da evolução, fazendo com que a tecnologia se estenda.
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Loucura do Espelho
Somos capazes de muitos afazeres benéficos. Somente nos basta
reaprender a caminhar, não em passos carnais, mas, sim, em passos
espirituais.
Loucura do Espelho, A Realidade Interna, é um livro para causar
reflexões, com muitas coisas de nosso cotidiano simples. O uso de uma
linguagem nada complicada mostra a compreensão e o segmento de uma
história verídica, em algumas partes do desenrolar do enredo, juntamente
com fatos cômicos, de igual intensidade e ao mesmo tempo trágicos,
inventados, ou não, logicamente. O leitor, poderá entender que os fatos
reais são os que aconteceram em minha descoberta interior dos dezessete
aos vinte e três anos de idade. Partes inventadas para criar mais drama e
mais loucura, são inevitáveis e tornam a leitura agradável e surpreendente.
Não subestime a capacidade do intelecto da mente humana!
Podemos ir longe, somente em nossas mentes!
Mas agora, responda: Costuma “se ver” ao espelho? Já imaginou,
ou fez perguntas a si mesmo diante do espelho? Se você fez, houve
resposta? Se não o fez, foi por qual motivo? Medo? Vergonha? Por parecer
um estúpido com esta ação? E se houvesse resposta? E se a resposta fosse
completamente diferente do que já havia pensado antes a respeito deste
assunto? Como se sentiria agora, vendo que sua mente pode lhe
surpreender? Consegue profundamente olhar aos seus olhos refletidos ao
espelho?
Vivemos em uma realidade que nem nós conhecemos, não
imaginamos a verdade que há dentro de nós. A certeza, que desde criança
temos e que sabemos ser verdade, é esquecida enquanto os anos passam e
vamos envelhecendo. A mente se esquece da pureza que temos e damos
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Loucura do Espelho
passagem ao cepticismo. Vemos causas e coisas estranhas, mas, ao mesmo
tempo em que acostumamos a vê-las, acostumamos a esquecê-las, no
segundo seguinte.
Nossa mente é completa! Basta somente sabermos o que fazer com
ela e aprendermos como pensar direito!
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Parecia um sonho! Era lindo ver aquele cenário! Tudo era de uma
cor muito pura, parecia pintura em três dimensões. As cores vibravam,
assim como o vento vibrava ao tocar meu rosto. Era um campo muito
esverdeado e uma grama bonita e vistosa. Bem aparada. Podia-se até
mesmo deitar-se sem nenhum receio de sujar-se, era densa como um tapete.
As árvores, impunham-se de um verde causador de inveja a qualquer
Pantanal. As frutas, eram grandes e pareciam ser mais puras do que as que
costumava ver, ou as quais, achava estarem perfeitas. As pessoas,
alegravam-se em pequenas rodas de amigos sempre com um sorriso
verdadeiro ao rosto, dizendo coisas belas. Relatos bons. Esse sorriso puro
em seus rostos contagiava a todos que ali estavam. Era, verdadeiramente,
um cenário de pura alegria e tranquilidade. Vestiam-se uniformemente,
com roupas dentro da tonalidade da cor bege e todos, todos, eram de uma
beleza invejável.
Uma bela garota de cabelos cacheados à cor do sol, alta, chegou ao
meu lado. Seus olhos azuis me contaminaram de pureza.
- Olá Coiote! Chegou cedo! Não esperávamos que chegasse tão
cedo assim! Mas, já que está por aqui, venha, vou lhe apresentar a todos! –
disse assim e foi puxando-me pela mão.
Enquanto andávamos, percebi que tudo era mais perfeito ainda.
Crianças divertiam-se correndo e jogando-se à grama. Havia uma música
quase que angelical sendo tocada em meus ouvidos. Alguns metros de
distância, debaixo de uma árvore, um grupo de jovens tocava alguns
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Loucura do Espelho
instrumentos. Parecia eu conhecer a composição a que tocavam, mas, seus
instrumentos pareciam distintos e não havia como entendê-los. Comecei a
perceber que as cores iam desfazendo-se e pouco a pouco iam borrando-se,
até que tudo se desfez num redemoinho instável de tintas borradas. Tudo
aquilo sumiu da minha frente e voltei à minha realidade.
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A casa tinha somente duas cadeiras à cozinha, onde existia uma
mesa de metal, dessas de bar. Havia, onde era para ser a sala, um grande
tapete verde que já estava ali quando cheguei. Sempre que amigos vinham
me visitar, sentávamos todos ali para fumar, para beber e para contar
histórias engraçadas enquanto escutávamos alguma boa música de Rock
and Roll. Assim, como era o costume, liguei o som e ficamos escutando um
bom CD de uma banda chamada Dream Theater.
O cigarro foi preparado e logo aquela fumaça invadiu a sala, os
pulmões e nossas mentes.
As conversas logo tomaram um rumo sem sentido algum. As duas
garotas, primas de Lenice, estavam dando gargalhadas e olhando em volta.
Minha casa não era realmente muito interessante. Paredes brancas, um
aparelho de som e um tapete verde surrado e cheio de manchas de cervejas
e outras bebidas “tri” destiladas. Da sala, via-se um pedaço do quarto com a
cama desarrumada, algumas roupas jogadas ao carpete azul escuro e
algumas caixas empilhadas a um canto, que me serviam de guarda-roupas.
A cozinha era pequena, não maior do que precisava e não menor que minha
descrição. Tinha fogão e geladeira em miniatura, até mesmo o botijão de
gás era em miniatura, como assim gostava de chamar, além de mesa e duas
cadeiras de bar, como já havia dito. O banheiro, simples com um boxe, um
armarinho e outro espelho às costas da porta. Havia dois espelhos, o que se
tornou muito interessante quando eu os descobri. Este era meu apartamento
e não mais do que realmente precisava. Muitos gostariam de ter aquilo que
eu tinha, pelo menos disso eu tenho absoluta certeza.
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- Mas, o que estas garotas estão rindo tanto? – perguntou
Marquinho.
- Deve ser por causa desta casa. Elas me disseram que nunca
fumaram dentro da casa de alguém. – respondeu Lenice vagarosamente
dando uma risadinha picada, curta, daquelas que tem e não tem graça ao
mesmo tempo.
- Hei! – houve silêncio. – Garotas! – chamei demorando um pouco
para conseguir chamar a atenção. – Podem levantar-se e olhar minha casa.
Ela é desarrumada, mas podem olhar à vontade. Parecem estar curiosas.
- Nossa! Como é morar sozinho? – perguntou Dani, uma das
garotas.
- Normal! – respondi.
- Como assim, normal? Só isso? – perguntou Cristiane, a outra
prima de Lenice.
- Tem seus momentos. Não tem hora pra chegar, mas você tem que
arrumar tudo. – falei.
- Mesmo assim deve ser legal! – disse Dani olhando para a pilha de
louças sobre a pia.
- Deve ter também seus puros momentos de solidão. – retrucou
Marquinho.
- Sim, tem sim. Estes momentos são cruéis, mas depois que se
acostuma, tira-se de letra. – respondi.
- Você está sumido Coiote! – disse Lenice com seu jeito tranqüilo
de falar. – O que anda fazendo?
- Fico em casa a maior parte do tempo. Fumando, pensando,
dormindo. – respondi.
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- Isso que é vida. – disse Dani.
- A conversa está boa, mas a loucura está pouca. E agora, o que
fazemos? – disse Marquinho.
- Vamos fumar de novo! – respondi indo ao meu quarto e trazendo
mais um cigarro pronto.
Em alguns minutos, todos estavam de pé curtindo o som de outra
banda de Rock, desta vez era um estilo mais pesado e não nos deixava ficar
parados. Como todos gostavam deste tipo de música, estávamos
balançando a cabeça como se estivéssemos tocando guitarra em cima de um
palco. Eu já estava um pouco distante em meus pensamentos e nem mesmo
percebi que estava dentro do banheiro, novamente, brincando com as gotas
d’água da torneira, enquanto caiam no ralo da pia. Virei-me em seguida,
quando havia terminado de lavar minhas mãos e levantando os olhos
encontrei-os ao espelho, ao qual estava atrás da porta. Ali fixei meu olhar.
Lembrei-me o que havia acontecido alguns momentos antes e ali parei meu
pensamento.
Meus olhos estavam estagnados novamente ao espelho, sem
movimento algum, nem sequer um espasmo óptico. Em algum tempo
pareciam já estarem cansados de não fazerem movimento, então o meu
reflexo ao espelho fez um movimento levantando a pálpebra. Incomodei-
me. Achei aquilo engraçado, pois, não havia eu feito movimento algum, ou
pelo menos, não havia sentido.
Continuei a observar-me ao espelho e, segundos depois, comecei a
me sentir estranho, como se sentisse nauseado. Meu reflexo ao espelho
começou a mudar, primeiro devagar, depois com certa rapidez obteve um
aspecto bem diferente. Não era de um reflexo, mas, de uma realidade
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conflitiva, como se fosse uma janela, onde poderia visualizar outro mundo,
completamente diferente e, por conseguinte, outro eu.
O meu reflexo ao espelho começou a transformar-se. O cabelo, ao
reflexo, que era de um azul desbotado, tornou-se um preto vistoso e muito
bem cuidado. Parecia estar penteado, para meu espanto. Meu semblante,
que sempre era de um cansaço extremo, por sempre estar distante da
realidade e por um imenso toque de desmazelo, tornou-se belo e bem
aparentado. Barba feita, olhos mais vivos do que os meus aos quais já havia
acostumado. Em seguida, as roupas também se modificaram para um tom
mais vivo do que as minhas. Por ter um estilo mais agressivo, minhas
roupas eram um tanto desgastadas e rasgadas. Mais porque eu queria que
fossem assim, surradas. Mas, tudo aquilo era incrível! Fora uma
transformação que vi em meu próprio reflexo! Ainda sério, olhava aquela
moldura sem ação, que se tornara viva! Uma piscada e, em seguida, um
largo sorriso abriu-se. O susto levou-me a dar um passo para trás, quase que
me fazendo bater a parede e assim pensando que a mesma não estivesse ali,
construída atrás de mim.
- Me desculpe. – disse o espelho para mim numa forma muito
gentil. – Mas, você mostrou-se muito mais do que pronto para isto. Acho
que seu susto não será tão grande assim.
Fiquei alguns segundos sem ação. A voz, que saia do espelho era
realmente igual a minha, mas tinha um toque de sutiliza que não sabia ser
possível em meu jeito de falar, ou assim pensava. Estático, observei, até
que tive forças para fazer algo. Fechei os olhos e abaixei a vista colocando
minhas mãos sobre meu rosto.
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- Eu devo estar pirando! – falei com os olhos fechados e em voz
baixa.
- Não! Você está apenas enxergando a realidade. – disse a voz
calma saindo do espelho.
Levantei meus olhos e vi seu sorriso, idêntico ao meu.
- Incrível! – sussurrei ainda com as mãos tapando metade de meu
rosto. – Quem... ou... o que é você? – perguntei observando a borda do
espelho.
- Não me reconhece? – disse o reflexo em tom de zombaria. – Sou
seu outro eu! Mas, um pouco melhor cuidado, como pode notar. – disse
olhando para si mesmo.
- Mas... Mas... isso... Como é possível? – perguntei indignado.
- Simples! Sua mente chegou a um ponto, quando as realidades
vêm a se convergirem, uma com as outras, não existe ilusão. – respondeu
ele. – Mas, a pergunta que deveria ter feito, ainda não é essa.
- E qual seria? – perguntei.
- Não sou eu que irei perguntar! – disse ele olhando para o lado
como se estivesse vendo alguém do seu lado do espelho que eu não
conseguia ver.
- Mas, eu nem sei o que devo perguntar! Não sei agora nem se
estou vivo? – indaguei.
- Vivo? - disse e riu-se vagarosamente. - Sim, está vivo, e diga-se,
muito vivo! Agora, você pode começar a fazer todas aquelas perguntas sem
resposta que você tem aí dentro, guardadas em sua mente tão grande, como
já sabemos que é.
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- Tenho que fazer perguntas então? Bem, acho que tenho muitas
perguntas sem respostas, mas, devo perguntá-las a você? Talvez suas
respostas sejam iguais as minhas respostas, nas quais, verdadeiramente, não
fazem sentido algum.
- Não necessariamente. Não irei lhe responder automaticamente.
Vou lhe mostrar o caminho certo para achá-las por si só. – disse o espelho.
– Respostas, todos podem dar, aprender a encontrá-las que é o difícil.
- Mas, não entendo. Quem é você? Você é meu outro eu? –
perguntei finalmente sem ao menos perceber que havia feito uma pergunta.
- Chegamos ao ponto! Você fez sua primeira pergunta certa! E
agora respondendo, não! Por enquanto é assim. Sou seu outro eu, até que
você tenha entendimento suficiente para diferenciar você mesmo de outra
pessoa, com personalidade diferenciada.
- Meu Deus! – exclamei colocando as mãos à boca e olhando o
espelho em volta. – Acho que estou ficando cada vez mais louco.
- Muito bem! É disso que precisamos agora! Loucura! – respondeu
ele.
- Não estou entendendo nada. – falei.
- Na hora certa irá começar a entender. – falou calmamente
enquanto eu olhava para ele de forma interrogativa. - Agora vá! Seus
amigos estão preocupados contigo. Não deve deixá-los esperando, nem
mesmo dizer o que está acontecendo. Não é uma situação agradável de
explicar. Bem, seria a deixa para uma internação em algum sanatório do
estado. – disse e riu-se.
O espelho começou a voltar ao normal, sem que eu quisesse.
Vagarosamente as cores iam mudando e a as formas também voltavam ao
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normal, até que vi meu reflexo novamente. Movimentei meu rosto para ver
se era eu mesmo e vi que agora era a minha realidade. Eu estava pálido,
como se estivesse presenciando algum fato sobrenatural, o que não deixava
de ser verdade. O meu cabelo despenteado voltou a estar ali. Levantei o
braço e vi que este era meu. As batidas na porta estavam cada vez mais
fortes. Abri-a com cara de assustado e pálido. Todos estavam assustados
junto à porta do banheiro.
- Por que não respondeu Coiote? – perguntou Marquinho. –
Estávamos querendo arrombar a porta já!
- Pensamos que havia desmaiado aí dentro! – disse Dani com cara
de muito assustada.
- O que é que está havendo contigo? – perguntou Lenice olhando-
me com cara de quem não estava me conhecendo mais.
- Galera. – falei calmamente. – Estava apenas usando o banheiro. O
que há de mal nisso?
- Ficar meia hora no banheiro não é uma coisa normal, não acha
Coiote? – disse Marquinhos. – Você realmente está muito estranho! Não
parece mais com aquele velho Coiote que conhecia! Pra mim já deu o que
tinha que dar, vamos embora daqui pessoal! – disse por final virando as
costas e indo em direção à porta com as meninas.
Todos eles ficaram temerosos com que havia acontecido, pareciam
estar indo embora da casa de um psicopata que lhe tentaria contra suas
vidas. Acharam ainda, que iriam me encontrar morto dentro do banheiro e,
sinceramente, minha aparência não estava das melhores. Mas, encontrava-
me muito bem, cada dia estava mais consciente, embora para muitos, isso
não era nem um pouco convincente.
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Foram embora assim, sem dizerem muita coisa. Não era de se
admirar pensando bem, embora no momento, para mim, não fazia o menor
sentido. Olhei então para o relógio e vi que haviam se passado um largo
período desde que entrei em meu banheiro. O que foi de principal motivo
para que eles achassem que eu estava me drogando com outros tipos de
drogas pesadas e escondido deles. Fiquei um tempo pensando no ocorrido e
depois cheguei à conclusão de que eles na verdade tinham razão. Se eu
contasse o que realmente estava se passando dentro do banheiro, daí sim,
eles me internariam em algum sanatório ou em alguma clínica de
recuperação para adictos.
Achando graça da situação, fui até meu quarto e peguei mais um
cigarro enrolado e ascendi indo de volta ao banheiro. Agora, o banheiro
fazia parte de uma grande verdade, da qual ainda não estava ciente de que
seria a maior descoberta de minha vida.
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amarrados com fitas. A paz reinava entre as rodinhas de jovens sentados ao
chão junto aos seus instrumentos de cordas. Tudo aquilo me lembrava do
quanto gostaria de ter vivido esta época gloriosa. Mesmo que meus pais
estivessem vivendo o fim desta época de ouro.
A um canto, observei a figura de quem poderia ser minha mãe.
Morena, de cabelos longos, um tanto jovem. Camisa indiana florida e calça
azul bem larga, mais larga ainda na altura do tornozelo, fazendo jus ao
nome “boca de sino” onde provavelmente os sinos eram os tornozelos das
pessoas. Seus olhos pareciam deslumbrar o infinito enquanto seus amigos,
sentados à grama, faziam canções que diziam sobre paz, alegria, drogas e
liberdade. Dizia-se que todos eram irmãos, não importando a origem, a cor
ou forma de pensar. Se ainda estivéssemos assim, poderíamos ter evitado
muitos desastres na vida humana, até mesmo os sistemas desta sociedade
seriam completamente diferenciados. Mas, como tudo o que é bom, dura
pouco, aqui está o que viramos.
Assim enquanto via o filme, fumava também o meu cigarro, dando
asas à minha pequena mente. Logo escutei a voz de meu outro eu.
- Vê? Sua mãe sentada à grama está a pensar o que fará no futuro.
Ela queria ser médica, mas, como você mesmo sabe, as coisas não se
realizaram do jeito que ela desejasse que fosse.
- Por que estou vendo isso? – perguntei olhando para os lados,
procurando-o.
- Para que entendamos o presente, temos que saber alguns
acontecimentos passados. – disse ele.
- Interessante! Nunca pensei que minha mãe tivesse sonhos, e ainda
mais, que desejasse ser médica! Surpreendente!
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- Seu pai queria ser astronauta. – disse a voz.
- Meu Deus! E eu pensava que eu viajava muito!
- Realmente, aquela foi a época de ouro! Gostaria de ter vivido
nesta ocasião. – disse meu outro eu, fazendo surpreender-me com seu
comentário.
