Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
P-301 - A Plataforma Do Pavor - Willian Voltz
P-301 - A Plataforma Do Pavor - Willian Voltz
A PLATAFORMA
DO PAVOR
Autor
WILLIAN VOLTZ
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
DROMO
O inimigo medonho volta a golpear
— e os últimos homens de Black Hills têm de lutar
pela vida. Uma aventura com o Coronel Redhorse
Zachery Parral estava de pé, encostado a uma rocha, com os olhos semicerrados,
respirando profundamente o ar noturno quente de Rubin. Fazia meia hora que tinha sido
revezado nos trabalhos de conserto. Redhorse lhe dera o conselho de procurar um lugar
tranqüilo e dormir um pouco.
Zachery sorriu. O barulho dos reparos atravessava a noite, e, além disso, os
pensamentos que se agitavam em sua cabeça certamente não permitiram que ele
dormisse.
Os dois jatos espaciais estavam razoavelmente bem escondidos num desfiladeiro
rochoso. No desfiladeiro não havia nascentes. Parecia que em todo o planeta não havia
nada além de desertos e montanhas íngremes.. A água guardada nos reservatórios dos
jatos era morna e insossa.
Verificara-se que os hipertransmissores das duas naves-disco não podiam ser
reparados. Faltava as respectivas peças sobressalentes. Redhorse dera ordem para
apressar os trabalhos nos hiperpropulsores, mas por enquanto não se tinha conseguido
nada. Zachery viu pelo rosto dos astronautas que as chances de consertar as avarias eram
muito pequenas. Redhorse já dissera que talvez tivessem de ir para o espaço usando
apenas os propulsores normais.
Parral pegou o relógio antigo que trazia no bolso. Olhou para o mostrador
luminoso. Já fazia oito horas que se encontravam em Rubin.
O jovem tenente ouviu o ruído de passos se aproximando. Apressou-se em enfiar o
relógio no bolso do traje de proteção. Redhorse fizera questão de que não tirassem estes
trajes. Só deu permissão para tirar os capacetes.
O sargento Cafana Velarde saiu da escuridão. Carregava um farol que derramava
uma luz forte sobre as rochas mais próximas. Zachery sentiu o raio de luz pousado em
seu rosto por um instante, mas este logo desceu pelo corpo, até parar na corrente do
relógio, que na pressa Parral deixara de enfiar no bolso.
— Pelos planetas do Universo! — exclamou Velarde em tom de incredulidade. —
O senhor anda mesmo com essas coisas!
Zachery ficou vermelho.
— Alguma objeção? — perguntou, zangado.
— É claro que não, Parral — asseverou Velarde.
— Para o senhor continuo a ser o Tenente Parral! — corrigiu Zachery.
— Desculpe, senhor — respondeu Velarde, tranqüilo. — Pensei que na situação
em que nos encontrávamos a hierarquia perdesse toda a importância. Afinal, estamos
presos numa armadilha.
Parral ficou perplexo com as idéias desse homem. Será que um sargento de 44
anos não guardava a disciplina? Ou era um problema de deficiência intelectual?
— Se voltar a comportar-se dessa forma, denunciá-lo-ei ao comandante —
afirmou Parral, indignado. — Pouco importa a situação em que nos encontramos.
Pertencemos à Frota Solar e por isso devemos respeitar as normas.
— Meu Deus — disse Velarde sem mostrar-se impressionado. — O senhor ainda é
jovem, tenente. Com o tempo isso passa.
Mais uma figura entrou no círculo luminoso projetado pela lanterna de Velarde.
Era o capitão Carruther.
O capitão cumprimentou Parral com um gesto ligeiro e colocou a mão no ombro
do sargento.
— Então, sargento? — perguntou. — Pegando um arzinho puro?
— Neste ambiente de estufa não existe ar puro, capitão — resmungou Velarde,
aborrecido, e foi embora.
Carruther e Zachery defrontaram-se em silêncio na escuridão. Depois de algum
tempo o silêncio começou a incomodar o tenente.
— Que tipo sem-vergonha! — exclamou.
— Quem? — perguntou Carruther. — Velarde? É um esquisitão. Mas pode-se
confiar nele.
— Tenho lá minhas dúvidas — afirmou Zachery em tom solene. — Já pediu sua
opinião sobre o relacionamento entre diversos níveis hierárquicos numa situação especial,
senhor?
— Parece muito complicado, tenente — respondeu Carruther com um suspiro. —
Por que haveria de falar sobre isso justamente com Velarde?
Zachery teve a impressão de que estava fazendo papel de idiota. Compreendeu que
não se consegue impor autoridade com palavras.
Carruther possuía autoridade. Esta o cercava como se fosse uma auréola invisível.
Mas ele mesmo, Parral, não era levado muito a sério. Zachery mordeu o lábio. Por pouco
não procurara Redhorse para denunciar o sargento num momento como este. O coronel
zombaria dele.
“Talvez”, foi o pensamento do tenente, “a autoridade possa aprendida.”
— Para o senhor tudo isto ainda é novidade, tenente — disse o capitão em tom
bonachão. — Se um dos velhos combatentes se julga muito importante, não se importa.
“Por que todo mundo vive dizendo que sou jovem e inexperiente?”, pensou
Zachery, furioso. Era claro que para ele tudo aquilo era uma novidade, mas nem por isso
valia menos que os outros. Ele mostraria. Ninguém se tornava tenente por acaso. A
pessoa tinha que aprender a trabalhar muito para conquistar o posto. Cafana Velarde era
um simples sargento, e tinha o dobro da idade de Zachery. O que ele estava pensando?
Carruther afastou-se. Suas botas rangiam na rocha quebradiça. Neste instante foi
chegando uma figura esbelta, com duas lanternas penduradas no cinto.
— Olá. Tenente Tique-Taque! — exclamou Spinoza, alegre. — Vim fazer um
teste.
Parral ficou estarrecido. Velarde fora para junto dos jatos e informara o robô sobre
o apelido do tenente. “Que tipo malvado”, pensou Zachery. “Ele me pagará por isso.”
— Meu nome é Parral! — disse.
— Gosto mais de Tique-Taque — retrucou Spinoza. — Soa com uma coisa
cibernética.
Zachery soltou um suspiro de resignação. Tinha de conformar-se com o fato de
não ser tratado de igual para igual pelos membros da pequena comunidade. Apressou-se
em afastar-se do robô antes que este iniciasse um dos seus testes, que por vezes eram bem
perigosos.
Dali a instantes entrou no círculo luminoso do holofote do jato. Redhorse veio ao
seu encontro. Não parecia cansado, embora trabalhasse sem parar.
— Pensei que estivesse dormindo — disse Redhorse, espantado.
Zachery sentiu um calafrio, apesar do ar tépido da noite. De repente sentiu-se
abandonado.
— Volte ao trabalho! — ordenou Redhorse.
Parral fez um gesto de gratidão. Finalmente aparecera alguém que lhe confiava um
trabalho sem falar em sua experiência. Entrou na eclusa. O sargento Velarde veio ao seu
encontro e enfiou-lhe um pequeno maçarico na mão.
— Sabe lidar com isso, senhor? — perguntou em tom sarcástico.
Sem dizer uma palavra, Zachery acendeu o jato e dirigiu a chama para o rosto do
astronauta.
— Mais uma palavra, e queimo o seu nariz. — disse.
Velarde deu uma gargalhada e afastou-se. Zachery ficou absorto no trabalho.
Perdeu a noção do tempo. Levantava de vez em quando para espreguiçar-se. Já não sentia
nenhum cansaço. Levou cerca de três horas para concluir o trabalho. Os olhos ardiam por
causa da claridade da chama que fitara durante todo o tempo. Um anteparo protetor o
teria perturbado o trabalho.
Experimento um estranho sentimento de satisfação. Sentiu-se ligado com os outros
de uma forma misteriosa. Lá estavam eles, isolados e perdidos, lutando pela vida. Pouco
importava que fossem oficiais ou simples astronautas.
“Já penso como Velarde”, refletiu enquanto saía do jato.
— Não é possível — resmungou. — Velarde é um bárbaro incapaz de
compreender estas coisas.
Deu alguns passos no chão duro.
— Tentaremos a decolagem — disse a voz de Redhorse. — Os tripulantes de cada
jato continuarão a ser os mesmos. Coloque seus homens a bordo, Carruther.
Zachery parou, incrédulo. Os propulsores lineares só tinham sido precariamente
reparados. Era possível que os trabalhos de solda tivessem provocado tensão no material
de revestimento do conversor. Talvez o material até tivesse sofrido uma distorção. Não
dispunham de aparelhos pré-aquecimento ou de os propulsores lineares. Se estivessem
funcionando, desapareceremos antes que tenham tempo de atacar-nos.
Carruther engoliu em seco.
— Será um teste formidável — disse a voz de Spinoza, vindo do fundo da sala. No
mesmo instante Zachery ouviu o sargento Velarde praguejar. Ouviu-se alguma coisa
arrastando.
