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frei Bento

domingues,
o.p.
Teologia em Portugal e
nova evangelização
20 de Novembro de 2005, 0:00

1.Sobre cada povo está suspensa uma


escala de valores. Esta é a opinião de F.
Nietzsche. Não precisamos de Pascal para
saber que o "coração tem razões que a
razão desconhece". Jorge Dias, reputado
antropólogo da nossa identidade, sustenta
que, para o português, o coração é a
medida de todas as coisas.Durante o século
XX, o catolicismo português não se
preocupou com a reflexão teológica, mas
nunca lhe faltou devoção, sobretudo
devoção cordial, mariana, feminina, que se
concentrou em Fátima, no Imaculado
Coração de Maria. O Congresso da Nova
Evangelização foi movido por duas
mulheres: uma francesa em diminutivo - a
Teresinha do Menino Jesus - e Nossa
Senhora de Fátima, que não pode ser mais
portuguesa nem mais universal, nada
menos que "Altar do Mundo". E se, como
disse D. José Policarpo nos Jerónimos,
"uma das ameaças que pesa sobre a Igreja
dos nossos dias é o risco de perder a
mulher", enquanto houver portuguesas, é
de esperar que também haja mulheres
"santas e capazes de abraçar o mundo num
acto de amor".
Se o catolicismo português não se
preocupou com a reflexão teológica, não
admira que a nossa religiosidade, marcada
pelo fenómeno de Fátima, dispensasse a
teologia. A Fátima basta-lhe, como se viu
no Congresso, continuar a ser o recurso
permanente para as crises da nossa
especial arte de ser católicos.
2. Não se vá dizer, porém, que os
portugueses não são dotados para a
elaboração teológica. Tivemos momentos
na nossa história que provam o contrário e
de forma eloquente. Mas não é um produto
espontâneo. É preciso fazer por ela.
Notam-se já alguns sinais de que estamos a
sair da paisagem dos soluços intermitentes.
Hoje, quero destacar um caso sério de
intensa prática teológica. Estou a referir-
me à obra de um jovem teólogo, João
Manuel Duque (1), nascido em Monção em
1964 e professor, desde 1996, da Faculdade
de Teologia da UCP, docente convidado na
Faculdade de Ciências Sociais (Braga), na
Escola das Artes da UCP (Porto) e no
Instituto Teológico Compostelano.
Concluiu, em Braga, a licenciatura na
Faculdade de Teologia (UCP), em 1987.
Entre 1990 e 1996, frequentou a pós-
graduação em Teologia, na faculdade
jesuíta de Sankt Georgen, em Frankfurt
(Alemanha). Concluiu o doutoramento em
Teologia Fundamental com uma tese sobre
a filosofia da arte de Hans-Georg Gadamer,
publicada na Alemanha, em 1997. Não
repousou sobre essa tese nem se contentou
em ser um professor muito apreciado. Em
três anos, publicou quatro obras que
cumprem o que anunciam. No âmbito da
Teologia Fundamental, Homo Credens
representa um contributo essencial para a
teologia da fé, passando em revista oito
modelos da sua fundamentação:
antropológico-transcendental, estético-
fenomenológico, hermenêutico, sistémico,
práxico-comunicativo, experiencial, crítico
e doxológico. O estilo não podia deixar de
ser escolar. Inscreve-se numa colecção de
Teologia académica.
Para mim, Dizer Deus na Pós-modernidade
é a obra mais estimulante. É um
pensamento que se constrói em confronto
com autores fundamentais da revisão da
Modernidade e da Pós-modernidade. Estar
ou não estar de acordo com as conclusões
de João M. Duque não importa. Decisivo é
o rigor, o cuidado com o próprio percurso,
no qual manifesta uma notável capacidade
analítica e argumentativa.
A Cultura Contemporânea e Cristianismo é
o resultado da reunião de artigos dispersos.
Mas esta reunião produz um efeito novo: as
várias fases da cultura contemporânea
provocam o cristianismo e este mostra que
pode dar que pensar outra coisa à cultura
contemporânea.
O seu último livro, O Excesso do Dom é a
investigação da identidade do cristianismo,
tentando apreender a sua lógica interna a
partir da fonte, de Deus que se dá porque é
o excesso do dom. Este livro pode ser
considerado a coroa dos anteriores. Tem
um contexto.
Para o autor, é indiscutível que o
cristianismo, nas suas mais diversas
manifestações e derivações, constitui o
factor mais determinante da identidade
europeia, mesmo que a actualidade
cultural não pareça revelá-lo de forma tão
explícita como outras épocas. De facto, por
mais "secularizada" que pretenda afirmar-
se a Europa dos nossos dias - num discurso
apenas "politicamente correcto", mas com
pouco fundamento histórico e talvez real -,
continua a ser inegável que os mais
profundos valores que permanecem, após
ou mesmo ainda durante a passagem da
Modernidade e da Pós-modernidade, são
valores essencialmente de origem cristã,
sobretudo no que à concepção da pessoa
humana, sua archê e seu telos diz respeito.
É dentro desta convicção - e continuando a
servir-me das palavras de João M. Duque -
que O Excesso do Dom constitui uma
proposta de leitura da identidade cristã em
alguns dos seus elementos fundamentais,
com base numa doação primordial,
trabalhada, ao longo do volume, por
referência ao próprio conceito cristão de
Deus e respectivas consequências
pragmáticas e existenciais, de âmbito
pessoal e social. O Deus-dom torna-se, em
Jesus Cristo, Deus-carne, revelando-se e
agindo no Espírito como Deus-trino e
sendo acolhido e celebrado como Deus-
pão, sobretudo na festa eucarística. Este
trajecto termina com a abordagem do
Deus-outro, que convoca o cristão a viver
segundo o modelo da relação de diferentes.
O cristianismo é, assim, repensado no
contexto dos desafios que lhe são lançados
por outras mundividências, religiões ou
fenómenos para-religiosos, assim como
pelo desenrolar dos movimentos sociais,
em manifestações mais pacíficas ou mais
violentas.
Não cabe neste espaço procurar possíveis
correspondências entre esta teologia e as
devoções do Congresso da Nova
Evangelização. Este também se exercitou
noutras expressões.

(1) João Manuel Duque, Homo Credens.


Para Uma Teologia da Fé, Lisboa, UCP,
2002; Dizer Deus na Pós-modernidade,
Lisboa, Alcalá, 2003; Cultura
Contemporânea e Cristianismo, Lisboa,
UCP, 2004; O Excesso do Dom. Sobre a
identidade do cristianismo, Lisboa, Alcalá,
2004.

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