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COMUNICADOS

A antropologia em Edith Stein


No século XIX e início do século XX, fundaram-se sociedades e cen-
tros de pesquisa para estudar as condições físicas da vida humana. Nessas
pesquisas participavam anatomistas, biólogos, enfim, representantes da
ciência da natureza. Como é natural, esses cientistas limitavam suas in-
vestigações à antropologia física, recorrendo às técnicas de observação e
mensuração, de modo especial em crânios e esqueletos, na busca da raça
superior. O problema ampliou-se, quando esses cientistas extrapolaram em
suas conclusões para questões morais e políticas, pois em seus trabalhos
excluíam a colaboração de filósofos e teólogos. Em geral, eram grupos an-
tifilosóficos e antirreligiosos.1 Nessas circunstâncias, o homem ocidental
tomou consciência de que seu maior problema é ele próprio. Parece ter
perdido seu telos.
Por outro lado, a crueldade da primeira guerra mundial abalara pro-
fundamente a confiança no humanismo europeu. As pesquisas de Charles
Darwin e Sigmund Freud motivaram reações para salvaguardar a diferença
do ser humano em relação aos outros animais e livrá-lo da redução aos
seus impulsos e instintos. Em 1923, Martin Buber publicou sua filosofia
do diálogo eu-tu; em 1928, post mortem, foi publicada a obra Die Stellung
des Menschen im Kosmos (A lugar do homem no cosmo) de Max Scheler;
em 1939, Romano Guardini escreveu sua Antropologia Welt und Person
(Mundo e pessoa). Nesse contexto situa-se a atualidade da obra filosófica
de Edith Stein, pois quase toda ela gira em torno da pessoa humana.

1. Dados biográficos
Edith Stein, desde jovem, sempre foi uma personalidade inquieta, que
se apropriou do rigor do método fenomenológico de Edmund Husserl, o
desenvolveu e aplicou; conheceu a fundo a problemática da filosofia mo-
derna e assumiu a tradição da fé cristã em suas fontes mais puras, procu-
rando incansavelmente a verdade, ou seja, Deus. Aqui, tomaremos como
referência de nossa exposição suas lições de Antropologia filosófica, intitu-
1. ZILLES, U. Antropologia teológica. São Paulo: Paulus, 2011. p. 56-57.
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ladas Der Aufbau der menschlichen Person (A construção da pessoa huma-


na),2 na qual, como em todas as suas obras filosóficas, apresenta uma visão
de mundo e de ser humano aberta ao transcendente, uma preocupação
ontológica, o rigor do método fenomenológico husserliano, precisão con-
ceitual, sensibilidade mística e uma revalorização da experiência interior.
Buscando sempre uma elaboração efetiva da experiência, mantém a orien-
tação em busca de uma filosofia da pessoa.
Em seu modo de abordagem antropológica, Edith Stein despertou o
interesse não só de estudiosos de filosofia, mas também de psicologia, pe-
dagogia, teologia e de direito, tornando-se assunto de numerosos trabalhos
de conclusão de cursos universitários, de dissertações de mestrado, teses de
doutorado, livros e artigos,3 pois se trata, sem sombra de dúvida, de uma
das personalidades mais marcantes do século XX no campo da filosofia e
da teologia, que produziu uma obra que ainda tem muito a dizer ao ho-
mem de hoje e de amanhã. Francesco Alfieri fez um registro da maior parte
da bibliografia steiniana mundial no período de 1942-2012, em Die Re-
zeption Edith Steins, no número especial do Edith Steins Jahrbuch, Wuerz-
burg: Echter Verlag, 2012.
Edith Stein (1891-1942) nasceu em Breslau no dia 12 de outubro de
1891, sendo a mais nova de sete irmãos. De 1911-1913, estudou psicologia,
letras e história na Universidade da cidade natal; de 1913-1915, estudou
filosofia, história e letras na Universidade de Goettingen, onde frequentou
as aulas de Edmund Husserl. Em 1915, prestou serviço voluntário como
enfermeira durante cinco meses, no hospital militar de Maehrisch-Weiss-
kirchen, na Morávia. Depois de concluir o doutorado em Goettingen, sob
a orientação de Edmund Husserl, com a apresentação de sua tese sobre
O problema da empatia, em 1916, passou a ser sua primeira assistente em
Freiburg (1916-1918). De sangue hebraico, converteu-se ao catolicismo,
em 1922. Sua primeira aproximação do catolicismo aconteceu através da
influência de Max Scheler, que, em 1921, publicou sua obra Das Ewige
im Menschen (O eterno no homem).4 A conversão ao cristianismo propor-