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Voltei a mim. Ao espelho, estava o outro eu. Meu cigarro havia
chegado ao fim de forma que o joguei ao vaso sanitário, dando descarga em
seguida. Peguei o maço de cigarros e acendi um.
- Isso realmente aconteceu? – perguntei enquanto soltava fumaça
do cigarro.
- Bem, você acabou de ver com seus próprios olhos, não foi?
- Sim, mas, é real?
- O que acha ser real? Acha que eu sou real? – perguntou ele num
tom de sarcasmo com seu rosto dentro da moldura do espelho.
- Não sei. – respondi olhando para o seu reflexo e dando uma volta
olhando o meu banheiro. – Pode ser que sim, pode ser que não. Ainda
tenho dúvidas. Não sei se posso acreditar.
- Tenho muitas coisas para lhe mostrar ainda. Dentro de pouco
tempo irá saber se é ou não é real, como pensa.
- Acho tudo isso uma loucura. Está me dizendo que fui ver o
passado de meus pais? – perguntei incrédulo.
- O que acha que viu? – perguntou novamente ironizando.
- Não sei! Mas, o que quer mostrar-me com tudo isso?
- Isso! Isso mesmo! Mais uma vez chegamos ao ponto!
- Como? Não entendo? – falei levando o cigarro ao canto dos
lábios.
- Tudo isso começa com uma pergunta, lembra-se? Se você faz
uma pergunta, eu posso respondê-la ou lhe mostrar a forma de entender a
resposta. Mas, se não a faz, eu não posso mostrar-lhe o caminho para você
saber uma resposta sem ter uma pergunta, não é mesmo?
- Que complicação! Explique melhor, por favor?
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- Sim, claro! Como quiser! Bem, é simples. Quando fazemos uma
pergunta, e embora seja ela de forma imediata, existe um mecanismo em
nosso cérebro que faz com que todas as informações que temos sobre tal
assunto, sejam conectadas e trazidas à tona, fazendo assim, que formulemos
a pergunta. Então, sendo assim, as perguntas são feitas somente a partir de
um ponto de reflexão sobre tal assunto, mostrando que a pessoa está
realmente pronta para ter a resposta sobre este assunto. Se não, a pergunta
ficará disforme, sem conexão e terá que passar novamente por uma reflexão
para que se coloquem as palavras certas. Ou, somente, a pergunta ficará
superficial e a reposta, obviamente, tenderá a ser superficial também, até
mesmo leviana, eu diria. – disse ele com um sorriso e terminando a
resposta.
- Nossa! Isso realmente é muito interessante e faz completo
sentido! Magnífico! – falei empolgado.
- Mas, voltemos à pergunta. Você disse: “O que quer mostrar-me
com tudo isso?”, não foi?
Concordei apenas balançando a cabeça em forma afirmativa
enquanto fumava meu cigarro.
- Bem. Muito podemos conhecer de nós mesmos vendo o nosso
passado, visto que tudo o que passamos foi o que nos criou. Quero lhe
mostrar aqui, o poder de nossas escolhas. Podemos ser felizes ou
completamente solitários. Abastados ou miseráveis, saudáveis ou
debilitados. O que nos modifica são nosso conhecimento, nossa
consciência, o que nos faz termos nossas escolhas, acertadas ou erradas.
- Então quer me mostrar que as escolhas fazem à diferença em
nossas vidas?
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- Sim! Mas existem antes, as nossas referências profundas, nossos
conhecimentos sobre algo, ou não, que formam as nossas escolhas.
Lembra-se?
- Ah Meu Deus! Estou ficando louco!
- Não diga isso! Embora precisemos de um pouco de loucura. É
simples. Acompanhe novamente meu raciocínio. Para termos uma escolha,
precisamos saber o que queremos ao final de tudo. Para sabermos o que
estamos realmente dispostos a fazer, temos primeiro que fundarmos uma
opinião através de conhecimento a respeito de tal assunto. Agora entende?
- Acho que estou entendendo. Mas, isso parece loucura. Embora
faça o maior sentido. – falei olhando para o chão.
- Sim, meu rapaz! Mas é justamente isso o que você esqueceu. –
retornou ele.
- De fazer escolhas?
- Não, de ter suas opiniões fundadas em seu íntimo.
- Nossa! Perdi meu tempo então?
- Não necessariamente, não perdemos algo que não existe!
- Como assim? O tempo não existe? – perguntei ficando novamente
afobado com a ideia.
- Calma! Depois eu lhe explicarei isto. Mas, voltando ao assunto,
você deixou ser levado por idiotices e momentos, não tendo nenhum
fundamento, nenhum conhecimento que lhe levaria a ter opinião formada
sobre tais assuntos. Com isso, está hoje com a mente completamente longe
e sem nenhuma diretriz a seguir. Você é o que chamamos de “Mente
Aberta, sem opinião”. Um barco “a todo pano” sem um leme.
- Mas, isso, de certa forma, é bom? Não é? – perguntei.
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- Sim, é ótimo! Mas, acho que já está na hora de começar a ter
conhecimento próprio e formular opiniões, não acha? Tomar o leme e
providenciar uma direção!
- Agora ferrou tudo! - Falei soltando a tragada.
- Sabia que iria dizer isto. Bem, vejamos em que ponto eu começo.
Você, mediante suas loucuras, que se tornaram cada vez maiores, chegou a
um ponto em que pôde aceitar quase tudo, mas sem saber o que é, e, o que
não é realidade. Este amadurecimento mental é muito complexo e torna
difícil a vida de quem é assim. Mas, precisamos esperar o tempo certo para
que entendamos o que significa tudo isso e comecemos a assimilar idéias e
fatos que acontecem diante nossos olhos.
- Meu amigo, vai devagar que o “santo é de barro”! Daqui a pouco
eu caio ao chão! – falei e ele sorriu ao espelho.
- Não se preocupe. Você aguenta! Mais à frente explicarei melhor o
porquê disso.
- Tudo bem então. Vou lhe fazer mais uma pergunta. Como irei ter
ou construir minhas opiniões?
- Ótima pergunta! Seguinte. Você já as tem, mas elas estão
deturpadas com a vida que você levou até hoje e com o decorrer do tempo
elas foram ficando cada vez mais guardadas em seus pensamentos, em seu
íntimo. Cada vez mais profundas em seu íntimo. Irei lhe mostrar o seu
passado, que fora esquecido e lhe ajudarei a entender o que lhe falta. Por
enquanto, irei lhe ajudar, quando chegarmos mais à frente, você terá que
descobrir sozinho. Muito bem, está pronto?
- Sim! – respondi jogando o cigarro na pia.
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Num rodopio brusco tudo se transformou mais uma vez. O espelho
me sugou, pois, senti meus pés sem apoio e logo me vi ao lado do meu
outro eu, dentro do que era para mim, o espelho.
- Estou dentro do espelho? – perguntei assustado olhando para
todos os lados, vendo que tudo era escuro e não pisávamos em nada.
Parecia que estávamos suspensos ao ar.
- Bem, estamos entre o espelho e o seu mundo. Digamos que,
estamos num buraco entre as dimensões.
- Isso é de assustar! Se eu contar, realmente, ninguém iria me levar
a sério.
- Com certeza! Jamais conte. Ninguém entenderia. – disse sorrindo.
O que antes era negro e sem vida, tornou-se um grande filme. Era
como se estivéssemos em uma grande sala em terceira dimensão, e em que
nela fazíamos parte do cenário do filme. Embora, as pessoas que estivessem
“atuando”, não nos viam na verdade, e, os “atores”, eram meus pais e eu
mesmo, quando pequeno.
Tudo acontecia em meu primeiro aniversário. Eu, pequenino, aos
braços de meu pai e minha mãe brincando comigo. Todos estavam
sorridentes. Não havia luxo, meus pais estavam quase que vestidos como se
fossem hippies. Havia muitas pessoas as quais desconhecia e pareciam ser
muito amigos de meus pais. Era uma família de dar gosto de tanta
felicidade. Como num pulo, já me vi com cinco anos, arteiro como eu,
dando trabalho à minha mãe. Logo também vieram os machucados, as
vontades, as birras e os tapas, ganhados de minha mãe. Também, eu
deixava a todos de cabelo em pé com as artes que fazia.
A Realidade Interna 24
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Mostrei também que podia ser muito inteligente, desde que me
interessava em algum assunto. Para os outros, aos quais não me criavam o
mesmo interesse, dava de ombros e me fazia de difícil para entender.
Na escola, quando cobrado, mostrava ser extremamente capaz,
mas, deixado de lado, dava vazão a inquietude e quando chamado à atenção
chorava como um bebê sem mamadeira. Era até engraçado de se ver.
Posteriormente, pois na época, era um sofrimento para mim.
As primeiras artes mais sérias foram aos dez anos. Foi a primeira
vez que peguei dinheiro da carteira de meu pai e comprei tudo em chiclete.
Quando meu pai descobriu, tomei uma surra de amargar e fiquei sem ver
televisão por um mês.
Até os quinze anos, mostrei-me ser entendedor das normas de
minha casa, que, eram um tanto rígidas e extremamente irreais, como assim
vejo hoje. Quando tive maturidade suficiente para sair de casa, maturidade
essa que “achava ter”, percebi o quanto os outros adolescentes eram
diferentes de mim. Invejei-os de forma errada. Comecei a perceber que
somente eu tinha horário para voltar para casa todos os dias, entre outras
coisas. Todos tinham liberdade irrestrita, e eu, não possuía isso.
As drogas começaram a fazer parte de minha vida e de meu
cotidiano. Tudo era novo para mim e descobri muitas coisas “legais” com
os meus amigos. Percebi que havia passado muito tempo dentro de casa.
Comecei, a partir daí, a desconsiderar o horário estabelecido por meu pai.
Chegava fora de hora e às vezes nem mesmo chegava. Dormia na casa de
amigos e passava dias sem voltar para casa. Isso fez com que meu pai
ficasse sem saber o que fazer.
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As discussões tornaram-se rotina e a cada dia eram mais ferozes de
minha parte. Até que numa manhã chuvosa, a discussão foi muito feia, pois
meu pai havia encontrado droga em meu quarto. Fiz questão de arrumar
minhas coisas, colocar em uma mochila às costas e uma pequena mala,
botei o violão na capa e fui saindo de casa. Minha mãe chorava
desesperadamente com seu coração de mãe moído e meu pai dizia que “se
eu saísse por aquele portão eu nunca mais voltaria a ser seu filho”. De
costas, eu parei, respirei fundo e decidi que dali para frente eu não teria
mais uma família.
Desci caminhando pela rua, sozinho. Nem sequer olhei para trás.
Meus olhos cheios de lágrimas e com um medo estampado em seu brilho.
Não tinha idéia do que iria fazer. Tudo virou uma grande incerteza e um
arrependimento de ter um orgulho tão aflorado junto com uma rebeldia
incapaz de sentir-se errado em toda aquela história. Uma lágrima escorreu
de meu olho, vendo-me naquela situação que havia esquecido ou até
mesmo apagado de minha mente.
- Vê? – disse meu outro eu. – Sua escolha levou a ser o que é hoje.
- Mas, nisso, eu não tinha escolha. – revidei enxugando a lágrima
que escorreu dispersa.
- Guarde muito bem isso que lhe direi! Em todos os momentos de
nossas vidas, temos as escolhas à nossa frente. Basta decidirmos entre
observá-las e descobrir o certo do errado ou desconsidera-las e deixarmos
nossa vida a mercê. Sem direção.
- Mas, onde estaria a escolha ali, naquela situação? – perguntei.
Ao mesmo tempo da pergunta, o meu outro eu, voltou o que seria
aquela reprodução de minha vida. Fez-me agora ver a mesma cena de outro
A Realidade Interna 26
Loucura do Espelho
ângulo de visão. Enquanto estava no portão, não olhei para meu pai. Mas,
pelo ângulo em que eu estava vendo agora, podia ver que meu pai chorava
enquanto falava aquelas duras palavras. Seria talvez seu último resquício de
uma tentativa desesperada para me fazer mudar, ou parar com minhas
atitudes de rebeldia. Era, na verdade, o seu amor e desespero tentando me
corrigir. Meu eu do passado, nem mesmo se virou, e, sem ver esta cena, foi
embora. Um aperto no peito me fez ficar com raiva de mim mesmo com
tamanha rebeldia que agora eu percebia não fazer sentido. Depois que já
não estava mais no campo de visão, meus pais se abraçaram e choraram de
angustia por ver seu único filho indo embora daquela maneira, debaixo de
uma garoa fria e fina. Mesmo assim, ainda continham uma preocupação por
mim. A mesma que eu tinha em não saber onde dormiria e onde comeria.
Em seguida tudo parou e fiquei observando a figura de meus pais
abraçados e chorando com tristeza imensa. Chorei também, não havia meio
de segurar as lágrimas. Não somente uma lágrima agora escorreu.
- Agora entende? – perguntou meu outro eu.
- Da pior maneira possível. – respondi com palavras e olhos
encharcados.
- Se apenas tivesse olhado para trás, teria mudado a sua opinião, em
que pensava que seus pais não gostavam de você, por lhe tratarem com
tanta crueldade, para você, mas, que para eles, era somente uma forma de
lhe proteger.
- Acho que nunca teria feito isso se eu visse as lágrimas no rosto de
meu pai. Meu erro foi não ver a preocupação em forma de lágrimas.
- Este foi seu primeiro erro quanto a desconsiderar as escolhas que
são apresentadas a você. Agora, você tem que saber que as opiniões estão
A Realidade Interna 27
Loucura do Espelho
intimamente ligadas não só ao que ouvimos, mas, ao que vemos também.
Temos de dar valor aos pequenos detalhes. Os detalhes constroem um
muro, ou o deixam pela metade. Os detalhes são os tijolos de uma
construção de opiniões.
- Agora eu entendo. – falei ainda cabisbaixo.
- Este é apenas o primeiro deslize ao qual voltamos. Existem
muitos outros que ainda tem que reaprender.
- Reaprender? – perguntei levantando a cabeça.
- Sim! Reaprender! Ou acha que estou lhe mostrando tudo isso por
um mero acaso? – houve um silêncio e eu o olhava. – Toda a nossa
trajetória é constituída por nossas opiniões. Mas, ao nosso caminho, temos
que aprender coisas que nos serão úteis, que serão usáveis e posteriormente,
realmente usadas! Você esqueceu-se de aprender aqui, neste momento, que,
todas as pessoas têm seus sentimentos, embora não saibam, muitas das
vezes, expressá-los de modo correto para outras pessoas. Entendeu?
- Nossa! Tudo isso é muito estranho. Mas, jamais poderia ter
pensado nisso. – falei pegando outro cigarro.
- Vamos continuar? – perguntou meu outro eu num tom de
animação.
- E tem mais? – perguntei assustado e desligando o isqueiro.
- Muito mais! Nem mesmo sabe o quanto! – disse.
Fiquei em silêncio enquanto meu outro eu sorria desdenhando,
porém, amigavelmente. Sabia que estava deixando-me apreensivo e
curioso. Como mágica ou ilusão muito bem executada, voltamos a assistir
ao filme de minha vida, vendo coisas que nem mesmo lembrava ter vivido.
Era muito interessante tudo aquilo.
A Realidade Interna 28
Loucura do Espelho
Eu descia a rua de minha casa. A chuva molhava meus cabelos e
meu rosto pingava algumas gotas. Alguns carros passavam ao meu lado e
sempre olhava para o lado, conferindo se não iriam jogar água em mim.
Vez ou outra parava debaixo de alguma marquise, olhava o tempo e
pensava que até o clima conspirava contra mim naquele dia. Por fim,
cheguei a um terminal de ônibus. Sentei-me numa cadeira e fiquei a pensar.
Sem me dar conta, falei sozinho, como que resmungando em voz alta.
- “O que faço agora? Sem dinheiro, sem casa, sem comida e sem
rumo. Ainda para completar, essa chuva parece não querer me dar trégua.”
Algumas poltronas ao meu lado um senhor de meia idade esperava
alguém, lendo um jornal. Parecia ser muito dono de si, o que não percebi
naquele dia e nem mesmo dei atenção a qual jornal ele lia. A minha visão
agora, vendo-me de fora, foi que havia feito aquilo pretensiosamente. Mas,
não. Havia sido um desabafo interno, sem qualquer pensamento de chamar
a atenção de alguém. Entretanto, como às vezes não sabemos o que as
outras pessoas pensam e interpretam de nós, o que falei deu resultado.
- Com licença meu jovem. – disse o Senhor sentado ao meu lado, a
algumas poltronas de distância. – Não sei se disse isso esperando que
alguém o ouvisse, ou esperando algo em troca, mas, funcionou. – disse ele
sorrindo mostrando seus dentes amarelados, bigode encurvado, suas rugas
de seus cinqüenta e tantos anos de idade e uma calvície modesta no alto da
cabeça.
- Desculpe meu Senhor, eu não queria perturbar sua leitura. – falei
com jeito de moleque e ele sorriu ainda mais.
- Parece que não está muito bem hoje, não é meu rapaz? Posso
sentar-me com você? – perguntou lisonjeiramente.
A Realidade Interna 29
Loucura do Espelho
Nada respondi, somente tirei o violão que estava a ocupar algumas
cadeiras ao meu lado, e o coloquei do outro lado, de forma que pudesse
abrir espaço para que se sentasse mais perto. O Senhor levantou-se
calmamente, dobrou o seu jornal e o colocou debaixo do braço. Era alto,
forte, vistoso. Trajava-se de pano muito bom pelo que pude ver. Sentado ao
meu lado notei que parecia menor do que realmente era.
- O que está acontecendo com você meu Jovem? – perguntou ele.
- Saí de casa. – respondi secamente e continuei a olhar para fora,
onde parecia contar as gotas da chuva que não desistiam de cair.
- Algum motivo especial? – perguntou ele enquanto tirava uma
cigarreira do bolso, muito “chique”, por sinal.
- Idiotice, talvez. – respondi, acompanhando com meus olhos os
seus gestos para com a cigarreira. – Poderia me dar um cigarro? –
perguntei.
