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PRÓLOGO

Amanhecia. O brilhante e refulgente disco solar


começava a surgir, a leste, sobre a infinita e tranqüila
superfície líquida do Oceano Pacifico. Os primeiros raios
luminosos, oriundos do levante, conferiam às ondas
belíssima coloração, um tom azul-escuro e profundo,
profusamente mesclado de pequenas e alvas cristas de
espuma, enquanto, do lado do poente, ainda tomado pelas
trevas de uma noite que já se preparava para desaparecer,
podia-se observar com perfeição o amplo firmamento
estrelado com a Alfa Crucis, da constelação do Cruzeiro do
Sul, apontando exatamente na direção do Polo Austral.
Calmo e sereno, com pequenas e esparsas vagas que
refletiam o sol, o mar mostrava-se em excelentes condições,
na configuração chamada pelos marinheiros de mar de
almirante. As ondas batiam com suavidade o costado do
porta-aviões USS Enterprise, da marinha dos Estados
Unidos da América, que singrava o Pacífico à velocidade de
trinta nós, tendo o pessoal de bordo em grande atividade no
convés.
Orgulho da marinha americana, símbolo máximo do
poder naval da América em todos os mares do globo, o USS
Enterprise, além de constituir-se no maior porta-aviões em
ação na atualidade e no mais perfeito vaso de guerra já
construído, representa ainda a mais mortífera, eficiente,
poderosa e inteligente arma de guerra naval jamais
inventada na história da humanidade. Esta obra-prima da
engenharia naval mede quatrocentos e quarenta metros de
comprimento e tem altura equivalente à de um edifício de
vinte e três andares, abrigando uma tripulação de quase
cinco mil homens. Para ter-se idéia de suas dimensões
descomunais, basta imaginar-se o Empire State Building,
em Manhattan, um dos três edifícios mais altos do mundo,
deitado sobre o oceano e deslocando-se à velocidade
máxima de trinta nós.
O Big E, como é familiarmente conhecido o USS
Enterprise entre os marujos, eqüivale a uma verdadeira base
aérea em movimento. Acionado por oito reatores atômicos,
transporta em seus hangares, situados sob o convés
principal e a pista de decolagem, nada menos que noventa
aviões de caça, bombardeio e reconhecimento. Graças ao
fato de ser movido a energia nuclear, dispõe de uma
autonomia de quatrocentas mil milhas marítimas, contra as
oito mil normais de uma belonave acionada a óleo; é dotado
de extrema mobilidade e manobrabilidade, e, em função de
sua assombrosa velocidade, pode surgir, cortando com
decisão os mares, em qualquer ponto dos litorais do globo,
acompanhado de sua carga letal de aviões de ataque.
Na manhã de 4 de maio de 1982, o USS Enterprise,
capitânia da Sétima Frota do Pacífico Oriental, manobrava,
realizando exercícios de guerra aeronaval, cerca de mil
milhas ao sul da base de Pearl Harbor, no Havaí. Fendendo
as águas com sua larga e poderosa proa, em formação de
combate, cercado por dez outros vasos de guerra da Sétima
Frota, tinha as catapultas a vapor preparadas para lançar aos
céus um esquadrão de caças A4D Skyhawks. As ordens,
ditadas através do fonoclama pelos oficiais da Sala de
Comando, eram ouvidas por toda a tripulação:
— Atenção! Pista inteiramente desinterditada para a
primeira vaga de lançamento! Operação em trinta segundos!
Manobrando de forma já exaustivamente ensaiada, os
tratores de reboque percorreram os limites do convés do
gigantesco porta-aviões, tracionando mediante cabos os
caças que surgiam do convés inferior através dos
elevadores. Na extensa pista de decolagem traçada sobre o
tombadilho, as aeronaves dispunham-se em fileiras, de
quatro em quatro, e, impulsionados pelas catapultas,
aceleravam vertiginosamente de zero a duzentos e sessenta
quilômetros por hora, o limite de lançamento, num espaço
de setenta e três metros. Com as potentes turbinas exigidas
ao máximo de empuxo, os Skyhawks, numa curva graciosa,
perdiam altitude logo após deixar o convés do porta-aviões,
e, sobrevoando as ondas a baixa altura, quase tocando-as
com os trens de aterrissagem ainda não recolhidos, logo em
seguida erguiam os afilados bordos de ataque, perdendo-se
então como diminutas flechas prateadas no horizonte rumo
ao norte. A cada quinze segundos um aparelho alçava vôo
do convés, e, dentro em pouco, distantes estrondos
anunciavam o rompimento da barreira do som.
Transformados rapidamente em simples pontos escuros
recortados contra o disco luminoso do sol, os aviões de
caça, cedo desapareciam do campo visual, voando à
velocidade de Mach 2, sendo identificados apenas nas telas
de radar.
Através do fonoclama. as ordens e instruções
continuavam a ser emitidas. Agora uma divisão de A3J
Vigilants, os novos bombardeiros de longo alcance da
marinha, preparava-se para o lançamento. Com seus narizes
afunilados e asas triangulares, os aviões dispunham-se em
linhas no raio de ação das catapultas. As manobras corriam
de modo inteiramente normal, dentro do previsto no
esquema de operações.
Mas...
Do passadiço da ilha, a superestrutura de comando do
USS Enterprise, o oficial de ligação Charles A. Dooley, do
Corpo de Armada da Marinha dos Estados Unidos da
América, assestava o seu binóculo, perscrutando a linha do
horizonte a estibordo em mera atividade de rotina. Acendeu
um cigarro e, ao mesmo tempo em que executava suas
observações visuais, fixava também sua atenção nas
operações de lançamento que se desenrolavam no
tombadilho do porta-aviões. Dooley deixou-se levar pelos
pensamentos que se assenhoreavam de sua mente. Dono de
uma exemplar folha de serviços na US Navy encarava com
entusiasmo e interesse o início de um novo dia de trabalho.
O oficial identificava e reconhecia os demais navios de
guerra americanos, cujas silhuetas, devido à distância,
recortavam-se indistintas nos limites da observação visual,
acompanhando o Big E em suas manobras aeronavais.
Distinguia o contorno dos contratorpedeiros Saratoga e
Salem, a cerca de duas milhas, e, muito mais afastados, os
cruzadores pesados Decatur e Admiral Perry, além do
porta-aviões anti-submarinos Princeton, este com a sua
superestrutura de comando nitidamente visível, recortando-
se como uma alta e esguia torre cinzenta contra o disco
brilhante do sol nascente.
Passou então a contemplar as inúmeras aeronaves que se
posicionavam no convés, preparadas para a decolagem. E,
de súbito, sem o menor aviso ou antecipação, Charles A.
Dooley sentiu-se invadido por um estranho e inquietante
pressentimento.
Acendeu outro cigarro e tragou profundamente a
fumaça. Conhecia de longa data estes presságios. Da última
vez que os tivera estava a bordo do navio-espião Pueblo, ao
largo do Mar da China, e fora capturado pelos comunistas
norte-coreanos.
Dooley procurou acalmar-se. Aproximou-se do interfone
situado á porta da Sala de Comando e pediu um canal de
áudio para as dependências do CIC (Combat Information
Center), fornecendo ao oficial chefe de turno os azimutes e
posições dos demais navios que acompanhavam o USS
Enterprise, informações estas que seriam fornecidas na
alimentação dos computadores de bordo.
Seus maus pressentimentos configuravam um absurdo.
Em mais de vinte anos de operação, o maior e mais eficaz
vaso de guerra da América e do mundo inteiro jamais havia
sofrido qualquer incidente ou contratempo. Continuamente
atualizado, dotado dos mais modernos recursos bélicos e de
segurança, o Big E propiciara mais de cinqüenta mil
aterrissagens e decolagens em seu convés sem um acidente
sequer.
Em permanente contato com o exterior através de
complexa rede de telecomunicações, utilizando radares,
sonares, computadores de análise e radiofreqüências em
código restrito da Marinha, seria impossível que seu
comando estivesse alheio a qualquer problema estratégico
mundial. Ademais, navegando a toda marcha, riscando o
oceano com o seu grande caiado e cercado por toda uma
esquadra, incluindo cruzadores, contratorpedeiros,
submarinos e outros porta-aviões, seria de todo impossível
acontecer algo inusitado ao USS Enterprise, e, por extensão,
à Sétima Frota do Pacífico Oriental.
No entanto o tempo escoava-se e nada se anormal
ocorria. Em perfeita ordem e regularidade, a divisão de A3J
Vigilants acabara de ganhar o espaço, e, no presente
momento, uma esquadrilha de aviões de transporte F4U
Cruzaders, também de utilização privativa da Marinha,
posicionava-se ao longo da pista de decolagem, prestes a
alçar vôo. Charles A. Dooley riu-se então de seus cuidados.
Aparentemente, iludira-se em seus temores, e, segundo
todos os indícios, nenhuma tremenda desgraça estava em
vias de ocorrer.
Assim sendo, o oficial do Corpo de Armada tornou a
utilizar o seu binóculo, dotado de sensores infravermelhos
para percepção noturna, sem prestar maiores atenções aos
insistentes presságios que teimavam em obnubilar-lhe o
raciocínio.
Durante cerca de dez minutos cumpriu sua função
rotineira de modo quase automático. Quase todos os
transportes Cruzaders, em formação cerrada, já haviam
desaparecido ao norte, na direção do Havaí. Então surgiu
algo não rotineiro no campo visual do binóculo empunhado
pelo oficial de marinha. A princípio não conseguiu
distinguir com precisão do que se tratava, mas, ao cabo de
pouco tempo, podia enxergar nitidamente alguns pontos
escuros, cuja silhueta era evidenciada pelos reflexos solares,
e que, navegando à superfície, pareciam aproximar-se
sensivelmente do USS Enterprise. As sobrancelhas de
Dooley arquearam-se numa atitude de estranheza.
Realmente não era possível relacionar e que via com
quaisquer manobras executadas pela Sétima Frota. O que
era deveras intrigante, já que, até o presente momento, todas
as operações encontravam-se estritamente sob controle.
Deslocando-se alguns metros de sua posição no
passadiço da ilha, o oficial tornou a abordar o interfone e
pediu acesso ao Combat Information Center. Uma voz
metálica respondeu:
— CIC, comando, na escuta.
— Aqui é o oficial de ligação Dooley. Peço informações
a respeito de objetos deslocando-se ao nível do mar rumo ao
USS Enterprise, na direção de trezentos e vinte graus,
aproximadamente, com relação à loxodromia. Velocidade
estimada em zero-um-zero. Até onde sei, tais objetos não
têm rota autorizada pelo comando Entendido?
Transcorreram alguns segundos. A ligação por rádio foi
transferida ao tenente-navegador do CIC, que, em pé diante
de um grande mapa delineado em acrílico no centro da Sala
de Comando, fixava azimutes e traçava as direção seguidas
por todos os navios da esquadra, corrigindo continuamente
suas posições. Este foi objetivo em sua resposta:
— CIC, comando, ao oficial Dooley. Rota de trezentos e
vinte graus não autorizada, em qualquer nível de
velocidade, para aproximação. Ocorre apenas um pequeno
problema, oficial Dooley: positivamente não existe nada
nesta direção. Radares e sonares oferecem leitura negativa.
Quer retificar sua informação?
Dooley não esperava por isso. O Combat Infarmation
Center consiste no cérebro do porta-aviões Enterprise, o
órgão de controle incumbido de reunir, codificar e
interpretar todas as informações táticas e estratégicas
referentes à movimentação da esquadra. Em caso de guerra,
os computadores do CIC estão aptos a, analisando todos os
dados militares relativos à situação de beligerância, apontar
inclusive soluções ideais de combate, programando o
lançamento de aviões, a rota do navio-aeródromo e até
mesmo dosando o poder de fogo da embarcação. Dooley,
portanto, sentiu-se levemente confuso, e tornou a observar,
agora com redobrada atenção, o que se lhe apresentavam as
lentes do binóculo de longo alcance.
Não havia dúvida possível. Agora a distância dos objetos
reduzira-se apreciavelmente. Dooley via com clareza cerca
de duas dezenas de formas escuras, cilíndricas, que se
aproximavam com rapidez do casco de seu navio. Como
aquilo poderia não ser detectado no radar? Impossível!
Por alguma razão hermética o oficial de marinha
começou a inquietar-se. Através das possantes lentes de
aumento prosseguia vendo as formas quase negras, de
dimensões respeitáveis, que avançavam inexoravelmente
em direção ao casco do USS Enterprise.
Com grande rapidez, fruto de um longo treinamento na
marinha, Dooley tornou a pressionar o botão de chamada do
intercomunicador:
— Capitão-de-fragata C. A. Dooley, oficial de ligação,
ao CIC? Repetindo e ratificando a informação. Objetos não
autorizados agora a zero ponto cinco zero milhas de
distância. Peço identificação. Urgente.
A última palavra foi proferida quase num suspiro, e o
militar passou a mão pela testa, retirando o quepe. A
resposta quase instantânea do comando do CIC desorientou-
o:
— CIC, comando, ao oficial Dooley. Repetimos
também: absolutamente não existe nada no azimute de três
dois zero graus. Aliás, nossos aparelhos não registram
presença espúria num raio de duzentas milhas. Sugerimos
dirigir-se ao NTDS. Interrompemos a transmissão.
Dooley realmente não entendia mais nada. Não podia
estar sofrendo de alucinações. Observava com grande
nitidez objetos que se dirigiam de modo magnético em
direção ao seu navio, e, incrivelmente, estes objetos não
estavam sendo captados pelos aparelhos de radar. Com sua
longa experiência, o oficial não conseguia identificar do que
se tratava. Certamente não era um cardume de peixes de
grande porte. Por outro lado, seria absurdo pensar-se em
torpedos ou minas de aproximação magnética. Afinal o que
era aquilo?
O marujo digitou com habilidade no aparelho de
comunicação interna os números que lhe dariam acesso ao
Naval Tatic Data System, NTDS, o centro de captação de
dados do navio, onde se concentravam as estações de escuta
por radar, sonar e telecomunicações via satélite.
— Oficial Dooley ao NTDS. Atenção! Presumível
situação de emergência a três dois zero graus. Favor
informar com urgência.
A ampla sala do NTDS, na ponte de comando, estava
quase que inteiramente imersa em escuridão. Apenas as
telas de radar brilhavam intensamente, o os aparelhos do
sonar omitiam, a curtos intervalos, ruídos metálicos
coincidindo com as rotações dos vetores de varredura.
— NTDS ao oficial Dooley. Prossiga.
Dooley irritou-se. Uma das poucas vezes em que isso
ocorria na sua vida militar.
— Não há o que prosseguir! Quero informações de
objetos não autorizados nesse azimute! É só! Nada mais!
Ele captou a voz de um técnico. Parecia embaraçado.
— Oficial Dooley, lamento dizê-lo mas o senhor parece
estar vendo coisas. Nossos aparelhos não registram
absolutamente nada! Entrei em contato há um minuto com o
Saratoga, e...
O capitão largou o fone e observou por sobre a amurada
do passadiço. Arregalou então os olhos, presa de esparto e
pavor inimagináveis.
A voz do técnico do NTDS continuou a chegar-lhe com
nitidez, através do canal de áudio aberto:
— ... simplesmente não existem objetos próximos ao
USS Enterprise. no azimute três dois zero ou em qualquer
outro. Portanto sugiro repetir as observações e...
Todos os músculos de Dooley se contraíram. Ele levou
as mãos ao rosto num gesto instintivo de proteção, enquanto
as misteriosas formas escuras, deslizando rapidamente sobre
as águas, batiam de encontro ao costudo do porta-aviões.
Por um segundo pôde vê-las distintamente. Mas era
totalmente inacreditável! Impossível! Eram... eram....
As explosões, violentas e aterradoras, sucederam-se às
dezenas, com um intervalo de tempo muito pequeno.
Quase em seguida os mecanismos e dispositivos
automáticos de defesa do Big E entraram em ação.
Dispondo de muito mais recursos do que uma belonave
comum movida a Diesel, o USS Enterprise imediatamente
teve os acessos dos hangares interditados, movidos por
cilindros hidráulicos de alta vazão que acionaram os
pesados obturadores era chapas de aço, enquanto todos os
compartimentos estanques cerravam-se como portas de
cofres-fortes. O porta-aviões, em poucos segundos, fechava-
se como uma ostra em sua casca, de modo hermético e
impenetrável.
No entanto, em virtude das brutais explosões ocorridas
no casco, ao nível da linha d’água, o mais poderoso vaso de
guerra da América surpreendido enquanto navegava a toda
velocidade, adernou sensivelmente para estibordo,
escapando momentaneamente cerca de trinta graus em
relação ao plano normal longitudinal. Charles A. Dooley,
alcançado mais pelo deslocamento de ar advindo das
explosões do que propriamente pelo desequilíbrio do navio,
foi brutalmente impulsionado por sobre a amurada do
passadiço e, lançado ao ar, projetou-se rumo ao convés,
trinta metros abaixo. Enquanto caía em direção à morte,
vislumbrou, num átomo, espantoso espetáculo: quatro
transportes Cruzadres, posicionados na pista de decolagem,
deslizaram descontrolados ao longo do tombadilho do
porta-aviões, desestabilizados pela inclinação do navio, e,
girando sobre si mesmos como hélices enlouquecidas,
precipitaram-se diretamente no Oceano Pacífico, flutuando
por alguns momentos e logo desaparecendo sob as ondas.
Mas o pior ainda estava por vir.
Dez segundos após Dooley morrer, esmagado contra o
aço do convés do Big E, o oceano e o céu transformaram-se
num inferno de dimensões infinitas. Atingidos pelos
mesmos artefatos misteriosos que haviam alcançado o USS
Enterprise, o contratorpedeiro Saratoga e o cruzador
Decatur foram envolvidos por altíssimas línguas de fogo,
enquanto os estrondos ribombavam na distância. Um sinal
contínuo de alerta e emergência soava pelas sirenas do
porta-aviões e todos os homens colocavam-se afanosamente
em posições de combate, estarrecidos por terem de enfrentar
um perigo invisível e desconhecido, ao mesmo tempo em
que as ordens secas e rápidas emitidas pelo comando
através do fonoclama eram parcialmente abafadas pelo
rumor surdo das explosões.
O pequeno cruzador de escolta Admiral John Paul
Jones, navegando a cerca de dez milhas do Big E foi
também alcançado pela morte insidiosa que surgia do mar.
Atingido a meia nau, sobre a linha d’água, virtualmente
desapareceu em meio a fortíssimas explosões que lhe
causaram incontroláveis incêndios. Coberto por densos
rolos de fumo e devastado por altíssimas labaredas, o navio
teve o casco partido em seu centro de gravidade. Em poucos
minutos a popa e a proa ergueram-se da superfície das
águas, como dois escuros obeliscos recortando-se sobre o
Pacifico, e, soturnamente iluminadas pelas chamas,
iniciaram o mergulho rumo ao fundo do oceano. com toda a
sua tripulação.
O impossível acontecera. Em dez minutos a mais
poderosa esquadra do mundo, a Sétima Frota americana,
deixara de existir.