— Para de bater em mim! — disse Spinoza, indignado.
Parral não tirava os olhos dos rastreadores. Cada um dos pontos luminosos que via
à frente podia representar a morte.
“Estamos perdidos”, pensou Zachery. “O hiperpropulsor não funciona.”
Uma série de empuxos intermitentes sacudiu violentamente o jato. Zachery
agarrou-se às braçadeiras da poltrona. Redhorse continuava a lidar com os controles.
— Vive falhando — disse, aborrecido. — Talvez consigamos romper o círculo de
naves inimigas.
O estômago de Zachery encolheu. Os solavancos da nave quase o atiravam para
fora da poltrona.
— Vamos voltar, senhor! — gritou. — Rubin é o único lugar em que estaremos em
segurança.
— Tolice — respondeu Redhorse laconicamente, recusando a sugestão. Zachery
experimentou a sensação esquisita na região do estômago. Levantou os olhos. O rosto de
Carruther continuava na tela do videofone. O capitão piscava os olhos como quem é
obrigado a olhar para o sol.
— Nosso propulsor linear não pega, senhor — disse, calmo. — Estamos ficando
para trás.
— Tente de novo, capitão — disse Redhorse.
Carruther sacudiu a cabeça.
— Estamos cercados por naves inimigas, coronel. Tomara que o senhor tenha mais
sorte. Só assim...
A voz do capitão interrompeu-se. Quase no mesmo instante a tela parecia irromper
em chamas. O rosto de Carruther desmanchou-se. A última coisa que Zachery viu de
Carruther lembrava um filme com excesso de exposição. Mas era apenas o calor
tremendo do tiro energético que destruiu o jato espacial.
Zachery deixou cair a cabeça. Tremia por todo o corpo.
Redhorse deu-lhe uma forte cutucada.
— Fique de olhos nos instrumentos! — gritou. — Para que acha que está
ocupando esse lugar?
Parral voltou a controlar-se. Pelo que se via nos rastreadores, as brechas no círculo
de naves inimigas eram raras. E só mesmo uma nave ultraluz seria capaz de atravessar
uma dessas brechas. O jato espacial dirigido por Redhorse não atingiu a velocidade
necessária para entrar no espaço linear. Houve um novo empuxo, que arremessou o disco
para a frente.
Parecia que o pequeno veículo espacial estava empinando. Com cada empuxo
eram desperdiçadas quantidades enormes de energia. Depois de cada acelerada, o jato
voltava a perder velocidade. A força de inércia de sua massa aumentava, fazendo com que
a velocidade diminuísse cada vez mais, embora os empuxos continuassem a ter a mesma
força.
Zachery arriscou um olhar para os mostradores dos instrumentos. Os ponteiros
balançavam de um lado pra outro. Nestas condições não era possível fazer cálculos
exatos.
— Vamos ver se damos um jeito de romper o círculo — murmurou Redhorse.
As naves inimigas aproximavam-se de todos os lados. Bem atrás do jato já vinha
uma nave esférica, que tanto pelo tamanho como pelo aspecto parecia em todos os
detalhes com um ultracouraçado da classe Galáxia. Parecia que os tripulantes desta nave,
fossem quem fossem, tinham dificuldade em adaptar-se às manobras imprevisíveis de
pequeno veículo espacial.
De repente um objeto voador diferente entrou no alcance dos rastreadores do jato.
Quando começou a distinguir os contornos do objeto, Zachery não acreditou no que seus
olhos viam.
— Olhe, coronel! — gritou o jovem tenente. — O que será?
Era um objeto quadrado. As dimensões pareciam inconcebíveis aos olhos de
Zachery, mas a figura parecia ser uma realidade.
— Acho que é uma plataforma — murmurou Redhorse, pensativo.
“Uma plataforma! É isso mesmo”, pensou Zachery. A figura gigantesca devia ter
cinqüenta quilômetros de lado. Sua espessura chegava a ter dez quilômetros. Zachery
perguntou a si mesmo se as naves que os atacavam vinham do objeto parecido com uma
plataforma.
— Essa coisa possui seu próprio sistema de propulsão — constatou Redhorse. —
Está vendo o acréscimo em cunha na extremidade da plataforma?
Zachery acenou ligeiramente com a cabeça. O gigante devia desprender uma
quantidade incrível de energia. Os jatos propulsores superpesados expeliam feixes
energéticos enormes. Apesar do tamanha a plataforma revelava incrível agilidade.
— Qual é a sua opinião? — perguntou Redhorse em tom indiferente. — Acho que
é a nave-mãe dos ultracouraçados.
— Já pensei nisso — concordou Zachery, que não se atreveu a soltar as
braçadeiras da poltrona, já que o jato espacial continuava a deslocar-se aos saltos através
do sistema Rois.
No meio das unidades inimigas, o jato parecia uma vespa num bando de aves de
rapina. “Uma vespa sem ferrão”, pensou Zachery ao fazer a comparação.
Admirou o sangue-frio de Redhorse. O coronel pilotava a nave auxiliar de Black
Hills com a calma de quem se encontra numa carlinga de vôo simulado, na superfície da
Terra. A calma dos outros tripulantes também era admirável. Ninguém parecia estar
nervoso, embora todos tivessem assistido à morte de Carruther. A tranqüilidade da
tripulação tinha sua origem em grande parte na confiança que todos depositavam em
Dom Redhorse.
Mas o cheiene já não era o homem audacioso que arriscava a vida em operações
temerárias. Faz trinta anos que este Don Redhorse deixara de existir. O Coronel Redhorse
agia de forma calma e prudente. Tomava suas decisões com a ponderação de um
astronauta experimentado.
“O que vale a experiência diante de mil naves?”, perguntou Parral para si mesmo.
— Estão chegando mais perto! — exclamou Redhorse. — Preciso desviar antes
que nos atinjam.
O jato espacial saiu da rota. Zachery apavorou-se ao notar que Redhorse seguia
exatamente na direção de um grupo de naves inimigas. Mas o cheiene deixou o pequeno
veículo espacial cair de repente e acelerou. O sistema de propulsão linear parecia
guaguejar ainda mais fortemente. O disco chegou a entrar na zona de liberação, o que fez
Zachery respirar aliviado. Mas só percorreu alguns milhares de milhas. Logo voltou ao
espaço normal.
Se alguém perguntasse a Zachery quais eram em suas opiniões as chances que lhes
restavam, ele se limitaria a sacudir a cabeça. Os inúmeros abalos tinham sacudido as
entranhas de Parral, que se sentia muito mal. O pesado traje de proteção comprimia seu
corpo, e o conjunto-uniforme que trazia sobre o copo estava encharcado de suor. Muito
triste, Zachery pensou nos vôos que fizera a bordo da Black Hills ou nas naves-escol da
Academia Espacial.
Zachery sempre pensara que uma nave terrana fosse um conjunto de instrumentos
de alta precisão, que não podia ser derrotados por nada deste mundo.
Uma nave inimiga aproximou-se a alguns quilômetros e abriu fogo contra o jato
espacial. A gigassalva só roçou a nave, mas atirou-a fora da rota. Redhorse parecia
acostumado a essas coisas, pois não fez nenhum comentário.
Zachery teve de fazer um grande esforço para não saltar da poltrona. Concebeu as
mais estranhas possibilidades de fuga. Uma delas era pular pela eclusa e saltar em Rubin
apenas com o traje de proteção.
O jato espacial era uma armadilha, em cujo interior todos acabariam encontrando a
morte.
Os contornos de mais duas plataformas apareceram nas telas. Zachery inclinou-se
instintivamente para olhar mais de perto. Deixou cair o queixo. Quem teria construído
estes objetos gigantescos? Diante dele até mesmo uma espaçonave terrana de grande
porte parecia um brinquedo.
As plataformas tinham algo de assustador. Zachery mexeu nos controles para
tornar a imagem mais nítida e anunciou a nova descoberta a Redhorse.
— Quer dizer que são três plataformas! — respondeu o coronel, indiferente. — É
bem possível que haja outras nesta área. Afinal, nossos hiper-rastreadores não funcionam.
Por isso só podemos detectar os objetos que se encontram num raio não muito grande.
— E agora? — perguntou o sargento Velarde.
“Talvez estas palavras sejam mais que uma simples pergunta”, pensou Zachery ao
notar que Redhorse não respondia. Talvez Cafana Velarde tivesse feito uma constatação.
Talvez quisesse dizer que não valia a pena tentar outras manobras.
À frente do jato encontravam-se as plataformas, e de trás os perseguidores
aproximavam-se em frente ampla.
O jato espacial foi atingido de raspão por uma salva energética, que o atiro
algumas centenas de metros fora da rota. Zachery teve a impressão de que alguém
arrancava a poltrona embaixo dele. A tela de imagem que se encontrava bem em cima de
sua cabeça arrebentou com um estalo seco. Os cacos choveram sobre Zachery. Por um
instante viu seu rosto desfigurado pelo medo refletido no revestimento brilhante. Quando
voltou a cair no assento, viu que Redhorse parecia grudado na poltrona.