- Você é muito jovem para isso meu rapaz. – disse ele com um
cigarro ao canto dos lábios rindo-se.
- Eu já fumo há algum tempo. – respondi.
Virou a cigarreira para mim de modo que eu peguei um cigarro,
logo ascendeu seu isqueiro de “bacana” e levou até perto de meu cigarro e
depois se voltou para acender o seu.
- Para onde está indo? – perguntou.
- Boa pergunta para eu mesmo me fazer. Acho que não tenho idéia,
nem mesmo alguma parada. Qualquer lugar está de bom tamanho para
mim.
Ele riu um pouco e perguntei:
A Realidade Interna 30
Loucura do Espelho
- Qual é a graça de ver um rapaz da minha idade, sentado numa
rodoviária e sem destino para tomar?
- Toda a graça do mundo! Com certeza! – respondeu ele com seu
trejeito, tragando a fumaça de seu cigarro e agora ele era quem olhava as
gotas da chuva caindo na parte de fora da rodoviária. – Estou vendo que
nos parecemos muito meu jovem. – disse ele soltando a fumaça, rindo e
intrigando-me.
- Como? – falei.
- Qual a sua idade? – perguntou.
- Dezesseis.
- Somente um ano mais velho que eu. – disse e continuou a olhar
para fora, a chuva com um sorriso leve aos lábios.
- Qual a graça? – insisti.
- Quando eu tinha quinze anos eu também saí de casa. – disse ele
inclinando-se um pouco sem virar o rosto, somente com os olhos fazia
contato comigo. - Sozinho, sem ninguém. Fiquei andando pela cidade.
Tinha muitos conhecidos de forma que não foi difícil encontrar pousada.
Eu era muito rebelde, para minha época. E minha época já está bem
distante desta realidade que temos hoje meu jovem. – disse olhando um
pouco para a chuva como se tentasse relembrar sua época. - Tomei uma
caixa de engraxate e fui ganhar dinheiro para comprar uma passagem.
Quando consegui, fui parar na cidade grande. Quinze anos, inexperiente e
com um grande sonho, ainda bem que o tempo era bem diferente de hoje. –
relembrou. - Ali estava eu, parado na rodoviária imensa daquela cidade,
sem saber o que fazer, igualzinho a você.
- E o que fez?
A Realidade Interna 31
Loucura do Espelho
- Falei alto também, contando a minha situação e um senhor achou
engraçado. Eu era pequeno, raquítico, assim como você. – disse ele e nada
pude fazer, era realmente um tanto magro. - E o homem deu-me um serviço
e um lugar para morar. Daí em diante, fiz tudo o que queria. Minha vida foi
uma loucura, uma bela loucura. – disse empolgando-se.
- Interessante. – comentei. – Pena eu não ter a mesma sorte. Nem
mesmo ter ido para cidade grande.
- Quem sabe? – disse o homem. – Às vezes você dá sorte com
alguém!
- Acho que por aqui eu não vou encontrar alguém desse tipo.
- Não se sabe, às vezes, tudo conspira contra nós, outras vezes,
conspira-se ao nosso favor.
Escutei estas palavras e levantei-me. Coloquei a mochila às costas
enquanto sentia os olhos daquele senhor me sondando.
- Aonde vai? – perguntou ele depois de observar-me.
- Vou arrumar uma caixa de engraxate. – falei. – Arrumar algum
dinheiro para ir embora daqui.
- Muito bem! É uma decisão acertada filho. Mas, e se eu lhe disser
que não precisa fazer isto?
- Como assim? – perguntei. – Acabou-me de dizer o que fazer
enquanto contava a sua vida. Acho que preciso fazer isto!
- Qual é o seu nome? – perguntou apertando os olhos.
- Me chamam de Coiote. – respondi.
- Sente-se meu rapaz. Quero lhe fazer uma proposta.
A Realidade Interna 32
Loucura do Espelho
Sentei-me colocando a mochila ao chão novamente como antes ela
estava. Fiz todos esses movimentos vagarosamente. Media a situação e o
senhor que estava à minha frente.
- Quero lhe ajudar. Gostei de seu jeito de rebelde. Vou lhe poupar
de ir para outra cidade. Gostaria de trabalhar para mim?
Fiquei um tempo ainda a observar ele e a minha sorte, como se
fosse pessoa sentada ao lado dele.
- Sim! Preciso trabalhar! – respondi. – Faria isso por mim sem ao
menos me conhecer?
- Claro! – disse ele num sorriso grandioso e paterno. - Existem
situações que estão além de nossas compreensões. Esta, é uma delas.
- Obrigado! – falei timidamente. – Não sei nem o que dizer. – falei
abaixando a cabeça.
- Não diga nada! – pausa entre a conversa. – Está bem! Tenho uma
sobrinha de sua idade que está chegando daqui a pouco. Ela está um tanto
abatida, pois, seus pais faleceram num acidente de trânsito. Minha irmã,
que é sua mãe, faleceu. Ela está sozinha e irá morar comigo, sou seu único
parente vivo. Acho que vocês podem se dar muito bem, virarem amigos.
Ela precisará de alguém da sua idade aqui em sua nova vida.
- Nossa! Realmente não compreendo por que está me ajudando
desta maneira!
- Eu já passei por muitas coisas nessa vida meu rapaz. Você não me
parece ser um “mau sujeito”, somente está um pouco desatento a sua
própria vida e desatento entre as ações de um mero adolescente, mas, o
tempo, ah! Esse cura qualquer ferida. Até rebeldia! – disse rindo-se.
A Realidade Interna 33
Loucura do Espelho
Fiquei em meu profundo silêncio e pensei muito a respeito de tudo,
inclusive das boas palavras faladas pelo homem. Achei um tanto estranho,
mas, logo percebi que em seu rosto havia uma expressão facial muito
segura de si. Senhor de si. Fiquei mais tranquilo, pois realmente precisava
de uma ajuda daquelas e pensando bem, até mesmo parecia que já o
conhecia. Coisas de nossa mente.
- Estamos conversando há um bom tempo e eu nem mesmo sei o
seu nome. – falei.
- Francisco Fagundes. Pode chamar-me de Fagundes. É assim que
todos me conhecem. – respondeu. – Bem, esse é o ônibus. – disse
levantando-se.
Fiquei esperando um bom tempo, ali mesmo onde estava. Uma
garota ruiva desceu do ônibus, correu e abraçou o tio, derramando algumas
lágrimas. Esses momentos são realmente aflitivos para mim e fiquei quieto
em meu canto, não o conhecia e muito menos sua sobrinha para estar ao
meio dos dois num momento tão difícil. Mas, compreendo que seria uma
época difícil para ela e para ele também. Algum tempo depois, a garota
pegou sua mala e Fagundes a puxou pela mão. Vieram ao meu encontro.
Seus olhos vermelhos e algumas lágrimas transformaram seus olhos
castanhos claros em dois vitrais mostrando o reflexo, até então
desconhecido da própria rodoviária, agora, com ar de alguma arte. Um
nariz fino condizia com seus lábios delicados, porém bem desenhados e até
certo ponto carnudos e proporcionais.
- Renata. Este é o filho de um amigo meu. – disse ele dando uma
piscadela para mim, já montando um “álibi” acaso sua sobrinha quisesse
perguntar de onde eu havia surgido. - Vou-lhe dar um emprego na fábrica e
A Realidade Interna 34
Loucura do Espelho
arrumar um apartamento de um dos meus prédios. Espero que se dêem
bem. – disse pegando as malas da sobrinha.
Cumprimentei-a com a cabeça e fui correspondido pela mesma
maneira. A timidez e as lágrimas em seus olhos me comoveram, bem como
também me encantaram. Ficamos nos olhando por um tempo, enquanto
Fagundes ia à frente levando a mala de Renata. Após isso, peguei minhas
coisas e carreguei meus pertences, sempre atrás dos dois. Chegando ao
carro do Sr. Fagundes, pude perceber que não se tratava de pessoas simples.
Tinham posses, e muitas, pois o carro importado dava mostras de que
levavam uma vida extremamente luxuosa. Abriu o porta-malas e colocou as
coisas de Renata e as minhas também. Levei meu violão comigo, pois era a
coisa mais valiosa que julgava ter na época.
Depois de um tanto andar pelas ruas da cidade debaixo de uma
garoa fina e sem ao menos uma palavra dita dentro do carro, chegamos a
um condomínio de luxo. Eram casas com requintes indiscutíveis e nesse
momento foi que percebi onde estava. Parecia não estar na mesma
realidade, parecia estar em outra cidade.
- Bem Coiote. Hoje ficará conosco e amanhã bem cedo irei levá-lo
a Fábrica. Lhe mostrarei o seu serviço. Por enquanto, será meu convidado e
jantará e dormirá em minha casa. Tudo bem? – perguntou ele em tom
paternal.
Parou assim seu carro diante da casa mais luxuosa da rua, quisá, do
condomínio! Descemos do carro e eu admirei aquele lugar, tão diferente da
realidade a qual morava. Anestesiado com tanta beleza, mesmo debaixo de
chuva, fiquei parado observando aquela linda construção com um jardim
magnificamente trabalhado e ornamentado. Não havia sido feito sem
A Realidade Interna 35
Loucura do Espelho
alguém especializado para executar ornamentos em jardins, pois assim se
mostrou.
Renata suspirou profundamente ao olhar aquele paraíso, que para
ela já era um tanto familiar e com algumas lembranças.
- Boas recordações me vêm quando chego a sua casa tio. – disse ela
abraçando-se novamente ao tio deixando uma lágrima escorrer pela face e
deixando-me um pouco mais deslocado.
- Bom, crianças! - disse amistosamente chamando mais a minha
atenção do que a de Renata. – Vamos entrar, podemos pegar um resfriado
nesta chuvinha gelada. – disse ele se encolhendo em seu paletó e
esfregando as mãos.
Algumas pessoas que trabalhavam para Sr. Fagundes vieram e
pegaram nossas coisas. Assim que entramos, uma senhora, nitidamente
emocionada, veio abraçar a Renata. Era uma senhora baixa e protuberante.
Aparentava ter mais ou menos os seus sessenta anos de idade, mas, era bem
viva em seu olhar e gesticulações.
- Minha querida! – disse ela abrindo os braços e abraçando o corpo
miúdo de Renata diante do seu.
- Abigail. – disse a voz forte do Sr. Fagundes. – Apronte mais um
quarto de hóspedes para o nosso amigo Coiote. Irá pernoitar aqui.
Abigail soltou Renata e pôs seus olhos miúdos por cima dos óculos
a fim de me inspecionar, mas, de um jeito simples e maternal. Eu não
estava vestido como eles. Era um mero garoto de família simples e estava
com roupas bem surradas. Meu rosto também estava surrado, por golpes de
rebeldia dados por mim mesmo.
- Sim Sr. Fagundes. – disse ela olhando para mim.
A Realidade Interna 36
Loucura do Espelho
Fui levado para o quarto e não era diferente da casa inteira. Era
muito luxuoso e bem ornado. O banheiro do quarto em que estava, parecia
maior do que o quarto que eu tinha em minha casa. Na verdade, parecia ser
maior que a casa inteira onde vivia com meus pais. Tentei não ficar
estaqueado com tudo aquilo, mas, simplesmente, era impossível. Tomei um
banho quente ao qual me fez nascer novamente. Nunca havia sentido tal
prazer tomando um simples banho. Logo que estava pronto, Abigail bateu a
porta do quarto onde estava.
- Venha Coiote. O jantar já está servido. – disse a voz ecoando no
comprido corredor do andar superior da mansão.
Desci com a ânsia de querer comer um búfalo. Tamanha era a
fome. Mas, não contava com aquela comida estranha que fora trazida e
colocada à minha frente. Mesmo sem saber se iria gostar, fiquei
imaginando quantos pratos daquele teria que comer para me sentir
satisfeito. Tão pequena era a porção, que talvez, fosse para uma criança de
alguns meses de idade! Renata desceu sorridente e disse que havia ligado
para sua melhor amiga e que já estava com saudades de tudo por lá. Sentou-
se em sua cadeira de frente para mim e seu tio estava ao seu lado esquerdo,
olhou para o prato que já estava posto a sua frente e fez uma cara de
espanto e ao mesmo tempo de repugnância.
- Tio? – disse ela pegando e mostrando o prato para Fagundes que
já havia dado algumas garfadas. – O que é isso?
- Sabia que não iriam gostar. – disse olhando ironicamente para ela
e depois para mim, vendo que eu ainda não tinha juntado coragem para
experimentar.
A Realidade Interna 37
Loucura do Espelho
- Você vai comer isso Coiote? – perguntou Renata ainda com a
mesma cara de repugnância.
- Se eu soubesse o que é isso talvez eu até experimentasse, mas eu
nunca vi isso na minha frente. Nem por televisão! – falei olhando para o
prato tentando entender o que seria aquela comida estranha arrancando
gargalhadas dos dois sem perceber.
- Tudo bem então. Vamos pedir pizza! – respondeu Fagundes
levantando-se da cadeira e fazendo a felicidade minha e de Renata.
A Realidade Interna 38
Loucura do Espelho
Tomada de movimento assim que me virei também para frente, o
filme de minha vida voltou a movimentar-se. Estávamos todos em uma sala
de TV. Assistíamos a um filme que nem fiz questão de prestar atenção.
Deitados ao grande sofá diante da tela que mais parecia um cinema de tão
grande e luxuosa, mesmo para a época, nem mesmo percebi que Renata
estava agora feliz por estar ali. Nascia ali um aconchego familiar. Mas, no
dia, nem mesmo entendi tudo aquilo.
Fomos dormir, pude ver agora que consegui ter uma bela noite de
sono. No outro dia, Abigail, a governanta da casa de Fagundes, foi-me
chamar bem cedo. Disse que eu iria conhecer meu apartamento num dos
prédios de Fagundes.
Logo que arrumei meus pertences, desci. Coloquei as mochilas e o
violão ao canto da grande sala. Fui até a copa, onde encontrei a materna
governanta Abigail. Já estava servindo Sr. Fagundes, ao qual estava
comendo um pedaço de pão e fez-me sentar à cadeira apenas com um
gesto.
Sentei-me a mesa e tomei café comendo junto algumas bolachas
deliciosas as quais nunca havia provado. Alguns minutos depois, Renata
desceu e sentou-se alegre ao meu lado. Deu bom dia ao tio e pegou algumas
bolachas. Fagundes terminou de tomar seu desjejum e esperou-me terminar.
Sr. Fagundes tirou do bolso algumas notas e deu para Renata e disse que
era para comprar algumas coisas que achasse necessário. O valor daquelas
notas e a quantidade delas me deixaram um tanto constrangido. Logo
descemos, eu e o Sr. Fagundes.
Saímos da casa de Fagundes. Eu deixei aquele lugar luxuoso e
sabia que seria muito improvável que voltasse ali novamente,
A Realidade Interna 39
Loucura do Espelho
nostalgicamente olhei para trás e nunca mais voltei àquele local. Mesmo
assim, agradecia intimamente a bela e agradável noite que passei ali. No
caminho, fiquei a lembrar das coisas que aconteceram e vi a distância da
desigualdade a qual eu pertencia em relação à Renata. Descobri aí o
desinteresse em ser amigo dela, pensando que eu sendo pobre, nunca teria
assunto em comum com ela.
- Bom Coiote. – disse o Sr. Fagundes. – Vou lhe mostrar o seu
serviço em uma das minhas fábricas.
Fomos então para a Fábrica de tecido, na qual, logicamente,
produzia diversos tipos de tecidos. Senhor Fagundes mostrou-me o
funcionamento de toda a linha de produção como se fosse à coisa mais
maravilhosa do mundo, o que não achei a primeira vista e não pude
perceber isto no dia, quando ainda era um moleque, mas, agora, vendo tudo
novamente, pude ver que Senhor Fagundes tinha ao mesmo tempo amor e
profunda realização por tudo aquilo. Ao final, mostrou-me os diferentes
tipos de tecidos depois de prontos e ainda me fez ter uma aula de qualidade
de tecido. Era realmente a sua paixão, pois o quanto sabia me deixava
desnorteado. Explicou-me também que aquilo era enviado como matéria
prima para confecções de grifes famosas. O meu serviço, como me
mostrou, era anotar quantos metros de tecidos foram feitos pelas máquinas
e tomar os pontos, que eram as assinaturas dos funcionários. Havia então a
troca de turnos às seis da manhã e às seis da tarde. Neste meio tempo, eu
podia fazer o que quisesse.
Disse-me ainda que meu salário seria descontado durante três
meses, para que pagasse as coisas que estavam dentro de meu apartamento,
ao qual, não seria de graça, obviamente. Mas, teria o necessário em
A Realidade Interna 40
Loucura do Espelho
alimento para este período. Depois disso, o salário seria meu e o aluguel
seria descontado direto da folha de pagamento. Um tanto cômodo para
mim, claro.
Saímos da empresa e fomos para o prédio. Chegando, o porteiro foi
avisado que teria um novo locatário do apartamento e trabalharia na mesma
empresa que ele, de forma que mesmo em serviços completamente
diferentes, iríamos ser amigos de trabalho e funcionários da mesma
empresa. Subimos em seguida e paramos no sétimo andar. Andamos por
alguns metros saindo do elevador e chegamos ao apartamento que seria o
meu. Setenta e sete. Fagundes abriu a porta do apartamento e me fez entrar
primeiro. À minha frente havia um tapete ao chão, verde, que cobria quase
toda a extensão da sala. Ao lado do tapete, a um canto, um pequeno som
portátil que me serviria muito. Na cozinha havia a pia pequena, uma
geladeira pequena e um fogão. Havia duas cadeiras e uma mesa de bar
também, daquelas de metal, a qual já disse estar lá. No quarto, um colchão
ao chão sobre o carpete e alguns pregos na parede que serviriam de cabide.
- Não é muita coisa, mas pra você, que nem sabia onde iria dormir,
acho que já está de bom tamanho. – disse Fagundes com a mão à cintura e
um sorriso largo nos lábios.