CAPITULO PRIMEIRO
O mistério do Pacífico

Honolulu, Tóquio e Manila (AP, UPI) — Diversas


belonaves da Sétima Frota do Pacífico Oriental aportaram
recentemente a nossos bases navais no Havaí, no Japão e
nas Filipinas sem que transpirasse qualquer informação
quanto às razões deste acontecimento insólito. Pelo que
pôde apurar o nosso correspondente Sam Benett, na base
de Pearl Harbor, todos os navios da Sétima Frota, menos
um, encontram-se agora ancorados em instalações da
marinha americana, cercados por um esquema de
segurança tão rígido que chega a inspirar desconfiança.
Algo muito sério e grave deve ter acontecido aos nossos
navios de guerra no Pacífico. O único que, ao que se sabe,
não baixou ao estaleiro, foi o cruzador de escolta Admiral
John Paul Jones.
Apesar de o NIA e as altas autoridades da marinha
impedirem o acesso; da imprensa às informações, alegando
motivos ligados à segurança nacional, não é difícil
imaginar-se o que está ocorrendo. Todos esses navios
foram recolhidos para reparos, e, pelo equipamento
mobilizado nos estaleiros, os danos sofridos pelos vasos de
guerra foram extremamente severos. E é justamente neste
ponto que começam as dúvidas: porque a marinha silenciou
inteiramente quanto aos fatos? O que terá danificado
nossos vasos? Uma operação de sabotagem em larga
escala? Graves erros técnicos durante a execução das
manobras de treinamento de guerra aeronaval no Pacifico?
Ataque de unia potência estrangeira? Ou um infeliz
acidente de grandes proporções, talvez até mesmo nuclear?
São muitas e cruciais perguntais demandando respostas
lógicas, objetivas e honestas por quem de direito. No
entanto a Naval Investigative Agency, a Marinha, a CJA e o
próprio Departamento de Estado furtam-se a seu dever de
esclarecer à opinião pública americana os fatos quanto à
origem e conseqüência destes misteriosos acontecimentos.
Não queremos ser alarmistas, mas nos sentimos na
contingência de alertar o povo da América: algo terrível
aconteceu com a Sétima Frota nas águas rio Oceano
Pacífico.
***
O homem louro e muito alto, sorrindo de modo
enigmático, lançou o exemplar do New York Times sobre a
escrivaninha com um gesto decidido. Ergueu-se da poltrona
e, em poucos passos, dirigiu-se para as amplas janelas do
escritório do Departamento 77, da Central Intelligence
Agency, a CIA, observando maquinalmente o movimento de
pedestres e veículos na Park Avenue, vinte andares abaixo.
— É só isso o que a imprensa nos apresenta, Mr.
Lattuada? Incógnitas, dúvidas e suspeitas?
O cinqüentão alto, magro e espigado, de sobretudo
cinza, ainda sentado à escrivaninha, moveu a cabeça num
gesto de aquiescência e, com movimentos pausados,
acendeu um Parliament, tragando profundamente a fumaça
do cigarro.
— Felizmente, Horace. Graças aos céus, o máximo que
os jornais puderam fazer foi tecer uma rede de conjecturas e
suposições. Ficaram irritados, é claro, pois não conseguiram
obter informações concretas quanto ao mistério do Pacifico,
como já está sendo chamado o caso. Nesse ponto, nós, da
CIA, e o pessoal do serviço secreto da marinha, a Naval
Investigative Agency, NIA, nos saímos muito bem.
O louro voltou-se, fitando seu interlocutor com
manifesto interesse nos olhos cinzentos.
Era uma figura impressionante. Jovem, cerca de trinta e
cinco anos, dominava o ambiente não apenas devido ê sua
elevada estatura, quase dois metros, e ao seu físico atlético
digno de um competidor olímpico, mas principalmente em
função da mareante personalidade e determinação revelada
em todos os seus gestos, por menores que fossem. O rosto,
de traços másculos e regulares, evidenciava energia e
decisão incomuns, impressão esta reforçada pelo olhar, que,
quando necessário, podia adquirir a dureza do aço. Os
cabelos longos, algo despenteados, davam-lhe um ar
esportivo e informal.
Seu nome: Horace Young Kirkpatrik. Playboy
mundialmente famoso, bon vivant dono de incalculável
fortuna, presidente do poderoso consórcio de usinas de aço
KKK Steel Ltd., e de muitas outras empresas pertencentes ao
holding. Freqüentador assíduo do jet-set internacional e das
colunas sociais. Normalmente podia ser encontrado nos
lugares mais badalados do mundo, em companhia de
belíssimas mulheres, que, invariavelmente magnetizadas
pelo seu charme, por seus dotes físicos e financeiros, o
assediavam constantemente, movendo contra ele caçadas
implacáveis, quer estivesse esquiando em Cortina
d’Ampezzo ou jogando vinte-e-um nos cassinos de Monte
Carlo ou Las Vegas.
Sua referência ultra-secreta em código: 77Z. Também
conhecido como Máscara Negra, Andróide ou Robô.
Perigosíssimo espião a serviço da Central Intelligence
Agency, a CIA. Um dos mais eficientes e mortíferos agentes
secretos da atualidade, Sendo um agente especial, somente
entrava em ação em missões intrincadas e perigosas, nas
quais um espião comum teria poucas possibilidades de obter
êxito. Quando circunstâncias muito graves ameaçavam a
segurança dos Estados Unidos ou a paz mundial, Horace
Young Kirkpatrik. convocado por seu chefe, Mr. Lattuada,
o responsável pelo Departamento 77 da CIA e um dos
diretores da Agência, assumia a identidade secreta do
implacável 77Z, conhecida por não mais do que dez pessoas
em todo o mundo. Nessas ocasiões, em lugar do playboy
alegre, inconseqüente e inofensivo conhecido por todos,
surgia o frio e resoluto espião, cujas investidas semeavam o
terror entre os inimigos.
Kirkpatrik, ou 77Z, cruzou as mãos às costas e executou
alguns passos através do escritório, enquanto se dirigia a
Mr. Lattuada:
— Menos mal, chefe. Assim, de qualquer modo, todo o
assunto fica restrito à esfera de nossos organismos de
espionagem. No entanto trata-se de um caso muito
intrigante e misterioso. Recapitulemos: tudo começou há
cerca de seis meses atrás, quando alguns navios de guerra
da Terceira e da Sétima Frotas, no Pacífico, foram atingidos
por artefatos explosivos desconhecidos. Digo atingidos
porque é a única palavra que me ocorre no momento. Na
verdade não se sabe ao certo o que aconteceu. Tudo ocorria
perfeitamente bem. Os centros de controle por radar, sonar e
telemetria indicavam situações tranqüilas nas proximidades
das esquadras. De súbito, explosões, incêndios, e, ao final
de tudo, severos danos em nossas embarcações. Duas delas
foram a pique. Estou certo?
— Sim. Em dezembro, foi afundado um
contratorpedeiro da Terceira Frota, e, neste mês o John Paul
Jones. É claro que estas informações são secretas. Não
podemos deixar o mundo inteirar-se destes fatos, pois nossa
segurança correria sérios riscos.
— Compreendo. Mas, afinal, Mr. Lattuada, o que
sucedeu realmente?
O alto e magro chefe do Departamento 77 emitiu um
profundo suspiro. Com um piparote, afastou um fiapo
imaginário da perna da calça.
— Não sei. Ninguém sabe. Na verdade sua missão
consiste exatamente nisso: descobrir que tipo de agressão
insidiosa e ignota está sendo executada contra a nossa
Marinha.
— Mas não poderia tratar-se de sabotagem? Ou mesmo
uma infeliz série de acidentes, como sugere o New York
Times?
— Não, e vou explicar-lhe o porquê. Evidentemente,
logo após as primeiras ocorrências, a NIA entrou em ação
para investigá-las. A situação tornou-se tão confusa que a
CIA interferiu em seguida. E, depois de exaustivas
pesquisas, chegamos à conclusão de que não ocorreu
sabotagem. Tampouco acidentes ou erros técnicos no
decorrer das manobras. Em suma: tratou-se de um ataque,
de uma agressão, através de algum tipo de arma
desconhecido para nós e que não é detectado pelos sistemas
convencionais de alerta. Continuávamos estudando o
assunto quando ocorreu a tragédia do dia 4. A Sétima Frota
praticamente desapareceu. Um dos navios afundou e os
demais, seriamente atingidos, foram postos fora de
combate, recolhendo-se às bases navais para reparos.
Percebe o tremendo perigo que estamos correndo, Horace?
— Sem dúvida. Mas você falou há pouco em armas não
detectáveis pelos sistemas de defesa da esquadra. Como
pode ser isso?
— O mais sério de tudo, Horace. São artefatos que não
podem ser pressentidos. Justamente por isso não sabemos
de que se trata. Mas quero que ouça algo interessante a
respeito.
Mr. Lattuada retirou da última gaveta de sua
escrivaninha uma fita cassette comum e encaixou-a num
tape-deck, fazendo-a avançar no aparelho até uma posição
predeterminada. Pressionou então o botão play, explicando:
— Esta fita contém a gravação do diálogo mantido entre
um oficial de ligação do USS Enterprise com os centros de
controle do CIC e do NTDS, a bordo do porta-aviões,
segundos antes do ataque de que foi vitima a Sétima Frota.
O militar morreu no decorrer da ação.
A voz de Charles A. Dooley brotou do aparelho, ouvida
com grande atenção pelo agente fora de série 77Z. Após a
marcha da fita ser interrompida, Kirkpatrik manifestou-se:
— Incrível, Mr. Lattuada! Esses objetos, ou artefatos,
que supomos os causadores das explosões, foram vistos
perfeitamente por Dooley, ao que tudo indica. E, apesar
disso, ludibriaram por completo os mais sofisticados e
engenhosos sistemas de alarme jamais inventados!
— Correto. Mas o fenômeno ocorreu apenas nesta
ocasião. Examinamos todas as gravações das comunicações
mantidas em outros navios, durante os ataques anteriores, e
nada foi percebido. Como sabe, essas gravações são
normais e rotineiras. Temos o registro em fita magnética
das informações veiculadas aos órgãos de comando e
controle. O processo é análogo ao da caixa negra de uma
aeronave.
77Z acendeu um cigarro Arrupta, aromático, e ofereceu
a caixa a seu chefe.
— Bem, nesse caso, o mistério é completo. Realmente
não sei, de imediato, que pode ser feito para elucidar o
enigma.
— Não é só isso, Horace. Há um ponto do Pacífico onde
coisas muito estranhas vêm ocorrendo. A Sétima Frota foi
destruída mil milhas
ao sul de Pearl Harbor. E, dez dias atrás, um de nossos
aviões SR-16 desapareceu nas proximidades da ilha Jarvis,
na linha do Equador. Conhece esse tipo de avião?
— Claro. O SR-16 é nosso mais moderno avião de
espionagem, e sucessor dos velhos e obsoletos U-2.
— Exato. Apesar de ser a última palavra em termos de
aeronaves de reconhecimento, dotado dos mais incríveis
recursos eletrônicos, simplesmente desapareceu do mapa.
Perdemos contato com ele no centro do Pacífico. Estariam
de algum modo relacionados estes acontecimentos?
Kirkpatrik meditou por alguns instantes.
— É difícil dizer. Talvez estejamos às voltas com
OVNI’s, invasão de seres do espaço, Triângulo das
Bermudas, algo desse naipe. Lembra-se do caso de
Karroum?1
Mr. Lattuada encarou fixamente seu melhor agente
secreto com a confusão estampada no semblante. Não
conseguia compreender se 77Z falava a sério ou se atacava
com outra de suas ironias mordazes, bem ao seu estilo.
Kirkpatrik notou que o chefe em vão tentava disfarçar o
seu nervosismo. Poucas haviam sido as ocasiões em que
Mr. Lattuada encontrara-se tão desarvorado, tão indefeso e
impotente em relação a um problema colocado em mãos do
Departamento 77. Resolveu tranqüilizá-lo:
— Esqueça o que eu disse, Mr. Lattuada. Como sempre,
vou tentar cumprir a missão da melhor maneira possível.
Não se preocupe.
O diretor da CIA ergueu-se da poltrona que ocupava, por
trás da escrivaninha, e avançou para uma estante-bar,
retirando uma garrafa de scotch envelhecido doze anos.
Murmurou, à guisa de desculpa:

1
Ver CONTATOS EXTRATERRESTRES
— Você sabe que não costumo beber a esta hora. Mas
hoje estou realmente precisando de um trago. Aceita?
Kirkpatrik aquiesceu com a cabeça e serviu-se de um
drinque, enquanto Mr. Lattuada desabafava, falando em tom
baixo:
— Estou desesperado, Horace. Aliás, não apenas eu. A
Marinha não sabe o que fazer, a NIA investiga
freneticamente sem colher resultados, a CIA encontra-se
num beco sem saída e o Departamento de Estado acha-se à
beira da histeria. Sei que compreende a gravidade do caso.
O gigante louro sorveu com vagar a bebida dourada.
— De fato. Estamos lutando com um problema
aparentemente insolúvel. Fato um: existe um tipo de arma,
inteiramente desconhecido, de altíssimo poder destruidor e
capaz de iludir totalmente todos os sistemas de detecção e
alerta que possuímos, por mais avançados que sejam. Fato
dois: essa arma já pôs fora de combate a Sétima Frota e
alguns navios da Terceira. Possivelmente, até mesmo um
avião SR-16. Não sabemos quem possui essa arma, como a
utiliza e o que pretende com esses ataques.
Mr. Lattuada encolheu os ombros, desanimado.
— E não é só a marinha que está submetida a uma
ameaça terrível, Horace. O mistério do Pacifico atinge
diretamente a segurança dos Estados Unidos e quiçá do
mundo inteiro. Quem está de posse de tão insidiosa arma?
Os russos? Os chineses? Os israelenses? Seja quem for,
conseguiu dar um xeque-mate no poderio naval americano.
Isso afeta não apenas a nós, mas a todo o panorama
estratégico do planeta. Se a coisa prosseguir nesse passo,
em breve poderemos não ter uma só belonave nos mares,
desconhecendo a identidade dos agressores e a natureza da
arma que utilizam. Desta vez estou realmente pessimista
quanto aos resultados que possamos obter, Horace.
O doublé de playboy e espião pousou o copo de uísque
sobre a escrivaninha. O olhar frio e os músculos do rosto
tensos davam-lhe à fisionomia uma aparência pétrea, como
se de súbito tivesse tomado uma decisão firme e
irreversível.
— Vou começar a agir agora mesmo, Mr. Lattuada. Tem
o dossiê do caso?
— Sim, como sempre. Aqui está ele.
— Ótimo. Amanhã receberá um cartão postal do Havaí.
Os dois agentes da CIA despediram-se com um forte
aperto de mãos, e Mr. Lattuada permaneceu fitando por
longo tempo a porta que se fechava às costas de um dos
maiores espiões do mundo. Sabia o que seu melhor homem
iria fazer, e temia por sua vida. Após todos os recursos
terem sido esgotados, era a vez de 77Z incumbir-se da
missão.
O chefe do Departamento 77 suspirou profundamente.
Pelos seus cálculos, Kirkpatrik não sairia vitorioso daquela
vez. Mas era a última esperança.
CAPITULO SEGUNDO
Voando para o desconhecido

