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GENÉTICA

autor
ANDRÉ FERNANDO MICAS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  sergio augusto cabral; roberto paes; gladis linhares

Autor do original  andré fernando micas

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  marina constantino cantero

Revisão de conteúdo  mildred ferreira medeiros

Imagem de capa  mopic | dreamstime.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

M619g Micas, André


Genética / André Micas
Rio de Janeiro : SESES, 2015.
208 p: il.

isbn: 978-85-5548-160-4

1. Genoma. 2. Farmacogenética. 3. Hereditariedade. 4. Saúde.


I. SESES. II. Estácio.
cdd 570

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

1. Introdução Genética Humana 9

1.1  As Leis de Mendel da Herança e da Ligação Genética 10


1.2  Gregor Mendel e a história da Genética 10
1.3  Experimentos de Mendel 12
1.4  Fundamento Molecular para a Genética Mendeliana 22
1.5  Bases Cromossômicas da Hereditariedade 23
1.6  A estrutura do DNA 26
1.7  Organização dos Cromossomos Humanos 28
1.8  Ploidia e Ciclo Celular 30
1.9  Mitose 31
1.10  O cariótipo humano 34
1.11 Meiose 35
1.12 Gametogênese 39
1.13 Espermatogênese 39
1.14  Ovogênese ou oogênese 40
1.15  Importância Médica da Mitose e da Meiose 42

2. Genoma Humano 47

2.1  Aspectos históricos 48


2.2  Definição de gene 48
2.3  Projeto Genoma Humano 48
2.4  Estrutura química do DNA 50
2.5  Aspectos gerais sobre a Replicação (ou Duplicação) do DNA 51
2.6  Teorias de replicação do DNA 54
2.7  Moléculas de RNA e processamento do RNA 57
2.7.1  Tipos de moléculas de RNA 57
2.7.2  Aspectos gerais sobre a transcrição do DNA em um RNA 58
2.7.3  Exons e Íntrons: A organização do mRNA em eucariotos 61
2.8  Descoberta do Código Genético 64
2.8.1  O código genético e tradução 65
2.9  Controle da Expressão Gênica 70
2.10  Mutação e mecanismos de reparo 73
2.11  Fundamentos das tecnologias do DNA recombinante 79
2.11.1  Técnica de eletroforese em gel de agarose 80
2.11.2  Southern blotting 81
2.11.3  Northern blotting 82
2.11.4  Western Blotting 82
2.12  Transformação de E. coli 83
2.13  Reação em cadeia da polimerase (PCR) 84
2.13.1  Transcrição reversa PCR (RT-PCR) 86
2.13.2  Real time RT-PCR 87
2.14  Clonagem de DNA 88
2.14.1  Bibliotecas de DNA 89
2.15  Sequenciamento de DNA 90

3. Padrões de herança monogênica 95

3.1  Padrões de herança monogênica 96


3.2 Heredograma 97
3.3  Herança autossômica e ligada ao cromossomo X 98
3.3.1  Padrões de herança autossômica recessiva 98
3.3.2  Padrões de herança autossômica dominante 99
3.4  Herança ligada ao cromossomo X 101
3.4.1  Padrão de herança recessivo e dominante
em desordens ligadas ao cromossomo X 102
3.4.1.1  Desordens recessivas ligadas ao cromossomo X 103
3.4.1.2  Desordens dominantes ligadas ao cromossomo X 104
3.5  Padrões de herança pseudo-autossômica 105
3.6  Herança ligada ao cromossomo Y 106
3.7  Caracteres limitados ao sexo e influenciados pelo sexo 106
3.8  Herança mitocondrial 107
3.9  Padrões atípicos de herança 108
3.9.1  Mosaicismo 108
3.9.2  Mosaicismo somático 109
3.9.3  Mosaicismo da linhagem germinativa 109
3.9.4 Imprinting 110
3.9.5  Doenças provocadas por expansão de repetições 112
3.9.5.1  Síndrome do X frágil 113
3.10  Citogenética Clínica: Distúrbios dos
Autossomos e dos Cromossomos Sexuais. 114
3.11  Tipos de anormalidades cromossômicas
numéricas envolvem o ganho ou perda de cromossomos inteiros 115
3.12  Síndrome de Down 117
3.12.1  Trissomia do 13 (Síndrome de Patau) 119
3.12.2  Trissomia do 18 (Síndrome de Edwards) 119
3.13  Consequências Clínicas 120
3.14  Síndromes de deleção autossomal 121
3.15  Síndrome de Cri du chat (miado do gato) 121
3.16  Desordens genômicas: Síndromes de
microdeleções e duplicações 122
3.16.1  Os cromossomos sexuais e suas anomalias 123
3.16.2  Cromossomo X 125
3.16.3  Retardo mental ligado ao cromossomo X 126
3.16.4  Anormalidades citogenéticas dos cromossomos sexuais 126
3.16.5  Síndrome de Klinefelter 127
3.16.6  Síndrome de Jacobs (47,XYY) 127
3.16.7  Trissomia do X (47, XXX) 128
3.16.8  Síndrome de Turner (45,X) ou monossomia do X 128
3.17  Desordens gonadais e do desenvolvimento sexual 129
3.17.1  Disgêneses gonadais 130
3.17.2  Displasia camptomélica 130
3.17.3  Desenvolvimento e manutenção ovariana 131
3.17.4  Pseudo-hermafroditismo feminino 131
3.17.5  Pseudo-hermafroditismo masculino 132
4. Tópicos avançados em Genética 137

4.1  Genética do desenvolvimento 138


4.1.1  Biologia do desenvolvimento 139
4.1.2  Genes e seu papel no desenvolvimento 140
4.1.3  Mecanismos celulares e moleculares 141
4.1.4  Interação dos mecanismos celulares no
desenvolvimento embrionário 142
4.2 Imunogenética 144
4.2.1  Sistema imune inato 145
4.2.2  Resposta imune adaptativa 145
4.2.3  Componente celular do sistema imune 146
4.2.4  Fases das respostas imunológicas 147
4.2.5 Linfócitos 147
4.2.6  Complexo de histocompatibilidade maior (MHC) 148
4.2.7  Grupos sanguíneos 151
4.2.8  Receptores de antígenos dos linfócitos 153
4.2.9  A molécula do anticorpo 155
4.2.10  Receptores de antígenos nas células T 155
4.2.11  Criação do repertório imune 156
4.2.12  Desordens imunológicas de origem genética 158
4.2.12.1  Exemplos de doenças envolvendo
o sistema imune inato humoral 158
4.2.12.2  Desordens da imunidade inata mediada por células 158
4.2.13  Desordens da imunidade adaptativa humoral 159
4.2.13.1  Agamaglobulinemia ligada ao X (Bruton) 159
4.2.13.2  Imunodeficiência variável comum 159
4.2.14  Desordens do sistema imune adaptativo
mediado por células 159
4.2.14.1  Imunodeficiência severa combinada (SCID) 159
4.3  Genética do Câncer 160
4.3.1  Base Genética do Câncer 160
4.3.2  Canceres familiares 162
4.3.3  Oncogenes 162
4.3.3.1  Oncogenes ativados em síndromes
de canceres hereditários 163
4.3.3.2  Oncogenes ativados em câncer esporádico 163
4.3.4  Ativação de oncogenes por translocação cromossômica 164
4.3.4.1  Leucemia crônica mielóide 164
4.3.4.2  Linfoma de Burkitt 165
4.3.4.3  Linfoma folicular de células B 165
4.3.5  Telomerase atuando como oncogene 166
4.3.6  Genes supressores de tumores 167
4.3.6.1  Origem do câncer em dois passos 167
4.3.6.2  Genes supressores de tumor “porteiros”
em síndromes cancerosas autossômicas dominantes 168
4.3.6.3  Genes “zeladores” em síndromes cancerosas
autossômicas dominantes 169
4.3.6.4  Genes “zeladores” em síndromes cancerosas
autossômicas recessivas 171
4.3.6.5  Linfoma heredirário com perda de expressão de
genes supressores de tumores pro-apoptóticos 172
4.3.6.6  Câncer e o meio ambiente 172

5. Farmacogenética e Farmacogenômica 193

5.1 Farmacogenética 195
5.2  Variações no metabolismo da Fase II 198
5.2.1  Influência do polimorfismo na fase II e
o tratamento de terapia da tuberculose com isoniaziada 198
5.2.2  Polimorfismo de enzimas e modificações
nas respostas a quimioterápicos 199
5.2.3  Polimorfismo na enzima colinesterase e
prolongamento do efeito de relaxantes musculares em cirurgias 200
5.3  Variação na resposta farmacodinâmica 200
5.3.1  Hemólise induzida por drogas em portadores
de deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) 200
5.3.2  Hipertermia maligna (HM) 201
5.3.3  Terapia com varfarina e variações de respostas
decorrentes de variação genética quanto à farmacocinética
e a farmacodinâmica 201
5.3.4  Risco resultados adversos de origem genotípica
após cirurgia cardíaca 202
5.4 Farmacogenômica 202
5.4.1  A relação da etnia na medicina personalizada 203
5.5  Terapia gênica 204
1
Introdução Genética
Humana
1.1  As Leis de Mendel da Herança e da
Ligação Genética

Os povos antigos melhoravam seus cultivos e seus animais domésticos selecio-


nando indivíduos que consideravam os melhores para a reprodução, eles pode-
riam se perguntar a razão dos descendentes parecerem com seus progenitores.
Entretanto, eles não poderiam ser chamados de geneticistas, pois a eles falta-
vam as ferramentas necessárias para que suas atividades fossem consideradas
uma ciência.

1.2  Gregor Mendel e a história da Genética


A Genética é embasada em um conjunto de princípios e procedimentos analíti-
cos que começou a ser desenvolvido apenas na década de 1860, por um monge
agostiniano tcheco chamado Gregor Mendel. Seu monastério era dedicado ao
ensino de ciências e à pesquisa científica. Neste monastério, Mendel iniciou
um programa de pesquisa de hibridação de plantas que postumamente lhe
conferiu o título de fundador da ciência de Genética. Mesmo que Mendel não
tenha mencionado genes em seus experimentos, ele é considerado o pai da ge-
nética devido ao seu grande trabalho com plantas híbridas, no qual, além de
observar, ele entendeu padrões constantes de surgimento e desaparecimento
de formas exibidas pelos descendentes híbridos.

Gregor Mendel
Gregor Johann Mendel nasceu em 1822 na vila de Heinzendorf no nordeste da Morávia,
na época território austríaco, atualmente a vila é chamada de Hyncice e pertence à cidade
de Odry da República Tcheca. A língua nativa de Mendel era um dialeto alemão silesiano
(região histórica dividida entre a Polônia, República Checa e a Alemanha e, somente quan-
do adulto, aprendeu a falar tcheco). Filho de fazendeiros, logo em sua infância demonstrou
muita facilidade em aprender, o que estimulou seus pais a apoiarem o seu prosseguimento
nos estudos. Entretanto, como não possuíam recursos financeiros suficientes, Mendel en-
trou para um monastério agostiniano para dar continuidade a sua educação e começar a
carreira de professor.

10 • capítulo 1
O interesse de Mendel quanto à hereditariedade
Mendel, durante uma de suas frequentes caminhadas ao redor do monastério, encontrou
uma variedade diferente de uma planta ornamental. Ao observá-la, comparando-a com ou-
tra planta situada ao lado, que era normal, ele elaborou um teste: cresceu as sementes
da planta atípica e da normal lado a lado para ver se a proximidade iria passar suas ca-
racterísticas de uma linhagem para a outra. Este experimento foi planejado para apoiar ou
demonstrar a visão de Lamarck sobre a influência do ambiente sobre as plantas. Mendel
descobriu que cada linhagem da planta ornamental reteve suas características essenciais
e, portanto, tais características não eram influenciadas pelo ambiente. Este simples experi-
mento despertou em Mendel a ideia de pesquisar a hereditariedade.

Naquela época, haviam três teorias principais sobre as bases da heredita-


riedade. Tais teorias tiveram períodos de maior ou menor popularidade, mas
todas resistiram até o século XIX. São elas:

– Pangenesis: acreditava-se que cada parte do organismo parental participa-


ria da hereditariedade através de pequenas partículas hereditárias, chamadas
gêmulas. Assim, por exemplo, um braço enviaria uma minúscula cópia de si
que circulava pelo sangue e era recolhida pelas células reprodutivas, no intui-
to de formar o braço no organismo descendente. Possuia importantes adeptos
como Hipócrates, Hugo de Vries e Charles Darwin.
– Teoria do Pré-formismo: postulava que existia um humano pré-formado,
chamado de homúnculo, dentro do óvulo ou espermatozóide. Ela foi posterior-
mente modificada para a ideia de que todas as partes de um adulto já estavam
formadas no interior do zigoto e apenas elas aumentavam de tamanho com o
desenvolvimento. Entre seus adeptos havia importantes cientistas do século
XVII como Anton von Leewenhoek, Marcello Malpighi, e Jan Swammerdam.
– Herança por mistura: segundo esta teoria, os descendentes são fruto de
uma mistura de material hereditário. De modo que os filhos seriam a média das
características de seus pais.

No mesmo período, a maioria dos biólogos estavam preocupados em en-


tender a transmissão de características que podiam ser medidas em um escala
contínua, como a altura, grau de pigmentação, longevidade. Os biólogos, na-
quela época, estimulados pelo trabalho de Darwin sobre a teoria da evolução de
1859, buscavam padrões que permitissem estabelecer leis de hereditariedade

capítulo 1 • 11
que explicassem as variações contínuas. Mendel, através de seus estudos, suge-
riu que as características herdadas eram individualizadas e constantes, ou seja,
descontínuas, como a cor e a textura de sementes.

1.3  Experimentos de Mendel


Mendel realizou, então, um conjunto de experimentos que podem ser considerados
um bom exemplo de técnica científica, pois escolheu um material de pesquisa ade-
quado para seu estudo, esquematizou o mesmo, coletou dados e usou análises ma-
temáticas para mostrar que seus resultados eram consistentes com sua hipótese.
Como material de estudo, Mendel escolheu a ervilha de jardim (Pisum
sativum) por duas razões: primeiro, as ervilhas eram facilmente obtidas nos
mercados locais em uma ampla variedade de formatos e cores facilmente
identificadas e analisadas. Segundo, as ervilhas possuem a característica de
poderem receber pólen próprio, pois em suas flores as estruturas masculinas
(anteras) e femininas (ovários), que produzem o espermatozóide e os óvulos,
respectivamente, são protegidas por duas pétalas fundidas para formar um
compartimento chamado de língua (keel). Desta forma o cientista pode cruzar
(usar pólen de outro indivíduo) de quaisquer duas ervilhas que desejar. Para
controlar a fertilização, as anteras de uma delas são removidas antes que elas
se abram e liberem seu pólen, uma operação chamada de emasculação, feita
para prevenir a autopolinização. O pólen de uma planta, então, é transferido
para o estigma de outra. Desta forma, o experimentador pode escolher entre a
autopolinização ou cruzamento entre indivíduos de sua escolha.
Mendel, então, escolheu sete caracteres diferentes para realizar seu estu-
do. Para cada característica escolhida, Mendel obteve linhagens de plantas que
cresciam por dois anos para ter certeza que seriam puras. Uma linhagem pura
é uma população que cruza entre si e não apresenta variação para uma deter-
minada característica, o que resulta em toda uma geração idêntica para este
caractere, seja produzida por autopolinização como por entrecruzamentos.
Através deste recurso, Mendel obteve sete pares de linhagens puras para
sete caracteres. Cada par das linhagens de Mendel apresenta um caractere di-
ferente – uma diferença contrastante entre duas linhagens de organismos (ou
entre dois organismos) em um caractere particular. Fenótipos contrastantes
para um caractere particular são um ponto de partida para qualquer análise

12 • capítulo 1
genética. As diferentes linhagens podem ser chamadas de variante de forma,
variante de caractere ou fenótipo.
Mendel começou seus estudos com linhagens de ervilhas que tinham cores
diferentes de flores, uma delas púrpura e uma branca. Sabia-se que qualquer
muda de ervilha de jardim com flores de cor púrpura quando autopolinizada
ou cruzada com indivíduos da mesma linhagem produziam sementes que ge-
ravam plantas com flores púrpuras. Quando estas plantas, por sua vez, eram
autopolinizadas ou cruzadas com outras da mesma linhagem, seus descenden-
tes também tinham flores púrpuras, e assim por diante. As plantas da linhagem
com flores brancas produziam somente plantas de flores brancas em todas as
suas gerações. Um dos seus primeiros experimentos consistiu em polinizar
uma planta de flor púrpura com o pólen de uma planta de flor branca. Tal cru-
zamento gerou descendentes apenas de cor púrpura, e as plantas descendentes
são chamadas de primeira geração filial (F1) (figura 1.1)
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Pólen Y

b b
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Bb Bb
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Pistilo X
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Bb Bb

Figura 1.1

capítulo 1 • 13
As gerações seguintes são chamadas de F2, F3, e assim por diante. Mendel tam-
bém fez cruzamentos recíprocos. Neste caso, ele polinizou flores brancas com pó-
len de flores púrpuras e novamente todos os descendentes possuíam flores de cor
púrpura. Assim, ele concluiu que não faz diferença do modo que o cruzamento é
feito. Se um parental puro de cor púrpura e outro de cor branca são cruzados, todas
as plantas da geração F1 terão flores púrpuras.
A cor púrpura da geração F1 é idêntica às das flores púrpuras das plantas paren-
tais. Neste caso, a herança não é simplesmente uma mistura das cores púrpura e
branca para produzirem alguma cor intermediária.
Em seguida, Mendel autopolinizou as plantas da geração F1, permitindo que o
pólen de cada planta caísse no seu próprio estigma. Ele obteve 929 sementes de ervi-
lhas desta autopolinização (a geração F2) que foram, então, plantadas. Curiosamente,
algumas das plantas resultantes eram de flores brancas, Mendel, assim, fez algo que
até então ninguém havia feito, ele contou o número de plantas com cada fenótipo,
obtendo 705 plantas de flores púrpuras e 224 plantas com flores brancas, o que gera
uma proporção de 705:224 que é quase a proporção 3:1 (figura 1.2).
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Pólen Y

B b
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B
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BB Bb
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Pistilo X
b

Bb bb

Figura 1.2

14 • capítulo 1
Mendel repetiu o procedimento de cruzamento para seis pares de dife-
rentes características. Ele novamente encontrou a mesma proporção 3:1 na
geração F2 para cada par. Após estes experimentos, Mendel não tinha mais
dúvidas sobre a importância da proporção 3:1 e passou a buscar explicações
para ela. Em todos os cruzamentos, um fenótipo parental desaparecia na ge-
ração F1 e reaparecia em um quarto da geração F2.
Seria muito difícil aplicar a teoria da herança por mistura para explicar
este resultado. Mesmo que as plantas da geração F1 possuam flores púrpuras,
as plantas ainda possuíam o potencial de produzir descendentes com flores
brancas. Mendel inferiu que as plantas da geração F1 receberam de seus pa-
rentais as habilidades de produzirem tanto os fenótipos flores de cor púrpura
quanto o de flores brancas, e estas habilidades foram mantidas e passadas
para as futuras gerações e simplesmente misturadas. Mas havia a dúvida: por
que o fenótipo de flores brancas não fora expresso nas plantas F1?
Mendel usou os termos dominante e recessivo para descrever o fenômeno,
mas sem explicar o seu mecanismo. O fenótipo de flores púrpuras é domi-
nante sobre o de flores brancas, assim como o fenótipo de flores brancas é
recessivo em relação ao de flores púrpuras. Para definir essa relação de do-
minância e recessividade entre caracteres, realizou-se um cruzamento de
duas linhagens puras, de modo que o fenótipo apresentado em F1 é definido
como dominante, como visto nos cruzamentos das plantas de flores púrpuras
com as de flores brancas que resultaram em todos os descendentes de flores
púrpuras.
Mendel passou a trabalhar também com cores de sementes: amarelas e
verdes. Do cruzamento de sementes de linhagens puras de sementes amare-
las com as verdes, obtiveram-se apenas plantas com sementes amarelas (F1)
(figura 1.3).

capítulo 1 • 15
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a

Aa Aa

Figura 1.3

Desta forma, o fenótipo semente de cor amarela é dominante sobre o de cor


verde.
Mendel cresceu, então, as plantas da geração F1 e as autopolinizou. A gera-
ção resultante desse cruzamento, a geração F2, foi constituída de ¾ ervilhas de
sementes amarelas e ¼ de sementes verdes. Novamente, temos a proporção
fenotípica de 3:1. (figura 1.4)

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Aa
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Aa aa

Figura 1.4

Em seguida, Mendel cresceu as plantas com sementes amarelas F2 e as auto-


polinizou individualmente, e anotou os resultados obtidos. Deste cruzamento,
as plantas de sementes amarelas da geração F2, que apenas geraram sementes
amarelas, foram 166, e todas as outras 353 obtidas geraram uma mistura de
sementes amarelas e verdes em uma proporção 3:1. Plantas de sementes verdes
da geração F2 foram autopolinizadas e geraram apenas plantas com sementes
verdes. Resumindo, todas as plantas de sementes verdes eram evidentemente
puras, como a linhagem parental. Entretanto, das plantas de sementes ama-
relas da geração F2, dois terços delas eram como as plantas de F1 (produzindo
sementes amarelas e verdes na proporção 3:1) e um terço eram com a linhagem
parental de plantas de sementes amarelas. Assim, o estudo das autopoliniza-
ções individuais revelaram que a proporção fenotípica 3:1 era fundamental-
mente uma proporção 1:2:1 na geração F2.

capítulo 1 • 17
Através destes trabalhos, Mendel deduziu as seguintes explicações:

1. Há determinantes hereditários de uma natureza particular (que atual-


mente chamamos de genes);
2. Esses determinantes (genes) encontram-se em pares: Fenótipos alter-
nativos de uma caractere são determinados por diferentes formas de um único
tipo de gene. As diferentes formas de um tipo de gene são chamados de alelos.
Em ervilhas adultas, cada gene está presente em dobro em cada célula, consis-
tindo de um par gênico. Assim, torna-se mais claro o raciocínio de Mendel: as
plantas F1, por exemplo, possuem um alelo que é responsável pelo fenótipo
dominante e outro que é responsável pelo fenótipo recessivo, o qual apenas se
manifesta nas gerações seguintes.
3. O princípio da segregação: os membros dos pares de genes segregam
(se separam) igualmente nos gametas, óvulos e espermatozoides.
4. Conteúdo gamético: cada gameta, consequentemente, carrega apenas
um membro de cada par gênico.
5. Fertilização aleatória: A união do gameta de cada parental para formar
a primeira célula (zigoto) de uma nova geração é aleatória, os gametas se com-
binam independente do par gênico que eles possuem.

Para tornar mais fácil o entendimento dos cruzamentos, utiliza-se o recurso do


uso da letra A maiúscula para representar o alelo que determina o fenótipo domi-
nante e a letra A em minúsculo (a) para o alelo do fenótipo recessivo. Os membros
de cada par de alelos são separados por uma barra (/) com o intuito de mostrar
que, além de serem pares, são encontrados, cada um, em um par cromossômico.
O próximo passo de Mendel era testar o seu modelo. Ele cruzou as plantas
da geração F1, que cresceram a partir de sementes amarelas, e as cruzou com
plantas que cresceram de sementes verdes. Uma proporção de 1:1 seria espe-
rada para a próxima geração. Se o alelo (A) determina o fenótipo dominante
(semente amarela) e o alelo (a) o fenótipo recessivo (verde), pode-se representar
o cruzamento como na figura 1.5.

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aa
a

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Figura 1.5

Neste experimento, foram obtidas 58 plantas de sementes amarelas (A/a)


e 52 verdes (a/a), uma boa aproximação da proporção 1:1 e a confirmação da
segregação igual de (A) e (a) nos indivíduos da geração F1.
Formalmente, pode-se designar esta característica de segregação como a
Primeira Lei de Mendel, que pode ser definida como: todas as caraterísticas são
determinadas por um par de fatores que se segregam durante a formação dos
gametas. As plantas que possuem tanto os alelos para a cor de semente amarela
como para a cor verde (geração F1) são chamadas de heterozigotos ou híbridos,
e podem ser representadas como A/a. As plantas de linhagem pura dominantes
são representadas como A/A e são designadas como homozigotas dominantes,
enquanto que as plantas de linhagem pura recessivas são representadas como
a/a e são designadas como homozigotas recessivas. Uma observação interes-
sante que se pode fazer é que tanto os indivíduos representados como A/A aque-
les como A/a são indivíduos que apresentam plantas com sementes amarelas,
possuem o mesmo fenótipo, sementes de cor amarela, mas diferem em seus
genótipos, um é homozigoto (A/A) e um heterozigoto (A/a).

capítulo 1 • 19
Os experimentos de Mendel foram muito além dos cruzamentos de duas
linhagens parentais puras que diferiam em apenas um caractere. Como foi
visto na geração F1, toda a linhagem era heterozigota para um gene (genótipo
A/a). Estes heterozigotos são chamados também de mono-híbridos. O cruza-
mento dentro da própria geração de heterozigotos (A/a x A/a) é chamado de
cruzamento mono-híbrido. Este tipo de cruzamento gera uma proporção 3:1,
sugerindo que o princípio da segregação seja independente. Mendel analisou
os descendentes das linhagens puras que diferiam em dois caracteres. Aqui,
podemos utilizar o recurso de representar os genótipos incluindo dois genes.
Se eles se encontram em diferentes cromossomos, os pares de genes são sepa-
rados por um ponto e vírgula – como, por exemplo, A/a ; B/b. Se eles estão no
mesmo cromossomo, os alelos são escritos lado a lado e são separados dos que
estão em outro cromossomo por uma barra,como, por exemplo, AB/ab ou Ab/
aB. Quando não é conhecido se os genes estão ou não no mesmo cromossomo,
eles são representados através da separação por um ponto, como em A/a . B/b;
esses indivíduos duplamente heterozigotos são chamados também de di-híbri-
dos. Mendel, estudando os cruzamentos entre (A/a . B/b x A/a . B/b), encontrou
um outro importante princípio da hereditariedade.
Para realizar um cruzamento di-híbrido, o monge começou com duas linha-
gens parentais puras, sendo uma de sementes amarelas e rugosas e a outra de
sementes verdes e lisas. Como ele não conhecia o conceito de localização dos
genes nos cromossomos, é preciso usar um ponto na representação para este
genótipo A/A . l/l, ressaltando que a característica lisa (oposta à rugosa) é domi-
nante. O cruzamento entre duas linhagens produzindo sementes di-híbridas F1
de genótipo A/a . L/l, que são amarelas e lisas, respectivamente. Isto quer dizer
que a dominância de (A) sobre (a) e (L) sobre (l) não foi afetada pela presença
de heterozigosidade para cada par de genes em A/a . L/l. Em seguida, Mendel
fez cruzamentos di-híbridos pela autopolinização dos di-híbridos F1 para obter
a geração F2. As sementes F2 eram de quatro tipos diferentes nas proporções
seguintes: 9/16 sementes amarelas e lisas, 3/16 verdes e lisas, 3/16 amarelas e
rugosas e 1/16 verdes e rugosas.
Esta proporção inesperada de 9:3:3:1 parece ser bem mais complexa do que
a 3:1 de cruzamentos mono-híbridos. Mendel novamente fez outros cruzamen-
tos di-híbridos que incluíam várias outras combinações de caracteres e encon-
trou em todos os indivíduos F1 uma proporção de 9:3:3:1 de modo similar ao
que foi obtido para a cor e o formato.

20 • capítulo 1
Mendel contabilizou os números de indivíduos de um determinado fenótipo
da linhagem F2 para determinar se a proporção de mono-híbridos 3:1 era ainda
presente. Ele notou que, quanto ao formato da semente, foram encontradas 423
sementes lisas (315 + 108) e 133 rugosas (101 + 32). Este resultado é próximo da
proporção 3:1. Em seguida, quanto à cor, foram obtidas 416 sementes amarelas
(315 + 101) e 140 verdes (108 + 32), também próximas da proporção 3:1. Através
da presença destas duas proporções 3:1 escondidas na proporção 9:3:3:1, Mendel
compreendeu que isso era nada mais do que duas proporções 3:1 independentes
combinadas aleatoriamente. As proporções podem ser calculadas pela multipli-
cação de cada um dos ramos. Por exemplo, ¾ de ¾ é calculado como ¾ x ¾, que
é igual a 9/16. Tais multiplicações nos dão as seguintes proporções: ¾ x ¾ = 9/16
sementes amarelas e lisas; ¾ x ¼ = 3/16 sementes verdes e lisas; ¼ x ¾ = 3/16
sementes amarelas e rugosas e ¼ x ¼ = 1/16 verdes e rugosas.
Através do modelo, constatou-se que só era possível explicar a proporção
encontrada no cruzamento de di-híbridos através da segregação independente
dos fatores para as duas características analisadas para os gametas, que se com-
binam aleatoriamente. Esta é a Segunda Lei de Mendel.
Há casos que não seguem o padrão de dominância e recessividade como
nos exemplos anteriores. Entre eles, há a codominância, em que a combina-
ção dos genes alelos produz um fenótipo intermediário, como é observado nas
flores de Mirabilis jalapa (maravilha), em que plantas descendentes do cruza-
mento de plantas de flores vermelhas com plantas de flores brancas originam
plantas cor-de-rosa.
Outro caso interessante é a ação inibitória de um alelo de um gene sobre
o outro, este fenômeno é chamado de epistasia. O alelo que exerce a inibição
é chamado de epistático e o que sofre a inibição é o hipostático. Na epistasia,
podemos ter a relação de dominância quando apenas uma única cópia do ale-
lo epistático é suficiente para inibir o alelo hipostático (epistasia dominante).
Caso seja necessária a homozigose do alelo (dose dupla), esta epistasia é reces-
siva. Como exemplo, há a expressão do fenótipo cor de cabelo claro e escuro
sobre a calvície completa. Assim, mesmo que o descendente tenha os alelos res-
ponsáveis pela expressão de cor, se ele possuir o alelo para a calvície completa,
não haverá a manifestação do fenótipo de cor de cabelos.

capítulo 1 • 21
1.4  Fundamento Molecular para a Genética
Mendeliana

A base molecular da Primeira Lei de Mendel (segregação igual dos alelos na for-
mação dos gametas) pode ser exemplificada pelo mesmo organismo modelo
que Mendel utilizou, a ervilha (Pisum sativum). Ela é um organismo diploide,
em que todas suas células contêm dois conjuntos cromossômicos, exceto os
gametas que são produzidos por um tipo de divisão celular especializada no te-
cido germinal (ovários e anteras). Esta divisão é chamada de meiose e os movi-
mentos altamente programados dos cromossomos causam a segregação igual
dos alelos para os gametas. Na meiose de um heterozigoto A/a, o cromossomo
que carrega (A) é puxado do lado oposto do cromossomo que carrega o alelo (a).
Toda a organização complexa destas interações moleculares constitui a base
das leis de transmissão hereditária em eucariotos.
Normalmente, quando são analisados os diferentes alelos, como a cor de
semente ou o seu formato, nota-se que eles possuem sequências de DNA muito
parecidas, diferindo em uns poucos nucleotídeos. Portanto, estas pequenas va-
riações na sequência de DNA são, na verdade, versões diferentes de um mesmo
gene, que irão codificar proteínas com uma sequência de aminoácidos ligeira-
mente diferente e, desta forma, com diferentes propriedades.
Mas qual seria a relação dessas pequenas variações e a dominância de um
fenótipo? O fenótipo é a manifestação do genótipo, e vários fatores podem de-
terminar tanto a dominância como a recessividade. Um exemplo comum é um
alelo dominante que codifica uma proteína funcional e o alelo recessivo uma
proteína defeituosa (sem atividade). Assim, a manifestação da atividade desta
enzima será apenas observada no homozigoto dominante e no heterozigoto.
Dependendo da proteína expressa pelo gene, isto pode resultar em padrões de
herança como a codominância, na qual há a expressão dos dois alelos. No exem-
plo da flor maravilha visto anteriormente, há a expressão do pigmento verme-
lho assim como o branco, resultando em uma pigmentação final intermediária.
Em um outro exemplo, quando a epistasia é analisada, temos que a expres-
são de um gene é dependente de um ou mais genes, como, por exemplo, a cor
das pétalas de Primula que são controladas por epistasia dominante. No gêne-
ro Primula, o pigmento malvidina produz flores com coloração azulada. A sínte-
se desse pigmento é controlada pelo gene K, mas sua produção pode ser inibida

22 • capítulo 1
pela atuação do gene D, que é encontrado em outro locus gênico. Assim, o alelo
D é dominante sobre o alelo K, de modo que plantas com o genótipo KkDd não
irão produzir o pigmento malvidina devido à presença do alelo D.

1.5  Bases Cromossômicas da


Hereditariedade

A citologia (ciência que estuda as células, seus componentes e respectivas fun-


ções) desenvolveu-se no século XIX conforme foram aperfeiçoados os micros-
cópios e as técnicas de coloração e fixação. Muitos citologistas entre as décadas
de 1880 e 1890 possuíam opiniões diferentes sobre a importância do núcleo no
funcionamento da célula, assim como seu papel na hereditariedade, incluin-
do uma substância que se corava fortemente encontrada em seu interior, a
cromatina.
Esses cientistas observaram que um pouco antes do início da divisão celu-
lar, um emaranhado de cromatina formava cordões, chamados de cromosso-
mos. Quando a célula entrava no processo de divisão comum, a mitose, os cro-
mossomos duplicavam e se dividiam, de modo que as células filhas possuíam
o mesmo número de cromossomos da célula mãe. Já na formação de células
germinativas, o comportamento dos cromossomos era diferente do que era ob-
servado na mitose. Somente no século seguinte o comportamento dos cromos-
somos na meiose foi compreendido.
Naquela época, existiam três principais teorias sobre o papel dos cromos-
somos quanto à hereditariedade: a primeira teoria era baseada principalmente
na citologia e apontava que a cromatina ou os cromossomos eram os portado-
res do material hereditário. Essa teoria foi proposta por muitos cientistas no
final do século XIX. A segunda teoria era a do germoplasma de Weismann, em
que apenas as células germinativas eram responsáveis pela hereditariedade. As
demais células do corpo não possuíam papel na transmissão dos caracteres.
Tal teoria inviabilizava os postulados de herança de caracteres adquiridos pro-
postos pro Jean-Baptiste-Lamarck. A última e mais importante teoria surgiu a
partir das duas primeiras, a teoria cromossômica de hereditariedade mendelia-
na de Theodor Boveri e Walter Sutton no início do século XX). Boveri, através de

capítulo 1 • 23
experimentos com ouriços do mar, observou que um único cromossomo carre-
gava todas as características ao examinar embriões com desenvolvimento anor-
mal e verificar que possuíam alguns cromossomos ausentes. Esta observação
indicou que a teoria de Weismann estava incorreta, já que postulava que todos
os cromossomos seriam equivalentes.
Sutton, por sua vez, analisou os cromossomos de gafanhotos com a inten-
ção de analisar se seria possível ver os cromossomos como indivíduos distintos
morfologicamente. Como os cromossomos aparentavam se dissolverem em
um emaranhado entre as divisões celulares, alguns cientistas debatiam se os
mesmos cromossomos dissolvidos emergiam a partir do emaranhado. Sutton
concluiu que, embora os limites dos cromossomos não pudessem ser definidos
após cada divisão, a similaridade entre cada um dos cromossomos da célula
mãe com o conjunto cromossômico das células filhas estabelecia uma alta pro-
babilidade de que cada cromossomo é morfologicamente distinto e que por-
tariam uma relação genética comparável à existente entre as células mãe e as
células filhas.
Em 1902, o trabalho de Boveri e Sutton mostrou os cromossomos como in-
divíduos distintos tanto morfologicamente quanto funcionalmente. Primeiro,
por permanecerem como indivíduos distintos na interfase (entre as divisões ce-
lulares) e, segundo, por portarem diferentes qualidades hereditárias.
Na teoria mendeliana, o cruzamento artificial e a contagem das caracterís-
ticas geraram resultados a respeito dos caracteres hereditários compatíveis
com a teoria cromossômica. Tais caracteres correspondem aos alelos que con-
ferem características tais como sementes amarelas ou verdes, flores púrpuras
ou brancas, etc. Entretanto, como não se misturavam no híbrido (sem produzir
um fenótipo intermediário), os caracteres podiam ser considerados elemen-
tos individualizados, ideia reforçada pelo ressurgimento dos indivíduos puros
após o cruzamento dos híbridos. Outro ponto que reforçava esta correspondên-
cia era a segregação resultar em um ou outro caractere, mas não ambos em uma
determinada célula germinativa. Além disso, os diferentes pares de caracteres
eram distribuídos independentemente de modo que os descendentes os por-
tassem de forma misturada.
Tanto os humanos como as ervilhas estudadas por Mendel possuem dois
conjuntos de cromossomos (diploides) e todas as suas células, com exceção as da
linha germinativa, são chamadas de células somáticas (do grego, soma = corpo).

24 • capítulo 1
Dentro do núcleo de cada célula somática, há 46 cromossomos arranjados em
23 pares. Destes, 22 são chamados de cromossomos autossômicos (iguais para
homens e mulheres) que são numerados segundo seu tamanho, do maior para
o menor. O último par de cromossomos representa os cromossomos sexuais,
que em mulheres são dois cromossomos X e, em homens, um X e um Y. Cada
cromossomo porta um subconjunto diferente de genes que são arranjados li-
nearmente em seu DNA. Os cromossomos de cada par cromossômico são cha-
mados de cromossomos homólogos e carregam os mesmos genes na mesma
sequência, podendo diferir em alguns pontos dentro de alguns genes. Tais di-
ferenças geram os alelos.
Um membro de cada par de cromossomos é herdado do pai e o outro da
mãe. Em sua grande maioria, os membros do par são indistinguíveis um do
outro. Em mulheres, os dois cromossomos X (cromossomos sexuais) são ex-
tremamente similares. Já em homens, os cromossomos sexuais são distintos,
possuindo um cromossomo X idêntico ao das mulheres e um cromossomo Y,
que foi herdado de seu pai e é transmitido para seus filhos homens. Além do
cromossomo nuclear, os humanos possuem uma pequena porção de seu ge-
noma dentro das mitocôndrias no citoplasma (figura 1.6), que, além de partici-
parem do metabolismo energético, têm importantes implicações em algumas
doenças genéticas.

DNA Ribossomas Matriz Membrana Membrana


externa interna
©© SNAPGALLERIA | DREAMSTIME.COM

Complexos Cristas mitocondriais Espaço


F0, F1 intermembranoso

Figura 1.6

capítulo 1 • 25
1.6  A estrutura do DNA
Antes de iniciarmos o estudo da estrutura química e arranjo dos cromossomos,
é necessário abordar a sua natureza molecular, ou seja, o DNA. O DNA (deo-
xyribonucleic acid) ou ADN (ácido desoxirribonucleico) é uma macromolécula
formada por polímeros de ácido nucleico composto de três tipos de unidades:
uma molécula de açúcar com cinco carbonos (desoxirribose), uma base nitro-
genada e um grupo fosfato. As bases nitrogenadas são de dois tipos: as purinas
e as pirimidinas. Para o DNA, as purinas são a adenina (A) e a guanina (G), e as
pirimidinas são a citosina (C) e a timina (T). Com a macromolécula montada
com suas três unidades, ocorre a polimerização em longas cadeias de polinu-
cleotídeos através da ligação fosfodiéster 5´- 3´ formada entre as unidades ad-
jacentes de desoxirribose (figura 1.7).
©© MHOLOD | DREAMSTIME.COM

Timina
Adenina
Terminal 5´ Terminal 3´

Ligação
fosfato-desoxiribose

Terminal 3´ Citosina
Guanina Terminal 5´

Figura 1.7

A estrutura do DNA porta a informação química necessária para a transmis-


são da informação genética das células mãe para as filhas. No nível molecular, a
ordem dos nucleotídeos especifica as sequências de aminoácidos que formam
as cadeias polipeptídicas das proteínas.

26 • capítulo 1
A estrutura do DNA foi elucidada por James Watson e Francis Crick em 1953,
utilizando os resultados do trabalho de Rosalind Franklin de difração de raios-X
do DNA, mais precisamente uma micrografia em que se nota uma estrutura heli-
coidal (figura 1.8). A escada em espiral no sentido horário na qual as duas cadeias
polinucleotídicas seguem em direções opostas, unidas através de pontes de hi-
drogênio entre as bases nitrogenadas. A adenosina (A) pareia-se com a timina (T)
devido a formação de duas pontes de hidrogênio entre elas, e a citosina (C) pareia
com a guanina (G), havendo a firmação de três pontes de hidrogênio entre elas.
Devido a sua natureza complementar, conhecendo-se a sequência de uma das
fitas, facilmente pode-se determinar a sequência da fita complementar.

Figura 1.8

Normalmente, quando estudamos a descoberta da estrutura do DNA, te-


mos principalmente dois nomes de cientistas: James Watson e Francis Crick.
Entretanto, há um nome negligenciado de uma cientista que fez contribuições
essenciais para a elucidação da estrutura do DNA, Rosalind Franklin.
Rosalind, durante um seminário em novembro de 1951, apresentou as duas
formas do DNA, A e B. A forma A ocorre em condições de menor umidade e
temperatura do que a forma B (a mais comum nas condições fisiológicas da cé-
lula) e possui algumas diferenças quanto à distância entre as moléculas. Nesse
seminário, ela mostrou a posição do grupo fosfato na região externa da molé-
cula do DNA e especificou o teor de água encontrada na molécula que é funda-
mental para a estabilidade da mesma. Outra contribuição importante foi uma
fotografia de difração de raios-X da estrutura cristalina do DNA do tipo B. Tirada
por Rosalind em maio de 1952, mostrava claramente um padrão helicoidal para

capítulo 1 • 27
estrutura do DNA e, juntamente com suas conclusões precisas sobre os resul-
tados obtidos, Watson e Crick tinham em mãos todas as peças para montarem
seu modelo da estrutura do DNA. Este modelo resultou no prêmio Nobel de
Fisiologia ou Medicina de 1962 que laureou Francis Harry Compton Crick, James
Dewey Watson e Maurice Hugh Frederick Wilkins por “suas descobertas sobre a
estrutura molecular dos ácidos nucleicos e sua significância para a transferência
de informação para a matéria viva” disponível em : <http://www.nobelprize.org/
nobel_prizes/medicine/laureates/1962/> Acesso em: 18 de Abr. 2015.
Entretanto, não foram dados os créditos merecidos ao trabalho de Rosalind
Franklin, morta em decorrência de um câncer ovariano em 1958 aos 37 anos de
idade.

1.7  Organização dos Cromossomos


Humanos

O genoma humano está organizado em 46 cromossomos no núcleo e o cromos-


somo mitocondrial localizado na matriz mitocondrial (rever Figura 1.6 pg. 25)
no citoplasma. Cada cromossomo consiste de uma única fita de DNA linear em
dupla-hélice de modo que cada um dos 46 cromossomos nucleares são 46 mo-
léculas de DNA que somam mais de seis bilhões de nucleotídeos. O cromosso-
mo não é uma estrutura de DNA sozinha. Nele, estão agregadas várias classes
de proteínas que, além de outras atividades, empacotam o cromossomo para
formar a cromatina. Durante boa parte do ciclo celular, a cromatina é encontra-
da com uma forma relativamente homogênea. Entretanto, na divisão celular,
o genoma é compactado, quando se torna possível observar os cromossomos
individualmente.
As proteínas agregadas com o DNA fazem parte de uma complexa família de
proteínas básicas chamadas de histonas e um grupo diverso de proteínas não
-histonas, que ainda não foram muito bem estudadas, mas que demonstram
ter papéis muito importantes na manutenção de um ambiente adequado para
a atividade cromossômica normal.
Há cinco tipos principais de histonas, que possuem papéis importantes no
empacotamento correto da cromatina. Duas cópias de cada quatro núcleos de
histona H2A, H2B, H3 e H4 formam um octâmero. Cada um destes octâmeros é

28 • capítulo 1
espaçado por aproximadamente 140 pares de bases de DNA, que realizam duas
voltas ao redor do octâmero, dando a aparência de um colar de contas. Cada um
destes complexos é chamado de nucleossomo, considerado a estrutura básica
da cromatina (figura 1.9).

©© LUK COX | DREAMSTIME.COM

Figura 1.9

Além do material genético encontrado no núcleo das células, há um sub-


conjunto importante de genes que reside no citoplasma, no interior das mi-
tocôndrias (figura 1.6). O cromossomo mitocondrial possui uma estrutura
circular composto apenas de 16 kb (16 mil pares de bases), ou seja, menos
de 0,03% do menor cromossomo humano, codificando apenas 37 genes. Seus
genes possuem um padrão de herança exclusivamente maternal, que pode
ser explicada por duas teorias, a primeira que inclui a hipótese de diluição
de amostra, pois um ovócito possui uma média de 100.000 mitocôndrias, en-
quanto o espermatozoide possui ao redor de 50-70. Outra teoria aponta para
um processo ativo em que após a fertilização há a eliminação das mitocôn-
drias de origem paterna.

capítulo 1 • 29
1.8  Ploidia e Ciclo Celular
Os cromossomos e o conteúdo do DNA das células são definidos pelo número
(n) dos diferentes cromossomos, o conjunto de cromossomos e de seu conteú-
do de DNA associado (C).Para células humanas, o valor de n é igual a 23 e o de C
é de cerca de 3 pg (3,5 x 10-12 g). Diferentes tipos celulares em um organismo,
entretanto, podem diferir quanto à ploidia (número de cópias que o organis-
mo possui de seu conjunto de cromossomos). O espermatozoide e os óvulos
possuem apenas um conjunto de cromossomos. A maioria das células de ma-
míferos possuem duas cópias do conjunto de cromossomos, sendo chamadas
de diploides.
As células de nosso corpo são originadas de uma única célula diploide, o
zigoto, que é formado quando o espermatozoide fertiliza o óvulo. A partir do
zigoto, o organismo cresce através de uma série de divisões celulares. São es-
timadas cerca de 100 trilhões de células, que são derivadas de uma dezena, se-
não centenas, de mitoses. Cada ciclo de divisão compreende uma breve fase M,
durante a qual ocorre divisão celular, e uma fase bem mais longa chamada de
interfase, que é dividida em três partes. A primeira parte da interfase é a fase S
(durante a qual ocorre a síntese de DNA), seguida pelas fases G1 (um intervalo
entre a fase M e a fase S) e G2 (intervalo entre a fase S e a fase M).
Durante cada ciclo celular, os cromossomos passam por profundas mudan-
ças quanto a sua estrutura, número e distribuição dentro da célula. Do final
da fase M até a duplicação na fase S, os cromossomos de uma célula diploide
contêm uma única cópia de seu DNA e, assim, o seu conteúdo é de 2C. Após a
duplicação do DNA, o conteúdo passa a ser 4C, mas as cromátides duplicadas
são mantidas unidas ao longo de seu comprimento através do centrômero, de
modo que cada cromossomo possua o dobro de seu conteúdo de DNA de um
cromossomo no início da fase S. Durante a fase M, as duplas hélices duplicadas
se separam, gerando duas cromátides irmãs, resultando em uma ploidia de 4n.
Após uma distribuição igualitária dos cromossomos para as duas células filhas,
ambas irão possuir 2n cromossomos e um conteúdo de DNA de 2C.
Embora a mitose seja uma fase importante do ciclo celular, ela é uma fase
muito curta do ciclo de vida. O período entre duas mitoses é chamado de inter-
fase, mais especificamente a fase G1, período no qual a célula passa a maior
parte de sua vida e que representa o estado normal da mesma. Alguns tipos ce-
lulares, tais como neurônios e hemácias, não se dividem mais após terem se

30 • capítulo 1
diferenciado. Assim, elas estão permanentemente presas em uma fase distin-
ta de G1, chamada de G0. Outras células, como os hepatócitos, eventualmente
voltam para a fase G1 quando há um dano no fígado.
Apesar do mecanismo molecular que controla a progressão do ciclo celular
não seja completamente compreendido, o ciclo de vida é organizado por uma
série de pontos de checagem (checkpoints), que controlam a precisão da síntese
de DNA, assim como a montagem e a ligação de uma rede complexa de microtú-
bulos que facilitam o movimento dos cromossomos. Se algum dano no genoma
é detectado, estes checkpoints mitóticos retêm o ciclo celular até que o reparo
seja efetuado. Se não for possível consertá-lo, a célula é instruída a entrar em
um processo de morte celular programada, chamado de apoptose.
Ao analisar as figuras que retratam o ciclo de divisão celular, parece que
tudo o que é importante ocorre apenas nas fases S e M. Entretanto, isto é en-
ganoso, uma vez que a célula gasta a maior parte de sua vida nas fases G0 e G1,
períodos nos quais o genoma concentra a maioria do seu trabalho
Um pequeno conjunto de células diploides constitui a linhagem germinativa,
que, por sua vez, forma os gametas (as células espermáticas e os óvulos (ou ovó-
citos)). Nos humanos, onde n = 23, cada gameta contém um único cromossomo
sexual e mais 22 cromossomos autossômicos (não-sexuais). Nos óvulos, os cro-
mossomos sexuais são sempre X; nos espermatozoides, podem ser tanto X como
Y. Após a fertilização, o zigoto diploide resultante e quase todas as suas células
descendentes terão a seguinte constituição de cromossomos localizados dentro
do núcleo celular: 46,XX (mulher) ou 46, XY (homem).

1.9  Mitose
A mitose é um processo importante para a manutenção do conjunto cromos-
sômico, pois é um tipo de divisão celular em que cada célula parental (ou "cé-
lula-mãe"), ao se dividir, resultará em duas novas células (denominadas de
"células-filhas") de modo que cada "célula-filha" irá receber um conjunto de
cromossomos semelhantes em quantidade igual ao da célula parental. Em al-
guns organismos, a mitose atua na regeneração de partes do corpo, como, por
exemplo, em estrelas do mar, e na reprodução assexuada, como o brotamento
em hidrozoários que células de sua superfície sofrem mitose e formam uma
massa celular chamada de broto que acaba desenvolvendo um novo indivíduo.

capítulo 1 • 31
A duração do ciclo celular varia consideravelmente de um tipo de célula para
outra. Em células de ciclo de vida curto, que se dividem rapidamente, como as
células da pele, o ciclo pode ser completado em menos de 10 horas. Outros ti-
pos celulares, como as células do músculo esquelético e neurais, perdem consi-
deravelmente sua habilidade de se replicar quando o organismo atinge a idade
adulta.
As células iniciam o processo de divisão em resposta a estímulos internos e
externos. Antes de entrar em mitose, o DNA deve ser copiado de modo preciso
e completo e a célula deve alcançar o tamanho correto. A célula precisa respon-
der a estímulos externos de aumento ou diminuição das taxas de divisão. Um
dos mecanismos que regulam estas respostas envolve uma classe de moléculas
muito importantes denominadas ciclinas dependentes de quinases (CDKs).
Quinases são enzimas que transferem grupos fosfatos de moléculas doadoras
de alta energia, como o ATP ou o GTP, para moléculas alvo que podem, por efei-
to desta transferência, ser ativadas ou inativadas. A atividade das CDKs é de-
pendente da formação de um complexo com várias ciclinas, que são proteínas
sintetizadas em estágios específicos do ciclo celular e são, então, degradadas
quando a ação das CDKs não é mais necessária.
Durante o processo de divisão celular mitótico, um complicado mecanismo
entra em funcionamento para garantir que cada célula filha irá receber um con-
junto completo de cromossomos. Isto é resultado de um mecanismo que dis-
tribui uma cromátide para cada célula filha O processo de distribuição de cada
cópia de cada cromossomo para cada célula filha é chamada de segregação de
cromossomos e sua importância é ressaltada na constatação de que muitos
tumores são invariavelmente resultantes de erros mitóticos na distribuição de
cromossomos para as células filhas.
O ciclo da mitose é contínuo (figura 1.10), mas possui cinco fases distintas:
prófase, prometáfase, metáfase, anáfase e telófase. A prófase é o estágio que
inicia a mitose e é marcado por uma condensação gradual dos cromossomos e
o início da formação do fuso mitótico. Um par de centros organizadores de mi-
crotúbulos, também chamados de centrossomos, forma um centro a partir do
qual os microtúbulos se espalham. Os centrossomos gradualmente se movem
até atingirem os polos da célula.