2. Na língua alemã há duas edições das obras de Edith Stein. A primeira intitula-se Edith Steins
Werke (ESW), em 18 volumes (Freiburg: Herder, 1991), e a segunda, a mais recente, Edith Steins Gesam-
tausgabe (ESGA), em 27 volumes (obras completas), Freiburg: Herder, 2000. A publicação da tradução
espanhola das obras completas de Edith Stein, a partir de 2002, pela Editora Monte Carmelo, de Burgos,
tem cinco volumes, com mais de 5.000 páginas, mas é incompleta.
3. ALFIERI, F. Pessoa humana e singularidade em Edith Stein. São Paulo: Perspectiva, 2014.
p. 160-170.
4. SCHELER, M. O eterno no homem. Petrópolis: Vozes, 2015.
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cionou-lhe uma nova perspectiva para sua produção filosófica e teológica


mediante a leitura do Livro da vida, de Santa Teresa D’Ávila.
Em 1925, conheceu o jesuíta E. Przywara, que, especialista em Tomás
de Aquino, a aconselhou a estudar esse autor e a obra de Santo Agostinho.
Em suas obras de caráter mais religioso e teológico, Edith Stein mantém a
clareza e a precisão conceitual, sua preocupação com a linguagem, dando
voz à experiência do divino em novo contexto de mediações que lhe permi-
tiram ler o mundo como um tecido de símbolos.5 Foi docente no Instituto
de Pedagogia Científica em Münster, em 1932-1933, onde preparou um
curso de Antropologia filosófica (semestre de inverno) e outro de Antropo-
logia teológica (semestre de verão). Depois de ter ministrado o primeiro, os
nazistas a destituíram, por ser de sangue hebraico.
Em 1934, ingressou no mosteiro da Ordem das Carmelitas Descalças,
em Köln-Lindenthal, com o nome de Teresia Benedicta a Cruce. Em 1938,
fugiu da perseguição nazista para o mosteiro de Echt, na Holanda, onde,
no início de agosto de 1942, foi presa e levada para o campo de concen-
tração de Auschwitz-Birkenau, morrendo executada numa câmara de gás,
no dia 9 de agosto de 1942. Judia alemã, mártir do nazismo, é uma grande
filósofa e mística cristã.
No dia 11 de outubro de 1998, na praça de S. Pedro, em Roma, Edith
Stein foi declarada “santa” da Igreja católica, celebrando-se sua festa no dia 9
de agosto. Alasdair MacIntyre considera essa canonização, infelizmente, uma
grande desvantagem, sofrida por ela, em relação a outros filósofos europeus
e americanos de seu tempo. Além de o critério de canonização da Igreja Ca-
tólica ser outro que o de uma boa filosofia, pois não julga o mérito de sua
filosofia, mas a santidade de vida, aviva e alimenta preconceitos, no caso.6

2. Obras de Edith Stein


Numa vida breve e tumultuada pela guerra e pela perseguição nazis-
ta, Edith Stein produziu e publicou artigos em revistas e livros de proje-
ção acadêmica, mas sua principal produção filosófica e teológica ela não
conseguiu publicar em vida. O franciscano Herman Leo van Breda, que,
em l938, salvara os manuscritos de Edmund Husserl da destruição pelos
nazistas, transportando-os para o Arquivo Husserl, de Lovaina, também
recolheu os manuscritos de Edith Stein nos escombros do mosteiro car-
5. GUZMÁN, C.R. Apresentação. In: STEIN, E. La filosofia existencial de Martin Heidegger.
Madrid: Trotta, 2010. p. 12.
6. MACINTYRE, A. Edith Stein: um prólogo filosófico, 1913-1922. Granada: Nuevo Inicio, 2008.
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melita de Echt, na Holanda, em 1942, e os levou para o mesmo Arquivo.


Posteriormente, foram devolvidos para as carmelitas de Koeln.
Na língua original, o alemão, há duas publicações de suas obras, ambas
pela Editora Herder de Freiburg i. Br.: Obras de Edith Stein (ESW), com
18 volumes, e a coleção Edith Steins Gesamtausgabe (ESGA), obras comple-
tas, até o momento projetada em 27 volumes. A edição da ESGA ordena
as obras cronologicamente por áreas: v. 1-4: escritos biográficos; v. 5-8:
escritos de fenomenologia; v. 9-12: escritos de fenomenologia e ontologia;
v. 13-16: escritos de Antropologia e Pedagogia; v. 17-20: escritos de mística
e espiritualidade; v. 21-27: tradução de obras de Tomás de Aquino, Henry
Newman e Alexandre Koyré, para o alemão.
A tradução espanhola das obras (completas) de Edith Stein foi pu-
blicada pela Editora Monte Carmelo, de Burgos. Abrange: v. 1: Escritos
autobiográficos; v. 2 e 3: Escritos filosóficos; v. 4: Escritos antropológicos e
pedagógicos; v. 5: Escritos de espiritualidade. Esta edição tem mais de cin-
co mil páginas, mas é incompleta e, por vezes, a tradução deixa a desejar.
Entre suas obras filosóficas cabe citar: Sobre o problema da empatia
(1916), Introdução à filosofia (1920), Contribuições para uma fundamenta-
ção filosófica da psicologia e das ciências do espírito (1922), sua primeira tese
de habilitação para a livre docência, na ocasião, a ser apresentada em Frei-
burg, com o objetivo de obter acesso ao magistério na universidade, o que
então lhe foi negado por ser mulher; Uma pesquisa sobre o Estado (1925),
A fenomenologia de Husserl e a filosofia de Santo Tomás de Aquino (1929),
Pessoa no mundo (1929), A estrutura da pessoa humana (1932), Ser finito e
ser eterno (1936) e A filosofia existencial de Martin Heidegger (1936).7
Em sua obra filosófica, nossa autora procede de maneira rigorosamente
fenomenológica,8 tratando de problemas como a empatia, a fundamen-

