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Art in theory
Parte VI – Introdução
Pg. 683 – 686
(trad. Giordano Gio)

Os anos da Guerra Fria, de 1950 a 1956, marcaram um divisor de águas no desenvolvimento da


arte moderna e sua teoria. Uma exposição de Jackson Pollock e suas pinturas abstratas no ano anterior
marcaram um ponto alto no desenvolvimento de uma forma de arte moderna especificamente
americana. Ao mesmo tempo, a outra "primeira geração" de pintores americanos todos estabeleceram
as formas canônicas de suas obras. A primeira representação substancial desse trabalho foi incluída em
uma mostra de “Arte Moderna nos Estados Unidos” que viajou pela Europa em 1955/1956, que seria
seguida três anos mais tarde de outra exposição concentrada na pintura estabelecida como a Escola de
Nova York. Em 1956, a dominância americana na cultura internacional de arte moderna estava tão
firmemente estabelecida quanto a dominância francesa estava meio século antes.

A visão dos anos 50 como um divisor de águas no desenvolvimento da arte ganha novos
contornos em relação aos eventos do final de tal período. 1956 foi o ano da crise de Suez, da invasão
russa na Hungria, e do discurso de Nikita Krushchev para a vigésima festa do Partido Comunista, que
iniciou o longo processo de revisão do stalinismo. Foi também o ano de "Heartbreak Hotel", de Elvis
Presley, e da exibição em Londres de "This is Tomorrow", o primeiro sopro do poder e da vitalidade de
uma emergente cultura popular, ou melhor, uma cultura popular empacotada e distribuída para consumo
de massa, que, em retrospecto, estabeleceu o cenário para a emergência da Pop Art britânica.

Esses momentos simultâneos sugerem algumas formas de conexão entre consideráveis


processos históricos: o empobrecimento do velho império britânico de um lado, e o início de um longo
declínio do novo Império russo de outro. Paris finalmente cedeu o lugar como centro metropolitano do
modernismo. Nova York em ascendência, a velha esquerda em crise. Uma nova esquerda se desdobra
para diferenciar-se e definir seu embasamento teórico, com um olhar para a "des-stalinização" do
marxismo, e outro para a fascinante iconografia da sociedade de consumo.

Na verdade, mesmo com o trabalho dos expressionistas abstratos sendo utilizados para legitimar
o poder e a originalidade do liberalismo americano, os representantes de vanguarda de uma geração
americana mais jovem estavam se distanciando de todas as formas de retórica do poder, identificando o
ponto de origem da arte não no esforço individual de se expressar em face de determinada
circunstância, mas sim, de maneira mais fatalista e mais paradoxal, na individualidade como uma
circunstância inescapável em que a expressão é inescapavelmente convencional. Como Jasper Johns e
John Cage descobriram, conceber uma expressão de vanguarda é meramente confrontar esse
paradoxo em sua forma mais aguda: "vale tudo" desde que haja uma linguagem através da qual se
possa dizer algo. A constante presença de Marcel Duchamp em Nova York servia para lembrar que
haviam precedentes no Dadaísmo no que diz respeito da associação da vanguarda com a ironia.

No fim dos anos 50 e início dos 60, as típicas questões do período apareciam em trabalhos que
combinavam as despreocupadas celebrações com uma análise mais cética, em proporções variáveis. A
necessidade de atingir um novo senso de modernidade era uma clara preocupação da arte e das teorias
da arte naqueles anos. O trabalho dos artistas pop nos lembraram de uma preocupação central, ainda
que negligenciada, da tradição moderna era diagnosticar o sentido de modernidade através de
aparições efêmeras da na vida urbana moderna. Teriam os ƒlâneur do Baudelaire da Paris dos anos
1860 reencarnado na Nova York dos anos 60? Baudelaire talvez reconhecesse sua ironia e fascínio nas
pinturas de Roy Lichtenstein ou Andy Warhol. Os trabalhos deles compartilhavam com Roland Barthes e
Guy Debord a tendência de tratar a modernidade como uma forma de superfície, que revela o sentido e
o valor pela virtude dessa própria artificialidade.