32 • capítulo 1
2. Prófase
1. Intérfase 3. Prometáfase

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MITOSE

4. Metáfase 6. Telófase
Anáfase

Figura 1.10 – Ciclo da mitose.

Na prometáfase, a membrana nuclear se desfaz, permitindo que os cromos-


somos se dispersem na célula e se liguem, pelos seus cinetocoros, aos microtú-
bulos do fuso mitótico. Os cromossomos começam a se mover em direção ao
centro da célula e, nessa fase, continuam a se condensar.
A metáfase é caracterizada pela máxima condensação dos cromossomos. Eles
se arranjam no plano equatorial da célula, balanceados pelas forças exercidas
nos cinetocoros da cada cromossomo pelos microtúbulos que saem dos dois fu-
sos mitóticos. A anáfase se inicia quando há a separação dos cromossomos pelo
centrômero. As duas cromátides irmãs de cada cromossomo agora são cromos-
somos irmãos independentes, que se movem para os polos opostos da célula.
Finalmente, na telófase os cromossomos começam a se descondensar e a
membrana nuclear começa a se remontar em cada núcleo das células filhas, re-
tomando gradualmente a sua aparência na interfase. Para completar o processo
da divisão celular, o citoplasma se divide por um processo chamado de citocine-
se, que é iniciado conforme os cromossomos se aproximam dos fusos mitóticos.

capítulo 1 • 33
1.10  O cariótipo humano
Os cromossomos condensados de uma célula humana em divisão são facil-
mente analisados na metáfase ou na prometáfase. Nestas fases, os cromosso-
mos são visíveis ao microscópio, conforme os cromossomos se dispersam no
citoplasma. Cada cromossomo consiste de duas cromátides irmãs, embora, na
maioria das preparações de cromossomos, as duas cromátides estejam tão jun-
tas que são raramente visíveis como entidades separadas.
A maioria dos cromossomos é distinguida não somente pelo tamanho, mas
também pela localização de seus centrômeros. Os centrômeros são facilmente
reconhecidos como uma constrição da cromátide irmã decorrente da formação
do cinetocoro. O centrômero divide o cromossomo em dois braços, um menor
denominado p (do francês, petit = pequeno) e um braço maior que é chamado
de q. (figura 1.11). Quando observamos os cromossomos corados com o coran-
te Giemsa uma técnica comum em laboratórios de análises citogenéticas, há a
formação de um bandeamento nos cromossomos que é chamado de bandea-
mento G. O método consiste em um pré-tratamento com tripsina para digerir
as proteínas associadas aos cromossomos e pela coloração por Giemsa. O pa-
drão de bandeamento G é característico para cada cromossomo, sendo carac-
terizado por bandas mais claras alternadas com bandas mais escuras que são
correspondentes aos padrões das sequências de DNA, sejam pela abundância
de pares AT ou CG ou a presença de elementos de DNA repetitivo.
Cromossomos Cromossomos
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homólogos homólogos

Replicação
Centrômero Centrômero

Cromátide Cromátide

Cromátides irmãs
(formam um cromossomo)
Figura 1.11

34 • capítulo 1
Um procedimento comum para análise citogenética é recortar a fotomicro-
grafia dos cromossomos em metáfase para arranjá-los em pares. Este arranjo é
chamado de cariótipo, e é característico para cada espécie (figura 1.12 ).

Figura 1.12

1.11  Meiose
Cada organismo diploide começa sua vida a partir de uma única célula, tam-
bém diploide, formada a partir da fusão de um óvulo e uma célula espermática.
Assim, é preciso haver um mecanismo capaz de reduzir à metade o número de
cromossomos nos gametas, de forma a torná-los haploides, para que o novo
organismo tenha seu número de cromossomos igual ao de seus pais. Este pro-
cesso é denominado de meiose.
A meiose é um tipo de divisão celular específico de células germinativas,
também chamadas de células sexuais. Nela, há duas rodadas de síntese de DNA
seguidas de duas rodadas de segregação de cromossomos e, por fim, a divisão
celular (figura 1.13). Entretanto, os gametas masculinos e femininos, embora
passem pelos mesmos eventos, possuem tempos diferentes nos estágios do ci-
clo de divisão.

capítulo 1 • 35
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Divisão celular meiótica (ou Meiose)

Gametas
Duas células-filhas
Replicação
de DNA
Célula parenta
(célula-mãe)

Figura 1.13

A meiose é dividida em duas partes. Na Meiose I, também chamada de divi-


são reducional, o número de cromossomos é reduzido à metade após o parea-
mento dos cromossomos homólogos na prófase I, seguida pela sua segregação
para as duas células filhas na anáfase I. Apesar dos cromossomos X e Y não se-
rem exatamente homólogos, eles possuem regiões homólogas nas extremida-
des de seus braços curtos e longos, sendo possível, portanto, o seu pareamento
durante a meiose I.
Uma das características mais importantes da meiose I é a ocorrência da re-
combinação genética, chamada também de crossing-over meiótico, que con-
siste em trocas de segmentos entre cromátides não irmãs de um par de cro-
mossomos homólogos (figura 1.14). Este evento tem grande importância para
o mapeamento de genes responsáveis por desordens de origem genética, uma
vez que esta troca de material genético deve ser efetuada corretamente. Sua fa-
lha é uma das causas de anormalidades cromossômicas, como, por exemplo, a
síndrome de Down.

36 • capítulo 1
A G C C G M

G A T T A F

A G T T A C1

G A C C G C2

Figura 1.14

A prófase da meiose I possui cinco estágios, que começam durante a vida


fetal e, em mulheres, podem durar décadas. O primeiro estágio é denominado
Leptóteno (do grego, lepto = fino). Nele, os cromossomos homólogos duplica-
dos começam a se condensar, mas ainda não estão pareados. No Zigóteno (do
grego, zygo que indica a formação de um par), ocorre o pareamento dos cro-
mossomos homólogos duplicados, o também é chamado de sinapse, no qual
ocorre um alinhamento ao longo de todo o comprimento do cromossomo. A
fase seguinte é o Paquíteno (do grego, pakhus = espesso), na qual os cromos-
somos atingem um alto grau de condensação, a sinapse está completa e cada
cromátide irmã dos cromossomos homólogos são bem visíveis. Nesta fase
ocorre o crossing-over, com a quebra física e o religamento dos fragmentos
dos cromossomos. Durante Diplóteno (do grego, diplóos = duplo), os cromos-
somos homólogos começam a se separar e, algumas vezes, é possível obser-
var dois cromossomos homólogos ainda unidos em alguns segmentos. Estes
pontos são chamados de quiasmas, e são considerados os locais onde ocorre-
ram os crossings-overs. Por fim, é atingida a Diacinese (do grego, diá = através;
kineses = movimento), marcada pela máxima condensação e a finalização da
separação das cromátides.
Após o fim da prófase I, ocorre a metáfase I, na qual a membrana nuclear se
desfaz, os fusos se formam e os pares de cromossomos homólogos se alinham
no plano equatorial da célula com os seus centrômeros orientados na direção
dos polos da célula.

capítulo 1 • 37
Na anáfase I, os dois cromossomos bivalentes se separam e seus respectivos
centrômeros ligados às cromátides irmãs são direcionados aos polos opostos
da célula, processo chamado de disjunção. Após este processo a célula terá ape-
nas a metade dos cromossomos, resultando em uma célula diploide. As cro-
mátides irmãs são distribuídas de modo independente uma da outra possibi-
litando uma diversidade de combinações para todos os 23 cromossomos nos
gametas na ordem de 223, ou seja, mais de oito milhões de combinações, sem
considerar a variabilidade gerada através do crossing-over. Quando as cromáti-
des irmãs atingem os polos opostos da célula, temos a fase telófase I.
Seguida da telófase I, a célula se divide em duas células filhas haploides e en-
tra em uma interfase relativamente curta quando comparada com a mitose, uma
vez que não há síntese de DNA (não possui fase S). E, assim, inicia-se a meiose II.
A meiose II é semelhante à mitose, mas sem a duplicação do DNA, de forma
que há a separação das cromátides irmãs e uma cromátide de cada cromosso-
mo é passada para cada célula filha, gerando ao final, quatro células filhas ha-
ploides (figura. 1.15).

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Intérfase Prófase Metáfase Anáfase

Cromossomos
homólogos
separados

Centrossomas Fibras do fuso Cromátides irmãs


acromático permanecem ligadas

Figura 1.15 – Meiose

Muitas desordens cromossômicas são causadas por erros durante a meiose.


Gametas podem ser formados com cromossomos a mais ou a menos, ou com
cromossomos com estruturas alteradas. Quando os erros ocorrem durante a
mitose, em algumas circunstâncias podem causar câncer.

38 • capítulo 1
1.12  Gametogênese
O termo gametogênese refere-se ao conjunto de eventos que levam á formação
dos gametas masculinos e dos gametas femininos. As células designadas à
responsabilidade de produzirem gametas são reconhecidas bem cedo no de-
senvolvimento embrionário a partir da quarta semana de desenvolvimento na
região endodérmica do saco vitelínico. A partir do saco vitelínico, as células mi-
gram durante a sexta semana para os arcos genitais e se associam às células so-
máticas para formarem as gônadas primitivas, que logo se tornam os testículos
ou os ovários. A formação dos gametas masculinos recebe o nome de esperma-
togênese, e a formação dos gametas femininos é identificada como ovogênese
(ou oogênese).
Para que as células germinativas exerçam a função de transmissão do mate-
rial genético para os descendentes, elas devem reduzir a sua ploidia à metade,
ou seja, elas devem sofrer meiose. O estudo detalhado da espermatogênese e
da ovogênese permite identificar a meiose como principal etapa de cada um
deste processos, entretanto observam-se, nestas gametogêneses, algumas di-
ferenças peculiares muito importantes que podem ter consequências clínicas e
genéticas para os descendentes.
Na ovogênese, a meiose se inicia logo na vida fetal das mulheres, em um
número limitado de células. Em homens, a meiose se inicia continuamente em
muitas células a partir de uma população de células em divisão por toda a vida
adulta.

1.13  Espermatogênese
Em homens adultos, os dutos seminíferos (figura 1.16) dos testículos são reple-
tos de espermatogônias, que são células diploides originárias das células ger-
minativas primordiais que passam por muitas divisões mitóticas, produzindo
os espermatócitos primários. Cada espermatócito primário passa por meiose I
produzindo dois espermatócitos secundários, que possuem 23 cromossomos
com duas cromátides cada. Estas células passam pela meiose II e cada esper-
mátide contém apenas 23 cromossomos com apenas uma cromátide. Estas
células perdem a maior parte de seu citoplasma e desenvolvem uma cauda con-
forme se tornem uma célula espermática adulta.

capítulo 1 • 39
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Túbulo seminífero
Espermatogônia
Tipo A
Mitose

Espermatogônio 2n Espermatogônio
2n
Tipo A Tipo B

Espermatócito
2n primário
Meiose I
Espermatócito
n n secundário
Meiose II
Espermátides
n n n n (2 estágios de
diferenciação)
n
Espermiogênese
n Lúmen
Espermatozoide

Figura 1.16

Em humanos todo o processo é efetuado em 64 dias e produz uma enorme


quantidade de espermatozoides, tipicamente 200 milhões por ejaculação e um
total de 1.012 espermatozoides por toda a vida.

1.14  Ovogênese ou oogênese


A ovogênese é um processo que difere de muitos modos da espermatogênese.
Enquanto o ciclo da espermatogênese começa no homem adulto e se estende até
o final da vida, a ovogênese começa bem cedo, durante o período embrionário na
mulher (figura 1.17). O óvulo é o nome comum atribuído ao ovócito secundário,
o qual se desenvolve a partir das ovogônias, que são células que descendem das
células germinativas primordiais após cerca de 20 mitoses. Cada ovogônia é uma
célula central do folículo em desenvolvimento. Ao redor do terceiro mês de de-
senvolvimento, a ovogônia do embrião começa a se desenvolver em ovócitos pri-
mários, permanencendo a maioria na fase de prófase da meiose I. O processo de

40 • capítulo 1
ovogênese não é sincronizado de modo dentro do ovário fetal existem ovócitos
tanto em estágios iniciais como estágios finais.

Desenvolvimento
Oogênese
do folículo
Oogônio Folículo
Mitose primordial
2n

Oócito Folículo
primário em 2n primordial
profase O Antes do nascimento
Infância - ovário inativo

Folículo
primário
2n Oócito primário
Folículo em
crescimento
Meiose I

Folículo
n n Oócito secundário maduro
Primeiro
corpo polar
(morre)
Oócito secundário Ovulação
n
em metáfase II
Meiose II (finalizada
apenas se fertilizado)
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n 2n Zigoto Corpo
Segundo corpo lúteo
polar (morre)

Figura 1.17

Em cada ovário, há cerca de seis milhões de ovócitos na época do nascimen-


to. Entretanto, a grande maioria dos ovócitos se degenera sobrando ao redor
de 400 que eventualmente amadurecem e são ovulados. Os ovócitos primários
estão quase finalizados em prófase I na época do nascimento, e os que não se
degeneram permanecem parados neste estágio por anos, até fazerem parte da
ovulação no ciclo menstrual.

capítulo 1 • 41
Após a mulher ter alcançado a maturidade sexual, os folículos individuais
começam a crescer e a amadurecer, e uns poucos (uma média de um por mês)
são ovulados. Um pouco antes da ovulação, o ovócito rapidamente completa a
meiose I dividindo-se de modo que uma célula torna-se o ovócito secundário
(óvulo), contendo a maior parte de seu citoplasma com suas organelas, e a outra
se torna o primeiro corpúsculo polar.
Durante a ovogênese, uma célula haploide do óvulo e três corpúsculos pola-
res são produzidos pela meiose a partir da ovogônia diploide. O ovócito secun-
dário, então, emerge do folículo e desce pela tuba uterina, com o corpúsculo
polar ligado a ela. A meiose II inicia somente se o ovócito secundário é fecunda-
do por um espermatozoide. Se isto ocorre, um óvulo maduro haploide, conten-
do citoplasma, é formado, assim como outro corpúsculo polar. Estes corpús-
culos normalmente se desintegram. Cerca de uma hora após a fertilização, os
núcleos do espermatozoide e do óvulo se fundem, formando o zigoto diploide
que, por sua vez, irá iniciar o desenvolvimento do embrião através de uma série
de divisões mitóticas.
A fertilização usualmente ocorre no interior da luz da tuba uterina até um
dia após a ovulação acontecer. Embora uma imensa quantidade de espermato-
zoides possa estar presente, ocorre apenas a penetração de um único esperma-
tozoide no óvulo, que, por sua vez, desencadeia uma série de eventos molecula-
res que previnem a entrada de outro espermatozoide.

1.15  Importância Médica da Mitose e da


Meiose

Tanto a mitose quanto a meiose garantem a constância no número de cromos-


somos, seja de uma célula e suas células filhas (mitose), seja da geração de um
organismo para seus descendentes (meiose) através da formação dos gametas.
Todos os eventos moleculares que ocorrem na mitose e meiose devem ser
executados com muita precisão. Desta necessidade, surge a importância médi-
ca destas divisões celulares, pois, quando ocorrem erros em qualquer uma das
etapas tanto da mitose quanto na meiose, podem surgir indivíduos com um
número anormal de cromossomos e, consequentemente, uma dosagem anor-
mal de material genético, que pode provocar inúmeras síndromes, como a de
Down, Klinefelter, Turner, Patau entre outras.

42 • capítulo 1
A forma mais comum de erro que pode ocorrer durante uma divisão divi-
são celular é a não separação dos cromossomos, que pode ser chamada de não
disjunção. Ela ocorre com mais frequência durante a meiose na ovogênese. A
disjunção provoca anormalidades cromossômicas em fetos em uma proporção
não desprezível entre os fetos que chegam a se desenvolver. As anormalida-
des cromossômicas são a causa principal de morte em recém-nascidos, assim
como atraso no desenvolvimento intelectual.
As disjunções mitóticas podem ocorrer logo após a fertilização, seja no
embrião em desenvolvimento, seja nos tecidos extraembrionários (como, por
exemplo, a placenta), provocando uma condição chamada de mosaicismo
cromossômico.
Outro problema está nos erros de disjunção em células de divisões muito
rápidas, como as da epiderme, que podem ser um passo no desenvolvimento de
tumores. Desta forma, a avaliação das condições cromossômicas é uma impor-
tante ferramenta no diagnóstico e prognóstico de muitos tumores.

Glossário
Alelos: sequências diferentes de um determinado gene.
Apoptose: Processo de morte celular programada que ocorre em organis-
mos multicelulares, caracterizado por uma sequência de modificações celu-
lares: deformação do contorno celular, encolhimento, fragmentação nuclear,
condensação da cromatina e a fragmentação do DNA cromossômico.
Caracter: designa uma propriedade específica de um organismo; geneticis-
tas usam este termo como um sinônimo de característica.
Cariotipagem: procedimento de laboratório que permite examinar o con-
junto de cromossomos de um paciente, é uma técnica muito utilizada na detec-
ção de alterações cromossômicas, tanto numéricas quanto estruturais.
Células germinativas: células designadas para a formação de gametas.
Células somáticas: células que participam da formação do corpo, diferen-
ciando-se em vários tecidos, órgãos, etc.
Centrômero: região mais comprimida do cromossomo, à qual as fibras do
fuso se ligam durante divisão celular.
Ciclinas: Família de proteínas que controlam a progressão das células pelo
ciclo celular através da ativação por quinases (do inglês, Cdk =cyclin-dependent
kinase)

capítulo 1 • 43
Cinetocoro: estrutura proteica que se encontra sobre as cromátides, onde as
fibras do fuso se ligam durante a divisão celular para puxar as cromátides irmãs
para os polos celulares.
Cromátide: um dos filamentos de DNA formado pela duplicação do cromos-
somo durante a fase S da divisão celular.
Cromossomos autossômicos: cromossomos não ligados às características
sexuais.
Cromossomos homólogos: cromossomos que são iguais entre si, formando
pares, sendo que um deles é de origem paterna e o outro de origem materna.
Cromossomo sexual: cromossomo que porta informações que determinam
a diferenciação sexual.
Crossing-over: Troca de material genético entre os cromossomos homólo-
gos, que ocorre durante a prófase I da meiose através de um processo chamado
de sinapse.
Difração de raios-X: Técnica que utiliza um feixe raios-X que é direciona-
do em um cristal sólido, no qual seus componentes estão organizados em um
padrão tridimensional definido, e, através da medida dos ângulos de difração
(desvio) dos raios que atingiram o material analisado, pode-se descobrir a dis-
tância dos átomos no cristal e, assim, a sua estrutura tridimensional.
Di-híbrido: Híbrido cujos pais diferem em dois caracteres hereditários.
Diploide: organismo que possui dois conjuntos de cromossomos.
Dominante: alelo que, mesmo na presença de outros alelos, manifesta seu
fenótipo.
Fibras do fuso: estrutura proteica composta principalmente microtúbulos,
que segrega os cromossomos entre as células filhas durante a divisão celular.
Fenótipo: derivado do grego, literalmente, significa “a forma que é mostra-
da”. Aparência de um organismo como resultado da interação do genótipo e do
ambiente.
Genes: sequência linear de DNA que codifica instruções para a síntese
de uma sequência de RNA, que pode ser traduzida para a produção de uma
proteína.
Genotipagem: processo em que são identificadas pequenas regiões do DNA,
que são denominadas marcadores, estes segmentos variam de indivíduo para
indivíduo. O próprio teste de paternidade pode ser considerado uma genotipa-
gem, com o objetivo de identificar um indivíduo.

44 • capítulo 1
Genótipo: a soma de todos os genes transmitidos entre a geração parental e
seus descendentes.
Giemsa: coloração utilizada em citogenética que é específica para os grupos
fosfato da molécula de DNA ligando-se em regiões ricas em adenina e timina,
originando o bandeamento G.
Haploide: organismo que possui apenas um conjunto de cromossomos.
Heterozigoto: organismo que possui diferentes alelos para um determina-
do gene.
Histonas: Proteínas com carga positiva que se ligam ao DNA e são as prin-
cipais proteínas do nucleossomo. Possui muita importância na regulação de
genes.
Homozigoto: organismo que possui pares de genes idênticos com respeito
a um determinado par de alelos.
Microtúbulos: Estruturas proteicas constituintes do citoesqueleto, com di-
âmetro de 24 nm e de diversos comprimentos, formados através da polimeriza-
ção de um dímero de duas proteínas globulares, as tubulinas alfa e beta.
Mono-híbrido: Híbrido cujos pais diferem em apenas um caractere
hereditário.
Nucleossomo: Estrutura fundamental da cromatina, constituída de uma
molécula de DNA dividida em duas espirais que se enrolam em torno de um
disco proteico formado pelas histonas.
Quiasmas: Ponto no qual duas cromátides se encontram durante o crossin-
g-over. Esta estrutura se forma após o pareamento dos cromossomos homólo-
gos quando ocorre a quebra dos mesmos e a recomposição com a troca entre
os homólogos.
Quinases: tipo de enzima que catalisa a transferência de grupos fosfatos de
grupos altamente energéticos de moléculas doadoras (por exemplo, ATP) para
receptores específicos. Esta transferência pode tanto ativar quanto desativar a
molécula receptora.
Recessivo: alelo que apenas manifesta seu fenótipo na ausência de alelos
dominantes.
Sinapse meiótica: pareamento de dois cromossomos homólogos durante a
prófase I da meiose.

capítulo 1 • 45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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guided study. New Brunswick: Rutgers University Press, 1993, 220 p.
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Oxford University Press, 1991, 328 p.
GRIFFITHS, Anthony J.F.; WESSLER, Susan R.; LEWONTIN, Richard C.; GELBART, William M.;
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Freeman and Company, 2004, 800 p.
NUSSBAUM, Robert L.; McINNES, Roberick R.; WILLARD, Huntington F.; HAMOSH, Ada. Genetics in
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STRACHAN, Tom; READ, Andrew. Human Molecular Genetics. 4. ed., Oxford: Garland Sciences,
2010, 781 p.
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<http://philoscience.unibe.ch/documents/kursarchiv/SS07/Elkin2003.pdf> acessado em: 18 de Abr.
2015.

46 • capítulo 1
2
Genoma Humano
2.1  Aspectos históricos
A primeira definição de gene foi dada por Wilhelm Johannsen em 1909, influen-
ciado pelos trabalhos de Hugo de Vries. Esta foi a primeira tentativa de criar um
termo que representasse um elemento que ligasse uma entidade física herdada
para um fenótipo observável. Durante o século XX, as propostas do conceito foca-
ram na estrutura física do DNA e no aumento da compreensão sobre o processo
de sua replicação e da transcrição do RNA. Tais estudos levaram à identificação
de novos elementos no genoma, o que ajudou a aprimorar a compreensão sobre
as propriedades físicas do DNA e a definição do termo gene.

2.2  Definição de gene


Definir o gene como uma sequência de DNA que codifica uma cadeia polipep-
tídica, por exemplo, ignoraria as sequências responsáveis pela síntese do RNA
ribossomal e do DNA de transferência. Da mesma forma, também não iria con-
siderar regiões regulatórias dentro da sequência “gênica” que são importantes
para a expressão adequada do gene, embora ela não seja nem transcrita nem
traduzida.
Frequentemente, os genes são considerados sinônimos de open reading
frames que são traduzidos como quadros abertos de leitura, ou simplesmente
ORFs. Em organismos procariotos, as ORFs se apresentam como uma sequên-
cia ininterrupta. Em eucariotos, diferentemente, a sequência é interrompida
por íntrons, enquanto que as sequências utilizadas na tradução são chamadas
de éxons (Ver item 2.7.3). Assim, a região do cromossomo que porta a informa-
ção para a produção de determinada sequência polipeptídica pode ser muitas
vezes maior do que a sequência que será definitivamente traduzida.

2.3  Projeto Genoma Humano


O projeto do sequenciamento do genoma humano foi um grande divisor de
águas no desenvolvimento do diagnóstico molecular, ele foi oficialmente
fundado em 1990 e constituiu um grande esforço internacional para o ma-
peamento do genoma humano e as sequências de todos os nucleotídeos que

48 • capítulo 2
constituem o nosso genoma. O projeto foi dirigido pelo Instituto Nacional de
Saúde estadunidense (NIH) em colaboração com laboratórios de vários países,
incluindo países em desenvolvimento, o que constituiu o Consórcio Interna-
cional de Sequenciamento do Genoma Humano.
Em 1998, Craig Venter fazer o sequenciamento do genoma humano, por ini-
ciativa própria, através da empresa Celera Genomics, prometendo sequenciar o
genoma em menos tempo e com um custo bem menor, cerca de dois bilhões de
dólares, o que era uma fração do que foi estimado pelo Consórcio Internacio-
nal, ao redor de três bilhões de dólares.
Após mais de 10 anos do início do Consórcio Internacional, em 200, o primei-
ro rascunho do genoma foi lançado em 11 artigos na edição de 15 de fevereiro
de 2001 da revista científica britânica Nature, os resultados do sequenciamento
da Celera foi publicado um dia após no número 16 da revista estadunidense
Science. O projeto apenas foi finalizado em 2003 com sucesso, com o sequen-
ciamento de 99% do genoma humano, com uma precisão de 99,99%.
Com o Projeto Genoma Humano, o conhecimento sobre a estrutura e a fun-
ção dos genes em humanos teve um grande progresso. Foram sequenciados cer-
ca de três bilhões de nucleotídeos que portam as informações necessárias para
a elaboração da intricada anatomia, bioquímica e fisiologia do corpo humano.
Mesmo com todas as sequências do genoma, ainda é preciso saber o número de
genes, estimados em cerca de 25.000, mas isto apenas é um esboço da complexi-
dade que irá emergir após todos estes dados serem, enfim, entendidos.
Se considerarmos o paradigma central (um gene – uma proteína), dos
25.000 genes, seriam esperadas 25.000 proteínas correspondentes. E este nú-
mero de proteínas parece ser insuficiente para toda a vasta gama de funções
processadas dentro das células humanas. Uma resposta para esta questão é en-
contrada em duas particularidades dos genes de eucariotos. A primeira é que
muitos genes são capazes de gerar várias proteínas, não apenas uma; e a segun-
da são as modificações após a tradução que algumas proteínas podem sofrer
(ver item 1.8). Desta forma, o repertório de proteínas que podem ser criadas a
partir do genoma pode ser expandido extremamente. Desse modo, é estimado
que, a partir dos 25.000 genes, podem ser codificadas mais de um milhão de
proteínas diferentes. Outra particularidade seria a percepção de que as proteí-
nas não atuam sozinhas, uma vez que elas atuam em uma rede complexa que é
regulada por muitos sinais químicos diferentes, tanto internos como externos,
o que aumenta ainda mais a diversidade de possíveis funções celulares.

capítulo 2 • 49
2.4  Estrutura química do DNA
Tanto o DNA como o RNA possuem como esqueleto molecular resíduos de
açúcar alternados com grupos fosfato. Os resíduos de açúcar estão ligados por
pontes 3’-5’ fosfodiéster, no qual o grupo fosfato liga-se ao carbono 3’ de um
açúcar com o átomo 5’ do próximo resíduo de açúcar no suporte principal de
açúcar-fosfato.
As duas fitas de DNA são mantidas juntas através de pontes de hidrogênio
para formar a dupla hélice. Nem sempre o DNA é encontrado em dupla fita,
alguns genomas de vírus são de fita simples. As pontes de hidrogênio são obser-
vadas lateralmente entre os pares de bases das fitas complementares de acordo
com a regra de Watson e Crick, com as Adeninas pareando com as Timinas e as
Citosinas com as Guaninas (A-T e C-G).
Pontes de hidrogênio
Bases nitrogrenadas Timina Adenina
Adenina
Timina
Guanina
Citosina

Par de bases
nitrogenadas
Citosina
Guanina
Ligações
fosfodiéster
Ligações fosfodiéster Bases Ligações fosfodiéster

Bases nitrogenadas

Fosfato

Açúcar
Figura 2.1

50 • capítulo 2
A forma como as duas fitas da dupla hélice de DNA se curvam uma sobre a
outra produz uma fenda maior e outra menor, nas quais a distância ocupada
por uma única volta completa da hélice é de 3,6 nm. O DNA pode adotar dife-
rentes tipos de estrutura helicoidal, dependendo das condições fisiológicas. O
DNA em eucariotos e procariotos geralmente está na forma B, que possui uma
orientação da hélice no sentido horário e com 10 pares de bases por volta. Há
duas outras formas mais incomuns: a forma A com a hélice em sentido horário
e 11 pares de bases por volta e a forma Z em sentido anti-horário e 12 pares de
bases por volta.
A informação genética está codificada na sequência linear das bases do DNA,
e, como as duas fitas do DNA possuem sequências complementares, apenas a
sequência de uma fita do DNA é necessária para descobrir a fita complementar.
Usualmente, a sequência do DNA é escrita na direção 5’-3’, que é a orientação
de síntese da nova fita de DNA ou RNA a partir de uma fita molde DNA.
Um detalhe interessante ao descrever a sequência de DNA é que, quando se
menciona uma região com duas bases vizinhas (dinucleotídeo) em uma única
fita, é comum inserir a letra p entre as bases, como por exemplo, CpG, que de-
nota que há uma ligação covalente fosfodiéster entre elas. Se for escrito apenas
CG, entre as bases, há apenas pontes de hidrogênio, pois elas estão em fitas
diferentes, são apenas complementares.

2.5  Aspectos gerais sobre a Replicação (ou


Duplicação) do DNA

O DNA se replica de modo semiconservativo, de modo que uma das fitas será
parte da dupla hélice nova. A replicação do DNA começa através da ação da en-
zima helicase que abre a dupla fita. Estas duas servirão de molde para a DNA
polimerase fazer uma fita de DNA complementar, através de quatro deoxinu-
cleotídeos trifosfato (dATP, dCTP, dGTP e o dTTP). Após a replicação, têm-se
duas dupla hélices filhas que contêm, cada uma, uma fita da molécula parental
e uma nova fita de DNA recentemente sintetizada.
A duplicação do DNA (figura 2.2) ocorre em pontos específicos chamados
de origens de replicação e, ao iniciar a replicação, tais sítios formam uma for-
quilha de replicação, em que a dupla fita parental é aberta e a fita parental anti

capítulo 2 • 51
-paralela funciona como padrão para a síntese de uma nova fita complementar
que corre em direção oposta.

Figura 2.2 – Replicação do DNA.

Como há duas duplas fitas sendo montadas ao mesmo tempo, uma delas
terá a extremidade 3’ da fita complementar disponível. A sua síntese é contí-
nua, uma vez que a DNA polimerase catalisa a adição de um resíduo monofos-
fato deoxinucleotídeo (dNMP) para o próximo grupo 3’ hidroxila livre da fita de
DNA crescente. Esta nova fita é chamada de fita líder, pois sua síntese é contí-
nua e a elongação do DNA ocorre na mesma direção da abertura da forquilha
de replicação.
A outra fita sendo sintetizada corre no sentido oposto ao da líder e precisa
ser montada em vários passos sucessivos, uma vez que a polimerase precisa de
uma extremidade 3’ livre da fita molde para copiar a sequência. Assim, a sínte-
se é reiniciada em vários fragmentos conforme a forquilha de replicação vai se
abrindo. Estes fragmentos de DNA são gerados com sequências nucleotídicas
entre 100 a 1000 bases, e são chamados de fragmentos de Okazaki. Estes frag-
mentos são, ao final, unidos através da ação da enzima ligase para garantir a
criação de duas duplas fitas completas. Logo, a síntese de DNA também é semi-
descontínua.
A maquinaria intracelular necessária para a duplicação do DNA é composta
por uma grande variedade de proteínas e de iniciadores (“primers”) de RNA, e é
um processo extremamente conservado na evolução. A maioria das polimera-
ses em células de mamíferos utiliza uma fita individual de DNA como padrão

52 • capítulo 2
para a síntese de uma fita complementar de DNA. A DNA polimerase é uma en-
zima que normalmente requer uma extremidade 3’ hidroxila de um par inicia-
dor de bases nitrogenadas como substrato. Assim, um primer de RNA, sintetiza-
do pela enzima primase, é necessário para fornecer um grupo 3’OH para a DNA
polimerase iniciar a síntese de DNA.
Em células de mamíferos, existem ao redor de 20 tipos diferentes de DNA
polimerases, a maioria delas utiliza DNA como molde para sintetizar uma nova
fita DNA e são agrupadas em quatro famílias: A, B, X e Y (tabela 2.1).
Os membros da família B são compostos por polimerases clássicas. São
polimerases de alta fidelidade (baixa porcentagem de erro) e incluem enzi-
mas dedicadas à replicação do DNA nuclear. A maioria delas possui atividade
3’-5’exonuclease, necessária para a revisão das bases (proofreading), onde, se
uma base errada é inserida no grupo 3’OH da cadeia crescente de DNA, a ati-
vidade 3’-5’exonuclease da polimerase a retira, o que fornece a alta fidelidade
na replicação, com uma taxa de erro de inserção de base extremamente baixa.
A DNA polimerase α, que pertence à família B das polimerases, é um com-
plexo de polimerase e primase que atua na iniciação da síntese de DNA dos
fragmentos de Okazaki. As DNA polimerases δ (delta) e ε (épsilon) são respon-
sáveis pela maioria da síntese de DNA.
Muitas polimerases trabalham em pares e são envolvidas no reparo ou na
recombinação e incluem polimerases clássicas de alta fidelidade responsáveis
pela replicação do DNA (DNA polimerases δ e ε) e outras envolvidas no reparo
ou na recombinação. Algumas polimerases são mais susceptíveis a incorpora-
rem bases erradas na fita crescente, mais notavelmente as DNA polimerases ι
(iota) que podem ter uma taxa de erro 20.000 vezes maior do que as DNA poli-
merases ε. Esta alta taxa de erro é tolerada, pois estas polimerases são respon-
sáveis pelo reparo de DNA e sintetizam apenas pequenos segmentos de DNA.

FAMÍLIA EXEMPLOS
A Pol γ (gamma) e Pol θ (theta)
B DNA polimerase II, Pol ζ (zeta), Pol α (alfa), δ (delta), e ε (épsilon)
X Pol β (beta), Pol σ (sigma), Pol λ (lambda), Pol μ (mu),
Y Pol η (eta), Pol ι (iota), Pol κ (kappa),

Tabela 2.1 – Família de DNA polimerases de eucariotos.

capítulo 2 • 53
2.6  Teorias de replicação do DNA
Além da teoria semi-conservativa, que é a atualmente aceita, havia outros dois
modelos alternativos: o conservativo e o dispersivo. No modelo de replicação
conservativo, a molécula de DNA parental (o DNA que será copiado) é preserva-
da, e as cópias de DNA contêm duas fitas novas recém-sintetizadas. No modelo
de replicação dispersivo, as duas fitas filhas continham segmentos mesclados
de DNA recém-sintetizado com o DNA parental.

Três teorias da replicação do DNA

Semiconservativa

Conservativa*

Dispersiva*
Cadeia ou "fita"
recentemente sintetizada
Cadeia original * não foi provado ser
biologicametne significante

Figura 2.3

*Estes dois modelos foram descartados pelo experimento desenvolvido por Mathew Meselson e Franklin Stahl no final

da década de 1950.

Meselson e Stahl (1958) cultivaram a bactéria Escherichia coli em um meio de


cultura que possuía como única fonte de nitrogênio um sal contendo 15N. Após
vários ciclos de replicação, todo o nitrogênio presente nas moléculas de DNA
das células bacterianas vivas era do isótopo 15N, ao invés do 14N, que é o isótopo
normalmente encontrado na natureza. Em seguida, as bactérias foram trans-
feridas para um meio contendo apenas o isótopo mais leve de nitrogênio (14N),
de modo que todo o DNA que fosse sintetizado após a transferência teria ape-
nas nitrogênio 14N.

54 • capítulo 2
Para efetuar a distinção destas duas fitas foi utilizada a técnica de centri-
fugação de equilíbrio em gradiente de densidade, que consiste no uso de um
gradiente de concentração de césio em um tubo, de modo que a concentração
deste sal é maior no fundo e se torna gradativamente menos denso no topo do
tubo. Quando as moléculas de DNA são misturadas em uma solução de cloreto
de césio, e essa mistura é submetida a uma centrifugação de alta velocidade, até
de 100.000 rotações por minuto, sob refrigeração e baixa pressão atmosférica
(ultracentrifugação), as moléculas se posicionarão no gradiente de césio, for-
mando uma banda correspondente à sua própria densidade.
A mistura de DNA das culturas celulares de E. coli, que possuem os dois isó-
topos de N, possuem densidades diferentes e quando submetidas à ultracentri-
fugação serão separadas em duas bandas, uma mais ao fundo (mais densa) que
corresponde ao DNA que possui 15N e um mais próximo do topo do tubo, menos
denso, que porta o 14N.
No experimento de Meselson e Stahl foram extraídos o DNA de forma perió-
dica e as bandas obtidas na ultracentrifugação foram comparadas com o DNA
que possuía apenas 14N e com o DNA portando apenas 15N. O DNA extraído da pri-
meira geração de bactérias que possuía 15N e cultivada em 14N apresentava uma
posição intermediária do gradiente, entre as que possuíam apenas o nitrogênio
14
N (mais acima) e as que possuíam o 15N (mais abaixo). Isso descartou o modelo
conservativo de replicação de DNA, pois, se este modelo fosse o correto, haveria
quantidades iguais de DNA com densidades maiores (15N) e densidades menores
(14N), mas não uma densidade intermediária, como foi encontrada. Mas o resul-
tado ainda era consistente com o modelo dispersivo e o semiconservativo. Segun-
do o modelo dispersivo, seriam obtidas duas bandas com uma mistura de DNA
com 14N e 15N, e, no semiconservativo, seriam obtidas uma fita com DNA com 15N
e uma outra com 14N, o que resultaria em uma densidade intermediária.
Os pesquisadores continuaram o experimento e o DNA extraído de bacté-
rias após duas replicações do DNA formaram duas faixas no gradiente de césio,
uma correspondente com a densidade intermediária de DNA de células que fo-
ram crescidas por um tempo suficiente para que ocorresse apenas uma divisão
em meio com 14N , e outra com DNA de células que cresceram apenas em meio
que possuía 14N. Isso era inconsistente com a modelo de replicação dispersivo,
que formaria apenas uma única densidade, menor que a densidade interme-
diária de uma célula que possuía apenas 14N, conforme o 15N era perdido após

capítulo 2 • 55
cada duplicação do DNA nas células bacterianas. Deste modo, o resultado obti-
do concorda com o modelo de replicação semiconservativo do DNA.

ADN N14 ADN N15 Absorbância


a 260 nm

Centrifugação
Gradiente CsCl
N14
Início
14 Gerações N16 Absorbância
a 260 nm

Centrifugação
Gradiente CsCl
N15
Geração 0
Meio com N14 Absorbância
a 260 nm
2 1
Centrifugação
Gradiente CsCl
N14 -N15 N15
½ Geração
Meio com N14 Absorbância
a 260 nm

Centrifugação
Gradiente CsCl
N14 -N15
1 Geração
Meio com N14 Absorbância
a 260 nm
1 1
Centrifugação
Gradiente CsCl
N14 N14 -N15
2 Gerações N14

Meio com N14 Absorbância


a 260 nm
3 1

CsCl
N14 N14 -N15
3 Gerações

Figura 2.4

56 • capítulo 2
2.7  Moléculas de RNA e processamento do
RNA

2.7.1  Tipos de moléculas de RNA

O RNA, apesar de ter uma composição molecular muito parecida com a do DNA,
possui, entre outras diferenças, apenas um átomo de oxigênio a mais ligado
quimicamente em cada ribose (tipo de pentose) que constitui cada nucleotídeo
de sua cadeia molecular. Este átomo de oxigênio possui tamanho impacto que
é possível observar as diferenças das estruturas encontradas no RNA e DNA.
O RNA é normalmente encontrado como fita simples e determinadas se-
quências possuem atividade catalítica (ribozimas), o que fez esta molécula
ser considerada a molécula que portava a informação e atividade catalítica na
célula primordial. Na hipótese do surgimento da vida, somente depois o DNA
tornou-se o portador padrão de informação genética e as proteínas como com-
ponentes estruturais e agentes catalisadores.
Entre as moléculas de RNA mais importantes tem-se o RNA mensageiro
(mRNA) que é uma transcrição do gene em uma molécula de RNA, que é pro-
duzido pela RNA polimerase. Outras moléculas de RNA possuem papéis im-
portantes na catalisação de reações bioquímicas, como os ribossomos, que
possuem tanto uma parte proteica quanto uma de RNA, chamado também de
RNA ribossômico (rRNA). Eles utilizam a informação transcrita no mRNA para
produzir proteínas. E, para a montagem da cadeia de aminoácidos, há a partici-
pação de uma outra molécula de RNA, o RNA transportador (tRNA), que entrega
os aminoácidos para os ribossomos.

CONEXÃO
http://www.the-scientist.com/?articles.view/articleNo/39252/title/RNA-World-2-0/.

capítulo 2 • 57
2.7.2  Aspectos gerais sobre a transcrição do DNA em um RNA

A transcrição é definida como sendo um processo em que é sintetizada uma


molécula de RNA que será a cópia complementar de um segmento de uma das
fitas do DNA do DNA. A transcrição de um segmento do DNA em uma fita de
RNA é efetuada através da RNA polimerase, que reconhece e se liga a sequên-
cias específicas da fita de DNA que são identificadas como promotores (por
serem sequências de nucleotídeos de DNA que promovem o início da transcri-
ção). Assim, é iniciada a síntese do RNA mensageiro.
Em bactérias, o promotor possui duas sequências que, baseadas na frequ-
ência em que foram encontradas em várias sequências de promotores bacte-
rianos, são consideradas sequências consenso: TTGACA em uma posição -35
(35 nucleotídeos antes do sítio de iniciação da transcrição) e a sequência TA-
TAAT na posição 10. Poucos promotores bacterianos possuem exatamente a
sequência consenso. Entretanto, se vários promotores forem comparados, será
encontrado um grande número deles como as mesmas bases nucleotídicas em
algumas posições. Esta variação de bases nitrogenadas possui influência na afi-
nidade com que os ribossomos se ligam ao promotor.
Em eucariotos, há três RNA polimerases (I, II e III). A polimerase I em eu-
cariotos superiores é especializada na produção de boa parte do rRNA, exceto
a subunidade 5S do ribossomo, que é produzida pela RNA polimerase III, que
também é responsável pela produção do tRNA.
A maioria dos genes é transcrita pela RNA polimerase II (tabela 2.2). Mas
nenhuma delas pode iniciar a transcrição sozinha. Elas precisam de fatores re-
gulatórios como, por exemplo, as sequências promotoras que são uma varie-
dade de sequências encontradas próximas dos genes. Fatores de transcrição
reconhecem os promotores e se ligam a eles, que, então, guiam e ativam a RNA
polimerase. Os fatores de transcrição são ditos como fatores de ação trans, pois
são produzidos por outros genes e precisam migrar para seus locais de atuação.
Enquanto isso, as sequências promotoras são denominadas de fatores cis, pois
são localizados na mesma molécula de DNA que os genes regulados por eles.

58 • capítulo 2
RNA POLIMERASE RNA SINTETIZADO
I 28S rRNAa, 18S rRNAa, 5.8S rRNAa
II mRNAb, miRNAc, a maioria dos RNA snd e RNAssnoe
5S rRNAa, tRNAf, U6 RNAsng, 7SLRNAh, vários outros RNAs
III
pequenos não codificantes
Tabela 2.2 – RNA polimerases eucarióticas.

a
RNA ribossomal. b RNA mensageiro. c MicroRNA. d RNA pequeno nuclear. e RNA pequenos nucleolares.
f
RNA de transferência. g U6 RNAsn é um componente do spliceossomo , um complexo de proteína-RNA
que remove as sequências não codificantes da fita de RNA recém transcrita. h7SL RNA é a parte do
reconhecimento da partícula de sinal que possui papel importante no transporte das proteínas recém
sintetizadas.

A RNA polimerase II reconhece frequentemente os promotores denomina-


dos TATA box ou sua variante TATAAA, que é uma sequência comumente en-
contrada cerca de 25 pares de bases a montante em genes que são ativamente
transcritos pela RNA polimerase II em determinados estágios do ciclo celular
ou em alguns tipos específicos de células.
Outro promotor comum é o GCbox que possui como variante a sequência
GGGcGG e ocorre em uma variedade de genes, muitos daqueles não possuem
o TATA box. Como, por exemplo, têm-se os genes chamados de housekeeping,
responsáveis por funções comuns em muitas células, como a codificação de
polimerases, histonas e proteínas ribossomais.
Para que um gene seja transcrito pela RNA polimerase II, é necessária a li-
gação de vários fatores de transcrição, formando um complexo de pré-iniciação
que inclui os fatores TFIIA, TFIIB, TFIID, TFIIE, TFIIF e TFIIH. Além dos fatores
de transcrição mencionados, há sequências específicas que são reconhecidas
por fatores de transcrição tecido-específicas, como, por exemplo, uma sequên-
cia amplificadora, que representa um grupo de sequências curtas de atuação
em cis que podem amplificar a atividade transcricional de um gene específico.
Entretanto, diferente de um promotor, que possui uma posição relativamente
constante, as sequências amplificadoras são localizadas em distâncias variá-
veis de seus sítios de iniciação transcricional.
Nos eucariotos, o transcrito primário possui um ciclo de vida bem curto pas-
sando por um processo de vários passos: o primeiro é a adição de um cap na

capítulo 2 • 59
extremidade 5’. Esta sequência é reconhecida pelos ribossomos para a síntese
de proteínas. O mRNA é clivado em determinadas posições na extremidade 3’
e uma longa sequência de adenosinas (cauda poli-A) é adicionada na região 3’
que não é traduzida. O último processamento é a retirada dos íntrons e a união
dos éxons, chamado de splicing.
Assim, o transcrito inicial de RNA deve sofrer uma série de processos de ma-
turação que, ao final, resultam em uma fita madura. Tal fita pode ser uma fita
não codificante de RNA (por exemplo, RNA de transferência) ou um mRNA que,
por sua vez, será um molde para a produção de um polipeptídio.
A composição do DNA de todos os tipos celulares em um organismo multi-
celular é essencialmente o mesmo. As variações observadas em diferentes tipos
de células são originadas do padrão de expressão de genes, principalmente no
nível da transcrição. Alguns genes são produzidos em diferentes tipos celulares
de acordo com suas necessidades, como, por exemplo, genes responsáveis pela
integridade celular, mas alguns são tecido-específicos, como os anticorpos pro-
duzidos pelos linfócitos B.
Geralmente, uma única fita da dupla fita de DNA é utilizada como molde para
a síntese de RNA (transcrição), Neste processo, a dupla fita é ligada à RNA polime-
rase e é aberta, possibilitando que a fita que será usada como molde para a pro-
dução do RNA forme uma dupla fita DNA-RNA transitória. O transcrito de RNA
é complementar à fita molde de DNA e possui a mesma direção 5’-3’ e a mesma
sequência de base (exceto a que troca timina por uracila) que a fita não molde.
Esta fita é chamada normalmente como fita sense e a fita molde de fita antisense

A estrutura de um típico RNAM codificante para uma proteína


humana incluindo as regiões não transcritas (UTRs)

Sequências codificantes

Cauda ou extremidade

Figura 2.5 – http://en.wikipedia.org/wiki/Messenger_RNA#/media/File:MRNA_structure.


svg.

Em procariotos, os processos de transcrição e tradução ocorrem simulta-


neamente e no mesmo local, de forma que há a atuação da RNA polimerase
juntamente com os ribossomos, de forma que a síntese da proteína se inicie

60 • capítulo 2
bem antes de o mRNA estar completo. Nos eucariotos, os processos ocorrem
em compartimentos diferentes, onde o mRNA é produzido no núcleo e é trans-
portado até o citoplasma para ser traduzido.
A quantidade de proteína produzida depende de inúmeros fatores, como a
quantidade de mRNA específico disponível, que, por sua vez, depende da quanti-
dade em que é produzido assim como da sua taxa de degradação. Este padrão de
produção e degradação é um mecanismo importante de regulação da expressão,
possibilitando uma resposta mais rápida às modificações do ambiente, como é
visto nos procariotos, que possuem muitos mRNAs com um tempo de vida muito
curto. Como os procariotos estão em contato direto ao meio ambiente, a eles é
necessária uma resposta muito rápida a mudanças nas condições ambientais,
como mudanças no pH, temperatura, disponibilidade de alimento, etc. Em eu-
cariotos, os mRNAs possuem um tempo de vida de minutos a horas. Este padrão
pode ser explicado pelo maior controle das condições do ambiente interno e a
menor exposição a ambientes com mudanças radicais de condições.
Considerando o mecanismo de seleção proposto por Charles Darwin, qual
seria a pressão seletiva para manter tamanha complexidade no processo de
transcrição em eucariotos? A existência dessa complexidade poderia ser expli-
cada pelo fato de que, em um eucarioto, todas as suas células possuem o mes-
mo genoma e, logo, possuem teoricamente o mesmo potencial de produzir to-
das as proteínas codificadas nele. Mesmo assim, as células de cada tecido são
especializadas em produzir apenas um conjunto determinado de proteínas. Tal
especialização é decorrente do controle de transcrição, que, desta forma, possi-
bilita a otimização das células para determinadas funções.
O passo seguinte é a geração das proteínas utilizando a informação contida
no mRNA, que, se for eucarioto, passou por todo o processamento até se tornar
um mRNA maduro.

2.7.3  Exons e Íntrons: A organização do mRNA em eucariotos

A relação simples de uma sequência de DNA (DNA → mRNA → proteína), que


existe em bactérias, não é encontrada normalmente em eucariotos. Neles, o
produto de transcrição inicial é muitas vezes maior do que o necessário para
a tradução da proteína final. A sequência de mRNA do gene possui muitos seg-
mentos que são removidos (íntrons) para, ao final, gerar o mRNA maduro para
a tradução. Este processamento do mRNA é chamado de splicing.

capítulo 2 • 61
transcrição pre-mRNA
Exon 1 Intron Exon 2 Intron Exon 3

Intron

Exon 1 Exon 2 Exon 3


Spliceossomo

Intron Exon 1 Exon 2 Exon 3

Figura 2.6 – Splicing fita mRNA https://commons.wikimedia.org/wiki/File:0326_Splicing.


jpg

No mRNA de bactérias, observa-se também a presença de íntrons na célula


bacterina, que precisa ter o menor genoma necessário para obter um rápido
crescimento, o que gera uma pressão seletiva para remover qualquer sequência
desnecessária do genoma. Outro fator adicional é o padrão da transcrição bac-
teriana. Tanto a transcrição quanto a tradução ocorrem simultaneamente, de
modo que, enquanto os ribossomos estão traduzindo, o mRNA continua sendo
transcrito. Assim, seria difícil segmentar o mRNA de forma que sejam removi-
dos fragmentos antes da tradução, dificultando a presença de íntrons em genes
bacterianos.
Em eucariotos, apenas uma pequena fração do mRNA é decodificado para
o produto final. A transcrição do gene inicialmente produz um transcrito
primário de RNA que é complementar ao gene, incluindo os éxons e íntrons.