Apesar de possuir quase o mesmo tamanho de um


Boeing 727, o SR-16, o mais avançado aparelho de
espionagem e reconhecimento construído pela indústria
aeronáutica americana e filho dileto do Pentágono, dispõe
de capacidade para transportar apenas dois tripulantes,
sendo o restante espaço útil do avião destinado aos
equipamentos de escuta, detecção, rastreamento e
aerofotogrametria.
Naquela manhã, voando a uma velocidade de Mach 2,
cerca de vinte mil metros acima da superfície do Pacífico,
um SR-16 pilotado por um agente do NIA da base
aeronaval de Pearl Harbor, levava cm seu bojo o temido
77Z da Central Inteligente Agency.
Com sua longa experiência como agente de ação,
Kirkpatrik calculara que o meio mais direto e objetivo de
travar contato com o mistério do Pacífico seria aparecer
exatamente na região onde haviam ocorrido os ataques,
deixando as elucubrações e pesquisas a nível de gabinete
para Mr. Lattuada e os analistas e burocratas da CIA. Claro,
este era também o meio mais fácil de encontrar a morte, ao
que tudo indicava, mas alguma atitude deveria ser tomada,
algo teria que ser feito, e ninguém poderia fazê-lo melhor
do que 771
O louro milionário apresentara-se na base americana no
Havaí como um agente comum da CIA, e foram-lhe
concedidas todas as facilidades recomendadas pela carta
branca que lhe dera Mr. Lattuada. Sem hesitar, decidira-se
por esquadrinhar o oceano com uma aeronave espiã tendo
em vista dois objetivos: procurar alguma pista, algum
indício naquela vasta extensão de água que pudesse ser de
utilidade na resolução do mistério, e, simultaneamente,
apresentar-se como isca aos agressores desconhecidos,
tendo em vista que um outro SR-16 desaparecera em
circunstâncias semelhantes naquela zona. A situação crítica
que enfrentavam justificava o risco. Havia alguém, numa
área de um milhão de quilômetros quadrados de oceano,
que não queria ser espionado. E 77Z dispusera-se a
contrariar esse alguém.
Kirkpatrik observava, de vinte quilômetros de altura, a
superfície do mar, azulada e reflexiva como um espelho,
enquanto mantinha a atenção concentrada nas telas de radar.
O oceano estava sendo continuamente filmado e
fotografado, e as imagens, além de gravadas, iam sendo
gradativamente transmitidas, através de um satélite de
telecomunicações da série Syncom, aos centros de análise
em Pearl Harbor.
Súbito surgiram dois pontos verdes numa das telas de
radar, que começou a emitir um sinal cadenciado de
detecção coincidindo com cada rotação do vetor de
varredura. O agente fora de série chamou a atenção do
piloto:
— Veja isto, Will!
O aviador analisou os sinais, enquanto consultava um
mapa situado na frente da carlinga, pouco acima de seus
olhos.
— Tudo certo. É a reflexão devida às ilhas Howland e
Balcer. Talvez você consiga vê-las a olho nu, mas é
improvável. São apenas duas ilhotas perdidas no Pacífico,
com 4,8 quilômetros quadrados de área. Dois rochedos
isolados.
— Foi nesta região que perdemos contato com o outro
aparelho SR-16?
O semblante do piloto Will anuviou-se.
— Sim. Crawford e Montgomery sobrevoaram estas
ilhas. Então o major Crawford avisou pelo rádio que iriam
deslocar-se para nordeste, a fim de retornar a Pearl Harbor.
Era uma simples missão de rotina, como a da Sétima Frota.
Porém; quinze minutos depois, o rádio emudeceu. Nunca
mais soubemos deles, nem do avião. Muitos navios
participaram de buscas intensivas nestas paragens, sem o
menor resultado prático. Foi como se se tivessem
evaporado.
Will calou-se, imerso em seus pensamentos. Ato
contínuo abriu-se o canal de áudio, pelo rádio-receptor do
avião, e ouviu-se nitidamente a voz do contato que falava de
Pearl Harbor:
— Alô, Zulu 200, aqui é o Controle. Tudo Ok.
O piloto acionou a tecla do aparelho que lhe daria a
freqüência de comunicação com a base aeronaval.
— Zulu 200 respondo. Nada de anormal até o presente
momento. Estamos agora no vetor 186 com relação à sua
posição.
— Correto. Está perfeitamente enquadrado em nossos
aparelhos. O avião de reabastecimento KC-135 irá
encontrá-los no vetor 170 dentro de... vinte e três minutos e
quinze segundos, exatamente. Entendido?
— Afirmativo. Vetor 170. Espero que o KC não se
atrase. Não temos combustível para retornar.
— Não tenha medo, Zulu 200. Por ora é só. Controle
desliga.
Will voltou a cabeça para Kirkpatrik.
— Teremos que nos desviar pata nordeste a fim de
encontrar a aeronave de reabastecimento na posição
preestabelecida.
— Ok. Isso nos deve levar às proximidades do
arquipélago das Espóradas, não?
— Com efeito. Encontraremos o KC pouco ao norte das
ilhas Palmyra.
A grande aeronave executou uma curva suave na
estratosfera e acelerou até Mach 3, três vezes a velocidade
do som, quase a sua capacidade máxima de deslocamento.
Os raios puríssimos e intensos do sei brilhavam de modo
cegante nas amplas asas triangulares do SR-16.
Aproximavam-se rapidamente do local do encontro.
Quinze minutos haviam decorrido. Através dos aparelhos de
bordo e do mapa, o agente fora de série notou que
sobrevoavam a grande altitude a ilha Washington, uma das
cinqüenta e seis ilhotas do grupo de Palmyra.
Foi então que o desastre aconteceu.
Kirkpatrik observava a curvatura do firmamento através
das janelas do aeroplano quando, de súbito, sem o menor
avise, viu, aterrado, a asa esquerda do SR-16 desfazer-se,
esmigalhada em mil pedaços, transformando-se em poeira
metálica. Antes que o sinal de alarme pudesse atingir o seu
cérebro, ouviu-se um tremendo estrondo, e um impacto
violentíssimo percorreu toda a extensão da aeronave,
destruindo todos os equipamentos de espionagem e fazendo
com que 77Z e o piloto, empurrados por brutal onda de
choque, fossem lançados de cabeça contra o teto da
carlinga.
Tudo ocorreu em milésimos de segundo. Quando os
reflexos supertreinados de Kirkpatrik puderam entrar em
sintonia com a situação já era tarde demais. Como um
pássaro indefeso atingido por uma carga de chumbo de
caça, o moderníssimo SR-16 foi reduzido a pedaços de aço
incandescentes, e seus destroços, lançados a grandes
distâncias na estratosfera, mergulharam em chamas rumo ao
oceano infinito, vinte e cinco mil metros abaixo.
***
No escritório do Departamento 77, em Nova Iorque, Mr.
Lattuada continuava em posição em frente do potente
aparelho de rádio recepção, em permanente contato com um
agente da CIA em Seattle, estado de Washington, que
recebia os informes de Pearl Harbor. Sorveu de um só trago
uma xícara de café sem açúcar e sem creme, e aceitou a
chamada indicada por uma luz vermelha intermitente no
painel do aparelho.
— Departamento 77. Fale, Seattle.
— Graves informes vindos de Pearl Harbor,
Departamento 77. Prepare-se para a notícia.
O diretor da CIA não conteve um gesto instintivo de
impaciência.
— Seja objetivo, Seattle! Fale logo!
— Zulu 200 desapareceu no vetor 170. Não obtivemos
resposta e sumiu das telas de radar. Também cessou de
enviar material de acrofotogrametria pelo Syncom. Só existe
uma resposta para isso.
Ante o silêncio de Mr. Lattuada, Seattle prosseguiu:
— Zulu 200 foi abatido nas proximidades das Palmyra.
Nada restou do avião... nem dos tripulantes.
— Isso... foi confirmado?
— Positivamente. Alguns navios neozelandeses ligados
ao pacto da ANZUS estão se dirigindo para o local, para as
buscas regulamentares. Mas... pessoalmente, creio que é o
fim de tudo. Zulu 200 acabou.
Mr. Lattuada fechou a comunicação e quedou-se
meditativo. Sim. Seus temores estavam confirmados. 77Z,
ousado e resoluto, quisera abarcar o mundo com seus
recursos. E o caso era muito mais estranho e perigoso do
que haviam imaginado. O Máscara Negra fora abatido num
SR-l6 sobre a imensidão líquida do Pacífico. Como ocorrera
à outra aeronave. A missão terminara, do modo mais infeliz
para os Estados Unidos da América, e para o seu melhor
agente.
Apesar de ser um dos diretores da CIA, homem
acostumado a ver a morte de frente, Mr. Lattuada ocultou o
rosto entre as mãos e não pôde furtar-se a soluçar.
***
Will ainda teve forças para gritar, desesperado:
— Meu Deus! Meu Deus! O avião foi destruído! Vamos
saltar enquanto há chance!
Kirkpatrik agarrou a mão do piloto, que já se dirigia para
o comando dos ejetores dos assentos.
— Não, infeliz! Estamos a mais de vinte mil metros de
altura! Se formos ejetados, morreremos asfixiados sem a
menor dúvida!
Will e 77Z lutaram durante alguns segundos. O
aeronauta, presa do mais profundo pavor, sentindo a
aeronave desfazer-se em pedaços, forcejava por ejetar o seu
assento, sentindo a carlinga despedaçar-se e cair
vertiginosamente rumo ao mar como uma bola de fogo.
Kirkpatrik sentia as chamas mordendo a sua carne e o
impacto gélido do vento estratosférico como um prenúncio
da morte inevitável e próxima. Da maravilha da aeronáutica
e da eletrônica restavam apenas partes fumegantes soltas no
espaço.
— Vou saltar! Vou saltar!
Histérico, irracional, o piloto não dispunha de controle
sobre si mesmo. 77Z viu que nada mais restava a fazer.
Aplicou um violento seco no maxilar de Will, pondo-o
imediatamente a nocaute, e, mesmo sentindo sua pele
crestar-se ao contato das línguas de fogo, manteve-se preso
ao assento, calculando mentalmente a distância que o
separava de inevitável impacto nas águas do Oceano
Pacífico.
A cauda e os lemes do avião riscavam o céu ao lado do
agente fora de série da CIA como chamas vivas. O cérebro
do Andróide analisava velozmente todas as possibilidades
de sair vivo daquela enrascada. Eram mínimas, na verdade.
Ao mesmo tempo em que o calor tornava-se
insuportável, 77Z conseguiu vislumbrar com maior nitidez
o diminuto contorno da ilha Washington. Estariam a cerca
de dez quilômetros de altura. Com um movimento brusco,
Kirkpatrik acionou o comando de ejeção do assento do
piloto Will. Num poderoso impulso, os cabos de aço de
tensão distenderam-se, repentina e violentamente, lançando
Will. e seu assento a grande distância no céu. Abriu-se o
primeiro pára-quedas e logo em seguida o segundo, de
forma cronometrada, amortecendo a corrida do piloto rumo
ao mar.
Kirkpatrik sentia-se desfalecer. Se aguardasse mais um
segundo, seria torrado vivo dentro da carlinga destruída do
avião despedaçado. Empurrou com decisão a alavanca de
acionamento do mecanismo de ejeção e viu-se colado ao
assento pela extrema aceleração que este adquiria. Sem
conseguir ver mais nada, o agente 77Z percebeu as
frenagens bruscas propiciadas pela abertura dos pára-quedas
e seu corpo tomou-se subitamente insensível.
Na pequena fração de tempo em que sua mente
permaneceu lúcida, o louro milionário pôde avaliar, num
relance, as conseqüências de sua audaciosa investida. Sim,
nada fora descoberto pelo equipamento de espionagem,
mas, ao que. parecia, ele se tornara isca e alvo dos
agressores desconhecidos. Só que a tentativa tinha sido por
demais temerária. Como o outro SR-16 desaparecido, o
Zulu 200 enfrentava exatamente a mesma sorte. E,
infelizmente, o fruto de tanto esforço parecia ser,
inevitavelmente, a morte.
O brilho intenso do oceano refulgiu por um instante nos
olhos de Kirkpatrik. E, em seguida, as trevas do
esquecimento.
CAPITULO TERCEIRO
Terror sem limites

O aposento estava imerso na mais negra escuridão. Mais


tenebrosa do que as próprias profundezas do inferno.
Por um instante Horace Young Kirkpatrik, após recobrar
a consciência, duvidou: estava morto e fora elevado a
dimensões superiores do mundo psíquico, ou continuava
atado às indefectíveis cadeias do mundo material?
Decidiu-se pela segunda hipótese. Sentia terríveis dores
esparsas pelo corpo, e, até onde conhecia as teorias sobre o
plano espiritual, nada do outro lado da existência poderia
ser tão doloroso assim.
Apesar de não perceber o mais leve vislumbre de luz,
tentou mover-se. Não o conseguiu. Viu-se atado a uma
superfície fria, áspera e dura, em decúbito dorsal. Algum
elemento momentaneamente desconhecido constrangia seus
tornozelos, punhos, abdômen, tórax e pescoço, de tal modo
que ele miseravelmente podia olhar apenas para o alto, sem
poder executar o mais simples movimento.
Aos poucos o temível 77Z conseguiu sintonizar a
realidade que o cercava. Estava solidamente atado a uma
superfície de pedra, provavelmente granítica, através de
indestrutíveis correntes que o fixavam numa posição única e
imutável, impedindo-o sequer de levantar a cabeça para
tentar ver os grilhões que o subjugavam.
Um frio desnatural torturava o organismo de Kirkpatrik,
e, pelo tato, ele viu que estava inteiramente despido.
Procurou coordenar as idéias. Não tinha a menor noção de
onde poderia encontrar-se naquele instante. A última
lembrança que lhe vinha à mente era o impacto brutal nas
águas geladas do Pacífico. O piloto Will caíra a um ou dois
quilômetros de distância, e de nada mais se recordava.
Era-lhe impossível reconhecer o lugar em que se achava
encerrado. Devido às trevas, não conseguia observar o
aposento, suas dimensões ou o que eventualmente estivesse
à sua volta. Um calafrio percorreu a espinha do louro
milionário. Tinha a nítida impressão de ter sido enterrado
vivo, de encontrar-se encerrado num frio e úmido ataúde
sobre uma laje sepulcral.
De súbito uma luz fortíssima acendeu-se no teto do
estranho local, obrigando-o a cerrar energicamente as
pálpebras para não ser ofuscado.
O agente 77Z não tinha a mais leve noção de tempo.
Não podia imaginar se minutos ou horas haviam decorrido
desde que recobrara a consciência. Mas, aos poucos, suas
pupilas contraíram-se, adaptando-se à intensa luz que
inundava o ambiente após as profundas trevas, e Kirkpatrik
conseguiu orientar-se. Até onde seu campo visual
alcançava, via-se no interior de um pequeno aposento,
talvez de quatro por quatro metros, com as paredes e o teto
construídos em blocos de pedra. Dos interstícios entre as
lajes de granito a umidade porejava densa. Todo o ambiente
era profundamente opressivo, como uma câmara mortuária,
embora se parecesse mais com um sombrio calabouço de
torturas de um castelo medieval. Não viu portas ou janelas.
E, do teto, uma potente lâmpada de dois mil watts dirigia o
foco luminoso diretamente para seus olhos.
Deitado sobre a placa de granito que lhe servia de leito,
o gigante louro sentia o tempo escoar-se lentamente.
Começou a preocupar-se, o medo atávico e instintivo do
desconhecido instalando-se em seu cérebro.
A verdadeira coragem consiste não em ignorar o medo
(isto é privilégio dos loucos e dos insensatos), mas sim em
saber dominá-lo, discipliná-lo. O agente fora de série da
CIA sempre fora um homem destemido, e não iria deixar-se
abater naquelas circunstâncias. Avaliou rapidamente o local
e concluiu que ser-lhe-ia totalmente impossível empreender
uma fuga naquelas condições, já que as sólidas correntes
não lhe permitiam mover-se um milímetro sequer. Tudo o
que tinha a fazer era esperar. Já que não poderia tentar nada
em sua defesa, passou a ignorar por complete a tétrica e
hostil realidade que o cercava e dedicou-se a exercícios de
abstração mental semelhantes à meditação iogue. Assim,
pelo menos, expulsaria o temor de sua mente.
Um ruído repentino arrancou 77Z de sua concentração.
Com o canto dos olhos ele procurou ver o que se passava.
Ao rés do chão, um dos blocos de pedra deslocara-se alguns
centímetros, qual portinhola abrindo-se, emitindo um som
estridente. Kirkpatrik ficou tenso. Algo estava para
acontecer.
Com efeito. A fisionomia do melhor espião do
Departamento 77 mostrou a princípio espanto, e logo a
seguir contraiu-se numa expressão de pavor incontrolável.
Do pequeno espaço aberto na parede começou a surgir um
verdadeiro exército de... aranhas e escorpiões peçonhentos!
Os asquerosos e perigosíssimos artrópodes moviam-se
rapidamente em direção à laje sobre a qual Kirkpatrik jazia
acorrentado. Eram milhares, dezenas de milhares de
nojentos bichos venenosos que avançavam numa massa
informe e repugnante, produzindo com o contínuo roçar de
seus corpos iam sinistro sibilar capaz de gelar o sangue do
mais frio dos mortais.
Em que pese o profundo terror que o assaltara, o louro
milionário conseguiu identificar os minúsculos e mortais
agressores que se avizinhavam continuamente. Eram
pequenas e repelentes tarântulas e viúvas-negras, além de
perigosos escorpiões das rochas, com as caudas dobradas
para cima. Cada inseto daqueles, tomado individualmente,
possuía suficiente veneno para matar um homem em
questão de minutos. E seu número era incalculável.
Aquela massa abjeta e nauseabunda aproximou-se do
local em que, indefeso, 77Z retesara todos os músculos e
nervos como cordas de violino, os olhos arregalados e e
reflexo de um horror imenso e indescritível alterando-lhe as
feições.
Alguns segundos depois Kirkpatrik sentia sobre a pele as
patas nojentas dos asquerosos insetos. Encontrava-se
incapaz de qualquer reação. Os bichos, aos milhares,
cobriram completamente o seu corpo nu, fazendo-o
desaparecer sob uma horrível capa negra. Descontrolado,
desesperado, o agente da CIA instintivamente quis gritar,
desafogar todo o seu horror num brado de angústia.
Conteve-se a tempo. Mordeu os lábios a ponto de fazê-los
sangrar. Se gritasse, dezenas daqueles horripilantes
animalejos cairiam dentro de sua boca e penetrar-lhe-iam na
garganta, asfixiando-o.
Kirkpatrik não sentia mais o próprio corpo. Um pavor
absoluto, total, imenso, impossível de ser descrito em
palavras deixara-o insensível. Nervos e músculos contraídos
a ponto de quase rasgar a pele, o louro milionário
aguardava, hipnotizado pelo terror, o momento em que uma
só picada daqueles horríveis bichos viesse pôr termo a sua
vida.
Seu cérebro continha apenas um obsessivo pensamento:
Estou morto! Morto! Morto!
E, apesar de saber que, como agente da CIA, enfrentava
a morte a cada segundo da sua existência, jamais esperara
que ela pudesse ser tão horrível e hedionda.
***
— Seattle ao Departamento 77. Responda,
Departamento!
Eram três horas da madrugada em Nova Iorque, mas,
apesar disso, Mr. Lattuada continuava firme em seu posto
em frente do aparelho de radiotransmissão, aguardando
notícias da base de Pearl Harbor. Abriu o canal de áudio,
admitindo a chamada:
— Departamento 77 na escuta. Alguma novidade?
— Nada. As buscas já foram encerradas. Não
encontramos nem um pedaço do avião nem manchas de
óleo no local do sinistro. Absolutamente nada. Os corpos do
piloto e do agente da CIA desapareceram também.
Mr. Lattuada manteve-se silencioso por alguns instantes.
Depois tornou, em voz neutra e impessoal:
— Está bem, Seattle. Mantenha-se nesta freqüência de
comunicação, pois tornaremos a entrar em contato em
breve. Já troquei informações com a cúpula da Agência,
com o alto comando da Marinha e com o Departamento de
Estado. Chegamos a conclusões importantes. Algo tem que
ser feito, e nós vamos tomar as nossas providências.
Procuraremos descobrir por outros meios o que está
acontecendo no Pacífico, e, se possível, vingar a morte de
nossos agentes.
— Que providências são essas, Departamento?
— Não podemos falar sobre isso agora. Mas mantenha a
onda desimpedida. Quando chegar o momento adequado,
tornarei a contactá-lo, Seattle.
— Ok. Deixo a freqüência reservada para seu canal
exclusivo, Departamento.
— Ótimo. Desligo.
Mr. Lattuada interrompeu a comunicação e estendeu a
mão para o telefone, batendo rapidamente e com decisão
nas teclas.
***
Os insetos cobriam aos milhares o corpo indefeso de
Kirkpatrik, sepultando-o sob uma horrível e repugnante
mortalha negra. A voraz e nojenta nuvem de tarântulas,
viúvas-negras e escorpiões parecia a ponto de, literalmente,
devorar e estraçalhar a ferroadas o agente da CIA.
Num pavor inconcebível e tremendo, além de todos os
limites suportáveis pela mente flutuava, 77Z tinha todos os
nervos retesados, a ponto de lhe dilacerarem a pele. Mas
não podia resistir muito tempo a situação tão crítica e
desesperadora, atacado por uma miríade de bichos
extremamente venenosos. Uma simples picada, entre
dezenas de milhares possíveis, iria provocar-lhe
inevitavelmente a morte, horrível e dolorosa.
Sim, nada mais havia a fazer. De súbito o corpo do louro
milionário contorceu-se num violento espasmo, em severas
convulsões, que foram cessando lentamente. Após alguns
instantes, seus músculos e nervos relaxaram-se por
completo e sua cabeça, mantida em posição pelas correntes
que lhe sujeitavam o pescoço, inclinou-se ligeiramente para
o lado.
***
O salão era muito amplo e confortável, mobiliado com
bom gosto e simplicidade. O único toque que se poderia
considerar mais luxuoso era dado pelos belíssimos lustres
de cristal, que, emitindo e refletindo a luz através de
inúmeras facetas, proporcionavam ao ambiente uma
atmosfera de intimidade e requinte.
Sobre a longa mesa de mogno trabalhada, recoberta com
uma finíssima toalha vermelha de linho com bordados
dourados, repousavam os restos de um lauto jantar regado a
champanha. Apenas duas pessoas ocupavam as cabeceiras
da mesa com capacidade para vinte lugares.
O homem alto e magro, de óculos, ergueu-se e elevou o
copo até a altura dos olhos. Fitou por instantes o líquido
cristalino e borbulhante.
— A nós, Wu — murmurou lentamente —, e ao sucesso
dos nossos planos!
A belíssima oriental não se levantou. Trajava apenas um
quimono azul-celeste quase transparente, e, refestelada na
confortável poltrona forrada de veludo vermelho, limitou-se
a fitar o homem com seus olhos oblíquos, sensuais, negros e
profundos como os de uma gata. Ergueu então a sua taça, e
seu olhar extasiante, quase hipnótico, traspassou o
champanha.
— Assim seja, Ernst.
O homem dirigiu-se em passos vagarosos para a linda
jovem. Depositou o copo sobre a mesa e tomou o rosto da
oriental entre suas mãos, atraindo-a para si e beijando-a
com sofreguidão. A moça correspondeu ao gesto
apaixonado e Ernst, animado pelo desejo, fez menção de
tocar nos seus seios. A oriental, então, afastou-o, de modo
delicado porém firme. Tomou fôlego.
— Calma, Ernst. Tenha calma. Deixe para depois —
falava em tom baixo, com voz cristalina e agradável, como
é característico das mulheres do Oriente.
Sorriu. Ernst, apressado e inquieto, alisava os cabelos
longos, negros e lisos da beldade.
— Primeiro o relatório, Ernst. Cumpriu todas as minhas
instruções de hoje?
— Sim, Wu. Tudo em ordem. Os acontecimentos estão
exatamente dentro do previsto. Dentro de muito pouco
tempo poderemos desfechar a ofensiva final, haja vista o
sucesso que obtivemos contra a Sétima Frota.
— E quanto aos tripulantes do SR-l6? Cuidou deles?
— Sim. Ambos receberam o tratamento adequado.
— Perfeito — Wu sorriu de modo sedutor — e como
você se portou bem, Ernst, está na hora de receber o seu
prêmio.
Os olhos do homem alto e magro brilharam. Wu
levantou-se, movendo-se com a graça e sensualidade de
uma pantera, e, com gestos lânguidos, desatou o laço da
faixa de pano que lhe cingia o quimono à cintura. Com um
delicado movimento de ombros, fez a roupa escorregar ao
longo de seu corpo, amontoando-se no chão a seus pés.
Ernst quase perdeu o fôlego ao ver a maravilhosa
escultura inteiramente despida à sua frente. Wu era
realmente uma mulher espetacular.
Seu corpo curvilíneo e gracioso, levemente bronzeado,
seria capaz de levar um eremita à loucura. Desesperado de
desejo, Ernst tomou a fêmea em seus braços.
— Espere, Ernst! Esqueceu-se do nosso ritual?
— Que? Ah, sim, sim, tem razão, Wu
A oriental deitou-se, com movimentos sensuais, no
felpudo carpete que recobria o assoalho do salão, mantendo
os braços abertos e as pernas levemente separadas. Ernst,
apressado, retirou velozmente as roupas e abriu uma garrafa
de champanha Veuve Cliquot, fazendo a rolha saltar
distante. Ato contínuo, ajoelhou-se ao lado da encantadora
jovem, e, como se cumprisse um ato de devoção, foi
despejando lentamente o líquido borbulhante sobre o corpo
apetitoso de Wu. Começou vertendo o champanha no
delgado pescoço da moça, e daí desceu para os seios, o
ventre sensual e a sede dos encantos íntimos da bela
oriental. Prosseguiu pelas coxas e pernas, detendo-se nos
delicados e diminutos pés. A última dose foi reservada para
os lindos lábios vermelhos e entreabertos.
Ernst já estava quase fora de si. Wu sorria como um
súcubo diabólico, fitando fixamente seu amante e fazendo
Ernst mergulhar e afogar-se no mar daquele olhar profundo
e carregado de promessas de amor.
— Venha, Ernst... venha... — convocando o homem alto
e magro com sua voz quente e envolvente, a jovem Wu
cingiu com os braços o pescoço do amante.
Ernst não aguardou segundo convite. Sempre ajoelhado,
começou a sorver o champanha que lhe era oferecido sobre
o corpo quente e palpitante da belíssima oriental.
Muito excitada, Wu emitia curtos gemidos c suspiros ao
sentir a boca do amante tocar sua pele. Coleando como uma
perigosa serpente, encostou-se ao corpo do amante e deitou-
se de bruços no carpete, vibrando com os inúmeros e
apaixonados beijos que Ernst distribuía por toda a sua
anatomia.
— Beije-me mais, Ernst querido... nas costas... — pedia,
em voz ciciante, a gatinha oriental, comandando as atitudes
de seu parceiro.
Ernst satisfez-lhe a vontade, tocando com os lábios cm
brasa todos os recantos do corpo da amante. Com gemidos
lascivos, Wu anunciava-se preparada para obter o prazer
total.
Wu agarrou-se sofregamente ao corpo de Ernst, e, ao fim
de alguns minutos, anunciava em altos gritos a sua completa
e cabal satisfação, tendo atingido o êxtase sexual.
Quase em seguida, Ernst, exausto, desabou sobre o
carpete, sem fôlego. Após algum tempo, Wu ergueu-se com
movimentos rápidos, e, tornando a vestir o seu quimono
azul-celeste, abandonou o salão, deixando o amante
prostrado a ressonar placidamente.