O coronel apontou para os instrumentos.
— Está falhando tudo — disse. O abalo foi muito forte.
Zachery enfiou a mão no bolso e tirou o relógio antigo. Pendurou-o nos controles,
bem à frente de Redhorse.
— Não adiantará nada — respondeu Redhorse com um sorriso.
— É claro que não, senhor. Mas é bom a gente saber que ainda existe uma coisa
que funciona.
— Hmm — fez Redhorse.
— Estamos nos aproximando da plataforma, senhor! — disse uma voz dos fundos.
Já estavam tão perto do objeto gigantesco que Zachery não compreendeu que
ainda não tivessem aberto fogo. Será que a plataforma não possuía armas? Zachery tinha
suas dúvidas.
— Vou ver se consigo pousar na plataforma — disse Redhorse de repente. — É a
única chance que ainda temos.
Naquele momento Zachery estava disposto a pousar até mesmo no inferno. Não
tinha nada a perder. As naves que os perseguiam estavam cada vez mais próximas.
Redhorse fez a nave auxiliar seguir em direção à plataforma, mas parecia haver um
problema com a direção. Redhorse mal conseguia manter-se na rota.
— Fogo na sala de artilharia! — gritou uma voz estridente.
— Fiquem sentados! — ordenou Redhorse. — Preciso frear. Por alguns instantes
seremos um excelente alvo.
— Formidável! — exclamou Spinoza em tom de júbilo. — Terei oportunidade de
colher inúmeras impressões.
A velocidade do jato diminui de repente.
— O incêndio propaga-se bem depressa, coronel — exclamou o sargento Velarde.
— O equipamento de combate ao fogo não funciona.
— Não se preocupe com isso! — ordenou o comandante da Black Hills.
Zachery não tirava os olhos das mãos do coronel. Pareciam dois objetos que agiam
independentes do resto do corpo. Deslizavam velozmente pelos controles sem de
demonstrar o menor nervosismo.
— Vamos pousar — disse Redhorse.
De repente o disco foi envolto num raio. Zachery recuou e fechou os olhos. Um
pressão tremenda comprimiu-o de encontro à poltrona. Houve o barulho de uma explosão
vinda da parte inferior do jato espacial. Zachery teve a impressão de que a nave se
movimentava para baixo numa velocidade alucinante. O estômago subiu. Uma lufada de
ar quente passou por cima do tenente. Zachery fez um esforço e abriu os olhos. Tudo
parecia girar em torno dele.
— Colocar trajes de proteção! Fechar capacetes! — disse a voz.
“É Redhorse!”, pensou Zachery, estupefato. Apalpou com as mãos, ate sentir o
arredondado do capacete. Colocou-o em cima da cabeça e ouviu o engate fechando.
Sentiu a falta de ar. Ligou o dispositivo de oxigenação.
A pressão que sentia no corpo desapareceu de repente. Zachery ia respirando
aliviado, quando houve um tremendo abalo, que o arrancou da poltrona e o arremessou de
encontro aos controles. Alguma coisa cedeu embaixo dele. Viu uma figura magra vindo
em sua direção, cambaleante. As luzes de emergência tremeram. O astronauta que
estivera sentado à direita de Redhorse tinha morrido. Quebrara a nuca. Estava pendurado
molemente por cima da braçadeira de sua poltrona.
— Acabamos de pousar — disse Redhorse neste instante.
“É muito presunção dizer que isto foi um pouso”, pensou Zachery, zangado. Em
seguida perdeu os sentidos.
3
O desmaio não durou muito. Quando recuperou os sentidos, Zachery estava sendo
apoiado por Spinoza e por um técnico magro chamado Lujan. Encontravam-se a uns dez
metros dos destroços do jato espacial. Don Redhorse, que se encontrava mais perto do
jato destruído, olhava fixamente para os escombros que tinham sobrado da nave-disco.
A plataforma ainda se encontrava no interior do sistema Rois. Relativamente à
posição dos observadores, o sol vermelho-amarelado encontrava-se pouco acima da
plataforma, lançando sombras alongadas dos homens e dos robôs. O quarto homem que
tinha sobrevivido à queda era o sargento Cafana Velarde. Zachery livrou-se dos dois seres
que o ajudavam e viu o astronauta de baixa estatura poucos metros atrás dele.
Quando nos viram descer na plataforma, as naves que nos perseguiam se
afastavam — disse Velarde, aliviado. — Não sei por que fizeram isso, mas o fato é que
por enquanto não estamos em perigo.
Spinoza caminhou todo empertigado em direção à nave destroçada. Era estranho
ver o robô parecido com um homem fica de pé na plataforma sem traje de proteção.
— Desta vez colhi mais experiências que na queda da Black Hills — informou o
robô experimental. — É bem verdade que já tenho minha dúvidas de que algum dia
voltemos para à Terra. Neste caso os testes que fiz não valeriam nada.
Redhorse entregou ao robô alguns equipamentos que conseguiu retirar do jato
destroçado.
— Há três mortos lá dentro — disse com a voz apagada. — Morreram na queda —
apesar do traje de proteção, Zachery viu o coronel sacudir a cabeça. — Fiz o possível
para realizar um pouso mais ou menos suave, mas o tiro que nos atingiu durante a
frenagem deixou a nave praticamente fora de controle.
O jato espacial estava pousado mais ou menos no terço posterior da plataforma,
mas Zachery teve a impressão de que a superfície enorme subia de todos os lados.
— Se não estou muito enganado, a superfície desta plataforma é de aço terconite
observou Spinoza. — Ou então de uma liga muito parecida com este material.
— Não acredito em fantasmas — disse o sargento Velarde. — Mas é estranho que
as naves inimigas dêem a impressão de terem saído de um estaleiro terrano. E o material
que pisamos poderia perfeitamente ter sido fabricado na Terra.
Zachery sabia que não valia a pena quebrar a cabeça com estes problemas.
Precisavam aceitar os fatos e fazer o que estivesse ao seu alcance para manter-se vivos.
Redhorse examinou o instrumento versátil que retirara dos destroços.
— Existe outra circunstancia estranha — disse. — Não sei se já notaram.
— A gravitação desta plataforma — respondeu Lujan, que parecia ser um homem
muito calado. Zachery vira este astronauta muita vezes a bordo da Black Hills, mas nunca
falara com ele.
Lujan era um homem de estatura mediana, que devia ter seus trinta anos. A
maneira distinta de exprimir-se levava Parral a acreditar que o técnico freqüentara uma
escola particular, e só entrara na Frota Solar mais tarde. Perguntou a si mesmo por que
um homem culto como Lujan resolvera trabalhar como técnico numa espaçonave.
— Isso mesmo — disse Redhorse em meio às reflexões de Zachery. — A
gravitação na superfície deste estranho objeto voador é exatamente de um gravo. Sem
dúvida é uma gravitação artificial. Quem sabe se os seres que criaram isto não se parecem
conosco sob todos os aspectos?
Sem querer, Zachery voltou a refletir sobre os seres misteriosos que tinham
construído a estranha nave-mãe em cuja superfície se encontravam. Por que ainda não
tinham descoberto nenhum sinal deste povo? Nenhuma raça de astronautas seria capaz de
criar repentinamente um poder tão formidável. A criação de uma espaço nave deste porte
exigia várias décadas.
— É possível que no interior da plataforma exista uma atmosfera respirável —
disse Velarde em tom esperançoso. — Acho que devemos procurar uma entrada.
— E a tripulação? — objetou Zachery. — Certamente já notaram nossa presença e
estão nos observando.
— É isso mesmo — disse Redhorse. — disse Redhorse. — Temos de contar com
um ataque dos tripulantes da plataforma. Se não formos mortos, seremos presos.
— De qualquer maneira travaremos conhecimento com os seres que construíram
esse objeto estranho — disse Spinoza. — Há vários testes interessantes pela frente.
Zachery não tinha muita certeza de que realmente teriam um encontro com os
donos do objeto voador. Quando se encontravam no jato espacial, tinham sido
impiedosamente caçados. Mas depois de caírem na superfície da plataforma, os seres que
os perseguiam não se interessaram mais por eles. Havia uma contradição em seu
comportamento. Zachery não conseguia compreendê-lo.
De repente viu uma abertura se formando na superfície da plataforma, a cinqüenta
metros decúbito dorsal lugar em que se encontravam. Uma entrada de dez metros
quadrados surgiu de repente.
— Olhe, senhor! — gritou o sargento Velarde, que também observara o fenômeno.
— Se não tiver nenhuma objeção, darei uma olhada de perto — ofereceu Spinoza,
solícito.
— Ninguém sairá daqui! — disse Redhorse em tom energético. — Vamos
aguardar os acontecimentos.