62 • capítulo 2
Este transcrito passa pelo processo de splicing que consiste em uma série de
reações, nas quais as sequências intrônicas são removidas e descartadas en-
quanto as sequências de éxons são unidas para gerar uma fita madura e me-
nor de mRNA.
Muitos genes podem sofrer splicing de muitos modos, originando a sín-
tese de diferentes mRNAs maduros e, consequentemente, proteínas diferen-
tes. Estima-se que cerca de 1/3 dos genes humanos sofrem splicing alternativo
com cerca de dois a três transcritos alternativos por gene. Desta forma, há uma
imensa expansão da informação contida do genoma humano.
Para que o processo de splicing ocorra corretamente, é necessário que sejam
reconhecidos os limites dos éxons e íntrons. Esse processo se dá através de di-
nucleotídeos que são altamente conservados nas extremidades dos íntrons. A
grande maioria dos íntrons começa com GU (uma vez que se trata de um RNA)
e na outra extremidade um AG, a chamada de regra GT-AG.
Embora os dinucleotídeos nas extremidades sejam muito importantes, eles
não são suficientes para demarcar os limites de um íntron. Há sequências bem
conservadas que se encontram imediatamente adjacentes aos dinucleotídeos
que são chamadas de sequências consenso de junção de splicing. Outra demar-
cação é uma sequência intrônica conservada que tipicamente é localizada em
não mais do que 40 nucleotídeos a montante do terminal AG 5’. Há outras se-
quências de éxons e íntrons que podem promover o splicing (amplificadoras)
ou o inibir (silenciadoras), e algumas doenças podem se originar de mutações
nestas sequências.
Os transcritos da RNA polimerase II, além do processo de splicing, passam
por outras modificações como um capping na extremidade 5’ pela adição de
várias guaninas como uma ligação fosfodiéster incomum, e uma longa sequ-
ência de adeninas na extremidade 3’, o que as previnem do ataque de exonu-
cleases.
O capping 5’ ocorre logo após o início da síntese do mRNA primário que irá
se tornar o mRNA através do nucleosídeo metilado 7-metilguanosina, que é ati-
vado pela ligação 5’-5’ fosfodiéster com o primeiro nucleotídeo 5’. Este capping
possui várias funções: proteger o transcrito do ataque 5’-3’, uma vez que molé-
culas de mRNA sem o capping são rapidamente degradadas; facilitar o trans-
porte dos mRNAs do núcleo para o citoplasma; facilitar o processo de splicing
e facilitar a ligação da subunidade 40S dos ribossomos citoplasmáticos para o
mRNA durante a tradução.

capítulo 2 • 63
7-metilguanosina Extremidade 5’ do mRNA

Ponte trifosfato

Figura 2.7 – Modificado de https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cap_structure.svg?u-


selang=pt-br

As extremidades 3’ das moléculas de mRNA transcritas pela RNA polimera-


se II são destinadas a serem clivadas após a transcrição utilizando a sequência
AAUAAA como guia. A clivagem ocorre em um sítio específico em 15-30 nucleo-
tídeos a jusante da sequência AAUAAA embora o transcrito primário possa con-
tinuar por centenas ou até milhares de nucleotídeos após o ponto de clivagem.
Em seguida, a enzima poli A polimerase adiciona sequencialmente resíduos
de adenilato (AMP) na extremidade 3’. Esta modificação supostamente auxi-
lia no transporte do mRNA para o citoplasma, estabiliza algumas moléculas
de mRNA no ambiente citoplasmático e aumenta o reconhecimento do mRNA
pela maquinaria ribossômica.

A estrutura de um típico RNAM codificante para uma proteína


humana incluindo as regiões não transcritas (UTRs)

Sequências codificantes

Cauda ou extremidade

Figura 2.8 – Estrutura do mRNA. http://en.wikipedia.org/wiki/Messenger_RNA#/media/


File:MRNA_structure.svg

2.8  Descoberta do Código Genético


O código genético foi desvendado por Marshall Nirenberg e Heinrich Matthaei
no início da década de 1960 através de experimentos com longas sequências
de DNA e RNA. Os cientistas utilizaram um método engenhoso, constituído

64 • capítulo 2
pelo uso de células bacterianas que eram rompidas (lisadas), mas que, mes-
mo assim, mantinham sua capacidade de produzir proteínas quando RNA era
adicionado. Através deste modelo, eles poderiam estudar tanto a transcrição
como a síntese proteica em um ambiente controlado.
Nierenber e Mathaei (1961) adicionaram uma mistura de 20 aminoáci-
dos em 20 tubos com extratos citoplasmáticos de E. coli. Em cada tubo, ha-
via um aminoácido marcado radioativamente, sendo um diferente em cada
tubo. Nestes tubos, eles adicionaram uma fita de RNA sintética compos-
ta apenas de uracila, e foi encontrada atividade apenas em um tubo, o que
continha a fenilalanina. Assim, a cadeia composta apenas de uracila serviu
como um mRNA direcionando a síntese de uma proteína composta apenas
de fenilalanina.
Os cientistas identificaram combinações de nucleotídeos para a incorpo-
ração de outros aminoácidos, e encontraram que a unidade do código contém
três nucleotídeos. Assim como descobriram o código para outros aminoáci-
dos substituindo um nucleotídeo em cada triplete.

CONEXÃO
http://www.acs.org/content/acs/en/education/whatischemistry/landmarks/geneticcode.
html

2.8.1  O código genético e tradução

O dogma central da genética é o modo unilateral como a informação con-


tida no DNA é transcrita em um RNA para depois ser traduzida em proteína
(DNA → RNA → Proteína). A tradução, portanto, é o processo no qual a infor-
mação contida no mRNA é traduzida em uma sequência de aminoácidos. Nesse
ponto, a proteína ainda não está pronta e ela sofrerá várias modificações até
alcançar sua forma definitiva.
Em bactérias, a tradução é iniciada quando os ribossomos se ligam ao sí-
tio específico, chamado de sítio de ligação do ribossomo (RBS), adjacente ao
códon de iniciação. Esta sequência é chamada de Shine-Dalgarno em home-

capítulo 2 • 65
nagem aos pesquisadores que a descobriram e possui complementaridade
com a extremidade 3’ do rRNA 16S. Tanto a precisão da complementaridade
quanto sua distância do códon de iniciação influenciam a eficiência da trans-
crição. Esta última também é influenciada pela frequência com que determi-
nados códons são utilizados, de modo que, quanto mais disponíveis os tRNAs
correspondentes a cada códon, mais facilmente transcorre a tradução.
No sistema de produção de proteínas bacteriano, a transcrição e a tradução
ocorrem no mesmo compartimento celular. Os ribossomos ligam-se ao mRNA
tão logo a sequência de ligação do ribossomo seja sintetizada. Então, ocorre
um enfileiramento de ribossomos em seguida da RNA polimerase, traduzindo
o mRNA conforme ele esteja sendo produzido.
Quando a produção em eucariotos é analisada, nota-se uma maior comple-
xidade. Ao invés do ribossomo simplesmente se ligar ao códon anterior ao de
iniciação, o ribossomo se liga bem mais afastado, na extremidade 5’ que possui
o cap e lê toda a sequência da região não traduzida (UTR) até atingir o códon de
iniciação. Como a sequência 5’ da UTR é varrida em todo o seu comprimento
pelos ribossomos, ela é uma região importante para a eficiência da tradução,
e diferentes estruturas secundárias podem ter efeitos tanto positivos quanto
negativos na quantidade de proteína produzida.
Apenas a região central do mRNA eucariótico é traduzida. Uma vez que as
extremidades (cap 5’ e a cauda poli A na região 3’) não são traduzidas, elas ape-
nas auxiliam na ligação e estabilização dos ribossomos possibilitando uma
tradução eficiente. Os ribossomos são compostos de RNA e proteínas e são
divididos em duas subunidades. Nos eucariotos, os ribossomos citoplasmáti-
cos possuem uma unidade maior de 60S - S é o coeficiente de Svedberg, uma
medida do quão rápido uma estrutura molecular grande sedimenta em uma
ultracentrífuga, determinada tanto pelo tamanho quanto pela forma - e uma
unidade menor de 40S. A unidade 60 S é composta de três tipos de moléculas
de RNA, 28S rRNA, 5.8S rRNA e 5S RNAR e outras 50 proteínas ribossomais. A
unidade menor, 40S, contém apenas uma molécula 18S rRNA e mais 30 prote-
ínas ribossomais.
Mas como a informação contida no DNA é traduzida em uma sequência
polipeptídica? A montagem de polipeptídicos é governada por um código
genético em trio, como exposto na tabela 2.3. A fita de mRNA é varrida pe-
los ribossomos no sentido 5’ para 3’ em grupo de três nucleotídeos (códon).

66 • capítulo 2
Cada códon especifica um aminoácido e um determinado tRNA. Cada com-
plexo aminoácido-tRNA é conhecido como um aminoacil-tRNA e é formado
quando uma aminoacil-tRNA sintetase covalentemente liga o aminoácido na
posição terminal em uma sequência trinucleotídica conservada na extremi-
dade 3’ do tRNA.
O tRNA possui, como parte de sua estrutura, um trinucleotídeo utilizado
para o pareamento com o códon. Esta sequência é chamada de anticódon e
fornece a especificidade necessária para a interpretação do código genético. A
pequena unidade do ribossomo liga-se ao RNA enquanto a subunidade maior
possui dois sítios para a ligação dos aminoacil-tRNA, o sítio P (peptidil) e o sítio
A (aminoacil).

Figura 2.9 – Tradução do mRNA https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ribossomo_tra-


du%C3%A7%C3%A3o_mRNA.svg

capítulo 2 • 67
2A LETRA
1A 3A
U C A G
LETRA LETRA
Fenilalanina Serina Tirosina Cisteína U
Fenilalanina Serina Tirosina Cisteína C
U
Leucina Serina Terminação Terminação A
Leucina Serina Terminação Triptofano G
Leucina Prolina Histidina Arginina U
Leucina Prolina Histidina Arginina C
C
Leucina Prolina Glutamina Arginina A
Leucina Prolina Glutamina Arginina G
Isoleucina Treonina Asparagina Serina U
Isoleucina Treonina Asparagina Serina C
Isoleucina Treonina Lisina Arginina A
A
Metionina
Códon de Treonina Lisina Arginina G
iniciação
Valina Alanina Ácido aspártico Glicina U
Valina Alanina Ácido aspártico Glicina C
G
Valina Alanina Ácido aspártico Glicina A
Valina Alanina Ácido aspártico Glicina G

Tabela 2.3 – Código genético padrão.

O cap da extremidade 5’ do mRNA é importante na iniciação da tradução.


Ele é reconhecido por algumas proteínas chave que se ligam à pequena unida-
de do ribossomo mantendo-o unido ao mRNA. Após esta ligação, o ribossomo
varre a extremidade 5’ do RNA na direção 5’ → 3’ até se deparar com um códon
AUG, que é encontrado dentro da sequência consenso de Kozak 5’-GCCPuC-
CAUGG-3’, onde Pu representa qualquer purina. As bases mais importantes na
sequência são o G na posição +4, que se encontra logo após o códon AUG, e a
purina (com maior preferência para A) na posição –3 (três nucleotídeos antes
do códon AUG).
Após a identificação de um códon que codifica a metionina, um tRNA
(tRNAMet) carregando o aminoácido metionina liga-se ao sítio P da subunidade

68 • capítulo 2
maior do ribossomo. Assim que o anticódon do tRNA é pareado com o códon
iniciador AUG no mRNA, a fita de leitura transcricional é estabelecida e os có-
dons são interpretados em grupos sucessivos de três nucleotídeos na direção 5’
→ 3’ a jusante (downstream) do códon AUG e, assim, um aminoacil-tRNA para o
segundo códon liga-se ao sítio A na subunidade maior.
Quando os sítios P e A estão ocupados por aminoacil-tRNA, dentro da maior
subunidade do ribossomo ocorre a formação da ligação entre o grupo aminoá-
cido carregado pelo tRNA no sítio A e o grupo carboxila da metionina que está
sendo transportado pelo tRNAMet. Em seguida, o iniciador de metionina é reti-
rado de seu tRNA e ligado ao segundo aminoácido, formando, assim, um dipep-
tídeo, uma vez que o tRNAMet sai do sítio P e seu lugar é ocupado pelo tRNA com
o dipeptídeo que antes ocupava o sítio A. O sítio A desocupado passa a ser pre-
enchido com o aminoacil-tRNA carregando o anticódon que é complementar
ao terceiro códon, e, assim, uma nova ponte peptídica é formada produzindo
o tripeptídeo. A tradução segue até atingir um códon de finalização. Para ge-
nes nucleares, há três sequências de finalização: UAA (chamada de ocre), UAG
(âmbar) e UGA (opala), sendo que para genes mitocondriais existem algumas
diferenças. (tabela 2.4).

CÓDON CÓDIGO UNIVERSAL CÓDIGO INCOMUM OCORRÊNCIA


Mycoplasma, Spiroplasma,
UGA Terminação Triptofano mitocôndrias em muitas
espécies

CUG Leucina Treonina Mitocôndrias de leveduras

Acetabularia, Tetrahymena,
UAA, UAG Terminação Glutamina
Paramecium, etc.
UGA Terminação Cisteína Euplotes

Tabela 2.4 – Alterações do código genético frente ao código universal.

Quando o ribossomo, atinge o códon de finalização, um fator de liberação


acessa o sítio A no lugar de uma aminoacil-tRNA sinalizando que o polipeptídio
deve se desligar do ribossomo. Após a liberação, o polipeptídio será processa-
do, incluindo clivagem e modificações em cada extremidade da molécula. Ao
final, o polipeptídio portará um grupo aminoácido livre em uma extremidade
(N-terminal) e um grupo carboxila na outra extremidade (C-terminal).

capítulo 2 • 69
O polipeptídio pode sofrer uma grande variedade de modificações, sejam
grupos simples ou complexos frequentemente ligados covalentemente. Entre
eles, a adição de carboidratos como os oligossacarídeos, formando as glicopro-
teínas. Há dois tipos principais de glicosilação: a N-glicosilação que envolve a
ligação do grupo carboidrato para o átomo de nitrogênio de uma cadeia lateral
da asparagina, e a O-glicosilação que adiciona um carboidrato para o átomo de
oxigênio de um grupo OH de uma cadeia lateral de alguns aminoácidos.
Outro exemplo diz respeito aos proteoglicanos que são polissacarídeos gli-
cosaminoglicanos, geralmente compostos por unidades de dissacarídeos con-
tendo glicosamina ou galactosamina. Além da adição de açúcares, outra mo-
dificação comum observada é a adição de grupos de lipídios, como pode ser
observado em algumas proteínas de membrana.

2.9  Controle da Expressão Gênica


As células estão frequentemente respondendo a mudanças no ambiente e aos
sinais de outras células, alterando a quantidade de determinados tipos de pro-
teínas. A regulação destas respostas geralmente é controlada no nível transcri-
cional, o primeiro passo na produção de qualquer proteína. Assim, a célula pro-
duzirá determinada proteína quando esta for necessária.
O exemplo mais clássico de controle da expressão gênica é a resposta da espé-
cie bacteriana do intestino Escherichia coli a diferentes fontes de açúcar. É muito
comum em bactérias a presença de vários genes transcritos a partir de um úni-
co promotor em uma longa cadeia de DNA. Esse arranjo é chamado de operon,
como o operon lac (figura 2.10), que possibilita a digestão da lactose. Esse operon
possui três genes estruturais: lacZ, lacY e lacA. O operon lacZ codifica a enzima
β-galactosidase que degrada a lactose em glicose e galactose. O lacY codifica uma
proteína (permease) que bombeia a lactose para o interior da bactéria, enquanto
lacA codifica uma enzima que transfere um grupo acetil da molécula acetil-CoA
aos beta-galactosídeos. Há alguns segmentos um pouco antes destes três genes
que são necessários para a transcrição dos genes lacZ, lacY e lacA. O primeiro é o
lacO, que é o sítio operador, seguido do lacP, que é o promotor, e, mais distante,
o lacI. Este último é um gene regulador que codifica um RNA mensageiro que é
traduzido em uma proteína que atua como repressora do operon lac.

70 • capítulo 2
lac operon

Promoter lacl Terminator Promoter Operator lacZ lacY lacA Terminator

Figura 2.10 – Operon lac: http://pt.wikipedia.org/wiki/Operon_lac#/media/File:Lac_ope-


ron1.png

Na ausência da lactose no interior da célula, a proteína repressora lac se


ativa. E, quando ativada, o repressor lac reconhece e se liga à sequência lacO,
impedindo que a RNA polimerase reconheça a sequência lacP (promotor) e,
assim, os genes lacZ, lacY e lacA não são transcritos. Quando há lactose no in-
terior da célula, uma pequena quantidade é convertida, através da enzima β-ga-
lactosidase, em alolactose, que, por sua vez, liga-se ao repressor lac causando
uma mudança na estrutura molecular do mesmo que o impede de se ligar à
sequência lacO. Sem a atuação do repressor, a RNA polimerase é capaz de se
ligar ao promotor e o RNA mensageiro é transcrito, incluindo os genes lacZ,
lacY e lacA, e, posteriormente, traduzido em β-galactosidase, permease, e lac-
tose transacetilase.
O modo geral de organização dos genes em bactérias facilita uma regulação
coordenada de genes que geralmente são envolvidos em diferentes passos de
uma rota metabólica. Em eucariotos, o modo como os ribossomos iniciam a
tradução é feito de modo diferente. Eles não podem produzir diferentes proteí-
nas a partir de uma única sequência de mRNA maduro, como vimos no óperon
lac. Há outras formas de uma sequência poder gerar diferentes proteínas, mas
elas operam de forma diversa, como, por exemplo, o processamento alternativo
do mRNA ou através da produção de uma longa cadeia polipeptídica que é cli-
vada em diferentes proteínas.
Eucariotos unicelulares estão sujeitos a uma imensa variação das condições
ambientais que exigem respostas tanto estruturais quanto de função. Como
exemplo, têm-se as células de leveduras que, quando sujeitas à restrição de ali-
mento, cessam o crescimento e produzem esporos (formas de resistência).
Em eucariotos multicelulares, o controle da atividade gênica comumente
envolve um balanço entre ativadores e repressores. Dentre os ativadores, temos
as sequências chamadas de amplificadoras, como visto anteriormente, que
ativam a transcrição. Entre as sequências repressoras, há as silenciadoras, que
desativam a expressão.

capítulo 2 • 71
A atividade transcricional está sujeita à influência de muitos sinais exter-
nos. Esses podem tanto ativar como reprimir determinados genes, como os
hormônios esteroides (figura 2.11), que são lipossolúveis e podem penetrar nas
células e ligar a receptores específicos localizados no núcleo celular. A intera-
ção do hormônio com o seu receptor muda o formato do último de modo que o
hormônio possa se ligar a sequências amplificadoras específicas, transforman-
do o que era um receptor em um ativador transcricional. Essa ligação possui
a capacidade de mudar o padrão de genes que são transcritos pela célula, e,
assim, ela impacta significativamente a bioquímica celular.
Hormônio esteróide

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Hormônio
receptor

DNA

Receptor
associado ao
DNA
NÚCLEO

CITOPLASMA

mRNA
Nova
proteína

Ribossomo

Figura 2.11 – Hormônios esteroides

A expressão de genes eucarióticos que codificam proteínas é regulada por


múltiplas proteínas que se ligam a sequências específicas de DNA conhecidas
como regiões de controle da transcrição. Estas regiões incluem, por exemplo,
sequências promotoras e outras sequências próximas ao sítio de iniciação, as-
sim como sequências mais distantes.
Além do TATA box como promotor, há determinadas sequências encon-
tradas em alguns genes eucarióticos que funcionam como um promotor alter-
nativo, chamado iniciador. Ele normalmente possui uma citosina na posição
-1 e uma adenina no sítio de iniciação da transcrição na posição +1. Estudos
com mutagênese direcionada para cada posição do promotor mostrou que a

72 • capítulo 2
sequência nucleotídica ao redor do sítio de iniciação determina a força de tais
promotores. Diferente do TATA box, um iniciador bem degenerado foi defini-
do: 5’ Y-Y-A+1-N-T/A-Y-Y-Y 3’, em que A+1 é a base em que a transcrição é inicia-
da, Y é uma pirimidina (citosina e timina), N é qualquer uma das quatro bases
e T/A pode ser timina e citosina na posição +3.
Os genes housekeeping são transcritos em proteínas a uma taxa baixa como
enzimas responsáveis pelo metabolismo intermediário, e não possuem nem
TATA box e nem iniciador. Eles possuem um trecho de sequência rica em CG,
chamada de ilha CpG, a montante do sítio de iniciação. Tais ilhas são utilizadas
em estudos de bioinformática como regiões de alta possibilidade de possuírem
um iniciador de transcrição.
A transcrição em muitos promotores eucarióticos pode ser estimulada por
elementos de controle que podem ser localizados em milhares de bases de dis-
tância do sítio de iniciação. Estas sequências são chamadas de amplificadoras
que são comuns em genomas eucariotos, mas são muito raros em genomas
bacterianos. Alguns destes elementos de controle estão localizados a distân-
cias de 50 ou mais quilobases (kb) do promotor por eles controlado. Os ampli-
ficadores podem ser encontrados a montante de um promotor e até mesmo a
jusante dentro de um íntron, ou mesmo a jusante dentro do éxon final do gene.

2.10  Mutação e mecanismos de reparo


Quando são comparados os genomas de dois indivíduos, nota-se que a grande
maioria das sequências é exatamente igual. Algumas variações são encontra-
das, mas são raras. Entretanto, um em cada 300 nucleotídeos é polimórfico, ou
seja, ele pode ser encontrado dentro da população com bases alternativas. Por
exemplo, se na posição -35 de determinado gene está presente uma adenina,
em outro indivíduo, nesta mesma, posição pode haver uma timina. Estas varia-
ções são chamadas de polimorfismo de base única ou em sua sigla em inglês
SNPs (single nucleotide polymorphism). Geralmente, o polimorfismo se restrin-
ge a duas formas alternativas, que podem ser chamadas de alelos.
Não é esperado que um alelo com SNP encontrado com alta frequência
tenha um efeito fenotípico importante. Pois, se esta alteração for danosa, ela
tende a ser eliminada pela seleção natural, assim como, se ela tende a ser mui-
to benéfica, ela pode ser fixada na população, prejudicando o indivíduo que

capítulo 2 • 73
não a possua. Como a seleção natural é um processo relativamente lento, este
processo de eliminação e fixação pode estar incompleto em alguns alelos. Por
exemplo, quando um determinado alelo é encontrado em heterozigose e ofere-
ce uma vantagem ao portador, mesmo que este mesmo alelo em homozigose
seja danoso, ele ainda assim é mantido na população. É o caso de portadores de
anemia falciforme, cujos alelos em homozigose acarretam vários problemas à
saúde. Entretanto, quando o portador é heterozigoto, ele possui maior resistên-
cia à infecção pelo plasmódio responsável pela malária, criando uma vantagem
sobre os indivíduos que possuem o fenótipo não portador da doença.
A grande maioria dos variantes de polimorfismos que são compostos de va-
riações maiores do que apenas um nucleotídeo é originada de eventos de inser-
ção ou deleção (indels), em que um ou mais nucleotídeos podem ser inseridos
ou removidos. As inserções e deleções de sequências repetidas possuem uma
dinâmica mais complexa e podem se originar de eventos de recombinação mei-
ótica entre repetições. Como a recombinação requer um pareamento e se esta
área possui muitas sequências iguais, não há como a fita de DNA estabelecer
um parâmetro de modo que evite o pareamento, por exemplo, da repetição da
posição 135 com a repetição 140 da outra fita de DNA. Desta forma, pode haver
a inclusão de uma cópia extra da repetição. Outro mecanismo que pode expan-
dir o número de repetições é um erro da polimerase em que ela retoma uma
determinada repetição durante a replicação do DNA.
Cerca de 50% do genoma humano é composto por sequências repetidas, e
maioria delas são derivadas de transposons, que são sequências de DNA capa-
zes de deslocar entre a fita de DNA. São conhecidos também como genes salta-
dores, uma vez que podem tanto se inserirem em determinada posição da fita
de DNA, como de se retirarem (saltar). Nesse processo, os transposons podem
criar “cicatrizes”, deixando alguns nucleotídeos para trás após o seu salto.
Há várias famílias de repetições derivadas da ação de transposons. Uma delas
é composta de 1,5 milhões de elementos com cópias de 100 a 300 pares de bases
e são chamadas de SINEs (short interspersed nuclear elements), ou seja, sequên-
cias curtas intercaladas do genoma nuclear. Outra família é composta de 850.000
elementos com 6 a 8 mil pares de bases e é denominada LINEs (long interpersed
nuclear elements) ou sequências longas intercaladas do genoma nuclear.
Há ainda uma classe comum de repetições de sequências, as repetições em
tandem. Elas podem ser compostas pela repetição de um único a até 100 ou
mais nucleotídeos. Quando estas repetições são ainda maiores, elas são cha-

74 • capítulo 2
madas de satélites. Este nome é derivado da propriedade que estas sequências
possuem quando o genoma completo é ultracentrifugado em um meio que
possui um gradiente de densidade. Tais repetições tendem a se deslocar para
uma posição adjacente ao restante do genoma.
Estas sequências em tandem podem variar em número de unidades de re-
petições e são utilizadas como marcadores genéticos para estudos de relação
de parentesco, assim como em análises forenses. Desde a década de 1990, estas
sequências possuem mais informações do que os SNPs para a distinção entre
indivíduos, pois possuem uma maior diversidade de alelos na população, uma
vez que um determinado alelo pode ter de 5 a 20 unidades de repetição em di-
ferentes pessoas.
A diversidade de sequências de DNA podem se originar de eventos como a
ação de transposons e erros na replicação ou na recombinação. Entretanto, o
fator mais importante de variação se origina de falhas no reparo do DNA. Por
mais fiel que possa ser a DNA polimerase II, o genoma é muito extenso. Assim,
mesmo em condições normais de funcionamento, haverá incorporação de
bases incorretas. A maioria delas é corrigida por mecanismos de reparo, mas
o DNA também está sujeito ao ataque de agentes exógenos e endógenos. Por
exemplo, temos:

•  A ação da radiação ionizante, como os raios gama e raios X que podem


causar quebras de fita simples ou dupla no esqueleto de açúcar e fosfato;
•  Radiação ultravioleta, que pode ser dividida em UV A (400 a 320nm), UV
B (320 a 280nm) e UV C (280 a 100nm). Embora boa parte dos raios ultraviole-
tas seja absorvida pela atmosfera terrestre (cerca de 99%), uma fração de UV B
atinge a superfície terrestre e é o agente principal de dano ao DNA, pois provoca
uma ligação cruzada entre pirimidinas (citosina e timina);
•  Compostos químicos ambientais, que incluem toxinas como a aflotoxi-
na que pode ser encontrada em alguns fungos que parasitam o amendoim, e
compostos químicos presentes na fumaça de cigarros. Como exemplo de efeito
no DNA, têm-se os agentes alquilantes, que podem transferir um grupo metil
ou outro grupo alquil nas bases de DNA e causar uma ligação cruzada entre as
bases dentro da mesma fita ou entre fitas diferentes.

capítulo 2 • 75
Além de agentes externos, o DNA está sujeito a eventos químicos internos,
como, por exemplo:

•  Ataque oxidativo por agentes reativos de oxigênio, que são gerados como
subprodutos do metabolismo oxidativo nas mitocôndrias, assim como podem
ser produzidos pela ação da radiação ionizante em constituintes celulares.
Essas moléculas podem ser ânions superóxido (O2-) e moléculas relacionadas,
e atacam os anéis das purinas e pirimidinas;
•  Metilação não-enzimática, que ocorre pela ação da S-adenosil metionina
que produz a metilação de adenina, gerando a base citotóxica 3-metil-adenina,
e da guanina, gerando um produto menos tóxico, a 7-metil guanina. Essas me-
tilações distorcem a dupla hélice e interferem em interações importantes de
DNA-proteínas.
•  Ação espontânea de depurinação, em que aproximadamente 500 adeni-
nas ou guaninas são perdidas por hidrólise espontânea da ligação base-açúcar.
Outro evento espontâneo é a deaminação em que citosinas são espontanea-
mente deaminadas produzindo uracila, e, menos frequentemente, adeninas
gerando hipoxantina.

As alterações no DNA podem também serem produzidas pela incorporação


de nucleotídeos errados durante a replicação do DNA. Os mecanismos de revi-
são de bases corrigem a grande maioria dos erros de pareamento, mas alguns
podem ainda persistir gerando variação na sequência ou gerar células cancero-
sas dependendo de em qual gene ela ocorra e, dentro dele, em qual posição na
sequência.
Em células humanas, existem pelo menos seis tipos diferentes de reparo de
DNA. Entre elas, três corrigem bases anormais modificadas quando presentes
em apenas uma das fitas, utilizando a fita complementar normal como base
para a correção das bases. Tais mecanismos de correção são: reparação de base
por excisão, que corrige através de enzimas glicosilases que removem as bases
anormais quebrando a ligação base-açúcar, corrigindo os danos mais comuns
de DNA, que, em humanos é estimado cerca de 20.000 bases alteradas em cada
célula nucleada. Os humanos, possuem ao menos oito genes que codificam
DNA glicosilases e cada uma delas é responsável por identificar e remover um
tipo específico de dano de base. Após a remoção da base, uma endonuclease
e uma fosfodiesterase cortam o esqueleto de açúcar-fosfato onde a base está

76 • capítulo 2
ausente e o intervalo produzido é preenchido pela DNA polimerase e a ligação
entre as bases é efetuada pela enzima DNA ligase III.
Outro reparo é efetuado por excisão de nucleotídeos, na qual há a remoção
dos dímeros de timina (provocado pela ação do UV B) e grandes adutos (produ-
to da adição direta de duas ou mais molécula diferentes gerando apenas um
único produto composto por todos os átomos dos componentes inicias). Esse
mecanismo remove uma grande parte da sequência ao redor do dano, diferente
do método por excisão de base que remove apenas a base danificada. O esque-
leto de açúcar-fosfato é clivado no local do dano e uma exonuclease remove um
grande trecho ao redor da sequência. O intervalo produzido, então, é preenchi-
do pela DNA polimerase e as bases nas extremidades unidas pela DNA ligase.
Este tipo de correção é utilizada também nos eventos de quebra de uma única
fita de DNA.
Um mecanismo de reparo menos frequente é o de reversão direta de dano ao
DNA, em que se tem como melhor exemplo a síntese da enzima O-6-metilgua-
nina-DNA metiltransferase, que remove os grupos metil de guaninas que foram
erroneamente metiladas. Outro exemplo é a ação da enzima fotoliase que remo-
ve os dímeros de timina diretamente, utilizando a energia da luz visível (fotor-
reativação). Nestes dois mecanismos, a fita de DNA complementar, que não foi
danificada, é utilizada como molde para a reconstrução da fita danificada.
Quando ocorrem danos nas duas fitas, são necessários outros mecanismos.
Existem dois tipos destes, o de recombinação homóloga, em que uma fita do
cromossomo homólogo invade o DNA danificado, servindo como modelo para
o reparo; e a união de extremidades não homólogas, em que grandes comple-
xos de várias proteínas são montados nas extremidades das fitas de DNA danifi-
cadas e a DNA ligase refaz a ligação entre as extremidades não importando a se-
quência. Portanto, é apenas um mecanismo de redução de danos, pois sempre
haverá uma perda da sequência nas extremidades da fita. Entretanto, é menos
prejudicial do que deixar as fitas rompidas sem reparo.
Outro mecanismo é responsável pela correção de erros de incorporação de
bases durante a replicação do DNA. Ele é dependente de pelo menos cinco en-
zimas em humanos e, quando as células são deficientes neste tipo de reparo,
elas apresentam taxas de mutação de 100 a 1.000 vezes maiores do que o nor-
mal. Em humanos, esta deficiência causa a Síndrome de Lynch, que aumenta o
risco de muitos tipos de câncer, particularmente cânceres no intestino grosso
(cólon).

capítulo 2 • 77
Os danos do DNA, caso não sejam reparados, tendem a ser mutagênicos. A
mutação em si não é algo danoso; ela pode gerar diversidade alélica, quando
ocorre nas células germinativas e, assim, oferece maior quantidade de material
que pode ser selecionado pela evolução. A maior fonte de mutações é a sínte-
se de DNA translesão sujeita a erro, que é efetuada pela polimerase ζ (zeta) e
ι (iota). Elas são capazes de replicar o DNA danificado, mas com alta taxa de
erro. As bases que foram incorretamente adicionadas irão provocar erros de pa-
reamento durante a replicação do DNA, o que pode introduzir uma mudança
permanente na sequência. Isto pode ocorrer, por exemplo, quando a citosina
sofre deaminação e passa a ser uracila. Ela se pareia com a adenina, e haverá a
incorporação da mutação à sequência de DNA se houver o processo de correção
de dano ao DNA que a utiliza como molde, considerando parte da fita que não
foi danificada.

Reparo do DNA e a manutenção celular

O reparo do DNA é um processo contínuo nas células, como foi visto no tó-
pico anterior, as células estão sujeitos constantemente ao erro de incorporação
de nucleotídeos ou a modificação de suas bases. Por exemplo, as células huma-
nas sofrem, em cada uma delas, cerca de 500.000 lesões moleculares.
A taxa de reparo das células diminui conforme a idade da célula, o que pro-
voca um acúmulo de danos ao DNA a um ponto em que a célula terá apenas três
destinos possíveis: a célula pode entrar em senescência (dormência), a célula
inicia o processo de morte celular chamado de apoptose ou a célula torna-se
cancerosa.
A senescência é um fenômeno observado em células diploides em que elas
param de se dividir. Este processo é desencadeado pelo encurtamento dos telô-
meros que desencadeia a reposta de dano ao DNA. O núcleo das células senes-
centes apresentam subestruturas com danos persistentes no DNA e proteínas
de resposta a danos de DNA. A importância das células senescentes reside em
seu papel de evitarem a formação de células cancerosas, mas possuem como
consequências todas as alterações observadas nas doenças relacionadas com a
idade, em que há um acúmulo de células senescentes.
A apoptose, também conhecida como morte celular programada, é um pro-
cesso altamente regulado e controlado que inclui várias alterações na estrutura
celular. Resumidamente a célula sofre um encolhimento e perde suas micro-

78 • capítulo 2
vilosidades e suas junções intercelulares, sua cromatina começa a condensar
e a célula começa a sofrer várias movimentações celulares, que aparentam um
borbulhar, que provoca a fragmentação das estruturas dentro da célula. Na su-
perfície da membrana há a expressão de sinais que indicam que a célula deve
ser fagocitada pelas células vizinhas ou por macrófagos.

2.11  Fundamentos das tecnologias do DNA


recombinante

A biologia molecular passou por uma revolução entre as décadas de 1970 e 1980
com o desenvolvimento da manipulação genética com o desenvolvimento de
técnicas como a transformação genética de Escherichia coli, as técnicas de corte
e união de moléculas de DNA e a reação de polimerase em cadeia.
A bactéria E. coli é um modelo genético muito popular, o qual, antes mesmo
do advento da tecnologia de DNA recombinante, já possuía um grande número
de mutantes bem estudados. Sua regulação gênica já era compreendida e ha-
via uma grande diversidade de plasmídeos disponível, o que era incomparável
com outros modelos microbianos disponíveis. Desta forma, E. coli foi escolhi-
da para os primeiros experimentos de clonagem.
Anterior ao advento das técnicas de manipulação genéticas modernas, as
técnicas de manipulação consistiam em tentativas de transformação de células
procariotas e eucariotas com DNA exógeno. Entretanto, não obtiveram muito
sucesso por duas razões: não basta o DNA ser introduzido no interior das cé-
lulas, ele precisa ser reconhecido e devidamente transcrito e traduzido; outro
fator é o de que o DNA exógeno pode não ser mantido nas células transforma-
das. Uma maneira de estabilizar o DNA exógeno é através da incorporação dele
ao genoma do hospedeiro que, então, pode ser propagado para as células filhas
como parte integrante do genoma. Mas, se este material novo não se integrar ao
genoma, ele logo será perdido durante as divisões celulares
Uma forma de contornar o problema da não replicação dos fragmentos é a
utilização de vetores como os plasmídeos e os bacteriófagos. Tais vetores são
importantes ferramentas, pois possuem a habilidade de se autorreplicarem e,
no caso dos plasmídeos, são elementos nativos da célula bacteriana, enquanto
que os bacteriófagos são especializados em parasitar a célula hospedeira. Deste

capítulo 2 • 79
modo, os vetores oferecem duas vantagens: uma unidade de replicação funcio-
nal e a facilidade de isolamento destes elementos livres do DNA hospedeiro,
pois são bem menores do que o cromossomo bacteriano.
Estas moléculas que possuem as sequências naturais do plasmídeo ou bac-
teriófago e a sequência que foi introduzida neles são chamadas de quimeras, em
alusão à criatura mitológica que possuía uma cabeça de leão, corpo de cabra e
cauda de serpente. Este processo de montar uma molécula de diversas origens
foi denominado de manipulação genética ou engenharia genética por criar novas
combinações genéticas através de técnicas bioquímicas. Tal manipulação tam-
bém é chamada de clonagem, pois uma vez dentro da célula, a molécula poderá
ser copiada inúmeras vezes, assim como o produto gênico que ela codifica.
Para que esta manipulação seja efetuada, há de serem seguidos alguns pas-
sos: Inicialmente o vetor de DNA deve estar purificado, ou seja, apenas um úni-
co tipo por vez deve ser utilizado, e, em seguida, ele deve ser aberto, para que a
sequência desejada seja inserida, criando um recombinante artificial. Deve-se
assegurar que houve o corte e a união das fitas, o que pode ser feito com a téc-
nica de eletroforese de DNA em gel de agarose. E, finalmente, o recombinante
deve ser introduzido na célula hospedeira.

2.11.1  Técnica de eletroforese em gel de agarose

Basicamente, a técnica consiste na passagem de fragmentos de DNA em um


gel, que possui poros que filtram os fragmentos de DNA dependendo do seu
peso molecular, ao serem submetidos a um campo elétrico. Como o DNA pos-
sui carga negativa, decorrente do fosfato de sua estrutura, ele tende a migrar
para o polo positivo do campo elétrico.
O uso da agarose é conveniente, pois ela possui a capacidade de separar
fragmentos de uma centena de pares de bases até 20 kb. Para fragmentos me-
nores, pode-se utilizar a poliacrilamida, que possui poros ainda menores.
Esta técnica pode ser usada também para a separação de proteínas, adicio-
nando um detergente, o dodecil sulfato de sódio (SDS) há a ligação dele com as
proteínas conferindo carga negativa, e assim como ocorre com o DNA, as prote-
ínas migram para o polo positivo.
Como a eletroforese é um protocolo simples de separação de proteínas e DNA,
ele pode ser utilizado em uma grande variedade de testes, incluindo a análise de
produtos de PCR (ver item 2.13), análises se Southern Blot (ver item 2.11.2), Nor-
thern Blot (2.11.3), Western Blot (2.11.4) e vários outros tipos de análises.

80 • capítulo 2
CONEXÃO
Gel de eletroforese
http://www.dnalc.org/resources/animations/gelelectrophoresis.html

2.11.2  Southern blotting

Uma vez separado o fragmento, como saber se ele é a sequência desejada? Uma
das primeiras técnicas desenvolvidas para solucionar este problema é a técnica
de blotting de DNA, também conhecida como Southern blotting, que se baseia
na marcação de sequências de DNA e a hibridação em uma membrana. Este
método foi desenvolvido por Edwin Southern na década de 1970 para a detec-
ção de fragmentos de material genético em gel de agarose que são complemen-
tares a uma determinada sequência de DNA ou RNA.
A técnica consiste no empilhamento de filtros de papel que estão em conta-
to com um tampão de transferência em um reservatório. A membrana de hibri-
dação, que pode ser nitrocelulose ou nylon, fica entre este material absorvente
que puxa o tampão de transferência por capilaridade. Assim, as moléculas de
DNA são retiradas do gel pelo fluxo de tampão e são imobilizadas na membrana
de hibridação.
Após a transferência, os ácidos nucleicos devem ser fixados na membrana
e há vários métodos a serem utilizados. Um deles é o aquecimento a 80ºC ou,
alternativamente, pode-se usar o método de ligação cruzada com ultravioleta,
que provoca a formação de ligações cruzadas entre uma pequena fração das
timinas com os grupos carregados da superfície da membrana de nylon.
Seguida da fixação, a membrana é colocada em uma solução com o material
genético (RNA, DNA fita simples ou um oligodeoxinucleotídeo) marcado radio-
ativamente, complementar à sequência da banda ou bandas de DNA a serem
detectadas. Após a reação de hibridação estar completa, a membrana é lavada
para retirar o material que não se ligou e as regiões onde ocorreram as hibrida-
ções podem ser detectadas ao colocar a membrana em contato com filmes de
raios X.

capítulo 2 • 81
A técnica de Southern blotting pode ser utilizada em análises de metilação
do DNA, que é uma modificação da molécula do DNA com grandes implicações
em algumas doenças como Prader Willi e Angelman.

2.11.3  Northern blotting

Após a criação da técnica de Southern blotting, foram criadas técnicas para


transferências de sequências de RNA e proteínas. Como um trocadilho, utiliza-
ram o nome northern (ou seja, boreal) para nomear a técnica de blot para RNA
em oposição a Southern (austral), e, para a técnica de transferência de proteí-
nas, o termo western (ocidental).
O problema em aplicar a técnica de Southern para a transferência de RNA é
que o mesmo não se liga à nitrocelulose. Entretanto, se utilizado um papel qui-
micamente preparado para se tornar aminobenziloximetil-celulose, ou papel
ABM, ocorre a ligação covalente entre a membrana e o RNA, tornando-o dispo-
nível para a hibridação com sondas de DNA radiomarcadas. Uma vez as sequ-
ências de RNA transferidas e fixadas na membrana, o procedimento é similar
ao de Southern blotting.
A técnica de northern blotting permite observar o padrão de expressão de um
determinado gene em diversos tecidos, órgãos ou estágios de desenvolvimento.
Ela tem sido utilizada, por exemplo, para mostrar a expressão aumentada de ge-
nes relacionados ao câncer quando comparadas à células normais em células
tumorais.

2.11.4  Western Blotting

A técnica de western blotting utiliza a transferência de proteínas que foram


separadas em um gel de poliacrilamida para uma membrana de nitrocelulose
ou nylon, na qual elas se ligam fortemente. E, normalmente, como sondas, são
utilizados anticorpos específicos que podem ser marcados radioativamente, ou
com outro tipo de marcação (como um anticorpo secundário ligado à biotina
ou uma enzima reveledora como uma fosfatase alcalina). Mesmo não traba-
lhando diretamente com material genético, esta técnica é considerada como
sendo de grande importância para a manipulação genética.

82 • capítulo 2
O western blotting possui uma grande variedade de aplicações, como o teste
confirmatório de HIV, em que ele é utilizado na detecção de anticorpos contra o
vírus no soro de pacientes. Assim como testes definitivos outras doenças, como
a doença de Lyme, (doença bacteriana transmitida por carrapatos infectados),
nos testes de mal da vaca louca (encefalite espongiforme bovina), em testes de
confirmação de Hepatite B, e vários outros testes.

2.12  Transformação de E. coli


Uma técnica importante para a amplificação de fragmentos de DNA é a trans-
formação, que consiste na introdução de um DNA estranho em uma célula bac-
teriana capaz de recebê-lo (célula competente).
As primeiras tentativas de transformação de E. coli não obtiveram sucesso
e, até então, acreditava-se que a bactéria E. coli era refratária (não aceitava) à
transformação. No início da década de 1970, Higa e Mandel descobriram que
um tratamento com CaCl2 (cloreto de cálcio) permitia que as células de E. coli
recebessem plasmídeos de DNA.
Muitas bactérias possuem sistemas de restrição que podem influenciar a
eficiência da transformação. Este sistema é responsável pelo reconhecimento
e degradação de DNA não nativo. Assim, normalmente são usadas linhagens
de E. coli deficientes deste sistema de modo que possam ser utilizadas como
hospedeiras transformáveis.
O sistema de restrição é um sistema de proteção contra infecções de bacte-
riófagos, sendo utilizado por bactérias e talvez outros organismos procariotos.
Ele se baseia em enzimas denominadas enzimas de restrição, que são endonu-
cleases que quebram o DNA em pontos específicos formando fragmentos. As
enzimas de restrição reconhecem pequenas sequências de DNA e, para que a
bactéria não tenha o seu DNA danificado, ela protege as sequências de seu DNA
correspondentes às enzimas de restrição que elas possuem, marcando-as com
um radical metil (metilação) que impede a atuação de duas enzimas nestas se-
quências. Desta forma, o DNA do bacteriófago que possui estas sequências será
quebrado e não mais capaz de realizar a infecção.
A transformação bacteriana é um passo importante para muitos experimen-
tos laboratoriais de clonagem, e vários trabalhos de pesquisa foram desenvol-
vidos para aperfeiçoar esta técnica, aumentando a sua eficiência. Em tais ex-

capítulo 2 • 83
perimentos, descobriu-se que as células de E. coli e os plasmídeos interagem
produtivamente em um ambiente de baixa temperatura (0 a 5 °C) com íons de
cálcio, seguido de um choque térmico (37- 45 °C).
Outra técnica que pode ser usada para a transformação é a eletroporação,
que se baseia em pulsos de alta voltagem podem induzir as membranas plas-
máticas a se fundirem e a também captarem DNA exógeno. Uma porcentagem
destas células torna-se estavelmente transformada e pode ser selecionada se
um marcador genético adequado está incluso ao fragmento de DNA captado
pelas células.

Transformação e o DNA como portador da informação genética.


Em 1928, Frederick Griffith publicou o primeiro trabalho que indicava que as bactérias
eram capazes de transferirem informação genética através do processo de transfor-
mação.
Estudando duas linhagens de Streptococcus pneumoniae, a do tipo III-S (lisa),
que causava pneumonia em camundongos, e a do tipo II-R (rugosa), que não causa-
va pneumonia, ele montou um experimento que consistia na inoculação de bactérias
da linhagem III-S por aquecimento, o que não ocasionou a morte dos camundongos.
Entretanto, quando as bactérias da linhagem III-S mortas foram misturadas com as da
linhagem II-S vivas, a combinação causou a morte dos camundongos.
Griffith concluiu que a linhagem II-R foi transformada pela linhagem III-S através de
um princípio transformante, o que atualmente é conhecido como DNA.

2.13  Reação em cadeia da polimerase (PCR)


Uma das técnicas mais importantes para a engenharia genética é a reação
em cadeia da polimerase (PCR, do inglês polymerase chain reaction), que foi
revolucionada após a descoberta da DNA polimerase termoestável, que foi en-
contrada na bactéria extremófila Thermus aquaticus. Esta enzima é capaz de
suportar as temperaturas elevadas utilizadas na técnica de PCR.

84 • capítulo 2
A reação envolve dois iniciadores oligonucleotídeos de 17 a 30 nucleotídeos
de comprimento, os quais flanqueiam a sequência de DNA que se deseja ampli-
ficar. Os iniciadores pareiam com os lados opostos do DNA após a sua desnatu-
ração e orientam a síntese do DNA pela polimerase na região entre os iniciado-
res. A reação de extensão cria uma região alvo com duas fitas, e cada uma delas
pode ser desnaturada para o segundo ciclo de hibridação e extensão. O terceiro
ciclo produz duas moléculas de fita dupla que compreendem precisamente a
região alvo em dupla hélice. Repetindo este processo, há um rápido acúmulo
exponencial da sequência desejada e, após 22 ciclos, pode-se alcançar uma am-
plificação na magnitude de 106 vezes.
A técnica de PCR pode ser utilizada no diagnóstico de uma grande varieda-
de de doenças, entre elas leucemia e linfomas, uma vez que estas doenças são
decorrentes de modificações da estrutura do DNA. A técnica pode ser utilizada
na detecção e identificação de infecções bacterianas e virais.

Descoberta da Taq polimerase


Na década de 1960, Thomas Brock, um biólogo da Universidade de Indiana, trabalhan-
do com bactérias que viviam em temperaturas superiores a 80ºC, descobriu uma bac-
téria, que, anos mais tarde, iria iniciar uma revolução na biologia molecular. A bactéria
Thermus aquaticus possui uma DNA polimerase, que é a espinha dorsal da reação em
cadeia da polimerase.
Como a bactéria vive em um ambiente de alta temperatura, suas enzimas devem to-
lerar tal condição. E, como a PCR necessita de vários ciclos de aquecimento para sepa-
rar as fitas (desnaturação), se fosse utilizada um DNA polimerase que não suportasse
altas temperaturas, seria necessário adicionar uma nova alíquota de DNA polimerase
após cada ciclo de aquecimento, o que tornaria a PCR muito dispendiosa e cansativa.
Utilizando a DNA polimerase de Thermus aquaticus (taq polimerase) todo este trabalho
não é mais necessário.

CONEXÃO
http://www.dnalc.org/resources/animations/pcr.html

capítulo 2 • 85
2.13.1  Transcrição reversa PCR (RT-PCR)

RT-PCR (do inglês reverse transcription-PCR) é utilizada quando se deseja veri-


ficar a expressão gênica, pois é a partir do RNA que os ribossomos irão produ-
zir as proteínas. Desta forma, se um determinado conjunto de proteínas está
presente em uma célula, haverá um conjunto de mRNA correspondente a estas
proteínas.
Uma forma de detectar um mRNA específico de forma mais sensível é adap-
tar a reação da polimerase em cadeia de modo que possa ser realizada basea-
da no mRNA. Assim como a amplificação se dá incialmente com RNA de fita
simples, ao invés do DNA como ocorre com a PCR comum, deve-se usar uma
enzima que converta o RNA em DNA. Esta enzima é a transcriptase reversa, que
é uma DNA polimerase dependente de RNA derivada de retrovírus capaz de sin-
tetizar uma fita simples de DNA complementar ao mRNA, que é chamada de
cDNA, que, então, pode ser submetida à PCR.
Algumas vantagens são oferecidas pela técnica de RT-PCR, como a sensibi-
lidade na detecção de mRNAs pouco abundantes e a possibilidade de analisar
um número menor de células, pois a chance de que elas estejam no mesmo
estado metabólico, e consequentemente com o mesmo conjunto de mRNAs
sendo produzidos, é bem maior, o que diminui a chance de erros de análise.
Uma desvantagem da técnica de RT-PCR é o fato de não ser muito confiável
para quantificar o mRNA inicial. Desta forma, é utilizada outra técnica: a de
PCR em tempo real (do inglês, real time RT-PCR).
A técnica de RT-PCR pode ser utilizada no diagnóstico de algumas do-
enças genéticas, como a síndrome de Lesch-Nyhan , em que o gene HPRT 1
possui um padrão de expressão anormal, desta forma analisando os níveis
de expressão de mRNA deste gene, pode-se diagnosticar se uma criança em
desenvolvimento é portadora ou não da doença. Outro análise em que ela
pode ser utilizada é na detecção de canceres, em que a análise de expressão
de determinados mRNA funcionam como importantes marcadores tumorais,
que podem indicar se o tratamento está funcionando ou se deve mudar os
procedimentos.