7. A edição das obras de Edith Stein (ESW) pela Editora Herder de Freiburg i. Br. abrange os
seguintes títulos: v. 1: A ciência da cruz – um estudo de São João da Cruz; v. 2: Ser finito e ser eterno;
v. 3 e 4: São Tomás de Aquino – investigações sobre a verdade; v. 5: A mulher – sua missão segundo a
natureza e a graça; v. 6: Mundo e pessoa; v. 7: Da vida de uma família judia; v. 8 e 9: Correspondência
(cartas); v. 10: Salvação na desgraça; v. 11: Vida discreta; v. 12: Vida integral; v. 13: Introdução à filoso-
fia; v. 14: Cartas a Roman Ingarden; v. 15: Razão e fé; v. 16: A construção da pessoa humana; v. 17: O
que é o homem; v. 18: Potência e ato.
8. Quanto à escolha do método, escreve: “Nosso caminho será sistemático. Partiremos da volta
às coisas mesmas e iremos até onde pudermos. Naturalmente, isso deverá acontecer de acordo com
determinado método. Na escolha dos problemas, deixar-me-ei guiar, em grande parte, por Tomás de
Aquino, porque nele encontramos certa proteção contra unilateralidades e alguma garantia de não omi-
tir aspectos essenciais. O método com o qual procuro a solução dos problemas é o fenomenológico, ou
seja, como Husserl o formulou e aplicou no v. 2 das Investigações Lógicas” (Der Aufbau der menschlichen
Person. p. 28).
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tação filosófica da psicologia e das ciências do espírito, da antropologia


etc. Inspirou-se nos escritos de Max Scheler e Wilhelm Dilthey. Depois
do doutorado, a preocupação central de quase todos os seus trabalhos é a
construção e a estruturação da pessoa humana. Apoia-se, também, na obra
de Jacques Maritain e de Gabriel Marcel na abordagem de perspectivas
cristãs na filosofia, transcendendo o mundo sensível. Para Edith Stein, o
filósofo é filósofo também quando não filosofa, ou seja, quando crê, não
deixa de buscar as razões de sua fé.
Depois de sua conversão ao catolicismo, Edith Stein voltou-se ao pen-
samento escolástico, sobretudo ao de Tomás de Aquino e Duns Escoto, e
às obras de grandes místicos, como Pseudo-Dionísio Areopagita, São João
da Cruz, Santa Teresa D’Ávila etc. Ela não só leu as obras do Aquinate,
mas também traduziu algumas delas, como o De Veritate, para o alemão.
Entretanto, ela manteve o rigor fenomenológico em sua atitude e em seu
método, de maneira que se pode caracterizar sua filosofia e teologia como
tomismo fenomenológico consistente ou de fenomenologia tomista atualizada.
Como fenomenóloga, sabe dialogar de maneira criativa com a metafísica
medieval.
Em Der Aufbau der menschlichen Person, nossa autora parte da expe-
riência, oferecendo uma Antropologia que não só mostra o significado e a
essência do conceito de formação pedagógica e psicológica da pessoa, mas
oferece elementos básicos para uma teologia pastoral atualizada, pois, na
pastoral, se trata da formação de personalidades cristãs. A fonte da teologia
e da pregação é, em primeiro lugar, o testemunho da revelação, mas seu
destinatário é o homem. A palavra de Deus, na Bíblia, chega até nós em
linguagem humana a ser traduzida para hoje. O cristão é, antes de tudo,
um ser humano. O objetivo da evangelização não é construir igrejas de
pedra e cimento, mas o de construir uma Igreja viva, formada de pessoas.
Nesse sentido, concordamos com Adair Aparecida Sberga, quando afirma:
Para formar, segundo Stein, é preciso atingir a alma do educando ou seu
núcleo central, a fim de ajudá-lo a viver, a partir da sua interioridade, de
modo a fazer fluir sua singularidade e originalidade pessoal.9
A questão fundamental em torno da qual gira toda a sua obra filosófi-
ca, depois da conversão ao catolicismo, de modo especial em Der Aufbau
der menschlichen Person, é a seguinte: O que é o homem? Como formar
sua personalidade numa perspectiva cristã? Embora a Antropologia seja
uma questão mais pressuposta que elaborada criticamente nas filosofias e