Zachery viu um botão metálico surgindo da abertura que acabara de formar-se. Em
seguida apareceram vários robôs.
— Não é possível! — gemeu Velarde, incrédulo. — São robôs de combate
terranos.
— São parecidos com robôs de combate terranos — corrigiu Redhorse, calmo.
— Há alguém copiando nossas naves e nosso robôs — afirmou Lujan.
Copiando! Os pensamentos atropelavam-se na cabeça de Zachery. Por que alguém
se haveria de dar ao trabalho de produzir estas cópias? O tenente já não acreditava que
fosse apenas um acaso. A semelhança das espaçonaves ainda poderia ser uma
coincidência, mas com os robôs as coisas eram bem diferentes. Nesta área as
possibilidades de conformação eram tantas que não se podia conceber que dois povos
estelares diferentes tivessem criado modelos idênticos. Era uma semelhança intencional,
criado não se sabia por quê.
Parral teve um calafrio ao pensar que os desconhecidos deviam ter um
conhecimento detalhado dos métodos de produção terranos, senão não seriam capazes de
criar essas cópias.
Os robôs se encontravam mais perto. Não pareciam dispostos a entrar em combate.
Mantinham os braços armados abaixados. Zachery fez a contagem e viu que ram cerca de
trinta robôs.
Em seguida aconteceu uma coisa que fez com que Zachery duvidasse da sua
própria sanidade mental. O chefe dos robôs fez uma mesura e começou a falar num
intercosmo impecável.
— Meus comprimentos, grandes amigos!
Os quatro terranos ficaram estarrecidos. Nenhum deles conseguiu dar uma
resposta. Somente Spinoza, que parecia bastante decepcionado com a atitude dos robôs
desconhecidos, soltou uma observação inconveniente.
— Pensei que fossem atacar-nos — disse. — As condições de teste são ideais.
Redhorse agarrou o robô pelos ombros e puxo-o para trás. Passou a dirigir-se ao
comitê de recepção.
— Diante de amável cumprimento, certamente seremos levados à presença dos
donos desta nave-mãe. — conjeturou.
O porta-voz dos robôs parecia perplexo diante da resposta. Passou a discutir em
voz baixa com os companheiros.
— Esta plataforma pertence a vocês, grandes amigos — disse depois de algum
tempo. — Acompanhem-nos para seu interior.
Redhorse olhou para os companheiros como quem não sabe o que fazer. Zachery
deu de ombros. A situação parecia cada vez mais confusa. Tinha sido atacados por naves
que deviam pertencer a esta plataforma. Os destroços da Black Hills estava amontoado na
superfície de Rubin. Só restavam quatro de seus tripulantes.
E estavam sendo recebidos como amigos!
— Acho que devemos ter cuidado, senhor! Advertiu o sargento Velarde. — Parece
que querem atrair-nos para dentro da plataforma, onde não nos dispensarão um
tratamento tão delicado.
— Isso não teria lógica — objetou o cheiene. — Se quisessem matar-nos, bastaria
dar ordem para que os robôs se encarregassem disso. Não teríamos a menor chance.
— Quem poderia querer matar-nos?
— Pois é isso — observou Redhorse. — Estamos cercados de mistérios. A
resposta às nossas perguntas só pode ser encontrada no interior da plataforma. Acho que
devemos acompanhar os robôs.
Os robôs de combate, que tinham mantido em silêncio, numa atitude de
expectativa, receberam a decisão de Redhorse com gritos de júbilo. Antes que pudesse
esboçar qualquer reação, Zachery viu-se agarrado por duas máquinas e colocado nos
ombros de uma delas. Seus companheiros receberam a mesma honraria. Mas Spinoza
teve de acompanhá-los a pé.
Os robôs carregavam pequenos radiofones. Eram exatamente iguais aos modelos
usados na frota. Enquanto era balançado nos ombros do robô, Zachery pensou as coisas
mais loucas. Lembrou-se da velha teoria da coexistência de vários mundos de
probabilidade, separados pelas dimensões. Teria havido um deslocamento das dimensões,
fazendo com que no momento existissem duas Frotas Solares, entre as quais havia poucas
diferenças?
— Bobagem!
Sem querer, falara em voz alta. Ficou aliviado ao perceber quem ninguém o
ouvira. Devia haver uma explicação razoável para tudo isso. Zachery teve a impressão de
que a explicação era bem simples, e por isso mesmo difícil de encontrar.
Por enquanto não tinha alternativa. Era obrigado a aceitar a existência de naves,
robôs e aparelhos de rádio que davam a impressão de terem sido fabricados na Terra.
Atingiram a abertura que se formava na plataforma. Zachery teve a impressão de
encontrar-se diante do poço do elevador antigravitacional de uma nave terra. Alguns
holofotes potentes iluminavam a câmara da eclusa.
— O poço desempenha as funções de eclusa. — observou Velarde. — Quem sabe
no interior da plataforma não existe uma atmosfera respirável?
Os robôs que carregavam o Tenente Parral colocaram-no no chão. Os robôs
saltaram para dentro da câmara e desceram a parede interna.
— Sigam-nos, grandes amigos! — pediram.
— Não nos forçam a fazer nada — constatou Redhorse, espantado. — Parece que
querem nos tratar como hóspede que são bem-vindos. Parral estreitou os olhos. Estava
refletindo. Por que os tinham atacado obstinadamente até o momento da queda, para
depois dispensar-lhes uma recepção tão amável? Será que o inimigo se divertia brincando
com eles?
Os robôs de combate que se encontravam na eclusa esperaram que os quatro e
Spinoza os seguissem. Faziam gestos e viviam repetindo o convite amável.
— O que estamos esperando, senhor? — perguntou o sargento Velarde. — Na
superfície desta plataforma não temos a menor possibilidade de sobrevivência. Quem
sabe lá dentro não encontramos um hiper-rádio que possamos usar?
Zachery teve a impressão que as esperanças de Velarde eram exageradas, mas
também se sentia impaciente para abandonar a superfície da nave-mãe.
Redhorse aproximou-se do poço do elevador.
— Aonde pretendem levar-nos? — gritou para os robôs.
— Cabem a vocês escolher a direção que querem tomar, grandes amigos —
respondeu um dos robôs de combate. — Levá-los-emos ao lugar que desejarem.
— Acho que deveríamos fica aqui, senhor — sugeriu Spinoza. — Parece que lá
embaixo não é nem um pouco perigoso. Como poderei prosseguir nos testes se for para
lá?
Velarde pegou a arma energética e apontou-a para Spinoza.
— Ele está nos incomodando, coronel — disse em tom de ameaça.
— Peço-lhe que tente atingir o lado esquerdo do meu peito — pediu Spinoza ao
sargento. — Estou interessado em saber como se comportará a fixação da placa central do
meu peito diante de um tiro energético.
Velarde gemeu e voltou a guardar a arma.
— Acompanharemos os robôs de combate — decidiu Redhorse. — Estou curioso
para saber o que encontraremos no interior da plataforma.
O coronel saltou para dentro do poço e foi recebido com demonstrações de alegria
dos robôs. Zachery olhou para o sargento Velarde, que fez um gesto animado e seguiu o
exemplo de Redhorse.
— Venha, tenente! — gritou o coronel.
Zachery viu que Lujan e Spinoza também tinham entrado na câmara da eclusa.
Perguntou a si mesmo por que de repente tinha medo de acompanhá-los. Olhou mais uma
vez para o sol e saltou. Quase no mesmo instante a parede externa da eclusa fechou-se em
cima de sua cabeça.
“A armadilha acaba de fechar-se!”, pensou nervoso.
A parede interna escorregou para o lado, e os homens seguiram os robôs de
combate, voando para dentro da plataforma. Zachery via plataforma em toda a parte.
Terminavam nos pavimentos interiores. Portas gigantescas fechavam a visão para dentro
das salas e corredores.
— Pensei que já pudéssemos tirar os capacetes — desse Redhorse, enquanto
levantava o instrumento versátil. — Parece que aqui não existe uma atmosfera respirável.
Zachery engoliu em seco. Dependiam de suas próprias reservas de oxigênio, que
no máximo dariam para mais algumas horas.
— O poço antigravitacional está hermeticamente fechado, senhor — desse Lujan.
— É perfeitamente possível que existam recintos nos quais se encontre uma atmosfera
respirável.
Zachery fez votos de que o técnico tivesse razão. Sua mente deixou de ocupar-se
com o problema do oxigênio no momento em que os robôs de combate foram parar numa
plataforma. Zachery olhou em volta. Os objetos que viu pareciam ter saído da fábrica
naquele instante. Não se viam sinais de uso nem estragos.
O poço do elevador antigravitacional era quadrado e tinha cerca de cinqüenta
metros de diâmetro. O tamanho levou Zachery à conclusão de que também era usado no
transporte de cargas. Se necessário, até se poderia fazer passar barcos espaciais por ele.