86 • capítulo 2
2.13.2  Real time RT-PCR

Quando o objetivo do trabalho é quantificar o mRNA, como forma de avaliar


a disponibilidade de mRNA para a produção de proteínas, pode-se utilizar a téc-
nica de real time RT-PCR.
Como não há uma relação direta entre a quantidade de mRNA encontrada
em uma amostra e a quantidade de produtos da PCR detectados ao final dos ci-
clos de amplificação, deve-se utilizar uma relação mais confiável, que é a quan-
tidade de ciclos de amplificação necessárias para se obter um número de mo-
léculas suficiente para ser detectado pelo aparelho a partir de uma quantidade
inicial de mRNA.
O método mais simples de quantificar os níveis de mRNA seria a avaliação,
a cada ciclo de amplificação, da quantidade de produtos gerados. Desta forma,
seriam necessárias várias reações ao mesmo tempo de uma amostra e cada
uma delas seria parada em um determinado ciclo de amplificação para que fos-
se avaliada a quantidade de produtos gerados. Tal estratégia seria muito dis-
pendiosa e trabalhosa. Uma forma de contornar este método seria a detecção
dos produtos sem interromper a série de amplificações. A técnica do real time
utiliza uma mistura de corantes que marcam sondas que fluorescem somente
quando a sonda está anelada à sequência alvo, e não quando ela está livre na
solução.
A máquina responsável pela reação em tempo real, além de ser capaz de re-
alizar a PCR, ela também pode detectar a fluorescência das amostras. Assim, é
possível monitorar a evolução da reação em tempo real. Inicialmente, a sequên-
cia alvo se encontra em fita simples, e não há sinal de fluorescência. Conforme
a amplificação prossegue, um produto de fita dupla é formado, e, eventualmen-
te, quando é atingido um número suficiente de produtos, ocorre a detecção da
fluorescência pela máquina. O nível de fluorescência irá aumentar conforme o
número de ciclos, e, através de uma extrapolação da curva resultante para zero,
é possível determinar o número de ciclos necessários para a formação de uma
quantidade de produto detectável. Este valor, chamado de valor Ct, é relaciona-
do com a quantidade inicial da sequência alvo, de modo que, quanto maior a
quantidade de fita alvo no início da reação, menor será o valor de Ct.
Se os níveis de mRNA em diferentes amostras estão sendo analisados, é ne-
cessário que a análise seja feita com o mesmo número de células ou, mais pro-

capítulo 2 • 87
priamente dito, a mesma quantidade de mRNA. Como é relativamente difícil
padronizar a quantidade total de RNA da amostra, pode-se usar como parâme-
tro um gene que seja transcrito de forma uniforme durante o ciclo celular.
A técnica de real time PCR pode ser utilizada na detecção rápida de doen-
ças infecciosas, de canceres e anormalidades genéticas. Ela pode ser uma fer-
ramenta muito importante na quantificação e determinação da linhagem, de
vírus durante a infecção do vírus da Hepatite B, por exemplo.

2.14  Clonagem de DNA


Se for necessário o isolamento de um gene particular ou uma determinada se-
quência de DNA em quantidade suficiente para outros trabalhos, pode-se utili-
zar a técnica de clonagem. A palavra clonagem se refere ao método de reprodu-
ção assexuado em que um organismo produz um descendente geneticamente
igual. Assim, a palavra clone é utilizada em genes como uma extensão do con-
ceito em que uma determinada sequência é introduzida em um organismo que
irá copiá-la à medida que as células sejam replicadas.
A clonagem é iniciada com a inserção da sequência de DNA que se deseja
clonar em um vetor adequado. Em bactérias, um dos vetores mais utilizados
são os plasmídeos, que nelas ocorrem naturalmente e são capazes de se repli-
car de modo independente ao cromossomo bacteriano e são herdados pelas cé-
lulas filhas após a divisão celular. Assim, com a inserção do fragmento de DNA
desejado no vetor, uma molécula recombinante é obtida, e, ao ser inserida na
célula, irá se replicar. A E. coli, por exemplo, divide-se a cada 20 minutos. Assim,
após 30 gerações (10 horas), serão obtidos um milhão de descendentes da cé-
lula transformada inicial em que cada uma delas terá uma cópia do segmento
de DNA desejado.
Mas como cortar e unir um determinado fragmento de DNA? Bactérias pos-
suem endonucleases que as protegem de DNA exógeno, mais especificamente
de bacteriófagos, através da quebra o esqueleto de açúcar-fosfato após determi-
nadas sequências. Utilizando a alta especificidade destas enzimas, é possível
cortar um segmento do vetor, buscando nele uma sequência que seja reconhe-
cida por alguma enzima de restrição e, após este corte, pode-se unir o fragmen-
to que se deseja clonar através das DNA ligases. Assim, o vetor é montado com o

88 • capítulo 2
trecho de DNA e falta apenas introduzir esta molécula recombinante na célula
bacteriana através de técnicas de transformação, seja por choque térmico utili-
zando CaCl2 ou a eletroporação.
A clonagem de DNA possibilita a amplificação de um determinado segmen-
to de DNA através de uma célula viva, assim ela possibilita o fornecimento de
material suficiente para uma vasta gama de teste, que incluem análises da ex-
pressão do gene, análise de mutações deste gene. Outra importante aplicação é
a possibilidade de obter produtos gênicos em quantidade, através da clonagem
de genes que codificam vitaminas, hormônios e antibióticos.

2.14.1  Bibliotecas de DNA

Não necessariamente é preciso limitar a clonagem a um pequeno segmento do


DNA de um organismo. Todo o seu genoma pode ser clonado. Uma coleção de
clones de DNA pode ser chamada de biblioteca de DNA. Pode-se utilizar tam-
bém o cDNA para a montagem de uma biblioteca que representará o transcrip-
toma da célula em estudo.
Um modo de montar uma biblioteca é utilizar pequenas quantidades de en-
zimas de restrição que quebram sítios de alta frequência no genoma. Ao usar
pequenas quantidades de enzima, limita-se a digestão do DNA de modo que
apenas poucos sítios de reconhecimento da enzima sejam clivados, e a quebra
se dará aleatoriamente. Desta forma, será formada uma coleção de fragmentos
que se sobrepõem em comprimentos que podem ser utilizados na clonagem.
Tais fragmentos são ligados a um vetor utilizando a mesma enzima de restrição
utilizada para a fragmentação do genoma e, após as fitas se unirem, elas são
seladas com a DNA ligase.
Após o vetor estar pronto, ele é introduzido na bactéria e a biblioteca estará
montada com milhares de clones contendo, cada um deles, um fragmento do
genoma completo e, assim, podem ser guardados para o isolamento futuro de
vários genes.
No caso das bibliotecas de cDNA, essas portam cópias de DNA complemen-
tar de uma população de mRNA de um determinado grupo de células ou tecido.
A sua análise possui algumas vantagens quando se trata de DNA eucariótico,
pois, ao utilizar o mRNA, suas sequências não terão os íntrons, facilitando a
análise. O uso de uma fonte de mRNA pode enriquecer substancialmente

capítulo 2 • 89
algumas sequências dependendo do tecido analisado. Por exemplo, ao estudar
hemoglobinas, pode-se montar a biblioteca de cDNA de células precursoras de
hemácias.

2.15  Sequenciamento de DNA


A base mais fundamental para estudar o genoma de um organismo é o conhe-
cimento de sua sequência. Após o desenvolvimento de máquinas de sequencia-
mento automatizado, a determinação das sequências de fragmentos de DNA
tornou-se muito mais rápida e confiável e, aliada ao aumento do poder compu-
tacional, a montagem de um grande um número de sequências.
A técnica baseia-se no princípio do sequenciamento pelo método de Sanger,
que consiste basicamente na técnica de PCR. Assim, são utilizados iniciadores,
que se pareiam com sequências complementares, mas, diferente do PCR, adi-
ciona nucleotídeos terminadores de cadeia. Por não possuírem OH nos carbo-
nos 2’ e 3’(didesoxi), estes não possibilitam a inserção do próximo nucleotídeo,
bloqueando a polimerização. Logo, os nucleotídeos terminadores permitem
que a síntese seja bloqueada em uma determinada base conhecida.
A amostra, então, é dividida em quatro reações. Em cada uma, haverá apenas
um tipo de nucleotídeo terminador junto com os quatro nucleotídeos normais.
Assim, se um conjunto de nucleotídeos trifosfato contém guanina e uma porção
de didesoxiguanina trifosfato, a síntese da fita que está sendo polimerizada será
interrompida algumas vezes quando a citosina é encontrada na fita molde duran-
te a elongação, criando vários fragmentos que terminam em guanina. A mesma
reação é realizada nos outros três tubos. Entretanto, em cada um deles, haverá
um didesoxi diferente, produzindo ao final conjuntos de fragmentos terminando
em cada um dos quatro nucleotídeos. Estes fragmentos são submetidos à eletro-
forese produzindo um padrão no gel que revela a sequência do DNA.

CONEXÃO
Sequenciamento de DNA
http://www.dnalc.org/view/16515-Animation-23-A-gene-is-a-discrete-sequence-of-
DNA-nucleotides-.html

90 • capítulo 2
Glossário
Acrilamida: composto utilizado na preparação de géis de fórmula CH2.CH.
C(O)NH2. Possível agente cancerígeno.
Agarose: polissacarídeo composto de D-galactose e 3,6-anidro-L-galactose
de forma alternada e ligadas por pontes glicosídicas. Derivado de algas mari-
nhas vermelhas. Utilizada em biologia celular para a separação de grandes mo-
léculas, especialmente o DNA.
Amplificador: Sequência regulatória no DNA que aumenta a transcrição de
um gene.
Anticódon: uma sequência de trinucleotídeos encontrado na alça da molé-
cula de tRNA que é complementar à sequência trinucleotídica (códon) na mo-
lécula de mRNA.
Códon: sequência de três nucleotídeos adjacentes no mRNA que especifica
um determinado aminoácido.
Códon de iniciação: No código genético padrão, é o códon AUG, ele é res-
ponsável pelo início da síntese de um polipeptídeo, permitindo a incorporação
do 1o aminoácido (metionina) na sequência polipeptídica nascente. Esta me-
tionina é normalmente removida posteriormente da proteína madura.
Códon de terminação: No código genético padrão, são os códons UAA (ocre),
UAG (âmbar) e UGA (opala). Estes códons não codificam a incorporação de ne-
nhum aminoácido. Desta forma, como não existe um aminoacil-tRNA corres-
pondente, ativa a atuação de fatores de transcrição, finalizando a produção da
sequência polipeptídica.
Coeficiente de Svedberg: Coeficiente de sedimentação em ultracentrifuga-
ção, que é proporcional à massa e à densidade de substância, sendo dependen-
te também da forma da molécula.
Desnaturação: Separação da dupla fita de DNA causada pelo rompimento
das pontes de hidrogênio.
E. coli: é uma bactéria Gram-negativa, anaeróbia facultativa, não esporula-
dora e comumente encontrada no intestino grosso de animais de sangue quen-
te. É normalmente utilizada como organismo modelo em microbiologia, gené-
tica e biotecnologia por ser facilmente cultivada em laboratório e são capazes
de se reproduzirem em apenas 20 minutos.
Eucariotos: organismos que cujas células portam um núcleo definido e or-
ganelas membranosas.

capítulo 2 • 91
Éxon: Sequência codificante de nucleotídeos no mRNA primário e inter-
rompido por sequências não codificantes.
Exonuclease: Enzima que catalisa a remoção sequencial dos nucleotídeos
que estão na extremidade da cadeia polinucleotídica.
Fita sense: sinônimo de fita codante, ou seja, a fita ou cadeia de nucleotíde-
os que é utilizada como molde.
Fita antisense: Fita complementar à fita sense.
Iniciador de RNA: Sequência curta de RNA formada através da enzima pri-
mase, que funciona como um ponto de início para a síntese de DNA.
Íntron: Sequência não codificante de nucleotídeos no mRNA primário. São
removidas pelas enzimas do sistema de splicing e, consequentemente, não es-
tão presentes no mRNA maduro.
Jusante: Direção na qual a cadeia de ácido nucléico ou polipeptídico é sinte-
tizada. Do inglês, downstream.
Montante: Localizado na direção da extremidade 5’da fita DNA na direção
oposta à fita que funciona como padrão para a transcrição. Do inglês, upstream.
Plasmídeo: DNAs circulares ou lineares presentes no citoplasma de uma cé-
lula, capazes de se replicarem autonomamente e que podem ser transferidos
de uma célula para outra. Plasmídeos podem carregar resistência a antibióti-
cos, assim como a síntese de toxinas.
Procarioto: organismos que não possuem núcleo definido, mitocôndrias,
ou quaisquer organelas que possuam membranas.
Proofreading: Mecanismo que permite uma enzima discriminar entre o
substrato correto e o incorreto.
Promotor: Uma sequência de DNA à qual a RNA polimerase se liga e inicia
a transcrição.
RNA ou ARN: Ácido ribonucleico composto de um açúcar do tipo ribose,
com cada um dos seus carbonos numerados de 1’ até 5’. A base nitrogenada
que é ligada na posição 1’ pode ser uma adenina (A), citosina (C), guanina (G) ou
uma uracila (U). Um grupo fosfato está ligado ao carbono da posição 3’ de uma
ribose e na posição 5’ da ribose seguinte. As bases nitrogenadas se pareiam por
pontes de hidrogênio entre as citocinas e as guaninas, e entre adeninas e as
uracilas. O RNA difere do DNA por ser normalmente fita simples e possuir um
grupo hidroxila na posição 2’ do açúcar ribose.

92 • capítulo 2
Síntese de DNA translesão: Processo que permite a replicação do DNA de
fitas que sofreram lesões, como a formação de dímeros de timina e sítios AP
(bases nucleotídicas que perderam parte de sua molécula por dano, não sendo
nem mais purinas e nem mais pirimidinas).
Splicing: Processo de corte e religamento de transcritos pela quebra precisa
das ligações fosfodiéster nos sítios de quebra em 5’e 3’ (junções éxon-íntron)
para formar um mRNA maduro.
Transcrito primário: molécula de RNA mensageiro que não sofreu proces-
samento, produzida através da RNA polimerase a partir da fita molde de DNA.
Transformação: Introdução de um DNA exógeno para uma célula fornecen-
do um novo fenótipo.
Vetores: Plasmídeo ou uma molécula viral, na qual um segmento de DNA
exógeno pode ser inserido sem interromper a habilidade de replicação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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PRIMROSE, Sandy B,; TWYMAN Richard; OLD Bob. Principles of Gene Manipulation. 6.ed. Nova
Jersey Wiley, 2002, 390 p.
STRACHAN, Tom; READ, Andrew. Human Molecular Genetics. 4. ed., Oxford: Garland Sciences,
2010, 781 p.

capítulo 2 • 93
94 • capítulo 2
3
Padrões de herança
monogênica
3.1  Padrões de herança monogênica
A herança monogênica é a herança de traços que são determinados por um úni-
co gene. Ela pode se apresentar com um padrão mendeliano clássico, quando
os traços herdados são causados por mutações do genoma nuclear, pois desta
forma mostram características de herança muito parecidas com as que foram
observadas nos trabalhos de Mendel. Elas ocorrem em média com uma propor-
ção fixa entre os descendentes de determinados tipos de cruzamentos (uniões).
A herança monogênica inclui as heranças autossômicas recessivas, as domi-
nantes, heranças ligadas ao cromossomo X, e outras.
As desordens monogênicas são consideradas principalmente como doenças
da primeira infância, menos de 10% delas se manifestam após a puberdade e ape-
nas 1% ocorre no final do período reprodutivo. Em um estudo com mais de um mi-
lhão de partos, a incidência de doenças monogênicas foi estimada em 0.36%; en-
tre crianças hospitalizadas, 6 a 8% delas são esperadas portarem estas desordens.
Uma desordem monogênica é determinada principalmente por alelos em
um único locus. Quando o indivíduo porta um par de alelos idênticos em um
locus codificado no DNA nuclear ele é chamado de homozigoto; quando os ale-
los são diferentes, são denominados heterozigotos. Há um segundo termo que
envolve os heterozigotos que trata de indivíduos que portam dois alelos dife-
rentes, mas nenhum deles é o alelo normal, neste caso ele é chamado de hete-
rozigoto composto.
O padrão de herança monogênica depende de dois fatores, o primeiro é se
o fenótipo é dominante ou recessivo, e o outro fator se refere à localização do
locus gênico, que pode ser autossômico (nos cromossomos 1 a 22) ou nos cro-
mossomos sexuais (cromossomos X e Y).
Os padrões de heranças de cromossomos autossômicos e sexuais devem ser
tratados de formas diferentes, pois a maioria genes que estão fisicamente loca-
lizados nos cromossomos X possuem um padrão de herança distinto, denomi-
nado de herança ligada ao cromossomo X. Durante a gametogênese em mu-
lheres, como existem dois cromossomos X, eles podem sofrer recombinação
meiótica, o que não ocorre na gametogênese em homens, pois o cromossomo X
não pode se recombinar com o Y em boa parte de suas sequências. Os cromos-
somos X e Y possuem genes que são compartilhados, este genes são denomi-
nados pseudoautossômicos, pois possuem um padrão de herança similar aos
genes presentes nos cromossomos autossômicos.

96 • capítulo 3
3.2  Heredograma
O passo inicial para estabelecer o padrão de transmissão em famílias é obter
informações sobre a história do portador e resumir os detalhes na forma de um
heredograma (árvore familiar). Ele apresenta de forma ilustrativa as relações
de parentesco entre os membros da família, assim como se estes familiares são
afetados ou não pela caracter, ou doença genética analisada.
Na figura 3.1 há uma relação básica dos símbolos usados em árvores fa-
miliares.

Homem Homem

Mulher
Gêmeos fratenais
Sexo desconhecido

União
(Linha marital) Gêmeos idênticos

I Pais não afetados


Vários indivíduos
4 e 6 de mesmo sexo
II Filhos não afetados
1 3 e Indivíduos afetados
2
Portador
Quando apenas um parental
está representado, ele não é Morto
afetado ou não é significante
para a análise

Figura 3.1 – Símbolos mais usados em árvores familiares.

Como representado na figura 3.1, os círculos representam as fêmeas (mulhe-


res) e os quadrados, os machos (homens). Quando os símbolos estão preenchi-
dos (cor ou sombra) o indivíduo é afetado em relação ao caracter ou doença anali-
sada. Para representar a união entre um macho e uma fêmea, traça-se uma linha
direta entre eles e se houver descendentes eles são conectados por uma linha ver-
tical, e todos os irmãos dos mesmos pais, são ligados por uma linha horizontal
acima de seus símbolos de acordo com a ordem de nascimento. Usa-se uma seta
em árvores familiares para os indivíduos que foram o foco da montagem da árvo-
re, quando homem ele é chamado de caso probante, se mulher propósita.

capítulo 3 • 97
As árvores familiares fornecem importantes informações que possibilitam
os geneticistas determinarem o modo de herança de uma caracter, e se este pa-
drão é consistente com um modo de herança específico.

3.3  Herança autossômica e ligada ao


cromossomo X

O padrão comum de herança autossômica é que elas afetam igualmente ho-


mens e mulheres, enquanto que os traços determinados pelo cromossomo
X possui um padrão diferente. Em homens como há apenas uma cópia do X
eles nunca podem ser heterozigotos em genes ligados ao X (hemizigotos). Em
mulheres existem um mecanismo de compensação de dose, para compensar a
presença de dois cromossomos X, em uma cópia do cromossomo X é silencia-
do, assim a maioria dos genes ligados ao X são expressos a partir de uma única
cópia dos cromossomos X em qualquer célula da mulher.

3.3.1  Padrões de herança autossômica recessiva

A herança recessiva possui como padrão a expressão de seus traços apenas quando
os alelos estão em homozigose. A maioria das desordens recessivas são decorren-
tes de mutações que provocam a perda de função de um produto gênico. Como por
exemplo, um gene que codifica uma proteína que sofre uma mutação e essa pro-
teína perde sua atividade catalítica, por ter alterado um aminoácido essencial. Em
portadores heterozigotos, por possuírem uma cópia do alelo normal, podem forne-
cer produto gênico suficiente, ao redor de 50% de um portador de dois alelos nor-
mais, para que sua atividade supre as necessidades da função fisiológica normal.
Casamentos consanguíneos geralmente produzem descendentes que por-
tam caracteres recessivos raros, que podem ser deletérios. Pois por ancestrali-
dade comum recente, por exemplo, quando primos de primeiro grau se unem,
um alelo que na população é raro pode ser transmitido em ambos os lados dos
parentais, e se tornar homozigoto em um descendente.
Nem sempre as desordens autossômicas recessivas irão ocorrer em uniões
consanguíneas, podem ocorrer pela união ao acaso que acabam por gerar um
descendente homozigoto, que ao final manifesta a desordem genética.

98 • capítulo 3
Como exemplo na figura 3.2 há um heredograma que apresenta uma do-
ença com padrão autossômico recessivo. Neste herodograma a herança trata-
se da hipotricose, que é a perda precoce de pelos, que através do casamento
consanguíneo na geração III, gerou três filhas (geração IV) que apresentam a
doença por serem homozigotas.

II

III

IV

Figura 3.2 – Heredograma de uma família portadora de hipotricose. A cor azul indica pa-
ciente afetado.

3.3.2  Padrões de herança autossômica dominante

Quanto ao padrão de herança dominante, mesmo com uma única cópia do alelo
mutante há a manifestação da sua característica, assim os portadores heterozigo-
tos irão apresentar os efeitos do alelo mutante. Nos casos de doenças chamadas de
dominantes puras, tanto os homozigotos do alelo mutante quanto os heterozigotos
são afetados igualmente, este padrão é muito raro, e quando ocorre, há a expressão
de dois alelos diferentes em um locus, o que é chamado de codominância, o que é
observado no grupo sanguíneo ABO, em diferentes antígenos podem ser expressos
ao mesmo tempo na superfície das hemácias, como no caso dos indivíduos AB.
O que é mais normalmente observado é o efeito mais severo em homozi-
gotos do alelo mutante do que é encontrado nos heterozigotos, este padrão é
conhecido como dominância incompleta.
Desordens autossomais dominantes são observadas aproximadamente em
um entre cada 200 indivíduos. Se analisadas individualmente cada desordem
desse tipo é muito rara nas populações, em que a desordem mais comum pos-
sui uma frequência ao redor de 0.001. Desta forma é muito incomum um cru-
zamento entre dois indivíduos afetados pela mesma doença autossômica do-
minante. Nota-se mais comumente a ocorrência de formaqção de descentes de

capítulo 3 • 99
uniões parentais entre um parental afetado heterozigoto e outro não afetado.
Na figura 3.3 o quadrado de Punnet mostra esta união.

PARENTAL NÃO AFETADO

a a
PARENTAL AFETADO

A Aa Aa

a a a

Figura 3.3 – Quadrado de Punnet ilustrando a união de um parental afetado heterozigoto


(Aa) e um não afetado (aa) de uma desordem autossomal dominante, os genótipos afetados
são mostrados em azul.

Quando é analisada a árvore familiar de uma desordem autossômica domi-


nante nota-se que não há geração que é poupada, outra observação é que ela
ocorre com certa igualdade em ambos os sexos.
Como exemplo do padrão de herança autossômica dominante há a polidac-
tilia, que provoca o aumento no número de dígitos, que em casos extremos,
pode adicionar um dígito extra em cada mão. Na figura 3.4 há a representação
de seu padrão de herança.

II

III

IV

Figura 3.4 – Padrão de herança autossômica dominante representado pela polidactilia. Sua
manifestação pode variar em intensidade, ao ponto de adicionar mais de um dígito em cada
mão ou pé. A cor azul indica paciente afetado.

100 • capítulo 3
3.4  Herança ligada ao cromossomo X
Os cromossomos X e Y são responsáveis pela determinação do sexo e são distri-
buídos de forma desigual entre os homens e as mulheres. Desta forma os fenó-
tipos determinados pelos cromossomo X terá uma distribuição que é diferente
do que foi observado no padrão de herança que os 22 cromossomos autossômi-
cos possuem, o cromossomo X não segue o modelo mendeliano.
O cromossomo X é um cromossomo grande que contem 155 milhões de pa-
res de bases, cerca de 5% do genoma nuclear, e aproximadamente 1100 genes,
enquanto que o cromossomo Y é bem pequeno, com apenas 60 milhões de pa-
res de bases e entre 50 a 60 genes.
Como o núcleo celular das células somáticas masculinas possuem apenas
um cromossomo X e das mulheres possuem um par de cromossomos X, exis-
tem dois genótipos possíveis para homens, portador ou não do alelo, enquanto
que para mulheres há três possíveis, homozigoto para o alelo, heterozigoto e
homozigoto do alelo normal (ou não afetado). Um homem com o alelo mutante
no locus ligado ao X é classificado como hemizigoto para o alelo. Um exemplo
clássico desta herança é a hemofilia A, causada por uma mutação no gene res-
ponsável pela produção do fator de coagulação VIII, em que o alelo mutante Xh,
causa a hemofilia.
O cromossomo X é responsável pela produção de muitas proteínas essên-
cias e como a concentração delas não diferem em homens e mulheres mesmo
que eles possuem diferentes números de cromossomos X, qual mecanismo
equilibra a produção dessas proteínas?
Uma pista de como este mecanismo de compensação funciona foi obtido
por Susumu Ohno no final da década de 1950 em que ele observou que um
dos cromossomos X de mamíferos possuía uma aparência diferente, um era
semelhante aos cromossomos autossômicos e outro estava condensado e he-
terocromático. Esta observação foi independentemente feita por outro grupo,
no início da década de 1960, por Mary Lyon, que propôs que um dos cromosso-
mos X de mulheres aleatoriamente era inativado. Justamente esta inativação
resultaria na compensação de dosagem, ou seja, a equalização da quantidade
de produtos gênicos ligados ao X em homens e mulheres.
A hipótese de Lyon indicava que a inativação do cromossomo X é iniciada
muito cedo no desenvolvimento embrionário de mulheres, o cromossomo X
herdado do pai é inativado em algumas células assim como o herdado pela

capítulo 3 • 101
mãe, em cada célula um cromossomo X é inativado, independente de se ele foi
herdado do pai ou da mãe. Uma vez que o cromossomo X está inativado, to-
das as suas células filhas terão o mesmo cromossomo X inativado, desta forma
além de aleatória, a inativação também é permanente. Outra consequência da
inativação aleatória é que em mulheres existem duas populações de células,
uma com o cromossomo X paterno ativo e outra com um cromossomo X mater-
no ativo, assim mulheres são mosaicos quanto à atividade do cromossomo X.
A hipótese da inativação aleatória de Lyon foi baseada em muitas evidências,
entre elas a questão das fêmeas serem tipicamente mosaicos, enquanto os homens
não (pois possuem apenas um cromossomo X) como podem ser visto no exemplo
dos gatos cálicos, neles as fêmeas possuem manchas negras que se alternam com
manchas alaranjadas no pelo que correspondem a duas populações de células:
uma que porta o cromossomo X no qual o alelo negro está ativo e com o alelo ala-
ranjado ativo, enquanto os gatos machos não apresentam alternância de cores.
Em humanos, o cromossomo X inativo pode ser identificado citologica-
mente pela presença de uma massa heterocromática (corpúsculos de Barr) em
células da intérfase.
Entre as desordens ligadas ao X em humanos há a distrofia muscular de
Duchenne, caracterizada pela degeneração progressiva muscular, causada pela
ausência da distofina, que é uma proteína que mantem a célula muscular in-
tacta. Em que mulheres portadoras apresentam típica expressão em mosaico,
que podem ser diagnosticadas pela técnica de imunocoloração da distrofina. O
grau de severidade da doença em heterozigotos pode ser muito variável, devido
a diferenças na proporção de células que contem o alelo mutante no cromosso-
mo X ativo em tecidos musculares.

3.4.1  Padrão de herança recessivo e dominante em desordens


ligadas ao cromossomo X

Existem algumas dificuldades para realização de classificação de uma desor-


dem legada ao cromossomo X quanto a sua dominância ou recessividade,
pois fêmeas heterozigotas para um mesmo alelo mutante, em uma mesma
família, podem ou não apresentar sinais e/ou sintomas da doença, dependen-
do do padrão de inativação dos cromossomos X portadores do alelo mutante.
A dificuldade de classificação é tamanha que muitos cientistas recomendam
não utilizar a classificação dominante e recessivo para alelos ligados ao X.

102 • capítulo 3
As desordens ligadas ao cromossomo X não possuem dominância ou re-
cessividade absolutas, cerca de 40% das desordens ligadas ao cromossomo X
conhecidas podem ser classificadas consideradas recessivas, pois apresentam
pouca ou nenhuma penetrância (uma pequena porcentagem em fêmeas hete-
rozigotas), e cerca de 30% poderiam ser consideradas dominantes, com uma
penetrância maior que 85% em fêmeas heterozigotas, e os 30% que das desor-
dens que sobraram não podem ser classificadas nem como dominantes nem
como recessivas com uma variação de penetrância de 15 a 85% nas fêmeas he-
tezigotas. Assim, os termos dominante e recessivo podem ainda ser utilizados
nos extremos, quando a penetrância é muito baixa (recessivo) ou quando é mui-
to alta (dominante), mas as penetrâncias intermediárias ficam dentro de uma
zona cinzenta de classificação.

3.4.1.1  Desordens recessivas ligadas ao cromossomo X

Um padrão relativamente simples permite classificar as desordens ligadas ao


cromossomo X como recessivas, uma mutação ligada ao cromossomo X é tipi-
camente expressa nos fenótipos de todos os machos portadores, mas somente
é expressa em fêmeas homozigotas para o alelo mutante, assim essas desor-
dens são muito mais comuns em machos do que em fêmeas.
Um exemplo interessante do padrão de herança recessivo ligado ao cro-
mossomo X é o daltonismo, que é uma desordem relativamente comum, que
consiste em uma diminuição na habilidade da percepção de cor em condições
normais de iluminação, sua causa mais comum é uma falha no desenvolvimen-
to de um ou mais conjuntos de cones retinais, que são células que são fotossen-
síveis às cores e transformam a luz em impulsos nervosos que são transmitidos
para o nervo óptico. Fêmeas apenas irão apresentar a desordem apenas quando
ela for homozigota.
Em uma frequência muita baixa, fêmeas heterozigotas de alelos recessivos li-
gados ao X podem expressar fenotipicamente a doença, estes casos são chamados
de heterozigotas manifestantes, e podem ocorrer em muitas doenças recessivas
ligadas ao X como a hemofilia A (deficiência do fator VIII), hemofilia B (deficiência
do fator IX), distrofia muscular de Duchenne, daltonismo, a imunodeficiência de
Wiskott-Aldrich e várias doenças oculares ligadas ao cromossomo X.
Alguns fatores podem determinar a manifestação das desordens em hete-
rozigotas, uma delas é uma consequência da inativação aleatória do cromosso-

capítulo 3 • 103
mo X, como este processo ocorre no embrião em desenvolvimento com pouco
menos de 100 células, alguns tecidos de fêmeas terão proporções diferentes de
alelos mutantes e normais ativos, e se um tecido pertinente, como por exem-
plo, um grupo muscular que possui uma proporção maior de cromossomos X
ativos portadores de uma mutação que causa distrofia muscular, a fêmea mes-
mo sendo heterozigota irá manifestar a desordem. Este desvio na proporção de
cromossomos portadores do alelo mutante e normais é conhecido como dese-
quilíbrio da inativação do X.
Outro fator determinante da manifestação de desordens em heterozigotas
é a variação que algumas desordens podem ter em sua penetrância e expres-
são, como é observado na síndrome de Hunter, que é uma doença que afeta o
armazenamento nos lisossomos causada pela deficiência da iduronato sulfata-
se. Em células que portam o gene normal em um cromossomo X ativo a célula
pode exportar a enzima para o espaço extracelular, onde ela pode ser recolhida
por células que possuem o alelo mutante no cromossomo X ativo, corrigindo
assim o defeito nestas células. Assim a penetrância da síndrome de Hunter em
fêmeas heterozigotas é muito baixa mesmo quando a inativação do cromosso-
mo X está em desequilíbrio, com desvio para a ativação de cromossomos X por-
tadores da mutação.

3.4.1.2  Desordens dominantes ligadas ao cromossomo X

A descrição básica de herança dominante ligada ao cromossomo X é a mani-


festação das desordens nas fêmeas heterozigotas, e diferente do padrão de he-
rança dominante de cromossomos autossômicos, não há transmissão pai para
filho homem, uma vez que os machos transmitem o cromossomo Y para seus
filhos, e não o cromossomo X. Assim, considerando uma penetrância comple-
ta, um macho portador de uma desordem dominante ligada ao cromossomo X
terá todas as suas filhas afetadas, mas nenhum de seus filhos.
Desordens dominantes ligadas ao cromossomo X são bem menores e me-
nos prevalentes do que as recessivas ligadas ao cromossomo X, um exemplo é
o raquitismo hipofosfatêmico, uma doença que afeta os rins, interferindo em
sua habilidade de reabsorver o fosfato, o que provoca uma ossificação anormal
com deformações ósseas.
Algumas doenças genéticas aparentam ser totalmente exclusivas de fême-
as, ou quase totalmente, isto é devido à letalidade que provocam em machos

104 • capítulo 3
portadores antes do nascimento, de modo que na análise da árvore familiar de
uma família portadora possui a mesma proporção de fêmeas afetadas, fême-
as não afetadas e machos não afetados (1:1:1). Como exemplo há a síndrome
de Bloch-Sulzberger, que também é conhecida como incontinência pigmentar
tipo I, em que os portadores da desordem possuem pigmento livre na camada
basal da epiderme, como se os melanócitos não conseguem manter a melanina
(incontinência), entre outros sintomas há a alopecia (redução parcial ou total
de cabelos), anormalidades dentárias (redução no tamanho ou em número),
alterações visuais e unhas escavadas. Esta doença afeta principalmente as fê-
meas, pois os machos hemizigotos são tão severamente afetados que não so-
brevivem. As fêmeas heterozigotas por possuírem um alelo normal em um cro-
mossomo X, manifestam uma forma mais amena.

3.5  Padrões de herança pseudo-


autossômica

Entre os cromossomos X e Y há uma região que possui homologia, chamada de


pseudoautossômica. Esta região sofre regularmente troca de material genético
entre os cromossomos sexuais em machos durante a meiose. Nesta região há
muitos genes housekeeping, que como já discutido nos capítulos anteriores, são
responsáveis por funções básicas e essenciais das células.
Alelos para genes que estão na região autossomal podem apresentar a trans-
missão pai para filho homem, o que é similar ao padrão de herança autossômico,
pois o gene pode sofre crossing over do cromossomo X para o cromossomo Y duran-
te a gametogênese masculina e assim ser passado de pai para filho. Como exemplo
de doença ligada à região pseudoautossomal há a discondrosteose de Léri-Weill
que consiste em uma anomalia esquelética caracterizada por uma baixa estatura
desproporcional e uma deformidade no pulso no qual ele se apresenta encurtado
e com outras anomalias, que limita a mobilidade do pulso e do cotovelo. A discon-
drosteose de Léri-Weill é uma desordem dominante com prevalência maior em
mulheres, sugerindo um padrão de herança dominante ligado ao X, mas a presen-
ça da herança pai para filhos homens anula esta hipótese. Esta desordem é causa-
da por mutações no gene SHOX localizado na região pseudoautossomal nos braços
menores do cromossomo X e Y, e ele escapa da inativação do cromossomo X.

capítulo 3 • 105
3.6  Herança ligada ao cromossomo Y
O cromossomo Y possui uma pequena região que não possui homologia com o
cromossomo X. Nessa região há alguns genes que possuem um padrão de he-
rança que é restrita ao sexo, pois apenas os portadores do cromossomo Y (ma-
chos) a possuem. Esses genes também são conhecidos como genes holândricos.
O cromossomo Y contém genes que são envolvidos na determinação sexual
e fertilidade masculina. O sexo é determinado pelo gene SRY que é responsável
pelo desenvolvimento do embrião em menino, ele codifica a produção do Fator
Determinante de Tésticulo (TDF) que desencadeia uma cascata de interações
entre vários genes que fazem com que as gônadas do embrião se desenvolvam
em testículos. A importância do TDF na determinação do sexo é demonstra-
da nos casos de indivíduos portadores de sexo reverso, esses indivíduos pos-
suem um sexo gonadal que não corresponde com a presença ou ausência do
cromossomo Y, desta forma podem ter testículos desenvolvidos sem portarem
o cromossomo Y. Este fenômeno é explicado pela troca de material entre os cro-
mossomos paternos X e Y durante a meiose, com a transferência de segmentos
do cromossomo Y (incluindo o gene SRY) para o X gerando um indivíduo com
genitália masculina normal.

3.7  Caracteres limitados ao sexo e


influenciados pelo sexo

Os caracteres limitados ao sexo são expressos em somente um dos sexos, embo-


ra os genes responsáveis estejam presentes tanto em homens como mulheres.
O desenvolvimento de diferenças anatômicas entre mulheres e homens como,
por exemplo, o desenvolvimento de seios e ovários e a distribuição dos pelos
faciais são limitados ao sexo.
Caracteres influenciados pelo sexo são presentes tanto em homens como
mulheres, mas possuem uma maior frequência em um sexo. Como exemplo há
a calvície que em mulheres, geralmente, provoca o afinamento dos fios ao invés
da perda deles. Em homens, provavelmente pelo efeito da testosterona, há a
expressão total do alelo responsável pela calvície.

106 • capítulo 3
3.8  Herança mitocondrial
Apesar de o genoma mitocondrial ser milhares de vezes menor que o genoma
nuclear, ele é responsável por poucas, mas importantes desordens quando so-
fre mutações em genes importantes. A herança mitocondrial possui formas de
manifestação únicas e um alto grau de variabilidade fenotípica.
Nas células humanas há várias centenas de mitocôndrias no citoplasma,
esta organela é responsável pela produção de adenosina trifosfato (ATP) que
é a fonte principal de energia para o metabolismo celular, o que torna a mito-
côndria uma organela extremamente importante para a sobrevivência celular.
O cromossomo mitocondrial possui 15.569 pares de bases e possui caracte-
rísticas bem distintas do genoma nuclear, ele é circular, não possui íntrons e é
herdado exclusivamente das mães. Ele codifica 22 tRNA, 2 rRNA e 13 proteínas
envolvidas na fosforilação oxidativa. O genoma mitocondrial não produz todas
as proteínas envolvidas na fosforilação oxidativa, assim é necessário o inter-
câmbio de proteínas codificadas pelo genoma nuclear.
A taxa de mutação no genoma mitocondrial é cerca de 10 vezes maior do
que o nuclear, devido à falta de mecanismos de reparo de DNA e aos efeitos dos
radicais livres de oxigênio produzidos durante o processo fosforilação oxidati-
va. Como cada célula possui uma população de mitocôndrias que portam cada
uma um mtDNA, uma única célula pode conter moléculas de mtDNA mutadas
e outras não, originando uma composição de DNA heterogênea, que é chama-
da de heteroplasmia, que é um fator importante na variação da expressão das
doenças ligadas às mitocôndrias. Assim, a severidade de um desordem poderá
ser determinada pela proporção de mitocôndrias que portam DNA mutado em
comparação com as mitocôndrias com seu mtDNA normal.
Como cada tecido do corpo necessita de um determinado suprimento de
ATP e possa tolerar certa variação na produção para a sua função normal, mas
se a produção diminuir abaixo de um limite as células começam a degenerar e
a morrer. Assim órgãos que necessitam de um grande suprimento de energia
e possuem limites de variação bem restritos são os mais afetados por doenças
mitocondriais, como ocorre com o sistema nervoso, que frequentemente é afe-
tado por essas desordens.
A Neuropatia óptica hereditária de Leber é uma doença provocada por uma
mutação que produz a alteração de um aminoácido (mutação de troca de sen-
tido ou missense) no mtDNA, ela afeta uma pessoa em 10.000 e é caracterizada

capítulo 3 • 107
pela perda rápida no campo central da visão como resultado da morte do nervo
óptico. O sintoma começa normalmente na terceira década de vida e normal-
mente é irreversível. Esta doença possui heteroplasmia mínima e consequente-
mente possui um padrão bem claro de herança mitocondrial, que consiste na
transmissão apenas das mulheres para seus filhos (figura 3.5).

II

III

IV

Figura 3.5 – Árvore familiar da de uma família portadora da neuropatia óptica hereditária de
Leber. A cor azul indica paciente afetado.

Mutações que afetam o tRNA codificado no DNA mitocondrial pode resultar


na epilepsia mioclônica com fibras rotas vermelhas, que é também conhecida
como MERRF que é uma desordem caracterizada por epilepsia, demência, ata-
xia (movimentos musculares não coordenados), e miopatia (doenças muscu-
lares). Essa desordem possui heteroplasmia no mtDNA e consequentemente
uma grande variação na sua expressão.

3.9  Padrões atípicos de herança

3.9.1  Mosaicismo

Se mutações ocorrerem em uma célula no período pré-natal ou logo após o nas-


cimento, as células portadoras dessas mutações, através de suas células filhas,
podem perpetuar no indivíduo uma subpopulação de células diferente do zigo-
to original. A distribuição dessa subpopulação de células que portam a muta-
ção pode estar presente em alguns tecidos do indivíduo mas não nos gametas,
que é ocaso do mosaicismo somático puro, ou serem restritas às células germi-

108 • capítulo 3
nativas, mosaicismo germinativo puro, ou pode estar presentes nos dois tipos
celulares dependendo de onde e quando ocorre a mutação no embrião em de-
senvolvimento. Se a mutação ocorre antes da separação das células somáticas e
germinativas no embrião, os dois tipos celulares serão afetados, se ocorrer após
a separação a mutação será restrita ao tipo celular em que ela ocorreu.

3.9.2  Mosaicismo somático

Dependendo no estágio do desenvolvimento em que ocorreu determinada mu-


tação na linhagem celular somática, ela pode se manifestar como uma anorma-
lidade em segmentos ou manchas irregulares, como é observada na desordem
NF1 (neurofibromatose) ela, em alguns casos, é segmentar e é causada por um
mosaicismo de uma mutação que aconteceu após o nascimento. Em tais casos
o paciente possui pais normais, mas se o portador tiver um filho e a criança
ser afetada a mutação tem que estar nos gametas do paciente e desta forma a
mutação ocorreu antes da separação das células germinativa das somáticas que
carregam a mutação. A criança apresentará um fenótipo diferente do pai, com
a manifestação de NF1 típica, que não é segmentar.

3.9.3  Mosaicismo da linhagem germinativa

Apesar da probabilidade muito baixa da recorrência de uma mutação que causa


uma determinada desordem em um grupo de irmãos, pois além das mutações
espontâneas serem raras, a sua ocorrência no mesmo gene a torna ainda mais
improvável, com a probabilidade de uma entre 108 e 1012.
Há alguns casos em análises de árvores hereditárias que aparentam sofrer
desta recorrência, pois mesmo com tão pouca probabilidade há casos de pais
que são fenotipicamente normais e possuem resultados negativos na análise
da árvore hereditária para doenças autossômicas dominantes ou ligadas ao X,
assim como possuem resultados negativos em testes moleculares para avaliar
se são portadores de alguma desordem, mas mesmo assim geram mais de um
descendente afetado por uma desordem autossômica dominante com alta pe-
netrância ou ligada ao X. Esta árvore hereditária sugere a ocorrência de mais
de uma vez de determinada mutação em um mesmo gene, mas o que é mais
provável é que esta situação possa ser explicada pelo mosaicismo da linhagem
germinativa.

capítulo 3 • 109
A desordem osteogenesis imperfecta possui cerca de 6% dos seus casos
mais severos (letais) como mosaicos da linhagem germinativa, a desordem é
provocada pela mutação em genes que codificam o colágeno do tipo I que aca-
bam produzindo um colágeno anormal e ossos frágeis que sofrem constantes
fraturas.

3.9.4  Imprinting

Normalmente o sexo dos pais não possui influência na probabilidade de um


alelo mutante de um gene autossômico ser transferido para um de seus des-
cendentes, independentemente do sexo dos mesmos. Mas há duas desordens,
síndrome de Prader-Willi e Angelman, que possui a expressão do fenótipo da
desordem dependente de se o alelo mutante foi herdado do pai ou da mãe, isto
é causado por um fenômeno chamado de imprinting genômico.
O imprinting genômico é um processo de silenciamento de genes que é efe-
tuado através da metilação (inserção do grupo metil) na região 5’ dos genes,
juntamente com a hipoacetilação das histonas e a condensação da cromatina,
que acabam por inibir a ligação de proteínas que promovem a transcrição. Este
processo de silenciamento afeta vários genes, são estimados mais de 200, e um
indivíduo com um alelo silenciado pelo imprinting (imprintado) terá apenas
uma cópia transcricionalmente ativa do gene, o gene imprintado é herdado de
um dos pais, por exemplo, um alelo transmitido pelo pai é inativo, enquanto
que o herdado pela mãe está ativo.
As síndromes de Prader-Willi e Angelman são um exemplo interessante da
influência do imprinting. As síndromes são causadas pela deleção de cerca e
quatro milhões de bases do braço longo do cromossomo 15. Se a deleção é her-
dada do pai, a criança irá manifestar a síndrome de Prader-Willi, que consiste
em baixa estatura, hipogondismo, hipotonia (fraco tônus muscular), mãos e
pés pequenos, obesidade, retardo mental leve ou moderado. Mas se a deleção
é herdada da mãe, a criança acaba por desenvolver a síndrome de Angelman,
que inclui características como um retardo mental severo, convulsões, marcha
atáxica (dificuldade de se manter em pé).
A diferença de síndromes quanto a origem da deleção, pode ser explica-
da pelo fato que a região deletada contêm vários genes que são normalmente
transcritos apenas no cromossomo herdado pelo pai, a cópia de origem mater-
na está trancricionalmente inativa (imprintada). Assim como outros genes são

110 • capítulo 3
apenas ativos no cromossomo 15 herdado pela mãe, enquanto que o de origem
paterna está inativo. Como há apenas uma cópia ativa em indivíduos normais,
se ocorre a perda de uma cópia ativa pela delação, não haverá produto gênico
para o funcionamento normal da célula, o que acaba gerando a doença.
Outro caso de síndrome provocada pelo imprinting é a de Beckwith-Wiede-
mann que provoca sobrecrescimento, aumento da predisposição ao câncer e
malformações congênitas. A criança ao nascer possui um tamanho maior que
o normal, macroglossia (língua larga), hipoglicemia neonatal, vincos no lobo
auricular e onfalocele (má formação da parede abdominal), em alguns casos
as crianças portadoras da síndrome podem ter crescimento assimétrico de um
dos membros ou um dos lados da face ou tronco (hemihiperplasia).
O aumento da predisposição de tumores inclui os tumores de Wilms, um
tipo de câncer renal, e hepatoblastoma, um câncer hepático. Esses tumores
se forem detectados no início do desenvolvimento podem ser tratados efetiva-
mente, deste modo pacientes portadores da síndrome precisam de acompa-
nhamento médico frequente. Esta síndrome é causada tanto pela duplicação
de uma região do braço menor do cromossomo 11 e outros da deleção desta
mesma área. Dois genes podem ser afetados nesta síndrome, o IGF-2, que é um
fator de crescimento e ou um cópia não ativa de CDKNC1 (um inibidor de pro-
liferação celular).
A minoria dos casos da Síndrome de Beckwith-Wiedemann, entre 20 a 30%,
são causados pela herança de duas cópias do cromossomo 11 do pai e nenhum
da mãe, que caracteriza uma dissomia uniparental. Vários genes estão imprin-
tados no braço curto do cromossomo 11 tanto no cromossomo materno quanto
paterno. Estes genes são encontrados em duas regiões diferencialmente meti-
ladas (DMRs), a DMR1 possui o gene que codifica o fator de crescimento seme-
lhante à insulina 2 (IGF2) que normalmente é inativo no cromossomo de ori-
gem materna e ativo no de origem paterna. Assim, uma pessoa normalmente
possui uma única cópia ativa de IGF2, quando são herdados dois cromossomos
11 do pai ou a cópia materna perde o imprinting, ou seja com duas cópias IGF2
ativas, há uma dose dobrada do produto gênico que provoca o aumento do cres-
cimento observado nesta síndrome.
Cerca de 50% dos casos da Síndrome de Beckwith-Wiedemann é causada
pela perda do imprinting da cópia paterna da região diferencialmente metilada
DMR2, que contem vários genes, entre eles o KCNQ1 (gene codificante de um
canal de potássio) e o CDKN1C (um gene supressor de tumor) que resultam no

capítulo 3 • 111
silenciamento de inibidores de crescimento, provocando tanto o aumento de
crescimento como o aumento da predisposição ao câncer.

3.9.5  Doenças provocadas por expansão de repetições

Diferentemente do que foi apresentado até agora, há doenças que são provo-
cadas por mutações que são estáveis e herdadas de uma geração a outra, as do-
enças provocadas por expansão de repetições tendem a aumentar o número de
repetições de geração em geração.
Essas repetições são localizadas dentro de genes e são constituídas de repe-
tições de três ou mais nucleotídeos em tandem (um ao lado do outro). De modo
geral, os genes que são associados com estas doenças são encontrados também
como alelos normais, mas eles possuem várias versões, mas com um número
pequeno de unidades de repetição. Conforme o gene é transmitido de geração
em geração ele pode sofrer uma expansão anormal do número de repetições
que provoca alterações na função e na expressão gênica. A provável causa da
expansão é um erro durante a duplicação do DNA, chamado de slipped-strand
mispairing (SSM) em que a polimerase acaba por replicar mais de uma vez uma
determinada repetição, expandindo assim o número de repetições.
São conhecidas algumas dezenas de doenças provocadas pela expansão de
repetições, e são principalmente desordens neurológicas, elas variam quanto
o grau de expansão das repetições, o comprimento, sequência nucleotídica da
unidade de repetição, o número de repetições no alelo normal, a localização
dentro do gene das repetições, o grau de instabilidade das unidades de repeti-
ção durante a mitose ou meiose, etc.
A desordem mais comum afetada pela expansão de repetições é a doença
de Huntington, que é uma doença neurodegenerativa progressiva que resulta
da expansão da trinca CAG que codificam a glutamina (devido a isso ela é uma
desordem da família das poliglutaminas) na região codante de uma proteína de
função desconhecida chamada de huntingtina. Indivíduos normais possuem
entre 9 e 35 repetições da trinca CAG no gene, com a média de 18 a 19. Indiví-
duos afetados possuem de 40 a mais repetições, e quanto maior o número de
repetições, mais precocemente há a manifestação dos sintomas.
A doença de Huntington é caracterizada pela degeneração do striatum e do
córtex, sua manifestação ocorre na meia idade e consiste em anormalidades
motoras como a distonia (contrações involuntárias e espasmos) e a coreia (mo-

112 • capítulo 3
vimentos involuntários breves), perda progressiva da memória, depressão, difi-
culdades de mastigação e deglutição, perda de visão periférica, dificuldades de
fala, mudanças de personalidade e por fim à morte.
O padrão comum de herança da doença de Huntington fez com que muitos
pesquisadores a considerarem como uma doença autossômica dominante, a
doença é transmitida de geração em geração com 50% de probabilidade de um
descendente receber o alelo mutado, os pacientes heterozigotos e homozigotos
portadores da mutação possuem fenótipos parecidos, embora com os homozi-
gotos possuem a manifestação dos sintomas mais precoce. Mas há algumas ca-
racterísticas que são diferentes do padrão autossômico dominante, entre elas é
a grande variabilidade da idade que ocorre o início da manifestação do fenóti-
po, outra é a manifestação cada vez mais precocemente de geração em geração,
fenômeno chamado de antecipação, que ocorre somente se o alelo mutado é
transmitido pelo pai e não pela mãe afetada, isto ocorre por causa de uma ten-
dência para expansões maiores quando elas são herdadas pelo pai.