9. SBERGA, A.A. A formação da pessoa em Edith Stein. São Paulo: Paulus, 2014. p. 15.
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teologias do século XIX, o maior desafio para a teologia ainda hoje parece
ser a Antropologia.
A Antropologia filosófica de Edith Stein remete-nos ao núcleo (Kern)
pessoal, ou seja, ao que ela chama de alma da alma. Com o rigor do méto-
do fenomenológico, apresenta um arcabouço teórico sólido para conhecer
a complexa estrutura do ser humano. Ela afirma que, ao falarmos da natu-
reza do ser humano, “pensamos na essência do homem, enquanto tal, com-
preendido aqui o fato de que ele é pessoa”.10 Na obra filosófica de Stein
conjugam-se a fenomenologia e a mística,11 evidenciando que a leitura
científica da natureza não exaure a compreensão da pessoa, que a persona-
lidade humana não é um produto exclusivo de fatores biopsicofisiológicos.
Em Der Aufbau der menschlichen Person, a autora propõe-se desenvol-
ver a ideia do ser humano como fundamento da ciência e do exercício
pedagógico. Na atitude fenomenológica reflete sobre o fundamento ante-
rior aos processos educativos propriamente ditos. Parte da questão básica:
quem é o ser humano que é sujeito e objeto da educação ou formação?
Inicia afirmando que “toda a ação humana é conduzida por um logos”.12 O
termo logos, por um lado, designa uma ordem objetiva do ser que também
inclui a ação humana; por outro, designa uma concepção viva dessa ordem
que possibilita segui-la na práxis, pois tudo que designamos lógico ou lógi-
ca, segundo a autora, se relaciona com o logos. Quando falamos em educa-
ção, nos referimos à formação de seres humanos e pressupomos um certo
modelo ou ideal a construir e seu lugar no mundo. A ideia de formar se-
res humanos chamamos de educação ou pedagogia. A autora fundamenta,
pois, a pessoa humana na unidade substancial de corpo-alma-espírito. Não
se satisfazendo com o entendimento da estrutura essencial, também quer
compreender o que constitui sua singularidade peculiar como indivíduo.
Neste sentido, a obra de Edith Stein adquire atualidade entre nós
quando, por exemplo, falamos em educação de qualidade, de “pátria edu-
cadora”. Tentamos expressar de maneira clara o logos no campo objetivo
dentro de um sistema conceitual. Mas todo o trabalho dedicado à forma-
ção de cidadãos se orienta em determinada concepção do ser humano,
de seu lugar no mundo, de seu papel na vida comunitária e social e das

10. STEIN, E. Ser finito y ser eterno. México: Fondo de Cultura Económica, 1994. p. 379.
11. Nessa época, filósofos estudam e defendem a mística: William James, professor de Harvard,
publicou As variedades da experiência religiosa (1901); Rudolf Otto publicou o ainda clássico O Sagrado
(1917), e Henri Bergson As duas fontes da moral e da religião (1932).
12. STEIN, E. Der Aufbau der menschlichen Person. Freiburg i. Br.: Herder, 2015. p. 2.
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possibilidades do exercício prático na formação. Nesse sentido, a teoria


da formação de seres humanos ou educação faz parte de uma visão global
do mundo, ou seja, de uma metafísica na qual a ideia de ser humano é o
principal referencial. No caso da educação brasileira, caberia perguntar:
qual o modelo de ser humano que pretendemos formar? A escolha tam-
bém depende do objeto a ser modelado, ou seja, quem são os adolescentes
e jovens que queremos formar? Quando se trata de seres humanos, não
basta falar de uma formação exterior. É preciso incluir a estrutura psíquica
e espiritual, abrangendo recursos externos e internos, na busca do melhor
para o crescimento de cada formando, pois, para Stein, todo o trabalho
formativo é individual. Quais os valores espirituais, se é que existem, que
orientam a educação brasileira? Por isso, é preciso reconhecer um crescente
interesse, também entre nós, pelo estudo da obra de Edith Stein no campo
da filosofia, da antropologia teológica, do direito, da educação e, não em
último lugar, da psicologia.13 Uma cultura sem valores espirituais tende a
degenerar em selvageria sob o domínio dos mais fortes, e reinará a corrup-
ção e a violência. Da mesma maneira, não se formam cristãos convictos e
coerentes sem atingir seu núcleo pessoal.