- Não tenho como agradecer Sr. Fagundes. – falei emocionado. –
Nunca irei esquecer tudo o que está fazendo por mim.
A Realidade Interna 41
Loucura do Espelho
- Por que será que ele fez isso por você, hein?
- É uma ótima pergunta que somente naquele dia eu me fiz. – falei.
- Nem pensou o que ela achou de você?
- Pensei. Mas, àquela hora em que Fagundes deu a Renata aquela
quantidade de dinheiro, suficiente para pagar a compra mensal de minha
família e ainda mais, para gastar com futilidades, eu logo percebi que ela
não seria para mim. – respondi.
- Estes são os opostos que deve prestar mais atenção. Nem tudo que
vemos pode ser levado tão seriamente. Ela estava acostumada com aquilo,
você não. As pessoas têm muito mais do que apenas uma aparência externa.
Todas as pessoas, embora às vezes pensássemos que não, têm seus valores
escondidos no fundo de sua alma. Até mesmo as pessoas que achamos que
não estão nem aí para a vida, têm seus momentos de tristeza, seus valores e
assim por diante. Somos seres humanos, assim sendo, somos frágeis. E o
que acontece com você, acontece com todos os que estão classificados
dentro desta categoria de “raça humana”. Claro que muitas pessoas
escondem seus verdadeiros sentimentos, pois acham que devem se mostrar
fortes, sempre. Mas, bem, não estou aqui para lhe falar de psicologia,
embora este assunto esteja inteiramente ligado com nosso interior.
Assim que terminou de dizer estas palavras, voltei ao normal e vi
que estava novamente em meu banheiro. Vi-me ainda ao espelho e meu
outro eu disse:
- Bem Coiote, já são quinze para as seis da tarde. Acho que precisa
ir cumprir o seu papel na Fábrica, não é?
- Sim, é verdade. – disse. – Quando eu voltar ainda estará por aí?
- Se você quiser que sim, estarei. – esmaeceu-se.
A Realidade Interna 42
Loucura do Espelho
Peguei meu maço de cigarros e desci do jeito que estava. Nunca
havia me preocupado com roupas. Passei pelo porteiro o cumprimentando
assim como fazia há anos e rumei para meu serviço, sempre pensando no
que estava acontecendo comigo. Tive a impressão de estar sendo seguido.
Talvez por mim mesmo. À beira da loucura. Andava pela rua soltando
fumaça e olhando para os lados com sensações difíceis de serem descritas.
Cheguei ao serviço na Fábrica. Já fazia um bom tempo em que eu
trabalhava ali e havia feito muitas amizades com os funcionários e sempre
me cumprimentavam alegremente. Fiz meu serviço normalmente enquanto
escurecia uma noite bonita, fria, de lua bem feita e em um céu límpido e
estrelado.
Acabei de fazer o que era de minha incumbência e saí da Fábrica.
Não queria voltar para o meu apartamento, de forma que fui andar um
pouco. Sentei-me no banco de uma praça no centro da cidade e comecei a
olhar tudo com outros olhos. A realidade estava um tanto estranha para
mim, estava com uma cor de ilusão, ou de sonho. Decidi voltar para casa
depois de algumas horas, uma lata de cerveja e um tanto de idéias
mirabolantes e sem nenhuma conexão.
Chegando a casa, peguei um dos meus cigarros prontos e ascendi
sentado ao meu colchão. Alguns minutos depois, me lembrei do espelho e
fui até ele, ao banheiro. Olhei novamente o espelho e meu reflexo aos
poucos fora se modificando.
- Você voltou meu caro! – disse meu outro eu.
- Tenho algumas perguntas a fazer. – falei incrédulo.
- Pois então! Vamos tentar achar as suas respostas! – disse ele
confiante.
A Realidade Interna 43
Loucura do Espelho
- Depois que saí do serviço, minha realidade estava um tanto
diferente, dispersa. Parecia que eu estava dentro de meus sonhos. O que
vem a ser isso?
- Nossa! Você já consegue diferenciar? – se surpreendeu e me
perguntou o outro eu.
- Como? Não entendo? Diferenciar o que?
- Realidades, ora! Bem, de qualquer forma, acho que você está indo
depressa demais.
- Depressa demais? O que significa isto? – perguntei já esquecendo
a antiga pergunta e ficando um pouco atônito visto ter mudado
completamente o assunto.
- Deixe-me ver como explicar esta questão. – disse ele olhando
para baixo e coçando a cabeça. - Temos realidades diferentes no mundo e
em nossas cabeças, digo, nossas mentes. As escolhas, novamente, são
responsáveis por essas realidades. De acordo com uma escolha pode-se ter
uma realidade, ou, uma mudança de realidade. Mas, voltando a sua
pergunta anterior, essa mudança de coloração realística, para uma coloração
onírica, mostra que sua mente está se modificando, pois, agora, está tendo
mudanças de opiniões. Não é todo dia que conversamos com nossos
reflexos ao espelho e com outra personalidade. Não é verdade? Por isso,
tudo tende a mudar dentro e fora de você.
- Então, hoje, como estou lhe vendo e conversando com você, toda
a minha realidade está mudando? – perguntei um tanto absorto.
- Sim! Em resumo, isto é o que está acontecendo. A nossa mente é
uma máquina superpoderosa e ainda não a conhecemos. Esta frase é o que
A Realidade Interna 44
Loucura do Espelho
dá a percepção de que podemos muitas coisas que nem mesmo ainda
conseguimos imaginar! Nossa mente é fantástica!
- Mas, eu achei estranho. Tudo estava diferente do que eu
costumava ver. Mesmo com a mente entorpecida pela bebida, tudo estava
colorido de uma forma diferente, como se já esperasse que as coisas fossem
assim.
- Você está mudando internamente. O que achava antes ser real se
tornará ilusão. E a ilusão tornará uma nova parte da sua realidade.
- Ei! Espera um minuto aí camarada! – falei olhando ao espelho. –
Agora você pirou? Está ficando louco e me deixando também! Como o que
é real pode virar ilusão, e, a ilusão pode virar uma nova parte da minha
realidade?
- Eis o nosso problema. Não seria irrealidade de sua mente
conversar consigo mesmo olhando ao espelho e ainda mais, se o seu
próprio reflexo tomasse outra personalidade?
- É. – pausa e fiquei a analisar o que ele disse. - Faz muito sentido
isto que me disse. – falei ainda pensando em sua explicação.
- Com isso chegamos ao ponto em que a realidade virou ilusão e a
ilusão virou realidade, pois isso está acontecendo com você neste exato
momento e não podemos negar que isto até parece insano. Não é verdade?
- Isto está ficando assustador demais para mim. – falei rindo.
- Assustador é ver onde sua mente é capaz de chegar! Esta primeira
visão de que a realidade que você achava ser verdadeira está modificando-
se, é prova de que sua mente é mais rápida do que achávamos que era! Está
nos surpreendendo! Enquanto muitos que fazem esta experiência de
conhecimento interno demoram de quinze a quarenta dias para entender
A Realidade Interna 45
Loucura do Espelho
que não era loucura e conseguir concentrar diante do espelho, você
demorou apenas algumas horas! E poucas horas na verdade.
- Espere um minuto? Isto o que está acontecendo comigo também
acontece com outras pessoas? – perguntei novamente sem ao menos
perceber que saíamos e voltamos várias vezes do assunto.
- Sim! A cada momento! Mas, cada mente anda de acordo com sua
capacidade de entender suas próprias realidades, ou melhor, suas realidades
internas. Cada um é um universo à parte. – respondeu ele. – Mas, agora,
voltemos ao nosso “filme”. Faltam ainda muitas coisas para serem vistas.
A Realidade Interna 46
Loucura do Espelho
quase o corpo todo. O apartamento estava de acordo com que um garoto de
dezesseis anos gostaria de ter.
Os três meses se passaram e neste intervalo fiquei em casa.
Aproveitava para ficar fumando e escutando música. De vez em quando
pegava algum livro para ler, coisas como psicologia ou neuro-linguística,
coisas deste ramo. Quando terminou o período, no quarto mês, recebi meu
primeiro salário e voltei à rotina de sair. Tratei de encontrar meus amigos.
Fui encontrar com eles em uma praça, a qual sempre estavam. Muitos
começaram a me perguntar por que havia eu sumido daquele jeito.
Expliquei que estava trabalhando e que tive um tempo em meu apartamento
pensando em besteiras e viagens engraçadas.
- O que está rolando por aí? – perguntei com aquele jeito de
moleque de dezesseis anos, o que, vendo-se, causa certo espanto.
- Vai rolar uma festa daquelas que não podemos perder! Festa
Eletrônica na casa do Carlinhos! Você vai, não é Coiote? – Falou
Marquinho e toda a galera olhou para mim.
Havia mais ou menos umas dez pessoas, entre garotas e rapazes
alguns conversavam entre si, outros escutavam música no fone de ouvido e
outros ainda tocavam violão. Era uma turma legal, todos tinham seus
pensamentos insanos de vez em quando.
- É. Vou sim. Faz muito tempo que não saio por aí. Tenho que ir
nesta festa. Arejar a cabeça do cubículo em que moro.
- Legal! – retrucou Marquinho pegando em minha mão e fazendo
um estalo alto. – Vamos comprar algumas bebidas pra chapar a mente!
Era ainda muito cedo para a festa, de forma que fomos matar o
tempo, matando algumas garrafas de Vodka, como era de nosso costume
A Realidade Interna 47
Loucura do Espelho
beber. Ficamos fora de nossas percepções, alguns cigarros fizeram com que
nossas mentes despertassem para o que poderia ser a pura irrealidade.
Chegando à hora da festa, todos, inclusive eu, estávamos completamente
bêbados. Por várias vezes tentei acender um cigarro, mas sempre acendia
ao lado contrário, caia na risada em seguida e até mesmo esquecia que
queria fumar.
Chegamos à porta da festa e havia muitas pessoas ali. O som da
festa estava alto o suficiente para que da esquina pudesse ser ouvida as
batidas graves da música eletrônica, com isso fiquei um tanto alto. As
batidas do bumbo hipnotizavam-me, grave como elas, eu, longe de minhas
condições normais, dava cada passo em conformidade com a música.
Achava que escutando aquela música poderia eu voar, e, pelo que me
contaram depois, acho que consegui planar, pelo menos em pensamento.
Quando entrei na casa, vi que estava repleta de pessoas e minha
mente estava alucinada, talvez, longe do que poderia ser a realidade
daquele simples momento ‘festil’. Entrei junto com Marquinhos e no meio
da escuridão esfumaçada, com a ajuda sonora, fiquei perdido ao meio de
todos. A música mais uma vez forçou um colapso e fui envolvido num
transe. Parecia estar em um ritual indígena ao qual eu fazia parte e era o
prato principal. Queriam pegar-me e assar na chama de uma fogueira.
Fogueira essa, existente somente em minha mente. As pessoas olhavam-me
e as luzes especiais, colocadas para dar um efeito a mais às músicas
eletrônicas, fizeram com que minha viagem fosse quase real. Ao meio da
multidão tive um grande susto. Vi meu próprio rosto a alguns metros de
distância de mim, ao meio da multidão, completamente estático. Joguei-me
A Realidade Interna 48
Loucura do Espelho
ao chão com medo de ter-me visto. Neste momento Marquinho me achou
caído ao chão num canto da festa e me pôs de pé.
- Segura a onda Coiote! Nunca foi de pirar e vai começar a viajar
agora? Segura a onda Maluco!
- Cara? Você viu? – falei assustado.
- Vi o “que” cara? Está ficando louco? É melhor tu te controlar,
tem muita gente olhando para você!
Olhei para um lado e para outro. Tentei procurar-me novamente.
Olhei para Marquinho e este estava com cara de quem não estava gostando
da minha piração. Peguei meus cigarros e acendi um.
- Vou tomar um ar lá fora. – falei e sai.
Andando em volta das pessoas tentei achar caminho para sair.
Cheguei até o portão e algo me fez parar e olhar para trás e novamente me
vi. Estava agora mais nítido, pois havia luz e não era aquela escuridão de
dentro da casa onde rolava a festa. A casa, por si só, já era grande e na parte
de fora da casa, também era de uma proporção cinematográfica. A minha
visão de mim mesmo agora era totalmente fora da realidade. Senti o arrepio
entrar pelos pés e, num segundo, subir e descer mais de trinta vezes o meu
corpo até a cabeça. Em questão de segundo, olhei para o lado tentando ver
se alguém estava vendo o mesmo que eu. Em seguida, a visão de mim
mesmo desapareceu. Foi neste momento em que pensei que estava louco.
Não louco de bebida e drogas, mas louco, louco de ir para o sanatório.
Corri para casa e naquele dia não consegui dormir.
O “filme”, parou. Voltei ao meu banheiro.
A Realidade Interna 49
Loucura do Espelho
- Você foi longe demais naquele dia. – disse meu outro eu ao ver
que estava chocado com o que havia visto.
- Era você, não era? – perguntei espantado.
- Sim. Era. – disse calmamente.
- Por que quis assustar-me daquele jeito? – perguntei.
- Bom, foi neste dia que provamos que sua mente pode ir mais
longe do que a mente comum das outras pessoas. – disse em bom tom.
- Deu nó! Agora eu não entendi “patavina” nenhuma! – falei.
- Neste dia, sua mente saiu vagando pela ilusão. – dizia ele. - O
consumo exagerado de bebida alcoólica relacionada às drogas, fez com que
você chegasse muito longe, quase que num desligamento completo. Com
isso, você estava entrando numa realidade paralela. O seu corpo
entorpecido fez com que sua mente ficasse mais ágil, embora possa parecer
um tanto contraditório. Eu estava ali para lhe ajudar a voltar ao normal.
Nunca pensaríamos que você pudesse me enxergar. Mas, como já disse, sua
mente nos consegue surpreender.
- Então, existem diversas realidades paralelas? – perguntei tentando
entender sua explicação.
- Sim! Existem diversas realidades paralelas! As quais não
podemos simplesmente visitar e ficar por isso mesmo! Uma mente que faz
este tipo de transição, pode nunca mais voltar a sua realidade natural.
- E eu consegui visitar uma realidade paralela?
- Sim, conseguiu. Pra lhe ser sincero, agora você está visitando uma
realidade paralela. Mas, neste momento, você está pronto para entendê-la.
Não entraria “ao espelho” se sua mente não pudesse conceber.
A Realidade Interna 50
Loucura do Espelho
Fiz silencio por um minuto. As respostas de meu outro eu, estavam
começando a me perturbar de forma assustadora. Depois que vi toda aquela
cena novamente e agora por um novo ângulo de visão, pude perceber que
todo aquele local de nada me interessou. Eu realmente estava vendo tudo de
forma destorcida e não entendia nada que as pessoas falavam. Comecei a
lembrar agora fora da visão, que eu tinha um sério problema de me
“desligar” em algumas determinadas situações. Estar sempre mais distante
que o normal quando estava sobre o efeito das drogas e do álcool. Além da
dor de cabeça tremenda da ressaca, sempre havia um efeito moral também
no outro dia, o de nunca se lembrar destas coisas que aconteciam comigo e
outras pessoas vinham até mim para contar-me o que eu havia feito. Era um
tanto constrangedor.
- Mas, aconteceu muito mais do que viu naquela festa. – disse meu
outro eu interrompendo minha profunda reflexão e fazendo-me olhar ao
espelho novamente. – Você perdeu mais detalhes desta vez.
- Mais detalhes?
- Sim! Mais detalhes que construiriam uma opinião, foram
deixados para trás. E estes podiam mudar, talvez, a perspectiva do que faria
dali para frente.
- O que foi que deixei para trás?
- Olhe por você mesmo. Vou deixar-lhe andar pela sua lembrança.
Todo o caminho que fez, irá fazer novamente.
A Realidade Interna 51
Loucura do Espelho
lado de onde parei Renata, a sobrinha de Fagundes, meu ajudador, estava
parada no portão da festa. Tentava de todas as maneiras chamar minha
atenção e eu desapercebendo àquele detalhe. Renata vendo-me numa
situação deplorável, tresloucado, encharcado em banho de vodka, logo me
deixou em paz. Coisa que para mim nem fora percebido no dia em que tudo
aconteceu. Vendo isso agora, causou-me espanto.
Tudo parou e voltei ao meu banheiro.
- É. Nisso você tem razão! Deixei um muro inteiro para trás, não
foi só um tijolo! – falei.
- Você deixou uma vida passar, jogando fora o que poderia ser o
começo de um grande amor.
- Nunca imaginei que Renata fosse uma pessoa que gostasse de
festas deste tipo. – falei.
- Renata é mais interessante do que você possa imaginar! – disse
ele surpreendendo-me por ele saber de quem tratava e ainda saber detalhes
sobre sua vida. - Terá uma nova chance, se sair bem... Logo poderá
conhecê-la melhor, de uma forma que irá espantar-se com ela.
- Assim espero. Não posso dar uma de louco novamente. – disse
isso e ri envergonhado acendendo outro cigarro.
- Bem. Acho que hoje é só isso. Devo dizer-lhe que você nos
surpreende. Sua mente permanece intacta quanto à velocidade de
raciocínio, mesmo enquanto está se vendo ao espelho. É fato
impressionante. Acho que devo aprender outras coisas contigo. – disse meu
outro eu.
- Sempre temos que dizer que não sabemos de tudo. E é melhor
dizer que não se sabe, do que provar o que realmente sabe-se. – falei.
A Realidade Interna 52
Loucura do Espelho
- Belas palavras! – disse ele. – Agora, tente dormir, refrescar a
mente um pouco é necessário. Amanhã poderemos conversar um pouco
mais. Peço-lhe então para que descubra sozinho o que se esqueceu de
aprender e agarre em pensamento. Amanhã conversaremos.
A Realidade Interna 53
Loucura do Espelho
passando. Sua mente já está aberta o bastante para conseguir diferenciar
ilusão e realidade. Ou, diversas realidades.
- Mas, diga-me, o que quer? Se apareceu dentro de meu sonho,
acho que é para me ensinar alguma coisa, não é?
- Não necessariamente. Disse a você para que descansasse.