3.9.5.1  Síndrome do X frágil

A síndrome do X frágil é assim chamada, pois os cromossomos X quando suas


células são cultivadas em um meio deficiente de ácido fólico seus cromosso-
mos X apresentam frequentemente quebras e falhas próximas à extremidade
do braço longo. Essa síndrome é a causa mais comum de leve retardo mental. O
nome se refere também a um marcador molecular no cromossomo X (Xq27.3)
que é o sítio frágil, que falha em se condensar adequadamente.
Ela é caracterizada pela aparência do rosto, com aumento das orelhas e um
rosto longo, articulações hipermóveis, aumento do volume testicular nos ho-
mens após a puberdade, retardo mental que tende a ser mais leve e variável em
mulheres.
A síndrome é causada por uma massiva expansão de repetições da trinca
CGG localizada na região não traduzida 5’ do primeiro éxon do gene FMR1
(fragile X retardation 1), 60 repetições é o limite normal, pacientes que pos-
suem mais de 200 cópias da repetição o promotor do gene FMR1 sofre uma me-
tilação excessiva das citosinas, o que interfere na função normal do promotor.
Estas modificações do DNA interferem na replicação e/ou na condensação da
cromatina, produzindo o sítio frágil.

capítulo 3 • 113
Indivíduos que possuem entre 60 a 200 repetições apresentam um estágio
intermediário da síndrome do X frágil, chamado de pré-mutação, e quando o
cromossomo X portador das repetições é transmitido da mãe para os filhos há
uma tendência de aumento das repetições para mais de 200 cópias durante a
gametogênese feminina, o que provoca no descendente a manifestação com-
pleta da síndrome. As repetições tendem a expandir através das sucessivas ge-
rações de mulheres portadoras da mutação.
Embora a presença da mutação seja suficiente para causar a doença tanto
em homens como mulheres, há uma incidência muito maior em homens do
que em mulheres. A baixa penetrância da síndrome em mulheres refletem os
padrões de inativação do cromossomo X, pois como as mulheres portam duas
cópias do X, o sítio portador da mutação pode ser inativado no cromossomo
portador da síndrome deixando o cromossomo X normal ativo.
Os portadores da pré-mutação na idade adulta podem desenvolver uma
desordem conhecida como tremor/ataxia associada ao X frágil, que é uma de-
sordem que afeta o cerebelo e provoca deterioração neurológica, cerca de um
quarto das mulheres que portam a pré-mutação, irão sofrer falha prematura do
ovário próximo dos 40 anos de idade.

3.10  Citogenética Clínica: Distúrbios dos


Autossomos e dos Cromossomos Sexuais.

As anormalidades cromossômicas podem ser definidas como mudanças que


produzem uma alteração visível dos cromossomos. O quanto podem ser vistos
dependem em muito da técnica que é utilizada. A menor alteração que é pos-
sível de ser notada em técnicas mais usuais de preparações citogenéticas é ao
redor de 4Mb ( 4 milhões de pares de bases) de DNA. Técnicas mais modernas
como a FISH (Fluorescent In Situ Hybridization) permitem detectar alterações
muito menores. Uma definição alternativa de anormalidade cromossômica é
de uma anormalidade gerada por qualquer mecanismo cromossômico especí-
fico como erro de reparo de cromossomos quebrados ou eventos de recombi-
nações que não foram efetuados corretamente, ou por erros de segregação dos
cromossomos de segregação na mitose ou na meiose.

114 • capítulo 3
As anormalidades cromossômicas podem ser classificadas em dois tipos de
acordo com sua distribuição nas células do corpo. Há as anormalidades constitu-
cionais que estão presentes em todas as células do corpo. Ela é originada muito
cedo no desenvolvimento embrionário, seja no espermatozoide ou no óvulo, ou
durante um erro no zigoto ou no início do desenvolvimento embrionário.
Uma anormalidade cromossômica somática está presente em alguns tipos
celulares e um indivíduo portador deste tipo de anormalidade é classificado
como mosaico, pois possui duas populações com constituições cromossômi-
cas diferentes, cada uma derivando de um mesmo zigoto.
As anormalidades cromossômicas sejam constitucionais ou somáticas, a
maioria é classificada em duas categorias, de acordo com o número alterado de
cópias (anormalidade numérica) ou anormalidade estrutural.

3.11  Tipos de anormalidades cromossômicas


numéricas envolvem o ganho ou perda de
cromossomos inteiros
Existem três classes de anormalidades numéricas cromossômicas: A poliploi-
dia, aneuploidia e a mixoploidia. A poliploidia é observada em cerca de 1-3%
das gravidezes, a causa mais comum são dois espermatozoides que fecunda-
ram um óvulo (dispermia), mas em alguns casos pode ser decorrente de uma
fecundação com um gameta diploide. Os embriões triploides raramente sobre-
vivem até o parto, os casos de tetraploidia são sempre fatais e normalmente
ocorrem devido à falha na finalização da primeira divisão zigótica, no qual o
DNA foi duplicado gerando uma célula 4C, mas a divisão não ocorre normal-
mente, enquanto que a poliploidia constitutucional é rara e fatal, todas as pes-
soas normais possuem algumas células poliploides.
Uma célula humana somática normal possui 46 cromossomos, duas cópias
de cada cromossomo (2n = 46), como ela possui um múltiplo do conjunto com-
pleto de cromossomos ela é classificada como euplóide, mas especificamente
diplóide. Assim, células classificadas como poliplóides possuem conjuntos
completos múltiplos de cromossomos, o que é muito comum em plantas, mas
relativamente raros em animais.

capítulo 3 • 115
Os cromossomos à mais na poliploidia geram uma aumento muito grande
de produtos gênicos que causam várias anomalias como defeitos no sistema
nervoso central e no coração.
A aneuploidia indica se há alguma alteração no número de cromossomos,
mas diferentes da poliploidia, não é um múltiplo da condição haploide (3n, 4n
5n...) e sim uma alteração quanto a uma cópia a mais ou a menos de um ou mais
cromossomos. No caso da Síndrome de Down há a trissomia do cromossomo
21 (47, XX +21 ou 47, XY, +21) de forma que há uma cópia extra do cromossomo
21. Outro exemplo de aneuploidia é a monossomia do cromossomo X encon-
trada em portadores da Síndrome de Turner (45, X) em que um cromossomo
X está faltando. Casos extremos de aneuploidia são observados com múltiplas
anormalidades cromossômicas em células cancerosas.
A aneuploidia pode ser ocasionada através de dois mecanismos, um deles
é a não disjunção no qual os cromossomos pareados falham em se separar
(disjunção) durante a anáfase I meiótica, ou as cromátides irmãs falham em
se separar seja na meiose II ou na mitose. A não disjunção durante a meiose
produz tanto gametas com 22 ou com 24 cromossomos, que após a fertilização
com um gameta normal produz um zigoto trissômico ou monossômico, en-
quanto a não disjunção durante a mitose produz indivíduos com mosaicismo.
Outro mecanismo é o atraso na anáfase, que consiste no atraso na migra-
ção de um cromossomo ou cromátide em seu movimento durante a anáfase ao
ponto que uma das células filhas não incorpora no núcleo o cromossomo/ cro-
mátide atrasado, sendo que cromossomos que não entram no núcleo de uma
célula filha são degradados.
Quando um organismo possui duas ou mais linhagens celulares genetica-
mente diferentes, estas linhagens geralmente se originam de um mesmo zi-
goto (mosaicismo) ou mais raramente de diferentes zigotos (quimerismo). O
quimerismo ocorre normalmente da agregação de zigotos gêmeos, ou de suas
células iniciais no início do desenvolvimento do embrião. O mosaicismo aneu-
ploide pode ser decorrente, como exemplo, de não disjunção ou um atraso na
migração dos cromossomos em uma divisão mitótica em um embrião no início
de seu desenvolvimento. Mosaicos poliploides (mosaicos diploides/ triploides)
são ocasionalmente encontrados e eles se originam normalmente do ganho de
um conjunto de cromossomos pela fusão do segundo corpúsculo polar com
um núcleo de um zigoto diploide normal.

116 • capítulo 3
Existem várias desordens cromossômicas raras com ganho e perda de seg-
mentos ou cromossomos inteiros, muitas delas foram apenas observadas em fe-
tos que foram espontaneamente abortados. Mas apenas três desordens cromos-
sômicas compatíveis com a vida em que há a trissomia de cromossomos inteiros,
a trissomia do 21 (síndrome de Down), trissomia do 18 (síndrome de Edwards)
e a trissomia do 13 (síndrome de Patau). Todas essas trissomias envolvem atra-
so no crescimento, desenvolvimento mental e múltiplas anomalias congênitas.
Mas possuem características próprias de acordo com a dose extra de produtos
gênicos provocadas pela presença do cromossomo extra em questão.

3.12  Síndrome de Down


Também conhecida como trissomia do 21 (cariótipo 47, XY, +21 ou 47, XX, +21)
possui uma frequência aproximada de 1 a cada 800 nascimentos, a caracteri-
zando como a aneuploidia autossômica mais comum.
A síndrome foi descrita inicialmente por John Langdon Dow em 1866, e foi
atribuída a uma desordem cromossômica por Jérôme Lejeune, em 1959.
Os portadores da síndrome de Down possuem normalmente como carac-
terísticas a hipotonia, padrão facial dismórfico, baixa estatura, braquicefalia
com a parte posterior do crânio plana, pescoço curto, com a pele frouxa sobre
a nuca. A ponte nasal é achatada, orelhas com implantação baixa e com um
padrão próprio de dobramento, olhos com pontos de Bruschfield (pontos bran-
cos, cinzas ou marrons) ao redor da margem da íris e a boca é aberta, frequente-
mente mostrando enrugada, língua grande e protusa (saliente). Dobras epicân-
ticas (pele da pálpebra superior) características assim como fendas palpebrais
oblíquas, característica que originou o termo mongolismo, que já foi utilizado
no passado, mas atualmente é considerado inapropriado. As mãos são curtas e
amplas, frequentemente com uma única linha palmar (“linha símia”) e o quin-
to dígito encurvado (clinodactilia), possuem um padrão de impressão digital
característico. Os pés mostram uma ampla separação entre o primeiro dedo e o
segundo, com um sulco se estendendo ao longo da superfície plantar.
Crianças portadoras desta síndrome sofrem com uma série de problemas
de saúde importantes, como o defeito do canal atrioventricular, que resulta na
em fluxo do sangue do lado esquerdo do coração para o direito e então para vas-
culatura pulmonar, provocando hipertensão pulmonar, pode ocorrer também

capítulo 3 • 117
defeitos no septo ventricular, o quociente de inteligência (QI) varia de 25 a 60,
enquanto o valor normal é próximo de 100 e um risco maior de leucemia aguda.
Os problemas de saúde refletem de modo direto ou indireto os efeitos da
superexpressão de um ou mais genes do cromossomo 21 durante o início do
desenvolvimento embrionário. Algumas pesquisas mostraram que uma pro-
porção considerável de genes codificados no cromossomo 21 são expressos em
níveis superiores nos cérebros e corações de portadores da síndrome de Down,
quando comparados com esses mesmos tecidos de indivíduos euplóides.
Cerca de 95% dos pacientes com síndrome de Down envolvem a trissomia
do cromossomo 21, resultante da não disjunção meiótica do par do cromosso-
mo 21. O risco de gerar uma criança com a síndrome aumenta com o avanço da
idade materna, especialmente após os 30 anos.
Em torno de 4% dos casos de síndrome de Down são decorrentes de uma
translocação Robertsoniana, caracterizada pela presença dos 46 cromossomos
nas células somáticas destes pacientes, porém um destes cromossomos sofre a
fusão com o segmento 21q (braço longo) e um braço longo de outro cromosso-
mo acrocêntrico (normalmente os cromossomos 14 ou 22). Deste modo o cro-
mossomo 21 extra, que é um cromossomo acrocêntrico, funde-se com outro
cromossomo acrocêntrico, mantendo o mesmo número de cromossomos, mas
com uma constituição diferente da normal. Os portadores de Down que não
são translocacionais e translocacionais possuem sintomas idênticos. A proba-
bilidade da translocação não é relacionada com a idade materna, diferente da
trissomia padrão, mas tem o risco aumentado se na família há um parente, es-
pecialmente uma mãe, portadora da translocação.
A síndrome de Down pode também ocorrer devido ao fenômeno conheci-
do como mosaicismo. Cerca de 2% dos portadores de Down são mosaicos para
células com duas e três cópias do cromossomo 21, estudos apontam que os
zigotos originais eram trissômicos, mas durante o desenvolvimento uma das
células filhas perde um cromossomo 21. Assim a gravidade dos sintomas é de-
pendente da proporção de células trissômicas em relação às normais. Assim
como a trissômia comum, o mosaicismo tende a aumentar com a idade da
mãe. Um caso ainda mais raro da síndrome de Down é causado por um cro-
mossomo 21 anormal que se origina do rompimento de um cromossomo 21
no centrômero, os fragmentos do cromossomo se reúnem, e podem formar
dois cromossomos distintos, um com apenas os braços longos e outro, com
os braços curtos, estes cromossomos são chamados de isocromossomos. Os

118 • capítulo 3
fragmentos curtos podem não se fundir e são perdidos durante o ciclo celular.
A formação dos isocromossomos pode ocorrer durante a anáfase da mitose ou
meiose II.

3.12.1  Trissomia do 13 (Síndrome de Patau)

Essa síndrome afeta uma criança em 16.000 nascimentos, com risco aumento
com a idade materna, assim como ocorre com outras trissomias.
Os portadores da trissomia do 13 possuem como característica: Atraso no
crescimento, severo retardo mental acompanhado de graves malformações do
sistema nervoso central, o palato e lábio fendidos, defeitos congênitos cardía-
cos, polidactilia. E alta mortalidade no primeiro ano de vida.
A maioria dos casos resulta de três cópias do cromossomo 13 em cada cé-
lula, provocadas pela não disjunção dos cromossomos 13 durante a meiose I.
Ao redor de 20% são originários de translocações não balanceadas (com troca
desigual entre os cromossomos, ocorrendo perda ou ganho de genes).

3.12.2  Trissomia do 18 (Síndrome de Edwards)

Sua incidência é de um em 7500 nascimentos, mas a incidência na gravidez é


muito maior, mas com uma alta taxa de aborto espontâneo (95%). O risco dessa
trissomia, assim como ocorre com a trissomia do 21, aumenta com a idade ma-
terna, principalmente se for maior de 35 anos.
Os indivíduos mais afetados são mulheres, cerca de 60%, com uma mortali-
dade de 80% a 90% por volta dos dois anos de idade. Na literatura há mais de 130
anomalias diferentes relacionadas à trissomia, que podem afetar praticamente
qualquer órgão, normalmente as manifestações incluem grave retardo mental,
severa malformação do coração, hipertonia (aumento do tônus muscular, alia-
do à rigidez), a cabeça possui a região posterior proeminente e uma mandíbula
recuada, orelhas são pequenas com a inserção baixa na cabeça, nariz e boca
pequenos e ausência de linhas de flexão nos dedos. As juntas distais possuem
limitação quanto os movimentos e os dedos apresentam um posicionamento
característico em que os dedos mínimo e indicador se sobrepõem aos dois de-
dos do meio.
Assim como ocorre com a trissomia do 21, os fenótipos podem ser decorren-
tes de uma variedade de cariótipos do que a simples trissomia do 18, incluindo

capítulo 3 • 119
a translocação do cromossomo 18 e a forma de mosaico, com uma manifes-
tação bem variável, mas geralmente mais branda. A maioria dos casos surge
devido a uma não disjunção meiótica na meiose II materna.

3.13  Consequências Clínicas


Qualquer alteração no número de cromossomos possui sérias consequências,
e normalmente é fatal. Quando analisamos o caso da trissomia do 21, na Sín-
drome de Down, seu cromossomo 21 extra é perfeitamente normal mas sua
presença provoca varias anormalidades (Fig XX). No caso das trissomias dos
cromossomos 13 (Síndrome de Patau) e 18 (Síndrome de Edwards) os embri-
ões podem sobreviver, mas resultam em más-formações severas no desenvol-
vimento. Ouras trissomias autossômicas são incompatíveis com a vida e as
monossomias autossômicas possuem consequências ainda mais severas que
a trissomia e são invariavelmente letais nos primeiros estágios do desenvolvi-
mento embrionário.
O desenvolvimento e funcionamento normal de um organismo dependem
de inúmeras interações entre os produtos gênicos que podem ser produzidos
em diferentes cromossomos, as anormalidades associadas com as trissomias e
monossomias são justamente decorrentes no desequilíbrio da quantidade des-
tes produtos gênicos, alguns produtos gênicos possuem suas concentrações
finamente reguladas, alterando o número de cromossomos irá afetar estas in-
terações.
Mudanças no número de cromossomos sexuais possuem consequências
menos severas do que a posse de cromossomos autossômicos extras. Há me-
canismos especiais que permitem a função normal com números variáveis de
cromossomos sexuais, já que uma pessoa normal pode ter tanto um ou dois
cromossomos X, um ou nenhum cromossomo Y. Para o cromossomo Y seu
mecanismo consta que nesse cromossomo há muitos poucos genes e estes
são focados na determinação de caracteres masculinos. O cromossomo X em
mamíferos possui o processo de inativação do cromossomo X em fêmeas que
desta forma controla o nível de produtos gênicos codificados no cromossomo X
independente do número de cromossomos X presentes na célula.
Em humanos e outros animais triploides geralmente são estéreis uma vez
que não é possível o pareamento e a segregação correta dos cromossomos na

120 • capítulo 3
meiose, a condição triploide é geralmente letal devido ao desequilíbrio entre
os produtos gênicos codificados no cromossomo X e os autossômicos, mesmo
contando com a inativação dos cromossomos X extras.
Além das anormalidades de número existe uma grande variação de anorma-
lidades resultantes de erros de reparo ou de recombinação. Um dos exemplos é
o reparo de cromossomos que sofreram quebras, que podem ocorrer por dano
ao DNA por radiação ionizante ou compostos genotóxicos ou por falhas no pro-
cesso de recombinação. Existem sistemas enzimáticos específicos que reco-
nhecem e reparam cromossomos quebrados, que podem ser realizados através
da união de duas extremidades quebradas ou pela adição de um telômero na
extremidade danificada.

3.14  Síndromes de deleção autossomal


Na literatura há vários casos de deleções em pacientes que são possíveis de se-
rem detectadas por técnicas citogenéticas, mas geralmente elas não possuem
síndromes que podem ser caracterizadas. Entretanto há algumas síndromes
que possuem um padrão reconhecível.

3.15  Síndrome de Cri du chat


(miado do gato)

A síndrome foi descoberta por Jérôme Lejeune, caracterizada por uma perda de
parte do braço curto do cromossomo 5, seu nome é decorrente do choro carac-
terístico das crianças portadoras que se assemelha ao miado de filhote de gato.
Entre as características fenótipos há malformações cranianas que incluem mi-
crocefalia, hipertelorismo (afastamento excessivo dos olhos), dobras epicânti-
cas, micrognatismo (mandíbula pequena), retardo mental moderado a severo
e doenças no coração.
Os pontos de quebra do braço curto do cromossomo 5 são variáveis mas em
todos os pacientes que manifestam a síndrome possuem o segmento 5p15 au-
sente, quando maior o tamanho da deleção maior o grau de retardo mental.

capítulo 3 • 121
3.16  Desordens genômicas: Síndromes de
microdeleções e duplicações

São associadas muitas síndromes a pequenas deleções que provocam um des-


balanço genético chamado de aneussomia segmentar (perda de um segmento
do cromossomo), essas perdas podem ser detectadas com técnicas sensíveis
como o FISH. Alguns casos são denominados como síndrome de genes contí-
guos, em que as manifestações da síndrome em questão são originadas da in-
suficiência dos produtos dos vários genes que foram perdidos na região que foi
perdida do cromossomo (haploinsuficiência). Algumas desordens o fenótipo é
decorrente da perda de um único gene.
Muitas das quebras são provocadas por recombinações incorretas em se-
quências repetições de poucas cópias. Várias deleções e duplicações inter-
mediadas por recombinações desiguais foram descritas na proximidade do
braço curto do cromossomo 17, mas propriamente no segmento 17p11.2, de
aproximadamente 4Mb é perdida em pacientes que portam a síndrome de
Smith-Magenis, caracterizada por inúmeras malformações congênitas e re-
tardo mental. A recombinação desigual entre uma grande porção de grupos
de repetições que são muito similares provocam as deleções característica
dessa síndrome.
Neste mesmo cromossomo, a duplicação ou deleção de uma região de
1400 kb (17p11.2-p12) através da recombinação entre um conjunto diferen-
te de sequências repetidas muito parecidas, provoca um outro grupo de de-
sordens genéticas. A duplicação provoca a doença de Charcot-Marie-Tooth,
também conhecida como atrofia fibular muscular, que é um conjunto de neu-
ropatias que afetam os nervos periféricos. A deleção deste segmento provoca
uma condição diferente, a neuropatia hereditária sensível à pressão, carac-
terizada por paralisias nervosas sensoriais e motoras reversíveis provocadas
por trauma ou compressão. Tanto a duplicação como a deleção provocam
neuropatias periféricas pela alteração na dosagem do gene que produz uma
proteína da mielina periférica que está codificada no segmento que foi dele-
tado ou duplicado.

122 • capítulo 3
3.16.1  Os cromossomos sexuais e suas anomalias

Os cromossomos sexuais, devido as suas características únicas, chamaram o


interesse dos pesquisadores, eles são estruturalmente diferentes dos cromos-
somos autossômicos, possuem um padrão herança próprio e são os principais
determinantes sexuais.
Os estudos sobre a diferença da constituição cromossômica de homens e
mulheres começaram a mais de 50 anos com o desenvolvimento das análises
citogenéticas e descobriram que as mulheres possuem dois cromossomos X
e os homens um X e um Y. Outro ponto que reforçou o papel dos cromosso-
mos sexuais foi a descoberta de que pacientes com a síndrome de Klinefelter
possuem 47 cromossomos, eles possuem todos os cromossomos autossômi-
cos, mas possuem dois, ou mais, cromossomos X e um Y (47,XXY, 48,XXXY,
49, XXXXY), eles apresentam fenótipo masculino, mesmo possuindo dois, ou
mais, cromossomos X, devido a presença do cromossomo Y.
Outra descoberta levantou a importância do cromossomo X além de seu pa-
pel na determinação sexual, ela consistiu na constatação de pacientes com a
síndrome de Turner possuem apenas uma cópia do cromossomo X (45, X). Eles
possuem fenótipo feminino, mas com efeitos adversos provocados pela altera-
ção de dose dos produtos gênicos pela ausência de uma cópia do cromossomo
X. Desta forma foi constatado que o cromossomo Y é o determinante sexual
masculino, uma vez que todos os portadores da síndrome de Klinefelter com
sua multiplicidade de cromossomos X serem homens pela presença de um úni-
co cromossomo Y, e todos os pacientes portadores de cariótipos múltiplos de X,
sem o Y, serem todas mulheres comprovam esta ideia.
Durante muitos anos os pesquisadores buscaram o fator determinante mas-
culino no cromossomo Y, que foi chamado de fator determinante de testículos
(TDF), este fator atua como um modificador do sexo para o desenvolvimento
masculino. Durante o desenvolvimento embrionário no primeiro mês de ges-
tação, as gônadas estão indeterminadas, não são nem testículos, nem ovários.
Esta determinação apenas ocorre entre a sexta e sétima semana, quando as
células da linhagem germinativa migram da sua localização extraembrionária
inicial para as cristas gonadais, onde elas serão cercadas pelos cordões sexuais
para formar as gônadas primitivas.

capítulo 3 • 123
A determinação do desenvolvimento de ovários ou testículos é efetuada por
uma série de ações coordenadas de vários genes que normalmente levam ao
desenvolvimento dos ovários, quando o cromossomo Y está ausente, ou ao de-
senvolvimento de testículos na presença deste cromossomo.
O TDF induz o tecido medular a formar testículos típicos com túbulos semi-
níferos e células de Leydig, que sobre o estímulo da gonadotrofina coriônica da
placenta, começa a produzir a secreção andrógena (FIG XX). A espermatogô-
nia, originada de mitoses sucessivas das células germinativas primordiais, se
alinham com as paredes dos túbulos seminíferos, juntamente com as células
de Sertoli, que funcionam como células de apoio.
Sem a presença do cromossomo Y, mais precisamente de TDF, as gônadas
primitivas se desenvolvem em ovários no início da oitava semana de gestação.
Consistindo no desenvolvimento do córtex e regressão da medula e o desenvol-
vimento das oogonias dentro dos folículos. Após o terceiro mês de gestação a
oogonia entra na meiose I, e permanece neste estágio até que ocorra a ovulação,
muitos anos mais tarde.
Nos embriões masculinos as células de Leydig dos testículos produzem
andrógenos, que estimulam os dutos mesonéfricos a formarem os tubos geni-
tais masculinos. As células de Sertoli produzem um hormônio que suprime a
formação dos tubos paramesonéfricos. Nos embriões femininos a situação é
inversa, os dutos mesonéfricos são regredidos e os paramesonéfricos se desen-
volvem no sistema de dutos femininos.
O cromossomo X e Y normalmente trocam material genético da região
pseudoautossomal dos braços curtos de X e Y, durante a meiose I. Por volta de
um em 20.000 nascimentos, ocorre a troca entre segmentos cromossomais fora
da região pseudoautossomal, que produzem duas anormalidades que explicam
o papel destas regiões na determinação sexual; o desenvolvimento de homens
XX e mulheres XY. Estas reversões sexuais são produzidas pela translocação de
sequências do braço curto do Y (contendo TDF) para o braço curto do X, origi-
nando homens com cariótipo 46, XX, enquanto que a perda de TDF do cromos-
somo Y originará mulheres de cariótipo 46, XY.
Próximo à região pseudoautossomal do cromossomo Y há o gene SRY (re-
gião determinadora sexual do cromossomo Y) este gene é encontrado nos ho-
mens de cariótipo 46, XX, e não estão presentes nas mulheres 46, XY. Este gene

124 • capítulo 3
é expresso por um curto período no início do desenvolvimento das células da
crista germinativa um pouco antes da sua diferenciação em testículos, ele codi-
fica uma proteína, que atua de modo semelhante a um fator de transcrição, que
regula vários genes de funções ainda não conhecidas. Deste modo o SRY pode
ser reconhecido como um gene equivalente ao TDF no cromossomo Y.
Mas nem sempre a presença ou a ausência de SRY explica todos os casos de
determinação sexual anormal, cerca de 10% de homens XX não ambíguos, e a
maioria dos homens XX hermafroditas verdadeiros ou homens XX com geni-
tália ambígua possuem SRY, mas possuem características de desenvolvimento
sexual próprias, o que indica a participação de outros genes na via de determi-
nação sexual.
Algumas deleções que ocorrem no interior do braço longo do cromossomo
Y são associadas com alguns casos de ausência de espermatozoides no sêmen
(azoospermia) ou de pouca contagem de espermatozoides (oligospermia), es-
tas observações indicam que há um gene ou um grupo de genes, chamados de
fatores de azoospermia (AZF) estão localizados em três regiões não sobrepostas
no braço longo de Y (AZFa, AZFb e AZFc).

3.16.2  Cromossomo X

As anormalidades no número de cromossomos X são as mais comuns, e sua


relativa tolerância pode ser explicada pelo processo de inativação do cromos-
somo X, discutida no item 3.4. Em pacientes com cromossomos mais de um
cromossomo X terão os cromossomos extras inativados, assim tanto homens
como mulheres possuem apenas um cromossomo X ativo.
Mas nem todos os genes presentes no cromossomo X inativo estão sujeitos
à inativação, aproximadamente 15% dos genes escapam da inativação e são ex-
pressos tanto em cromossomos x ativos quanto inativos, enquanto que outros
10% sofrem variação quanto a sua atividade, escapando de inativação em algu-
mas mulheres mas em outras não.
O possível gene responsável pelo processo de inativação do X é chamado de
XIST , localizado no braço longo do cromossomo X, na banda Xq13. Este gene
apenas expresso no alelo do cromossomo X inativado, e é transcricionalmente
silenciado no cromossomo X ativo.
Como a inativação do cromossomo X é um processo aleatório em células so-
máticas de mulheres, há a formação do mosaicismo de dois grupos de células,

capítulo 3 • 125
um com o cromossomo X paterno ativo, outro com o cromossomo X materno
ativo. Mas em cariótipos com anormalidades estruturais não balanceadas de
um cromossomo X (deleções, duplicações, e a formação de isocromossomos)
são sempre inativados, sugerindo a existência de um mecanismo de escolha de
cromossomos a serem inativados quando estes possuem alterações não balan-
ceadas. Este fenômeno explica o menor impacto das anomalias do cromosso-
mo X frente a anomalias similares em cromossomos autossômicos.

3.16.3  Retardo mental ligado ao cromossomo X

O cromossomo X está sujeito a mutações, microdeleções e duplicações que


causam retardo mental. O efeito no desenvolvimento mental é um fenótipo em
muitos outros provocados pelas síndromes ligadas ao X, uma vez que mais de
50 genes foram relacionados a várias desordens nesse cromossomo.

3.16.4  Anormalidades citogenéticas dos cromossomos sexuais

Os cromossomos sexuais podem sofrer anormalidades tanto numéricas ou es-


truturais e em grupos células como mosaicos, do mesmo modo como ocorre
com os cromossomos autossômicos.
Existem algumas indicações clínicas que levantam a possibilidade de riscos
de anormalidades nos cromossomos sexuais, como atraso no início da puber-
dade, amenorréia primária ou secundária, infertilidade e genitália ambígua.
As anormalidades de cromossomos sexuais são bem mais comuns que as
de autossomos, são estimados que cerca de um em cada 400 a 500 nascimentos
possua alguma desordem ligada aos cromossomos sexuais. Este número supe-
rior é relacionado à menor gravidade dos fenótipos associados à aneuploidia
desses cromossomos, sejam pelo mecanismo de inativação do cromossomo X,
seja pelo pequeno número de genes presentes no cromossomo Y. A alteração
mais comum em crianças nascidas vivas e em fetos é os trissomias (XXY, XXX
e XYY), mas são raras em abortos espontâneos. Já a monossomia do X, respon-
sável pela síndrome de Turner, é mais frequente em abortos espontâneos de
fetos portadores de anormalidades cromossômicas, e menos frequente em
crianças nascidas vivas.
As anormalidades estruturais são bem menos comuns, entre ela a mais fre-
quente é a isocromossomo do braço longo do cromossomo X,i(Xq), que é en-

126 • capítulo 3
contrado em forma de mosaico em pelo menos 15% das mulheres portadoras
da síndrome de Turner. A frequência de mosaicismo é bem maior nos cromos-
somos sexuais, do que nos autossomos e geralmente são associados com um
fenótipo mais brando.

3.16.5  Síndrome de Klinefelter

Os pacientes portadores da síndrome possuem dois cromossomos X e um Y (ca-


riótipo 47, XXY) e têm como características serem altos e magros e com pernas
relativamente longas, são aparentemente normais até a puberdade, quando co-
meçam apresentar sinais de hipogonadismo, mesmo que a puberdade se dê na
idade adequada, os testículos continuam pequenos e as características sexuais se-
cundárias pouco se desenvolvem, em alguns pacientes pode ocorrer ginecomas-
tia, e consequentemente aumenta o risco de câncer de mama, entre 20 a 50 vezes
do que em homens 46,XY. Na idade adulta, a deficiência de andrógenos resulta
em redução do tônus muscular, perda de libido e diminuição da densidade óssea.
Uma característica comum entre os portadores da síndrome de Klinefelter
é a infertilidade, devido à falha no desenvolvimento da linhagem germinativa.
Muitos pacientes são diagnosticados pela primeira vez justamente pela queixa
da infertilidade. Mesmo com uma incidência alta, cerca de um em 1.000 nasci-
mentos de homens vivos, muitos casos não são detectados devido à inativação
de um dos cromossomos X extra, que gera um fenótipo relativamente brando.
Uma porcentagem considerável dos portadores da síndrome (aproximada-
mente 50%) são resultantes de erros na meiose I paterna, devido a uma falha na
recombinação entre os braços curtos dos cromossomos X e Y na região pseudo-
autossômica. A maioria dos casos que de origem materna são decorrentes de
erros na meiose I seguido de erros na meiose II ou de erros mitóticos pós-zigó-
ticos, ou seja, durante o embrião no início de seu desenvolvimento, gerando os
casos de mosaicismo.

3.16.6  Síndrome de Jacobs (47,XYY)

Os portadores da síndrome de Jacobs, apesar de seu cariótipo, não possuem


um fenótipo claramente anormal, não sendo possível ser distinguidos de
homens 46,XY quanto ao padrão físico ou comportamental. Esta síndrome
possui a incidência de um em cada 1.000 nascimentos, como mencionado an-

capítulo 3 • 127
tes, por possuir poucos genes, o cromossomo Y a mais não produz efeitos seve-
ros, quanto ocorreria se fosse um cromossomo autossômico.
O cariótipo característico ocorre pela não disjunção na meiose II paterna, pro-
duzindo um espermatozoide com dois cromossomos Y, casos mais raros como
XXYY e XXXYY, que possuem características tanto da síndrome de Jacobs quanto
de Klinefelter, são originados de erros de disjunção sequenciais da meiose I e II.
Em pesquisas sobre recém-nascidos com a síndrome constataram que eles
são mais altos, com maior risco de problemas educacionais e comportamentais,
não são dismórficos, ou seja, sem deformidades e possuem inteligência normal.

3.16.7  Trissomia do X (47, XXX)

A incidência da trissomia do cromossomo X possui a mesma incidência dos


portadores da síndrome de Jacobs, as mulheres portadoras não possuem anor-
malidades fenotípicas, apenas uma menor estatura. As mulheres XXX entram
na puberdade na idade apropriada, normalmente são férteis, mas com risco
aumentado de descendentes com anormalidades cromossômicas. Há uma dé-
ficit significativo da performance em teste de QI, e possuem alguns problemas
de aprendizagem, comportamentos psicopatológicos e antissociais são raros,
pode ser notado comportamento anormal durante a fase de transição da ado-
lescência para a idade adulta.
Os pacientes portadores de XXX possuem dois cromossomos X inativados, o
que minimiza os efeitos adversos dos cromossomos extras. A trissomia ocorre
na grande maioria dos casos de erros durante a meiose I e o risco de ocorrência
na gestação aumenta conforme a idade materna. Há casos mais acentuados de
aumento do número de cromossomos X, como a tetrassomia (48, XXXX) que
ocasiona um atraso no desenvolvimento físico e mental mais severo, mesmo
com três de seus cromossomos X inativados. Outro caso mais grave é a pentas-
somia (49, XXXXX), que ocasiona um severo atraso no desenvolvimento físico
com múltiplos defeitos físicos.

3.16.8  Síndrome de Turner (45,X) ou monossomia do X

Indivíduos portadores da síndrome de Turner são mulheres, a causa mais co-


mum da origem do cariótipo 45, X é a perda do cromossomo X no gameta pater-
no. Os portadores da síndrome frequentemente tem um fenótipo característico,

128 • capítulo 3
que inclui uma baixa estatura, não desenvolvimento sexual (infantilismo sexual),
com disgênese (malformação) ovariana e um grau variado de malformações. A
inteligência de portadores da síndrome geralmente é normal, embora uma pro-
porção de portadores possa ter um significativo atraso no desenvolvimento. Esta
síndrome é muito menos comum do que outras aneuploidias dos cromossomos
sexuais, com uma incidência de um em 4.000 nascimentos de mulheres.
O cariótipo mais comum da síndrome é o 45.X. Entretanto cerca da meta-
de dos casos possuem outros cariótipos e mosaicos com uma subpopulação
de células com o cariótipo 45X. Entre as variações há a fusão de dois braços
longos do cromossomo X formando o isocromossomo formando com cariótipo
46,X,i(Xq), outro caso é a deleção do braço curto do cromossomo X que ocasio-
na baixa estatura e malformações congênitas e a deleção do braço longo do X
que ocasiona frequentemente apenas disfunção nas gônadas.
A monossomia do X possui uma alta frequência em abortos espontâneos,
alcançando apenas ela de 1 a 2% de todas as concepções. A sobrevivência de
embriões portadores é rara, com 99% de chance de serem abortados esponta-
neamente.

3.17  Desordens gonadais e do


desenvolvimento sexual

A determinação do sexo de um embrião ocorre na fertilização, um embrião com


o gene SRY, normalmente encontrado no cromossomo Y, irá se desenvolver em
um homem, na sua ausência o embrião se tornará uma mulher. Em alguns ca-
sos, a determinação do sexo é difícil, seja pelo fato do embrião ter uma genitália
ambígua, com características de ambos os sexos. Entre as anormalidades mais
comuns há a hipospádia em homens (um desenvolvimento anormal da uretra
na qual ela se abre na região de baixo do pênis ou no períneo) ou o aumento do
clitóris em mulheres. Alguns casos os pacientes possuem tanto testículos como
ovários e são classificados como hermafroditas. Nem sempre as anormalidades
na genitália interna ou externa são decorrentes de anormalidades citogenéti-
cas dos cromossomos sexuais, elas podem ser provocadas por alterações dos
cromossomos sexuais, alterações em um único gene ou até mesmo causas não
genéticas.

capítulo 3 • 129
3.17.1  Disgêneses gonadais

Somente a presença ou ausência do gene SRY não determina a conversão de


uma gônada em testículos e ovários, há vários genes autossomais e ligados ao
X que atuam na determinação do sexo. O papel de outros genes além do SRY é
salientado em um subgrupo de mulheres com reversão de sexo, com cariótipo
46, XY que possuem o gene SRY íntegro, sem deleção ou mutação, mas possuí-
am a duplicação de um segmento do braço curto do cromossomo X, que incluía
o gene DAX1 que codifica um fator de transcrição que possui um papel sensível
à dosagem na determinação do sexo gonadal, com uma regulação finamente
controlada que se houver um aumento da produção do gene SRY em um pon-
to crítico do desenvolvimento haverá a formação dos testículos, se ocorrer um
excesso de produto de DAX1 , produzido pela duplicação, pode suprimir os efei-
tos de determinação do desenvolvimento do sexo masculino pelo gene SRY, e
assim ocorrer o desenvolvimento de ovários.

3.17.2  Displasia camptomélica

É uma doença que provoca malformações severas nos ossos longos, anomalias
faciais, cardíacas, nervosas e respiratórias. Além destas malformações ocorrem
a incompatibilidade entre o sexo genital e o cariótipo (46,XY), ela é provoca-
da por uma mutação no gene SOX9 presente no braço longo do cromossomo
17. Esse gene é expresso normalmente no início do desenvolvimento do arco
genital e aparenta ser necessário para a formação dos testículos normais, em
sua ausência, os testículos falham em se formar, e é iniciado a formação dos
ovários. Alguns casos de indivíduos 46, XX, que portam a duplicação do gene
SOX9, interessantemente, ao invés de ocorrer a formação dos ovários, há a for-
mação dos testículos mesmo na ausência do gene SRY, indicando a interação
de outros genes na formação desta gônada.
Outros genes foram relacionados ao desenvolvimento gonadal, como o
gene WT1 no braço curto do cromossomo 11, que em portadores da síndrome
de Denys-Drash provocam a formação de uma genitália externa ambígua, esse
gene codifica um fator de transcrição que é envolvido na interação entre as
células de Sertoli e Leydig no desenvolvimento dos testículos, mutações no
gene WT1 aparentam provocar a interrupção do desenvolvimento normal dos
testículos.

130 • capítulo 3
Outro exemplo é o gene ligado ao X chamado de ATRX que é relacionado
com uma síndrome que provoca retardo mental juntamente com a α-talasse-
mia que em muitos portadores provoca anomalias genitais que variam de crip-
torquia a micropenis e vários garis de reversão sexual XY.

3.17.3  Desenvolvimento e manutenção ovariana

Mesmo que muitos genes já sejam conhecidos em seu papel na manutenção


dos ovários, muito menos se sabe sobre o desenvolvimento destas gônadas.
Muito do conhecimento do papel do cromossomo X sobre o desenvolvimento
dos ovários foram obtidos de pessoas portadoras de anormalidades citogenéti-
cas, como o caso de pacientes que possuem alterações no braço longo do cro-
mossomo X que frequentemente mostram falha prematura no desenvolvimen-
to de ovários. Pessoas portadoras na monossomia do X (45,X) apesar de terem
o desenvolvimento normal dos ovários dentro do útero materno, perdem suas
células germinativas com degeneração dos oócitos e disgênese ovariana.
Algumas mutações em determinados genes foram relacionados a casos
familiares de falha prematura dos ovários e disgênese gonadal como o gene
FOXL2 que provoca a síndrome blefarofimose/ptose/epicanto inverso (BPES)
que possuem um fenótipo que varia de disgênese ovariana à falha prematura
dos ovários.

3.17.4  Pseudo-hermafroditismo feminino

Diferente do que é encontrado em hermafroditas verdadeiros, o tecido gona-


dal de pseudo-hermafroditas é correspondente com sua constituição cromos-
somal. Mulheres pseudo-hermafroditas possuem cariótipos 46,XX com tecido
ovariano normal mas com a genitália externa ambígua ou masculina, essa con-
dição é geralmente produzida pela hiperplasia congenital adrenal que consti-
tui de defeitos específicos em enzimas do córtex adrenal que são responsáveis
pela biossíntese de cortisol e acabam produzindo a virilização de meninas. O
desenvolvimento ovariano é normal, mas a produção excessiva de andrógenos
provoca a masculinização da genitália externa, com aumento do clitóris e fusão
dos lábios a um ponto que se assemelham a um escroto.

capítulo 3 • 131
3.17.5  Pseudo-hermafroditismo masculino

Existem muitos fatores que causam o pseudo-hermafrodismo masculino em


indivíduos 46, XY, entre eles alterações na produção de gonadotropina, na
biossíntese e metabolismo da testosterona, e anormalidade de células alvo da
testosterona.
Além de alterações nos genes envolvidos na determinação e diferenciação
dos testículos, como mutações ou deleções, existem vários formas de insen-
sibilidade aos andrógenos. Uma delas é decorrente da deficiência da enzima
5α-redutase, que é responsável pela conversão da testosterona para sua forma
ativa di-hidrotestosterona, esta alteração produz a feminilização da genitália
externa em homens afetados, apesar de terem testículos normais, possuem
uma genitália externa feminina, com a vagina constituída por uma bolsa de
fundo cego.
Outra síndrome é a síndrome de insensibilidade dos andrógenos, que tam-
bém é conhecida como síndrome de feminilização testicular, os portadores são
homens 46,XY que de modo semelhante à deficiência da enzima 5α-redutase,
que provocam a formação de uma genitália externa feminina com uma vagina
com fundo cego, útero e tubas uterinas ausentes ou rudimentares. Durante a
puberdade desenvolvem mamas e caraterísticas sexuais secundárias, mas não
possuem menstruação e pelos pubianos poucos ou ausentes. Os testículos são
presentes, mas não descem da cavidade abdominal e são muitas vezes confun-
didos com hérnias.
Os testículos produzem andrógenos, mas os órgãos alvos não respondem
por não possuírem o receptor do hormônio, que é codificado por um gene li-
gado ao cromossomo X, que forma um complexo com a testosterona e di-hi-
drotestosterona, se não o complexo não é produzido o hormônio não consegue
estimular a transcrição dos genes alvo que são necessários para o desenvolvi-
mento sexual masculina. As alterações nesses receptores podem variar de mu-
tações pontuais nos domínios ligantes a andrógenos ou domínios de ligação ao
DNA da proteína receptora de andrógenos a sua completa deleção.

132 • capítulo 3
Glossário

Agentes genotóxicos: são substâncias que interagem com o DNA produzin-


do alterações em sua estrutura ou função, caso estas alterações tornam-se per-
manentes elas podem ser transmitidas aos descendentes, e assim podem ser
descritas como mutações.
Amenorréia primária: mulher jovem que ainda não teve período menstrual
até a idade de 16 anos.
Amenorréia secundária: a mulher, que tinha ciclos menstruais regulares, pa-
rou de ter menstruação por pelo menos três meses (podendo incluir a gravidez).
Anormalidades estruturais não balanceadas: Alterações na estrutura do cro-
mossomo que resultam de quebras cromossômicas seguidas de sua reconsti-
tuição em uma combinação diferente da original são consideradas não balan-
ceadas ou não equilibradas quando o conjunto cromossômico acaba ganhando
ou perdendo informação.
Antecipação: Tendência de algumas desordens tornarem se mais severas,
ou iniciarem seus sintomas mais cedo, de geração em geração.
Codominância: Condição na qual os alelos de um par de genes em hetero-
zigose são completamente expressos, resultando em um descendente com um
fenótipo que não é nem dominante, nem recessivo.
Compensação de dosagem: Mecanismo regulatório genético que atua equi-
librando a expressão fenotípica de uma característica determinada por genes
localizado no cromossomo X, de modo que os níveis de seus produtos em ho-
mens (XY) e mulheres (XX), sejam equivalentes.
Criptorquia: Não descida dos testículos da cavidade abdominal para o escroto.
Dissômia uniparental: Herança de duas cópias de um cromossomo de um
parental, e nenhuma cópia de outro.
Dominância incompleta: um tipo de dominância que ocorre em heterozigo-
tos no qual o alelo dominante é apenas parcialmente expresso, normalmente
produz descendentes com fenótipo intermediário.
Expressividade: é o grau de severidade da expressão de um fenótipo entre os
indivíduos que portam o mesmo genótipo causador de uma doença, por exem-
plo, irmãos podem possuir o mesmo alelo portador de determinada doença,
mas um deles apresentar os sintomas com maior intensidade.
Ginecomastia: crescimento das mamas fora do tamanho normal em homens.

capítulo 3 • 133
Hemizigoto: Refere-se a indivíduos que possuem apenas um membro de
um par de cromossomos, mais propriamente descreve o caso particular de ge-
nes ligados ao cromossomo X em homens, que normalmente possuem apenas
um cromossomo X.
Heterocromático: Referente à heterocromatina, um cromatina que através
de técnicas citogenéticas apresenta densamente corada, constituída de DNA
altamente enovelado e geralmente não expresso.
Heterogeneidade alélica: Fenômeno em que diferentes mutações no mes-
mo locus causam um fenótipo similar.
Heterogeneidade de locus: Fenômeno em que uma única desordem, traço
ou padrão é causado por mutações em genes em diferentes loci cromossomais.
Heterogeneidade fenotípica: Fenômeno em que diferentes mutações em
um mesmo gene podem ocasionar fenótipos diferentes.
Heteroplasmia: Presença de mais de um genótipo de genoma organelar (mi-
tocôndria ou cloroplasto) dentro da célula ou no indivíduo.
Isocromossomo: cromossomo resultante do corte do cromossomo no sen-
tido transversal do centrômero, ao invés do longitudinal (que ocorre durante a
separação das cromátides irmãs), ocorrendo a perda de um de seus braços que
é substituído por um cópia exata do braço oposto, por exemplo, um cromosso-
mo perde seu braço curto, e este é substituído por uma cópia do braço longo,
assim ao final o cromossomo terá dois braços de comprimentos iguais.
Locus: local no cromossomo onde está localizado um determinado gene ou
marcador genético, plural Loci.
Mosaicos: Presença de duas ou mais subpopulações de células com diferen-
tes genótipos em um indivíduo que tenha se desenvolvido de apenas um óvulo
fecundado.
Mutações de perda de função: Mutações que afetam o produto gênico, redu-
zindo ao anulando a sua função.
Penetrância: Probabilidade de um gene ter o seu fenótipo expresso, quando
a frequência da expressão do fenótipo é inferior a 100%, diz-se que o gene apre-
senta uma penetrância reduzida.
Quadrado de Punnet: diagrama que representa a herança genética resultan-
te de um cruzamento.
Radiação ionizante: radiação que possui energia suficiente para liberar elé-
trons de átomos ou moléculas, ionizando-as.

134 • capítulo 3
Translocação Robertsoniana: um rearranjo cromossômico raro que ocorre
nos cromossomos acrocêntricos (com um dos braços muito curto, difícil de ser
observado) em que dois cromossomos homólogos (iguais) ou não homólogos
(diferentes) se rompem nos centrômeros e os braços longos se fundem para
formar um único cromossomo com um único centrômero.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NUSSBAUM, Robert L.; McINNES, Roberick R.; WILLARD, Huntington F.; HAMOSH, Ada. Genetics in
Medicine: Thompson & Thompson. 7.ed, Filadélfia: Saunder Elsevier, 2007, 600 p.
JORDE, Lynn B.; CAREY, John C.; BAMSHAD, Michael. Medical Genetics J. 4.ed, Filadélfia: Mosby
Elsevier, 2010, 368p.

capítulo 3 • 135
136 • capítulo 3
4
Tópicos avançados
em Genética
4.1  Genética do desenvolvimento
O início da formação de um indivíduo da espécie humana ocorre no momento
em que há a junção do material genético de um espermatozoide e de um óvulo
durante a fertilização. Neste momento, fica estabelecido o número de cromos-
somos que estará presente em cada célula somática desse organismo, e, dessa
maneira, também o mesmo conjunto de genes que guiará os inúmeros proces-
sos que ocorrem no interior celular durante toda a sua vida.
A forma como cada célula desenvolver-se-á nos mais variados tipos de teci-
dos e que tipo de proteínas irá expressar (hemoglobina nas células vermelhas
ou insulina nas células pancreáticas, por exemplo) é dada pela expressão dife-
rencial dos genes. Existem três postulados que a compõem:

1. Todo núcleo de célula somática apresenta um conjunto completo de


genes estabelecido no momento da fertilização. Ou seja, o DNA de todas as cé-
lulas diferenciadas de um organismo é o mesmo.
2. Os genes não expressos em células diferenciadas não são nem destru-
ídos nem sofrem mutação; eles apenas retêm o potencial de serem expressos.
3. Apenas uma pequena porção do genoma é expressa em cada célu-
la, e uma parte do RNA sintetizado em cada uma é específico para cada tipo
celular.

Ainda assim, por mais que se saiba que, a partir da fertilização, as células
sofreram diferenciações que darão a elas potencial para executarem uma de-
terminada função ou produzirem determinada proteína, quando se trata de
biologia do desenvolvimento, há ainda questões mais fundamentais a serem
respondidas, como por exemplo: como um determinado produto gênico (pro-
teína) pode ser expresso em apenas um determinado tipo celular? E como tais
genes são ativados apenas a partir de um determinado período do desenvolvi-
mento do organismo?
Essas e outras questões ainda não apresentam uma resposta concreta, fa-
zendo parte de buscas contínuas por respostas. Entretanto, com o avanço das
técnicas em biologia molecular, já é possível entender como ocorrem muitos
dos mecanismos que norteiam o desenvolvimento de um novo organismo.