3. Visão de homem na metafísica cristã


Depois de expor sucintamente a visão de homem e mundo do idealis-
mo alemão, da psicanálise de Freud e da filosofia existencial de Heidegger,
Edith Stein expõe a visão do ser humano de acordo com o que ela chama
de metafísica cristã, a fim de mostrar as diferenças e suas consequências na
formação das pessoas. A partir de uma visão da fé cristã, ela conclui que a
imagem do idealismo alemão, com seu ideal do homem íntegro antes da
queda, mas ignorando sua origem e seu destino, é insuficiente. A imagem
que a psicanálise proporciona é a do homem caído, estática e a-histórica.
Não satisfaz, por ignorar seu passado, as possibilidades de seu futuro e o
fato de sua redenção por Cristo. A filosofia da existência de Heidegger, por
sua vez, limita-se à finitude do ser humano, preocupando-se com o que ele
não é e esquecendo o que ele é.14

13. No Brasil, há grupos, sobretudo entre psicólogos, em Bauru, Belo Horizonte, São Paulo, Ri-
beirão Preto e em outras cidades que estudam a fenomenologia de E. Husserl e Edith Stein, realizam
eventos, publicam livros e artigos em língua portuguesa. Pioneiro foi o grupo liderado por Miguel
Mahfoud, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo
Horizonte. O grupo dispõe de uma revista eletrônica Memorandum: memória e história em psicologia
como meio de difusão de suas pesquisas, e já publicou textos importantes.
14. STEIN, E. Der Aufbau der menschlichen Person. p. 13.
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A antropologia cristã, diz nossa autora, partilha com o humanismo


idealista a convicção da bondade da natureza humana, da liberdade e de
sua vocação à plenitude, de sua posição de responsabilidade no todo do gê-
nero humano. A diferença está na fundamentação. O ser humano, na visão
cristã, é bom, enquanto criado por Deus “à sua imagem e semelhança”. É
isto que diferencia o ser humano de todos os outros seres vivos. Segundo
Edith Stein, seguindo Agostinho, o espírito humano está marcado pela
imagem da Trindade. Para compreender isso, Agostinho elaborou diferen-
tes possibilidades dessa imagem. Stein afirma que “o espírito humano se
ama a si mesmo. Deve conhecer-se, para poder amar-se”.15 Conhecimento
e amor identificam-se com o espírito, são sua vida e, apesar disso, são dis-
tintos entre si. O conhecimento nasce do espírito, e do espírito cognoscen-
te brota o amor. Dessa maneira, pode considerar-se espírito, conhecimento
e amor como imagem do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E isso não é
mera comparação, mas tem um significado profundo. O homem somente
existe e é o que é através de Deus. Por ser espírito dotado da luz da razão,
ou seja, imagem do logos divino, é capaz de conhecer. Sendo o espírito
vontade, é atraído pela bondade, ama e pode unir-se e configurar-se com
a vontade divina, isto é, configurar a vontade própria com a vontade de
Deus. Este é o caminho que conduz o homem à realização plena. Para a
concepção humanista do idealismo, o ideal de perfeição é uma meta terre-
na para a qual se encaminha o desenvolvimento, enquanto, na visão cristã,
a meta é transcendente. O homem pode e deve colaborar para chegar à
meta, embora sem conseguir chegar, sozinho, com suas próprias forças.16
A visão cristã do ser humano também compartilha alguns aspectos com
as concepções modernas que reconhecem o caráter superficial da consciên-
cia, a dimensão da profundidade da alma e as dimensões obscuras da exis-
tência. Para o cristão, segundo Edith Stein, não se trata de novas descober-
tas, mas de uma realidade com a qual ele sempre deve contar. A explicação
cristã compreende isso a partir de sua raiz. Pela queda, o ser humano afas-
tou-se de Deus, e sua natureza foi ferida, obscureceu a razão e enfraqueceu
a sua vontade, sem tolher-lhe a liberdade. Dessa maneira, cada pessoa tem
a possibilidade de lutar com suas próprias forças enfraquecidas, sabendo
que sozinho não obterá vitória total, porque sua vontade cedo ou tarde
pode fraquejar. O ser humano não tem o domínio total sobre as forças

15. Idem. p. 9.
16. Idem. p. 9-10.
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da profundidade e, sozinho, também não consegue encontrar o caminho


