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1. Dados biográficos
Edith Stein, desde jovem, sempre foi uma personalidade inquieta, que
se apropriou do rigor do método fenomenológico de Edmund Husserl, o
desenvolveu e aplicou; conheceu a fundo a problemática da filosofia mo-
derna e assumiu a tradição da fé cristã em suas fontes mais puras, procu-
rando incansavelmente a verdade, ou seja, Deus. Aqui, tomaremos como
referência de nossa exposição suas lições de Antropologia filosófica, intitu-
1. ZILLES, U. Antropologia teológica. São Paulo: Paulus, 2011. p. 56-57.
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2. Na língua alemã há duas edições das obras de Edith Stein. A primeira intitula-se Edith Steins
Werke (ESW), em 18 volumes (Freiburg: Herder, 1991), e a segunda, a mais recente, Edith Steins Gesam-
tausgabe (ESGA), em 27 volumes (obras completas), Freiburg: Herder, 2000. A publicação da tradução
espanhola das obras completas de Edith Stein, a partir de 2002, pela Editora Monte Carmelo, de Burgos,
tem cinco volumes, com mais de 5.000 páginas, mas é incompleta.
3. ALFIERI, F. Pessoa humana e singularidade em Edith Stein. São Paulo: Perspectiva, 2014.
p. 160-170.
4. SCHELER, M. O eterno no homem. Petrópolis: Vozes, 2015.
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7. A edição das obras de Edith Stein (ESW) pela Editora Herder de Freiburg i. Br. abrange os
seguintes títulos: v. 1: A ciência da cruz – um estudo de São João da Cruz; v. 2: Ser finito e ser eterno;
v. 3 e 4: São Tomás de Aquino – investigações sobre a verdade; v. 5: A mulher – sua missão segundo a
natureza e a graça; v. 6: Mundo e pessoa; v. 7: Da vida de uma família judia; v. 8 e 9: Correspondência
(cartas); v. 10: Salvação na desgraça; v. 11: Vida discreta; v. 12: Vida integral; v. 13: Introdução à filoso-
fia; v. 14: Cartas a Roman Ingarden; v. 15: Razão e fé; v. 16: A construção da pessoa humana; v. 17: O
que é o homem; v. 18: Potência e ato.
8. Quanto à escolha do método, escreve: “Nosso caminho será sistemático. Partiremos da volta
às coisas mesmas e iremos até onde pudermos. Naturalmente, isso deverá acontecer de acordo com
determinado método. Na escolha dos problemas, deixar-me-ei guiar, em grande parte, por Tomás de
Aquino, porque nele encontramos certa proteção contra unilateralidades e alguma garantia de não omi-
tir aspectos essenciais. O método com o qual procuro a solução dos problemas é o fenomenológico, ou
seja, como Husserl o formulou e aplicou no v. 2 das Investigações Lógicas” (Der Aufbau der menschlichen
Person. p. 28).
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9. SBERGA, A.A. A formação da pessoa em Edith Stein. São Paulo: Paulus, 2014. p. 15.
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teologias do século XIX, o maior desafio para a teologia ainda hoje parece
ser a Antropologia.
A Antropologia filosófica de Edith Stein remete-nos ao núcleo (Kern)
pessoal, ou seja, ao que ela chama de alma da alma. Com o rigor do méto-
do fenomenológico, apresenta um arcabouço teórico sólido para conhecer
a complexa estrutura do ser humano. Ela afirma que, ao falarmos da natu-
reza do ser humano, “pensamos na essência do homem, enquanto tal, com-
preendido aqui o fato de que ele é pessoa”.10 Na obra filosófica de Stein
conjugam-se a fenomenologia e a mística,11 evidenciando que a leitura
científica da natureza não exaure a compreensão da pessoa, que a persona-
lidade humana não é um produto exclusivo de fatores biopsicofisiológicos.
Em Der Aufbau der menschlichen Person, a autora propõe-se desenvol-
ver a ideia do ser humano como fundamento da ciência e do exercício
pedagógico. Na atitude fenomenológica reflete sobre o fundamento ante-
rior aos processos educativos propriamente ditos. Parte da questão básica:
quem é o ser humano que é sujeito e objeto da educação ou formação?