138 • capítulo 4
4.1.1  Biologia do desenvolvimento

A curiosidade em descobrir como um animal se desenvolve a partir de um ovo


em um organismo adulto acompanha a história da humanidade desde a época
de Aristóteles, o primeiro – pode-se dizer – embriologista conhecido.
Isso porque os seres multicelulares não nascem prontos. Eles passam por
uma série de processos, chamados de desenvolvimento, que vão desde a fecun-
dação do óvulo pelo espermatozoide até o organismo adulto formado e os di-
versos processos que se seguem até a sua morte. O zigoto formado compreende
uma única célula que se divide em duas, em quatro e assim sucessivamente.
Até o nascimento do organismo, o processo de desenvolvimento é conhecido
como embriologia.
Conforme já mencionado, o desenvolvimento começa a partir da fertiliza-
ção, quando há a formação do zigoto a partir da junção do material genético do
óvulo e do espermatozoide. A seguir, a célula sofre sua primeira divisão ou cliva-
gem seguida por outras rápidas divisões mitóticas que dividem o citoplasma do
ovo em blastômeros, mantendo o mesmo volume inicial da célula. Tal estágio
é chamado blástula.
O ritmo das divisões, então, diminui e os blastômeros começam a se rear-
ranjar, em um processo chamado de gastrulação. No estágio de gástrula, o em-
brião desenvolve três camadas germinativas que originarão os órgãos no orga-
nismo adulto: endoderme, mesoderme e ectoderme. A endoderme dará origem
aos órgãos viscerais, tais como o aparelho digestório e o revestimento interno
do aparelho respiratório. A mesoderme, por sua vez, formará os rins, o cora-
ção e o sistema circulatório, estruturas de sustentação como ossos e músculos,
entre outros. Por fim, a ectoderme é a responsável pela formação do sistema
nervoso central e periférico e a pele.
Uma vez que as camadas germinativas estejam estabelecidas, as células co-
meçam a interagir umas com as outras e a se rearranjarem em um processo
chamado de organogênese. Nele, os órgãos e tecidos serão gerados em luga-
res específicos no organismo, inclusive através da migração de células que se
formam em determinada região do embrião, mas cujo destino está em outra
região.
Entretanto, algumas dessas células retêm a capacidade de se diferenciarem,
de forma que, na vida adulta, possam regenerar células diferenciadas. São as
chamadas células-tronco. As células-tronco do sistema hematopoiético podem

capítulo 4 • 139
se diferenciar em qualquer tipo de célula sanguínea ao longo da vida, podendo,
inclusive, serem transplantadas para outros humanos.
Além das células-tronco, há ainda outra linhagem de células responsável
pela propagação dos genes desse organismo para suas gerações futuras. São as
células germinativas, que originarão os gametas (óvulos ou espermatozoides)
no adulto.
Portanto, para que um organismo inteiro se forme, é preciso que haja uma
regulação rigorosa dos processos que regem o desenvolvimento, pois não basta
apenas formar um órgão. Ele precisa estar em seu lugar determinado no corpo,
com um determinado tamanho e exercendo sua determinada função. E os res-
ponsáveis principais dessa tarefa são os genes.

4.1.2  Genes e seu papel no desenvolvimento

O desenvolvimento é o resultado da interação entre os genes, os processos mo-


leculares e celulares e o ambiente que as cerca. Uma célula indiferenciada em
processo de diferenciação passa por diversas etapas nas quais terá uma deter-
minada função até que atinja seu destino. Essa mesma célula, durante o desen-
volvimento, só iniciou tal processo após adquirir determinadas características
(especificação), seja por sinais internos, como também através de sinais das cé-
lulas que a cercam (através de moléculas sinalizadoras), de forma que, ao final,
as características adquiridas ao longo dessa especificação sejam irreversíveis
(processo chamado de determinação).
Tanto a especificação quanto a determinação são reguladas por proces-
sos epigenéticos, tais como metilação do DNA e modificação das histonas na
cromatina, entre outros. As histonas, por exemplo, estão relacionadas com
a ativação e o desligamento dos genes, através da sua acetilação (ativando a
transcrição) e desacetilação (inibindo o gene de ser transcrito). A sua metilação
também está relacionada à regulação da expressão dos genes. Assim, as células
atingem suas determinadas funções conforme sofrem diferenciação até atingi-
rem seu destino celular final.
Os genes controlam não só a diferenciação celular no desenvolvimento do
organismo, como também a sua orientação no espaço. Assim, em um embrião
nos seus primeiros estágios de desenvolvimento, desenvolvem-se os eixos ante-
roposterior, dorsoventral e direito-esquerdo. E será ao longo desses eixos que o
desenvolvimento será organizado.

140 • capítulo 4
Um dos grupos de genes envolvidos nesse processo é o dos genes HOX. Eles
têm papel importante formação do eixo anteroposterior e suas combinações
especificam as regiões ao longo do mesmo. Os genes HOXA e HOXB, por exem-
plo, são clusters que determinam o desenvolvimento das vértebras e somitos
nos primeiros estágios do embrião. Mais tarde, farão parte do desenvolvimento
dos membros.

4.1.3  Mecanismos celulares e moleculares

O desenvolvimento de um organismo, conforme mencionado na seção ante-


rior, não é apenas uma questão de diferenciação celular. As células formam, em
conjunto, estruturas organizadas como o coração e o cérebro. Assim, elas pre-
cisam ser orientadas de forma a tomarem formatos diferentes (morfogênese) e
fazerem conexões diferentes.
A comunicação entre células se faz necessária para que tal organização de
órgãos e tecidos ocorra. Ela é feita através de receptores na superfície celular
que reconhecem a molécula ligante liberada por outra célula. Tal ligante liga-se
ao receptor, que transmite o sinal recebido para o interior da célula através de
uma cascata de sinalização intracelular. Entre os ligantes mais comuns, está a
família do fator de crescimento de fibroblasto, que, em seres humanos, apre-
senta 23 membros.
Os morfógenos hedgehog (em especial, Sonic hedgehog ou SHH), por exem-
plo, difundem-se criando um gradiente cujas diferentes concentrações fazem
as células ao redor assumirem destinos diferentes. Mutações que silenciam
o gene SHH em seres humanos causam malformações, como palato e lábios
fendidos, hipotelorismo, problemas no desenvolvimento da face e do cérebro
anterior, entre outros.
Agindo sobre as células também estão os fatores de transcrição que regu-
lam a expressão gênica de outros genes, que muitas vezes também vêm a ser
fatores de transcrição. A regulação ocorre através de diferentes combinações
de fatores de transcrição que devem ser expressos em um determinado local e
em um determinado momento do desenvolvimento. Um exemplo desse grupo
seriam os já mencionados genes HOX. As proteínas de fatores de transcrição
específicos reconhecem uma região específica do DNA e podem, então, ativar
ou inibir a transcrição de um determinado gene.

capítulo 4 • 141
Outra forma de controle no desenvolvimento se dá através da morte celular
programada ou apoptose. Ela é importante no desenvolvimento morfológico
de muitas estruturas. Ela ocorre sempre que tecidos precisam ser remodelados,
como é o caso da membrana entre os dedos da mão, que se desintegra, separan-
do-os. Ela também ocorre, por exemplo, no desenvolvimento do sistema imu-
nológico, quando elimina linfócitos que reagem contra o próprio organismo,
evitando, assim, doenças imunes.

4.1.4  Interação dos mecanismos celulares no desenvolvimento


embrionário

Para que o desenvolvimento ocorra, é preciso que haja uma combinação dos
mecanismos acima mencionados. Para exemplificar como esta interação acon-
tece, vamos utilizar aqui o desenvolvimento dos membros como modelo. Isso
porque o estudo da morfogênese dos membros não afeta o embrião ou o feto
fatalmente, como seria o caso se fossem estudados o coração e o cérebro, por
exemplo. Assim, é possível transplantar regiões do membro em desenvolvi-
mento ou criar mutantes sem afetar o desenvolvimento de forma vital.
Os membros apresentam polaridade, com os dedos em uma extremidade
e o úmero ou o fêmur na outra. Não há uma fórmula que defina o tamanho do
braço humano ou que deva haver 27 ossos na mão, nem mesmo é possível en-
contrar dedos formados no meio do antebraço, ou então o fato de, após nosso
nascimento, nossos pés crescerem ao longo dos anos e, ao final, ambos têm
exatamente o mesmo tamanho. A complexidade não está apenas na diferencia-
ção de células (condroblastos e osteoblastos) em cartilagens e ossos, mas tam-
bém na produção dessas mesmas células em uma orientação espaço-temporal
que culmina na formação de um osso com uma função específica e, ainda, que
ele seja um fêmur e não um úmero ou a pélvis ou que faça parte dos pés e não
das mãos.
Os membros são resultado de uma série de processos regulatórios que se
especificam ao longo dos eixos próximo-distal, anteroposterior e dorsoven-
tral. O primeiro vai dos ombros aos dedos das mãos e do quadril aos dedos dos
pés, sendo regulado pelas proteínas da família dos fatores de crescimento de
fibroblastos. O eixo anteroposterior corresponde à dimensão que vai do de-
dão (anterior) ao dedo mínimo (posterior), regulada principalmente por Sonic

142 • capítulo 4
hedgehog, enquanto que o eixo dorsoventral faz referência às palmas (ventral)
e aos dorsos (dorsal) das mãos e dos pés, sob a regulação, em parte, de Wnt7a.
Além dos eixos, o membro (braços/pernas, asas, nadadeiras) é formado por um
estilópode (úmero e fêmur) proximal, um zeugópode (rádio-ulna e tíbia-fíbula)
na região média e um autópode (carpos-dedos e tarsos-dedos) distal.
O desenvolvimento começa com a migração das células mesenquimais da
mesoderme da placa lateral, que formarão as células precursoras do esquele-
to do membro, e dos somitos, cujas células darão origem às células precurso-
ras dos músculos do membro. O acúmulo dessas células mesenquimais sob o
tecido ectodérmico dá origem ao broto do membro (no caso dos vertebrados,
são quatro brotos por embrião, localizados pareados opostamente uns aos ou-
tros em relação à linha média). O sinal para o início da formação dos mem-
bros vem das células da mesoderme da placa lateral, que secretam o fator pa-
rácrino Fgf10, que promove a interação entre mesoderme e ectoderme. Se há
Fgf10 posicionado ectopicamente sob a ectoderme, então mais membros co-
meçam a surgir, uma vez que tal fator estimula a produção de proteínas Wnt
na superfície ectodérmica, fazendo com que esta produza Fgf8. O Fgf8 faz com
que a superfície ectodérmica se alongue, formando a crista ectodérmica api-
cal, fonte de fatores de crescimento de fibroblastos para o desenvolvimento do
membro. As células da crista, por sua vez, induzem as células da mesoderme a
produzir mais Fgf10, e, assim, forma-se um ciclo de retroalimentação positiva
(feedback positivo). Além disso, os somitos não adjacentes à região onde os
brotos do membro se formam evitam que tal sinal se espalhe ao longo do em-
brião ao inibir as células de responderem a Fgf8.
Outra forma de interação dos mecanismos moleculares ocorre na forma-
ção dos dígitos, quando os dedos tornam-se separados. Isto ocorre através da
morte programada das células entre os dígitos, com a diminuição nos níveis de
síntese de DNA, RNA e proteínas. O nome dessa região é zona necrótica inter-
digital, mas há também outras regiões “esculpidas” pela morte celular, como,
por exemplo, a separação entre o rádio e a ulna ou as zonas necróticas anterior
e posterior que dão forma às extremidades do membro. São as proteínas BMPs
(do inglês, bone morphogenetic protein = proteínas morfogenéticas ósseas) as
responsáveis pela sinalização para que a apoptose se inicie. As BMP2, BMP4 e
BMP7 são expressas nas regiões interdigitais e seu bloqueio inibe a necrose nas

capítulo 4 • 143
mesmas. Essa “ausência de morte” ocorre em outros animais como os patos
que mantêm as células entre os dígitos, formando a membrana interdigital.
Assim, através do estudo dessas interações genéticas e moleculares, é possí-
vel entender as bases do desenvolvimento e, dessa forma, construir abordagens
clínicas mais modernas para a compreensão de malformações.

4.2  Imunogenética
A imunogenética é a ciência que estuda a genética do sistema imune, que é o
sistema responsável pela defesa do organismo contra o ataque de patógenos,
pela rejeição de células malignas, e por outro lado, também rejeição dos trans-
plantes não compatíveis.
O sistema imune é dividido entre inato e o adaptativo, o primeiro é respon-
sável pela proteção inicial contra infecções e está presente em indivíduos sau-
dáveis, preparando-os para bloquear a entrada de microrganismos e eliminar
de forma mais breve possível os que conseguiram entrar nos tecidos. O sistema
imune adaptativo se desenvolve mais lentamente e é responsável pela defesa
mais tardia e eficaz contra as infecções, ele é estimulado pelo contato dos mi-
crorganismos que entraram no organismo, montando uma resposta específica
contra o invasor.
A primeira barreira de defesa do corpo contra invasores é o tecido epitelial,
que possui células especializadas e produzem antibióticos naturais (e.g lisozi-
ma). Se algum microrganismo ultrapassar esta primeira linha de defesa, eles
terão de enfrentar as células natural killer (NK) que são linfócitos especializa-
dos, e diversas proteínas plasmáticas que também atuam na defesa, entre elas
as proteínas do complemento.
Mesmo que a imunidade inata barre a maioria dos microrganismos, os pato-
gênicos (capazes de causarem doenças) evoluíram para resistirem a esta defesa.
A linha de defesa contra esses agentes infeciosos é a imunidade adaptativa, que
é formada pelos linfócitos e seus produtos, como os anticorpos, os linfócitos ex-
pressam receptores que reconhecem de modo específico diversas substâncias
que são produzidas por microrganismos, assim como moléculas não envolvidas
em processos infecciosos, tais substâncias são denominadas de antígenos.

144 • capítulo 4
4.2.1  Sistema imune inato

A ação deste sistema depende da ação conjunta dos fagócitos, como as células
natural killer, que englobam e destroem microrganismos, estas células reco-
nhecem e destroem células infectadas por vírus.
Outro componente da resposta inata é o sistema complemento que é com-
posto aproximadamente de 20 proteínas que atuam de modo conjunto atacan-
do patógenos extracelulares através da opsonização, que confere um revesti-
mento das células invasoras, que podem atuar de duas maneiras, facilitando o
reconhecimento dos fagócitos ou gerando um complexo de ataque à membra-
nas que provocam a lise do microrganismo.

4.2.2  Resposta imune adaptativa

O sistema imune adaptativo possui uma alta especificidade, sendo capazes de


diferenciar mudanças moleculares mínimas entre os patógenos, e dependem
de interações de dois diferentes linfócitos, os linfócitos B e T.
Quando as células B estão maduras elas secretam anticorpos ou imuno-
globulinas na corrente sanguínea ou na circulação linfática. Estas moléculas
reagem de modo altamente específico contra os antígenos, que podem ser pep-
tídeos ou componentes polissacarídeos dos patógenos invasores. Há a atua-
ção, também de dois subconjuntos de células T, um deles composto de células
T-helper que auxiliam os outros linfócitos a respondem de maneira mais efeti-
va, e outro denominado célula T citotóxicas, que destroem células infectadas.
A resposta humoral do sistema imune é iniciada após o englobamento dos
micróbios pelos fagócitos, que são componentes da resposta imune inata, que
após a destruição dos invasores, exibem em suas superfícies componentes ce-
lulares dos invasores. Estas células são chamadas de células apresentadoras de
antígenos (APCs), elas utilizam moléculas chamadas de complexo principal de
histocompatibilidade do tipo II, este complexo é formado por produtos gênicos
da região mais densa de genes dos mamíferos. Estas proteínas são expressas
nas células APCs e possuem tanto antígenos próprios (peptídeos da própria cé-
lula), quanto antígenos formados de fragmentos dos invasores, estes fragmen-
tos são apresentados para células T-helper que estão circulando.

capítulo 4 • 145
Após ser ativado, o linfócito T-helper se destaca da célula APC levando consi-
go o complexo MHC-peptídeo, e ele secreta moléculas sinalizadoras, chamadas
de citocinas, que atuam sob os linfócitos B. O antígeno carregado pela célula T
helper ao ser reconhecido pelas imunoglobulinas apresentadas por determina-
do linfócito B estimulará esta célula a se proliferar e a produzir os anticorpos
específicos contra este antígeno.

4.2.3  Componente celular do sistema imune

Uma classe de APCs migra para o sistema linfático secundário (amídalas, lin-
fonodos, etc) e alertam um grupo especializado de células T, que através da se-
creção de citocinas induz a proliferação de clones específicos que se ligam aos
antígenos das células infectadas. Estas células que portam os receptores espe-
cíficos podem ser de dois tipos, células T efetoras, que induziram as células
infectadas à apoptose, ou células T de memória, que possuem uma vida longa
e uma grande expressão de moléculas co-estimuladoras em sua superfície, es-
tando prontas para uma possível apresentação de antígenos correspondentes
aos seus receptores.
O sistema imune cada vez que é exposto a um antígeno apresenta respos-
tas mais acentuadas e mais eficazes ao mesmo antígeno. A resposta à primei-
ra exposição ao antígeno é chamada de resposta imunológica primária, e é
mediada por linfócitos denominados virgens, pois encontraram o antígeno
pela primeira vez. Os encontros seguintes com o mesmo antígeno induzem
respostas mais rápidas, severas e eficazes na eliminação do antígeno, sendo
denominadas respostas secundárias. Este padrão mais ágil de resposta é de-
corrente da ativação de linfócitos de memória, que são células que possuem
um ciclo de vida longo e são produzidas durante a resposta primária. As célu-
las de memória melhoram a habilidade do sistema imune na defesa contra as
exposições frequentes ao mesmo patógeno, e cada exposição, mais células de
memória são produzidas.
Tanto os linfócitos T quanto os B possuem este tipo de célula. As células de
memória possuem extrema importância para a vacinação pois conferem prote-
ção duradora contra infecções, sem que os indivíduos tivessem sido expostos
aos patógenos.

146 • capítulo 4
4.2.4  Fases das respostas imunológicas

As respostas imunológicas ocorrem em uma ordem, a primeira é o reconheci-


mento do antígeno, seguida da ativação dos linfócitos, eliminação do antíge-
no, declínio e memória. Estas fases são classificadas segundo as respostas dos
linfócitos e outros componentes do sistema imune. A primeira fase linfócitos
virgens que são específicos localizam e reconhecem o antígeno, para os linfó-
citos sejam ativados há a necessidade de pelo menos dois sinais: a ligação do
antígeno e os receptores dos linfócitos (sinal 1) e sinais produzidos pelas cé-
lulas do sistema imune inato em reposta ao microrganismo (sinal 2). Na fase
de ativação os linfócitos que reconheceram seus antígenos correspondentes
sofrem várias divisões celulares, gerando um grande número de células por-
tadoras de um mesmo receptor, este processo é chamado de expansão clonal.
Durante a fase de expansão clonal, alguns linfócitos deixam de serem células
virgens e passam a serem linfócitos efetores, que produzem substâncias que
possuem a função de eliminar os antígenos. Como exemplo, alguns linfócitos
B se diferenciam e passam a produzir anticorpos, enquanto linfócitos T passam
a destruir células do hospedeiro que estão infectadas. Geralmente os linfócitos
efetores atuam junto com componentes do sistema imune inato e essa fase em
que é iniciada e eliminação do antígeno é denominada de fase efetora. Após a
eliminação do antígeno há a indução da morte celular programada (apoptose)
da grande maioria das células que foram ativadas e as poucas células que não
sofrem apoptose constituíram as células de memória que poderão sobreviver
por meses ou anos e poderão responder rapidamente a um reencontro com o
mesmo patógeno.

4.2.5  Linfócitos

Os linfócitos, como demonstrado no item anterior, são células de defesa de ex-


trema importância para a resposta imune, eles são as únicas células que por-
tam receptores específicos para antígenos e desta forma são os principais me-
diadores da resposta imune adquirida.
Os linfócitos, vistos com auxílio do microscópio óptico, são muito seme-
lhantes, mas eles possuem funções e fenótipos muito diferentes. Eles são divi-
didos em grupos baseados em proteínas de suas superfícies, cada grupo recebe
uma designação numérica de grupo de diferenciação (CD) que se origina de

capítulo 4 • 147
cluster of differentiation. Por exemplo, os linfócitos que são preferencialmente
infectados pelo vírus do HIV são os linfócitos T CD 4+, estes linfócitos são cha-
mados de células T auxiliares, que ajudam os linfócitos B a produzirem anti-
corpos e também auxiliam as células fagocitárias a englobarem os patógenos.
Outro subgrupo muito importante são os linfócitos T CD8+ que são conhecidos
como linfócitos T citotóxicos (CTLs), que destroem as células que estão infecta-
das por microrganismos que parasitam as células internamente, e uma terceira
classe de linfócitos são os Natural Killers (NKs) que possuem atividade citotó-
xica contra células tumorais sem a necessidade de um reconhecimento prévio
do antígeno, o que difere eles dos linfócitos T, possuem também papel muito
importante no combate à infecções virais.
Os linfócitos B são as únicas células capazes de produzirem anticorpos e
expressam em sua superfície anticorpos que atuam como receptores para s an-
tígenos e consequentemente iniciar o processo de ativação celular. Tanto antí-
genos solúveis quanto antígenos da superfície dos patógenos são passíveis de
serem reconhecidos por esses receptores e ativarem a resposta humoral. Os lin-
fócitos T possuem receptores que reconhecem fragmentos peptídicos ligados
a moléculas de apresentação de antígenos, que são presentes nas células APCs,
estas moléculas são as MHC (complexo de histocompatibilidade maior). Os lin-
fócitos T não são capazes de responderem a peptídeos que não estejam ligados
ao MHC, o que torna este sistema de apresentação de antígenos extremamente
importante.

4.2.6  Complexo de histocompatibilidade maior (MHC)

O MHC é um lócus gênico localizado no cromossomo 6 em humanos, com um


comprimento aproximado de quatro milhões de pares de bases, que codificam
mais de 200 genes. Os produtos gênicos do MHc são proteínas de membrana e
são encontradas na superfície das células APCs. O lócus de MHC foi descoberto
como o determinante principal na rejeição de transplantes de tecidos, de modo
que apenas os portadores de um loci MHC idêntico podem trocar tecidos entre
si sem que haja rejeição, como este loci é extremamente variável, esta situa-
ção é mais facilmente encontrada em gêmeos univitelinos. Como o processo
de transplante não é algo natural, não ocorre sem a intervenção humana, ob-
viamente o sistema MHC não sofreu pressão evolutiva para intermediarem o
processo de rejeição ou aceitação de um transplante. Estas moléculas possuem

148 • capítulo 4
como função principal serem as intermediadoras da apresentação de antíge-
nos pelas APCs para os linfócitos T.
O lócus do MHC é composto por uma grande coleção de genes divididos em
dois conjuntos altamente polimórficos chamados de MHC classe I e da classe
II. Eles possuem uma estrutura muito semelhante, mas portam subunidades
diferentes. Cada molécula de MHC I possui uma cadeia α ligada não covalente-
mente a uma proteína codificada por um gene fora do lócus do MHC, conheci-
da como β2-microglobulina. Na molécula de MHC classe I há os dois domínios
aminoterminais α1 e α2 formam uma fenda onde os peptídeos são apresenta-
dos, esta fenda suporta peptídeos de 8 a 11 aminoácidos. Os linfócitos T uti-
lizam as laterais e a porção superior da fenda como sítio de reconhecimento
da célula APC. A região polimórfica da molécula de MHC I são justamente as
subunidades α1 e α2, parte destes resíduos polimórficos contribuem para as va-
riações do fundo da fenda que se liga aos peptídeos, o que influencia a habili-
dade destas moléculas de MHC de se ligarem a peptídeos, enquanto uma parte
dos resíduos polimórficos são encontradas nas regiões superiores e laterais das
fendas, impactando o reconhecimento das células T . Há um terceiro domínio
α, chamado de α3 que não possui variação e contêm o local de ligação do recep-
tor CD8 dos linfócitos T, que é necessário para ativação destas células junta-
mente com o reconhecimento do co-receptor do MHC classe I. Desta forma as
células T CD8+ só são capazes de responderem a peptídeos que são apresenta-
dos pelas moléculas do MHC classe I que também possuem o co-receptor CD8.
As moléculas de MHC classe II possuem uma cadeia α e uma β, suas cadeias
aminoterminais são denominadas α1e β1, respectivamente. Estas cadeias con-
têm resíduos polimórficos e comparados ao complexo MHC de classe I possui
uma fenda maior, que suporta de 10 a 30 resíduos. A cadeia β, em sua subunida-
de β2 (não polimórfica) possuem um sítio de ligação para o co-receptor CD4 da
célula T que é necessário para os linfócitos CD4+ responderem aos peptídeos
presentes na fenda do MHC classe II.
A expressão dos genes de MHC são co-dominantes, ou seja, são expressos
conjuntamente os alelos herdados do pai e da mãe. No complexo MHC classe
I humano há três genes polimórficos, o HLA-A, HLA-B e o HLA-C e cada pessoa
expressa os três genes de cada um dos pais, de modo que qualquer célula do
corpo expressa seis moléculas diferentes de MHC classe I. Quanto ao comple-
xo MHC classe II há também três conjuntos de genes polimórficos, o HLA-DR,
HLA-DQ e o HLA-DP, mas tanto a cadeia α quanto a β são polimórficas, e cada

capítulo 4 • 149
uma delas pode ser expressas por alelos diferentes, que foram desta maneira
moléculas de MHC classe II híbridas, podendo assim gerar de 10 a 20 molécu-
las diferentes da classe II.
Existem vários alelos para as moléculas de MHC, de modo que o polimorfis-
mo é tão grande que é extremamente improvável que dois indivíduos possuam
o mesmo conjunto de MHC. Como o polimorfismo dos aminoácidos determi-
nam quais peptídeos são apresentados por determinada molécula de MHC, a
grande diversidade de alelos garante que dentro do conjunto polimórfico sem-
pre haverá um que irá representar qualquer antígeno proteico microbiano.
As moléculas de MHC classe I são expressas em todas as células nucleadas,
enquanto que as de classe II estão presentes principalmente nas células apre-
sentadoras de antígenos profissionais, como as células dendríticas, macrófa-
gos e linfócitos B.
Como o nome do grupo indica (complexo de histocompatibilidade), ele
possui grande importância para o transplante de órgãos e tecidos. Apesar do
grande avanço no desenvolvimento de drogas imunossupressoras para supri-
mir a rejeição do órgão transplantado, apenas uma correspondência perfeita
para todo o sistema de histocompatibilidade e grupos sanguíneos (como ocor-
rem com gêmeos univitelinos) pode fornecer um transplante com sucesso sem
a necessidade da terapia imunossupressiva. Nos casos de transplante de órgãos
sólidos a porcentagem de sobrevivência do órgão transplantado após 10 anos
se o recipiente possuir o sistema de compatibilidade idêntico é de 72%, mas é
reduzido a 56% se o doador possui apenas um haplótipo do sistema de histo-
compatibilidade em comum com o receptor.
No caso dos transplantes de medula óssea o desafio é maior que o trans-
plante de órgãos sólidos, como este tecido possui linfócitos imunocompeten-
tes, o transplante pode atacar os tecidos do doador, causando a doença enxerto
contra hospedeiro (DECH). Este risco impacta seriamente a sobrevivência dos
receptores, por exemplo, pacientes que sofriam de leucemia mielóide crônica
e tratados com quimioterapia, possuem a probabilidade de sobreviverem mais
e oito anos após o transplante de medula óssea ao redor de 60%, se o tecido e
o receptor possuírem apenas uma única não-correspondência em algum dos
lócus da classes I ou II, mas reduz para 25% a probabilidade de sobrevivência
quando ambos os sistemas não são correspondentes.
O sucesso do transplante de medula óssea é extremamente dependente
da correspondência dos sistemas de histocompatibilidade juntamente com

150 • capítulo 4
o sistema de grupos sanguíneos. No Brasil, há o registro nacional de doado-
res de medula óssea (REDOME) (http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.as-
p?ID=677). Este sistema é organizado pelo Instituto Nacional do Câncer que
mantêm um banco de dados sobre doadores voluntários de medula óssea, que
em 2014 eram de 3.500 milhões, sendo o terceiro maior banco de dados do gê-
nero no mundo. Com o aumento no número de doadores cadastrados há o au-
mento da probabilidade de ser encontrada uma perfeita correspondência entre
o doador e o receptor, aumentando expressivamente as chances de sucesso dos
transplantes.

4.2.7  Grupos sanguíneos

Um dos primeiros polimorfismos detectados foi o de antígenos dos grupos


sanguíneos. São conhecidos numerosos polimorfismos nestes grupos, es-
pecialmente no sistema ABO e Rh das hemácias. Este sistema é muito im-
portante para a transfusão sanguínea, e transplante de tecidos e órgãos, e
no risco de desenvolvimento da doença hemolítica do recém-nascido (eri-
troblastose fetal).
O sangue humano pode ser classificado em quatro tipos através da detec-
ção de dois antígenos, o A e o B na superfície das hemácias e de dois anticor-
pos correspondentes a esses antígenos o anti-A e o anti-B. Assim o sistema
possui quatro fenótipos principais: A, B, AB, O. As pessoas que possuem o
antígeno A na superfície de suas hemácias são do grupo sanguíneo A, se pos-
suem o antígeno B nestas células é do grupo B. Pessoas que possuem os dois
antígenos são do grupo AB, e aquelas que não possuem nenhum dos dois an-
tígenos nas hemácias são do grupo O.
Um padrão que apenas é observado no sistema ABO que não é encontrado
em outros sistemas é a relação de reciprocidade, por exemplo, um indivíduo
que possui o antígeno A na superfície de suas hemácias terá a produção de
anticorpos apenas para o antígeno B (anti-B), quando este antígeno não está
presente em um indivíduo ele terá em seu soro o anticorpo anti-A. a razão
desta reciprocidade não é muito clara, mas a formação dos anticorpos, sem
a aparente exposição ao seus antígenos (pois o indivíduo não o produz) pode
ser oferecido pelo ambiente, como as bactérias que colonizam o intestino.

capítulo 4 • 151
REAÇÃO COM REAÇÃO COM
FENÓTIPO NAS ANTICORPOS
ANTICORPO ANTICORPO
HEMÁCIAS NO SORO
ANTI-A ANTI-B
O – – Anti-A e Anti-B

A + – Anti-B

B – + Anti-A

AB + + Nennhum

– indica que não houve reação; + indica que houve reação

Tabela 4.1

Os antígenos A e B são codificados no cromossomo 9, e estes antígenos são


herdados com padrão codominante, uma vez que os dois podem ser expressos
ao mesmo tempo e não interferem entre si na sua manifestação, o grupo possui
uma herança recessiva, uma vez que ele indica a ausência dos dois antígenos.
Os antígenos A e B são produzidos pela ação dos alelos A e B da glicoproteí-
na H, a diferença entre os alelos é decorrente de mudanças de açúcares na por-
ção terminal desta glicoproteína. O alelo B codifica uma glicotransferase que
reconhece preferencialmente a D-galactose e o adiciona na extremidade da ca-
deia de oligossacarídeos do antígeno H, formando assim o antígeno B. O alelo
A produz uma enzima ligeiramente diferente, em que sua preferência se volta
para o açúcar N-acetil galactosamina, ao invés da D-galactose, e adiciona este
açúcar na extremidade da cadeia do oligossacarídeo do antígeno H, criando o
antígeno A. O alelo O codifica uma glicotransferase que não possui atividade e
desta forma não altera o antígeno H.
A principal importância médica do sistema ABO é a transfusão sanguí-
nea e o transplante de órgãos e tecidos. Como visto na tabela 1, é possível es-
tabelecer uma combinação compatível entre doadores e receptores, em que

152 • capítulo 4
preferencialmente o receptor da doação deve ter o mesmo grupo sanguíneo do
doador, mas é possível que possa ser utilizada as hemácias de indivíduos do
grupo O, para receptores de todos os outros grupos (doador universal) pois na
superfície destas hemácias não há os antígeno A e nem o B, não desencadeando
a resposta dos anticorpos presentes no soro dos receptores.
Outro sistema sanguíneo de grande importância é o RH, seu nome é decor-
rente do nome rhesus, que era do macaco utilizado nos experimentos que des-
cobriram este sistema. O sistema divide a população em dois grupos, o Rh po-
sitivo e o Rh negativo, o Rh positivo possui em suas hemácias o antígeno Rh D
que é codificado pelo gene RHD no cromossomo 1, enquanto que os indivíduos
Rh negativos não expressam este antígeno.
O sistema Rh além de possuir grande importância quanto às transfusões e
doações de órgãos e tecidos, ele possui outra importância médica, na doença
hemolítica do recém- nascido. Uma mãe que é Rh negativo e está gestando uma
criança Rh positivo pode entrar em contato com o sangue da criança e produzir
anticorpos contra o antígeno da hemácia da criança, estes anticorpos podem
retornar para a circulação sanguínea da criança e causar a hemólise das hemá-
cias e ter consequências graves à criança se não for tratada a tempo.
Uma forma de minimizar os riscos de uma gravidez de uma criança Rh posi-
tivo em uma mãe Rh negativo é através do uso imunoglobulina Rh entre a 28a e
a 32a semana de gestação e novamente após o parto, a imunoglobulina elimina
qualquer célula Rh positiva fetal que esteja circulando pelo sangue materno an-
tes que a mãe seja sensibilizada.

4.2.8  Receptores de antígenos dos linfócitos

Os receptores dos linfócitos B e T reconhecem diferentes estruturas molecula-


res, os linfócitos B são capazes de reconhecer várias conformações de macro-
moléculas, como proteínas, lipídios, carboidratos e ácidos nucléicos. Enquan-
to que as células T são apenas capazes de reconhecerem apenas peptídeos, e
desde que eles estejam ligados ao MHC de células APCs.
As moléculas receptoras de antígenos possuem duas regiões as regiões va-
riáveis (V) que são responsáveis pelo reconhecimento antigênico e as regiões
constantes (C), que são regiões preservadas. Entre as regiões variáveis, boa
parte da variabilidade das sequências é limitada a sequências curtas, que são
denominadas de regiões hipervariáveis, ou mesmo regiões determinantes da

capítulo 4 • 153
complementaridade, pois elas são constituintes de parte do receptor que se liga
ao antígeno. A concentração de sequências variáveis em pequenas partes dos
receptores possibilita a maximização da variabilidade, sem que seja alterada a
estrutura básica dos receptores. Existem mecanismos genéticos especiais que
introduzem variações nas regiões variáveis, que reconhecem os antígenos, que
utilizam um limitado grupo de genes para codificar a maioria dos receptores de
polipeptídios.
Junto dos receptores de antígenos há a ligação, não covalente, de outras mo-
léculas não variáveis, que funcionam como transmissores direcionados para o
interior da célula dos sinais de ativação que são desencadeados pelo reconhe-
cimento antigênico. Deste modo, os receptores de antígenos possuem duas
funções, o reconhecimento antigênico específico e a transdução do sinal (a li-
gação do receptor, informação, é transformada em um sinal intracelular) que
são mediadas por polipeptídios diferentes. Esta configuração oferece liberdade
para a variabilidade dos receptores, assim como permite a preservação das pro-
teínas (não variantes) responsáveis pela transdução de sinal. Este conjunto de
receptores de antígenos e moléculas sinalizadoras presentes nos linfócitos B é
chamado de complexo receptor da célula B (BCR), e em linfócitos T é conhecido
como complexo receptor da célula T (TCR).
Os anticorpos podem atuar como receptores de antígenos ligados à mem-
brana das células B ou podem ser secretados. Mas os TCR são apenas encon-
trados na membrana dos linfócitos T. Os anticorpos livres (secretados) são
encontrados no sangue e nas secreções das mucosas, nestes sítios elas atuam
na neutralização e eliminação de microrganismos e toxinas. Os anticorpos são
glicoproteínas que são produzidas por células derivadas dos linfócitos B, que
são chamadas de plasmócitos. Estas proteínas atacam proteínas estranhas ao
corpo e são responsáveis pela imunidade humoral. Existe cinco tipos de imu-
noglobulinas: IgA, IgD, IgE, IgG e IgM. Elas possuem diferentes propriedades e
habilidades no combate a diferentes antígenos. Estas moléculas possuem duas
regiões, uma variável que é responsável pela ligação aos antígenos e uma região
constante, que em alguns anticorpos secretados possuem a habilidade de se
ligarem a outras moléculas que participam da eliminação de antígenos, que in-
cluem receptores de fagócitos e as proteínas do sistema complemento.

154 • capítulo 4
4.2.9  A molécula do anticorpo

Os anticorpos são compostos de quatro cadeias polipeptídicas que incluem


duas cadeias pesadas (H) que são idênticas, e duas cadeias leves (L), cada uma
dessas cadeias possuem uma região constante e uma região variável. As cadeias
são arranjadas em forma de Y. A cadeia leve e a pesada são ligadas entre si atra-
vés de pontes dissulfeto. Cada cadeia leve possui um domínio variável (V) e um
constante (C), enquanto que a cadeia pesada é composta por um domínio V e
três ou quatro domínio C.
As regiões variáveis das cadeias pesadas (Vh) e das cadeias leves (VL) possuem
três regiões hipervariáveis, conhecidas também como CDR. A região que porta
a maior variabilidade é encontrada na região CDR3, localizada na junção das re-
giões V e C, esta região é a que porta a maior contribuição na ligação antigênica.
Os anticorpos podem se ligar a uma ampla variedade de antígenos, de ma-
cromoléculas a pequenas, devido à capacidade da região de ligação do antígeno
das moléculas do anticorpo de acomodarem muitas formas diferentes. A liga-
ção dos anticorpos com os antígenos se dá de forma não-covalente e reversíveis,
como pontes de hidrogênio e interações de cargas. A parte do antígeno que é re-
conhecida pelos anticorpos é denominada de epítopo, e o seu reconhecimento
pode ser baseado na sequência linear ou na sua conformação tridimensional.

4.2.10  Receptores de antígenos nas células T

O complexo receptor de células T (TCR) é um heterodímero, ou seja, é uma mo-


lécula composta de duas subunidades diferentes, ele possui uma cadeia α e
uma β, e cada uma delas possuem uma região variável (V) e uma constante (C),
queanti são homólogas às regiões variáveis e constantes das imunoglobulinas.
Cada região V do complexo possui três regiões hipervariáveis, que como ocorre
com os anticorpos, podem ser chamadas de determinantes de complementa-
ridade. Outra semelhança com os anticorpos é que entre as regiões hipervari-
áveis, a região CDR3 é a mais variável. Mas o TCR, diferente dos anticorpos,
possui suas duas cadeias ancoradas na membrana plasmática e não possuem
forma secretada.
O TCR, apesar de reconhecer os antígenos, é incapaz de transmitir o sinal
para o interior da célula T, para isto é necessária a associação de um complexo
de proteínas chamadas de CD3 e cadeia ζ, estas moléculas transmitem uma

capítulo 4 • 155
parte dos sinais que são iniciados quando o TCR reconhece um antígeno. Junto
com os sinais transmitidos por CD3 e cadeia ζ, para que o linfócito seja ativado,
é necessária também a participação de moléculas co-receptoras CD4 ou CD8,
que são capazes de reconhecerem os segmentos não polimórficos das molécu-
las de MHC.
Apesar dos receptores de antígenos de células T e B possuírem algumas si-
milaridades, eles diferem de modo acentuado em algumas características. Por
exemplo, a afinidade que os anticorpos possuem pelos seus antígenos especí-
ficos é muito maior que a afinidade do TCR, o que possibilita aos anticorpos
ligarem e neutralizarem diferentes microrganismos e toxinas mesmo quando
em baixas concentrações. A baixa afinidade do TCR pode ser contornada pela
atividade das APCs que além de apresentarem os antígenos reforçam a sua liga-
ção com os linfócitos T através de moléculas acessórias.

4.2.11  Criação do repertório imune

Se cada receptor de linfócitos T e B fosse codificado por um gene, uma grande


proporção do genoma estaria reservado apenas para o sistema imune, o que
não ocorre. Os receptores de antígenos são gerados a partir de vários segmen-
tos gênicos que são espaçados um dos outros na linhagem germinativa e so-
frem recombinação durante a maturação dos linfócitos. Este processo de re-
combinação é iniciado em células-tronco hematopoética dos órgãos linfóides
primários (medula óssea e timo), nestas células os loci das cadeias pesadas e da
cadeia leve dos anticorpos e os loci das cadeias α e β do TCR possuem centenas
de genes das regiões variáveis e alguns das regiões constantes. Entre os genes
das regiões V e C há algumas pequenas sequências de nucleotídeos que são de-
nominados de junção (J) e de diversidade (D). O segmento D é exclusivo das
cadeias pesadas das imunoglobulinas e os loci β do TCR, os outros segmentos
(V, C e J) são todos encontrados nos loci dos receptores de antígenos.
A determinação de uma célula progenitora em transformar-se em um linfó-
cito B está associada à recombinação de um segmento V da cadeia pesada (Vh)
da imunoglobulina com um segmento D e um J. Desta forma, o futuro linfócito
B possui um gene recombinado que é constituído de V-D-J no lócus da cadeia
pesada. Este gene ao ser transcrito, o RNA sofre splicing no segmento que co-
difica a região C, formando o mRNA µ. Este mRNA é traduzido e produz a ca-
dela pesada, que é a primeira proteína Ig sintetizada durante a maturação dos

156 • capítulo 4
linfócitos B. Esta sequência ocorre de modo similar na produção das cadeias
leve das células B e das cadeias α e β dos linfócitos T.
O processo de recombinação somática dos segmentos V e J e V,D e J é in-
termediado por enzimas chamadas de recombinases V(D)J e um complexo
de proteínas, sendo as principais envolvidas as enzimas RAG (Recombination
Activation Gene) 1 e 2 a TdT (Terminal deoxynulceotidyl Tranferase) e a nuclease
Artemis, que é constituinte do sistema de reparo de DNA conhecido como jun-
ção de extremidades não-homólogas. As enzimas RAG reconhecem as sequên-
cias de DNA que estão entre os segmentos V, D e J, e após o reconhecimento, a
recombinase une estes segmentos. A exonucleases cortam o DNA no segmento
final, e as ligações de DNA que foram rompidas são reparadas pelas ligases, ge-
rando ao final um gene recombinado completo V-J ou V-J-D.
A imensa diversidade dos receptores de antígenos é gerada através do uso
de várias combinações dos segmentos V, D e J nos vários clones de linfócitos
(diversidade combinatória) assim como por alterações nas sequências de nu-
cleotídeos inseridas nas junções dos segmentos gênicos V, (D) e J (diversidade
juncional). As alterações nas sequências são produzidas por dois processos,
primeiro pelas exonucleases, que podem remover nucleotídeos dos segmentos
V, D e J durante o processo de recombinação, o que pode alterar o quadro de lei-
tura e consequentemente a sequência de aminoácido do segmento do receptor.
Segundo, a enzima TdT transfere nucleotídeos de forma aleatória aos sítios de
recombinação V(D)J, formando as regiões que são denominadas N.
A diversidade juncional potencializa a variabilidade dos sítios de ligação a
antígenos dos anticorpos e TCRs, mas durante o processo de recombinação po-
dem ser gerados genes que não são capazes de produzirem proteínas, devido a
alteração do quadro de leitura que pode introduzir códons de terminação pre-
maturos. Este é o risco, necessário, para a geração de tamanha diversidade de
receptores. As células precursoras que são portadoras destes genes não funcio-
nais são eliminadas durante o processo de maturação dos linfócitos.
Todo o processo de recombinação produz ao final uma região de ligação
antigênica altamente variável, o que permite a geração de imunoglobulinas e
receptores de linfócitos T capazes de se ligarem a antígenos que nem mesmo
o indivíduo ou seus ancestrais entraram em contato. Esta diversidade permite
uma resposta imune adaptativa a uma imensidade de patógenos, mesmo aque-
les em constante evolução.

capítulo 4 • 157
4.2.12  Desordens imunológicas de origem genética

4.2.12.1  Exemplos de doenças envolvendo o sistema imune inato humoral

Ao redor de 5-10% da população possuem problemas de infecções recorrentes


no trato respiratório, otite média e diarreia constante devido a um defeito gené-
tico na via da ativação do complemento, na proteína ligação à manana (MBP),
esta proteína se liga à carboidratos presentes na superfície de alguns micror-
ganismos e os elimina através da ativação do complemento. Assim alterações
nesta proteína provoca maior susceptibilidade às infecções.
Outro comprometimento comum do complemento abrange defeitos na
proteína C3, que provoca falha da opsonização de bactérias ou perturbações na
formação do complexo de ataque, o que aumenta a susceptibilidade à infecções
bacterianas, principalmente por bactérias do gênero Neisseria.
A deficiência do inibidor da proteína do complemento C1 induz a uma pro-
dução descontrolada da proteína C2a, que por sua vez provoca o acúmulo de
fluidos nos tecidos moles e vias respiratórias, esta desordem é conhecida como
Angioedema hereditário (AEH), esta desordem é autossômica dominante e
uma das mais comuns envolvendo o sistema complemento.

4.2.12.2  Desordens da imunidade inata mediada por células

Os neutrófilos são leucócitos que estão envolvidos na defesa contra fungos e


bactérias, estas células são fagócitos capazes de emitirem prolongamentos ci-
toplasmáticos com o intuito de envolverem partículas estranhas, que são di-
geridas por enzimas dos vacúolos celulares. Após fagocitar os microrganismos
é formado o fagossomo, e é iniciada a liberação de enzimas hidrolíticas e de
espécies reativas de oxigênio, que provocam danos nas membranas do micror-
ganismos, e consequentemente a sua morte.
Pacientes portadores de uma diminuição do número de neutrófilos (neu-
tropenia) estão mais sujeitos a infecções bacterianas e fúngicas, existem várias
causas para esta desordem, desde à algum problema na produção destas célu-
las pela medula óssea e/ou um aumento da destruição delas.
Algumas doenças são decorrentes de defeitos na produção das espécies re-
ativas de oxigênio, que são necessárias para a eliminação dos microrganismos
pelos fagócitos. Uma delas á a doença granulomatosa crônica, que manifesta-se

158 • capítulo 4
nos primeiros meses de vida, com infecções recorrentes, incluindo abcessos,
linfadenites, pneumonias e otites.

4.2.13  Desordens da imunidade adaptativa humoral

4.2.13.1  Agamaglobulinemia ligada ao X (Bruton)

É uma imunodeficiência ligada ao cromossomo X caracterizada pelo bloqueio


na diferenciação dos linfócitos B na medula óssea, provocando uma profunda
redução no número de anticorpos e de células B periféricas (ou mesmo a sua
ausência). Pacientes portadores desta deficiência são susceptíveis a infecções
recorrentes por bactérias que possuem cápsulas (redes de polímeros que reves-
tem a superfície bacteriana) e a vírus entéricos devido a redução da produção de
anticorpos. Esta doença é provocada por mutações no gene da tirosina quinase
de Bruton, que é uma enzima importante no desenvolvimento, diferenciação e
sinalização dos linfócitos B.

4.2.13.2  Imunodeficiência variável comum

Esta imunodeficiência é caracterizada por uma produção muito baixa de an-


ticorpos, mas com número de linfócitos B normal, em alguns pacientes os
linfócitos T funcionam normalmente. É uma doença heterogênea e pode ser
causada por mutações das cadeias pesadas e leves das imunoglobulinas. Um
dos principais sintomas são infecções recorrentes por fungos, protozoários e
também por microrganismos intracelulares, como vírus e micobactérias.

4.2.14  Desordens do sistema imune adaptativo mediado por células

4.2.14.1  Imunodeficiência severa combinada (SCID)

É um grupo de doenças, em que as mais comuns são as ligadas ao cromossomo


X e a deficiência na produção da enzima ADA (ver capítulo 6). Esta imunodefici-
ência é conhecida também como a doença do “garoto bolha”, algumas dessas
doenças envolvem mutações na cadeia γ que é comum em vários receptores de
citocinas, o que provoca a falha na recepção de sinais para a maturação de linfó-
citos T e de células NK. O que impacta também o desenvolvimento das células
B, uma vez que elas precisam interagir com células T.

capítulo 4 • 159
Outras mutações incluem moléculas de sinalização intracelular como a
Janus quinase 3 (Jak3), que é uma proteína que interage com citocinas, e pro-
vocam falhas na maturação das células T. A SCID pode ser também decorrente
de mutações em genes envolvidos na recombinação V-D-J e formação dos re-
ceptores das células T e B.

4.3  Genética do Câncer


O câncer é uma das doenças mais comuns e severas, que de alguma forma atin-
ge mais de um terço da população mundial, sendo responsável por cerca de
20% de todas as mortes. O câncer não tratado é invariavelmente fatal, o diag-
nóstico e o tratamento precoce são cruciais para a cura. A identificação de pes-
soas com risco aumentado de câncer antes do desenvolvimento da doença é o
objetivo principal da pesquisa da genética do câncer.
Câncer é um nome geral utilizado para descrever doenças que envolvem
proliferação descontrolada de células (neoplasias) que acabam produzindo
massas celulares ou tumores (neoplasmas). Para que um neoplasma se torne
um câncer (tumor maligno) é necessário que o seu crescimento tenha perdido
o controle e o tumor é capaz de invadir os tecidos vizinhos (metástase), se espa-
lhando para locais mais distantes. Os tumores que não apresentam a capacida-
de de invasão ou de produzirem metástases são chamados de benignos.
Existem três tipos principais de canceres: sarcomas, nos quais os tumores
são originados de células de tecidos mesenquimais, como ossos, músculos,
tecidos conjuntivos ou de tecidos nervosos; carcinomas, derivados de células
epiteliais, como as que revestem o intestino, brônquios e dutos mamários; e os
neoplasmas hematopoiéticos e linfoides, como as leucemias e o linfomas, que
se espalham da medula óssea, sistema linfático e sangue periférico. Em cada
um dos grupos principais os canceres são classificados segundo o local de sur-
gimento, tipo de tecido, aparência histológica e grau de malignidade.

4.3.1  Base Genética do Câncer

As neoplasias ocorrem por um desbalanço entre a proliferação celular e a remo-


ção celular por morte celular programada (apoptose). O câncer se desenvolve
por mutações em um ou vários genes que regulam o crescimento celular e a

160 • capítulo 4
apoptose. Os canceres são decorrentes de síndromes hereditárias, a mutação
inicial que causa câncer é herdada através da linhagem germinativa e conse-
quentemente presente em cada célula do corpo. Uma grande proporção dos
canceres é de origem esporádica, originam de mutações que ocorrem em uma
única célula somática, que perde o controle de seu crescimento e acaba desen-
volvendo o câncer. Não é surpreendente o surgimento de canceres a partir de
células somáticas, pois elas sofrem um número imenso de divisões celulares
para produzirem o organismo adulto, com aproximadamente 1014 células a
partir de uma única célula zigótica. Como a taxa erro da DNA polimerase é um
erro a cada 1010 bases por divisão celular, e o número de divisões celulares de
1015 durante o tempo de vida de um adulto, resultariam em algumas centenas
de mutações no genoma de cada célula do organismo. Essas mutações podem
atingir qualquer gene, e se atingir um responsável pelo controle do crescimen-
to celular, pode gerar uma célula cancerosa.
Os genes mutados no câncer não possuem maior probabilidade de serem
herdados do que outros genes, uma boa parte das mutações provoca a morte,
ou a perda de função das células somáticas, mas este efeito não é manifesta-
do, devido a imensa quantidade de células no tecido, que podem substituí-la.
Mas as mutações que transformam uma célula normal em cancerosa induzem
a proliferação destas células anormais, a um ponto que pode ameaçar a vida.
Uma parte dos genes envolvidos no câncer incluem genes que não codifi-
cam proteínas, mas são transcritos em RNAs que possuem funções regulató-
rias, como os microRNAs (miRNAs). Em humanos são estimadas cerca de 250
miRNAs que atuam na inibição da expressão de seus genes alvos que codificam
proteínas, que pode ser feita através do bloqueio as tradução ou induzindo a
degradação dos mRNAs alvo. Em vários tumores foram encontrados aproxi-
madamente 10% de miRNA com sua expressão aumentada (superexpressa) ou
inibida, algumas vezes tão significativamente que estes miRNAs passaram a
serem chamados de oncomirs. Por exemplo, no tumor cerebral glioblastoma
multiforme foi encontrado que o miRNA miR-21 possuía sua expressão aumen-
tada ao redor de 100 vezes em comparação com a expressão normal.
A superexpressão de alguns miRNAs pode anular a função de genes supres-
sores de tumores, e a inibição de outros miRNAs podem permitir a superex-
pressão de genes que induzem a formação de tumores (oncogenes). Cada um
dos miRNA podem regular até mais de 200 genes alvo diferentes, deste modo
qualquer alteração do seu padrão de regulação pode ter efeitos oncogênicos
por desregularem uma grande quantidade de genes.

capítulo 4 • 161
A célula que sofreu uma mutação inicial que a tornou cancerosa acaba acu-
mulando uma série de mutações posteriores em genes que mantem a integri-
dade celular, principalmente genes que reparam danos de DNA e mantém a
normalidade citogenética. Danos nestes genes produzem uma cascata de am-
plificação de mutações em outros genes que controlam a proliferação celular e
o reparo do DNA. Desta forma, esta célula passa a atuar como uma célula-tron-
co cancerosa, que produzem clones de células instáveis. Estas células originam
uma grande quantidade de sub-linhagens com graus variados de malignidade
e com um subconjunto próprio de mutações, mesmo que algumas delas pos-
sam ser compartilhadas entre as sub-linhagens. Desta forma, o câncer pode ser
considerado uma doença genética em que as mutações são as chaves centrais
de como ele irá progredir.