para o alto. Mas para ele há um caminho já preparado. Deus fez-se homem
para curar sua natureza e devolver-lhe a elevação para o alto. O Filho do
Pai eterno tornou-se a nova cabeça do gênero humano. Todo aquele que se
unir a Ele na unidade do corpo místico participa da filiação divina. A luz
natural da razão é fortalecida pela luz da graça que a protege melhor contra
o erro e lhe abre os olhos para os sinais que, neste mundo, lhe indicam um
outro de glória eterna. Stein afirma: “No seu mundo interior e no mundo
exterior, o ser humano encontra sinais que indicam para Alguém que está
acima dele e acima de tudo, do qual ele e tudo mais dependem”.17
Do cristão exige-se uma atitude crítica em relação ao mundo no qual
ele se encontra como espírito vigilante e em relação ao próprio eu. No ape-
lo à reflexão para o ser autêntico da metafísica de Heidegger ecoa o apelo
cristão de conversão, com o qual o Batista conclamou o povo a preparar
o caminho do Senhor. Entre os pensadores cristãos, foi Agostinho que,
com maior paixão, correspondeu a esse apelo: “Noli foras ire, in te redi, in
interiore homine habitat veritas”. A verdade habita no homem interior ou
no interior do homem. Ninguém se adentrou mais na profundidade do
ser humano que Agostinho em suas Confissões. Edith Stein quer servir à
Verdade, sem apenas buscar verdades que lhe sirvam. Para Agostinho, a
realidade visada não é a do próprio ser finito, mas a do ser eterno. Quando
a alma se conhece a si mesma, reconhece a Deus em si. Para isso, necessita
da luz divina. Para nossa autora, será esforço vão querer descobrir o oculto
na profundidade de outras almas apenas com os meios naturais.18
Edith Stein busca uma compreensão do vínculo entre humanidade
e formação da pessoa humana individual com toda a sua singularidade.
A humanidade é um grande todo: tem uma origem e está orientada para
uma meta, envolta num destino. Por ser de natureza corpóreo-psíquico-
-espiritual, o ser humano abre-se para além do passageiro, para além da
matéria sensível, para além do que já é, para o que ainda não é, para o que
poderá vir-a-ser. Nesta unidade do todo, os indivíduos exercem diferentes
funções orientadas no Logos eterno, fundamento do ser para a unidade do
gênero humano.
Com o método fenomenológico, ela conclui que o ser humano é cons-
tituído unitariamente por três extratos: corpo, psique e espírito, como já
haviam constatado os antigos filósofos gregos (Aristóteles). Em outras pa-

17. Idem. p. 32.


18. Idem. p. 10-11.
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lavras, a antropologia é o fundamento para uma educação responsável.


O sujeito das vivências é o “eu puro” (reines Ich), o ser consciente de si
mesmo. Dele parte o fluxo das vivências intencionais. Ele é o indivíduo
absoluto que forma a unidade das vivências em seu fluxo. É o eu que faz
com que a alma se possua a si mesma. O núcleo mais profundo do eu é
o lugar de sua liberdade no qual a pessoa pode recolher-se e decidir sobre
seu inteiro ser. O eu não se reduz ao abstrato cogito cartesiano e kantiano.
Como ato de presença no corpo e na alma, sem identificar-se com o corpo
nem com a alma, o eu determina livremente nossos atos e atitudes.
Edith Stein concebe a pessoa enquanto eu que abrange corpo e alma
como forma de plenitude que tudo une. Por isso, na vivência de sua cons-
ciência, a pessoa registra atos de três qualidades: o ato perceptivo, que remete
ao corpo, como mediador da vida interior com o mundo real. O corpo vivo
é capaz de sentir; o ato psíquico remete à psique, e o ato intelectivo ou volitivo
remete ao espírito. A vida psíquica e espiritual é formada pela sensibilidade
e espiritualidade. Essas vivências são estudadas de maneira integrada pela fe-
nomenologia husserliana, pois constituem o todo como uma unidade. Refe-
rindo-se a concepções dualistas, bem mostra Marina Maximi em seu estudo
“Compreender a estrutura da pessoa”19 que, segundo Edith Stein, “a coloca-
ção do problema (do dualismo) se baseia num pressuposto falso: a concepção
de que no ser humano estejam reciprocamente ligadas duas substâncias”. O
corpo humano não pode ser pensado sem a alma. O processo espiritual, por
outro lado, é sempre um processo psicofísico. Assim, os processos que ocor-
rem no ser humano têm causas materiais e/ou espirituais.
No corpo humano vivo “habita” um “eu” que se pode configurar a si
mesmo e ter o domínio de si. Todas as suas experiências estão ligadas à
consciência desse “eu”, que tem consciência de ser um “eu”.20 Para nossa
autora, uma filosofia somente é radical na medida em que avança até os
últimos fundamentos ou raízes do ser humano, ou seja, quando vai até a
profundidade do próprio eu, ao núcleo pessoal imutável. Ela afirma:
Existe, porém, um ponto no espaço da alma no qual o eu encontra o seu
lugar próprio, o lugar da paz, que este deve buscar até que o tenha encon-
trado e ao qual sempre deve retornar, se o abandonou. Este é o ponto mais
profundo da alma (...). Só daqui pode tomar decisões em plena consciência,

19. MAXIMI, M. Compreender a estrutura da pessoa: diálogo entre fenomenologia e filosofia


aristotélico-tomista, por Edith Stein. In: MAHFOUD, M.; MAXIMI, M. (Org.). Edith Stein e a Psico-
logia. Belo Horizonte: Artesã, 2013. p. 104.
20. SBERGA, A.A. Op. cit. p. 106-107.
448 U. Zilles. A antropolgia em Edith Stein

daqui pode empenhar-se por qualquer coisa, pode sacrificar-se e doar-se a


si mesmo.21
Em síntese, para Edith Stein, a antropologia do idealismo reduz o ho-
mem à razão, negligenciando o aspecto dos sentimentos, dos afetos e das
emoções; a antropologia psicanalítica ignora o poder ordenador da razão/
intelecto e da vontade e, assim, reduz o ser humano a pulsões e instintos; a
antropologia existencialista de Martin Heidegger, com seu nihilismo, preo-
cupa-se por demais com o que o homem “não é”, esquecendo o que é. A
Antropologia cristã abrange o todo.