A plataforma sobre a qual foi parar o jovem tenente era em forma de semicírculo,
cuja extremidade avançava cerca de dez metros para dentro do poço do elevador. Zachery
era de opinião que devia haver um dispositivo hidráulico por meio do qual se podia fazer
avançar a plataforma ainda mais. As hastes telescópicas que se viam de ambos os lados
da plataforma pareciam confirmar esta suposição.
— Entramos cerca de cinco mil metros na plataforma — informou Redhorse. —
Parece que já estamos perto de onde queremos ir.
— Os grandes amigos devem estar com fome e certamente querem respirar ar puro
— disse um dos robôs de combate. Se permitirem, iremos levá-los a um alojamento mais
agradável.
— A proposta não deixa de ser tentadora. — disse o sargento Velarde.
O grupo atravessou outra câmara parecida com uma eclusa e entrou num corredor
amplo. As coisas que Zachery viu eram parecidas com os objetos encontrados a bordo de
uma espaçonave terrana. Mas eram maiores.
Lujan, que caminhava a seu lado, apontou algumas caixas baixas instaladas nas
paredes dos corredores.
— São conversores de energia — disse o técnico. — Seria capaz de jurar que
foram construídos na Terra.
O tenente surpreendeu-se com a repentina loquacidade do técnico, que era um
homem calado.
— Tem certeza? — perguntou.
— Certeza absoluta — respondeu Lujan. — É claro que seria necessário retirar o
revestimento de um dos conversores para saber o que há embaixo dele.
Redhorse parou.
— Por que não tira? — perguntou. Os robôs disseram que podemos tomar posse
de tudo que se encontra aqui. Estou curioso para ver sua reação quando desmontarmos
um destes conversores.
— Talvez haja uma guerra — observou Spinoza em tom esperançoso.
Lujan, que parecia satisfeito por ter alguma ocupação, caminhou rapidamente em
direção a um dos conversores. Fez um ligeiro exame do aparelho. Os robôs de combate
cercaram Spinoza e os quatro homens, mas não interferiram em nada.
— Olhem coronel — pediu Lujan. — O sistema de fixação do revestimento é
idêntico ao de nossas naves — São simples encaixes e fechos magnéticos — acrescentou.
Lujan fez apenas alguns movimentos ligeiros para retirar o revestimento. Zachery
olhou para as espulas do conversor. Lujan afastou alguns cabos e retirou um bastão que se
encontrava embaixo das espulas.
— É a alma do conversor — disse. — Trata-se do equalizador, sem o qual o
aparelho não funciona.
O técnico levantou um dos joelhos e empurrou o bastão repentinamente de
encontro a ele. A estrutura cristalina partiu-se em vários pedaços. Lujan atirou-os no
chão.
— Os robôs não interferiram — disse, espantado.
— Vamos andando — decidiu Redhorse. — Não podemos ir quebrando os
conversores, somente para descobrir até onde vai a paciência dos nossos acompanhantes.
Zachery não acreditava que a atitude passiva dos robôs fosse um sinal de lealdade
para com os terranos. O que significava um conversor em algumas centenas? Além disso,
o aparelho poderia ser retirado assim que eles se tivessem afastado.
A única coisa que Lujan conseguira provar com a desmontagem do conversor fora
que o aparelho realmente se parecia em todo os detalhes com os modelos terranos. Mas
de qualquer maneira ninguém duvidava disso, pensou Zachery.
O grupo atravessou uma pequena eclusa e entrou num corredor secundário. Os
homens ficaram aliviados ao notar que nesse corredor existia uma atmosfera respirável.
Redhorse deu uma batida em seu instrumento versátil e abriu o capacete do traje protetor.
Respirou profundamente por algum tempo. Zachery também fez menção de tirar o
capacete, mas Redhorse segurou o seu braço.
— Espere um pouco! — disse. — Não estamos em condições de fazer uma
análise. Meus pulmões terão que desempenhar as funções do laboratório. Se dentro de
dez minutos não tiver nenhuma reação adversa, todos poderão tirar os capacetes.
Na opinião de Parral, era uma precaução exagerada. Já fazia algumas horas que
usava o pesado traje proteção. Sentia-se inseguro num traje destes, com o capacete
fechado.
O tenente passou a interessar-se exclusivamente pelos robôs de combate, que
acabavam de abrir uma porta para uma sala ampla. Zachery piscou os olhos, confuso, ao
ver as instalações desta sala. Havia penumossofás modernos, poltronas de massagem,
mesas de jogo e um armário com uma tela embutida, para a exibição de filmes. As
espulas dos filmes estavam bem arrumadas numa prateleira. As cores dos objetos não
correspondiam ao gosto de Zachery, mas tinham sido escolhidas com muita criatividade.
A sala em que se encontravam poderia perfeitamente pertencer a um edifico do planeta
Terra. Nas paredes se viam quadros tridimensionais sobre temas astronáuticos.
Um dos robôs apertou um botão preto que ficava perto do armário. A parede
afastou-se, deixando à vista uma grande sala de banhos. As paredes eram de um material
parecido com âmbar.
Zachery Parral teve a impressão de estar diante de um confortável banheiro. Era
tudo impecavelmente limpo. Redhorse foi para perto do armário e passou a mão em uma
das portas.
— Imitação de madeira — informou. — Tenho a impressão de que é puralim.
O puralim era um plástico que na Terra era usado quase exclusivamente na
fabricação de móveis.
— O chuveiro nunca foi usado — disse. — Parece que é tudo novinho em folha.
— Podem tirar os capacetes — disse Redhorse. — Tenho certeza de que esta sala
foi especialmente instalada para um dia ser usada por terranos.
— Será que as salas não pertencem aos habitantes da plataforma? — perguntou
Zachery.
— Onde estão mesmo os donos da nave-mãe? Por que não aparecem? Acho que a
guarnição desta nave é formada especialmente por robôs.
Zachery quase não prestou atenção nas palavras. Finalmente conseguiu desprender
o capacete. Nunca levara tanto tempo para isso. “Minha mãos estão tremendo”, pensou,
admirado. E o ambiente em que se encontrava não tinha nada de estranho, nem parecia
perigoso. Mas talvez fosse justamente isto que o deixava tão nervoso.
Velarde atirou o capacete sobre a mesa e deixou-se cair numa poltrona, gemendo.
A cabeça fazia movimentos abruptos em cima da gola do traje de proteção. “Até parece
um velho lutador de boxe descansando entre dois assaltos e observando o público”,
pensou Zachery. O nariz largo de Velarde reforçava esta impressão. O sargento sorriu de
debochando quando notou que Zachery olhava para ele.
— Por que não fica sentado, tenente? — perguntou.
Zachery sacudiu a cabeça. Esfregou a nuca e olhava para Redhorse e Lujan, que
estavam examinando o armário e o banheiro.
Spinoza estava parado junto à entrada que nem uma estátua. Parecia ter perdido o
interesse pelos companheiros.
Um dos robôs de combate aproximou-se de Zachery. O tenente assumiu
instintivamente uma posição de defesa. O robô não mostrou nenhuma reação. Fez um
gesto amável.
— Nossos grandes amigos devem estar com fome. — disse.
Zachery encarou o robô.
— É claro que estamos — observou Velarde. — Pelo mãos de Deus, tenente! Peça
que tragam comida. Pode ser nossa última chance.
— Traga comida para nós — disse Zachery em tom solene, Velarde deu uma
risadinha, e o tenente sentiu-se como um idiota. Redhorse e Lujan não deram a menor
atenção aos robôs depois de terem entrado na sala.
O robô de combate saiu apressadamente.
— Estamos a sós — afirmou Velarde, satisfeito. — gostaria de sabe se estamos
trancados.
Lujan até a porta e abriu-a.
— Há alguns robôs no corredor — disse. — Não acredito que sejam guardas.
Podemos sair daqui quando quisermos.
“Existem vários tipos de prisão”, pensou Zachery, cansado. O que adiantava poder
andar livremente pela gigantesca plataforma? Não teriam possibilidade de fugir.
Zachery foi para a porta do banheiro e lançou um olhar ansioso para dentro.
Redhorse, que o observava, deu uma risadinha.
— Quer tomar um banho, tenente? — perguntou.
— Quero, sim senhor — respondeu Parral. A idéia de tirar o traje de proteção e
fica embaixo do chuveiro era bastante tentadora. Depois de ter tomado um banho ele, se
sentiria outro.
— Por que não vamos usar as instalações de que dispomos? — disse Redhorse.
Foi ao banheiro e abriu o registro. Zachery ouviu o ruído do chuveiro. Abriu o traje de
proteção e tirou-o.
Tomou um banho e voltou à sala, onde encontrou uma refeição quente. Havia
carnes de várias espécies em seu prato, além de um travessa com salada.
— Não nos deram alimento sintético — disse Redhorse enquanto limpava os
lábios. — Acho que agüentaremos algum tempo aqui.