4.3.2  Canceres familiares

Vários tipos de câncer possuem padrões de herança que seguem o modelo men-
deliano. São estimado cerca de 50 canceres que seguem este tipo de herança e
mais de 100 desordens mendelianas que predispõem ao câncer. Esta lista pode
ser acessada no sítio do Online Inheritance in Man (http://www.omim.org/).
Alguns estudos epidemiológicos em famílias apontam que algumas de-
las possuem risco maior de câncer do que o restante da população, mesmo
na ausência de um padrão de herança. O que sugere que muitos canceres são
doenças complexas que dependem tanto de fatores genéticos quanto fatores
ambientais.
Mesmo que as síndromes de canceres hereditários atingem menos de 5%
de todos os pacientes com câncer, análises de quais genes são responsáveis
possuem importância fundamental para o procedimento clínico das famílias
portadoras, o que pode incluir uma rotina mais intensiva de exames laborato-
riais e/ou terapias preventivas, assim como a possibilidade de compreender os
mecanismos envolvidos na doença.

4.3.3  Oncogenes

Um gene mutante que induz a um estímulo anormal à divisão e a proliferação


celular é considerado um oncogene. Os oncogenes são extremamente variados,
e incluem genes que através de mutações ganharam uma nova função a, genes

162 • capítulo 4
que sofreram mutações em seus elementos regulatórios, ou genes que tiveram
aumento do número de cópias, que provocam frequentemente o aumento na
quantidade de produtos gênicos.
Oncogenes codificam proteínas que atuam em diversas vias de controle de
crescimento celular, como receptores de fatores de crescimento (que estimu-
lam a proliferação celular) ou as proteínas que transduzem os sinais de estí-
mulo para a divisão celular, ou as proteínas que respondem a estes sinais, e
também podem ser proteínas que inibam a apoptose.

4.3.3.1  Oncogenes ativados em síndromes de canceres hereditários

A síndrome das neoplasias endócrinas múltiplas (MEN) ou síndrome de ade-


nomatose endócrina múltipla (MEA) é um grupo de síndromes hereditárias
que possuem associações de tumores benignos ou malignos endócrinos, estes
tumores podem ser funcionantes, ou seja, produzem hormônios e causam con-
sequentemente um quadro de hiperfunção hormonal. A do tipo 2 possui duas
variantes, A e B, a do tipo A é a mais comum, e envolve uma desordem autossô-
mica dominante que apresenta alta incidência de carcinoma da região interna
(medula) da tireoide, que pode ser associado com feocromocitoma (tumores
raros que se desenvolvem na medula das glândulas suprarrenais), adenomas
benignos da paratireoide, ou ambos. Pacientes que portam o tipo mais raro (B),
chamado de MEN2B além de apresentarem os tumores que são apresentados
no tipo A, manifestam espessamento dos nervos e neuromas (tumores benig-
nos neurais) na superfície das mucosas da boca e lábio.
A MEN do tipo 2 é provocada por mutações do gene RET, que codifica o re-
ceptor da tirosina quinase, que atua como receptor para dois ligantes diferentes,
o neurturina (fator neurotrófico ) e fatores de crescimento derivados de células
gliais. As mutações que provocam esta síndrome são mutações pontuais que ati-
vam o receptor e induzem a fosforilação da tirosina, mesmo na ausência de seu
ligante. Esta fosforilação inicia uma cascata de mudanças em interações proteí-
na-proteínas e DNA-proteína e na atividade enzimática de muitas proteínas.

4.3.3.2  Oncogenes ativados em câncer esporádico

Um dos primeiros oncogenes ativados descoberto foi o gene mutante RAS, obti-
do de uma linhagem de carcinoma da bexiga, este gene codifica uma proteínas

capítulo 4 • 163
de uma grande família de proteínas que se ligam à guanosina trifosfato (GTP),
que são as proteínas G. Estas proteínas atuam como um interruptor que pode
ativar ou inibir moléculas da cascata de ativação quando nelas está ligado o
GTP, mas interrompem a sua atividade após quebra do GTP pela enzima GTPa-
se, formando guanosina difosfato.
A diferença entre o oncogene ativado e o proto-oncogene é de apenas um
único nucleotídeo, esta mutação pontual em células somáticas gera a produção
de uma proteína RAS anormal que é capaz de sinalizar continuamente, mesmo
na ausência do GTP. A atividade anormal da proteína RAS mutada estimula o
crescimento da linhagem celular, transformando-a em um tumor. O gene RAS
está envolvido em uma grande quantidade de tumores, incluindo canceres do
cólon e cerca de 90% dos carcinomas pancreáticos.

4.3.4  Ativação de oncogenes por translocação cromossômica

Os oncogenes podem surgir por alterações na estrutura dos cromossomos,


foram descritos mais de 40 oncogenes originados após translocações cromos-
sômicas, estes eventos provocam principalmente leucemias espontâneas e lin-
fomas, e mais raramente sarcomas de tecidos conjuntivos. A ativação de onco-
genes pelas translocações pode ser explicada através de quebras entre íntrons
de genes e a fusão das extremidades formando um gene que codifica uma pro-
teína quimérica (que porta segmentos de diferentes genes) com propriedades
oncogênicas. Outra causa de ativação pode ser a fusão das extremidades em
que um gene é posicionado próximo a um promotor constitutivo forte de outro
gene, alterando o padrão de expressão. Dois exemplos bem descritos de trans-
locações ativando oncogenes são as que provocam o linfoma de Burkit (tran-
loscação dos cromossomos 8 e 14) e a do linfoma de células B, que envolve a
translocação do cromossomo 18.

4.3.4.1  Leucemia crônica mielóide

Esta leucemia possui uma anormalidade cromossômica característica chamada


de cromossomo Filadélfia (Ph1), que é uma translocação recíproca envolvendo
os braços longos dos cromossomos 9 e 22. Esta translocação transfere o proto
-oncogene ABL (que codifica uma proteína quinase), da sua posição normal do
cromossomo 9 para a região do grupo de pontos de quebra (BCR), que é um gene

164 • capítulo 4
de função desconhecida localizado no cromossomo 22. A fusão dos das sequên-
cias BCR e ABL gera a síntese de uma quimérica com uma atividade tirosina qui-
nase maior do que a proteína normal, o aumento da atividade é a causa principal
da leucemia crônica, um quimioterápico que está sendo utilizado, o imatinib,
foi desenvolvido justamente para inibir a atividade desta tirosina quinase.

4.3.4.2  Linfoma de Burkitt

Este linfoma é um tumor altamente agressivo de células B adultas, com alto


endemismo em regiões africanas. Esta síndrome atinge na maioria dos casos
a mandíbula. A maioria destes linfomas envolve o proto-oncogene MYC, que é
um gene regulador que codifica um fator de transcrição, que atua na progres-
são do ciclo celular, apoptose e transformação celular. Este gene é translocado
do braço longo do cromossomo 8 para uma posição distal do locus da cadeia
pesada de imunoglobulina, no braço longo do cromossomo 14. A alteração cro-
mossômica presumivelmente une uma sequência amplificadora ou outra sequ-
ência de ativação transcricional, que são normalmente encontradas em genes
de imunoglobulinas, ao gene MYC, provocando uma superexpressão do gene
MYC e consequentemente um crescimento celular descontrolado.

4.3.4.3  Linfoma folicular de células B

Este tumor é provocado por uma translocação que atinge um gene envolvido
com a apoptose, o BCL2, que é encontrado no braço longo do cromossomo 18.
A translocação une este gene a um promotor forte e a uma sequência ampli-
ficadora de um gene da cadeia pesada da imunoglobulina no braço longo do
cromossomo 14. O gene BCL2 codifica uma proteína da membrana interna de
mitocôndrias, com forte atividade antiapoptótica em linfócitos B. A transloca-
ção provoca expressão prolongada do gene BCL2 pelo promotor da imunoglo-
bulina, gerando uma imensa expansão de linfócitos B, não por estímulo da pro-
liferação destas células, mas por inibir a morte programada delas.
A apoptose, como visto no capítulo 3, é um processo celular normal em que
as células são induzidas a sofrerem várias alterações que resultam na morte
celular. Este processo é muito importante no desenvolvimento normal do or-
ganismo, e possui papel principal no desenvolvimento do sistema imune, em
que a grande maioria dos linfócitos em desenvolvimento que está sofrendo o

capítulo 4 • 165
processo de recombinação somática será destruída, pois reagem com antíge-
nos próprios do corpo. Assim, a apoptose tem um papel protetor o desenvolvi-
mento do sistema imune e portanto, o aumento da expressão de proteínas com
atividade antiapoptótica pode resultar na expansão da população de linfócitos
e contribuindo para a progressão do linfoma.

4.3.5  Telomerase atuando como oncogene

A telomerase é uma enzima que adiciona sequências específicas e repetitivas


de DNA à extremidade 3’ dos cromossomos, onde são localizadas estruturas
cromossomais chamadas de telômeros, que possuem como função principal
estabilizar a estrutura dos cromossomos.
A atividade da telomerase é necessária devido à propriedade semiconserva-
tiva do DNA polimerase, que precisa de uma sequência da extremidade 3’da fita
molde, para parear e iniciar o processo de cópia do DNA. Como este pequeno
segmento utilizado no pareamento não é replicado, a cada processo de cópia do
DNA seria perdido um fragmento da extremidade 3’ da fita molde. Conforme as
células se diferenciam, a atividade da telomerase é reduzida em todas as células
somáticas, exceto as células que normalmente possuem alta atividade prolife-
rativa, como por exemplo, células da medula óssea.
Conforme a atividade da telomerase diminui, a cada replicação do DNA, du-
rante as divisões celulares, um segmento de 35 pares de bases é perdido, encur-
tando o telômero, após vários ciclos de replicação, a extremidade do cromosso-
mo é danificada e célula para de se dividir e entra na fase G0 do ciclo celular, e
as células entram ao final em apoptose.
Em muitos tumores a expressão da telomerase é reativada e permite que as
células tumorais proliferem indefinidamente, esta alteração pode ser provoca-
da por mutações que geram um superexpressão da telomerase.
A atividade contínua da telomerase não foi ligada diretamente como a prin-
cipal causa de canceres, mas ela é passo importante para as células tumorais
sobreviverem a seguidas divisões celulares. Atualmente a reativação da telome-
rase está sendo utilizada com uma ferramenta diagnóstica em amostras de san-
gue e células de biópsias.

166 • capítulo 4
4.3.6  Genes supressores de tumores

Além dos oncogenes, que promovem a proliferação celular, há genes que atu-
am na direção oposta, reduzindo a probabilidade de uma célula se tornar tu-
moral. Os genes supressores de tumores codificam proteínas que atuam na re-
gulação do ciclo celular e apoptose, consequentemente inibindo a formação de
tumores. Mutações que provocam perda de função de genes supressores de tu-
mores contribuem para o desenvolvimento de tumores pela anulação do efeito
inibidor destes genes. Os genes supressores de tumores são altamente hetero-
gêneos, uma subclasse deles, os genes “zeladores” está envolvida no reparo de
danos do DNA ou de quebras cromossômicas, e quando estes genes possuem
sua atividade interrompida, propiciam as células a se tornarem cancerosas in-
diretamente, pois permitem um acúmulo de mutações tanto em proto-oncoge-
nes como outros tipos de genes supressores de tumores.

4.3.6.1  Origem do câncer em dois passos

Os tumores provocados por mutações em genes supressores de tumores podem


ocorrer tanto na foram esporádica quanto na hereditária. Como exemplo, a for-
ma hereditária do câncer infantil retinoblastoma pode ser provocada quando
uma célula germinativa heterozigota para uma mutação do gene supressor de
tumor retinoblastoma, sofre um segundo evento somático que acaba inativan-
do a única cópia funcional do gene, dando origem ao tumor. Nos casos esporá-
dicos de retinoblastoma, ambas as cópias do gene retinoblastoma devem ser
inativadas na mesma célula.
O modelo de dois passos explica a maioria dos canceres familiares, incluin-
do além do retinoblastoma, a polipose familiar, câncer de mama familiar,
neurofibromatose do tipo 1, carcinoma não polipomatoso do cólon e um raro
câncer familiar denominado de Li-Fraumeni. Em todos estes casos um segun-
do passo é necessário, mas não necessariamente ele deve ser uma mutação,
algumas modificações epigenéticas que provocam o silenciamento de genes
supressores de tumores, como a metilação do DNA, que torna a cromatina in-
disponível para os fatores de transcrição. Como a metilação do DNA é transmi-
tida de modo estável pela mitose, ela pode atuar como uma mutação, embora
não há alteração genética, a expressão do gene é impactada.

capítulo 4 • 167
4.3.6.2  Genes supressores de tumor “porteiros” em síndromes cancerosas
autossômicas dominantes

Retinoblastoma

Cerca de 40% dos casos de retinoblastoma são hereditários, e as crianças por-


tadoras da doença possuem um alelo mutante do lócus retinoblastoma (RB1)
na linhagem germinativa. Após uma mutação em uma célula somática ou ou-
tra alteração que provoque a perda de função do único lócus funcional, desen-
cadeando o desenvolvimento de tumores. Esta desordem possui padrão de
herança dominante, pois a grande taxa de proliferação e o grande número de
células primordiais torna altamente provável o surgimento de mutações so-
máticas ocorrerem em um dos mais de 106 retinoblastos. Assim a chance de
um segundo passo é tão alto que em crianças heterozigotas, podem ter mais
de uma célula afetada, o que faz com que elas sejam afetadas com múltiplos
tumores, que frequentemente atingem os dois olhos.
Os 60% dos casos restantes de retinoblastoma são de origem esporádicas,
neles ambos os alelos RB1 em uma única célula retinal foram independente-
mente inativados, como a ocorrência de duas mutações no mesmo gene é um
evento raro, assim a forma esporádica tende a se manifestar em apenas em um
dos olhos.
Nos indivíduos heterozigotos que portam o retinoblastoma hereditário, ao
sofrerem mutação no alelo normal RB1, perdem a heterozigosidade o que leva
o desenvolvimento de tumores. O processo de perda de heterozigosidade (LOH)
pode ser decorrente de deleções no interior do gene, recombinação mitótica
ou não disjunção. O LOH é o mecanismo mais comum no qual o alelo normal
de RB1 é perdido nos heterozigotos. Nos casos onde não é detectado o LOH, o
segundo passo é normalmente decorrente de uma segunda mutação somáti-
ca do gene, ou inativação transcricional do alelo no normal pelo processo de
metilação.
O LOH é encontrado em muitos tumores, tanto em herdáveis quanto em
esporádicos, e é considerado uma evidência para canceres produzidos por mu-
tações em genes supressores de tumores, mesmo quando a função do gene não
é conhecida.

168 • capítulo 4
CONEXÃO
A foto que salvou uma menina
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/05/110509_brilho_bebe_cancer_bg.shtml

Síndrome de Li-Fraumeni

É raro caso de câncer familiar com padrão de herança autossômico domi-


nante, caracterizada pela predisposição a diferentes formas de canceres, in-
cluindo os de tecidos moles, ossos, cerebrais, mama, carcinomas adrenocorti-
cais e leucemia. Os tumores se manifestam muito precocemente e um mesmo
indivíduo pode sofrer de múltiplos canceres por toda sua vida.
Do mesmo modo que ocorre com o retinoblastoma hereditário uma das
mutações necessárias para a ocorrência da doença está presente na linhagem
germinativa nas famílias que portam a síndrome, e os tumores esporádicos são
decorrentes de mutações somáticas.
O fenótipo altamente variável é provocado principalmente pela inativação
do gene supressor de tumor p53. A proteína codificada pelo gene p53 atua em
muitas funções repressoras de tumores, como a apoptose, estabilidade genô-
mica e inibição da angiogênese (processo de formação de vasos sanguíneos).
A proteína p53 é capaz de se ligar ai DNA e atua como um fator de transcrição
que ativa a transcrição de genes que param o ciclo celular e permitem o reparo
de danos do DNA, e caso o dano não seja reparável, ela induz a apoptose. Desta
forma, a perda da função da p53 irá permitir que células com danos no DNA
sobrevivam e continuem a se dividir, o que propicia que o a propagação de mu-
tações potencialmente oncogênicas.

4.3.6.3  Genes “zeladores” em síndromes cancerosas autossômicas dominantes

O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo, e


ocorre tanto em homens e mulheres, mas com uma incidência muito mais alta
nas mulheres. No Brasil foram estimados cerca de 57.000 novos casos em 2014,
e o número de mortes em 2011 foram de 13.345 (120 homens e 13.225 mulhe-
res), segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCRA).

capítulo 4 • 169
O câncer de mama apresenta um forte componente genético, em que mu-
lheres que possuem um dos irmãos afetados possuem o risco de desenvolve-
rem a doença aumentado em três vezes, e se possuírem um dos pais afetado o
risco é elevado em 10 vezes. O risco é mais elevado ainda se o parente afetado
manifesta a doença antes dos 40 anos de idade.
Apesar de uma porcentagem razoável (20%) dos casos de câncer de mama
apresentar um significativo componente genético como parte de modo mul-
tigênico ou multifatorial de herança, uma pequena proporção dos casos apre-
senta uma predisposição com padrão mendeliano dominante. Famílias que
possuem este tipo herança apresentam vários indivíduos afetados, com mani-
festação precoce da doença e frequentemente nas duas mamas, e câncer em
outros tecidos como próstata e ovários.
Em estudos de ligação genética de famílias que manifestam precocemente
a doença encontraram mutações em dois genes que aumentavam a predispo-
sição ao câncer de mama, um presente no braço longo do cromossomo 17, o
BRCA1 e outro no braço longo do cromossomo 13, o BRCA2. O BRCA1 é respon-
sável por metade e o BRCA2 por um terço dos casos de câncer de mama que
possuem padrão de herança autossômica dominante, mas estes cânceres per-
fazem menos de 5% de todos os canceres de mama na população.
Foram catalogados muitos alelos mutantes para os genes BRCA1 e BRCA2
que foram associados também com um aumento significante do risco de
câncer de ovário em mulheres heterozigotas. Em homens mutações no gene
BRCA1 são responsáveis por até 20% dos casos de câncer de mama, que atinge
ao redor de 0.1% de todos os homens.
BRCA 1 e 2 são genes supressores de tumor responsáveis pela reparação de
danos de DNA e destruição das células cujo DNA não pode ser reparado. Eles
estão envolvidos no reparo de danos cromossômicos que sofreram quebra du-
pla das fitas. Se estes genes estão danificados, o dano do DNA não é reparado
adequadamente e isto aumento o risco de mutações em oncogenes, aumento
a predisposição ao câncer. Como ocorre com genes supressores de tumores,
os portadores heterozigotos de BRCA1 e BRCA2 mutados frequentemente de-
monstram LOH com perda de função do alelo normal.
Em estudos epidemiológicos sobre o risco de câncer de mulheres hetero-
zigotas para os alelos mutantes BRCA1 e BRCA2 foi estimado em 45% e 60%
até a idade de 70 anos, os primeiros estudos, na década de 1970, quando es-
tudaram o risco das mulheres heterozigotas de famílias que desenvolveram a

170 • capítulo 4
doença, o risco foi estimado em 80%. A diferença na estimativa do risco pode
ser explicada pela presença de outros fatores genéticos e ambientais que po-
dem atuar na penetrância das mutações em BRCA1 e BRCA2 nas mulheres
heterozigotas.

Câncer do cólon familiar

Polipose familiar coli

É um câncer colorretal maligno do tecido epitelial do cólon e reto, sendo


uma das causas mais comuns de câncer. Uma pequena proporção dos casos de
câncer do cólon é causada pela polipose adenomatosa familiar (FAP), que pos-
sui uma incidência de 1 a cada 8.000 pessoas. Esta doença é caracterizada pela
formação de múltiplos pólipos benignos (não cancerosos) adenomatosos (tu-
mor em glândula secretória) que possuem uma aparência de um tapete denso.
Estes pólipos desenvolvem logo nas duas primeiras décadas de vida, e alguns
deles podem se tornarem malignos. Como a doença e autossômica dominante,
parentes próximos devem fazer colonoscopia periodicamente.
O gene responsável pela FAP é o APC , presente no braço longo do cromos-
somo 5, sendo um gene supressor de tumor que contra o crescimento e a morte
celular. Ele codifica uma proteína citoplasmática que regula outra proteína, a
β-catenina, que possui uma dupla função, ela atua como uma ligação da porção
citoplasmática de moléculas de adesão celular transmembrana (como as cade-
rinas) e o citoesqueleto de actina e atua também como um ativador de transcri-
ção. Normalmente a proteína FAP induz a fosforilação e consequente degrada-
ção de qualquer β-catenina que não estiver ligada, mantendo estas proteínas
em baixas concentrações, a perda da função da proteína APC leva a um acúmu-
lo de β-cateninas livres no citoplasma, que são tranlocadas para o núcleo onde
elas irão ativara transcrição de genes de proliferação celular, incluindo o gene
MYC, que é o gene afetado no linfoma de Burkitt.

4.3.6.4  Genes “zeladores” em síndromes cancerosas autossômicas recessivas

Alterações em vias importantes da replicação do DNA, reparo, prevenção e vi-


gilância de mutações impactam significativamente o risco de mutações de vá-

capítulo 4 • 171
rios tipos. Em algumas doenças autossômicas recessivas como o xeroderma
pigmentoso, ataxia-telangiectasia, anemia de Fanconi, e a síndrome de Bloom
são decorrentes de perda de função de proteínas envolvidas nos processos
mencionados. Pacientes que possuem estas síndromes apresentam uma alta
incidência de alterações cromossômicas e mutações gênicas, com consequen-
te aumento de risco de vários tipos de canceres. Embora sejam síndromes re-
cessivas, os heterozigotos para os genes defeituosos possuem risco aumentado
para neoplasias malignas.

4.3.6.5  Linfoma heredirário com perda de expressão de genes supressores de


tumores pro-apoptóticos

Síndrome linfoproliferativa autoimune (ALPS)

Esta síndrome é caracterizada por adenopatias (aumento dos glânglios linfá-


ticos) crônicas benignas e/ou esplenomegalias (aumento do baço) associadas
à expansão anormal de um grupo raro de linfócitos T que não expressam nem
o receptor CD4, nem o CD8 (duplo negativos) , ela apresenta também quadros
de autoimunidade como trombocitopenia (redução de plaquetas) e anemia
hemolítica.
O principal gene associado à ALPS é o FAS, que codifica um receptor de-
nominado de “receptor de morte” que é localizado na superfície das células e
pertence a uma das vias da apoptose (a outra via é mitocondrial).
É uma rara doença autossômica dominante que apresenta uma anormali-
dade o mecanismo de apoptose de linfócitos, o não funcionamento do receptor
RAS resulta em em uma deficiência da sinalização da apoptose e uma expansão
massiva dos linfócitos T imaturos duplo negativos. Não é conhecida a razão
entre o bloqueio da apoptose dos linfócitos T e os linfomas, mas podem ser re-
lacionados com o aumento substancial do número de células que podem ser al-
vos para mutações e consequentemente para o surgimento de células tumorais.

4.3.6.6  Câncer e o meio ambiente

O câncer além de ser uma doença genética, originando de mutações em oncoge-


nes e genes supressores de tumores, possui um importante componente ambien-

172 • capítulo 4
tal, que inclui alimentos, radiações, compostos químicos e vírus. Como o meio
ambiente é variável, a exposição a condições que promovem tumores também
sofre variações. Por exemplo, o risco de câncer gástrico em japoneses residentes
no Japão é cerca de três vezes maiores do que em japoneses que vivem no Havaí.
Em alguns casos o meio ambiente pode atuar como um agente mutagêni-
co, promovendo mutações somáticas, que propiciam o surgimento de células
tumorais. Em trabalhos em Hiroshima e Nagasaki sobre a influência das explo-
sões nucleares e a incidência de canceres, foi constato a relação de 75% de cân-
cer de risco ambiental nestas cidades. Outra correlação observada em estudos
epidemiológicos é a incidência de câncer de cólon e uma dieta pobre em fibras.

Radiação

A radiação que possui energia suficiente para liberar elétrons de moléculas é


chamada de radiação ionizante, parte do espectro eletromagnético que possui
capacidade ionizante inclui os raios gama, raios X e ultravioleta de comprimen-
tos mais curtos. As partículas ionizantes típicas incluem as partículas alfa, beta
e nêutrons. A exposição à radiação ionizante aumento o risco de desenvolvi-
mento de canceres, pois a energia ionizante danifica o DNA, podendo ocasio-
nar mutações que consequentemente podem ativar oncogenes ou danificar
genes supressores de tumores.
Em estudos com os sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki mos-
trou uma grande latência entre a exposição e o surgimento de canceres, variando
de 5 anos para o aparecimento de leucemia a 40 anos para outros tumores.

Carcinogênicos químicos

Os primeiros estudos sobre a correlação de compostos químicos e o surgimen-


to de tumores foram iniciados no século XVIII, na Inglaterra na era industrial.
Em 1775 Percival Pott descreveu a ligação da ocorrência de Câncer escrotal en-
tre limpadores de chaminés e sua profissão. Ele concluiu que a fuligem da cha-
miné era o agente que induzia a formação de câncer nestes indivíduos.
Atualmente a exposição a muitos compostos químicos carcinogênicos
como tabaco, aditivos alimentares, carcinógenos industriais, rejeitos tóxicos,
etc. aumentou a preocupação sobre o risco de desenvolvimento de tumores
pela exposição ambiental a este compostos.

capítulo 4 • 173
Como tão variados são os compostos com atividades carcinogênicas é va-
riado o modo como eles causam tumores. Um exemplo de como um composto
químico pode contribuir para o surgimento de um câncer é a relação da inges-
tão da aflatoxina B1 e o carcinoma hepatocelular. A aflatoxina é um carcinó-
geno produzido pelo fungo Aspergillus flavus que cresce principalmente em
amendoim. A ação carcinogência da aflatoxina é decorrente de sua capacidade
de mudar uma base do gene supressor de tumor TP53 causando a tranversão da
base G para T no códon 249, convertendo um argenina em serina na proteína
final em um ponto crítico da proteína p53, que é a mesma proteína envolvida na
síndrome de Li-Fraumeni. Esta mutação provoca o aumento do crescimento ce-
lular de hepatócitos e interfere no controle de crescimento e apoptose. Embora
apenas a aflatoxina seja capaz de induzir a formação de carcinomas hepatoce-
lulares, sua combinação com infecções com hepatite B e/ou C atuam de modo
sinérgico, agravando o caso clínico.
A evidência epidemiológica relacionando as mais diversas substâncias
presentes na fumaça de cigarros e o aumento do risco de câncer de pulmão e
garganta é extensivamente demonstrada. Como exemplo, a fumaça de cigar-
ros contêm hidrocarbonetos policíclicos que são convertidos em epóxidos al-
tamente reativos que por sua vez, causam danos no DNA gerando mutações.
Apesar de conter vários compostos carcinogênicos, por que apenas alguns
fumantes desenvolvem câncer? Uma resposta para esta variação é devido à ati-
vidade da enzima aril hidrocarboneto hidroxilase (AHH), esta enzima converte
os hidrocarbonetos em uma forma molecular que pode ser mais facilmente ex-
cretada, mas que também é carcinogênica. A AHH é uma enzima que é inte-
grante da família do complexo CYP, mais especificamente do grupo CYP1A1.
Dentro deste grupo há alelos que induzem a uma alta predisposição ao câncer
de pulmão em fumantes, por outro lado, outros alelos reduzem a indutibilida-
de do fumo em causar câncer, possivelmente através da redução da atividade da
enzima AHH em produzir como produto final os compostos altamente carcino-
gênicos. Há outros genes CYPs envolvidos no metabolismo dos compostos tóxi-
cos do fumo que apresentam variações na predisposição ao câncer de pulmão,
como a CYP1A2 e a CYP2D6. De um modo geral os metabolizadores normais
e os ultra-rápidos tendem a ter uma predisposição até quatro vezes maior ao
câncer de pulmão entre os fumantes.

174 • capítulo 4
Genética do Câncer

O câncer é uma das doenças mais comuns e severas, que de alguma forma atin-
ge mais de um terço da população mundial, sendo responsável por cerca de
20% de todas as mortes. O câncer não tratado é invariavelmente fatal, o diag-
nóstico e o tratamento precoce são cruciais para a cura. A identificação de pes-
soas com risco aumentado de câncer antes do desenvolvimento da doença é o
objetivo principal da pesquisa da genética do câncer.
Câncer é um nome geral utilizado para descrever doenças que envolvem
proliferação descontrolada de células (neoplasias) que acabam produzindo
massas celulares ou tumores (neoplasmas). Para que um neoplasma se torne
um câncer (tumor maligno) é necessário que o seu crescimento tenha perdido
o controle e o tumor é capaz de invadir os tecidos vizinhos (metástase), se espa-
lhando para locais mais distantes. Os tumores que não apresentam a capacida-
de de invasão ou de produzirem metástases são chamados de benignos.
Existem três tipos principais de canceres: sarcomas, nos quais os tumores
são originados de células de tecidos mesenquimais, como ossos, músculos,
tecidos conjuntivos ou de tecidos nervosos; carcinomas, derivados de células
epiteliais, como as que revestem o intestino, brônquios e dutos mamários; e os
neoplasmas hematopoiéticos e linfoides, como as leucemias e o linfomas, que
se espalham da medula óssea, sistema linfático e sangue periférico. Em cada
um dos grupos principais os canceres são classificados segundo o local de sur-
gimento, tipo de tecido, aparência histológica e grau de malignidade.

Base Genética do Câncer

As neoplasias ocorrem por um desbalanço entre a proliferação celular e a remo-


ção celular por morte celular programada (apoptose). O câncer se desenvolve
por mutações em um ou vários genes que regulam o crescimento celular e a
apoptose. Os canceres são decorrentes de síndromes hereditárias, a mutação
inicial que causa câncer é herdada através da linhagem germinativa e conse-
quentemente presente em cada célula do corpo. Uma grande proporção dos
canceres é de origem esporádica, originam de mutações que ocorrem em uma
única célula somática, que perde o controle de seu crescimento e acaba desen-
volvendo o câncer. Não é surpreendente o surgimento de canceres a partir de
células somáticas, pois elas sofrem um número imenso de divisões celulares

capítulo 4 • 175
para produzirem o organismo adulto, com aproximadamente 1014 células a
partir de uma única célula zigótica. Como a taxa erro da DNA polimerase é um
erro a cada 1010 bases por divisão celular, e o número de divisões celulares de
1015 durante o tempo de vida de um adulto, resultariam em algumas centenas
de mutações no genoma de cada célula do organismo. Essas mutações podem
atingir qualquer gene, e se atingir um responsável pelo controle do crescimen-
to celular, pode gerar uma célula cancerosa.
Os genes mutados no câncer não possuem maior probabilidade de serem
herdados do que outros genes, uma boa parte das mutações provoca a morte,
ou a perda de função das células somáticas, mas este efeito não é manifesta-
do, devido a imensa quantidade de células no tecido, que podem substituí-la.
Mas as mutações que transformam uma célula normal em cancerosa induzem
a proliferação destas células anormais, a um ponto que pode ameaçar a vida.
Uma parte dos genes envolvidos no câncer incluem genes que não codifi-
cam proteínas, mas são transcritos em RNAs que possuem funções regulató-
rias, como os microRNAs (miRNAs). Em humanos são estimadas cerca de 250
miRNAs que atuam na inibição da expressão de seus genes alvos que codificam
proteínas, que pode ser feita através do bloqueio as tradução ou induzindo a
degradação dos mRNAs alvo. Em vários tumores foram encontrados aproxi-
madamente 10% de miRNA com sua expressão aumentada (superexpressa) ou
inibida, algumas vezes tão significativamente que estes miRNAs passaram a
serem chamados de oncomirs. Por exemplo, no tumor cerebral glioblastoma
multiforme foi encontrado que o miRNA miR-21 possuía sua expressão aumen-
tada ao redor de 100 vezes em comparação com a expressão normal.
A superexpressão de alguns miRNAs pode anular a função de genes supres-
sores de tumores, e a inibição de outros miRNAs podem permitir a superex-
pressão de genes que induzem a formação de tumores (oncogenes). Cada um
dos miRNA podem regular até mais de 200 genes alvo diferentes, deste modo
qualquer alteração do seu padrão de regulação pode ter efeitos oncogênicos
por desregularem uma grande quantidade de genes.
A célula que sofreu uma mutação inicial que a tornou cancerosa acaba acu-
mulando uma série de mutações posteriores em genes que mantem a integri-
dade celular, principalmente genes que reparam danos de DNA e mantem a
normalidade citogenética. Danos nestes genes produzem uma cascata de am-
plificação de mutações em outros genes que controlam a proliferação celular e
o reparo do DNA. Desta forma, esta célula passa a atuar como uma célula-tron-
co cancerosa, que produzem clones de células instáveis. Estas células originam

176 • capítulo 4
uma grande quantidade de sub-linhagens com graus variados de malignidade
e com um subconjunto próprio de mutações, mesmo que algumas delas pos-
sam ser compartilhadas entre as sub-linhagens. Desta forma, o câncer pode ser
considerado uma doença genética em que as mutações são as chaves centrais
de como ele irá progredir.

Canceres familiares

Vários tipos de câncer possuem padrões de herança que seguem o modelo men-
deliano. São estimado cerca de 50 canceres que seguem este tipo de herança e
mais de 100 desordens mendelianas que predispõem ao câncer. Esta lista pode
ser acessada no sítio do Online Inheritance in Man (http://www.omim.org/).
Alguns estudos epidemiológicos em famílias apontam que algumas delas
possuem risco maior de câncer do que o restante da população, mesmo não
ausência de um padrão de herança. O que sugere que muitos canceres são
doenças complexas que dependem tanto de fatores genéticos quanto fatores
ambientais.
Mesmo que as síndromes de canceres hereditários atingem menos de 5%
de todos os pacientes com câncer, análises de quais genes são responsáveis
possuem importância fundamental para o procedimento clínico das famílias
portadoras, o que pode incluir uma rotina mais intensiva de exames laborato-
riais e/ou terapias preventivas, assim como a possibilidade de compreender os
mecanismos envolvidos na doença.

Oncogenes

Um gene mutante que induz a um estímulo anormal à divisão e a proliferação


celular é considerado um oncogene. Os oncogenes são extremamente variados,
e incluem genes que através de mutações ganharam uma nova função a, genes
que sofreram mutações em seus elementos regulatórios, ou genes que tiveram
aumento do número de cópias, que provocam frequentemente o aumento na
quantidade de produtos gênicos.
Oncogenes codificam proteínas que atuam em diversas vias de controle de
crescimento celular, como receptores de fatores de crescimento (que estimu-
lam a proliferação celular) ou as proteínas que transduzem os sinais de estí-
mulo para a divisão celular, ou as proteínas que respondem a estes sinais, e
também podem ser proteínas que inibam a apoptose.

capítulo 4 • 177
Oncogenes ativados em síndromes de canceres hereditários

A síndrome das neoplasias endócrinas múltiplas (MEN) ou síndrome de ade-


nomatose endócrina múltipla (MEA) é um grupo de síndromes hereditárias
que possuem associações de tumores benignos ou malignos endócrinos, estes
tumores podem ser funcionantes, ou seja, produzem hormônios e causam con-
sequentemente um quadro de hiperfunção hormonal. A do tipo 2 possui duas
variantes, A e B, a do tipo A é a mais comum, e envolve uma desordem autossô-
mica dominante que apresenta alta incidência de carcinoma da região interna
(medula) da tireoide, que pode ser associado com feocromocitoma (tumores
raros que se desenvolvem na medula das glândulas suprarrenais), adenomas
benignos da paratireoide, ou ambos. Pacientes que portam o tipo mais raro (B),
chamado de MEN2B além de apresentarem os tumores que são apresentados
no tipo A, manifestam espessamento dos nervos e neuromas (tumores benig-
nos neurais) na superfície das mucosas da boca e lábio.
A MEN do tipo 2 é provocada por mutações do gene RET, que codifica o re-
ceptor da tirosina quinase, que atua como receptor para dois ligantes diferentes,
o neurturina (fator neurotrófico) e fatores de crescimento derivados de células
gliais. As mutações que provocam esta síndrome são mutações pontuais que ati-
vam o receptor e induzem a fosforilação da tirosina, mesmo na ausência de seu
ligante. Esta fosforilação inicia uma cascata de mudanças em interações proteí-
na-proteínas e DNA-proteína e na atividade enzimática de muitas proteínas.

Oncogenes ativados em câncer esporádico

Um dos primeiros oncogenes ativados descoberto foi o gene mutante RAS, obti-
do de uma linhagem de carcinoma da bexiga, este gene codifica uma proteínas
de uma grande família de proteínas que se ligam à guanosina trifosfato (GTP),
que são as proteínas G. Estas proteínas atuam como um interruptor que pode
ativar ou inibir moléculas da cascata de ativação quando nelas está ligado o
GTP, mas interrompem a sua atividade após quebra do GTP pela enzima GTPa-
se, formando guanosina difosfato.
A diferença entre o oncogene ativado e o proto-oncogene é de apenas um
único nucleotídeo, esta mutação pontual em células somáticas gera a produção
de uma proteína RAS anormal que é capaz de sinalizar continuamente, mesmo

178 • capítulo 4
na ausência do GTP. A atividade anormal da proteína RAS mutada estimula o
crescimento da linhagem celular, transformando-a em um tumor. O gene RAS
está envolvido em uma grande quantidade de tumores, incluindo canceres do
cólon e cerca de 90% dos carcinomas pancreáticos.

Ativação de oncogenes por translocação cromossômica

Os oncogenes podem surgir por alterações na estrutura dos cromossomos,


foram descritos mais de 40 oncogenes originados após translocações cromos-
sômicas, estes eventos provocam principalmente leucemias espontâneas e lin-
fomas, e mais raramente sarcomas de tecidos conjuntivos. A ativação de onco-
genes pelas translocações pode ser explicada através de quebras entre íntrons
de genes e a fusão das extremidades formando um gene que codifica uma pro-
teína quimérica (que porta segmentos de diferentes genes) com propriedades
oncogênicas. Outra causa de ativação pode ser a fusão das extremidades em
que um gene é posicionado próximo a um promotor constitutivo forte de outro
gene, alterando o padrão de expressão. Dois exemplos bem descritos de trans-
locações ativando oncogenes são as que provocam o linfoma de Burkit (tran-
loscação dos cromossomos 8 e 14) e a do linfoma de células B, que envolve a
translocação do cromossomo 18.

Leucemia crônica mielóide

Esta leucemia possui uma anormalidade cromossômica característica chamada


de cromossomo Filadélfia (Ph1), que é uma translocação recíproca envolvendo os
braços longos dos cromossomos 9 e 22. Esta translocação transfere o proto-on-
cogene ABL (que codifica uma proteína quinase), da sua posição normal do cro-
mossomo 9 para a região do grupo de pontos de quebra (BCR), que é um gene de
função desconhecida localizado no cromossomo 22. A fusão dos das sequências
BCR e ABL gera a síntese de uma quimérica com uma atividade tirosina quinase
maior do que a proteína normal, o aumento da atividade é a causa principal da
leucemia crônica, um quimioterápico que está sendo utilizado, o imatinib, foi
desenvolvido justamente para inibir a atividade desta tirosina quinase.

capítulo 4 • 179
Linfoma de Burkitt

Este linfoma é um tumor altamente agressivo de células B adultas, com alto


endemismo em regiões africanas. Esta síndrome atinge na maioria dos casos
a mandíbula. A maioria destes linfomas envolve o proto-oncogene MYC, que é
um gene regulador que codifica um fator de transcrição, que atua na progres-
são do ciclo celular, apoptose e transformação celular. Este gene é translocado
do braço longo do cromossomo 8 para uma posição distal do locus da cadeia
pesada de imunoglobulina, no braço longo do cromossomo 14. A alteração cro-
mossômica presumivelmente une uma sequência amplificadora ou outra sequ-
ência de ativação transcricional, que são normalmente encontradas em genes
de imunoglobulinas, ao gene MYC, provocando uma superexpressão do gene
MYC e consequentemente um crescimento celular descontrolado.

Linfoma folicular de células B

Este tumor é provocado por uma translocação que atinge um gene envolvido
com a apoptose, o BCL2, que é encontrado no braço longo do cromossomo 18.
A translocação une este gene a um promotor forte e a uma sequência ampli-
ficadora de um gene da cadeia pesada da imunoglobulina no braço longo do
cromossomo 14. O gene BCL2 codifica uma proteína da membrana interna de
mitocôndrias, com forte atividade antiapoptótica em linfócitos B. A transloca-
ção provoca expressão prolongada do gene BCL2 pelo promotor da imunoglo-
bulina, gerando uma imensa expansão de linfócitos B, não por estímulo da pro-
liferação destas células, mas por inibir a morte programada delas.
A apoptose, como visto no capítulo 3, é um processo celular normal em que
as células são induzidas a sofrerem várias alterações que resultam na morte
celular. Este processo é muito importante no desenvolvimento normal do or-
ganismo, e possui papel principal no desenvolvimento do sistema imune, em
que a grande maioria dos linfócitos em desenvolvimento que está sofrendo o
processo de recombinação somática será destruída, pois reagem com antíge-
nos próprios do corpo. Assim, a apoptose tem um papel protetor o desenvolvi-
mento do sistema imune e portanto, o aumento da expressão de proteínas com
atividade antiapoptótica pode resultar na expansão da população de linfócitos
e contribuindo para a progressão do linfoma.

180 • capítulo 4
Telomerase atuando como oncogene

A telomerase é uma enzima que adiciona sequências específicas e repetitivas


de DNA à extremidade 3’ dos cromossomos, onde são localizadas estruturas
cromossomais chamadas de telômeros, que possuem como função principal
estabilizar a estrutura dos cromossomos.
A atividade da telomerase é necessária devido à propriedade semiconserva-
tiva do DNA polimerase, que precisa de uma sequência da extremidade 3’da fita
molde, para parear e iniciar o processo de cópia do DNA. Como este pequeno
segmento utilizado no pareamento não é replicado, a cada processo de cópia do
DNA seria perdido um fragmento da extremidade 3’ da fita molde. Conforme as
células se diferenciam, a atividade da telomerase é reduzida em todas as células
somáticas, exceto as células que normalmente possuem alta atividade prolife-
rativa, como por exemplo, células da medula óssea.
Conforme a atividade da telomerase diminui, a cada replicação do DNA, du-
rante as divisões celulares, um segmento de 35 pares de bases é perdido, encur-
tando o telômero, após vários ciclos de replicação, a extremidade do cromosso-
mo é danificada e a célula para de se dividir e entra na fase G0 do ciclo celular, e
as células entram ao final em apoptose.
Em muitos tumores a expressão da telomerase é reativada e permite que as
células tumorais proliferem indefinidamente, esta alteração pode ser provoca-
da por mutações que geram um superexpressão da telomerase.
A atividade contínua da telomerase não foi ligada diretamente como a prin-
cipal causa de canceres, mas ela é passo importante para as células tumorais
sobreviverem a seguidas divisões celulares. Atualmente a reativação da telome-
rase está sendo utilizada com uma ferramenta diagnóstica em amostras de san-
gue e células de biópsias.

Genes supressores de tumores

Além dos oncogenes, que promovem a proliferação celular, há genes que atu-
am na direção oposta, reduzindo a probabilidade de uma célula se tornar tu-
moral. Os genes supressores de tumores codificam proteínas que atuam na re-
gulação do ciclo celular e apoptose, consequentemente inibindo a formação de
tumores. Mutações que provocam perda de função de genes supressores de tu-
mores contribuem para o desenvolvimento de tumores pela anulação do efeito

capítulo 4 • 181
inibidor destes genes. Os genes supressores de tumores são altamente hetero-
gêneos, uma subclasse deles, os genes “zeladores” está envolvida no reparo de
danos do DNA ou de quebras cromossômicas, e quando estes genes possuem
sua atividade interrompida, propiciam as células a se tornarem cancerosas in-
diretamente, pois permitem um acúmulo de mutações tanto em proto-oncoge-
nes como outros tipos de genes supressores de tumores.

Origem do câncer em dois passos

Os tumores provocados por mutações em genes supressores de tumores podem


ocorrer tanto na foram esporádica quanto na hereditária. Como exemplo, a for-
ma hereditária do câncer infantil retinoblastoma pode ser provocada quando
uma célula germinativa heterozigota para uma mutação do gene supressor de
tumor retinoblastoma, sofre um segundo evento somático que acaba inativan-
do a única cópia funcional do gene, dando origem ao tumor. Nos casos esporá-
dicos de retinoblastoma, ambas as cópias do gene retinoblastoma devem ser
inativadas na mesma célula.
O modelo de dois passos explica a maioria dos canceres familiares, incluin-
do além do retinoblastoma, a polipose familiar, câncer de mama familiar, neu-
rofibromatose do tipo 1, carcinoma não polipomatoso do cólon e uma raro
câncer familiar denominado de Li-Fraumeni. Em todos estes casos um segun-
do passo é necessário, mas não necessariamente ele deve ser uma mutação,
algumas modificações epigenéticas que provocam o silenciamento de genes
supressores de tumores, como a metilação do DNA, que torna a cromatina in-
disponível para os fatores de transcrição. Como a metilação do DNA é transmi-
tida de modo estável pela mitose, ela pode atuar como uma mutação, embora
não há alteração genética, a expressão do gene é impactada.

Genes supressores de tumor “porteiros” em síndromes cancerosas


autossômicas dominantes

Retinoblastoma

Cerca de 40% dos casos de retinoblastoma são hereditários, e as crianças por-


tadoras da doença possuem um alelo mutante do lócus retinoblastoma (RB1)
na linhagem germinativa. Após uma mutação em uma célula somática ou outra

182 • capítulo 4
alteração que provoque a perda de função do único lócus funcional, desencade-
ando o desenvolvimento de tumores. Esta desordem possui padrão de herança
dominante, pois a grande taxa de proliferação e o grande número de células pri-
mordiais torna altamente provável o surgimento de mutações somáticas ocor-
rerem em um dos mais de 106 retinoblastos. Assim a chance de um segundo
passo é tão alto que em crianças heterozigotas, podem ter mais de uma célula
afetada, o que faz com que elas sejam afetadas com múltiplos tumores, que
frequentemente atingem os dois olhos.
Os 60% dos casos restantes de retinoblastoma são de origem esporádicas,
neles ambos os alelos RB1 em uma única célula retinal foram independente-
mente inativados, como a ocorrência de duas mutações no mesmo gene é um
evento raro, assim a forma esporádica tende a se manifestar em apenas em um
dos olhos.
Nos indivíduos heterozigotos que portam o retinoblastoma hereditário, ao
sofrerem mutação no alelo normal RB1, perdem a heterozigosidade o que leva
o desenvolvimento de tumores. O processo de perda de heterozigosidade (LOH)
pode ser decorrente de deleções no interior do gene, recombinação mitótica
ou não disjunção. O LOH é o mecanismo mais comum no qual o alelo normal
de RB1 é perdido nos heterozigotos. Nos casos onde não é detectado o LOH, o
segundo passo é normalmente decorrente de uma segunda mutação somáti-
ca do gene, ou inativação transcricional do alelo no normal pelo processo de
metilação.
O LOH é encontrado em muitos tumores, tanto em herdáveis quanto em
esporádicos, e é considerado uma evidência para canceres produzidos por mu-
tações em genes supressores de tumores, mesmo quando a função do gene não
é conhecida.

CONEXÃO
A foto que salvou uma menina
http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/05/110509_brilho_bebe_cancer_bg.sht-
ml

capítulo 4 • 183
Síndrome de Li-Fraumeni

É raro caso de câncer familiar com padrão de herança autossômico dominante,


caracterizada pela predisposição a diferentes formas de canceres, incluindo os
de tecidos moles, ossos, cerebrais, mama, carcinomas adrenocorticais e leuce-
mia. Os tumores se manifestam muito precocemente e um mesmo indivíduo
pode sofrer de múltiplos canceres por toda sua vida.
Do mesmo modo que ocorre com o retinoblastoma hereditário uma das
mutações necessárias para a ocorrência da doença está presente na linhagem
germinativa nas famílias que portam a síndrome, e os tumores esporádicos são
decorrentes de mutações somáticas.
O fenótipo altamente variável é provocado principalmente pela inativação
do gene supressor de tumor p53. A proteína codificada pelo gene p53 atua em
muitas funções repressoras de tumores, como a apoptose, estabilidade genô-
mica e inibição da angiogênese (processo de formação de vasos sanguíneos).
A proteína p53 é capaz de se ligar ai DNA e atua como um fator de transcrição
que ativa a transcrição de genes que param o ciclo celular e permitem o reparo
de danos do DNA, e caso o dano não seja reparável, ela induz a apoptose. Desta
forma, a perda da função da p53 irá permitir que células com danos no DNA
sobrevivam e continuem a se dividir, o que propicia que o a propagação de mu-
tações potencialmente oncogênicas.

Genes “zeladores” em síndromes cancerosas autossômicas


dominantes

O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo, e


ocorre tanto em homens e mulheres, mas com uma incidência muito mais alta
nas mulheres. No Brasil foram estimados cerca de 57.000 novos casos em 2014,
e o número de mortes em 2011 foram de 13.345 (120 homens e 13.225 mulhe-
res), segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCRA).
O câncer de mama apresenta um forte componente genético, em que mu-
lheres que possuem um dos irmãos afetados possuem o risco de desenvolve-
rem a doença aumentado em três vezes, e se possuírem um dos pais afetado o
risco é elevado em 10 vezes. O risco é mais elevado ainda se o parente afetado
manifesta a doença antes dos 40 anos de idade.