4. Uma visão globalizante


Na filosofia do século XX, houve uma recuperação parcial do pensa-
mento bíblico. Este é oriental e globalizante. Quando lemos a primeira
página do Gênese, percebemos que a palavra corpo designa o ser humano
global na sua relação com a terra; o termo alma designa o homem todo
em sua relação com Deus. Ora, grandes pensadores do século XX, como
E. Husserl, M. Scheler, M. Buber, H. Bergson e E. Stein foram educa-
dos nessa tradição cultural. Este pensamento globalizante contrasta com
o pensamento analítico da Antiga Grécia que, não raro, pode tornar-se
um obstáculo para compreender a essência do pensamento bíblico e do
pensamento oriental. Talvez se devesse considerar mais esta diferença que
faz com que judeus e muçulmanos até hoje sintam dificuldade de separar
religião e política, tendendo sempre a um regime teocrático.
Somente numa atitude analítica podemos distinguir três elementos no
ser humano, pois, na realidade, são inseparáveis, são diferentes potencia-
lidades de um e mesmo ser. Apenas designam possibilidades distintas de
nosso ser uno e indiviso. Quando, por exemplo, queremos abrir mão da
razão para liberar nossa animalidade ou nossas emoções, o fazemos racio-
nalmente. Não temos como viver nosso caráter material e animal sem a
razão. Não deixamos de ser racionais quando amamos ou rezamos. Por ou-
tro lado, quando estamos abalados emocionalmente, é prejudicada nossa
atividade racional. Uma visão racionalista, levando em conta apenas o de-
senvolvimento intelectual da pessoa, reduz ou mutila justamente o terreno
da experiência pessoal. Somos um todo psico-físico-espiritual.
Para E. Stein, o ser humano individual concreto é um todo que não se
reduz à simples soma de suas partes e, como um todo individual, faz parte

21. STEIN, E. Der Aufbau der menschlichen Person. p. 86.


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de um todo maior: a família, a comunidade, a sociedade, o mundo... É


um todo constituído por uma copresença de corpo, alma e espírito dentro
de um todo maior. Os limites desse todo que é o indivíduo humano não
coincidem com os limites da pele. Por outro lado, nunca é um todo acaba-
do, sempre está a caminho ou em desenvolvimento físico e espiritual. Para
Stein, somos todos imperfeitos, mas perfectíveis. O ser humano sempre se
encontra a caminho. É um homo viator, dizia G. Marcel. Nesse caminho,
entram em jogo a herança biológica e o dinamismo cultural. Portanto, E.
Stein não parte de um conceito abstrato de pessoa para então proceder por
deduções lógicas, mas da descrição de vivências concretas da consciência,
ou seja, da experiência.22 O ser humano diferencia-se dos outros seres da
natureza por sua estrutura pessoal. Nossa autora usa o termo pessoa, refe-
rindo-se ao ser humano como ser espiritual e livre. O espírito é o elemen-
to distintivo da pessoa, mas essa não é só espírito, ela é também corpo e
psique. Enquanto espírito, é capaz das vivências relativas à valoração, à
reflexão e à decisão; enquanto pessoa, é capaz de refletir sobre si mesma,
ser sujeito e objeto de sua própria reflexão. A pessoa toma consciência do
que lhe acontece e do que acontece ao seu redor, realizando as essências da
espécie e dos universais no modo individual único e irrepetível.
A filósofa Edith Stein chega ao conceito de pessoa a partir de dentro,
a partir das vivências da consciência. O ser humano é livre para rea-
lizar-se ou frustrar-se. Cada indivíduo é um elo na corrente global do
gênero humano, mas, graças à sua identidade própria, cada indivíduo e
cada povo têm uma missão singular a cumprir no caminho histórico da
humanidade. O ideal de humanidade, para a pedagoga Stein, representa
uma meta à qual ela pretende conduzir o educando, despertando e desen-
volvendo suas energias individuais, em busca de seu lugar no seu povo e
na humanidade e contribuir na criação do espírito e da cultura. Por ser
humano, constitui-se não só de corpo, mas também de psique e espírito,
podendo experimentar toda sua corporeidade e conhecer suas emoções e
seus sentimentos. A filósofa concebe o espírito como a alma da alma, como
núcleo interior e singular da pessoa, que expressa seu intelecto, sua vontade
e sua razão. Por ser pessoa espiritual, é capaz de tomar decisões diante de
situações concretas e sentir-se livre para fazer o que lhe convém.
Ao tratar da Antropologia como fundamento da pedagogia, depois de
expor brevemente as diferentes antropologias no campo das ciências natu-