CAPITULO QUARTO
Sexo no calabouço

O corpo de Kirkpatrik repousava sobre a laje de granito.


Uma miríade de aranhas e escorpiões, caminhando sobre
ele, mantinha-o ainda oculto sob a massa negra e repelente.
Então, através de grupos de pequenos orifícios
semelhantes a sprinkelrs, situados nas paredes do tétrico
calabouço, uma nuvem de gás começou a escapar com um
silvo agudo, ao mesmo tempo em que a laje móvel que dera
acesso aos asquerosos artrópodes tornava a abrir-se. Num
instante, todos aqueles milhares de nojentos insetos, como
que obedecendo a um poderoso instinto ou a alguma forma
misteriosa de comando, puseram-se cm veloz movimento,
demandando a abertura na parede da cela.
Tangidos pelo gás, os animalejos deslocaram-se
freneticamente, desaparecendo com presteza através da
abertura. Após alguns minutos não restava um só no interior
do estranho aposento inundado de vapores densos. O bloco
de pedra móvel cerrou-se cm seguida, e o aposento
submergiu num silêncio desnatural.
Uma seção inteira da parede cedeu, abrindo-se como
uma porta. Era o painel dificilmente visível que dava acesso
àquela antecâmara do inferno. Dois homens, tossindo e
procurando afastar os resquícios da nuvem gasosa,
penetraram no calabouço e seus olhares convergiram para o
corpo inerte do milionário louro.
— Veja o que sobrou dele, Wang Cheng.
O chinês corpulento e totalmente calvo chamado Wang
Cheng acercou-se do agente 77Z, examinando-o
atentamente por alguns segundos.
— Está desmaiado, Hua Fu. Não resistiu lúcido ao
tratamento especial e perdeu os sentidos devido ao pavor.
— Ah! Ah! A doutora Wu é realmente fantástica!
Somente ela poderia utilizar processos tão sofisticados e
científicos de controle mental!
Wang Cheng estremeceu.
— Não ria, Hua Fu. Deve ser uma coisa pavorosa ser
atacado por milhões desses insetos tenebrosos. Eu preferiria
morrer a submeter-me a uma sessão destas.
— De fato, não é agradável para o paciente. Dê-lhe as
pílulas.
O oriental corpulento teve um certo trabalho para
conseguir afastar as mandíbulas de Kirkpatrik, que me
haviam cerrado fortemente, como se unidas por cabos de
aço. Depois despejou pela garganta do agente 77Z meia
dúzia de pílulas de cor esverdeada.
— Pronto. Agora é sé esperar que recobre os sentidos.
Com efeito; minutos depois o espião da CIA abria os
olhos e, com ar ausente, procurava orientar-se dentro da
nova realidade que se lhe deparava. Hua Fu, manejando as
chaves dos cadeados de aço, libertou Kirkpatrik das grossas
correntes que o mantinham atado ao leito de granito. Mãos
livre, o louro industrial passou-as pelo rosto, como a
espantar as negras sombras de um horrível pesadelo. Graças
à sua capacidade incomum de recuperação, readquiriu em
pouco tempo o sangue-frio, vendo-se agora em presença de
dois seres humanos e não mais dos milhões de insetos
venenosos.
— Caramba! Não morri! — foram as suas primeiras
palavras.
Wang Cheng riu-se, sarcástico.
— Como pode ter certeza disso, americano?
Kirkpatrik encarou o gordo chinês.
— Porque no céu seria improvável encontrar dois
indivíduos tão feiosos quanto vocês, meus amigos.
Os orientais entreolharam-se, meneando as cabeças.
— É... este aqui vai ser um osso duro de roer!
De súbito, sem o menor aviso, Hua Fu agarrou o agente
77Z por um braço, obrigando-o a levantar-se, e, com grande
rapidez, subjugou-o com uma chave de braços, sustendo
suas mãos presas às costas.
— Muito bem, Wang Cheng. Comece!
Antes que Kirkpatrik pudesse perceber o que estava
acontecendo, já a manopla do chinês corpulento, num
poderoso murro, enterrava-se profundamente em seu ventre,
extraindo-lhe totalmente o ar dos pulmões.
Mas... mas...
Com um riso sádico no rosto mau, Wang Cheng
prosseguiu castigando o estômago e o rosto do louro
milionário com furiosos socos que atingiam 77Z como se
fosse marretadas. O agente da CIA tentou libertar os braços
para esboçar uma reação, mas Hua Fu mantinha-o preso
como se utilizasse tenazes em vez de mãos. Ainda não
inteiramente refeito das horríveis experiências por que havia
passado e estonteado pelos primeiros golpes que recebera
de absoluta surpresa, Kirkpatrik não mais conseguiu
defender-se. Cada murro de Wang Cheng era arrasador
como um tiro de canhão. Obcecado em desmontar o jovem
americano a pancadas, o sinistro chinês batia firme e duro,
castigando impiedosamente o corpo já maltratado de seu
indefeso oponente. O agente fora de série da CIA não
resistiu por muito tempo à saraivada de brutais socos, e,
quase em seguida, seu corpo perdeu sustentação.
Indiferente a isso, o grosseiro chinês martelava mais e
mais.
— Pare, Wang Cheng! Já chega! Não podemos matar o
sujeito!
Hua Fu libertou os braços do americano e este desabou
como um saco vazio no chão duro, levando mais uma
patada nos queixos antes de chegar ao solo. Caído o
adversário, ou a vítima, melhor dizendo, Wang Cheng
passou a agredi-lo com violentos chutes, ameaçando partir
todos os seus ossos. Seu companheiro acudiu a contê-lo:
— Basta! Basta! Você vai quebrá-lo todo!
Rindo, o energúmeno desferiu um último coice nas
costelas do americano, um golpe bestial que lançou
Kirkpatrik, severamente atingido, a um canto do calabouço,
onde permaneceu estatelado.
Como se nada de mais estivesse ocorrido arque-te
diabólico aposento, os dois orientais esfregaram as mãos e
saíram, fechando cuidadosamente o painel após a sua
passagem.
Torturado, massacrado a pancadas, o agente fora de série
da CIA permaneceu solitário no aposento do mal, reduzido
a um farrapo humano e incapaz de reagir a qualquer
estímulo.
Horace Young Kirkpatrik voltou a si cerca de duas horas
depois. Faminto, sedento e moído de murros, procurou não
prestar maior atenção ás dores atrozes que lhe aguilhoavam
todo o organismo, minando a sua resistência. Com a
determinação férrea que caracterizava todas as suas
atitudes, decidiu olvidar por completo a miséria de sua
condição física e canalizar todas as suas energias no esforço
mental de arquitetar um plano de fuga. Nem sequer sabia
onde se encontrava, mas isso não o deteria. Provavelmente
achava-se aprisionado numa das ilhas do Pacifico, nas mãos
de loucos sanguinários, mas isso poderia não ser verdade.
Como não tinha idéia do tempo decorrido entre a queda no
oceano e a primeira vez que recuperara a consciência, era
plausível encontrar-se agora em qualquer parte do mundo.
Pelo menos o haviam deixado livre das correntes.
Kirkpatrik ergueu-se com dificuldade e bateu com a cabeça
no teto do aposento. O calabouço deveria ter um metro e
noventa de altura.
O agente fora de série tentou organizar os pensamentos.
Tinha quase certeza de que fora agarrado pelos indivíduos
que utilizavam a misteriosa arma deflagradora do mistério
do Pacifico. Portanto devia estar na boca do lobo. Em
princípio, era o que desejava, mas não aguardara um
tratamento tão ruim como o que recebera. Enfim, eram os
cavacos do ofício. Nem sempre poderia estar nas praias de
Acapulco ou do Rio de Janeiro para resolver um caso de
espionagem.
Bem. Pensemos. Por algum lugar haviam entrado os dois
bestiais chins, e, aparentemente, não havia porta. ou janela.
no aposento. Claro. Um painel secreto.
Kirkpatrik pôs-se a esquadrinhar as paredes em busca do
painel. Precisava escapar urgentemente dali para dar
prosseguimento à sua missão. Rezava para que seus
captores loucos não iniciassem um outro ataque com
tarântulas e escorpiões. Sobrevivera ao primeiro, e nem ao
menos sabia como. O mais lógico seria que fosse trucidado
pelos venenosos artrópodes. De qualquer modo, continuava
vivo, e, se conseguisse escapar, desvendaria mais aquele
mistério.
De súbito uma parte da parede abriu-se. O painel!
Kirkpatrik colou-se às pedras, oculto atrás do painel secreto,
pronto a revidar a qualquer ataque.
Não foi ameaçado, porém. Uma garota oriental entrou
no calabouço, e, ao mesmo tempo em que o agente fora de
série a agarrava pelo pescoço, o painel, como se acionado
por poderosas molas, fechava-se rapidamente às costas da
moça.
— Espere! Não faça isso! — gorgolejou a jovem, semi-
estrangulada.
De qualquer modo, a porta já estava solidamente
fechada. Não tinha mais utilidade para o louro milionário
como meio de fuga. Este afrouxou um pouco a pressão na
garganta da oriental.
— Largue-me, americano! Isso não vai lhe adiantar
nada!
— Ordene que abram o painel ou quebro o seu pescoço
agora mesmo! — comandou 77Z, ameaçador.
— Não... não.
— Vai morrer, então!
— Espere! Deixe-me falar... eles não abrirão o painel
sob pretexto algum... eu também sou prisioneira deles... vai
matar-me inutilmente, americano! Estrangule-me, mas nada
lucrará com isso!
Kirkpatrik hesitou por um segundo.
— Veja! Trago-lhe comida e água! Eles me deram essa
tarefa justamente para não correr riscos; se você liquidar
comigo, nossos captores não perderão nada. Além do mais
— baixou a voz a quase um murmúrio — eu estou do seu
lado! Posso ajudá-lo a escapar por outros meios!
O playboy milionário decidiu pagar para ver. Libertou a
garota, que passou a mão pelo pescoço quase esmagado
pelo braço musculoso de Kirkpatrik.
— Ok. Vamos ver o que você pode fazer por mim.
Em silêncio, a garota oriental estendeu ao americano a
sacola que trazia. 77Z serviu-se de fruta-pão e sorveu a água
do cantil.
— Estamos prisioneiros numa ilha do Pacífico, não sei
qual — começou a garota, rapidamente — e eu estou detida
numa cela muito semelhante à sua. Não sei quem nos
capturou, nem o que pretende com o nosso cativeiro. Hoje
fui requisitada para trazer-lho o alimento. Os guardas
calcularam que se você se rebelasse e desejasse matar-me
‘eles não perderiam grande coisa com isso.
Enquanto comia e bebia, o louro espião fitava com
manifesto interesse a garota. Era uma linda oriental,
provavelmente japonesa. Uma coisinha deliciosa. Pele
ligeiramente bronzeada e os traços finos e delicados
característicos de sua raça. Os longos cabelos negros
estendiam-se pelas costas sobre o gracioso quimono
vermelho. O olhar denso, profundo, terrivelmente sensual e
pleno de promessas inconfessáveis faria o coração de
qualquer homem palpitar mais rápido.
— Muito bem. Você não foi muito esclarecedora sob
esse aspecto. Como se chama?
— Meu nome não importa. Além do mais, nem sei o
seu.
O louro estendeu a mão com afetada formalidade.
— Henry Kornelius, ao seu dispor.
— Prazer. Eu sou Wu... Wuey Sato.
— Vamos ao que interessa, Wuey. Pretende ajudar-me?
Tem um plano de fuga?
— Sim, Henry, mas o tempo urge. Os guardas devem
voltar dentro de alguns minutos para buscar-me e há algo
que temos a fazer antes disso.
— O que é?
A oriental não respondeu. Simplesmente desatou a faixa
do seu quimono, deixando-o deslizar até os pés.
Kirkpatrik sofreu um choque. Em primeiro lugar, devido
ao gesto da garota. Por baixo do quimono ela não vestia
nenhuma outra peça de roupa, e apresentou-se inteiramente
desnuda aos olhos do temível espião. Claro, as
circunstâncias e o lugar eram os mais absurdos possíveis. E,
em segundo lugar, pela incomum beleza da oriental. Wuey
era uma verdadeira maravilha de mulher. Não era alta,
como de resto é comum entre as orientais, mas seu corpo
perfeito, muito bem proporcionado, curvilíneo e gracioso,
constituía um verdadeiro poema vivo à beleza feminina. O
ventre liso e bem feito vibrava de desejo, e a moça passou
lentamente as mãos pelos lindos seios, opulentos e túrgidos.
Sem nada dizer, encostou-se ao corpo de Kirkpatrik. O
milionário sentiu o calor que emanava daquela fêmea jovem
e ardente e recebeu o beijo apaixonado dos lábios sensuais.
Em virtude da surpresa, ele não reagiu com a presteza
necessária à situação. Mas as maozinhas delicadas da
japonesa encarregaram-se de excitar convenientemente o
gigante louro.
Repentinamente, magnetizada pelo mais violento desejo,
a jovem transformou-se numa fera selvagem, num monstro
de lascívia. Emitindo pequenos gritos, aferrou-se
vorazmente ao corpo de Kirkpatrik, lançando os seios
vibrantes contra seus lábios.
O louro milionário era um amante experimentado, e,
ademais, tinha por princípio básico em sua vida jamais
deixar uma mulher insatisfeita, pois, nesses casos, as
reações pedem ser imprevisíveis e de más conseqüências.
Assim sendo, apesar de encontrar-se combalido em função
da surra aplicada por Wang Cheng, utilizou toda a sua arte e
técnica no sentido de proporcionar prazer á jovem japonesa.
Com carícias tantalizantes por todo o maravilhoso corpo de
Wuey. levou-a a dimensões de plena realização sexual.
Deitada de costas no chão úmido e frio do calabouço, a
belíssima oriental atingiu várias vezes o clímax, enterrando
a cabeça no largo peito do espião a serviço da CLA e
mordendo-lhe rudemente a carne, a fim de abafar os
gemidos que lhe afloravam à garganta. Beijando em delírio
o louro industrial, Wuey murmurava entrecortadamente
algumas palavras em seu idioma. Inteiramente
desconhecido a Kirkpatrik,
Saciada, realizada e feliz, a bela oriental abandonou-se
de costas, tentando normalizar a respiração. Trocou algumas
frases com o gigante louro, e, quando o painel abriu-se
subitamente, foi agarrada por grande número de guardas,
sendo conduzida para fora da cela, satisfeita e alegre.
Satisfeito e preocupado. Kirkpatrik sentou-se, solitário,
na laje granítica, meditando nas últimas palavras que lhe
dissera Wuey.