Inicia afirmando que “toda a ação humana é conduzida por um logos”.12 O
termo logos, por um lado, designa uma ordem objetiva do ser que também
inclui a ação humana; por outro, designa uma concepção viva dessa ordem
que possibilita segui-la na práxis, pois tudo que designamos lógico ou lógi-
ca, segundo a autora, se relaciona com o logos. Quando falamos em educa-
ção, nos referimos à formação de seres humanos e pressupomos um certo
modelo ou ideal a construir e seu lugar no mundo. A ideia de formar se-
res humanos chamamos de educação ou pedagogia. A autora fundamenta,
pois, a pessoa humana na unidade substancial de corpo-alma-espírito. Não
se satisfazendo com o entendimento da estrutura essencial, também quer
compreender o que constitui sua singularidade peculiar como indivíduo.
Neste sentido, a obra de Edith Stein adquire atualidade entre nós
quando, por exemplo, falamos em educação de qualidade, de “pátria edu-
cadora”. Tentamos expressar de maneira clara o logos no campo objetivo
dentro de um sistema conceitual. Mas todo o trabalho dedicado à forma-
ção de cidadãos se orienta em determinada concepção do ser humano,
de seu lugar no mundo, de seu papel na vida comunitária e social e das
10. STEIN, E. Ser finito y ser eterno. México: Fondo de Cultura Económica, 1994. p. 379.
11. Nessa época, filósofos estudam e defendem a mística: William James, professor de Harvard,
publicou As variedades da experiência religiosa (1901); Rudolf Otto publicou o ainda clássico O Sagrado
(1917), e Henri Bergson As duas fontes da moral e da religião (1932).
12. STEIN, E. Der Aufbau der menschlichen Person. Freiburg i. Br.: Herder, 2015. p. 2.
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13. No Brasil, há grupos, sobretudo entre psicólogos, em Bauru, Belo Horizonte, São Paulo, Ri-
beirão Preto e em outras cidades que estudam a fenomenologia de E. Husserl e Edith Stein, realizam
eventos, publicam livros e artigos em língua portuguesa. Pioneiro foi o grupo liderado por Miguel
Mahfoud, professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo
Horizonte. O grupo dispõe de uma revista eletrônica Memorandum: memória e história em psicologia
como meio de difusão de suas pesquisas, e já publicou textos importantes.
14. STEIN, E. Der Aufbau der menschlichen Person. p. 13.
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15. Idem. p. 9.
16. Idem. p. 9-10.
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22. Edith Stein emprega o termo experiência (Erfahrung) para referir-se à tomada de consciência
de algo. É sinônimo de vivência (Erlebnis), no sentido de ato no qual captamos unidades de sentido dos
mais variados tipos.
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por eles e ajudar a formar outros. Vida humana é vida cultural. O mun-
do humano é um mundo espiritual pluriforme de pessoas individuais e
sociedades, de formas sociais e obras do espírito. A pessoa situa-se nesse
mundo concreto, vive nele, olha para dentro dele, nele encontra existência
humana e humanidade.
Resumindo, podemos dizer que, na obra de Edith Stein, encontramos
uma base filosófica sólida e uma visão antropológica globalizante e sufi-
cientemente profunda para construir uma teoria consistente e uma prática
atualizada da educação em geral, incluindo a religiosa, a partir da experiên-
cia da pessoa concreta. No horizonte de suas pesquisas, ela sempre abre a
possibilidade de um conhecimento do ser e da verdade, dialoga honesta,
mas criticamente, com Tomás de Aquino. Dessa maneira, contribui para
um diálogo responsável entre fé e razão com novas perspectivas para uma
filosofia da religião, inserindo o ser humano no terreno do místico e da
santidade. O estudo da Antropologia filosófica e teológica de Edith Stein
contribuirá, certamente, em muito, para superar o abismo cada vez maior
entre a doutrina dogmática abstrata da teologia católica, da pregação e da
catequese e a realidade viva atual, vinculando o ser humano mais ao Cristo
vivo e a seu Evangelho que a sistemas de ideias distantes da realidade da
experiência cotidiana.
Urbano Zilles
PUC-RS
Faculdade de Teologia
Av. Ipiranga, 6681
Partenon
90.619-900 Porto Alegre – RS/BRASIL
E-mail: urbanozilles@hotmail.com
Referências bibliográficas
ALFIERI, F. Pessoa humana e singularidade em Edith Stein. São Paulo: Pers-
pectiva, 2014 (Além de conter um longo e esclarecedor prefácio do pro-
fessor Juvenal Savian Filho (UNIFESP), esta obra apresenta uma relação
seleta das obras de Edith Stein e uma rica bibliografia de estudos sobre seu
pensamento).
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