Zachery sentiu água na boca. Pegou seu talher. Pegou seu talher e não se espantou
nem um pouco ao ver que correspondia exatamente ao que esperava. Enfiou o garfo num
pedaço de carne.
Neste instante um grito estridente saiu dos alto-falantes instalados em toda parte.
Zachery ficou estarrecido. Olhou para Velarde, que abanava a cabeça, contrariado,
como se alguém o tivesse enganado. Parecia que um ser humano acabara de soltar um
grito de angústia.
— Que foi isso? — perguntou Lujan, apavorado.
Antes que alguém pudesse dar uma resposta, os alto-falantes transmitiram uma
gargalhada louca.Em seguida ouviu-se um uivo que foi ficando cada vez mais fraco, até
transformar-se num choro.
Zachery largou o garfo e levantou de um salto. Pôs a mão na arma energética.
De onde vinha o barulho? Qual era sua causa?
— Coloque seu traje de proteção, tenente — disse Redhorse, calmo. — Parece que
por enquanto nós teremos de ficar sem banho.
A voz do coronel deixou Zachery mais calmo. Mas quando voltou a ouvir a risada
louca, estremeceu.
Spinoza, que ficara o tempo todo parado junto à entrada, voltou a movimentar-se.
Certamente esperava que dentro em breve teria a oportunidade de fazer mais um teste.
Redhorse saiu para o corredor.
— Não há nenhum robô por perto ao qual se possa perguntar de onde veio o
barulho — disse, decepcionado.
Zachery abaixou-se para levantar o garfo. Não seria capaz de comer o que quer
que fosse. De repente a plataforma se transformou em num ambiente nada aconchegante.
Era um lugar cheio de perigos e mistérios.
— O traje de proteção, tenente! — lembrou Redhorse.
Parral pegou seu traje. Os alto-falantes transmitiram um uivo animalesco. Zachery
nunca ouvira nada parecido, mas seria capaz de jurar que o uivo vinha de um ser humano.
4
O fato de que os dois desconhecidos ficaram tão surpresos com o encontro quanto
ele ajudou Zachery Parral a recuperar-se logo do espanto. Abaixou-se e voltou a cobrir a
abertura com a chapa de metal.
— Parece que cometi um erro, senhor — disse Spinoza, sem demonstrar o menor
sentimento de culpa.
— Cometeu mesmo — concordou Zachery. Notou que falara em tom estridente, de
tão nervoso que estava. Era a primeira vez na vida que se via diante de membros de um
povo completamente desconhecido.
“Lagartas!”, pensou, apavorado. “Lagartas com pernas de aranha.”
Já sabiam que tinham escapado da prisão. Também sabiam onde se encontravam.
— Temos de dar um jeito de sair daqui — disse Spinoza.
— A fuga sempre é um sinal de fraqueza — filosofou Spinoza.
— Talvez seja — resmungou Zachery. — Mas não estou disposto a esperar que me
prendam de novo.
— Em que direção seguiremos? — perguntou o robô experimental. — Em minha
opinião o risco será sempre o mesmo, seja lá para onde formos.
Zachery olhou em volta. A confusão de mastros e armações parecia um excelente
esconderijo. Os robôs de combate levariam muito tempo para encontrá-los neste pavilhão
gigantesco.
O alçapão que Zachery voltara a colocar na abertura mexeu-se. Parral teve um
calafrio. Quem dera que Redhorse ou um de seus companheiros estivesse lá. Eles deviam
saber o que se podia fazer numa situação destas.
O alçapão voltou a movimentar-se, Spinoza ficou de pé em cima dele, com os
braços cruzados sobre o peito largo.
— Cobrirei sua retirada, senhor — disse. — Esconda-se entre as armações. Segui-
lo-ei imediatamente.
Zachery respondeu com um ligeiro aceno de cabeça e ligou o aparelho de vôo.
Subiu e voou para o centro do pavilhão. Spinoza ficou embaixo. Parecia muito satisfeito e
poder verificar os efeitos do peso de seu corpo num teste simples.
Zachery aproximou-se cuidadosamente das travessas superiores de uma armação e
segurou-se nelas. Passou entre algumas barras. Pelos seus cálculos devia estar cem
metros acima do chão. Só poderia ser descoberto por acaso. Procurou ficar numa posição
um pouco mais confortável, para observar Spinoza.
De repente teve de sorrir da situação em que se metera. Não era a grande aventura,
a oportunidade de auto afirmar-se que andara procurando?
Zachery teve de reconhecer que imaginara que o encontro com um poder estranho
fosse bem diferente. Desde o momento da queda da Black Hills sempre estivera fugindo,
salvo algumas pequenas interrupções. E como estava as coisas havia poucas chances de
passar de perseguido a perseguidor.
Teve a atenção despertada por Spinoza, que se afastara devagar do lugar e andava
de costas em direção a um mastro. Parecia que o robô estava vendo alguma coisa.
Zachery sabia que os seus olhos não chegavam perto do sistema de lentes do robô. Era
bem provável que Spinoza estivesse vendo alguma coisa que ficara fora do campo de
visão de Zachery.
O robô Whistler desprendeu-se do chão e foi subindo para a ponta do mastro.
Neste instante Zachery viu pelo menos vinte robôs de guerra se aproximando do outro
lado do pavilhão. Parecia que ainda não tinham descoberto Spinoza, pois avançavam em
frente ampla, revistando todos os lugares em que alguém pudesse estar escondido.
Spinoza estava grudado na ponta do mastro que nem um trapezista e parecia
ocupado com alguma coisa.O Tenente Parral fez sinais com a mão, mas o robô não lhe
deu atenção.
De repente Spinoza soltou um assobio estridente.
Foi o sinal que fez os robôs de guerra correrem em direção ao mastro, com os
braços armados ameaçadoramente apontados para cima. Zachery praguejou. Bem que
imaginara que Spinoza só lhe causaria problemas.
De repente o mastro em cuja ponta Spinoza estava agarrado começou a inclinar-se.
Voltou à posição inicial, mas tombou de novo, cada vez mais depressa. Zachery
acompanhou o espetáculo com o queixo caído.
O mastro bateu no chão, atingindo metade dos robôs de combate. Spinoza soltou o
mastro pouco antes que ele tocasse o chão e saiu voando em alta velocidade em direção a
um grupo de robôs, que pareciam confusos. Antes que pudesse abrir fogo contra ele,
foram atirados no chão. Spinoza fugiu para dentro das armações. Alguns tiros passaram
por cima dele.
Zachery não sabia se devia alegrar-se com a vitória de Spinoza. A derrota levaria o
inimigo a trazer reforços. E então nem mesmo o robô experimental seria capaz de resistir.
As chances de entrar em contato com Redhorse e os homens que estavam em sua
companhia pareciam mínimas. Se continuasse a fugir dos robôs, corria perigo de perder-
se em alguma parte da plataforma e não encontrar o caminho de volta. Além disso, não
sabia em que setores da plataforma existia uma atmosfera respirável.
Talvez tivesse cometido um erro fugindo da prisão.
Só havia um meio de encontrar os companheiros. Precisava entregar-se.
Zachery sacudiu a cabeça, contrariado. Ainda não acreditava que estivesse em
situação tão difícil que tivesse de desistir. Talvez conseguissem levar os inimigos a
negociar.
Parral viu o robô experimental voando em sua direção por entre as armações.
Spinoza pousou bem a seu lado. O peso do robô fez a armação balançar.
— Acho que aqui não estamos mais em segurança, senhor — disse Spinoza. —
Temos de sair daqui e procurar um esconderijo seguro.
— E Redhorse e os outros? — Zachery apontou para baixo. — Temos de encontrá-
los. Já tenho um plano. Enquanto você mantém ocupados os robôs, eu procuro os
companheiros.
Spinoza apontou com a cabeça para uma horda de robôs de combate que estavam
entrando no pavilhão. Eram pelos menos cinqüenta.
— Receio que sejam muitos, senhor — disse.
— Precisamos tentar — decidiu Zachery. — Atraia-os para o centro do pavilhão.
Enquanto isso darei uma olhada por aí.
O tenente viu que Spinoza ainda hesitava.
— Que houve? — perguntou. — Você parecia muito interessado em testar seu
corpo.
— Pois é — murmurou Spinoza. Ficou se encolhendo e não parecia disposto a
discutir seus problemas com Zachery.
— Diga logo! — exigiu Parral. — Que houve?
— Os testes com meu corpo foram concluídos, senhor — explicou Spinoza. —
Acho que o resultado é satisfatório. Mas só se saberá depois que tiver sido examinado na
Terra. Acabo de iniciar outra série de testes.
— Que testes são estes? — perguntou Zachery.
— Como sabe, querem que eu seja um robô perfeito — respondeu Spinoza como
quem pede desculpas. — Mas em matéria de cibernética a perfeição não pode ser
alcançada exclusivamente por meio da perfeição do corpo.
Zachery fitou Spinoza se nunca o tivesse visto. Imaginou o que viria em seguida,
mas resolveu fazer mais uma pergunta.