CAPITULO QUINTO
A Doutora Wu

Wang Cheng e Hua Eu invadiram abruptamente o


calabouço, empunhando metralhadoras Gewehr-3 apontadas
diretamente para o espião da CIA.
— Vista-se!
Hua Eu lançou um macacão cinza em direção a
Kirkpatrik. O agente 77Z ergueu-se lentamente e, sem
pressa, encarando fixamente os chins, envergou o traje.
— Vamos, mexa-se!
Enterrando os canos das metralhadoras nas costas do
americano, os dois brutais guardas empurraram o
prisioneiro em direção à saída da cela. O espião calculou
mentalmente suas chances de reação, mas desistiu ao ver,
do lado externo, cerca de uma dezena de homens armados
fazendo mira diretamente sobre si. Decidiu-se por aguardar
melhor oportunidade.
Kirkpatrik não pôde reprimir um suspiro de alivio ao
ver-se fora daquela estranha câmara de horrores. Galgou
alguns degraus escavados cai pedra e encontrou-se num
longo e estreito corredor, cercado por apreciável quantidade
de guardas armados.
Guiado pelos incômodos toques nas costas. percorreu o
longo corredor, vendo mais seis escadas descendentes no
trajeto, que deveriam levar a outros cubículos semelhantes
aquele em que estivera encerrado.
Uma sólida grade de ferro abriu-se à passagem do
prisioneiro, dando acesso a urna ante-sala que poderia ser
descrita como urna carceragem. Alguns guardas armados
postaram-se em frente de um painel de comandos
eletrônicos, O espião calculou que ali se situavam os
controles da abertura das portas de liberação dos insetos e
provavelmente de outras misérias existentes nos calabouços.
— Pelas barbas do profeta! Sinto-me como um
condenado no Corredor da Morte em Sing-Sing ou
Alcatraz!
— Cale-se, palhaço! Siga em frente se não quiser ter o
crânio estourado a balaços!
Kirkpatrik prosseguiu percorrendo outras galerias até
chegar ao fina! de um outro corredor, fechado por uma
grande porta de madeira reforçada com barras de aço.
— Abra!
O agente 77Z estranhou a ordem, mas obedeceu.
Manejou a maçaneta e viu-se introduzido num amplo salão
de grandes dimensões, mobiliado de forma singela e
despretensiosa. Wang Cheng e Hua Fu fecharam a porta às
suas costas retornando ao corredor por onde haviam
caminhado.
O espião fora de série viu-se solitário no interior do
aposento, de cujo teto pendiam grandes lustres de cristal.
Claro, estava só apenas aparentemente, pois os dois chins
haviam permanecido atrás da porta de madeira, e
seguramente havia mais homens armados ocultos nos quatro
outros acessos conducentes ao salão que conseguia divisar.
Sem ter o que fazer, o louro milionário enfiou as mãos
nos bolsos do macacão cinza, que lhe dava aparência de um
sentenciado do presídio estadual do Arizona, e dedicou-se a
reconhecer o ambiente. Percebeu que o salão nada mais era
do que uma imensa gruta escavada na rocha viva, como
bem indicavam suas paredes e teto. Moveu-se pelo chão
acarpetado até diante das pequenas janelas redondas de
espesso vidro, e procurou então analisar o panorama.
Wuey tinha razão. Pelo que podia observar, todas
aquelas instalações estavam situadas numa pequena ilha
granítica de cerca de um quilômetro quadrado. Assim, o
salão, as galerias, corredores e calabouços constituíam-se
em espaços escavados na rocha, no coração da ilhota. Esta
era cercada por um anel quase que perfeitamente circular de
recifes coralinos que delimitavam uma laguna em torne da
ilha de aproximadamente duzentos metros de largura. Além
da barreira de recifes estendia-se amplo o oceano livre. Em
suma, consistia num típico atol, semelhante a milhares de
outros esparsos pelo Pacífico. O simples reconhecimento do
local não lhe fornecia indicação alguma a respeite do ponto
exato em que ele se encontrava nos 164.136.900
quilômetros quadrados de área do Oceano Pacífico.
— Mr. Kornelius.
A voz cálida e sensual provocou uma reação de surpresa
em Kirkpatrik. Artes de voltar-se para sua interlocutora, ele
já sabia de quem se tratava.
De fato. A belíssima oriental, fresca e radiante como
uma rosa recém desabrochada, endereçava-lhe o mais suave
e cativante dos sorrisos. Usava agora um quimono azul-
celeste e fazia-se acompanhar por um indivíduo muito alto e
magro, de rosto quase inexpressivo e tão louro que mais se
assemelhava a um albino. O díspar casal postou-se em
frente de 77Z.
— Wuey! Mas... não entendo!
A japonesa ampliou o sorriso.
— Não subestimo a sua inteligência, Mr. Kornelius, e
sei que já vai compreender tudo. Não me chamo Wuey
Sato. Na verdade, sou internacionalmente conhecida como
Wu. E este á o meu... colaborador, professor Ernst van der
Kouw, de Groningen, Holanda. Entenda que o nome que lhe
forneci anteriormente é tão falso quanto esse Henry
Kornelius.
As engrenagens cerebrais de Kirkpatrik trabalhavam a
todo vapor. O verdadeiro computador mental do Andróide
entrara em atividade na tentativa de elucidar as dúvidas
quanto à estranha situação em que se encontrava. Wuey
Safo, a doce japonesinha que, dizendo-se prisioneira,
atacara-o com fúria sexual no calabouço, era na verdade a
doutora Wu! Como podia ser isso?
— Sentemo-nos, Mr. Kornelius. Poderemos trocar idéias
mais à vontade.
Acomodaram-se na vasta mesa de mogno trabalhada,
com a doutora Wu à cabeceira e o agente 77Z e Ernst van
der Kouw ladeando-a. Wu avisou de imediato:
— Se pensa poder tentar alguma gracinha, como atacar-
me e dominar-me através da força física, sinto desiludi-lo
logo de saída, Mr. Kornelius. Este salão encontra-se
controlado por grande número de meus homens, armados,
que não hesitariam em rebentar-lhe o crânio a tiros antes
que conseguisse ensaiar qualquer movimento suspeito.
Portanto palestremos calmamente, como pessoas normais
— e, mudando de tom.
— Percebi que a menção de meu nome produziu-lhe
uma reação, Mr. Kornelius. Devo entender que já havia
ouvido falar a meu respeito?
— É verdade; já li muito sobre você, Wu, embora não a
conhecesse sequer através de fotografias. Pelo que sei,
formou-se suma cum laude aos vinte e um anos em
Medicina pela Universidade de Tóquio. Especializou-se em
Neurologia, e, atualmente, é uma das mais respeitadas
cientistas em todo o mundo nessa área. Seus trabalhos de
pesquisa são aplaudidos por toda a comunidade científica
internacional. Deve estar agora com vinte e sete anos, se
não me engano.
A bela oriental sorriu.
— Vinte e oito, Mr. Kornelius. Percebo que conhece
algo do meu currículo. Isso não lhe sugere algo quanto à
situação em que se encontra?
— Confesso que não.
Ernst retirou do bolso do jaleco branco um maço de
cigarros, oferecendo-o aos demais. Após tragar
profundamente, a doutora Wu prosseguiu:
— Mr. Kornelius, você e um companheiro tripulavam
uma aeronave do tipo SR-16 quando foram abatidos nas
cercanias da ilha Washington por minha defesa antiaérea.
Os mísseis teleguiados SAM-7, de fabricação soviética,
orientados por sensores térmicos, são uma arma
extremamente eficiente até mesmo contra o mais perfeito
avião de espionagem já inventado pelos americanos. Pois
bem, o que faziam vocês sobrevoando o insignificante
arquipélago das Palmyra, raras vezes alcançado pelos
aparelhos de reconhecimento? Não, não responda:
procuravam desesperadamente encontrar alguma pista com
relação às terríveis e desconhecidas armas que, em curto
espaço de tempo, danificaram seriamente belo-naves da
Terceira Frota e puseram a Sétima fora de combate. Estou
certa?
Kirkpatrik notou que seria inútil e até mesmo perigoso
querer ofender a inteligência de Wu. Seria mais conveniente
admitir o fato. Ademais, agora conhecia o meio pelo qual os
dois aviões SR-16 haviam sido derrubados. Claro, mísseis
soviéticos SAM-7 dirigidos ao alvo pelo calor desenvolvido
através das turbinas. Um processo quase infalível.
— Sim, Wu, é isso mesmo.
— Ótimo. Parabenizo-o por seu discernimento, evitando
irritar-me com mentiras ridículas e pueris. Por outro lado,
devo presumir então que você é um militar, ou então um
agente da NIA ou até mesmo da CIA. Poderia ser inclusive
o famoso e famigerado agente 77Z da CIA!
Kirkpatrik sorriu.
— Fico lisonjeado com essa idéia, mas sou apenas o
capitão Henry Y. Kornelius, da USAF, número de matrícula
HV-39948.
— Elucidaremos esse ponto mais tarde. Por ora devo
dizer-lhe que você, em parte, atingiu o seu objetivo,
Kornelius.
— Então...
— Exato. Eu, a doutora Wu, e o professor van der Kouw
somos os inventores dessa misteriosa arma. Nós a
utilizamos contra os navios americanos, e, com ela, vamos
riscar do mapa toda a esquadra dos Estados Unidos.
— Wu, não convém falar muito a respeito... — objetou
Ernst.
— Não se preocupe. Já chegamos a um consenso quanto
ao que deve ser dito a Kornelius. Não interfira, por favor.
Ernst van der Kouw calou-se, contrariado, e a linda
cientista japonesa dirigiu-se ao louro milionário:
— Ao artefato destrutivo nós chamamos Arma Biológica
Metazoária. Creio que conhece perfeitamente as armas
biológicas convencionais, Kornelius. Cientistas soviéticos e
americanos são especialistas nelas. São vírus, bactérias e
bacilos produtores de toxinas altamente venenosas, que,
empregadas com método, podem destruir populações
inteiras, como o conhecido vírus do botulismo. Nós, porém,
empregamos animais superiores como artefatos de guerra. E
com resultados muito mais objetivos.
— E como funciona essa arma?
— Calma, Kornelius. Mais tarde, se você merecer a
nossa confiança, eu posso vir a contar-lhe isso. Por
enquanto, deixe-me situá-lo melhor no nosso esquema: tudo
começou há cerca de dois anos, quando, no curso de
diversas pesquisas sobre neurologia, consegui desenvolver
um método de interferir com os processos eletroquímicos
do cérebro de alguns animais. Apresentei tese a respeito na
Universidade de Tóquio e acabei sendo ridicularizada por
alguns colegas invejosos que refutaram a minha teoria,
movidos por preconceitos incompatíveis com uma atitude
verdadeiramente científica. Negaram valor à tese, não pela
descoberta em si, mas pelo fato de me considerarem uma
espécie de enfant terrible da ciência, jovem, idealista e de
mentalidade aberta. Sabe que o meu QI é próximo de 200?
Pois bem, aqueles velhos e mumificados sábios recusaram-
se a prestar-me um voto de confiança, e, assim, prossegui
nas pesquisas sozinha, até que, num congresso científico de
que participei na Holanda, vim a encontrar o professor van
der Kouw, que desenvolvia uma série de trabalhos
semelhantes aos meus. Juntos, demos um grande passo à
frente: em vez de simplesmente interferir de modo aleatório
nos processos mentais de alguns seres vivos,
desenvolvemos um método e as necessárias aparelhagens
cientificas para controlar efetivamente o pensamento, e,
consequentemente, as ações desses seres. Claro, recebemos
farto auxílio financeiro de alguns... colaboradores muito
importantes, e, com isso, montamos o nosso laboratório
secreto aqui, na ilha Faning, no arquipélago das Palmyra.
Como resultado final, elaboramos a Arma Biológica
Metazoária, cuja eficiência já foi sobejamente demonstrada.
Você a conhecerá oportunamente.
— Fantástico! — ironizou o agente 77Z! — Só não
entendo, Wu, por que contou-me tudo isso.
— Compreenderá dentro de alguns minutos.
— Ademais: não consigo ver a relação entre essa arma
biológica, o propósito de destruição de toda a esquadra
americana e o absurdo tratamento a que fui submetido nesta
ilha. Por que a prisão no calabouço, o ataque das tarântulas,
a surra gratuita que me aplicaram e a...
Kirkpatrik calou-se subitamente, olhando de soslaio para
Ernst. Wu sorriu.
— Pode prosseguir, Kornelius. E a, digamos, visita
sexual que lhe fiz na cela. Tudo isso era parte de um
programa de testes que lhe aplicamos, Kornelius. Eu
precisava analisar cuidadosamente as suas reações físicas e
mentais a diversos tipos de estímulos antes de decidir-me
quanto à conveniência ou não de manter com você esta
conversa que ora entabulamos.
— Bem, para ser sincero, ainda prefiro os testes de
aptidão da Força Aérea. Mas devo reconhecer que você
portou-se de modo muito corajoso, Wu.
— Por que diz isso?
— Ora, suponha que eu não acreditasse na sua história
de ser a prisioneira Wuey Sato, ou que, mesmo acreditando,
resolvesse partir-lhe o pescoço assim mesmo. Você estaria
morta, agora.
A bela oriental meneou a cabeça.
— De modo algum. Eu jamais corro riscos, Kornelius.
Os calabouços dispõem de pequenos painéis através dos
quais homens armados vigiam constantemente tudo o que se
passa no seu interior. Se eu notasse que você pretendia
matar-me, por qualquer razão, bastaria gritar uma ordem e
você seria imediatamente crivado de balas. Devo confessar,
no entanto, que esse foi o mais agradável dos testes, no que
me diz respeito.
Ernst fez-se lívido e abriu a boca, tentando dizer algo.
Wu, com um gesto, reduziu-o ao silêncio.
— Sem ressentimentos, Ernst.
O louro playboy notou que havia algo de muito estranho
no relacionamento entre Wu e o professor van der Kouw.
Resolveu mudar de assunto:
— Sim, percebo a sua astúcia, Wu. Mas há outro
problema para o qual não encontro solução: o ataque dos
escorpiões, tarântulas e viúvas-negras, inserido dentro do
programa de agradáveis testes a que fui submetido, deveria,
logicamente, culminar com a minha morte. É praticamente
impossível escapar com vida de semelhante experiência.
Como isso foi possível?
Com gestos elegantes, a doutora Wu acendeu outro
cigarro.
— Simples, meu amigo. Àqueles artrôpodes estavam
sendo telecomandados através de meus processos secretos
de controle do sistema nervoso animal. Utilizei para isso
métodos químicos e eletrônicos. Não há dúvida alguma de
que você poderia ter morrido, é evidente. Bastaria gritar.
Centenas de insetos penetrariam em sua garganta,
asfixiando-o inapelavelmente. No entanto, além de ser
inteligente e ter um autocontrole fora do comum, você
também é um homem de sorte. Outros sucumbiram quando
submetidos a essa prova. Não devido ao veneno dos
artrópodes, pois estes, com suas ações dominadas por mim,
não instilam a peçonha em 99% dos casos, já que, não posso
negar, existem ainda pequenas falhas no sistema. Não.
Morreram por outras razões, algumas psicológicas. Uma das
vítimas, por exemplo, sofreu um ataque cardíaco
fulminante. Outra perdeu por completo a sanidade mental.
Loucura produzida pelo pavor. Você foi um dos poucos a
continuar em perfeitas condições físicas e mentais após o
teste.
— De fato. Excetuando-se as fortes dores esparsas pelo
corpo e um recém adquirido temor a baratas, sinto-me
extremamente bem. E já que falamos nos testes, o que foi
feito do outro tripulante, o que viajava comigo no avião SR-
16?
— Também suportou as três provas. Vai vê-lo em breve.
Wu fez um gesto discreto com a mão. Imediatamente um
chinês gigantesco, portando uma metralhadora, destacou-se
do ângulo de um dos acessos do salão, postando-se ao lado
da cientista. A doutora apresentou-o:
— Este é Kon Chia, meu chefe da guarda. Jamais tente
lutar com ele, Kornelius: é exímio em todos os tipos de
lutas orientais, principalmente caratê, judô, ken-do e
taekwon-do. Você seria esmigalhado em segundos — e,
dirigindo-se ao monstruoso chim. — Pode trazer os
convidados, Kon Chin. Daremos início ao nosso
divertimento de hoje.
Enquanto se retirava, após executar uma respeitosa
reverência, o agente 77Z, intrigado, arriscou a pergunta:
— Que divertimento é esse?
Desta vez foi Ernst van der Kouw quem respondeu, em
voz cavernosa:
— O pôquer da morte!
CAPITULO SEXTO
O pôquer da morte

— Seattle ao Departamento 77.


