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A Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora é um evento anual

realizado por estudantes da graduação juntamente com o Centro Acadêmico de História


Galba Di Mambro. Na sua trigésima quarta edição, o evento ocorreu entre os dias 15 e 19 de
Outubro, trazendo a temática "Gênero, raça, sexualidade e classe: potencialidades
interseccionais sob a ótica do saber histórico", proposta pelas alunas Samara Souza Silveira e
Cristiane de Paula Ribeiro e escolhida através de votação entre estudantes do curso de
História.
O tema do evento teve como intuito abordar um tema muito pungente para o saber
histórico, sobretudo em tempos mais recentes no qual temos visto um avanço conservador
cada vez maior, conjuntamente com constantes retiradas de direitos e ataques a grupos
minoritários. Indubitavelmente, sabemos que tal saber não se desvincula do nosso lugar de
sujeito no tempo, como grandes nomes da historiografia já nos esclareceram, no qual o
historiador, ao se colocar diante das fontes, levanta inquietações a partir de demandas
apresentadas pelo presente. Diante disso, acreditamos que o diálogo da História com o
presente significa compreender o próprio fazer histórico, assim como acarreta uma forma de
dar significação ao que é produzido, de forma que o passado não seja simplesmente algo dado
e encerrado – que nada diz ao presente.
Desde a década de 1980, com o fim do predomínio de teorias totalizantes, os
historiadores vêm complexificando o saber histórico, desenvolvendo novos paradigmas,
voltando o olhar para fontes históricas que antes não eram consideradas legítimas e para
novos questionamentos que podem ser feitos a partir delas. Ao longo desse processo,
revisaram-se estruturas e os lugares de “certeza” de certas práticas metodológicas foram
abandonados.
Do mesmo modo, o sujeito histórico, no singular, deixou de ser suficiente. Assim,
tanto a historiografia quanto outros campos das humanidades passaram a interpretar a
realidade como uma enorme colcha de retalhos, na qual se interpõem múltiplas teias de
significações. Os sujeitos, agora no plural e muito mais diversos, começam a ser vistos sob
outra ótica, considerando a multiplicidade de demandas e sentidos de suas atuações na
História e na sociedade.
Tais mudanças dialogam com os desafios decorrentes de um mundo globalizado,
fragmentado e com o fortalecimento dos movimentos sociais e da luta por direitos civis,
sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Nesse novo cenário, denunciar ou
teorizar sobre as opressões que atingem cada categoria social isoladamente deixa de ser
suficiente. Assim, surge o desafio de compreender e operar a interseccionalidade.
Esse conceito, introduzido pela jurista norte-america Kimberlé Crenshaw, em 1989,
foi amplamente discutido em contraposição a outros, como o de consubstancialidade, de
Danièle Kergoat. No Brasil, a contribuição de Mary Castro, sugerindo o uso da “alquimia das
categorias sociais”, também nos ajuda a compreender a relevância histórica desse debate.
Interseccionalidade, consubstancialidade ou alquimia, a despeito das diferenças
epistemológicas, versam sobre a importância de analisar o modo como as opressões e as
identidades se cruzam, se potencializam e se interpelam.
Pensar em interseccionalidade nos remete a nomes como, por exemplo, Angela Davis
e Audre Lorde. Angela Davis, em suas obras, sobretudo em “Mulheres, raça e classe”, de
1981, analisa os componentes econômicos, políticos e ideológicos do modo de produção
escravista e capitalista, nos permitindo vislumbrar como as diversas opressões e identidades
se combinam e se entrecruzam na sustentação de projetos de dominação. Do mesmo modo,
Audre Lorde, ao se posicionar como mulher, negra, lésbica, feminista e socialista, denunciava
as dificuldades de operar essas múltiplas identidades no interior do movimento e no combate
às opressões, sinalizando que considerá-las individualmente não era o caminho para superá-
las.
A temática do evento configurou-se numa espécie de “tema guarda-chuva” que, por
não delimitar nenhuma temporalidade extremamente específica, visou agrupar em seu âmago
os mais variados recortes temporais e metodológicos, expandindo o debate e a geração de
saberes. Tratou-se de um tema que pretende o diálogo entre Presente e Passado – a partir da
compreensão das múltiplas redes que se estabelecem no fazer do historiador e no próprio
exercício de dar sentido a História – e que está conectado às múltiplas frentes de luta que
cada vez mais se estabelecem como um recorte dos trabalhos em História.
Partindo da mesma ideia de que passado e presente se interpenetram numa gama
complexa de significações, defendemos as perspectivas de gênero, raça, sexualidade e classe
como recortes mais do que necessários dentro da construção de uma História que faça frente
às ondas reacionárias que assolam o globo e que se estabeleça, de fato, como representativa
para as chamadas minorias sociais. Ademais, debater gênero, raça, sexualidade e classe em
um curso que forma, majoritariamente, docentes é trazer à tona temáticas que abrem caminho
para a construção de uma educação mais emancipadora e representativa, que não busque
fazer uma escrita da História sob um olhar homogêneo. Reconhecendo a importância e a
complexidade de produzir um saber histórico sob a ótica da interseccionalidade, o tema da
XXXIV Semana de História da UFJF veio como uma demanda de graduandos e pós-
graduandos do curso, sendo útil a toda a comunidade acadêmica

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