184 • capítulo 4
Apesar de uma porcentagem razoável (20%) dos casos de câncer de mama
apresentar um significativo componente genético como parte de modo mul-
tigênico ou multifatorial de herança, uma pequena proporção dos casos apre-
senta uma predisposição com padrão mendeliano dominante. Famílias que
possuem este tipo herança apresentam vários indivíduos afetados, com mani-
festação precoce da doença e frequentemente nas duas mamas, e câncer em
outros tecidos como próstata e ovários.
Em estudos de ligação genética de famílias que manifestam precocemente
a doença encontraram mutações em dois genes que aumentavam a predispo-
sição ao câncer de mama, um presente no braço longo do cromossomo 17, o
BRCA1 e outro no braço longo do cromossomo 13, o BRCA2. O BRCA1 é res-
ponsável por metade e o BRCA2 por um terço dos casos de câncer de mama
que possuem padrão de herança autossômica dominante, mas estes cânceres
perfazem menos de 5% de todos os canceres de mama na população.
Foram catalogados muitos alelos mutantes para os genes BRCA1 e BRCA2
que foram associados também com um aumento significante do risco de cân-
cer de ovário em mulheres heterozigotas. Em homens mutações no gene BRCA1
são responsáveis por até 20% dos casos de câncer de mama, que atinge ao redor
de 0.1% de todos os homens.
BRCA 1 e 2 são genes supressores de tumor responsáveis pela reparação de
danos de DNA e destruição das células cujo DNA não pode ser reparado. Eles
estão envolvidos no reparo de danos cromossômicos que sofreram quebra du-
pla das fitas. Se estes genes estão danificados, o dano do DNA não é reparado
adequadamente e isto aumento o risco de mutações em oncogenes, aumento
a predisposição ao câncer. Como ocorre com genes supressores de tumores,
os portadores heterozigotos de BRCA1 e BRCA2 mutados frequentemente de-
monstram LOH com perda de função do alelo normal.
Em estudos epidemiológicos sobre o risco de câncer de mulheres heterozi-
gotas para os alelos mutantes BRCA1 e BRCA2 foi estimado em 45% e 60% até a
idade de 70 anos, os primeiros estudos, na década de 1970, quando estudaram
o risco das mulheres heterozigotas de famílias que desenvolveram a doença,
o risco foi estimado em 80%. A diferença na estimativa do risco pode ser expli-
cada pela presença de outros fatores genéticos e ambientais que podem atuar
na penetrância das mutações em BRCA1 e BRCA2 nas mulheres heterozigotas.

capítulo 4 • 185
Câncer do cólon familiar

Polipose familiar coli

É um câncer colorretal maligno do tecido epitelial do cólon e reto, sendo uma


das causas mais comuns de câncer. Uma pequena proporção dos casos de cân-
cer do cólon é causada pela polipose adenomatosa familiar (FAP), que possui
uma incidência de 1 a cada 8.000 pessoas. Esta doença é caracterizada pela for-
mação de múltiplos pólipos benignos (não cancerosos) adenomatosos (tumor
em glândula secretória) que possuem uma aparência de um tapete denso. Estes
pólipos desenvolvem logo nas duas primeiras décadas de vida, e alguns deles
podem se tornarem malignos. Como a doença e autossômica dominante, pa-
rentes próximos devem fazer colonoscopia periodicamente.
O gene responsável pela FAP é o APC , presente no braço longo do cromos-
somo 5, sendo um gene supressor de tumor que contra o crescimento e a morte
celular. Ele codifica uma proteína citoplasmática que regula outra proteína, a
β-catenina, que possui uma dupla função, ela atua como uma ligação da porção
citoplasmática de moléculas de adesão celular transmembrana (como as cade-
rinas) e o citoesqueleto de actina e atua também como um ativador de transcri-
ção. Normalmente a proteína FAP induz a fosforilação e consequente degrada-
ção de qualquer β-catenina que não estiver ligada, mantendo estas proteínas
em baixas concentrações, a perda da função da proteína APC leva a um acúmu-
lo de β-cateninas livres no citoplasma, que são tranlocadas para o núcleo onde
elas irão ativara transcrição de genes de proliferação celular, incluindo o gene
MYC, que é o gene afetado no linfoma de Burkitt.

Genes “zeladores” em síndromes cancerosas autossômicas


recessivas

Alterações em vias importantes da replicação do DNA, reparo, prevenção e vi-


gilância de mutações impactam significativamente o risco de mutações de vá-
rios tipos. Em algumas doenças autossômicas recessivas como o xeroderma
pigmentoso, ataxia-telangiectasia, anemia de Fanconi, e a síndrome de Bloom
são decorrentes de perda de função de proteínas envolvidas nos processos
mencionados. Pacientes que possuem estas síndromes apresentam uma alta
incidência de alterações cromossômicas e mutações gênicas, com consequen-

186 • capítulo 4
te aumento de risco de vários tipos de canceres. Embora sejam síndromes re-
cessivas, os heterozigotos para os genes defeituosos possuem risco aumentado
para neoplasias malignas.

Linfoma heredirário com perda de expressão de genes supressores


de tumores pro-apoptóticos

Síndrome linfoproliferativa autoimune (ALPS)

Esta síndrome é caracterizada por adenopatias (aumento dos glânglios linfá-


ticos) crônicas benignas e/ou esplenomegalias (aumento do baço) associadas
à expansão anormal de um grupo raro de linfócitos T que não expressam nem
o receptor CD4, nem o CD8 (duplo negativos) , ela apresenta também quadros
de autoimunidade como trombocitopenia (redução de plaquetas) e anemia
hemolítica.
O principal gene associado à ALPS é o FAS, que codifica um receptor deno-
minado de “receptor de morte” que é localizado na superfície das células e per-
tence a uma das vias da apoptose (a outra via é mitocondrial).
É uma rara doença autossômica dominante que apresenta uma anormali-
dade o mecanismo de apoptose de linfócitos, o não funcionamento do receptor
RAS resulta em em uma deficiência da sinalização da apoptose e uma expansão
massiva dos linfócitos T imaturos duplo negativos. Não é conhecida a razão
entre o bloqueio da apoptose dos linfócitos T e os linfomas, mas podem ser
relacionados com o aumento substancial do número de células que podem
ser alvos para mutações e consequentemente para o surgimento de células
tumorais.

Câncer e o meio ambiente

O câncer além de ser uma doença genética, originando de mutações em on-


cogenes e genes supressores de tumores, possui um importante componente
ambiental, que inclui alimentos, radiações, compostos químicos e vírus. Como
o meio ambiente é variável, a exposição a condições que promovem tumores
também sofre variações. Por exemplo, o risco de câncer gástrico em japoneses
residentes no Japão é cerca de três vezes maiores do que em japoneses que vi-
vem no Havaí.

capítulo 4 • 187
Em alguns casos o meio ambiente pode atuar como um agente mutagêni-
co, promovendo mutações somáticas, que propiciam o surgimento de células
tumorais. Em trabalhos em Hiroshima e Nagasaki sobre a influência das explo-
sões nucleares e a incidência de canceres, foi constato a relação de 75% de cân-
cer de risco ambiental nestas cidades. Outra correlação observada em estudos
epidemiológicos é a incidência de câncer de cólon e uma dieta pobre em fibras.

Radiação

A radiação que possui energia suficiente para liberar elétrons de moléculas é


chamada de radiação ionizante, parte do espectro eletromagnético que possui
capacidade ionizante inclui os raios gama, raios X e ultravioleta de comprimen-
tos mais curtos. As partículas ionizantes típicas incluem as partículas alfa, beta
e nêutrons. A exposição à radiação ionizante aumento o risco de desenvolvi-
mento de canceres, pois a energia ionizante danifica o DNA, podendo ocasio-
nar mutações que consequentemente podem ativar oncogenes ou danificar
genes supressores de tumores.
Em estudos com os sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki
mostrou uma grande latência entre a exposição e o surgimento de canceres,
variando de 5 anos para o aparecimento de leucemia a 40 anos para outros
tumores.

Carcinogênicos químicos

Os primeiros estudos sobre a correlação de compostos químicos e o surgimen-


to de tumores foram iniciados no século XVIII, na Inglaterra na era industrial.
Em 1775 Percival Pott descreveu a ligação da ocorrência de Câncer escrotal en-
tre limpadores de chaminés e sua profissão. Ele concluiu que a fuligem da cha-
miné era o agente que induzia a formação de câncer nestes indivíduos.
Atualmente a exposição a muitos compostos químicos carcinogênicos
como tabaco, aditivos alimentares, carcinógenos industriais, rejeitos tóxicos,
etc. aumentou a preocupação sobre o risco de desenvolvimento de tumores
pela exposição ambiental a este compostos.

188 • capítulo 4
Como tão variados são os compostos com atividades carcinogênicas é va-
riado o modo como eles causam tumores. Um exemplo de como um composto
químico pode contribuir para o surgimento de um câncer é a relação da inges-
tão da aflatoxina B1 e o carcinoma hepatocelular. A aflatoxina é um carcinó-
geno produzido pelo fungo Aspergillus flavus que cresce principalmente em
amendoim. A ação carcinogência da aflatoxina é decorrente de sua capacidade
de mudar uma base do gene supressor de tumor TP53 causando a tranversão da
base G para T no códon 249, convertendo um argenina em serina na proteína
final em um ponto crítico da proteína p53, que é a mesma proteína envolvida na
síndrome de Li-Fraumeni. Esta mutação provoca o aumento do crescimento ce-
lular de hepatócitos e interfere no controle de crescimento e apoptose. Embora
apenas a aflatoxina seja capaz de induzir a formação de carcinomas hepatoce-
lulares, sua combinação com infecções com hepatite B e/ou C atuam de modo
sinérgico, agravando o caso clínico.
A evidência epidemiológica relacionando as mais diversas substâncias
presentes na fumaça de cigarros e o aumento do risco de câncer de pulmão e
garganta é extensivamente demonstrada. Como exemplo, a fumaça de cigar-
ros contêm hidrocarbonetos policíclicos que são convertidos em epóxidos al-
tamente reativos que por sua vez, causam danos no DNA gerando mutações.
Apesar de conter vários compostos carcinogênicos, por que apenas alguns
fumantes desenvolvem câncer? Uma resposta para esta variação é devido à ati-
vidade da enzima aril hidrocarboneto hidroxilase (AHH), esta enzima converte
os hidrocarbonetos em uma forma molecular que pode ser mais facilmente ex-
cretada, mas que também é carcinogênica. A AHH é uma enzima que é inte-
grante da família do complexo CYP, mais especificamente do grupo CYP1A1.
Dentro deste grupo há alelos que induzem a uma alta predisposição ao câncer
de pulmão em fumantes, por outro lado, outros alelos reduzem a indutibilida-
de do fumo em causar câncer, possivelmente através da redução da atividade da
enzima AHH em produzir como produto final os compostos altamente carcino-
gênicos. Há outros genes CYPs envolvidos no metabolismo dos compostos tóxi-
cos do fumo que apresentam variações na predisposição ao câncer de pulmão,
como a CYP1A2 e a CYP2D6. De um modo geral os metabolizadores normais
e os ultra-rápidos tendem a ter uma predisposição até quatro vezes maior ao
câncer de pulmão entre os fumantes.

capítulo 4 • 189
Glossário

Anemia de Fanconi: doença genética que é resultante de mutações em ge-


nes responsáveis pelo reparo de DNA. A maioria dos indivíduos portadores de-
senvolve leucemia, falência da medula óssea e malformações congênitas como
anormalidades na pele, braços, cabeça, olhos rins, ouvidos. Existem mais de 17
genes ligados à doença que atingem com maior frequência judeus ashkenazi.
Ataxia-telangiectasia: é uma desordem rara que afeta o sistema imune, ner-
voso e outros sistemas. É caracterizado por ser uma desordem com progressiva
dificuldade de coordenar movimentos (ataxia) com início na infância, normal-
mente antes dos cinco anos de idade. Os indivíduos afetados possuem níveis
acima do normal da proteína alfa-fetoproteína no sangue periférico, não é co-
nhecida a razão deste aumento ou o que ele provoca nos indivíduos portadores
da síndrome.
Intudibilidade: propriedade de ser induzido a algo.
Mesênquima: tecido embrionário derivado da mesoderme, que forma os te-
cidos conjuntos (conectivo, adiposo, cartilaginoso, ósseo e o hematopoético) e
tecidos musculares.
Neoplasma: massa anormal de um tecido resultado do crescimento anormal.
Oncogenes: genes pertencentes a uma grande família cuja presença pode
causar a transformação de uma célula normal em maligna.
Oncomirs: microRNA que é associado ao câncer.
Partícula alfa: partícula resultante da emissão alfa de decaimento radioati-
vo, composta de um núcleo de hélio (dois nêutrons e dois prótons).
Partícula Beta: partícula resultante da emissão beta de decaimento radioati-
vo, é constituída de elétrons de alta energia ou pósitrons.
Proto-oncogene: é um gene normal que se torna um oncogene devido a uma
alteração em sua expressão gênica ou mutação.
Síndrome de Bloom: doença rara autossômica recessiva caracterizada por
fotossensibilidade, retardo no crescimento, hipogonadismo, imunodeficiên-
cia e aumento na predisposição à formação de tumores malignos. É causada
por uma mutação no gene BLM, que codifica a proteína DNA helicase, que é
essencial à manutenção da estabilidade cromossômica.
Sinérgico: que possui ação conjunta cooperativa, provocando ao final um
efeito maior do que seria observado com os fatores separados.

190 • capítulo 4
Xeroderma pigmentoso: é uma síndrome rara, caracterizada por uma alta
sensibilidade à luz solar e uma alta susceptibilidade ao câncer de pele. Os por-
tadores desta síndrome são incapazes de repararem os danos provocados no
DNA pela luz ultravioleta, o que pode acarretar além da morte celular, o surgi-
mento de mutações que podem originar canceres.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H. Imunologia Básica: Funções e Distúrbios do Sistema
Imunológico. Tradução da 2.ed. Brasil, Elsevier Brasil, 2007, 354 p.
GILBERT, Scott F. Developmental Biology. 10th edn. Sunderland: Sinauer Associates, 2014, 719 p.
JORDE, Lynn B.; CAREY, John C.; BAMSHAD, Michael. Medical Genetics J. 4.ed, Filadélfia: Mosby
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Medicine: Thompson & Thompson. 7.ed, Filadélfia: Saunder Elsevier, 2007, 600 p.
PRITCHARD, Dorian J.; KORF, Bruce R. Medical Genetics at a Glance. 3. ed. Nova Jersey, EUA,
Wiley-Blackwell, 2013, 232 p.

capítulo 4 • 191
192 • capítulo 4
5
Farmacogenética e
Farmacogenômica
Não é incomum encontrar indivíduos com variações de respostas a alguns me-
dicamentos. Mesmo tomando a mesma dose de uma determinada droga, uma
proporção considerável de indivíduos poderá não responder à medicação, ou
responde parcialmente ou apresentam reações adversas à mesma.
As variações nas respostas ao tratamento podem ser decorrentes de mui-
tos fatores, entre eles diferenças na farmacocinética e a farmacodinâmica dos
medicamentos aliadas às diferenças no metabolismo da droga devido a fatores
genéticos. Justamente a variação de resposta causada por fatores genéticos é
analisada pela farmacogenética e a farmacogenômica. A farmacogenética foca-
da nos efeitos causados por genes isolados e a farmacogenômica com um enfo-
que mais abrangente, estudando a influência de vários genes e suas interações.
Com o desenvolvimento de novas técnicas de biologia molecular é criada a
expectativa do surgimento de uma medicina personalizada, baseada na elabo-
ração de um perfil genético que possa prever o padrão de resposta adversa e a
toxicidade de determinadas drogas, que teria um imenso valor para os médi-
cos, uma vez que poderiam escolher a melhor droga para determinado trata-
mento, com o mínimo de efeitos adversos.

194 • capítulo 5
5.1  Farmacogenética
O enfoque da farmacogenética é a variação individual na resposta de drogas
decorrentes por dois fatores, a variação na farmacocinética e a da farmacodinâ-
mica. A Farmacocinética consiste basicamente na taxa em que o corpo absorve,
transporta, metaboliza ou excreta a drogas e seus metabolitos. Uma das causas
dessa variação é decorrente do polimorfismo das proteínas do sistema de cito-
cromos P450, que é uma grande família de 56 hemoproteínas que são produzi-
das principalmente pelo fígado, o íon Fe+2 do grupo heme permite a molécula
aceitar elétrons de uma molécula doadora, NADPH, e utilizá-lo em um número
de reações catalíticas, a mais comum delas é a adição de um átomo de oxigênio
de uma molécula O2 para um átomo de carbono, nitrogênio ou enxofre.
Em humanos são encontradas cerca de 60 genes de citocromos. As enzimas
produzidas pelos genes do sistema P450 são envolvidas tanto na formação, sín-
tese, quanto na quebra, metabolismo, de uma grande variedade de moléculas e
compostos químicos dentro das células. Algumas de suas enzimas são respon-
sáveis pela síntese de hormônios esteroides, algumas moléculas de gordura
(ex. colesterol), e moléculas que facilitam a digestão das gorduras (bile), outras
enzimas são responsáveis pela metabolização de substâncias de origem exter-
na, como medicamentos, e substâncias produzidas pelo próprio corpo, como
toxinas formadas como subprodutos de reações celulares.
Dentro das células, as enzimas do sistema P450, são encontradas dentro de
retículo endoplasmático, que é responsável pelo processamento de proteínas
e transporte, e também dentro das mitocôndrias, nesta última são encontra-
das enzimas envolvidas na síntese e metabolismo na síntese e metabolismo de
substâncias internas, enquanto que as enzimas presentes no retículo endoplas-
mático são responsáveis pela metabolização de substâncias de origem externa,
que podem ser medicamentos ou poluentes ambientais.
O polimorfismo das sequências dos genes do sistema P450 pode afetar a
função destas enzimas, e justamente essas variações podem ser responsabili-
zadas pela variação que cada pessoa manifesta quanto à resposta a alguns me-
dicamentos. O efeito do polimorfismo pode ser mais facilmente notado no na
velocidade que algumas drogas são metabolizadas. Se determinado citocromo
metaboliza lentamente uma droga, ela estará disponível para o corpo por mais
tempo, e menos vezes será necessária a administração dela. Se uma droga é me-
tabolizada mais rapidamente, mais vezes será necessária a tomada da droga, e

capítulo 5 • 195
possivelmente uma maior concentração para que ela possua o efeito desejado.
As enzimas do sistema P450 abrangem de 70 a 80% de toda as proteínas envol-
vidas no metabolismo de drogas.
Cada gene de citocromo do sistema P450 é chamado de CYP, e é dado um
número associado com um grupo específico dentre de uma família gênica, uma
letra representa uma subfamília gênica, e um número para a determinação de
um gene específico dentro da subfamília.
O sistema CYP é agrupado em 20 famílias que são divididas de acordo com
sua homologia de sequência de aminoácidos. Três destas famílias, a CYP1,
CYP2 e CYP3 possuem enzimas que utilizam uma grande variedade de substra-
tos, são promíscuas, metabolizando uma ampla gama de substâncias que não
foram produzidas pelo corpo, xenobióticos. Dentro destas três famílias, seis
genes em particular, o CYP1A1, CYP1A2, CYP2C9, CYP2C19, CYP2D6 e CYP3A4
codificam enzimas responsáveis pela primeira fase do metabolismo de mais de
90% das drogas comumente utilizadas.
A atuação das enzimas do sistema CYP é dividida em duas fases, a fase I que
inclui reações de oxidação, hidrólise, dealquilação, desaminação, desalogena-
ção e formação de anéis e quebra de ligações. Na fase II, há as reações de conju-
gação, que consistem na ligação covalente entre substâncias químicas absorvi-
das ou dos produtos formados na fase I, como a glutationa, ácidoglucurônico e
aminoácidos,que acabam por inativar as drogas e torna-las mais solúveis.
A fase I pode ser definida como a fase de adição de um grupo mais polar
para um composto, permitindo que um grupo lateral seja mais facilmente in-
troduzido na molécula. Por exemplo, uma hidroxila introduzida na fase I, for-
nece um sítio para a ligação de um grupo acetil ou de açúcar na droga para sua
detoxificação, facilitando a sua excreção, que é oferecida pela fase II do meta-
bolismo de drogas.
Muitos dos genes CYP são altamente polimórficos, com uma grande influ-
ência em alguns alelos, em como os indivíduos respondem às drogas. Alguns
alelos CYP resultam em atividade enzimática nula, reduzida ou aumentada,
interferindo assim na taxa em que muitas drogas são metabolizadas. Um exem-
plo é a variação alélica da CYP 2D6 que é o citocromo principalmente envolvido
no metabolismo da fase I de mais de 70 drogas diferentes, seus alelos possuem
o padrão mencionado, com uma variação de ausência, diminuição e aumento
da atividade enzimática. (tabela 5.1)

196 • capítulo 5
Existem três fenótipos que geralmente são reconhecidos, o de metaboliza-
dor normal,metabolizador pobre e metabolizador ultrarrápido. Os metaboliza-
dores pobres possuem um grande risco de acúmulo de drogas, podendo atingir
níveis tóxicos, caso sejam tratados com a mesma dose recomendadapara me-
tabolizadores normais, por outro lado, metabolizadores ultrarrápidos correm
o risco de serem subtratados ao ser administrados doses que acabam não atin-
gindo a concentração terapêutica.
A grande variação de resposta à drogas pode ser exemplificada por alguns
alelos da CYP2D6, esta ciclina metaboliza a codeína, que é um narcótico fraco
que aumenta a sua atividade analgésica ao redor de 10 vezes quando ela é con-
vertida em morfina pela CYP2D6. Quando metabolizadores pobres portadores
de alelos que induzem a perda de função, eles não irão metabolizar a codeína
e consequentemente terão pouca analgesia, já metabolizadores ultrarrápidos
podem acabar se intoxicando, mesmo com baixas doses de codeína. Estas va-
riações de respostas salientam a importância da aplicação da farmacogenética
na administração de drogas.

DROGAS METABOLIZADAS (ALGUMAS SELECIONADAS) COM


FAMÍLIA GENE
VARIAÇÃO DE ATIVIDADE DOS ALELOS

Cafeína, propanolol, clozapina, alguns antidepressivos,


CYP1 CYP1A2
melatonina, tamoxifen, estradiol, paracetamol, varfarina.

Nicotina, toxinas (aflatoxina, cumarina, quinolona), halotano


CYP2 CYP2A6
(anestésico).

Bloqueadores do receptor angiotensina II


CYP2C9 Anti-inflamatórios não esteroidais
Metronidazol, hipoglicêmicos orais e Varfarina.

CYP2C19 Antiepiléticos, antidepressivos e ansiolíticos.


CYP2
Antiarrítmicos, antidepressivos tetracíclicos, fluoxetina,
opeóides (codeína, tramadol, oxicodona, etc.), antipsicóti-
CYP2D6 cos, bloqueadores beta-adrenérgicos (metoloprolol, tomo-
lol, proponolol, etc.), analgésicos narcóticos, estimulantes
(anfetaminas, metanfetaminas, etc.).

Acetaminofen, antifúngicos, cocaína, codeína, ciclosporina


CYP3 CYP3A4
A, diazepam, eritromicina, estatinas, taxol e varfarina.

Tabela 5.1 – Variação alélica das CYPs e drogas metabolizadas

capítulo 5 • 197
A frequências dos alelos da CYP não é igual entre os grupos étnicoso que
salienta necessidade do controle da administração de drogas. Como exem-
plo, a prevalência de metabolizadores lentos de CYP2D6 é de aproximadamente
6% em caucasianos, mas em asiáticos esta porcentagem está em 2%, enquanto
que afro-americanos possuem uma proporção maior que caucasianos. Por ou-
tro lado, metabolizadores ultrarrápidosda CYP2D6 é maior em populações do
Oriente Médio e norte-africanas, do que em outras populações.

5.2  Variações no metabolismo da Fase II


Não apenas a variação alélica atinge os genes do metabolismo da fase I, genes
que codificam enzimas responsáveis pela Fase II são sujeitas também ao poli-
morfismo e consequentemente aumentam a variabilidade de respostas a medi-
camentos entre os indivíduos.
Uma das vias metabólicas mais importantes da fase II, é a da glicuronidação
através da enzima UDP-glicosiltransferase (UGT), que é um constituinte do ci-
clo metabólico normal da excreção da bilirrubina em bile. A enzima transfere
o ácido glicurônico do cofator (UDP-ácido glicurônico) para um substrato para
formar ácidos glicuronídeos sensíveis à clivagem pela beta-glicuronidase.
A bilirrubina é produzida constantemente pela degradação do grupo heme,
proveniente principalmente da hemoglobina, por ser hidrofóbica, liga-se à al-
bumina e é transportada até os hepatócitos. Dentro destas células, no retículo
endoplasmático a enzima UGT1A1 transfere o ácido glicurônico para a bilirru-
bina, formando a bilirrubina direta que irá formar a bile e seu pigmento.

5.2.1  Influência do polimorfismo na fase II e o tratamento de terapia


da tuberculose com isoniaziada

A fase II possui como sua segunda principal modificação molecular a acetila-


ção, esta reação envolve a enzima N-acetiltransferase, utilizando como cofator
a Acetilcoenzima A.
O polimorfismo da farmacocinética da acetilação foi responsabiliza-
do pela alteração da resposta da droga isoniazida, por alguns pacientes em

198 • capítulo 5
tratamento contra a tuberculose, que incluiu uma alta incidência de neuro-
patia periférica e supressão da medula espinhal. Os pacientes que sofrem
dessas reações adversas inativam a droga mais lentamente do que o normal,
este comportamento foi ligado à variação alélica do gene NAT2 (que é uma
N-acetiltransferase).
Alterações no gene NAT2 também incluem alelos que geram metaboliza-
dores rápidos, que possuem risco aumentado para a falha na manutenção do
nível terapêutico das drogas, especialmente em drogas de ciclo semanal (uma
vez por semana). A alteração do gene NAT2 além de influenciar no metabolis-
mo da isoniazida,interfere na disposição de uma grande variedade de drogas e
xenobióticos. Por exemplo, acetiladores rápidos necessitam de doses maiores
de hidralazina para controlar a hipertensão, assim como de dapsona para o tra-
tamento de lúpus eritematoso sistêmico.

5.2.2  Polimorfismo de enzimas e modificações nas respostas a


quimioterápicos

O polimorfismo no metabolismo de algumas drogas quimioterápicas possui


uma grande relevância médica e pode ser um fator determinante do sucesso ou
falha no tratamento de tumores. Como exemplo há o metabolismo das drogas
6-mercaptopurina e 6-tioguanina que são utilizadas no tratamento de leuce-
mias em crianças e na imunossupressão. A detoxificação destas drogas é efetu-
ada através da adição de grupos metil pela enzima metil-transferase, que é co-
dificada pela gene TPMT. O polimorfismo nesta enzima abrange três mutações
missense que provocam alteração na estabilidade da proteína, com consequen-
te aumento da taxa de degradação. Estas modificações diminuem a metilação
e a diminuição da inativação da 6-mercaptopurina provocando aumento da to-
xicidade à medula óssea, podendo provocar mielosupressão, anemia, aumento
da tendência de sangramentos espontâneos, leucopenia e infecções.
As alterações da atividade da TPMT leva a necessidade da medida de sua
atividade antes do uso de drogas que possuem tiopurina (azatioprina, 6-mer-
captopurina e 6-tioguanina) . Em pacientes com atividade reduzida ou ausente
possuem risco aumentado de toxicidade da medula óssea induzida pelas dro-
gas, devido ao acúmulo de drogas não metabolizadas.

capítulo 5 • 199
5.2.3  Polimorfismo na enzima colinesterase e prolongamento do
efeito de relaxantes musculares em cirurgias

O relaxante muscular succinilcolina, comumente utilizados em procedimentos


cirúrgicos que requerem a intubação do paciente é metabolizado pela colines-
terase sérica. Variações na concentração desta enzima no soro pode provocar
uma paralisia prolongada pós-operatória. A succinilcolina é normalmente hi-
drolisada pela enzima butirilcolinesterase, o que reduz a quantidade da droga
nas placas motoras, esta taxa enzimática é relevante na estimativa da dose de
droga a ser administrada ao paciente.
As variações alélicas mais importantes na determinação da atividade da
colinesterase no plasma são dois alelos codominantes do gene BCHE que co-
dificama enzima butirilcolinesterase, divididas em alelos típico e atípico. O
alelo atípico é decorrente de uma mutação missense, e quando em homozigose
possui uma significante diminuição da atividade da enzima comparada com a
normal.
A alteração na atividade da enzima butirilcolinesterase em homozigotos
para o alelo atípico levam os pacientes a serem incapazes de degradarem a suc-
cinilcolina a uma taxa normal, levando a uma resposta anormal com aumento
do tempo de paralisia para uma hora ou várias após a cirurgia, com necessidade
de apoio respiratório artificial.

5.3  Variação na resposta farmacodinâmica

5.3.1  Hemólise induzida por drogas em portadores de deficiência de


glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD)

A deficiência da glicose-6-fosfato desidrogenase é uma das doenças de defeito


enzimático mais comum, com uma população de 400 milhões de pessoas afeta-
das. É uma doença extremamente polimórfica, com mais de 400 variantes, com
pouco mais de 70 destas variantes caracterizadas molecularmente.
O mecanismo de indução de hemólise é decorrente da diminuição da pro-
dução de NADPH, que é uma molécula redutora muito importante no controle
de estresse oxidativo, principalmente em hemácias. NADPH possui atividade

200 • capítulo 5
redutora pela sua atividade de regeneração da glutationa de sua forma oxidada.
Algumas drogas interferem neste processo de regeneração, como por exemplo,
a primaquina que é utilizada no combate à malária, como há um acúmulo de
danos oxidativos, a hemácia sofre lise. Há relatos de outros compostos induto-
res de hemólises em deficientes G6PD, como o antibiótico sulfonamida, dapso-
na (tratamento de lúpus e hanseníase) e outros.

5.3.2  Hipertermia maligna (HM)

É uma reação severa a alguns anestésicos voláteis de uso comum (halotano, en-
flurano, isoflurano, sevoflurano e desflurano) e a relaxantes musculares como a
succinilcolina, caracterizada por uma febre severa e rigidez muscular, que pode
evoluir para choque irreversível e morte. Esta reação é causada pela elevação
do cálcio ionizado no sarcoplasma muscular, que provoca a rigidez muscu-
lar, elevação da temperatura, e lise do músculo (rabdomiólise) além de outras
anormalidades.
HM é uma doença genética autossômica dominante com penetrância re-
duzida expressão variável que pode ser causada por mutações em dois genes,
o RYR1 que codifica um canal de cálcio intracelular e no gene CACNL1A3, que
codifica a subunidade α1 do canal de cálcio sensível à dihidropiridina. Sua inci-
dência é de uma a cada 50 mil anestesias realizadas em adultos e a cada 15 mil
em crianças.

5.3.3  Terapia com varfarina e variações de respostas decorrentes de


variação genética quanto à farmacocinética e a farmacodinâmica

A varfarina é um medicamento anticoagulante utilizado na prevenção de trom-


boses, ela atua na inibição da síntese de fatores de coagulação dependentes de
vitamina K, através do bloqueio do complexo I da epoxi redutase da vitamina K,
que é codificada pelo gene VKORC1, esta enzima reduz a vitamina K possibili-
tando que ela seja reciclada, e utilizada na biossíntese dos fatores de coagula-
ção, entre eles os fatores II, VII, IX e X.
O metabólito mais ativo da varfarina é detoxificado pela fase I através do
produto da CYP2C9. Variações neste gene contribuem para menos da meta-
de da variabilidade genética na resposta à terapia por varfarina, variantes de
outros genes também foram responsabilizados, como VKORC1, que possui

capítulo 5 • 201
duas famílias de haplótidos principais, a A e a B, que diferem marcadamen-
te quanto a dose necessária para atingir o nível de anticoagulação terapêutica.
Homozigotos para A (A/A) requerem uma dosagem de 3,2mg/dia, enquanto he-
terozigotos (A/B) 4,4 mg/dia, homozigotos para o haplótipo B (B/B) necessitam
de dosagem maior 6.1 mg/dia.
O mecanismo responsável pela resposta diferente dos haplótipos não e
muito bem compreendido, apenas é encontrado em homozigotos para o ha-
plótipo B possuem níveis de mRNA do gene VKORC1 três vezes maior do que o
homozigoto para o haplótipo AA, desta forma se esperado um incremento na
produção da proteína na mesma proporção, há a necessidade de uma maior
dose de varfarina para alcançar a mesmo grau de inibição da coagulação.

5.3.4  Risco resultados adversos de origem genotípica após cirurgia


cardíaca

Através da combinação da informação do genótipo do paciente e os loci en-


volvidos em complicações pós-operatórias em pacientes, médicos cirurgiões e
anestesiologistas buscam estabelecer um método que possibilita montar um
perfil de risco à pacientes, para uma melhor triagem de pacientes antes da ope-
ração, e uma intensificação dos cuidados par os pacientes propensos à inter-
corrências no período pós-operatório.
Alguns perfis genéticos foram relacionados ao risco aumentado de inter-
corrências, entre eles há o polimorfismo em sete loci, incluindo genes que co-
dificam glicoproteínas de membranas relacionadas à agregação plaquetária e
outras envolvidas na cascata de coagulação. Outro fator de risco relacionado é a
combinação de alelos e dois loci envolvidos na inflamação, a proteína C-reativa
e a interleucina , com o aumento do risco em cerca de três vezes quando ambos
alelos estão presentes .

5.4  Farmacogenômica
A preocupação principal da farmacogenômica, diferente de considerar o po-
limorfismo individual de alelos quanto sua influência na farmacocinética e
farmacodinâmica, se resume à busca de marcadores genômicos que podem
identificar tipos de respostas ao tratamento de determinadas drogas. Vários

202 • capítulo 5
conjuntos de alelos de loci polimórficos estão sendo comparados em pacientes
que respondem de modo adverso para drogas com pacientes que não apresen-
tam tais efeitos indesejados. Destas comparações, com o devido número de
análises, é possível estabelecer um perfil genômico que indica que seus porta-
dores podem utilizar determinado medicamento com segurança e eficiência,
ou se eles devem evitar determinadas drogas.

5.4.1  A relação da etnia na medicina personalizada

A variação de respostas dependente da etnia do paciente é um fenômeno bem


conhecido, uma vez que os polimorfismos não possuem as mesmas frequên-
cias entre as populações, como é encontrado na frequência de determinados
alelos das enzimas do sistema P450.
A predição de respostas às drogas é muito complexa, elas podem atuar
diretamente, ou através de formas metabólicas mais ativas, e cada uma delas
podem ser metabolizadas por diferentes vias metabólicas e podem atuar em
diferentes alvos. O polimorfismo dos alelos de enzimas chave desses processos
podem gerar produtos que interagem entre si de modo sinérgico ou antagôni-
co, o que pode aumentar ou diminuir a efetividade da droga ou de seus efeitos
colaterais adversos. Outro fator que aumenta a dificuldade é a influência do
ambiente, incluindo dieta, estilo de vida, fatores sociais, drogas que estão sen-
do administradas conjuntamente e a própria evoluções da doença.
Um exemplo de variação de resposta dependendo da etnia é exemplifica-
do em um trabalho comparando o tratamento de norte-americanos brancos
e afro-americanos para insuficiência cardíaca congestiva. Os afro-americanos
tendem a responder de modo inferior aos norte-americanos brancos ao trata-
mento de enalapril, um inibidor da enzima conversora de angiotensina, mas
respondem melhor ao tratamento combinado com nitrato, isosorbida dinitra-
to, e a hidralazina.
Um estudo em que indivíduos de oito regiões geográficas ao redor do globo
foram agrupados de modo não tendencioso (sem conhecer a origem geográfi-
ca) em quatro diferentes populações, de acordo com o compartilhamento de 39
loci de microssatélites polimórficos autossômicos e ligados ao X . Notou-se que
a frequência de alelos que apresentavam redução da atividade de seus produ-
tos possuía similaridade entre indivíduos dentro de indivíduos de mesma ori-
gem geográfica, mas a frequência de alelos com deficiência de atividade foram

capítulo 5 • 203
muito mais similares entre indivíduos classificados de acordo com os alelos
dos microssatélites que possuem em comum, do que a definição por origem ge-
ográfica. Assim a classificação tanto étnica quanto de origem geográfica pode
ser não tão útil quanto a análise genética na frequência de alelos importantes
no metabolismo de drogas.

5.5  Terapia gênica


O escopo da terapia gênica é de qualquer procedimento utilizado para o trata-
mento de doenças através da modificação do material genético das células do
paciente. Atualmente trata-se de uma técnica experimental que utiliza genes
para o tratamento ou prevenção de doenças. Há três abordagens principais que
estão sendo estudadas: A troca de um gene mutado responsável por uma doen-
ça por um gene normal, ou a inativação do gene mutado que não está funcio-
nando adequadamente e a introdução de um novo gene para auxiliar o combate
à determinada doença.
A terapia gênica não é uma área nova de pesquisa, ela tem sido desenvolvida
por várias décadas, mas mesmo depois de muito esforço dos pesquisadores, a
terapia gênica conseguiu apenas um limitado sucesso. As dificuldades abran-
gem desde a entrega do novo gene e sua ativação, a defesa natural do corpo que
considera um corpo estranho o material novo e o risco de interromper o funcio-
namento de genes importantes nas células alvo.
Em algumas doenças há a necessidade de entregar o gene normal para um
grande número (vários milhões) de células corretas no tecido correto. Se obtido
sucesso nesta primeira parte, o gene deve ser ativado em mantido assim para
que seja produzido o produto normal, mas as células tendem a desativar genes
que estão constantemente ativos ou que apresentam um padrão incomum de
ativação, o que acaba por dificultar a tarefa de reposição de genes saudáveis.
O sistema imune humano apresenta outro desafio, ele é muito eficiente
no combate a organismos estranhos, como bactérias e vírus, e como a gran-
de maioria dos sistemas vetores (sistemas para a entrega dos genes) é baseada
em vírus, há a dificuldade de montagem de um sistema de entrega que evite o
sistema de vigilância natural do corpo, caso contrário além da falha no funcio-
namento, pode ser provocada uma resposta imune grave que além de provocar
doenças pode induzir risco de morte ao paciente.

204 • capítulo 5
A gravidade da resposta imune aos vetores gênicos é exemplificada pelo
caso de Jesse Gelsinger, ele era um paciente com uma rara desordem no fígado,
a deficiência na ornitina transcarbamilase, que é uma doença ligada ao X, que
inclui a incapacidade de metabolizar amônia. Gelsinger participou de um teste
de desenvolvimento de tratamentos de crianças portadoras de doenças genéti-
cas severas em 1999, após quatro dias depois de receber uma injeção com um
vetor adenoviral que possuía o gene para corrigir a sua desordem, ele acabou
morrendo devido a uma superativação do sistema imune desencadeado pelo
vetor viral, provocando falhas múltiplas de órgãos e morte cerebral.
Após a investigação das causas que levaram a morte de Gelsinger, o FDA
(Food and Drug Administration) concluiu que os cientistas ignoraram alguns
procedimentos de segurança. Entre eles a inclusão de Gelsinger como um subs-
tituto a um paciente que desistiu do teste, mesmo ele apresentando níveis de
amônia tão altos que deveria excluí-lo do teste. Outro ponto foi a falha da uni-
versidade, que estava realizando os testes, de alertar que dois pacientes tiveram
efeitos colaterais severos com a terapia gênica e também por não mencionarem
no formulário de consentimento a morte de macacos que receberam um trata-
mento similar.
Após a resposta severa do sistema imune aos vetores virais, observados em
Gelsinger, os pesquisadores desenvolveram algumas estratégias, entre elas a
entrega dos vetores virais para células fora do corpo do paciente, e outra é reali-
zar antes da administração da terapia, um tratamento imunossupressor. Outra
forma de minimizar efeitos adversos é a utilização da menor quantidade de ví-
rus possível que ainda seja efetiva, e quando for possível utilizar outros siste-
mas de vetores menos sujeitos de desencadearem respostas do sistema imune.
Apesar do resultado trágico com Jesse Gelsinger, a terapia gênica obteve al-
guns sucessos, como no caso de tratamento para várias imunodeficiências em
que a abordagem mais comumente utilizada é a remoção do paciente de algu-
mas células-tronco e através de vetores retrovirais, cópias de genes funcionais
são transferidas às células. Após a introdução dos genes, as células-tronco são
reintroduzidas no paciente. Como o tratamento é efetuado fora do paciente, e
utiliza células dele mesmo, não há o desencadeamento de resposta imune, e
como ele é direcionado apenas para as células-tronco tratadas fora do corpo,
os vírus apenas irão infectar as células-alvo.
Uma das primeiras imunodeficiências que foi tratada com genes foi a de-
ficiência imune severa combinada (SCID), que é uma doença muito rara e

capítulo 5 • 205
potencialmente fatal. A causa mais comum da doença é uma mutação no gene
SCIDX1 localizado no cromossomo X, que codifica uma proteína que é utiliza-
da para a montagem do receptor IL2RG (receptor da interleucina 2) que permi-
te os linfócitos T e B se comunicarem sobre invasores, o que diminui a defesa
do organismo à vírus e bactérias.
Pessoas portadoras de SCID para evitarem infecções devem viver em am-
bientes completamente livres de patógenos, o caso mais emblemático de um
portador da doença é o do “menino bolha” David Vetter que viveu 12 anos em
um ambiente livre de patógenos no início da década de 1970. Naquela o único
procedimento disponível era isolar o paciente em um ambiente livre de germes
até que um transplante de medula óssea possa ser realizado. Após 12 anos vi-
vendo em um ambiente estéril, Vetter recebeu um transplante de medula de
sua irmã e após poucos meses de transplante ele adoeceu de uma infecção por
mononucleose, causada por vírus Epstein-Barr dormentes, que não foram de-
tectados nos testes pré-transplante.
A SCID foi a primeira condição que foi tratada por terapia gênica a mais de
20 anos, utilizando vírus como vetor de transferência de uma cópia normal do
gene. Um caso de sucesso envolvendo a SCID foi de uma menina que possuía
deficiência na produção da enzima adenosina deaminase. A menina foi tratada
com células-tronco de sua medula óssea que foram cultivadas e submetidas ao
tratamento com vetores virais portadores da cópia normal do gene ADA e foram
reintroduzidos. Após alguns meses a contagem de células brancas dobrou e no
final do tratamento seu sistema imune é compatível a uma criança saudável.
A escolha de vírus como vetor foi baseada em sua capacidade de sobreviver
e se disseminar, inserindo seus genes no genoma do hospedeiro. O problema
desse vetor é que ele pode inserir genes em sítios aleatórios, que podem incluir
sequências regulatórias que podem ativar genes próximos e acabar desencade-
ando o desenvolvimento de canceres, o que ocorreu nas primeiras tentativas de
tratamento da SCID utilizando retrovírus, em que algumas crianças desenvol-
veram leucemia após receberem os vetores.
Para evitar o problema de inserção aleatória dos vírus, os pesquisadores de-
senvolveram novos vetores, e constataram que os lentivírus mostraram-se mais
seguros que os outros vírus utilizados, pois eles se integram de maneira aleató-
ria dentro de genes, o que não ocorre exatamente com outros vetores virais, que
introduzem seu material genético preferencialmente em promotores ativos e

206 • capítulo 5
sequências amplificadoras, que possuem alta frequência em genes relaciona-
dos com câncer, o que aumenta a probabilidade de provocarem câncer.
Em 2013 três crianças com a síndrome de Wiskott-Aldrich, que é caracte-
rizada por um sistema imune anormal, com reduzida capacidade de coagula-
ção, foram tratadas com sucesso utilizando lentivirus modificados contendo
o gene WASP funcional. Outros resultados promissores foram obtidos com ou-
tras doenças degenerativas como a leucodistrofia e a desordem de hemácias
beta-talassemia.
Um vetor que tem se mostrado promissor é o vírus adeno-associado (AAV)
que não insere os genes no genoma, mas o mantém como uma estrutura sepa-
rada, mas disponível para a expressão de seus produtos. Esta estrutura não é
transmitida para as células-filhas, isto poderia ser considerada uma desvanta-
gem, se a terapia for direcionada para células de ciclo de vida curto, como as cé-
lulas do sistema imune, mas este problema pode ser contornado ao direcionar
o tratamento apenas para células com ciclos de vida longos, como neurônios e
células hepáticas.
Existem outras abordagens além da inserção de genes, como por exemplo,
a conversão de genes alvo. Entre elas há a técnica que explora o mecanismo
normal de reparo de DNA, utilizando uma dupla fita quimérica de DNA-RNA
com versões mais efetivas dos genes mutados, a dupla fita é desenhada para
se alinhar com a sequência mutante do lócus e através do processo de recom-
binação homóloga, que é natural das células, há a troca da versão mutada pela
introduzida pelo vetor.
Outras abordagens incluem o uso de oligonucleotídeos alelo-específicos
(ASO), que são utilizados também em testes de polimorfismos de nucleotídeo
único. Para fim terapêutico, o sistema busca a inibição da expressão gênica na
tradução através da ligação de um sequência complementar à sequência gênica
que se deseja inibir no mRNA. O método ASO pode também induzir o mecanis-
mo de exon-skipping no qual os oligonucleotídeos ligam-se ao sítio que possui
a mutação no pré-RNA mensageiro, durante a tradução do mRNA, o ribossomo
atinge o sítio de pareamento e ignora este segmento, restaurando o quadro de
leitura.
O sistema ASO está sendo desenvolvido para o tratamento de doenças que
incluem deleções que afetam o quadro de leitura, como a distrofia muscular de
Duchenne, assim como mutações que não alteram o quadro de leitura, pois são

capítulo 5 • 207
múltiplas de três, como ocorre na distrofia muscular de Becker. Este sistema
tem utilizado lipossomos, ao invés de vetores virais, para que o material seja
entregue para as células.
Outra técnica que está sendo desenvolvida utiliza o mecanismo de RNA de
interferência para destruir determinados mRNA seletivamente. Ela consiste no
uso de precursores de RNA dupla-fita, que são entregues como se fossem dro-
gas usuais, vetores plasmidiais ou virais, uma vez dentro das células elas são
processadas pelas enzimas da própria células para produzirem os small interfe-
ring RNAs (siRNAs), com um comprimento de 22 nucleotídeos. Esta dupla fita
se liga a complexos de silenciamento induzido por RNA (RISCs) que possuem
a capacidade de reconhecer o mRNAs portadores de sequências homólogas de
22 pares de bases, estes mRNAs sofrem quebras, reduzindo assim, a produção
de produtos de mRNA a níveis indetectáveis. Uma característica importante do
sistema de silenciamento por RNA é que os siRNAs podem se mover entre as
células, desta forma, a fita dupla artificial de RNA introduzida em um local do
embrião pode causar o silenciamento do mRNA mensageiro com a sequência
complementar em todo o corpo.
Recentemente, uma nova técnica tem sido desenvolvida utilizando um
processo natural de defesa da bactéria Streptococcus pyogenes contra bacteri-
ófagos e plasmídeos de DNA. O sistema consiste na ação de DNA endonucle-
ases guiadas por RNA, através da proteína Cas9 associada ao sistema CRISPR
(repetições palindrômicas curtas agrupadas regularmente espaçadas). Neste
sistema o DNA exógeno é cortado em pequenos fragmentos e incorporado ao
locus CRISPR no meio de uma série de repetições curtas (ao redor de 20 pares
de bases). O loci é transcrito e processado para gerar pequenos RNAs (crRNA-
CRISPR RNA), que são utilizados como guias para as endonucleases atuarem
no DNA invasor que portam a sequência de DNA complementar.
Utilizando a engenhosidade da bactéria S. pyogenes para controlar infec-
ções virais, a proteína Cas9 pode ser utilizada como uma enzima que para cor-
tar o DNA e o sistema CRISPR indicando qual sequência ela deve cortar. Após
o reconhecimento do segmento do mRNA alvo e corte do mesmo pelo sistema
CRISPR, pode ser disponibilizado um segmento de DNA com a versão correta do
gene, possuindo em suas extremidades sequências que possuam complemen-
taridade com as extremidades das fitas que foram cortadas pela Cas9, e através
das enzimas de reparo de DNA, o segmento é incorporado à fita, editando assim

208 • capítulo 5
o DNA mutado de forma seletiva, sem a imprevisibilidade de inserção de frag-
mentos de DNA encontrada nos vetores virais. (https://youtu.be/2pp17E4E-O8)
(http://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Stages_of_CRISPR_immu-
nity.svg)

Glossário

Adenoviral: são vírus de dupla fita de DNA, não envelopados (sem uma ca-
mada de lipídeos externa) que causam uma grande variedade de doenças, des-
de infecções brandas do sistema respiratório à doenças que afetam múltiplos
órgãos com risco de morte.
Células-tronco: tipo celular capaz de se dividir muitas vezes e produzir mais
células-tronco, assim como células de outros tipos diferentes. As células-tronco
embrionárias são capazes células filhas que podem se formar qualquer tecido
no corpo, seja tecido muscular, cardíaco, cerebral, etc. Em cada órgão no corpo
maduro, há células-tronco específicas que podem produzir todos os tipos celu-
lares dentro deste órgão.
Concentração terapêutica: é a concentração que está entre a concentração
que apresentam efeito tóxico e a concentração que apresenta efeito mínimo
eficaz. A relação entre as concentrações terapêuticas e a tóxica é chamada de
índice terapêutico do fármaco.
Farmacocinética: campo da farmacologia que utiliza modelos matemáticos
para descrever e prever a quantidade de medicamento e concentração final dele
em vários fluidos dos organismos e a variação da concentração com o tempo.
Farmacodinâmica: campo da farmacologia que estuda os efeitos fisiológi-
cos dos fármacos nos organismos vivos, seus mecanismos de ação e a relação
de concentração terapêutica.
Lentivírus: retrovírus com longos períodos e incubação associados a do-
enças imunossupressoras e neurológicas. Como exemplo são os vírus HIV (ví-
rus da imunodeficiência humana), SIV (vírus da imunodeficiência símia) , FIV
(vírus da imunodeficiência felina), o vírus da encefalite de ovinos/caprinos e
outros.
Leucopenia: diminuição do número de leucócitos no sangue.
Lipossomos: vesículas esféricas formadas por bicamadas concêntricas de
fosfolipídios, utilizadas como vetores não virais de entrega de genes.

capítulo 5 • 209
Mielosupressão: redução da atividade na medula óssea, com concomitante
redução no número de células vermelhas, brancas e plaquetas no sangue.
Retrovírus: vírus de RNA que contem a enzima transcriptase reversa. Seu
RNA é utilizado como um molde para a síntese do DNA complementar, utili-
zando a sua própria enzima (transcriptase reversa), o cDNA sintetizado normal-
mente é integrado ao cromossomo do hospedeiro.
Small interfering RNAs (siRNAs): pequenos fragmentos de RNA que pos-
suem ao redor de 23 pares de nucleotídeos, gerados pela clivagem de longas
moléculas RNA dupla fita (dsRNA) pela ação da nucleasse DICER. As siRNA são
moléculas envolvidas no controle de expressão gênica denominado sistema de
RNA de interferência (RNAi).
Xenobióticos: refere-se a um composto que é encontrado no ambiente mas
não é produzido por processos bioquímicos naturais, e.g. praguicidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JINEK, M., et al. (2012) Science, 337, 816–821
JORDE, Lynn B.; CAREY, John C.; BAMSHAD Michael J. Medical Genetics
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NUSSBAUM, Robert L.; McINNES, Roberick R.; WILLARD, Huntington F.; HAMOSH, Ada. Genetics in
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PRIMROSE, Sandy B,; TWYMAN Richard; OLD Bob. Principles of Gene Manipulation. 6.ed. Nova
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technology-to-treat-human-genetic-disease/> Acesso em: 10 jun 2015.
http://www.nature.com/mt/journal/v20/n9/full/mt2012171a.html Acesso em: 10 jun 2015.

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