Mr. Lattuada, que se encontrava em seu escritório da
Park Avenue em companhia de dois homens em uniforme
da U.S. Navy, abriu o canal de comunicação no aparelho de
rádio.
— Fale, Seattle.
— Suas instruções foram integralmente cumpridas.
Alguns navios da Terceira Frota e outros do pacto da
ANZUS executaram o transporte dos fuzileiros navais até as
áreas delimitadas em sua comunicarão. Os marines estão
neste momento em operação nas ilhas Howland, Baker,
Jarvis e Johnsten, efetuando uma investigação completa do
terreno. Dentro do que foi programado, amanhã será
abordado o Kingman a Reef e a ilha Washington, no
arquipélago de Palmyra, e, posteriormente, Fanning,
Cooper, Christmas e todas as demais do grupo das
Espóradas. No entanto, se me permite uma observação
pessoal, sou formalmente contra essa operação,
Departamento.
— Por quê?
— Alto risco. Não devemos esquecer que ali se situa o
epicentro dos acontecimentos misteriosos que culminaram
com a destruição da Sétima Frota. Como não sabemos ainda
em que consistem os artefatos destrutivos, é possível que
estejamos enviando muitos homens para a morte e dezenas
de navios para o fundo do oceano. Se por um azar qualquer
o ataque se repetir, a esquadra da ANZUS será pulverizada
enquanto o diabo esfrega o olho. Estamos nos movendo no
escuro, Departamento.
— Correção: atiramos no escuro, Seattle. Não nos resta
outra saída. lá perdemos muitos agentes importantes
tentando localizar a origem das agressões. Agora temos que
jogar a cartada final. É possível que a esquadra seja
destruída, mas, pelo menos, estaremos tentando chegar ao
fundo do mistério. Se não agirmos, nossos navios poderão
ser postos a pique do mesmo modo, e aí não teremos a
menor chance de conjurar o perigo. De acordo?
— Sim, mas...
— Tem alguma sugestão melhor para resolver o
problema, Seattle?
Silêncio. Ao fim de alguns segundos, Mr. Lattuada
prosseguiu:
— Então prosseguiremos com a tentativa. É só, Seattle.
Desligo.
O chefe do Departamento 77 voltou-se para os altos
oficiais da Marinha:
— Senhores, estamos todos de acordo quanto à utilidade
e urgência desta operação. A flotilha da ANZUS pode ser
pulverizada nesta empreitada, mas, se nos surgir uma
pequena oportunidade, por mínima que seja, obteremos
sucesso!
***
Três homens, vestidos com o clássico macacão cinza,
entraram no salão, escoltados por Kon Chin, Wang Cheng,
Hua Fu e outros guardas. Um deles era Will, o piloto do
SR-16 que acompanhara Kirkpatrik naquela aventura.
Trocaram um breve cumprimento, e foram impedidos de
prosseguir pela doutora Wu, que, erguendo-se, ordenou:
— Vamos para a mesa de jogos!
Wu, o falso capitão Kornelius, Will e outros dois
prisioneiros acomodaram-se a uma pequena mesa forrada de
feltro verde situada na outra extremidade do amplo salão
escavado na rocha granítica da ilha Fanning, cercados por
dez guardas com metralhadoras empunhadas, enquanto o
professor Ernst van der Kouw, exibindo um sinistro sorriso,
acomodava-se numa poltrona não muito distante da mesa,
seguindo atentamente todos os movimentos executados
pelos circunstantes.
A belíssima japonesa retirou um baralho de uma gaveta
situada na própria mesa.
— Meus amigos, jogaremos pôquer. Quem não quiser
ou não souber jogar, que se manifeste logo. De acordo?
Os quatro homens acenaram afirmativamente e não
houve comentários. Wu, satisfeita, prosseguiu:
— Muito bem. Esta é uma variante que eu inventei, para
meu deleite, chamada o pôquer da morte. O cacife é a
coragem de cada um de vocês, e a aposta máxima, a própria
vida.
Enquanto falava, a cientista ia distribuindo cinco cartas
para cada um.
— É extremamente simples. Cinco cartas, todas
fechadas, com direito a troca. O valor de cada mão é dado
pelas regras normais do pôquer. Só existe uma pequena
diferença: as mãos mais fortes de cinco cartas vencem, mas
não recebem nada, ou, por outra, o jogador conquista o
direito de manter a própria vida, já que não utilizamos
dinheiro. Por outro lado, a mão mais fraca da mesa, a
perdedora...
O ambiente era tenso. Um dos prisioneiros arriscou-se a
indagar:
— O que ocorre então?
— O perdedor morre.
Profundo silêncio. Um vento gélido pareceu perpassar
todos os participantes daquele jogo infernal. Não havia
dúvidas, Wu era uma mulher anormal. Talvez sua extrema
inteligência tivesse terminado por enlouquecê-la. Uma idéia
tão hedionda quanto o pôquer da morte só poderia espocar
num cérebro mórbido e doentio. No entanto Kirkpatrik não
esboçou reação alguma. A coisa toda era tão absurda e irreal
que ele mantinha as esperanças de que não passasse de um
blefe impingido pela diabólica doutora. Sim, aquilo não
podia ser verdade. Só poderia ser mais um teste, torturante
mas relativamente inofensivo.
Wu terminou de distribuir as cartas e encarou os
jogadores, à espera dos pedidos de trocas.
O agente 77Z recebera uma mão muito fraca: apenas um
par de oitos. Permutou três cartas e nenhuma das três
serviu-lhe para melhorar o jogo. Praguejou intimamente. E
se, por um azar, Wu tivesse falado a sério?
A bela oriental colocou as cartas na mesa:
— Trinca de damas. Mostrem o jogo.
Seguiam-se a Wu, na ordem em que as cartas haviam
sido distribuídas, sucessivamente Will, um dos prisioneiros,
Kirkpatrik e o outro detido. Will baixou o jogo:
— Par de reis.
— Full hand, valetes e noves.
O louro milionário não conteve um palavrão, dito em
voz baixa, ao anunciar a sua mão:
— Par de oitos.
O último jogador hesitou. Sua mão tremeu visivelmente
— Vamos! Mostre o jogo! — comandou Wu.
— Par de setes.
Foi como se tivesse dito alguma palavra mágica ou
emitido a ordem de fogo! a um pelotão de fuzilamento. Ato
continuo, Kon Chin, postado atrás dele, apontou a
metralhadora e acionou o gatilho. Uma curta rajada destruiu
o corpo do prisioneiro em alguns segundos.
Apesar do aviso dado por Wu, ninguém esperava por
aquilo. Atônitos, estarrecidos e transidos de horror, os três
jogadores viriam o parceiro ser destroçado pelas balas de
grosso calibre e, mortalmente ferido, esvaindo-se em
sangue, tombar com a cadeira sob a mesa de jogos.
Passado o primeiro instante de estupefação, Kirkpatrik,
movido mais pelo instinto e pelo ódio do que pela razão,
saltou sobre Kon Chin, tentando aproveitar o rápido
rebuliço para apoderar-se da arma e inverter a situação.
Tentativa algo suicida, pois achavam-se cercados por dez
homens armados. Um destes interceptou o veloz movimento
do louro playboy, atingindo-o com uma coronhada no
crânio. O agente 77Z, sentindo a cabeça rodar, tombou com
o tosto sobre o feltro verde respingado de sangue.
Wu irritou-se profundamente com a rebeldia do
americano.
— Atitude ridícula e idiota, Kornelius! Não percebe que
não há nada que possa fazer? É jogar ou morrer! Se não
quer prosseguir com o pôquer, diga-me, e um de meus
homens o fuzilará agora mesmo!
— Você é um monstro, Wu! É anormal! Não passa de
uma sádica louca, de uma abjeta ninfomaníaca assassina!
Eu a matarei com minhas mãos!
Surpreendentemente, a doutora rebateu as ofensas e a
ameaça com um sorriso ingênuo. Não acusou o toque.
— Continuamos, Kornelius? Ou prefere ir jogar pôquer
com o diabo?
O temido agente da CIA esteve tentado a mandar Wu
para o inferno e acabar com aquela partida satânica no
mesmo instante. Mas o cérebro frio do Andróide entrou em
ação. De nada adiantaria desafiar a cientista demente. Seria
morto de imediato, e, nesse suicídio, todas as suas chances
de levar a cabo a missão iriam por terra. Era forçoso
dominar-se, recalcar o seu ódio e o seu desespero. Com um
pouco de sorte, poderia conservar a vida, e dar a Wu o fim
que ela merecia. Em outra ocasião mais favorável.
Sem nada mais dizer, o agente 77Z sentou-se e aguardou
o desenrolar do jogo, com todos os sentidos em estado de
alerta e o cérebro trabalhando como um computador. Talvez
surgisse alguma chance de reagir.
Enquanto o cadáver do desafortunado jogador era
removido, a cientista insana dava as cartas calmamente,
como se aquele fosse um simples jogo entre amigos. Desta
vez, no primeiro descarte, 77Z recebeu cinco cartas
inteiramente disparatadas. Decidiu trocar todas. E a emenda
foi pior do que o soneto; com as novas cartas, não
conseguiu sequer formar um par.
Incrível azar o perseguia, e o pior de tudo era que,
naquela partida, não era dinheiro que estava em jogo. Não
havia mais chances. Estava definitivamente perdido. Bem,
quando tivesse que baixar as cartas executaria um
movimento rapidíssimo: saltaria sobre o guarda armado
atrás de si, tentando tomar-lhe a metralhadora. Ora, havia
uma possibilidade em mil de que pudesse sair com vida,
mas.
— Par de valetes — anunciou Wu.
— Four de reis.
Desgraça! A doutora e Will possuíam jogos fortes.
Quanto ao outro..
— Nada.
Kirkpatrik surpreendeu-se. Baixou seu jogo:
— Nada.
— Desempate pelas cartas mais altas! — sentenciou Wu.
— Qual a sua, Kornelius?
— Ás.
O outro prisioneiro, tomando um impulso prodigioso,
saltou sobre a mesa, tentando agarrar a garganta de Wu.
Imediatamente as metralhadoras entraram em ação,
fazendo-o dançar de modo macabro sob o impacto dos
projéteis. Um dos guardas, prevendo que o touro milionário
ia mover-se, enterrou o cano da arma nos seus rins com
violência, fazendo-o desistir da idéia.
Perfurado por dezenas de balas, o infeliz participante do
pôquer da morte, feito em pedaços de carne, desabou
estrepitosamente, levando com ele a mesa de jogos e
tombando sobre Wu e o piloto Will, que se encontravam do
lado oposto ao de Kirkpatrik. A médica insana, banhada no
sangue do infortunado, ergueu-se com um hediondo sorriso
de diabólica satisfação nos lábios carnudos.
— Levem esse traste daqui! — ordenou.
Enquanto dois guardas arrastavam o cadáver, Wu
dirigia-se a Wang Cheng e Hua Fu:
— Bem, estou satisfeita. O pôquer da morte de hoje
terminou. Conduzam Kornelius e o outro americano de
volta a seus respectivos calabouços. Esses dois têm
realmente muita sorte!
Com os canos das metralhadoras a empurra-los pelas
costas, Kirkpatrik e Will retomaram o caminho das galerias
e corredores, retornando às sua antigas e frias celas
escavadas na rocha. Wu, excitada com o macabro
espetáculo que acabara de presenciar, convocou seu chefe
da guarda:
— Kon Chin! O champanha!
O chinês a soldo de Wu retornou pouco depois com uma
garrafa de Veuve Clicquot. Ernst van der Kouw, que
permanecera todo o tempo assistindo aos desatinos da
doutora e seus comandados, abriu a garrafa e aguardou que
a médica demente, após despir o quimono azul-celeste
manchado de sangue, se estendesse, inteiramente nua, sobre
o felpudo carpete salpicado de vermelho. Verteu então o
líquido cristalino sobre o corpo momo da cientista, e,
sorvendo-o através de beijos indecentes, deu início ao
bizarro ritual sexual.
CAPÍTULO SÉTIMO
Wu abre o jogo

O sol forte e causticante dos trópicos dardejava seus


raios ardentes sobre o atol de Fanning, duzentas milhas ao
norte da linha do Equador, mas a brisa fresca do Pacífico
amenizava o calor, tornando a temperatura agradável.
A doutora Wu, tendo a seu lado o agente 77Z,
caminhava sem pressa pelas encostas de um pequeno
outeiro, precedida por dois homens armados e seguida por
Kon Chin e mais três guardas, todos empunhando
metralhadoras Gewcher-3. Fumando com tranqüilidade, Wu
dirigiu-se ao louro playboy americano:
— Na verdade, Kornelius, eu necessitava de uma área
relativamente grande e distante de olhares curiosos para
implantar o meu projeto. E, principalmente, precisava do
mar. Assim, decidi instalar meus laboratórios secretos no
arquipélago de Palmyra, rigorosamente desabitado, Foi a
melhor escolha. Incluindo todas as dependências, como
Washington, Fanning, Kingman’s Reef e outras ilhotas, o
grupo é formado por cinqüenta seis ilhotas graníticas
cercadas por recifes de coral, A história deste arquipélago é
interessante. Presume-se que tenha sido descoberto pelo
capitão Cook, no século dezoito. Em 1862, Palmyra foi
reivindicada pelo então Reino do Havaí. No ano de 1898, o
seu país anexou o Havaí como colônia, e Palmyra passou
automaticamente para seu domínio. Porém, em 1959, o
Havaí tornou-se o qüinquagésimo Estado norte-americano,
e este arquipélago foi desmembrado do novo estado, sendo
excluído de suas fronteiras e passando à administração
direta da Secretaria do Interior dos Estados Unidos. Palmyra
tem, no total, apenas 6,2 quilômetros quadrados de área, e,
sendo virtualmente inútil para todos os fins que não os
meus, permaneceu desabitado até pouco tempo atrás,
quando então eu me apossei dela.
Kirkpatrik não conteve um gesto de aborrecimento.
— Está bem, Wu. Presumo, no entanto, que não fui
convidado para este passeio só para ouvi-la discorrer sobre
a história do arquipélago.
— Com efeito. Mas deixe-me prosseguir. Empreguei
mais de um ano, esforços ingentes e muito capital para
construir aqui as minhas instalações sigilosas. Depois, como
não pedia permitir que o mundo soubesse a respeito disto,
aprisionei todos os técnicos e operários que aqui
trabalharam. Os dois que pereceram ontem no decorrer do
pôquer da morte eram alguns deles.
— Por falar nisso, Wu, quem financiou a montagem dos
seus laboratórios?
— Você adiantou-se ao ponto, mas eu ia chegar lá. Na
verdade trata-se de... digamos, um pool de interesses
políticos e estratégicos.
— Como assim?
— Vou abrir o jogo: estou participando de uma
sociedade com o MVD, o Lien Lo Pou e a DGI, Dirección
General de Inteligencia.
— Os serviços secretos da União Soviética, China
Continental e Cuba?
— Exatamente. Eles entram com o dinheiro e eu com o
trabalho científico, auxiliada por van der Kouw.
— Mas... por que isso? Com que finalidade.
— Não é difícil deduzir, Kornelius. Eu queria uma
chance de mostrar todo o meu valor, todo o meu potencial
come cientista. E, ademais, também desejo ardentemente o
poder. Meus sócios confiaram em mim e investiram no meu
talento. Eu retribui, inventando a Arma Biológica
Metazoária, que é de incalculável utilidade para nós.
Kirkpatrik acendeu um cigarro.
— Ontem você afirmou que iria destruir toda a esquadra
americana.
— Correto.
— Em que isso pode ser-lhe útil?
— Assim foi decidido. Na última reunião que mantive
com representantes soviéticos, chineses e cubanos,
concordamos que essa seria uma excelente maneira de
destruir o poderio norte-americano.
— Mas não percebe que isso poderia dar início a um
conflito de proporções inimagináveis, talvez mesmo
nuclear?
— Claro que não! Como os americanos poderão declarar
guerra a alguém sem conhecer a identidade de quem lhes
afundou a esquadra? Não podem sair por aí lançando
mísseis atômicos baseados em suposições! Destarte terão
que amargar em silêncio o rude golpe que lhes será
desferido! E com isto meus sécios lucrarão de maneira
astronômica em termos políticos e estratégicos!
— Diabólico plano!
Wu ignorou o comentário.
— No entanto estou lutando com um sério problema. O
MVD, o Lien Lo Pou e a DCI comprometeram-se a
fornecer-me todo o dinheiro necessário para o
aperfeiçoamento da arma, mas, por razões de segurança,
como medida de precaução na eventualidade de algo sair
errado, recusaram-se terminantemente a colaborar com o
fornecimento de homens, sejam cientistas ou espiões e
soldados para a defesa das instalações. Como eu não podia
contar com um só russo, chinês ou cubano para minha
proteção pessoal, fui obrigada a contratar elementos de
reputação duvidosa, mas de reconhecida competência no
uso de armas e na capacidade de matar, entre marginais de
Hong Kong, Macau, Formosa, Coréia do Sul e mesmo do
Japão. Deste modo, ainda que o projeto fracasse, meus
sócios estarão seguros, mas isso findou por criar-me uma
séria dificuldade, pois estou mal servida em termos de
material humano. Veja Kon Chin, por exemplo. Já deve ter
em seu currículo mais de cinqüenta mortes. Sabe manejar
qualquer tipo de armas de fogo, pilota helicópteros e aviões,
conhece todas as artes marciais. Por enquanto, é um
elemento útil. Mas para consolidar meu domínio sobre os
mares do mundo um lutador é insuficiente Preciso de um
cabo de guerra autêntico, um mercenário cegamente fiel a
mim, um homem inteligente, ativo, decidido e enérgico, um
líder nato a quem todos respeitem e obedeçam, um
planejador e estrategista eficiente que possa tonar em
frações de segundo a decisão correta. Um homem como
você, Kornelius.
Kirkpatrik sorriu com fria ironia.
— Como pode saber se eu possuo todas essas
qualidades, Wu?
— Sou excelente psicóloga. E, ademais, sua
performance nos testes a que o submeti foi mais do que
satisfatória.
O agente 77Z já esperava por algo desse quilate. Apesar
de ter ficado profundamente chocado com as loucuras
sanguinárias perpetradas por Wu, soubera dominar e
dissimular sua revolta. Só poderia ter alguma oportunidade
de levar a cabo a sua missão, escapar daquela ilha maldita e
destruir a sádica assassina se fingisse aliar-se a ela, embora
a inatividade momentânea lhe fosse profundamente
dolorosa. A alta espionagem e o mais sujo dos jogos.
— Ok, doutora Wu. Suponha, por um instante, que eu
seja o cabo de guerra ideal que procura. Ainda assim, como
pode fazer-me aliar a você? Acha acaso que tem condições
de comprar a minha lealdade?
— Unir-se a mim é a única atitude inteligente. Ou isso,
ou a morte. É totalmente impossível escapar de Fanning.
Além disso, amanhã você já não terá para onde fugir, uma
vez que os Estados Unidos da América não mais existirão.
O gigante louro estremeceu, preocupado com a extrema
segurança com que a doutora pronunciara aquelas palavras.
— Vou dar-lhe um tempo razoável para pensar no
assunto, Kornelius. No fundo, eu lhe fiz esta proposta
porque percebi que é um homem extremamente inteligente.
Uma pessoa com o seu cérebro sempre ficará do lado dos
vencedores, jamais dos vencidos. E é evidente que quem vai
obter sucesso na operação sou eu. Poderei pagar-lhe
fortunas incalculáveis, e você terá mais poder e influência
do que jamais sonhou em sua vida. Será um dos
Comandantes do Mundo!
Kirkpatrik quase riu. Wu era uma louca perigosíssima.
Não havia dúvida; tratava-se de uma brilhante cientista, mas
todo o seu imenso poder mental voltara-se para o mal. Seu
caráter deformado desconhecia a moral, as atitudes
decentes. e, mergulhado na mais negra e abjeta demência,
seu cérebro mórbido nivelava todas as pessoas no mesmo
plano vil de iniquidades. Para sua mente diabólica, tornava-
se perfeitamente normal o fato de que Kornelius pudesse
vender seu país, suas convicções, seu caráter e suas raízes
por alguns punhados de dólares e um poder maldito; algo
tão normal e corriqueiro como comprar ou vender um carro
numa agência. Entretanto Wu era um demente genial. Sua
bem montada organização só poderia ser solapada de
dentro.
A doutora prosseguiu:
— De mais a mais, gostei de seu desempenho sexual,
Kornelius. E quero torná-lo como meu amante.
— E quanto ao professor van der Kouw?
Ernst não se importa com isso. Ele é um bom
colaborador científico, e um obediente escravo de meus
desejos e minhas fantasias eróticas, que, devo reconhecer,
às vezes podem parecer extravagantes a pessoas menos
esclarecidas. No entanto, como médica, sei que os exóticos
rituais amorosos que aprecio são compatíveis com meu
elevadíssimo nível mental com o meu QI extraordinário. Eu
o terei como mais um dos escravos de meus desejos
sexuais!
Messalina, Agripina, Lucrécia Bórgia, Catarina da
Rússia e todas as grandes devassas da História não
passavam de criancinhas inocentes comparadas com a
insaciável e diabólica doutora Wu.
Enquanto caminhavam, chegaram à praia, na margem
interna da laguna do atol de Fanning. As águas tranqüilas e
imóveis contrastavam com as ondas impetuosas que batiam
com violência na face externa dos recifes componentes da
barreira de cora!, duzentos metros adiante.
Kirkpatrik manifestou-se:
— Está bem, Wu. Sua proposta começa a me interessar;
pensarei com cuidado nela. Por outro lado, creio que você
deixou de fornecer-me uma importantíssima informação,
essencial para orientar a minha decisão.
— O que vem a ser?
— A Arma Biológica Metazoária. Em que consiste?
Presumo que não sejam tarântulas explosivas.
A linda oriental sorriu levemente e apontou para um
determinado local no interior da laguna.
— O que está vendo ali, Kornelius?
O agente 77Z fixou a atenção no ponto indicado.
— É singular — murmurou — distingo alguns tubarões
nadando à superfície. Três ou quatro. Como terão penetrado
na laguna? Normalmente eles deveriam estar do lado
externo do atol, no oceano livre.
— De fato; há um canal de comunicação, um túnel
submarino que liga a laguna ao oceano livre por baixo da
barreira de recifes coralinos. Mas o importante é que você
está olhando para a Arma Biológica Metazoária.
— Como?!
O espanto do agente da CIA era genuíno e profundo.
— Exatamente. As armas, os terríveis e misteriosos
artefatos explosivos que destroçaram em minutos a Sétima
Frota e que estão enlouquecendo a Marinha e os serviços
secretos americanos são, simplesmente, tubarões.
— Impossível!
— Nada é impossível quando a doutora Wu entra em
ação!
— Explique-me isso, Wu.
— Seja. Como eu já lhe disse, desenvolvi métodos e
equipamentos altamente científicos que me permitem atuar
sobre os processos eletroquímicos do cérebro de alguns
animais. Até agora o meu sistema só surtiu bons efeitos com
es artrópodes e com os cetáceos, peixes de estrutura
cartilaginosa, como os tubarões e as arraias. Em outras
palavras, eu tenho condições de controlar a atividade
nervosa desses seres, através de recursos relativamente
complexos, que incluem até mesmo transmissores mentais,
e, portanto, posso comandar os movimentos, ações e
atitudes dos animais selecionados. No caso particular dos
cetáceos, faz-se necessária a operação de implante de um
micro-atuador eletrônico na periferia do cérebro, que,
estimulado por ondas de freqüência conveniente, transmite
a todo o sistema nervoso do peixe.
— Sim, Wu, compreendo perfeitamente que você possa
telecomandar ou teleguiar as atitudes dos tubarões; isto é
inteligível para a minha mente, mesmo não sendo cientista.
Mas, por Deus, como pode transformá-los em armas de
guerra?
— Essa é a parte mais simples, meu bom amigo.
Mediante diversas incisões subcutâneas, vamos dizer assim
para maior clareza, eu introduzo potentes cargas de
explosivos plásticos, de alto poder britante, detonadas por
cargas de iniciação de fulminato de mercúrio, muito
sensível ao choque, na carraça dos tubarões. Assim, cada
um deles fica transformado numa verdadeira mina de
elevada força destrutiva. Como não é praticamente
enxertada nenhuma peça metálica nos peixes, eles
permanecem inteiramente invisíveis ao radar, e, quando
detectados pelo sonar, dão como resultado nas telas o sinal
inequívoco de um inocente cardume de cetáceos ou
osteíctios. Ninguém espera que um tubarão ou uma orca
sejam infinitamente mais perigosos do que um torpedo.
— Fantástico!
— Não. Apenas um golpe baixo. Para ser sincera, foram
seus compatriotas, os cientistas e pesquisadores da Central
Inteligente Agency, a CIA, os autores da idéia. Nunca ouviu
falar no programa de testes e experiências da CIA em
Norfolk, Virgínia, destinado a adestrar golfinhos de modo a
carregá-los explosivamente e enviá-los contra um alvo
naval selecionado?
— Bem... sim, eu soube algo a respeito.
— Pois então. Basicamente, o mesmo que estou fazendo
agora, com pequenas diferenças. Os delfins são mamíferos
extremamente inteligentes, com o sistema nervoso
altamente desenvolvido. Por isso os cientistas da CIA
tentaram o adestramento, com base nos reflexos
condicionados pavlovianos. Eu parti de uma teoria
diferente: controle efetivo do cérebro, condicionamento
mental total e contínuo. Obviamente só poderia utilizar,
portanto, animais bem menos desenvolvidos. Tubarões, por
exemplo. Tanto vocês como eu obtivemos êxito em nossas
experiências. Os golfinhos-minas são uma arma secreta da
Agência, já testada e pronta a entrar em ação. E a minha
Arma Biológica Metazóaria já provou que funciona, tendo
porém uma vantagem a mais: maior autonomia, maior raio
de ação. Está entendendo?
Wu empolgara-se com sua própria explicação. Sem
aguardar resposta, prosseguiu, rapidamente:
— Com a Sétima Frota ocorreu apenas uma experiência,
pois utilizei meus tubarões kamikazes recheados com
explosivo plástico convencional, Estou agora testando e já
em vias de aplicar um aperfeiçoamento, utilizando pequenas
ogivas nucleares táticas, de pequeno efeito relativo, com
cerca de dez a quinze quilotons. Podem destruir um navio
do porte do Enterprise com a maior facilidade, sem
produzir os indesejáveis efeitos colaterais de radiação e
contaminação. Será espetacular!
— Como consegue dirigir os tubarões até o alvo, Wu?
— É muito fácil. O transmissor mental implantado nos
cetáceos recebe os sinais eletrônicos através da central de
emissão em radiofreqüência, montada aqui mesmo no atol
de Fanning. A trajetória dos tubarões e a posição do alvo
são controlados por três centrais de recepção de
radiofreqüência conjugadas com instalações de
rastreamento por radar situadas em Kingman’s Reef, no
recife Phillips e em Fanning. Com isso posso controlar as
coordenadas e azimutes, conduzindo sem erro meus peixes
explosivos direto aos cascos dos navios visados e
promovendo dantescas destruições!
Wu fora tomada por um delírio megalomaníaco,
embriagada pelo prazer de seu próprio sucesso. Kirkpatrik,
porém, cercado por seis homens armados, não poderia tirar
partido da situação.
— Como impede que a sua arma biológica fuja para o
oceano?
É impossível escapar; o controle do sistema nervoso é
continuo. Amanhã, exatamente a esta hora, Kornelius, vinte
dos meus tubarões preparados sairão pela passagem
submarina, situada naquele local sob os recifes, e irão
destruir tudo o que resta da Terceira Frota e muitos navios
da ANZUS também! Quando as comportas hidráulicas se
abrirem, um cardume de assassinos terrivelmente
destruidores ganhará o oceano livre para cumprir a sua
missão!
Subitamente a doutora Wu calou-se e passou as mãos
pelo rosto, afastando os lindos cabelos negros.
— Céus, fiquei muito excitada! Preciso acalmar-me um
pouco. Venha, Kornelius, venha conhecer mais um dos
meus divertimentos, alias um dos favoritos. Será um
espetáculo que você jamais esquecerá!