Somente passei por aqui para dizer-lhe, que pelo sonho, podemos também
encontrar respostas. Quando comandamos o que acontece nos nossos
sonhos, podemos entender porque determinadas coisas acontecem e
possivelmente acontecerão.
- Então, você está me dizendo que pelos meus sonhos, posso ver
meu passado, assim como me vejo ao espelho? – perguntei entusiasmado.
- Sim. Pode se enxergar ainda mais! – exclamou. – Pode-se usar de
outras formas e assim ver o que você poderia ter feito. O resultado de outra
ação pode ser obtido. E, com estas possibilidades, podemos ter a ação que
quisermos, bastando controlar o que queremos sonhar. É um tanto difícil ao
tentarmos de início, mas, depois, acostumamos com que podemos fazer.
Em outras religiões, e filosofias de vida, isto é chamado de “Cordão de
Prata”, desligamento do corpo e assim outras formas existem para explicar
isto.
- O que vem a ser isto? – perguntei.
- É isto o que está fazendo agora! – exclamou.
Pude perceber que neste instante, estávamos em algum lugar que
parecia um vazio, todo pintado de branco. Quando andávamos o eco do
barulho do salto do sapato era muito profundo, embora, não pisássemos em
nada concreto. A voz ecoava como se fosse uma concha acústica sem fim.
A Realidade Interna 54
Loucura do Espelho
- Eis a questão garoto. Estamos longe do que poderia ser a
realidade. Estamos num plano astral. – sua voz ecoava. - Somos seres que
vivemos em uma dimensão, real e concreta, assim é como todos pensam.
Mas, esta é uma realidade que poucos conseguem enxergar e entendê-la.
Passamos por ela todos os dias enquanto estamos querendo dormir e
quando vamos acordar na manhã seguinte. Isto é o que outras pessoas
dizem como um desligamento do corpo e o espírito e este plano espiritual,
vaga há uma dimensão superior ao da terceira dimensão a que vivemos. –
ficou um pouco em silêncio para que eu pudesse acompanhar seu
raciocínio. - Assim, preso o espírito ao corpo por um cordão espiritual da
tonalidade prata, é chamada por esse nome. Cordão de Prata ou viagem
astral. Você pode encontrar isto em vários livros sobre budismo,
espiritismo, ocultismo e por outros escritores que dizem saber o que se trata
a espiritualização.
- Isto é muito interessante. – comentei vagarosamente e observando
o local onde estávamos.
- Sim. Mas, mais interessante ainda é observar que há tempos,
você, é possuidor do dom desta viagem astral, como mencionei antes,
cordão de prata. Como disse também, são poucos que conseguem viajar
astralmente e quando conseguem muitos não se recordam do que fizeram,
falaram ou ouviram. Acordam, depois pensando que fora mais um de seus
sonhos comuns e que não dão valor algum a eles. – deu-se outro silêncio
para ele ver se eu estava o acompanhando. – Acredita que muitas pessoas,
milhões, sequer sabem controlar seus sonhos? Quisá se lembrar deles no
dia seguinte! Não imaginam que suas mentes, ligada ao espírito, poderiam
tê-los levados para outros lugares do universo em outra dimensão.
A Realidade Interna 55
Loucura do Espelho
- É muito para minha mente. – falei.
- Não! Isto é só o princípio! Começará a ver isto com mais
freqüência e verá que é tão simples como tomar um elevador para um andar
superior ou inferior, ou tomar uma escada rolante que lhe conduz ao andar
superior de um estabelecimento qualquer.
- Surpreendente! – falei parando para digerir o entendimento. –
Então, estou tendo agora uma viagem astral?
- Sim! Bem-vindo ao mundo do qual realmente viemos! – disse ele
se curvando como se fosse ele um súdito dando boas vindas ao rei.
A minha volta tudo continuava branco. Uma sensação de paz
interior, se posso dizer, que já estou interiormente em um todo e que me
livrei de meu corpo moribundo afetado pelas imperfeições e pelo cansaço.
- Agora Coiote, eu irei embora e o deixarei sozinho em seus
pensamentos. Observe o que pode controlar, este será um bom teste para
que consiga soltar todo o seu potencial mental e espiritual. O controle desta
viagem irá mostrar o quanto pode aprender. Rápido, ou, vagarosamente.
Mas, já está mais do que provado que seu potencial é de quem pode
aprender muito mais rápido do que podíamos e o que você pode imaginar.
- Mas, o que devo fazer nesta imensidão branca? – perguntei
inocentemente.
- Veja por si só o que pode fazer! Tente! – disse andando um pouco
mais para o fundo, se é que existe profundidade ali, e foi aos poucos
desaparecendo.
A Realidade Interna 56
Loucura do Espelho
desesperado ao mesmo tempo somente deu ar de passar em mim e logo não
senti mais isso. A paz voltou e senti que estava em harmonia. Tudo o que
jamais pensei acontecer comigo, sim, estava acontecendo realmente. Todas
as matérias interessantes que havia lido a respeito de viagem astral, naquele
momento, não me ajudaram de nada. Eram todas praticamente obsoletas.
Comecei a pensar nas coisas que haviam acontecido até ali. Aquela
imensidão tornou-se parte da minha vida antiga e que eu já havia vivido e
observado ao espelho. Vi meu pai chorando e eu sem virar para olhá-lo e
indo embora. Depois, as cenas foram andando mais rápido e parou quando
as cenas começaram a me chamar a atenção. Era o dia da festa em que me
vi pela primeira vez. As cenas eram nítidas como se eu estivesse vendo ao
vivo. Até mesmo sentia o cheiro das bebidas e da fumaça dos cigarros que
as pessoas soltavam. Isto sim era uma das viagens mais estranhas e, ao
mesmo tempo, interessantes que já pude ter.
A Realidade Interna 57
Loucura do Espelho
totalmente diferente. Abriu a porta do seu carro e enquanto descia já gritava
pelo meu nome.
- Coiote! Bem que meu tio disse que você estava do mesmo jeito! E
vejo que disse a verdade! – Disse ela sorrindo e vindo até mim com os
braços aberto pedindo um abraço.
No tempo real, ou seja, no presente e fora do espelho, Renata e eu
havíamos ficado muito amigos, embora não nos víamos com tanta
freqüência, pois ela fazia faculdade em outra cidade. Somente nos
encontrávamos nas festas em que íamos, o que não era sempre também. Às
vezes eu estava muito distante de tanto beber e fumar, outras vezes ela
estava com algum acompanhante e assim os nossos encontros eram
basicamente “oi, tudo bem?”. Na verdade, sempre foram meros
desencontros.
Suas palavras me deixaram um pouco constrangido, por estar do
“mesmo jeito”, pensei que poderia estar estagnado no tempo, mas depois de
refletir nos pequenos segundos em que estivemos abraçados, vi que era
muito bom estar do mesmo jeito, pelo menos exteriormente, mas dentro,
havia acontecido e ainda estava acontecendo, uma revolução imensa.
- Nossa, Coiote! Você nunca me abraçou deste jeito. – houve um
silêncio. – Como você está? – perguntou olhando para mim de cima em
baixo.
- Como você mesma disse, estou do mesmo jeito. – falei abrindo os
braços e dando um giro em torno de mim mesmo como se estivesse vendo
como estava. – E você? Como está?
- Vou bem! Agora vou trabalhar com meu tio! Não é legal? – disse
sorridente.
A Realidade Interna 58
Loucura do Espelho
- Sério? Legal! Iremos nos ver sempre então?
- Pois é. O tio Fagundes pediu para que eu melhorasse o
rendimento da fábrica. Espero que eu consiga.
- Vai conseguir sim. Você é muito inteligente. E ainda mais, você
estudou para saber fazer isto, não é verdade? – falei convencendo-a.
- Obrigada! Você também é muito inteligente. Dá pra se notar em
seus olhos. Mas, agora eu preciso subir. Passe lá em cima no escritório
qualquer hora. Quem sabe me ajuda?
- Sim, passarei. – respondi.
Renata foi andando do estacionamento até a entrada do escritório.
Fiquei a observá-la e seu jeito de andar cativou-me. Antes, uma menina.
Agora, uma mulher. Era de uma doçura seu olhar e até em seu jeito de
andar. Ainda mais, vi que havia se tornado uma mulher magnífica. Seu
perfume ficou em meu corpo e meu rosto, e, chegando à porta virou-se,
acenou balançando a mão ao ar em sinal de despedida.
Aquela cena ficou gravada em minha mente enquanto trabalhava.
Meu trabalho era pouco, logo foi encerrado e enquanto eu estava ali parado,
conversando com os amigos da fábrica, senti alguém me observando lá de
cima, da janela do escritório superior. Era uma grande janela que começava
logo depois de um metro de cada lado das paredes laterais. Trinta por cento
da janela era de uma só sala, que, nesta ocasião, estava escura e fechada,
sendo a sala do Sr. Fagundes. Os setenta por cento de janela eram divididos
entre a sala de Renata e a dos outros funcionários que trabalhavam no
escritório da Fábrica. Vi então o rosto de Renata observando-me lá de cima.
Acenou e sorriu rapidamente e voltou ao seu serviço.
A Realidade Interna 59
Loucura do Espelho
Saí do trabalho e fui direto para meu apartamento. Enquanto
andava, meu pensamento estava onde Renata talvez estivesse. Este
reencontro me proporcionou lembranças e uma satisfação inimagináveis.
Quando escutei que teria outra chance com ela, através de meu outro eu, e
pedi realmente que acontecesse, não imaginei que seria tão rápido assim!
Entrando em meu apartamento, fui surpreendido pela voz de meu outro eu.
- Olá! – disse ele do banheiro enquanto passava e fui obrigado a dar
um passo para trás.
- Você? – falei vendo-o na “janela” que na verdade era o espelho. –
Ainda bem que está aí! Quero lhe perguntar.
- Então pergunte! – exclamou ele enquanto parava à porta do
banheiro.
- Se esquecemos de aprender o que tínhamos que aprender, o que
temos que fazer para ter este aprendizado, quando tomamos consciência de
que o esquecemos?
- Esta sim é uma ótima pergunta! – respondeu ele. – Mas, vejamos.
Quando vamos à escola, aprendemos a matéria que o professor nos explica,
certo?
- Sim, copiamos a matéria e temos a explicação. – dei de ombros.
- Pois bem, quando o aluno falta em alguma aula deste professor
ele perde a explicação resumida, que é mais fácil para que os alunos
entendam. Embora, o aluno possa copiar a matéria de algum colega seu,
posteriormente.
- Sim, mas perdeu a explicação. – falei mostrando que já havia
entendido.
A Realidade Interna 60
Loucura do Espelho
- Isso mesmo! Então, este aluno não irá ter a explicação correta de
forma que terá que aprender sozinho esta matéria. E é isso o que está
acontecendo contigo agora Coiote. Você perdeu a aula e agora terá que
aprender sozinho! – disse ele.
- Interessante. Bom, hoje eu encontrei com Renata. – falei.
- Sim, eu sei. – disse.
- Como assim você sabe?
- Existem muitas coisas que você ainda não sabe sobre mim. – disse
ele balançando o dedo em forma negativa.
- Então me explique! – questionei. – Gostaria de entender o que
está acontecendo comigo! Já é um tanto difícil estar sozinho e conversar
comigo mesmo, não acha?
- Tudo bem Coiote, vou lhe explicar. Sente-se.
Olhei ao banheiro e não vi nada em que pudesse sentar-me. Vi que
podia então abaixar a tampa do vaso sanitário e fechar a porta do banheiro e
ter o espelho maior para ver meu outro eu. Assim o fiz. Neste espelho pude
ver melhor meu outro eu, quase que corpo inteiro.
- Algumas pessoas sentem medo demasiado em ter uma loucura,
mas, mal sabem que todos vivem numa extrema loucura dia-a-dia. – disse
categoricamente. – Não de forma literal, mas se prestarmos a devida
atenção, este mundo se torna uma loucura generalizada. Pessoas correm
desesperadas atrás de dinheiro para comprar artefatos de luxo, outras
correm desesperadamente catando as sobras dos ricos, para somente se
alimentarem. Tudo isso é uma grande loucura. Tudo chega a ser uma
tremenda ilusão! Todos deveriam ser felizes e ter o que gostariam de ter.
As riquezas do mundo são praticamente infinitas, pois elas se renovam, ou
A Realidade Interna 61
Loucura do Espelho
assim era o que deveria acontecer. – disse perdendo um pouco a sua
verdade. – Mas, não é a grande maioria que tem esta capacidade de ver o
mundo desta maneira. Embora todos podem vê-la, muitos não querem
acreditar. Embora vejam, não o vivem. Com isso, a loucura que era para ser
normal, torna-se insanidade. E ainda existem pessoas que se desligam desta
forma de realidade e estão assim aptas a ver a verdadeira realidade. Muitos
ainda dizem: “Quero viver meus sonhos, pois, são as minhas verdades”.
- Está me confundindo. Está dizendo que a realidade é uma
loucura? – perguntei.
- Sim! Esta é a resposta! Isto é o que está acontecendo com você, é
apenas ilusão?
- Às vezes parece. Mas, às vezes parece uma forte realidade! –
falei.
- Por isso estou aqui. Para você, esta é sua realidade! O que para
outros é uma pura ilusão, para você é um pedaço da sua realidade!
- É algo de deixar cabelo em pé! – falei.
- Sim, é verdade. A sua realidade passou do ponto da loucura e
agora elas se misturam sem que você fique perturbado. Já se acostumou
com essas, digamos, “viagens”. E sabe lidar com elas com proeza, o que
seria difícil para outras pessoas.
- Já me acostumei com a loucura de minha mente? – perguntei a
mim mesmo.
- Isso é o que chamamos de “Linha da Loucura”.
- Linha da loucura? – espantei-me.
- Vou lhe explicar. Imagine que temos uma linha que nos separa a
realidade, da loucura ou ilusão. Nós estamos acostumados a separar estas
A Realidade Interna 62
Loucura do Espelho
duas “coisas”, de realidades. Digo realidade, pois, a loucura também é uma
realidade. Um tanto quanto exótica, posso dizer, mas, é uma realidade. Pois
bem, quando alguém nos diz que viu um “fantasma”, dizemos logo que isto
está fora da realidade, porém, da nossa realidade. Mas, nós não sabemos a
que ponto esta pessoa acha normal o que vê. – continuei olhando para ele,
incrível o que estava acontecendo e também a explicação. - Se estivermos
acostumados com coisas totalmente irreais, sabemos que nossa linha da
realidade está um pouco mais distante do que a maioria das pessoas, por
isso, muitos acreditam em fantasmas e outros não! A linha da loucura da
maioria está intacta, no mesmo lugar! Não crêem em coisas deste tipo. Mas,
você, por sempre fazer com que sua mente “viaje”, fez com que sua mente
levasse a linha da loucura para extremos jamais antes considerados! Você
pode acreditar que um fantasma pode conversar contigo! Se não, eu não
estaria aqui!
- Você então é um fantasma? – perguntei assustado.
- Não, mas não é normal alguém conversar com ele mesmo ao
espelho e este ainda com uma personalidade diferente da sua, não acha?
- Sim, é um tanto estranho, como eu mesmo já disse.
- Então! – continuou ele. - Esta linha da loucura, quanto mais
adiante estiver, mais a pessoa poderá ver coisas irreais e pensar que são
reais. Pois, na verdade, todas as coisas que são vistas, são reais, mas
algumas pessoas disseram, um dia, que tudo isso eram somente loucuras de
nossas mentes. Criação de nossa mente. A mente não é louca, é
incompreendida por ser grande demais. Ou seja, o que sua mente cria, se
torna real! – disse terminando de forma espetacular.
A Realidade Interna 63
Loucura do Espelho
- Então esta linha da loucura é que irá dizer quanto estou avançado
mentalmente? – perguntei.
- Bingo! Está aí a resposta! Mas, ainda temos outra linha que anda
junto com a linha da loucura. – disse ele me espantando mais uma vez. - É
a linha do Medo. Se a pessoa tem medo do que pode pensar, então a linha
da loucura fica completamente estagnada e com isso não obtêm nenhum
avanço mental. E o que difere o medo de um medo de segurança é o que
cada um acha possível ou não que aconteça. Bem, se você acha que eu
posso estar aqui a ensinar-te, então acho que você está muito longe com
suas linhas, tanto da loucura quanto a do medo.
- Agora eu tenho certeza de que estou realmente longe da realidade
de muitos. – falei.
- Sim, é uma mente quase que desligada da realidade. Você acha
tudo isso muito normal, embora às vezes confunda com o que é a sua
realidade, com a realidade dos outros. Este é o seu maior e único problema.
- Como assim? – perguntei.
- A sua realidade não é igual à de outras pessoas. Você é mais
interior, enquanto as pessoas são exteriores. Bem, você é mais mental,
enquanto as pessoas ao seu redor são materiais, terrenas, não espirituais
como você. Entendeu?
Acendi um cigarro. Mesmo sendo algo material para lhe causar
prazer. Fiquei olhando para o espelho enquanto soltava a fumaça e do outro
lado não vi o reflexo da fumaça. A minha imaginação era realmente muito
grande.
A Realidade Interna 64
Loucura do Espelho
- Então, é tudo muito simples? – perguntei. – Quanto mais eu levar
a linha do medo para longe, mais eu terei levado a linha da loucura para o
horizonte e tudo será possível?
- Sim, mas, deverá ter extremo cuidado! A linha do medo serve
para duas coisas. Para lhe mostrar onde está o seu início e seu fim. E para
que não caia na ilusão de uma mente, fazendo-o que nunca mais volte a
diferenciar as realidades. Em miúdos, ela serve de parapeito para que não
caia no abismo da irrealidade e ali fique preso.
- Então ter medo é bom? – indaguei.
- Sim! Logicamente é o instinto que mais nos protege! Sem sombra
de dúvidas! Assegura-lhe que não irá ficar vivendo em algo que não existe.
- Então, pelo jeito, temos várias, inúmeras realidades? – perguntei.