22. Edith Stein emprega o termo experiência (Erfahrung) para referir-se à tomada de consciência
de algo. É sinônimo de vivência (Erlebnis), no sentido de ato no qual captamos unidades de sentido dos
mais variados tipos.
450 U. Zilles. A antropolgia em Edith Stein

rais e das ciências do espírito com significação relevante para a pedagogia,


aborda o ser humano como pessoa espiritual,23 em seu lugar social, indivi-
dual e como ser histórico, social e cultural.
Vejamos como introduz sua abordagem. Ela afirma que uma análise
da experiência cotidiana nos mostra algo da estrutura do cosmo e do lugar
do homem nele.24 O ser humano é, simultaneamente, um ser material, um
ser vivo, um ser animado, uma pessoa espiritual. Sua veste, seu modo de se
movimentar, a maneira de falar etc. dizem-nos, muitas vezes, no primeiro
olhar, algo sobre seu lugar social, sua profissão. Em alguns casos, tudo isso
se torna claro num primeiro instante, sem prévia reflexão, e procedemos
de acordo. O mundo dos homens é um mundo social no qual cada um
exerce determinado papel ou determinados papéis. Contudo, não vemos
os seres humanos apenas como humanos, isto é, com aquilo que têm em
comum com todos os homens. Já no primeiro encontro, chama-nos aten-
ção aquilo que o outro é como pessoa individual, como ele é, sua essência,
seu caráter. E isso ele expressa através do rosto, de seu olhar, de seus gestos,
do tom de sua voz. De tudo isso nem sempre temos consciência. Tudo isso
nos toca interiormente, nos distancia ou nos aproxima uns dos outros. Os
seres humanos são pessoas com propriedades individuais, cada qual com
sua singularidade única. A concepção que uns têm dos outros não é mera
questão racional.25 Por isso, sua antropologia filosófica se abre para a an-
tropologia teológica, curso que preparara para o semestre posterior ao Der
Aufbau der menschlichen Person, em Münster, publicado sob o título Was ist
der Mensch? (O que é o homem?).26
Se passamos de um encontro isolado, diz nossa autora, para uma con-
vivência duradoura, o exterior e o geral, aos poucos, cede sempre mais
lugar ao interior e pessoal. A diferenciação realiza-se de maneira expressa e
lentamente se torna uma convivência duradoura e evidente ou, eventual-
mente, uma oposição a diferentes formas comunitárias. Com o tempo,
na concepção penetra sempre mais a história e o destino do homem e,
dessa maneira, a consciência da responsabilidade mútua da vida humana
em comum, um vir-a-ser em condicionamento mútuo. Viver em comu-
nidade com outros homens significa vê-los trabalhar e trabalhar com eles;
viver entre homens significa ver surgir e desaparecer obras, ser formado

23. STEIN, E. Der Aufbau der menschlichen Person. p. 30-32.


24. Idem. p. 30.
25. Idem. p. 31.
26. ESGA, v. 15.
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por eles e ajudar a formar outros. Vida humana é vida cultural. O mun-
do humano é um mundo espiritual pluriforme de pessoas individuais e
sociedades, de formas sociais e obras do espírito. A pessoa situa-se nesse
mundo concreto, vive nele, olha para dentro dele, nele encontra existência
humana e humanidade.
Resumindo, podemos dizer que, na obra de Edith Stein, encontramos
uma base filosófica sólida e uma visão antropológica globalizante e sufi-
cientemente profunda para construir uma teoria consistente e uma prática
atualizada da educação em geral, incluindo a religiosa, a partir da experiên-
cia da pessoa concreta. No horizonte de suas pesquisas, ela sempre abre a
possibilidade de um conhecimento do ser e da verdade, dialoga honesta,
mas criticamente, com Tomás de Aquino. Dessa maneira, contribui para
um diálogo responsável entre fé e razão com novas perspectivas para uma
filosofia da religião, inserindo o ser humano no terreno do místico e da
santidade. O estudo da Antropologia filosófica e teológica de Edith Stein
contribuirá, certamente, em muito, para superar o abismo cada vez maior
entre a doutrina dogmática abstrata da teologia católica, da pregação e da
catequese e a realidade viva atual, vinculando o ser humano mais ao Cristo
vivo e a seu Evangelho que a sistemas de ideias distantes da realidade da
experiência cotidiana.
Urbano Zilles
PUC-RS
Faculdade de Teologia
Av. Ipiranga, 6681
Partenon
90.619-900 Porto Alegre – RS/BRASIL
E-mail: urbanozilles@hotmail.com

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