CAPITULO OITAVO
A verdadeira ilha do Diabo

— Departamento 77! Departamento 77! Responda, por


favor! É Seattle, em comunicação urgente!
— Fale, Seattle.
Pearl Harbor acaba de enviar informação
importantíssima! No desembarque em Kingman’s Reef, os
marines descobriram, escavada na rocha, uma instalação
ultramoderna de rastreamento por radar, além de outras
aparelhagens científicas desconhecidas e
minicomputadores! Trata-se, segundo se acredita, de uma
base de operações relacionada de algum modo com o
mistério do Pacifico. O recife, dado oficialmente como
desabitado, abrigava na verdade quinze homens, que
resistiram com armas sofisticadas ao desembarque dos
fuzileiros navais, causando fortes baixas entre os nossos!
— Eu não lhe disse, Seattle, que o nosso trabalho
haveria de produzir frutos? Quais as informações adicionais
de que dispomos?
— Nenhuma outra, Departamento. Ao que sabemos,
destruímos uma das bases inimigas. É só.
— Como assim? Não interrogaram os prisioneiros
quanto a natureza dos misteriosos artefatos? Não
descobriram nada quanto a arma?
— Não. Não houve sobreviventes Todos os defensores
do recife pereceram no decorrer da operação. Alguns
cometeram suicídio, com cianeto de potássio, para não ser
aprisionados. As instalações, severamente danificadas, não
puderam fornecer à Marinha indícios conclusivos.
Mr. Lattuada praguejou em voz baixa.
— Está bem, Seattle. Nem tudo está perdido. Ao menos
aplicamos um golpe severo no misterioso detentor dos
artefatos desconhecidos Não devemos esmorecer. Segundo
a programação predeterminada a esquadra deve prosseguir
para os atóis de Cooper, Christmas e Fanning!
— Mas, senhor, agora o risco está altamente ampliado!
— Sim, eu sei. O dono da arma secreta, sentindo-se
atingido, vai reagir violentamente. Mas é só o que podemos
fazer. Ordene avante à esquadra!
— Podemos provocar a sua destruição total.
— Não quero repetir as instruções, Seattte.
— Ok. Departamento. Você é quem manda. Mais
alguma instrução?
— Não. Desligo.
***
Kirkpatrik e a doutora Wu, cercados pelos indefectíveis
guardas armados, chegaram a um local próximo à formação
rochosa que ocultava o salão principal e os calabouços. À
primeira vista, dir-se-ia uma área de recreação e lazer. Num
espaço relativamente amplo, que se estendia de um outeiro
coberto de densa vegetação até a praia da laguna,
distribuíam-se quadras de tênis, campos de rugbi, vestiários,
uma pista de atletismo e duas piscinas. O lugar, semeado de
coqueiros e troncos de piscinis grandis, uma árvore
semelhante ao pau-de-balsa muito disseminado no
arquipélago de Palmyra, era bucólico, tranqüilo e muito
agradável. Observando com cuidado as piscinas olímpicas,
o louro agente da CIA sobressaltou-se. Era incrível e
paradoxal, mas aquela área de lazer assemelhava-se
absurdamente com os jardins da sua villa de Long lsland.
Como poderia ser isso?2
— Muito bonito este lugar, Wu. Intimo e acolhedor. Esta
área de recreação é um projeto seu?
— Em absoluto. Na verdade, copiei o lay-out de uma
mansão de Long Island, em Nova Iorque, numa de minhas
inúmeras viagens a essa cidade. A residência, ao que sei,
pertencia a um industrial chamado Horace Kirkpatrik, e me
foi apresentada como um ponto turístico de Nova Iorque.
Conhece o local?
— Não. Nunca o vi — mentiu descaradamente o
playboy milionário.
Wu, de mãos à cintura, colocou-se no deck de uma das
piscinas e interpelou seu chefe da guarda:
— Tudo preparado para a diversão, Kon Chin? — e, ao
receber resposta afirmativa: — então traga os convidados!

2
Ver CONEXÃO VARSÓVIA
Kirkpatrik, intrigado, procurava imaginar que
despautério a diabólica doutora Wu arquitetara para a
oportunidade.
Doze homens, vestidos com o mesmo macacão cinza
utilizado pelo agente 77Z e que caracterizava os
prisioneiros de Wu, deixaram os vestiários, e, cercados por
guardas portando metralhadoras, enfileiraram-se à horda da
piscina.
— Muito bem, amigos! — a médica estendeu a mão
direita espalmada. — Quero provar a todos vocês que sou
magnânima e cordial. Sei que sofreram um pouco nos
cárceres, mas agora, como recompensa, vou permitir que se
refresquem com um agradável banho de piscina! O que me
dizem?
Murmúrios, cochichos. Todos desconfiavam das
intenções da cientista.
— Não é necessário despir os macacões! Vamos!
Saltem!
A água parecia convidativa, um refrigério num dia tão
quente. Animados pela idéia e pelos empurrões dados com
os canos das metralhadoras pelos guardas orientais. alguns
homens saltaram à piscina. Depois que o primeiro executou
o mergulho, es outros onze foram lançados à força na
piscina, através de socos e coronhadas.
Passou-se um segundo. Dois. Três. Então,
repentinamente, os banhistas forçados começaram a emitir
gritos, urros e brados horripilantes. Wu desandou numa
gargalhada insana e demoníaca. De súbito pareceu que cada
um daqueles homens adquirira cem braços e cem pernas.
Debatendo-se desesperadamente nas águas que
principiavam a desprender um vapor esbranquiçado, os
infelizes, berrando de forma infra-humana, como animais
selvagens, o mais profundo e aterrador espanto que se possa
imaginar plasmado nos rostos crispados, denotando o
sofrimento de dores atrocíssimas, além do que a mente
possa compreender, começaram a desfazer-se, a ter seus
corpos literalmente liqüefeitos, como se fossem cubos de
gelo mergulhados em água quente. Os gritos, entrecortados
e agudos, eram de congelar o sangue. Kirkpatrik, paralisado
de terror, encarou a doutora com o rosto tenso e a mente
nublada pelo ódio:
— Por Deus, Wu! — rugiu —, o que fez com eles?
A cientista demente não conseguia parar de rir.
— Wu!!
Alguns prisioneiros, com os membros desfazendo-se,
derretendo-se como manteiga numa frigideira, tentavam
desatinados aferrar-se à borda da piscina, sendo rudemente
afastados pelas botas dos assassinos a soldo da sádica
criminosa. Gritos lancinantes e pavorosos rasgavam o ar,
numa atmosfera de pesadelo, irrealidade e pânico
impossível de ser descrita em palavras. O que se via ali,
naquele inocente parque de recreação, era mil vezes pior do
que todas as atrocidades cometidas pelos nazistas contra os
judeus, dez mil vezes pior do que todas as crueldades
praticadas pelos turcos contra os armênios. E a belíssima e
repugnante japonesa louca, mergulhada rio nauseabundo
lamaçal de sua própria insânia, chegava a perder a
respiração ao ritmo das gargalhadas que emitia.
Kirkpatrik não pôde resistir mais. O que presenciava era
um espetáculo mais sórdido do que a pior hediondez capaz
de ser engendrada pela mente humana. Tomado pela ira,
aproximou-se dois passos da médica maluca:
— Você não merece viver, Wu! É uma ameaça a toda a
humanidade? É o próprio Satanás sob forma de mulher!
A diabólica doutora voltou-se para o agente fora de série
da CIA com um sorriso angelical nos lábios.
— Que palhaçada é essa, Kornelius? Não apreciou o
divertimento? Veja como sou inventiva; acrescentei à água
desta piscina mil litros de água régia. Como você sabe,
trata-se de um composto formado por ácido nítrico e ácido
clorídrico. Esse líquido, violentamente corrosivo, é muito
utilizado pelos joalheiros, pois dissolve inclusive o ouro.
Imagine, então, qual será a sua atividade sobre a carne
humana!
Wu completou sua explicação com uma estridente
gargalhada.
— Observe, Kornelius! Veja como é fascinante! Todos
esses homens estão se dissolvendo, transformando-se numa
massa gelatinosa e semilíquida de carne e ossos! Sucumbem
torturados por dores atrozes, em meio a sofrimentos que
estão além da imaginação e devastados por um pavor que a
mente não pode conceber! Veja, seus gritos lancinantes vão
se extinguindo aos poucos! Claro, suas gargantas foram
devoradas pelo poderoso ácido! Urram ainda, mas já estão
mortos, inexoravelmente mortos! Céus, que satisfação! Eu
sou um gênio! Um gênio!
Apesar de toda a sua frieza, foi impossível ao agente
77Z conter-se diante daquela inominável demonstração de
perversidade. Num salto acrobático, agarrou Wu entre seus
braços, e, num rápido movimento, preparou-se para arrojá-
la dentro da piscina cheia de ácido.
— Você é uma aberração, Wu! Deve morrer!
Os seis guardas acudiram a tempo de imobilizar o louro
milionário e resgatar Wu milésimos de segundo antes que
ela mergulhasse nas águas mortais. Com velozes
movimentos, imobilizaram Kirkpatrik no deck da piscina.
Dois homens agarraram-lhe ambas as pernas, e os outros
incumbiram-se dos braços. O agente da CIA forcejou
brutalmente sem conseguir libertar-se. O rosto de Wu, salva
milagrosamente de morte certa, transformou-se numa
máscara do mais profundo ódio.
— Maldito Kornelius! Maldito! quis assassinar-me, não
é mesmo? Mas com a doutora Wu não se brinca! Vai
arrepender-se terrivelmente de seu gesto insano! Segurem-
no, homens! Não o deixem libertar-se!
Os músculos de Kirkpatrik não poderiam livrá-lo de seis
homens decididos que o subjugavam ao mesmo tempo. A
bela japonesa, com os olhos negros despedindo chispas de
fúria, postou-se em frente a 77Z, ferocíssima em sua
loucura.
— Cão do inferno! Nojento traidor! Vai agora sentir o
peso da ira da doutora Wu!
Sem aviso, a médica sádica desferiu um violento chute
contra os órgãos genitais do espião da CIA. Kirkpatrik
acusou o toque, com o rosto transtornado pela dor. Sorrindo
com maldade, Wu prosseguiu desferindo patadas contra a
região mais sensível da anatomia do gigante louro, enquanto
vociferava e praguejava, recriminando a sua ousadia.
Indefeso, alvo contínuo de uma severa saraivada de
pontapés, 77Z sentia-se desfalecer, sucumbindo à dor
insuportável.
Nesse instante, do lado em que se situavam as principais
instalações do laboratório de Wu, surgiu um indivíduo de
óculos em desabalada carreira:
— Doutora Wu! Doutora Wu!
Sem interromper as agressões, a médica tarada rugiu:
— Afaste-se! Seu trabalho é cuidar das transmissões de
rádio! Não me interrompa agora!
Brandindo uma mensagem, o técnico insistiu:
— Mas é uma emergência, doutora! Um fato
gravíssimo! Os fuzileiros navais americanos acabam de
desembarcar em Kingman’s Reef, destruindo
completamente as nossas instalações ali situadas!
— Como! — Wu interrompeu o último coice, perplexa.
— Acabo de receber o radiograma de Lao Ping, o chefe
da base! Ele enviou a mensagem e suicidou-se em seguida,
pois a situação estava perdida! Os marines ocuparam toda
ela e uma esquadra da ANZUS está navegando diretamente
para cá! Estamos acabados! É o fim de tudo!
A doutora raciocinou durante alguns momentos. Parecia
estranhamente calma e tranqüila.
— Não — tornou em voz suave —, pelo contrário,
amigo, eles é que estão acabados. Voa antecipar a saída dos
meus tubarões explosivos, direcioná-los pela nossa central
de Fanning e afundar toda a esquadra quando se aproximar
desta ilha!
E, de súbito, começou a emitir ordens com grande
segurança:
— Coloque toda a base em regime de alerta máximo!
Faça com que os aparelhos sejam preparados para o envio
de nossa arma biológica! Vocês quatro, levem Kornelius de
volta à cela! Vou fazê-lo arrepender-se de ter nascido um
dia! Vamos, mexam-se, enquanto preparo-me para iniciar as
transmissões de sinais de ataque aos nossos peixinhos!
Enquanto Kirkpatrik era transportado de volta ao
calabouço por quatro guardas armados. Wu, contemplando
distraída a piscina esfregava as mãos e não cabia em si de
contentamento.
— Ótimo! Essa atitude dos americanos foi excelente
para os meus planos! O cataclismo ocorrerá mais cedo e
com maior facilidade do que eu havia previsto! Dentro me
pouco não restará sequer um navio americano cruzando os
mares!
Apesar de entorpecido pelos golpes que sofrera, o agente
77Z continuava lúcido, e inteirara-se do significado da
mensagem trazida pelo operador de rádio a serviço de Wu.
Droga! Aquele ataque executado pelos marines contra as
instalações da cientista louca parecia ser coisa de Mr.
Lattuada. E só fizera piorar uma situação já crítica. Wu não
teria a menor dificuldade em destruir toda a esquadra,
lançando mão da sua arma biológica secreta. Iniciado o
ataque, a flotilha seria posta a pique em questão de minutos.
Kirkpatrik não podia permiti-lo! Devia tentar uma reação
desesperada, mesmo com risco da própria vida?
Enquanto ia sendo arrastado pelas galeria rumo à sua
cela, o agente fora de série da CIA, mobilizando toda a sua
capacidade extraordinária de reação física, procurava
recompor-se dos golpes aplicados no baixo-ventre,
enquanto seu cérebro privilegiado, funcionando como um
computador, buscava febrilmente uma saída para aguda
situação.
Dois dos guardas que o escoltavam ficaram nas
dependências da carceragem, fechando as pesadas grades
que isolavam o corredor. Wang Cheng e Hua Eu,
metralhadoras empunhadas, prosseguiram conduzindo o
prisioneiro até o calabouço.
Em outras circunstâncias o agente 77Z não esboçaria
reação, como não o fizera durante todo o tempo em que
permanecera detido em poder de Wu, devido aos altos
riscos envolvidos. Mas agora não podia hesitar. Milhares de
vidas humanas e a própria sobrevivência da esquadra
americana e dos aliados dependiam da sua atuação
inteligente.
Quando era empurrado pelo lance de escadas que dava
acesso ao painel da masmorra, Kirkpatrik decidiu ser aquele
o momento apropriado para entrar em ação. Deveria fazer
uso de toda a sua agilidade, mas, mesmo assim, havia fortes
chances de não sair vivo daquela brincadeira.
Hua Fu, ao lado de 77Z, levou a mão até a alavanca de
abertura do painel. Wang Cheng, por trás do agente,
metralhadora empunhada, dava cobertura ao companheiro.
Kirkpatrik, cabisbaixo, parecia arrasado e demolido pelos
chutes nos testículos. Então respirou fundo, e, num supremo
esforço, convocou todas as suas reservas de energia.
Transformou-se.
Voltou-se com um movimento rapidíssimo e, aplicando
uma patada certeira na arma empunhada por Wang Cheng,
fê-la voar longe, ao mesmo tempo em que seu punho direito
afundava com inaudita violência no plexo solar de Hua Eu e
sua mão esquerda agarrava o protetor do gatilho da
metralhadora portada por este último. Enquanto Wang
Cheng tentava aproximar-se de sua arma, o louro agente da
CIA, segurando a Gewehr-3 de Hua Eu com ambas as mãos
pelo cano, aplicou um golpe bestial de baixo para cima no
queixo do chinês, deixando-o desorientado no exato instante
em que a porta do calabouço se abria. Empurrado, Hua Fu
foi lançado no interior da cela enquanto sua arma
permanecia nas mãos de 77Z. Os guardas ocultos, vendo
através de pequenos painéis que algo estranho ocorria,
abriram fogo de imediato, crivando de balas o corpo de Hua
Fu, que ficou na exata posição para servir de escudo ao
espião da CIA. A porta fechou-se com grande rapidez às
costas do cadáver de Hua Fu, mas Kirkpatrik ainda pôde
ver, num relance, a laje móvel abrir-se repentinamente,
libertando milhares de tarântulas e escorpiões que, como
uma nuvem negra, cobriram o corpo do oriental já morto.
Wang Cheng recuperara sua arma. Num instante, ele e
Kirkpatrik apontavam metralhadoras um para o outro. O
agente da CIA pressionou o gatilho um milésimo de
segundo antes, e o corpulento chinês, atingido pelo impacto
de uma saraivada de balas, tombou de costas nos degraus de
pedra, esvaindo-se em sangue, e rolou pela escada,
chocando-se com um ruído cavo contra a porta do
calabouço.
Empunhando ambas as metralhadoras e protegido pelos
degraus ensangüentados, 77Z disparou diversas rajadas em
leque, abatendo quatro ou cinco guardas no corredor,
enquanto os demais, sem ter locais apropriados de defesa,
punham-se a correr ao longo da galeria, tentando escapar à
chuva de balas. Uma seção do pavimento ergueu-se
repentinamente, revelando a abertura de uma espécie de
poço situado ao lado da cela, onde provavelmente
postavam-se os guardas ocultos da masmorra, Vendo a
situação malparada, os indivíduos tentavam fugir da posição
subitamente transformada em armadilha fatal. O espião teve
apenas o trabalho de encher o reduto de chumbo, destruindo
todos os que lá dentro se encontravam.
Kirkpatrik lançou fora as duas Gewehr-3, já
descarregadas, e apossou-se das armas dos guardas mortos
no corredor. Em movimentos rapidíssimos, continuou
disparando através da galeria, enquanto se dirigia às outras
celas, movimentando as alavancas de abertura. O primeiro
calabouço que abriu era ocupado por Will, o piloto do SR-
16. O oficial da USAF encarou o agente da CIA, com
absoluto espanto.
— Mexa-se, Will! Não há um segundo a perder! Vamos
fugir! Pegue uma metralhadora e cubra a retirada!
Um segundo após Will escapar da cela os guardas
dispararam no interior do calabouço. Ainda confuso, o
piloto agarrou uma das Gewehr-3 abandonadas e atirou na
direção da retaguarda, obrigando os soldados de Wu a
procurar refúgio, enquanto Kirkpatrik prosseguia em alta
velocidade rumo à carceragem.
Não foi possível salvar os demais prisioneiros de Wu.
Uma sirena de alerta começou a soar com grande
intensidade, e os demais guardas atiraram nos detidos
indefesos no interior dos calabouços, matando-os
instantaneamente. Kirkpatrik foi forçado a liquidá-los,
abrindo o acesso dos redutos e fazendo as armas vomitar
fogo, pois não poderia deixar vivos os guardas às suas
costas enquanto empreendia a carreira em direção às
instalações da carceragem.
Empunhando duas metralhadoras e atirando sem cessar,
o agente 77Z prosseguia correndo em desespero através das
longas galerias e corredores de pedra, enquanto Will, mais
atrás, disparava rajadas esparsas e procurava manter aberto
o caminho para a fuga.
Ao girar de noventa graus num ângulo da galeria,
Kirkpatrik deparou-se com uma linha de atiradores que
fizeram fogo tão logo ele surgiu à frente. Resvalando pelo
chão, o agente fora de série prosseguiu atirando
impiedosamente enquanto as rajadas sibilavam no ar pouco
acima de sua cabeça. Uma das balas rasgou-lhe a carne
pouco acima do cotovelo, mas, desesperado, o espião mal
sentiu a dor e nem chegou a ver o sangue que lhe escorria
ao longo do braço. Fuzilou três dos atiradores emboscados e
pôs os demais em fuga. Já com suas duas armas
descarregadas, apossou-se daquelas dos mortos e chegou
então diante das portas gradeadas que delimitavam o final
das galerias.
Deitado, para reduzir o alvo representado por si próprio,
77Z disparou através das barras de ferro, destruindo a
balaços as instalações da carceragem e matando dois ou três
orientais. Atirou em seguida no mecanismo de fechadura
das grades, reduzindo-o a escombros com uma rajada e
garantindo suas possibilidades de fuga.
Com Will correndo mais atrás e as sirenas soando em
nível altíssimo, o louro milionário barafustou pelo túnel que
lhe daria acesso ao salão principal das instalações de Wu.
Sem encontrar outros guardas pela frente, deparou-se com a
sólida e pesada porta de madeira trabalhada que isolava o
salão. Com algumas rajadas, pôs abaixo o obstáculo e
penetrou no amplo aposento acarpetado. Rolou pelo chão e
buscou proteção atrás dos móveis, mas ergueu-se em
seguida. O salão estava inteiramente deserto. Ouviu os
passes rápidos de Will atrás de si e voltou-se para ele. Sua
surpresa não teve limites ao ver a arma do piloto apontada
firmemente para seu peito e o riso insano estampado no
rosto do oficial da USAF.
— Que besteira é essa, Will? Ficou louco?
Não. Louco foi você, voltando-se contra a doutora Wu.
Eu não podia matá-lo lá nas galerias, Horace, pois aqueles
guardas imaginavam que eu estava fugindo com você e com
isso eu corria sério risco. Mas aqui estamos a sós. Terei
tempo suficiente para explicar-me aos outros.
— O que está dizendo, Will?
— Apenas que você vai morrer, Horace! Agora!