- Bingo! Não entendo como você pode ser assim tão capaz de pegar
as respostas no ar e com tanta facilidade! – pausa e soltei a fumaça ao ar
com um sorriso no canto dos lábios. – Existem diversas realidades. Eu
mesmo sou de uma realidade bem distante desta que você vive. Existem
ainda dimensões em que as pessoas são diferentes em estilo, personalidade,
e tantas outras diferenças. Existem realidades passadas e futuras. Existem
até mesmo realidades distintas dentro de nossas mentes. Mas, por enquanto,
você não precisa saber destas coisas, embora você possa entender
perfeitamente. Vamos voltar à questão da sua realidade. Você viu Renata, e
como ela estava? – disse ele como um maestro, mudando a vibração de
nossa conversa.
- Linda! Quase fiquei sem respirar quando a vi. – falei mostrando
felicidade.
A Realidade Interna 65
Loucura do Espelho
- Realmente ela ficou muito bonita! Tornou-se uma mulher de
beleza inconfundível. E o que você acha? – perguntou ele.
- Não sei. O que deveria achar? – falei sem sentido.
- Bem Coiote, você não encontrava com ela há muito tempo, não é?
- Sim, fazia um bom tempo. – falei olhando para o chão, tentando
imaginar a última vez que encontramos.
- Como te tratou?
- Sempre fora educadíssima, quase nobre. – falei lembrando.
- Pois é. E o seu olhar?
- Como assim o seu olhar? – perguntei.
- O olhar mostra o que sentimos Coiote. Você já deveria saber, ou,
se lembrar disto.
- Sim, eu sei! Mas, como iria saber, depois de tanto tempo sem a
encontrar? Talvez pudesse estar diferente em seu olhar. Quando
amadurecemos, isso muda muito. Então, temos que ter calma para entender
um olhar. – respondi.
- Isso mesmo Coiote. Você ainda consegue surpreender. Mas, e
agora? O que pensa em fazer?
- Não sei! O que deveria fazer?
- Isto eu não posso lhe responder. Cabe a você e somente você
achar o que deverá fazer. Mas, não se preocupe! Você terá que achar a
resposta antes e esta resposta lhe ajudará a entender tudo.
- Você às vezes atrapalha ao invés de ajudar-me. – falei.
- Nem tudo cai como chuva meu rapaz, nem brota do chão, nos é
dado pelo ar, ou desaparece com o fogo. Temos que aprender a achar.
Temos que aprender a cavar e finalmente, a criar.
A Realidade Interna 66
Loucura do Espelho
- Mas Coiote? – perguntei e me surpreendi por tê-lo chamado pelo
meu nome, achando assim um tanto estranho. – Se tivermos que voltar a
aprender o que esquecemos, isto prova que deveria acontecer de outro
modo, então, seria justo pensar que tudo o que aconteceu depois de um
primeiro esquecimento seria diferente! Não seria assim?
- Está certo Coiote. – disse ele respondendo e usando também o
meu nome. – Tudo ao nosso redor tende a mudar diante as nossas escolhas,
e isto é fato! Mas, depois que deixamos passar uma escolha significativa,
tudo tende a ser realmente diferente. Mas, não podemos imaginar qual será
o fim disto, pois tudo é feito como uma reação em cadeia. Não podemos
sequer imaginar quando foi à primeira escolha errada que fizemos. Não
temos registro disto, nem ao menos alguém em outra realidade pode nos
dizer. É algo totalmente diferente. Mágico.
- Então, as coisas poderiam sim, serem diferentes do que estão? –
perguntei.
- Lógico! Como eu disse, tudo tende a mudar diante de uma
escolha! Um bom exemplo disto é quando entramos num ônibus. Até
entrarmos dentro dele, estamos na realidade da plataforma de embarque,
certo?
- Sim, esta é a realidade do momento. – falei compreendendo onde
ele queria chegar.
- A partir do momento que o ônibus segue seu rumo, nossa
realidade é ver que estamos parados dentro do transporte e nos levando a
uma nova realidade. Esta nova realidade é uma nova cidade, um novo ar,
novos companheiros e assim por diante. Se escolhermos então pegar um
novo ônibus para outro destino qualquer, estaremos mudando novamente o
A Realidade Interna 67
Loucura do Espelho
que iria ser a nossa realidade! Física! – disse meu outro eu e em seguida
riu.
- Entendi! As escolhas são semelhantes a ônibus. Cada um nos leva
a diferentes lugares, ou a diferentes possibilidades.
- Sim, isso é a lógica mais banal que poderia ter-lhe dito e
compreendeu perfeitamente! – disse tentando banalizar as escolhas.
- Tudo é tão simples, mas, ao mesmo tempo é tudo tão cheio de
mistérios. Será isso o que dá a sensação de prazer em viver? – perguntei.
- Sim Coiote! São os pequenos detalhes que nos fazem sorrir ou
chorar. Mas, agora, tenho que ir embora novamente. Você já tem muito o
que pensar. Quando resolver estes pequenos problemas, eu voltarei, com
algumas novas lições surpreendentes. – disse ele.
- Surpreendentes? – falei. – Você quer me deixar maluco de
hospício! A linha da loucura nem existe mais!
- Não se preocupe amigo! – disse ele rindo descontraído. – Você
aguenta estas loucuras. Somente não se preocupe, pois, as respostas,
encontrarão lugar dentro desta sua mente fértil.
Logo que terminou suas palavras, desapareceu. Restou somente o
meu velho rosto novamente estampado ao espelho. Olhos vermelhos
mostravam a loucura do dia anterior. Com sono e bem cansado de tanto
pensar, resolvi dormir antes do almoço. Beirava-se às dez horas da manhã e
havia tempo de sobra para isso.
A Realidade Interna 68
Loucura do Espelho
meu almoço. Liguei a pequena TV e fiquei escutando notícias do mundo
inteiro. Terremotos, furacões, secas, enchentes. Os alimentos ficando cada
vez mais caros e em proporções alarmantes. Fome tomando conta de países
pobres e regiões pobres dos países ricos, se tornando cada vez maiores. E
tudo isso que pode ser visto, é fruto de nossas próprias mãos terrenas.
Cheguei a pensar que o planeta estava uma bagunça, assim como a minha
cozinha, mas lógico, em proporções consideráveis. Até encontrar as panelas
e preparar o alimento demorou um pouco.
Logo consegui almoçar. À tarde, recostei-me e fiquei analisando o
que teria que aprender naquelas situações que havia visto.
Primeiro, as pequenas coisas que eu havia esquecido em aprender,
era, na verdade o maior de todos, sendo o de dar valor aos pequenos
detalhes. Quando saí da casa de meu pai, não olhei para trás e minha
decisão seria diferente hoje do que a de quando tudo aquilo ocorreu. Daí
seria, talvez, o início de tudo. Se houvesse parado e simplesmente olhado
para meu pai, descobriria que o amor tem faces diferentes. Quer dizer, o
amor, pode chegar ao desespero de se falar algo severo a fim de tentar
corrigir uma situação.
O amor é uma faca de milhões de gumes, não somente de dois,
pois, pode ser sincero, como pode ser possessivo e causar dor e morte. O
amor pode ser doentio, ou perder a razão, como aconteceu com meu pai.
Mas, fica uma pergunta em tudo isso. Será que teria que acontecer
daquele jeito? Ou será que as coisas seriam do mesmo jeito no futuro?
Enquanto acendia um cigarro e soltava a fumaça, o tempo passava
e eu, em meus devaneios longínquos, tentava entender o que é o amor.
A Realidade Interna 69
Loucura do Espelho
- Bem. – exclamei sozinho sentado ao meu tapete verde. – O amor
pode ser de várias maneiras. Pode chorar, pode rir, pode matar e pode
também criar. Ainda não sabemos qual amor é o verdadeiro. Existe o amor
de pai, de mãe, de irmãos, de amigos, de namorados e casados. Mas, a
questão é ainda maior. – parei e fiquei a pensar. – Amar é padecer. Amar é
crescer. Amar é destruir para criar. Sim! Destruir! Destruir para criar!
Destruir um jeito de ser para criar um novo, melhor. Isto foi o que
aconteceu. Destruiu meu estilo de vida naquele momento e vim parar onde
aqui estou hoje! Conheci o Sr. Fagundes e tantas outras pessoas, inclusive
Renata! Se eu virasse para trás eu teria visto as lágrimas de meu pai, mas
talvez não estivesse vivendo desta maneira que estou hoje! – pausa. –
Incrível! Eu descobri! O Amor é o princípio de tudo! O encontro com
Renata na porta da festa, também poderia ter sido o começo de algum amor.
Vendo como ela me olhava, talvez tivesse algum sentimento por mim. Ou
talvez pudesse ser mais fácil aparecer algum nobre sentimento.
Falando sozinho, eu descobri o que estava dentro de mim. Lembrei
o que deveria ter aprendido naquela época.
A Realidade Interna 70
Loucura do Espelho
Terminei de fumar e saí de casa para dar uma volta antes de ir
trabalhar. Fui sentar-me em uma praça para ver o movimento. Não
demorou muito e um de meus amigos chegou e sentou-se comigo. Falamos
algumas coisas sobre bandas de Rock e assim por diante, logo me disse:
- Pô Coiote! Tão dizendo aí que você está usando drogas pesadas
cara! Não cai nessa não! Depois você se deixa levar e não sai mais.
- Não é bem assim Fábio. O Marquinho que lhe disse, não é?
- É cara. Não dá pra esconder e ele, assim como eu e muitos outros,
estamos preocupados contigo.
- Não é verdade Fábio. – falei sério.
- Então por que ele iria inventar aquilo tudo o que aconteceu? –
perguntou ele sério também.
- Bem, aquilo que ele deve ter falado, que eu fiquei algum tempo
no banheiro, é verdade, realmente aconteceu.
- Então? – disse Fábio.
- Mas, não que eu esteja usando drogas pesadas! Longe disto!
Estou até pensando em parar de fumar maconha, pra falar a verdade. – falei
rindo e descontraindo um pouco.
- Sério? Então o que está acontecendo com você? – perguntou ele
agora interessado.
- Olha Fábio, eu não sei como explicar de uma forma que você não
me ache louco.
- Tente explicar, quem sabe eu entendo! – disse rindo.
- Bom, eu estou tendo uma viagem interna, conversando comigo
mesmo. Conhecendo-me. Sabe do que estou falando?
A Realidade Interna 71
Loucura do Espelho
- Ei! Isto é muito bom! Mas, parece que não está lhe fazendo bem.
Está com cara de quem não dorme, não come. Acho que você está querendo
nos enganar. – disse ele olhando para os lados, como se estivesse
procurando por alguém. - Coiote. – continuou agora olhando para mim. -
Pare com estas drogas pesadas e não comece a dizer que não está usando-
as. Você parece que nem se cuida mais. Se você precisar de ajuda, pode
contar com qualquer um dos seus amigos. Todos estão preocupados com
você. Bom, agora eu preciso ir. Qualquer coisa, se precisar de ajuda, conte
conosco. Até mais e se cuida meu velho! – disse ele levantando-se e indo
embora como se eu fosse um louco desvairado.
Fiquei ali sentado e comecei a rir sozinho. Ninguém acreditaria
mesmo que eu estou muito bem. Mas, minha aparência está um pouco
“quebrada” mesmo. Meus olhos estão cansados e minha barba malcuidada
mostra o quanto a preguiça me contaminou. Minhas roupas desbotadas
confundiam-se com meu cabelo azul, também desbotado. Ri sozinho ainda
mais. Meu interior, não condiz com minha imagem exterior. Algo teria que
mudar.
Fui trabalhar com um sorriso no rosto, embora também parecesse
desbotado. Cheguei as cinco para as seis. Renata estava descendo e me viu
entrar. Fez sinal que a esperasse. Parei e fiquei-a esperando.
- Olá Coiote!
- Oi Renata. – deu-se o estalo do beijo de cumprimento ao rosto.
- O que vai fazer hoje? – perguntou.
- Bem, depois do trabalho, acho que nada. Por quê? – respondi.
- Acho que vou ao boteco tomar alguns chopes com amigos, por
que não aparece? – disse ela.
A Realidade Interna 72
Loucura do Espelho
- Bem, quem sabe? Não é um convite ruim. – respondi coçando a
cabeça e pensando. - Tudo bem então. Qual é o barzinho? – terminei
concordando.
- Aquele que a gente costumava ir, lembra?
- Sim, lembro. – falei.
- Depois das nove por estaremos lá! Até mais! – disse ela e dirigiu-
se ao seu carro.
Um sentimento de impotência me bateu como num nocaute. Ela
estava num carro muito bonito e muito novo. Eu, hoje, estava como
sempre, a pé. A distância entre nós era tão grande, que pareceu nem mesmo
existir. Parei de pensar em besteiras e fui fazer o que me era incumbido. E
tudo correu como era para ser. Terminado o meu serviço, às seis e meia da
tarde, parei à cozinha da fábrica para tomar café e lá estavam alguns dos
empregados da empresa.
- E aí Coiote? Já se arrumou com a sobrinha do Sr. Fagundes?
Linda e Rica. – disse Cézar, um daqueles empregados que nos fazem rir o
tempo todo, sempre alto-astral.
- É cara! – disse. – Está muito longe de mim. Sou um mero
empregado e ela é a única sobrinha do patrão! E mais, tudo isso aqui será
dela um dia!
- Você está se subestimando! Nós já notamos como ela lhe olha.
Diferente de todos que ela põe os olhos. “Se liga” rapaz, está perdendo o
“caminhão da sorte”! – disse ele com alguns sorrisos dos outros
funcionários ali.
- Caminhão da Sorte? – perguntei agora me interessando pelo que
havia ouvido.
A Realidade Interna 73
Loucura do Espelho
- Sim! Por que não? – disse ele e ficou em silêncio como se
quisesse que eu pensasse no que havia dito. – Caminhão da Sorte! – disse
novamente agora chegando mais perto e falando sussurrado.
Começou a despedir-se de todos, o que os alimentou em seu desejo
de partirem para suas casas. Todos foram embora, e eu, fiquei sozinho
pensando naquilo que ele havia dito.
A Realidade Interna 74
Loucura do Espelho
- Você tem certeza? – perguntou ele.
- Não. Estou sentindo que vai ser assim. – falei.
- Interessante. – disse de dentro do banheiro.
- Bom. Estou pronto. O que acha?
Estava com uma calça azul escura, um pouco desbotada em seu
estilo, mas era nova e uma camisa preta. O cabelo azul estava bem
penteado, ou melhor, bem jogado, pois nunca penteava o cabelo.
- Está muito bem. – disse ele inclinando-se para frente para ver a
parte de baixo. Era um tanto estranho, parecia que ele queria sair do
espelho.
- Então, estou indo. – disse.
- Não Coiote! Espere. – assim parei à porta do banheiro. – O que se
esqueceu de aprender? Já entendeu?
- Sim! – sorri. - Eu precisava diferenciar as qualidades do amor. E
ainda mais, ver que tudo se origina do amor!
- Isso mesmo. Conseguiu resumir de uma forma correta e sucinta.
Está absolutamente certo! Tudo se origina do amor. – pausa. - Agora vá e
faça o melhor quando estiver pronto!
- Até mais. – despedi-me.
A Realidade Interna 75
Loucura do Espelho
- Ei! Coiote! – disse Marquinhos vindo até mim.
- Cara, como vai? Tenho que lhe pedir desculpas. – falei.
- Não cara! Precisa não! Relaxa! Vamos beber com a gente? –
apontou e mostrou a galera que estava esperando, entre eles estavam alguns
que eu já conhecia e mais uns quatro que nunca havia visto.
- Onde está indo? – perguntei.
- Na Fábrica abandonada.
- Bom, acho que vou com vocês!
Tomei a decisão certa naquele dia. Tinha certeza que não seria
interessante em ir até ao bar e ser somente mais um numa grande mesa
onde tantos assuntos seriam ditos e não tendo nenhuma chance de
conversar calmamente com Renata.
- Beleza! Aí galera! – gritou ele virando-se para os demais. – O
nosso velho amigo Coiote irá nos acompanhar nesta noite!
Alguns dos que eu já conhecia gritaram meu nome e vieram me
cumprimentar, aos outros, somente acenei para que me vissem e
conhecessem.
Pensei em Renata. Mas nada fiz. Imaginei que ela poderia ter
sentido que não iria aceitar o convite naquela noite.
Fizemos as vaquinhas, tão válidas para comprar os artefatos
etílicos. Depois que tudo já estava pronto, partimos para a antiga Fábrica.
Primeiro. passávamos por toda a extensão da cidade, cortando bairros e
depois entrávamos numa estradinha de terra. Andávamos cerca de meia
hora até chegar ao local. A única amiga de nossos passos ao escuro era a
lua, que nesta noite nos presenteou estando cheia e reluzente. As estrelas
completavam a noite com seus pingos também reluzentes.
A Realidade Interna 76
Loucura do Espelho
Chegamos lá e logo fizemos com que as regras se cumprissem.
Toda vez que alguém chegava com a galera pela primeira vez, era
incumbido de procurar lenha. Até as garotas que vinham pela primeira vez
faziam isto. A fogueira foi acesa e ficou um lugar claro para que
pudéssemos começar a beber. Logo as garrafas de vodka, vinho e
refrigerante foram aparecendo.
O ritual para quem frequentasse este local pela primeira vez era de
virar uma dose de vodka e dar um trago no cigarro enrolado. Claro, que não
eram “obrigados” a fazer isto, somente se quisesse fazer esta experiência.
Fui eu a pessoa mais velha que ficou com os garotos que estavam
ali pela primeira vez. Coloquei um copo de vodka para cada um. Acendi o
cigarro e puxei o quanto podia e segurei. Passei para o segundo e assim foi-
se passando. Quando chegou a mim novamente soltei a fumaça e os outros
fizeram o mesmo. Demos o gole no copo. Depois de algum tempo é que se
vê o resultado. Os “novatos”, ficaram completamente fora da realidade, um
ria sem parar, o outro não conseguia ficar de pé, só ficou sentado e o outro
dormiu. A garota, ainda conseguiu trocar algumas palavras comigo, mas,
logo entrou em uma viagem que me assustou.