— Quer dizer que você acha que tem de testar sua perfeição também sob outro
aspecto?
Spinoza acenou fortemente com a cabeça.
— Vejo que compreendeu, senhor. A série de testes com meu corpo foi concluída
com a derrubada do mastro. Comecei a concentrar-me nos testes mentais.
-Ora veja! — disse Zachery, que viu confirmadas suas suposições. — Pelo menos
vê uma possibilidade de salvar-nos dos perseguidores com as forças do espírito?
— Estou colhendo dados sem parar — informou Spinoza. — Estes dados serão
processados para que eu possa chegar a uma conclusão lógica.
— Já chegou a uma conclusão quanto ao nosso problema? — perguntou Zachery.
— Não — respondeu Spinoza, mas acrescentou em tom consolador: — Mas
dentro de algumas horas deverei ter uma resposta à pergunta mais importante que nos
ocupa.
— Dentro de algumas horas! — exclamou Zachery. — Não posso esperar tanto
tempo. Você me decepcionou, Spinoza. Qualquer robô com um pouco de inteligência não
leva muito tempo para tomar uma decisão lógica através de seu cérebro positrônico. E
você, que quer ser um robô perfeito, leva algumas horas para resolver um problema.
— Receio que ainda não tenha compreendido minha tarefa — disse Spinoza. —
Minha interpretação não diz respeito somente ao aspecto técnico de um problema. Pela
primeira vez na história um robô deverá ocupar-se com os aspectos filosóficos de um
problema. Dessa forma não lhe fornecerei apenas a solução puramente lógica e
tecnicamente viável do problema, mas também uma apreciação filosófica que permitirá
certas conclusões sobre o problema global.
— Spinoza! — gemeu Zachery. — Então foi por isso que lhe deram esse nome.
— O senhor adivinhou — concordou o robô Whistler. — Peço que não me
perturbe mais. A investida constante de fatores desconexos perturba minhas meditações.
Zachery olhou para os robôs de combate que se aproximavam lá embaixo.
— Distraia os atacantes. Se necessário, entre em combate com eles — disse em
tom enérgico.
Uma fenda abriu-se na parte inferior do pescoço de Spinoza. Da fenda saiu uma
fita de plástico. Zachery segurou-a. Havia letras minúsculas impressas na fita.
— Vamos libertá-los — disse Burnett. — Mas se voltarem a pôr os pés nesta parte
da plataforma, nós os mataremos.
Zachery sabia que os walkers se consideravam proprietários de todos os recintos
em que havia uma atmosfera respirável. Burnett providenciou para que o equipamento de
oxigênio dos quatro terranos fossem reabastecidos. Mas só daria para mais três horas. As
tentativas de convencer os walkers a cederem quantidades maiores de oxigênio
fracassaram. Redhorse e seus companheiros dispunham de um prazo muito reduzido para
encontrar um meio de sair da plataforma. Esgotado este prazo, os robôs de combate dos
walkers sairiam em seu encalço.
Zachery Parral, que chegara à sala de comando há uma hora, já tinha descoberto
que os walkers tinham medo de que algum intruso os expulsasse da nave-mãe. As
lagartas gigantes tinham-se acostumado a serem servidas por robôs. Se não pudessem
contar com o auxílio deles, sua raça se extinguiria dentro de pouco tempo.
Nestas condições era de admirar que Burnett os soltasse. Apesar das declarações
solenes que haviam sido feitas, os walkers não podiam excluir a possibilidade de que um
dia seus prisioneiros voltassem trazendo reforços, e entrassem em guerra com os walkers.
Provavelmente não esperava que os terranos conseguissem fugir da plataforma.
Depois de três horas morreriam sufocados ou seriam mortos pelos robôs. Burnett
simplesmente lhes dera uma chance que em sua opinião não representava mais que um
pequeno ganho de tempo.
— Ceda-nos alguns robôs que possam levar-nos a um dos hangares maiores —
disse Redhorse ao chefe dos walkers,
Zachery levantou os olhos. Os walkers tinham dito que no interior da plataforma
havia espaçonaves pequenas. A julgar pelas suas informações, deviam tratar-se de jatos
espaciais.
— Os senhores serão acompanhados por dois robôs — concordou Burnett.
Zachery cerrou os lábios. Imaginava que o velho Walker concordara tão depressa
com o pedido. Os robôs que os acompanhariam permitiriam que o chefe continuasse a
controlar os terranos.
— Outra coisa — disse Redhorse, falando devagar. — Queremos que nos
devolvam as armas.
Burnett ficou perplexo. Demorou a responder.
— As armas? — repetiu depois de algum tempo.
— Isso mesmo! — Redhorse parecia decidido a insistir nesta exigência, mas
Zachery teve suas dúvidas de que o Walker, que era bem esperto, assumisse este risco.
— Armas servem para lutar — observou Burnett. — Não há mais ninguém na
plataforma além de nós. Para que querem armas?
— Não está lembrado da risada que de vez em quando tem saído dos alto-falantes?
— perguntou o cheiene. — Há outros habitantes nesta seção além dos walkers.
— Até hoje não vimos nenhum amigo nesta plataforma — objetou Burnett.
— É porque ficam sempre nos mesmos recintos — disse Redhorse. — Teremos de
sair da área controlada pelos walkers. Talvez tenhamos de entrar em luta com alguém.
— Os dois robôs os defenderão — disse Burnett em tom obstinado.
— Talvez só esteja esperando que alguém nos mate nos outros recintos. —
respondeu Redhorse, calmo. — Não é isso mesmo, Burnett?
— Não me importo com o que possa acontecer com vocês — afirmou Burnett. —
O importante pé que não voltem nunca mais.
Redução estendeu a mão em sua direção.
O velho walker sacudiu a cabeça e Parral refletiu se seria uma atitude inteligente
irritar Burnett. Se o coronel continuasse a pressioná-lo, ele poderia mudar de idéia, não
soltando mais os prisioneiros.
Parral ficou se perguntando por que Redhorse fazia tanta questão de receber as
armas. Estava com medo de que os walkers não cumprissem sua palavra? Ou será que
havia mesmo outro inimigo na plataforma, que se mantivera afastado?
— Ele não nos entregará as armas, senhor — disse o sargento Velarde.
A cabeça de foca de Burnett mexia nervosamente de um lado para outro. O walker
apontou para a saída.
— Está na hora de irem embora — disse. — Não se esqueçam de que não existe
nenhum caminho de volta.
Redhorse não respondeu. Zachery viu dois robôs se aproximarem. Seriam seus
companheiros. Perguntou a si mesmo se Burnett lhe teria dado instruções especiais, ou se
realmente conheciam o caminho que levava para uma das naves pequenas.
Velarde e Lujan, que ainda estavam amarrados aos assentos, foram soltos. Os
robôs continuavam com as armas apontadas. Para Zachery isso era um sinal de que
Burnett ainda estava desconfiado.
Redhorse dirigiu-se a Velarde e Lujan.
— Tudo bem? — perguntou. — Podem caminhar?
— Seria capaz de rastejar para sair de perto dos walkers — respondeu Velarde.
Redhorse deu ordem para que fechassem os capacetes. Os dois robôs guiaram o
grupo. Zachery sentiu que os olhares dos walkers pousados nele enquanto caminhavam
para a saída.
Os robôs levaram os quatro homens e Spinoza para o corredor. Passaram por uma
eclusa pequena e atingiram o setor da plataforma em que não havia oxigênio.
Atravessaram algumas salas e chegaram a outro corredor.
De repente os dois robôs pararam.
— Que houve? — perguntou Redhorse. — Por que pararam? Levem-nos ao
hangar.
Os robôs não responderam. Zachery teve a impressão de que se concentravam em
certas noticias recebidas pelo rádio.
— Não estou gostando, senhor — disse Lujan. — Os robôs se comunicam com
alguém.
— Deve ser com Burnett — resmungou Velarde, zangado. — Eu sabia que não se
podia confiar neste Walker.
Redhorse a dirigir-se aos robôs.
— Vocês receberam ordens de levar-nos a um dos hangares — disse. — Tratem de
cumpri-las.
— As ordens acabaram de ser revogadas — respondeu uma das máquinas. Vamos
voltar.
— Burnett! — exclamou Velarde. Soava como uma maldição.
— Aconteceu uma coisa que nos obriga a retirar-nos — disse o robô. — Se
prosseguirmos seremos atacados.
— Atacados? Por quem? — indagou Redhorse.
Nenhum dos dois robôs respondeu. Fizeram meia-volta e afastaram-se. Zachery
seguiu-os os com os olhos. Em seguida olhou para Redhorse. Precisavam encontrar
sozinhos um hangar. E dispunham de menos de três horas.
— Fomos traídos! — fungou Velarde, indignado. — Quem poderia atacar-nos por
aqui?