EPÍLOGO

Num relance o agente fora de série compreendeu tudo.


Wu aplicara uma mentira diabolicamente esperta. Propusera
a alguns dos prisioneiros tomá-los a seu serviço, não por
precisar deles, mas apenas como uma forma de cria
discórdia entre os presos, dificultando qualquer tentativa de
fuga. Certamente a doutora convocara Will para tornar-se
seu cabo de guerra, seu auxiliar, exatamente como fizera
com Kirkpatrik, e Will, homem de caráter menos sólido que
o temido espião, aceitara a incumbência e bandeara-se para
o lado da cientista. Desgraça! Tudo perdido por causa dos
delírios megalomaníacos de um piloto!
Will, sorrindo friamente, segurou o cano da arma,
afinando a pontaria. Em seus olhos Kirkpatrik leu a morte.
Então, um grande alarido, mesclado com o rumor das
botas contra o pavimento de pedra,
ecoou num dos acessos ao salão. Eram guardas de Wu,
certamente. Will queria testemunhas de sua lealdade para
com a cientista louca:
— Rápido, homens! Venham! Vou matar o rebelde.
Will distraiu-se por um instante e Kirkpatrik levantou as
duas metralhadoras, pressionando os gatilhos. Nada
ocorreu. Inferno! Acabara a sua munição!
77Z não perdeu tempo lamentando-se. Sem outro
recurso, lançou, num movimento velocíssimo, as duas
armas descarregadas no rosto de Will, fazendo-o errar a
mira, e, enquanto o oficial da USAF disparava a
metralhadora para o teto, destruindo o lustre de cristal e
fazendo com que os cacos chovessem sobre ele, Kirkpatrik,
tomando poderoso impulso, lançou-se por uma das janelas
redondas do salão, enquanto os tiros dos recém-chegados
guardas de Wu estrugiam as suas costas.
De vinte metros de altura, 77Z mergulhou nas águas da
laguna infestada de tubarões explosivos. Sabia que tudo o
que realizara até o presente momento significava muito
pouco. Era imprescindível, era urgente impedir que a arma
biológica pudesse sair pelo oceano livre através da
passagem natural na barreira de recifes. Por sorte, a própria
Wu indicara a posição da comporta hidráulica que obturava
a ligação entre a laguna e o mar. A esquadra da ANUS
dirigia-se diretamente para o desastre, se os tubarões fossem
soltos, tudo estaria perdido.
Nadando sob a superfície, Kirkpatrik encaminhou-se
para os recifes de coral, enquanto sentia os tiros das
metralhadoras dos guardas de Wu cortando as águas bem
próximos a si. O ferimento no braço sangrava
abundantemente, e vários tubarões, atraídos pelo instinto,
convergiram para a direção tomada pelo agente da CIA.
Antes que os cetáceos conseguissem atacá-lo, 77Z,
nadando como um louco, atingiu a barreira de recifes num
local próximo àquele em que se situava a comporta
hidráulica. Um guarda chinês, trazendo um rifle automático
AK-47 à bandoleira, mantinha a atenção presa a um
aparelho walkie-talkie do qual brotava uma voz metálica,
provavelmente em seu idioma. Certamente, das instalações
principais, os guardas de Wu alertavam a sentinela com
respeito à fuga de Kornelius.
Saindo da água, 77Z rodeou algumas formações de
coral. postando-se atrás do oriental. Este desligou o rádio e,
mais que depressa, voltou a sua atenção para a laguna,
perscrutando as águas com um binóculo que carregava
pendente do pescoço. Sem ruído, o perigoso espião saltou às
costas do chinês, e, com toda a força que conseguiu reunir,
vibrou potente cutilada na nuca do guarda. Este dobrou-se
para a frente e, tombando sobre as afiadas cristas de coral,
bateu com o crânio numa aresta aguda, morrendo
instantaneamente.
Rápido e implacável, o espião foi assaltado por uma
idéia. Retirando o punhal da algibeira do chinês morto,
abriu grandes e profundos rasgos em seu corpo, lançando-o
então à laguna. De fato. Minutos depois cerca de uma
dezena de tubarões, atraídos pelo sangue, aproximavam-se
do local e, em grande fúria, disputavam pedaços do corpo
do oriental, lutando entre si pela posse dos despojos.
77Z não perdeu tempo. Ainda com o punhal entre as
mãos, saltou novamente às águas, agora em busca da
comporta hidráulica que se constituía no único meio físico
de acesso dos peixes ao oceano livre.
Executou quatro ou cinco mergulhos, tomando ar em
largos haustos a cada emersão. Não ia ser fácil. Precisava
contar com muita sorte.
Num dos mergulhos, o agente fora de série viu a
comporta. Situada a cerca de vinte metros de profundidade,
consistia numa sólida placa de aço inoxidável, que, a julgar
pelos gonzos, deveria abrir-se lateralmente, como uma
porta, puxada para o interior da laguna por dois cilindros
hidráulicos de alta pressão. De acordo com as aparências, a
comporta obturava um túnel de forma aproximadamente
circular com cerca de três metros de diâmetro, e que, para
atingir o oceano, deveria medir pelo menos cinqüenta
metros de comprimento.
77Z subiu para tomar fôlego. Ferido como estava, sua
capacidade de imersão era consideravelmente reduzida. O
agente da CIA já traçara seu plano de ação. Para obstar a
única saída dos tubarões, era-lhe necessário impedir a
abertura da comporta, o que poderia ser feito cortando as
mangueiras de transporte do fluido hidráulico, com o que
reduziria os pistões de acionamento à inoperância.
Com os pulmões repletos de ar, 77Z mergulhou
novamente. Mas agora a situação estava negra. Cinco ou
seis tubarões, nadando em grande velocidade,
aproximaram-se ameaçadores. Wu deveria ter começado a
agir sobre os transmissores mentais dos peixes, ordenando
que eles atacassem o espião da CIA em vez de devorar o
chinês já praticamente transformado num esqueleto
sanguinolento e disforme. Kirkpatrik sentiu-se perdido. Não
poderia permanecer muito tempo submerso, e,
simultaneamente, precisava inutilizar a comporta. Isso se os
cetáceos não o devorassem.
O sangue que minava do ferimento de 77Z parecia
animar os peixes mais do que as ordens mentais de Wu.
Monstruosos e ferozes, os tubarões cinzentos acercaram-se.
O espião rumou para o fundo da laguna. Um deles executou
um parafuso, girando o ventre para cima, e abriu a enorme
bocarra, preparado para cortar o corpo de 77Z em dois.
Kirkpatrik escapou no último segundo, deslizando pelas
fileiras de dentes afiados, e, impulsionando o braço,
embebeu o punhal na carcaça do peixe. Apoiando os pés no
próprio cetáceo, inclinou o corpo, e, puxando o punhal,
abriu um profundo rasgo longitudinal ao longo do tubarão.
O sangue, escapando em profusão, criou uma névoa escura
na água. Usando o peixe mortalmente ferido como escudo
contra os outros, Kirkpatrik continuou mergulhando e
atingiu a profundidade da comporta, encontrando as
mangueiras condutoras do fluido hidráulico. Quase sem ar,
os músculos retesados como cabos de aço, o temido espião
começou a trabalhar com a arma branca sobre os condutos
reforçados com arames espiralados, tentando abrir ao menos
um pequeno furo nas mangueiras. Então, de súbito, a
comporta começou a abrir-se. Tarde demais! O corpo do
tubarão morto protegia o agente das investidas dos outros
peixes, mas, violentamente abalroado pelos cetáceos
assassinos, o cadáver do animal já começava a afundar,
deixando o espião desprotegido enquanto sua última
esperança se desvanecia. Lentamente puxada pelos cilindros
hidráulicos, a comporta girava devagar sobre os gonzos de
aço inoxidável, e, manobrada a distância pelos
equipamentos da doutora Wu, o meio da fuga das armas
biológicas abrir-se inexoravelmente.
O agente fora de série sentia os pulmões estourando.
Não conseguiria agüentar mais, e, simultaneamente, os
tubarões sobreviventes já se preparavam para estraçalhá-lo.
Cravando com todas as forças a lâmina achatada do punhal,
77Z conseguiu abrir uma brecha entre os espirais de arame,
rasgando profundamente as diversas camadas de nylon
reforçado que constituíam o revestimento das mangueiras.
O efeito foi brutal. Submetidas a três mil libras de
pressão no processo de abertura da comporta, as
mangueiras, tendo sido aberto um pequeno furo nelas,
explodiram com Violência, libertando o fluido hidráulico
vermelho por meio de uma verdadeira onda de choque
através das águas. Claro, se estivessem ao ar livre,
Kirkpatrik teria sido morto pelo impacto e pelo efeito de
chicote dos conduites. Como látegos, as mangueiras
vergastaram todas as direções, atingindo um dos cetáceos.
O impulso irresistível enviou o corpo do agente da CIA,
num turbilhão desenfreado, rumo à superfície das águas,
junto com os peixes assassinos. Mais morto do que vivo,
inteiramente sem fôlego e quase inconsciente, Kirkpatrik
viu-se arremessado aos recifes de coral, onde, num esforço
sobre-humano conseguiu subir, salvando a perna no último
segundo da dentada de um dos tubarões.
Destruído o sistema hidráulico, a comporta imobilizou-
se, com cerca de quarenta centímetros de abertura o que não
seria suficiente para dar passagem aos peixes assassinos.
Enquanto se recusava a desmaiar, o espião conseguiu armar
um sorriso. Pelo menos quanto a este aspecto a esquadra da
ANZUS estava salva.
Erguendo-se lentamente, o espião fora de serie ergueu os
olhos e seu sangue gelou nas veias. Kon Chin, saltando
sobre as cristas de coral, aproximava-se rapidamente dele.
Apavorado, Kirkpatrik tentou ocultar-se, mas era tarde
demais. Já fora visto.
— Vai morrer, palhaço americano! Ninguém jamais
sobreviveu a uma luta Contra Kon Chin! Prepare-se para
desencarnar, Kornelius!
O monstruoso chinês deveria ter atingido a barreira de
recifes a nado, e, por isso, encontrava-se desarmado, O que
não chegava a constituir vantagem para 77Z. As melhores
armas do chim eram suas mãos.
Com potente dificuldade, o agente levantou-se. Kon
Chin, saltando à sua frente, desferiu estarrecedora cutilada
contra a sua testa, que, mesmo atingindo-o de raspão,
lançou-o de costas no solo. Com um grito de triunfo, o chim
saltou sobre o adversário caído disposto a matá-lo, Num ato
reflexo, 77Z contraiu as pernas e o super-lutador deslizou
sobre seu corpo, com um grito de espanto. Quase sem mais
nada enxergar o espião da CIA voltou-se e sua mão em
cutelo desceu sobre o pescoço do lutador que,
momentaneamente preso entre os corais, tentava levantar-
se.
Crac.
O pomo-de-adão do chinês afundou matando-o por
irreversível asfixia. Um golpe preciso do melhor agente do
Departamento 77.
No entanto, duzentos metros distante, um helicóptero
começava a alçar vôo. Com a máxima rapidez que podia,
77Z dirigiu-se ao rifle AK-47 da sentinela morta, e,
utilizando a luneta, observou o que se passava. Wu e van
der Kouw, percebendo a partida perdida, preparavam-se
para fugir, enquanto Will, agarrado aos patins de
aterrissagem do helicóptero parecia implorar para que a
doutora o levasse consigo. Kirkpatrik mirou e atirou. Todas
as balas de uma só vez. Ernst, que ainda não tivera tempo
de fechar a portinhola, foi atingido, e, com um brado
desnatural, caiu fora do helicóptero, carregando consigo o
corpo do piloto. No entanto, nada mais havia a ser feito.
Manobrando com grande perícia o aparelho, Wu afastou-se
na distância, sozinha, lá fora do alcance das balas atiradas
por 77Z.
***
Apesar da fuga de Wu, Kirkpatrik conseguira cumprir a
contento a sua missão. A esquadra, livre da ameaça dos
tubarões explosivos, a Arma Biológica Metazoária fundeou
ao largo do ator de Fanning, e os marines, desembarcando
eliminaram os últimos focos de resistência, uma vez que
77Z havia virtualmente destruído todo o complexo
científico montado pela diabólica doutora e os seus guardas.
A Marinha dos Estados Unidos fora salva, e a terrível arma
biológica já conhecida agora encontrava-se
convenientemente retida e inofensiva na laguna do atol. Van
der Kouw e o piloto traidor Will, alcançados no último
instante, quando já se consideravam a salvo, jaziam mortos
no heliporto de Wu.
Kirkpatrik fitou com ódio o céu na direção em que a
diabética doutora, pilotando o helicóptero, desaparecera no
horizonte infinito do Oceano Pacífico.
— Você escapou desta vez, Wu, mas eu a venci! E não
descansarei até agarrá-la novamente! Nem que passe toda a
minha vida procurando-a, vou achá-la, e, quando isto
ocorrer, que o diabo tenha piedade da sua alma!
Um oficial do Corpo de Fuzileiros Navais aproximou-se
de 77Z e, tomando cuidado para não tocar no braço
enfaixado, pousou-lhe a mão no ombro:
— Tudo sob controle, senhor. Ocupamos inteiramente as
instalações da doutora Wu na ilha Fanning e no recife
Phillips. Não houve sobreviventes, exceto ela própria. O
nosso pesadelo terminou. Que faremos agora?
O agente fora de série da CIA voltou-se e encarou o
militar. Sorriu.
— Vamos para casa!

© MIKE STANFIELD
77Z 136
430922/430928

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