Para outros artistas, a representação da experiência da modernidade entalhada na ideia da "boa


arte", na qual estaria enraizada a noção de centralidade da pintura e da escultura. Na Europa, assim
como nos EUA, o dadaísmo era explorado como uma fonte de estratégias de vanguarda. Para alguns,
uma exploração de mídias diferentes e de formas menos estritamente especializadas de prática
ofereciam meios de fechar uma lacuna entre a arte moderna e a vida moderna. Para outros, a remoção
do status privilegiado atribuído à pintura e à escultura nas veias modernistas deveria ser uma maneira de
abrir as práticas da arte para uma antropologia mais social, mais relevante, mais moderna. De acordo
com as teorias de Marshall McLuhan, por exemplo, o homem moderno tem estado sujeito a uma
evolução tão rápida em suas capacidades cognitivas, que o caráter redundante da pintura e da escultura
pode ser percebido com mais facilidade.

*O conceito de cultura como superfície levanta a questão da discriminação frente às diferenças,


enquanto a aplicação dos métodos socio-antropológicos chama atenção para como esse preconceito
funciona. Para os artistas da geração do Expressionismo Abstrato, assim como para seus
contemporâneos europeus, a importância inquestionável de certos temas permitiram o engajamento da
pintura e da escultura com um repertório de mitos. Esse engajamento era a garantia de profundidade de
conteúdo na arte. Mas se o mito é visto mais como ideologia, se os temas da comunicação de massa e
publicidade podem ser considerados mitos em construção, qual preço terá seu significado histórico?

Costumava ser de senso comum na estética modernista as significativas diferenças que havia
entre uma grande arte "séria" e uma cultura de massa despojada, ou entre a vanguarda e o kitsch. Esse
pressuposto era geralmente compartilhado pelos intelectuais de esquerda que questionavam se a
manutenção e estímulo das diferenças eram ou não a marca de uma sociedade que agia na defensiva.
Estes não tinham nenhuma expectativa de superar essas divisões numa transformação revolucionária
de sociedade. Se o campo das distinções críticas estava erodindo, quais seriam as conseqüências? Era
isso que era preciso para que o Bom se tornasse popular, ou vice-versa? Não era uma revolução
proletária, no fim das contas, mas uma espécie de inchaço da classe média que ocorreu nas nações do
ocidente? Ou essas distinções nunca foram mais do que ideológicas, elas eram em si meras funções da
mitologia moderna? Ou essas não eram as verdadeiras alternativas e o processo histórico da época em
si, era a condição necessária para a dissolução do gosto moderno e suas questões? Seriam essas
várias formas de ceticismo sobre o conceito da "alta arte" os termos através dos quais uma nova
constituição histórica estabelece a si mesmo como árbitro dos valores culturais?

Discutir essas questões não era simplesmente encarar a cultura modernista, mas também
confrontar desconfortáveis questões sobre a divisão de classes da esquerda artística e intelectual.
Depois de toda a falação sobre a autenticidade da cultura da classe trabalhadora, o quão complacente a
esquerda poderia ser em relação ao que o inchaço da classe média realmente efetuou? Um tema
familiar era revivido sob novas condições no início dos anos 60: uma preocupação da arte como modelo
de reconciliação, como o recurso que permite a todos nós refletir sobre os problemas da separação de
classes e os fechamentos do gosto erudito, em um conceito de cultura como um todo, ou melhor, como
uma visão de cultura com a qual todos possam, em teoria, se identificar.