- Você tem irmão gêmeo? – perguntou ela.
- Não! Por quê? – perguntei assustado.
- Acho que vi alguém parecido com você. Ai. Acho que vou
vomitar. – disse e se deitou ao chão.
Marquinhos que estava por ali e sempre a me observar, viu que os
novatos estavam se acostumando com o chão daquele lugar e decidiu vir
ate mim para conversar.
- E aí Coiote? Como está? – disse sentando-se perto de mim.
A Realidade Interna 77
Loucura do Espelho
Estávamos numa laje da construção. Atrás de nós via-se a fábrica
inteira destelhada. Como se estivéssemos no escritório que em sua
construção estava mais alta que a fábrica, porém, na altura do solo, a
fábrica por si estava um nível abaixo. Era uma construção legal, muito
interessante. Ali, naquele lugar, havia um pouco de telhado e havia algumas
poltronas surradas, que nós mesmos guardávamos debaixo de onde ainda
estava coberto para que não molhassem e assim ficássemos sem cadeira
para sentar.
- Bem Marquinhos. – respondi. – Muito bem!
- Pois é. As crianças caíram cedo hoje, hein? – disse rindo.
- Sim. Não aguentaram desta vez. – falei rindo e tomando mais um
gole de vodka.
- Mas, e você? Acho que precisa me contar muitas coisas não é
meu velho? – disse ele.
- Bom, não sei nem por onde começar. – pausa para acender um
cigarro e Marquinho também acendeu um dos dele. – Acho que estou
aprendendo algumas coisas comigo mesmo e acho que tenho que
amadurecer. Preciso crescer na vida, já estou ficando para trás. – fiquei em
silêncio olhando em direção contrária, às luzes da cidade. - Por isso, às
vezes, - falei calmamente. - estou tendo alguns momentos para que eu
possa ficar sozinho. Aquele dia lá em casa, eu não estava usando drogas
pesadas, estava somente me vendo ao espelho. Acho que é difícil explicar,
mas, é muito interessante. Estou amadurecendo Marquinhos. – falei sem
perceber.
A Realidade Interna 78
Loucura do Espelho
- Bom, então está explicado. Vou confiar em tua palavra. Acho que
você tem que amadurecer mesmo. – disse ele colocando a mão em meu
ombro. – Mas, e agora? Vamos fumar mais um?
- Demorou! – falei.
Acendemos mais um cigarro enrolado e continuamos a beber.
Depois de muito tempo decidi ir embora. Já era mais de meia-noite.
Despedi das pessoas que ficaram ali e fui embora. No meio do caminho, caí
e rolei um pouco na terra, estava pisando alto e por ser cheio de pedras
pequenas, devo ter escorregado em alguma. Cheguei em meu apartamento
sujo e bêbado.
- Meu Deus! – disse meu outro eu. – Você está bem? –perguntou
ele.
- Acho que estou bêbado. – falei um pouco arrastado e ri.
- Bem, então acho melhor você se deitar e dormir um bocado.
- É bem interessante isso que disse. – falei já caindo na cama.
No outro dia acordei cedo e fiz um café bem forte. Fiquei olhando a
bagunça em meu quarto, cozinha, banheiro e sala. Estava realmente dando
nojo de estar ali, vendo tudo daquela maneira. Decidi que quando chegasse
do serviço na parte da manhã iria arrumar tudo e deixar um pouco melhor
aquela casa. Mesmo estando com um pouco de ressaca, e, infelizmente
nestas horas, a preguiça acaba falando mais alto.
Fui então para o serviço. Fiz o que era de meu costume e obrigação
fazer. Olhei para cima, aos escritórios e lá estava Renata. O Sr. Fagundes
ainda não havia chegado de viagem. Subi as escadas e fui dar um “oi” a ela.
- Olá? Como vai Renata?
A Realidade Interna 79
Loucura do Espelho
- Oi Coiote! – disse ela estendendo a mão para cumprimentar-me.
- Bem, passei para desculpar-me por não ter ido ontem ao barzinho
com vocês.
- Tudo bem. Fiquei um pouco chateada, mas não teria sido muito
legal mesmo. Os meus amigos só ficaram falando de faculdade.
Relembrando histórias e isso vem acontecendo sempre que nos
encontramos. Eu não aguento mais isso!
- Então, podemos marcar para outro dia? – perguntei.
- Agora eu não sei quando Coiote. Está tudo muito complicado
aqui. – disse ela com cara triste e se sentindo pressionada com tantos
papéis.
- Acho que você agora precisa de mim, não é? – falei brincando.
- Sim! – disse ela com cara de piedade mostrando que eu estava
certo em meu pensamento. – Eu não conheço muito de tecido. Acho que
você sabe um pouco mais, não sabe?
- Bom. Eu trabalho aqui há alguns anos. Sei alguma coisa sobre
tecido. – falei. – O que precisa?
- Eu preciso achar novos compradores, pois queremos aumentar a
fábrica e precisamos de novos clientes! – disse ela atrapalhada com os
papéis em cima de sua mesa. – Acho que havia alguns telefones aqui.
- Renata! – falei fazendo-a parar de mexer em sua mesa e dar-me
atenção. – Você está vendo o que está precisando aqui?
- Bom, acho que se refere a uma boa arrumação, não é? – disse ela
sentindo-se envergonhada.
A Realidade Interna 80
Loucura do Espelho
- Isso mesmo, mas não somente em sua mesa. Hoje em dia é a era
da informática. Precisa informatizar os setores. – falei ainda em pé com as
mãos uma a cada poltrona de frente para Renata.
- Verdade Coiote! Acho que seria uma solução, antes mesmo de
aumentar a Fábrica! Como eu não pude ter uma idéia dessas? – disse ela
para si mesma. – Não lhe desmerecendo Coiote.
- Bem, mas é a pura verdade!
- Mas Coiote? Você sabe alguma coisa de informática? –
perguntou.
- Sim, sei um pouco. Fiz um curso básico quando tinha uns treze
anos, e daí para cá eu sempre arrumei alguns computadores de amigos
meus.
- Então está perfeito! – exclamou. – Vou falar com meu tio assim
que ele chegar para falar desta sua inovação para a Fábrica. Você quer que
eu fale com ele, não quer?
- Bom, isto foi muito rápido, nem sei por que saiu esta idéia. Mas,
acho que vai ser legal falar com o Sr. Fagundes. – falei meio
desconcertado.
- Pois é Coiote! Eu sempre disse e meu tio sempre concordava.
Você é um cara diferente e muito inteligente, mas, sempre canalizava sua
inteligência para coisas nem tão importantes assim. – falou ela olhando
dentro de meus olhos fazendo com que ficasse estagnado com tamanho
olhar.
- Bom, então acho que vou embora e depois você me conta o que
seu tio achou a respeito desta idéia. – falei esticando a mão para despedir de
Renata, cortando o papo sério que tinha saído.
A Realidade Interna 81
Loucura do Espelho
- Tudo bem Coiote. Agradeço pela idéia, acho que realmente eu
errei em não pensar nisso antes, mas, agradeço por pensar por mim!
Ela realmente ficou um tanto feliz em eu ter dado uma idéia
daquelas, realmente era uma forma de estruturar melhor a empresa que já
há muito tempo não havia tido melhorias. Saí dali não mais entendendo a
mim mesmo. Jamais havia parado para pensar em questões de escritório,
embora soubesse o funcionamento de um computador. Mas, como se fosse
num estalo, disse aquilo para Renata, e não mais, foi uma idéia das
melhores possíveis. Realmente, Renata, por ter estudado e acabado de se
formar em Administração de Empresas, deveria ter pensado nesta
possibilidade de querer melhorar a empresa primeiramente informatizando-
a. Mas, que sorte a minha de ter tido aquele ímpeto de Administrador, antes
dela.
Cheguei em meu apartamento e quando abri a porta tomei um
grande susto. Havia barulho de música tocando e pratos e panelas batendo-
se na pia da cozinha, atrás da parede. Fiquei atônito, estagnado à porta.
Meus pés não queriam entrar e ver o que estava acontecendo dentro de
minha cozinha. A torneira foi fechada e um prato fora colocado de bruços a
um canto da pia a qual podia eu ver um de seus cantos. O pano foi pego em
cima da mesa e somente o rosto apareceu. Era meu outro eu.
- Olá Coiote. Como foi no serviço? – disse ele com o resto de seu
corpo atrás da parede da cozinha.
- Eu, agora, pirei! – falei muito devagar vendo o sorriso de meu
outro eu.
- Não pirou não. – falou ele ainda sorrindo.
A Realidade Interna 82
Loucura do Espelho
- Como não? – falei entrando e fechando a porta atrás de mim ainda
com o olhar em meu outro eu.
- Bem, isto tudo é explicável.
- Então, por favor, explique! – falei indo até o aparelho de som e
desligando-o.
- Chegamos a mais um ponto de seu conhecimento interno. Você
agora passou muito seu limite da realidade. Você consegue agora ver duas
realidades ao mesmo tempo. A minha, e a sua.
- Nossa! Então agora posso ver a sua realidade e a minha própria? –
perguntei.
- Sim. É isso o que está acontecendo.
- O que será que posso fazer com minha mente? – perguntei
ligando novamente o som e tirando a camisa e indo até meu quarto para
pegar um cigarro enrolado.
- O que quer fazer? – perguntou meu outro eu.
- Ainda não sei em especial. Mas, talvez, “ser” alguém maior e
melhor. O que acha?
- Está somente em suas mãos! Ou melhor, em sua mente!
Capacidade para fazer coisas grandes, todos nós temos. Mas, para quem
tem uma mente especial, digamos, intelectual, não sendo bem esta palavra,
pode-se fazer qualquer coisa. Criação! Isso muitos não possuem. Muitos
sabem copiar e alguns até copiam mal. Mas, poucos sabem criar. E existem
dois tipos de cópia. Um é aquele que realmente copia a idéia que está dando
certo, e o outro é aquele que copia alguns traços e completa o restante com
algum tipo de ideia, mas, ideia essa, que também é copiada de outra pessoa.
Estes são chamados de quebra-cabeças, pegam os pedaços de várias
A Realidade Interna 83
Loucura do Espelho
pessoas e formam um todo. Mas os raros, como estava dizendo, são os que
criam tudo novo. Estes são os criadores de idéias, formadores de opiniões,
e, opiniões estas, que depois irão formar outras por meio dos copiadores.
- Interessante! – falei. – Mas, deixe-me perguntar-lhe. Você leu
meu pensamento de que eu iria arrumar a casa hoje?
- Bom. Isto é uma coisa que não precisa de telepatia para saber, não
é verdade? – perguntou ele rindo ao olhar em volta. - Todos têm limites e
vejo que o seu limite é o mesmo que o meu. Estava esta casa tão suja que
decidi eu mesmo limpá-la. Mas, agora quero que me ajude.
- Sim, é o que estou pensando em fazer. Vou arrumar meu quarto
enquanto você termina a cozinha, certo?
- Certo. – respondeu ele e ficamos em silêncio durante uns poucos
segundos. – Você viu a Renata? – perguntou depois.
- Sim. Hoje eu fui até o escritório falar com ela.
- E aí? O que aconteceu? – perguntou ele da cozinha em meio aos
barulhos de alguém lavando a louça, embora ele pudesse saber muito bem o
que aconteceu.
- Bom. Talvez você já saiba. – respondi.
- Sim, eu sei. Mas, quero ouvir de sua boca. Você se apega a alguns
tipos de detalhes, lembra? Eu me apego a outros tipos de detalhes. Cada um
enxerga o que quer ver.
- Verdade. O único fato que me chamou muito a atenção foi que eu
tive uma idéia estupenda de informatizar a fábrica. Mas, agora pensando,
será que ninguém pensou nisto antes? – perguntei-me.
- Isso não se pode saber nunca. Uma idéia somente ocorre quando
se tem conhecimento daquilo em que se está pensando, lembra-se? – disse
A Realidade Interna 84
Loucura do Espelho
ele. – Analisemos. O Sr. Fagundes é uma pessoa muito inteligente, mas,
somente com o conhecimento de tecidos, foi o que aprendeu e sabe muito
deste assunto. Renata tem conhecimento de informática e formou-se para
Administrar Empresas, faltava-lhe o conhecimento mais aprofundado sobre
tecidos e suas formas. Você, um cara que nem sequer continuou seus
estudos têm seus conhecimentos de informática e trabalha há muito tempo
numa fábrica de tecidos. Sua mente foi capaz de conciliar os dois
conhecimentos, pois você os tinha registrado em sua mente. Renata e Sr.
Fagundes, não tinham as duas peças fundamentais dentro de uma só mente.
Talvez, futuramente, Renata pudesse ter esta idéia, ou talvez Sr. Fagundes,
mas, no momento certo, o que seria daqui alguns meses.
- Isto faz sentido. – falei. – Mas, isto não tem nada a ver com o que
está acontecendo comigo, ou tem?
- Claro que tem! Tudo isso faz o maior sentido! Se você não
começasse a prestar atenção aos detalhes, você não teria concebido essa
grande ideia! Mas, ainda assim, você está percebendo os detalhes pelo
subconsciente. Ainda não está fazendo a captura dos detalhes pela sua
mente consciente. Quando fizer isto, tudo irá ter um sabor diferente. Sua
mente ainda está captando isto por reflexo, quando perceber que pode
controlar isto, qualquer conversa se tornará um jogo de detalhes que
decifrará em segundos e conseguirá perceber o que as pessoas querem de
você e o melhor, sem esforçar-se.
- Isso sim é mais interessante ainda! – falei empolgado.
Ficamos arrumando a casa durante algum tempo. Depois fiz
almoço e para meu maior delírio, vi meu outro eu comendo a comida que
eu mesmo fiz. Era muito estranho ver alguém como eu, mas com
A Realidade Interna 85
Loucura do Espelho
personalidade e trejeitos diferentes, pensamentos às vezes contraditórios,
como se fosse um irmão gêmeo, que não havia conhecido antes e sabendo
que havia saído do espelho! Quase ficava enjoado, com vertigem, nessa
situação.
A Realidade Interna 86
Loucura do Espelho
- Olha Coiote, eu liguei para o meu tio ele simplesmente adorou a
idéia. Disse que algumas pessoas já estavam falando isso para ele e já
pensava em contratar alguém pára fazer isso. Agora que falei disso com ele,
ele respondeu que nos quer, nós dois, para fazer esta reformulação na
Fábrica! – disse empolgando a cada palavra – Não é o máximo! – terminou
elevando a sua voz mostrando que realmente estava empolgada com tudo
aquilo.
- Sim, é até atordoante! Nem mesmo imaginava que isso fosse
possível! – falei ainda sonolento e olhando para o chão tentando entender o
que estava acontecendo. – E está acontecendo rápido! Rápido até demais!
- Ainda mais! Disse que nos mandará para um curso de Gestão
Empresarial e Marketing Informatizado para nós dois! Isso não é ótimo?
- Não consigo nem entender Renata! Acho que eu estou dormindo
ainda! – falei realmente sonolento, sentando e encostado à parede, com meu
jeito tipicamente desligado.
- Pois é! Eu também achei que isso era muito, até para mim, por
isso vim correndo te dar a notícia! Achei que ficaria assim! – disse ela
sorrindo.
Fiquei um tempo coçando a cabeça e olhando para ela que ria de
ver meu rosto assustado e ao mesmo tempo sonolento.
- Bom, acho que isso merece uma comemoração! – falei. – Acho
que você já sabe do que estou falando. – falei e fui até meu quarto e peguei
um cigarro enrolado.
- Disso, eu já sei há muito tempo. – falou ela.
A Realidade Interna 87
Loucura do Espelho
Acendi o cigarro e a fumaça tomou conta da sala. Enquanto
fumava, Renata olhava-me com olhos de segurança. Soltei a fumaça
algumas vezes daí me perguntou:
- Não vai me dar um trago?
- Você fuma? – perguntei paralisado.
- Sim, e já faz muito tempo. – respondeu chegando perto para pegar
o cigarro.
O tempo passou e ficamos ali, conversando sobre vários assuntos
sem sentido e rindo de palavras erradas que falávamos. O resto da tarde
transcorreu no meio de pensamentos insanos. Logo chegou à hora de ir
fazer meu serviço na Fábrica. Renata fez questão de levar-me e assim disse
que iria pegar algumas coisas no escritório. Estávamos quase que sem
condições de falar alguma coisa que fosse inteligível a alguém. Ríamos no
carro por qualquer besteira. Isso é raro, ainda mais para quem já esteja
acostumado a fumar. Somente quando se está num estado de sensações
prazerosas que acontece isso. Energia, simplesmente.
Chegamos à Fábrica. Por um momento, enquanto a esperava
trancar o carro, uma vontade súbita de pegar em sua mão passou pela
minha cabeça e quase senti que ela também o queria fazer isso. Um
estranho movimento em nossas mãos quase se deu. Mas, não.
Fui fazer o meu papel, Renata foi ao escritório, mas, muitos de
meus amigos de dentro da fábrica viram que chegamos juntos e começaram
a falar algumas coisas.
Terminado o meu compromisso fiquei conversando com o pessoal
na cozinha.
A Realidade Interna 88
Loucura do Espelho
- E aí Coiote? Agora a patroa virou patroa mesmo? – disse o cara
mais gozador da Fábrica.
- Qual é cara? – falei. – Somos amigos!
- Sim, são amigos, é assim que começam belas histórias. – disse
rindo. – Até mais Coiote!
Logo Renata chegou à cozinha e tomou um café comigo e com
mais alguns que ali ainda estavam. Neste momento, os que estavam ali, se
tornaram sérios como se estivessem à frente do ‘Papa’. Conversas sérias
foram trocadas e logo fomos embora.
Renata deixou-me em frente ao prédio de seu Tio. Disse que iria
ver algumas coisas que iriam nos possibilitar entender melhor como fazer
esta transição para a modernidade da Fábrica.
A Realidade Interna 89
Loucura do Espelho
que está acontecendo. Você está observando detalhes, como já lhe disse
antes. Poucos detalhes ainda, mas está começando a enxergá-los.
- Me desculpe Coiote. – falei. – Mas, eu já entendi esta explicação,
eu gostaria de saber coisas mais profundas, como por exemplo, por que
pareço estar mais concentrado?
- Então, tomemos o café que está fazendo e depois daremos uma
volta. – disse ele.
- Como assim? – perguntei assustado. – Você pode sair daqui
também?
- Sim! Depois que sua mente se livrou das dependências de sua
própria realidade, eu, por minha vez, posso desvencilhar-me das minhas.
- Estou realmente ficando louco. – falei batendo a mão à cabeça.
A Realidade Interna 90
Loucura do Espelho
- Então, você está dizendo que mesmo se alguém puder vê-lo, verá
que apenas se parece comigo? – perguntei.
- Sim! Se visse de forma real, que eu e você somos iguais, e as
pessoas das quais lhe conhecem, sabendo que você não tem irmão gêmeo,
poderia acarretar algum distúrbio mental nestas pessoas! – respondeu.
- Mas, então me responda, por que você consegue entrar em meu
mundo?
- Simples. – disse sério. - Você abriu a porta das dimensões,
qualquer um pode fazer isto, desde que, sua mente seja um tanto
privilegiada e faça com que a linha da loucura ande por muito tempo à sua
frente. Esta porta das dimensões está ligada à nossa mente. E sua mente a
abriu. E, se qualquer pessoa acreditar que ela exista, então, abre-se a porta.
Neste caso, muitas pessoas acreditam sem saber que acreditam, pois vêem
pessoas que já morreram em suas realidades, mas, em outra dimensão elas
ainda vivem e quando acontecem coisas deste tipo, dizem que viram algum
fantasma de uma pessoa falecida. É um tanto interessante.
- Nossa! Realmente! – ri da situação.
- Agora Coiote, preste atenção! – disse ele quando dobramos a
esquina e pegamos a rua principal. – Veja o que está diferente agora.
- Está escurecendo. Tudo está estranho. As cores parecem estar
desbotadas. – falei depois de observar.
- Sim! Isso mesmo! Agora, analise tudo ao seu redor. – falou ele.
Paralisei-me por uns segundos. Olhei ao outro lado da rua e vi que
havia “choques de realidade”. Um garoto passava do outro lado da rua com
roupas bem-comportadas e segurando livros, nos quais ao que eu vira,
estava estudando. Um pouco à frente, quase que se chocando um ao outro,
A Realidade Interna 91
Loucura do Espelho
o mesmo garoto com um bando de moleques andando juntos fazendo
arruaça. Mais à frente, um senhor estava deitado ao chão com algumas
garrafas de bebidas destiladas ao seu lado. Estava barbudo e mal vestido,
era um mendigo. Do outro lado da rua, do lado ao qual estávamos, o
mesmo senhor trajava vestes limpas de algum missionário de religião
desconhecida e eloquentemente pregava as palavras da bíblia, referindo-se
ao fim do mundo. Um fato ainda interessante me chamou a atenção. Uma
caixa de papelão estava jogada ao meio da rua, mas, estava somente a
metade caixa. Logo um carro passou e metade dele era marrom e a outra
metade era vermelha, a metade marrom estava completamente conservada e
a vermelha estava suja de lama.
Fiquei maravilhado em ver tantas diferenças. Nem sequer pensei
que as pessoas pudessem ser irmãos gêmeos. Aquilo, sem dúvida nenhuma,
era um choque entre as dimensões!
- Viu? – perguntou meu outro eu. – As diferenças de escolhas
fazem acontecer isto. Enquanto na sua realidade é de um jeito, na minha
realidade tudo está acontecendo de forma diferente.
- Então as nossas escolhas afetam também as outras personalidades
que existem em outras dimensões? – perguntei.
- Não necessariamente. Tem certos motivos que fazem existir
muitas mudanças, o que nos traz as grandes diferenças entre um e outro.
Por exemplo, agora, eu estou mudando totalmente a sua personalidade,
fazendo que você veja tais coisas. Estou fazendo com que comece a
entender as realidades e é obvio que você irá fazer coisas diferentes daqui
para frente, não é certo?
A Realidade Interna 92
Loucura do Espelho
- Sim é verdade. Então somente as pessoas que conseguem se “ver”
no espelho é que conseguem enxergar como estou vendo tudo agora?
- Não que seja somente no espelho. – respondeu ele. - O espelho é
somente um dos mecanismos que as pessoas escolhem, ou que acontecem
quando estão prontas. Existem milhares de mecanismos para se abrirem os
portões das dimensões. E as escolhas fazem novas conexões brotarem
diariamente.
- Mas, me responda mais uma pergunta. Estamos todas as
realidades, juntas no mesmo lugar ou espaço?
- Não Coiote. – disse ele rindo um pouco enquanto andávamos e eu
ainda olhava as maravilhas que estavam acontecendo diante de mim. – O
universo é de um tamanho impossível de se explicar ou de calcular. E
conforme cientistas de todas as dimensões descobriram, o universo é divido
em partes iguais formando assim um sistema de “dobra”. O que vem a ser
isso? É meramente simples. Temos quatro pontos cardeais, norte, sul, leste
e oeste. Assim temos estes pontos no universo, mas para todos os lados. O
universo não tem altura nem distância profundidade ou largura. Sendo
assim, se dobrarmos ao meio irá ter duas galáxias iguais no mesmo ponto,
em cada dobra, como se fosse uma batalha naval. Os pontos se unem. Se
dobrarmos em quatro, teremos quatro galáxias iguais no mesmo ponto e
mais quatro em outro ponto. Como se fosse também um espelho. E assim
por diante nesse mecanismo de dobra. – disse. – Mas, logicamente, não é só
isso. Não podemos entender ainda este grande mistério que é o universo. Se
formos analisar, elas estão sobrepostas, mas ao mesmo tempo não.
A Realidade Interna 93
Loucura do Espelho
- Nossa! – exclamei e parei assim que terminou de falar. – Então
podem existir muitas outras dimensões iguais à nossa! – exclamei olhando
agora para o chão.
- Iguais e diferentes! Assim como achamos ter vida em outros
planetas pode ser verdade! Pois se estamos aqui, eu e você, sendo
diferentes as nossas dimensões, talvez, ou melhor, provavelmente, em
outras dimensões não exatamente iguais às nossas, pode-se haver outros
tipos de vidas inteligentes. Evoluídas ou ainda em estágio primário de
evolução.
Fez-se silencio. Fiquei imaginando tudo o que havia dito. Agora
sim, tudo ficou perdido dentro de minha mente. Foi um tanto confuso
entender que eu tinha outro eu, bem diferente. Mas, ali havia complicado de
vez. Existiria uma imensidão de outros eus, aos quais eu nem sabia, nem
imaginava se eram bons ou maus.
- Parece estar um tanto confuso, não é? – perguntou ele.
- Sim! Está sendo um pouco agitada a digestão desta idéia. É, de
fato, muito interessante, mas quase irreal! – falei olhando parado ao chão
de cimento. – Agora tudo parece que não existe!
- Eis a questão! Na verdade, não existe! – disse ele. – Eu nem estou
aqui! – terminou rindo.
- Espere um pouco! Agora deu nó! Você existe ou não existe? Eu
estou aqui ou não estou? Eu estou pirando! Não é possível! – falei um
pouco mais alto e coloquei as mãos ao rosto. – E eu nem fumei nada nos
últimos minutos! – terminei.
- Calma! Calma! – disse ele rindo-se um pouco e colocando a mão
em meu ombro, coisa que mais me assustou do que me acalmou.
A Realidade Interna 94
Loucura do Espelho
- Eu não estou entendendo agora estas realidades! Elas são
realidades ou são ilusões? – perguntei um pouco mais calmo.
- Bem, existem diversos pontos para se observar. – disse com a
mão ao meu ombro e empurrando gentilmente para que caminhássemos
novamente. – Se estivermos em sua realidade, a minha seria ilusão,
correto?
- Sim. Correto. – respondi tentando respirar fundo.
- Se estivéssemos na minha realidade, a sua seria ilusão, correto?
- Sim. Correto. – respondi novamente não tendo outra opção.
- Mas, e se estivermos em outra realidade, que não é nem a minha
nem a sua, seríamos o que? – perguntou ele parando e fazendo-me para
também.
- Vejamos. – refleti por uns poucos segundos. – Eu e você seríamos
ilusão.
- Isto! Chegamos ao ponto chave. Estamos em nossa realidade, às
outras, são apenas ilusões! Por isso muitos não acreditam que viram um
disco voador, outros, acreditam piamente. Assim é que temos que viver,
sabendo que existem outras realidades e que somos apenas uma parte de
um grande universo ainda desconhecido, até pelos maiores cientistas de
todas as realidades. E cada um aqui, têm a sua realidade!
- Nossa! – exclamei baixo enrugando o rosto todo em forma de
preocupação e assombro diante à nova explicação. - Já não sei o que é e o
que não é uma realidade. – terminei.
- Bem, para lhe mostrar o que tenho para lhe mostrar, temos que ir
a algum lugar discreto e que seja fora do alcance da visão de qualquer um.
– disse ele. – Existe um lugar por aqui assim, não há?
A Realidade Interna 95
Loucura do Espelho
- Claro! Podemos ir até a fábrica abandonada. É um pouco afastada
e temos uma vista privilegiada de quem pode estar chegando. – falei.
A Realidade Interna 96
Loucura do Espelho
- Mas, por que não me explica? – perguntei.
- Daria um belo dicionário! – riu-se ele mostrando com a mão o
tamanho que um livro desses teria. - Primeiro teríamos que aprender física,
depois astronomia, depois coisas que a nossa mente infinita é capaz de
fazer, e, por último, entender como não se apegar a realidade, da qual
sabemos desde criança que é a nossa realidade, sem que ela seja realmente
o que dizem.
- Está certo. Eu odeio física, matemática, química. Estas matérias
são um tédio. – disse eu.
- Pois é meu rapaz. Estas matérias, ainda que não sejam matérias
desenvolvidas como já sei que são em outras realidades, são matérias que
formam as opiniões entre as verdades e mentiras de nossos mundos. Mas,
também são as culpadas de fazerem com que as pessoas esqueçam que
possuem uma mente ilimitada. Para alguns sentidos vivenciais, estas
matérias são importantes, mas, em outras determinadas áreas, não deveriam
ser chamadas de matérias de base. – respondeu ele secamente. - A mente
desconhece as regras, ignora como elas funcionam, simplesmente age sobre
elas, quer dizer, vivemos sobre as regras, sem as conhecê-las.
Neste momento já estávamos chegando perto da fábrica
abandonada. Estava no meio termo, do dia se encontrando com a noite, o
púrpuro do céu e o alaranjado mínimo que o sol havia deixado, coloria
fortemente o entardecer. Sentamos a entrada da fábrica onde ainda podia-se
ver o lindo entardecer. Alguns suspiros foram dados por nós por ver
tamanha beleza. Eu via aquele pôr-do-sol com outros olhos, a minha
realidade estava distorcida e via metade de um pôr-do-sol e metade de uma
A Realidade Interna 97
Loucura do Espelho
noite linda. Não sei o que meu outro eu via, mas pelo seu olhar congelado à
vista, era algo muito bonito, sem dúvida.
Peguei um dos meus cigarros prontos e acendi. Logo a fumaça
fazia seu efeito e o pôr-do-sol já estava indo embora. Decidimos pegar
lenha para que houvesse luz. Assim fui para um lado enquanto meu outro
eu ia ao outro. Foi uma cena que me chamou a atenção, embora meu outro
eu nem tivesse percebido que por um momento eu o observava. Parei, com
o cigarro enrolado ao canto da boca, com um pedaço de madeira à minha
mão. Olhei para o lado em que o outro eu estava a pegar seus pedaços de
madeira. Era um tanto engraçado, estranho e divertido. Via-me a agachar,
pegar gravetos, jogar ao monte ao lado e ir um pouco mais adiante para
descobrir mais redutos de lenha.
Encontramo-nos no lugar onde era propício se fazer uma fogueira.
Uma sala, como já havia descrito, onde se podia ver que fosse o escritório
da fábrica. A frente havia alguns degraus onde talvez fosse à entrada. Atrás,
era o galpão, onde realmente pudesse ter sido a grande parte da fábrica com
seus grandes maquinários.
Sentamos sem uma palavra a dizer. Acendi a fogueira e logo peguei
um cigarro de dentro de meu maço de cigarros. Sentei-me ao chão e vi que
meu outro eu estava sentado à poltrona olhando fixamente em um único
ponto. Fiquei curioso, mas não me meti a perguntar o que estava ele
pensando.
- O que acha de fumar? – perguntou ele.
- O que? – perguntei em resposta. – Do que está falando? Eu é que
fumo e você que fica doido?
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- Engraçado. – riu. – Mas, esta pergunta é séria. O que acha de
fumar?
- Nunca parei para pensar. – respondi, agora sim analisando o que
era a pergunta.
- Pare e pense então. Qual é sua opinião para fumar?
- Hum. Engraçado. Eu não tenho uma opinião formada do por que
fumar, talvez que seja legal, divertido, companheiro. – respondi olhando o
cigarro que jazia entre meus dedos soltando aquela fumaça que subia ao ar.
- Então. – disse ele inclinando-se de sua poltrona em minha
direção. – Por que está fumando agora?
- Não sei. Acho que porque sou um idiota? – respondi rindo um
pouco.
- Não. Esta não é a resposta, ainda, embora concorde que seja idiota
por estar fumando. – disse. – Quando começou a fumar?
- Aos treze.
- Muito Jovem! – exclamou. – Por quê?
- Acho que foi por motivos próprios. – respondi soltando a fumaça.
- Que motivos? Dê-me razões! Quero razões! – disse ele
empolgando-se.
- Deixe-me ver. Porque meus pais brigavam muito comigo e queria
fazer algo que os ferisse. – falei de súbito.
- Hum. Interessante. – disse ele recostando-se. – Você começou a
fumar por querer se vingar de seus pais. – silêncio. – Já se vingou?
Aquela pergunta que ele fez quebrou todas as correntes que me
aprisionavam com este vício do cigarro. Senti-me uma formiga segurando
A Realidade Interna 99
Loucura do Espelho
um galho a se queimar e pior, sabendo que iria virar cinza em poucos
minutos, mas que ainda jazia em minhas costas.
- Por que está sendo rude assim comigo? – perguntei numa
tentativa de me esquivar.
- Dizem que com os mais inteligentes, temos que fazê-los notar que
ainda agem como burros.
Aquilo me doeu mais ainda. Não sabia o que responder ou o que
gritar, nem mesmo sabia se achava graça naquela afirmação. Somente tive a
capacidade de por o cigarro à boca, puxar mais um trago e deliciosamente
soltar a fumaça, metade pela boca e metade pelo nariz.
- Bom. Esta realidade é a sua, mas digo, na minha realidade eu não
fumo, não bebo, nem mesmo uso drogas, e vejo que estou bem melhor, ou,
mil vezes melhor do que você está hoje. - Disse ele.
- Isto é que são escolhas! – respondi e fiquei surpreso com a reação
de meu outro eu em rir num tom bem alto e escandaloso, como era do meu
feitio fazer, quando dizia algo realmente engraçado.
- Você é mesmo que podemos chamar de mestre-aprendiz. Precisa
aprender muitas coisas, mas as poucas que já sabe, consegue usá-las para
ensinar outros. E muito do que sabe, você nem mesmo imagina que sabe!
Isto, sem dúvida, é muito engraçado! – terminou ele rindo sem parar.
- Não sei o que está falando, mas disse que iria mostrar-me coisas
interessantes a respeito de realidades, então, por que não as mostra agora? –
perguntei querendo sair desta conversa de deixar de fumar, beber e outras
coisas mais que não me interessavam em fazer.
- Está certo! Vamos ao que realmente nos interessa agora neste
momento. – silêncio, e ele respirou fundo. - Você viu e conseguiu entender
- Oi Renata.
- Oi tio.
- Peço desculpas por não ter ido a sua formatura, houve
compromissos inadiáveis aqui.
- Não se preocupe tio. O importante é que eu consegui me
formar.
- Então, estou ligando por esse motivo.
- Por quê? – perguntei ingenuamente.
- O que vai fazer agora que esta recém-formada?
- Na verdade tio, ainda não sei.
- Gostaria de ser Gerente Administrativa das Empresas
Fagundes?
- Sim! – respondi depois de alguns segundos, no mínimo
uns dez, tentando entender o que estava acontecendo.
- Que bom! – disse ele feliz. – Acho que você precisa voltar
para cá. Acho que um rapaz a espera até hoje. – disse ele
terminando. – Acho que você fará bem para ele e ele fará bem a
você. Então, espero que venha assim que puder. Tudo bem?
- Sim tio. – falei engasgando com as palavras.
- Sim. Esta foi muito interessante. Ele falou desse jeito? – falei.
- Sim. Sem colocar nem tirar nenhuma palavra. Dizem que quando
passamos por experiências vívidas de algo que não conseguimos explicar,
Vale muito à pena contar um dos sonhos que tive nesta noite. Achei
que estava dirigindo um carro. Daqueles grandes importados, utilitários de
luxo. Não precisava fazer força para que andasse, nem me lembro de
acelerar, lembro-me dentro do sonho, que precisava somente parar o carro
segurando-o com o pé ao freio. Estava em uma cidade vizinha e estava à
procura de uma casa, esta casa parecia ser minha e quando encontrei, vi que
era uma casa grande, talvez, quase que uma mansão. Achei surpreendente,
mas disse que a minha casa não era aquela. Mas, todos os que estavam no
sonho, diziam veementemente, que aquela casa era minha. Não dando por
satisfeito, no momento seguinte estava em cima de uma daquelas motos de
muitas cilindradas e o barulho do motor da moto chamava muita atenção de
todos. Percebi que estava no meio do carnaval e muitas alegrias e confetes
estavam no ar. Como não gosto muito de carnaval, embora seja brasileiro
Não consegui comer mais nada naquele dia e assim que subi para o
quarto, um nó na garganta me acompanhou durante alguns bons dias.
Fiquei deitado em minha cama pensando no que havia acontecido até ali.