Nós voltamos nossa atenção para esses aspectos da arte e da teoria dos anos 50 e início dos
anos 60 no qual a natureza da experiência da modernidade se torna mais uma vez uma questão
importante. O que serve para unir essas práticas e essas posições é seu engajamento em comum, ou
com temas evidentemente humanos e materiais ou com formas identificáveis de uma cultura
contemporânea explícita. Ou ambos. Como em períodos anteriores, essa forma de engajamento
contrasta com outra, em que a experiência da modernidade é tratada mais como uma condição limitante
do que como uma qualificação essencial. Essa é a posição que, lá pelos anos 50, começa a se tornar
abertamente identificada como "modernista", da maneira exposta por Clement Greenberg. Para o crítico,
na tradição moderna, a medida da arte não está na vivacidade com que representa a experiência da vida
moderna, mas mais em atingir, sob as contingentes condições do moderno, um nível de qualidade que
supere o padrão atingido pela arte anterior. É através do engajamento com as demandas de uma mídia
específica, e através do acertamento dos padrões atingidos naquela mídia, que os artistas conseguem o
efeito crítico nas condições históricas e sociais. Se a maior responsabilidade do artista é em relação as
demandas da mídia escolhida, não significa que os problemas da existência social estão propriamente
ignorados. No entanto, talvez pareçam um pouco deixados de lado, pois a pura indiferença do meio
tende a desqualificar as formas de interesse e sentimentalismo com que tais problemas geralmente são
tratados. Nessa posição, o verdadeiro potencial crítico da arte não está em sua relevância, mas sim na
sua possibilidade de autonomia.

Não há nenhuma razão, a princípio, para que aqueles comprometidos com essa visão sobre arte
aprovem as formas da arte abstrata em detrimento de formas que tratam explicitamente de temas
humanos e culturais. Durante os anos 60, no entanto, a crítica Modernista defende a pintura e a
escultura abstrata, mais especificamente aquela defendida por Greenberg em "post painterly
abstraction" e a forma de escultura praticada por Anthony Caro e seus seguidores. Era o objetivo de
Greenberg, e subseqüentemente, de Michael Fried, afirmar que a qualidade que encontravam nesses
trabalhos era conseqüência de sua submissão às inescapáveis demandas da mídia - inescapáveis se os
padrões de arte do passado fossem mantidos. O argumento apresentado conectava a arte do presente a
arte autêntica do passado, encontrando, em retrospectiva, uma lógica de desenvolvimento. Dessa
maneira, um julgamento supostamente desinteressado poderia ser justificado em termos de uma
tendência histórica inexorável.

Uma fraqueza dessas teorias é que frequentemente tendiam a organizar as evidências de acordo
com as mesmas preferências que essas evidências deveriam testar. A autoridade do gosto modernista
era assegurada por um cânone modernista autoritário. Aos olhos de seus oponentes, a busca por um
julgamento desinteressado aparecia como uma forma de camuflagem da parcialidade de uma elite.
Mesmo com essas abjeções, a crítica modernista dos anos 60 distinguiu-se por sua atenção ao caráter
prático da arte em questão, e por seu evidente engajamento com questões específicas a determinada
mídia. Por um breve período da metade para o final da década, parecia haver uma considerável
convergência entre o ponto de vista histórico da forma desenvolvida pela crítica modernista e os
interesses práticos de um grupo de pintores e escultores americanos e ingleses. Essa convergência
envolveu uma série de compromissos em comum: a prioridade da qualidade estética sobre a relevância
socio-política no que diz respeito à função da arte; a uma crença concomitante na autonomia da estética;
uma crença na centralidade da pintura e da escultura como conceito de "boa arte"; e finalmente, a ideia
de que a produção de uma "boa arte" era uma estratégia absolutamente defensiva. Devido a toda a sua
aparente indiferença aos argumentos pela popularização da cultura, algumas reivindicações da
autonomia da arte tinham suas defesas políticas. Theodor Adorno, por exemplo, argumentava que o
princípio da autonomia associado a formas de "alta arte" lançaram as bases de uma resistência a uma
prescrição política e moral.

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