— Temos de seguir na mesma direção, haja o que houver — decidiu Redhorse. —
Tenho certeza de que se voltarmos ao setor da plataforma controlado pelos walkers,
Burnett cumprirá sua ameaça.
O grupo seguiu e chegou ao fim do corredor. Tiveram de escolher entre passar por
um corredor que ficava à sua esquerda ou usar uma passagem que dava para uma sala
maior situada à direita.
Don Redhorse refletiu um instante e resolveu entrar no pavilhão.
— Não acha que devemos dividir-nos, coronel? — perguntou Velarde. — Deixe
que eu e o Tenente Parral procuremos na outra direção.
Zachery fitou o sargento com uma expressão de espanto. Ficou surpreso porque
escolhera justamente ele.
— Não nos separaremos — retrucou Redhorse. — Talvez sejamos atacados. Neste
caso ainda poderemos fugir em direções diferentes.
Zachery concordou com o argumento. Passou os olhos pelo pavilhão. Era o
depósito de peças instalado pelos construtores da plataforma. Parral teve a impressão de
que conhecia os objetos guardados nas prateleiras. Em outras circunstâncias o quadro
teria despertado recordações agradáveis da Terra, mas na situação em que se encontrava
Zachery teve um calafrio ao ver estas coisas. A começar pelos ultracouraçados guardados
nos hangares, e passando pelas instalações de rádio e pelos parafusos simples, tudo
parecia uma anacronismo.
Zachery sempre sentira repugnância pelos anacronismos. Mas nunca aqueles
objetos, que no fundo eram corriqueiros, lhe pareciam tão estranhos. Se em vez das peças
que lembravam os modelos terranos houvessem coisas completamente absurdas nestas
prateleiras, Zachery não estranharia tanto.
Ainda seria capaz de aceitar o fato de as naves dos desconhecidos serem iguais aos
modelos terranos, uma vez que a forma esférica era a ideal, ao menos para os seres
humanóides. Mas a semelhança até o último detalhe parecia intencional. Diante dela o
trabalho de milhões de técnicos, cientistas e trabalhadores terranos parecia tornar-se
inútil.
“O que foi que os terranos conseguiram?” — parecia gritar cada aparelho.
“Vejam, terranos! Olhem como é fácil construir estas coisas.”
Zachery sentiu o sangue subir-lhe à cabeça.
Será que os terranos não estavam atrasados no tempo? Não se podia ter certeza de
que a plataforma só tinha surgido depois que os primeiros ultracouraçados tinham sido
construídos na Terra.
Quem copiara de quem?
Zachery sentiu para onde levariam estes pensamentos. Fez um esforço para afastá-
los.
Só percebera no subconsciente que tinham atravessado o grande pavilhão e
acabavam de entrar num corredor cumprido. Os homens quase não falavam. Lujan e
Velarde abriram as portas pelas quais passavam, mas não encontravam nenhuma sala que
tivesse alguma semelhança com um hangar.
“Quem sabe se o hangar não fica bem em cima de nossa cabeça?”, pensou
Zachery. Talvez estivessem procurando abaixo do andar em que deveria estar. O tenente
sentiu-se dominado pela raiva. Burnett e seu bando provavelmente só tinham procurado
um motivo para matar os quatro homens. Zachery imaginava que os walkers e seus robôs
já aguardavam o regresso dos terranos.
Parral olhou para o marcador de oxigênio. Já gastara que quinta parte de sua
reserva. Não poderiam continuar a procurar até que o ar se esgotasse, pois precisariam de
um pequeno suprimento para alcançar os recintos habitados pelos walkers.
“Droga!”, pensou Zachery, desesperado. Burnett poderia calcular o momento
exato da volta.
Todas as vantagens estavam do lado dos walkers.
— Parados! — gritou Redhorse.
Zachery levantou os olhos. Levou um susto.
O outro lado do corredor estava cheio de robôs de combate que se precipitaram na
direção dos terranos, com os braços armados erguidos.
Seriam os atacantes que os robôs de Burnett temiam?
Spinoza foi atingido pela trilha luminosa de rum raio energético. O robô
experimental arrancou algumas tiras de bioplástico queimado de cima do corpo.
Desta vez os robôs não usavam armas narcotizantes. Atiravam para matar.
— Vamos voltar imediatamente! — exclamou Redhorse.
Zachery esforçou-se para não pensar mais no hangar nem num janto espacial.
Poderiam dar-se por satisfeitos se conseguissem escapar dos robôs que os perseguiam.
Mais uma vez teve a impressão de que a plataforma em que se encontravam era
dominada por forças antagônicas.
Tinham sido recebidos por robôs que se mostravam contentes com sua presença e
colocaram-se a seu serviço. E acabaram sendo presos pelos robôs programados pelos
walkers.
A qual das partes pertencia o grupo que acabara de aparecer?
Don Redhorse, que voava perto de Parra, entrou num corredor secundário. O
tenente acompanhou-o. Spinoza passou à sua frente. Lujan e Velarde vieram atrás.
Só estavam vivos porque o primeiro tiro por acaso atingira Spinoza. Depois disso
os robôs tentaram reduzir a distância que os separava dos fugitivos, porque foram levados
a acreditar que possuíssem a mesma resistência do que acabara de ser atingido.
— Vamos entrar aqui! — gritou Redhorse.
Zachery admirou-se de que a voz do comandante da Black Hills continuasse tão
calma. Redhorse abriu a porta, olhou em volta e entrou numa sala escura. Os faróis
embutidos nos capacetes dos homens iluminaram o recinto. Zachery viu algumas
estruturas em forma de arco. Os cabos e tubos formavam um rede embaixo do teto.
O farol de Redhorse iluminou outra porta. Voaram para ela. Redhorse pousou no
chão, abriu a porta e desapareceu na sala ao lado. Zachery olhou para trás. Velarde Lujan
tinham fechado a porta que ficava do outro lado, mas isso não afastaria os robôs de sua
pista.
Por um instante Parral ficou ofuscado pela forte luminosidade da sala em que
entraram. Piscou os olhos, orientou-se e viu Redhorse e Spinoza voarem obliquamente
para uma abertura redonda no teto.
— Depressa, tenente! — gritou Velarde, que de repente apareceu ao seu lado.
Zachery sorriu contrariado. O sargento era muito mais hábil que ele no manejo do
equipamento de vôo. Lujan apareceu à direita de Zachery. Até mesmo no interior do traje
de proteção parecia muito esbelto e delicado. O técnico vivia olhando para trás.
Redhorse e Spinoza já tinham atravessado a abertura no teto. Velarde foi atrás
deles. Era uma figura robusta, que na opinião de Zachery lembrava um tronco boiando na
água. O sargento subiu em alta velocidade e desapareceu.
Zachery voou pela abertura e viu-se num corredor que tinha pelo menos trinta
metros de largura. Bem perto havia vários corredores secundários, nichos e entradas que
davam para várias salas e pavilhões. Zachery respirou aliviado. Talvez pudessem
aumentar a dianteira que levavam sobre os robôs.
Redhorse não perdeu tempo. Seguiu resolutamente em direção a um dos
corredores secundários. Lujan também passou à frente de Zachery. O tenente ficou de
olhos semicerrados. Não devia ser apenas por causa da técnica de vôo que ficava
constantemente para trás.
“O equipamento de vôo”, pensou, apavorado. “Há algo de errado com ele.”
Antes de entrar no corredor secundário, olhou para trás. Viu cabeças de alguns
robôs em cima da abertura.
“Estão nos nosso calcanhares”, pensou Zachery.
O perigo iminente fez com que esquecesse por um instante do problema que havia
com seu equipamento de vôo. Mas seu deslocamento irregular fez com que este lhe fosse
trazido à mente.
— Tenente Parral! — disse a voz de Redhorse no radio capacete de Zachery.
Estou ficando um pouco para trás, senhor — disse Zachery, tentando dar um tom
firme à voz. Mas receava que suas palavras soassem um pouco desanimadas. — Meu
equipamento não está em ordem.
Redhorse esperou Parral, enquanto os outros seguiam vôo. O cheiene baixou em
cima de Zachery.
— Estique os braços para a frente — disse. Ponha as pernas ligeiramente para
baixo, para que possa mexer melhor em sua mochila.
Zachery sentiu o suor brotar em sua testa. Qual era a intenção do coronel? Será
que pretendia efetuar os reparos em vôo?
— Não se pode fazer nada, tenente — informou Redhorse. — Um dos bocais esta
superaquecido, fazendo com que o jato energético saia com menos força.
— Deste jeito acabo explodindo! — exclamou Zachery, mas logo teve vontade de
esbofetear o próprio rosto. Deveria ter-se lembrado de que o equipamento se desligaria
automaticamente antes de atingir a temperatura crítica.
— Explodir o senhor não vai — consolou-o Redhorse. — Mas não poderá voar
por muito tempo.
— Deixe-me ficar atrás, coronel — disse Zachery. — Não adianta arriscar sua
vida. Os outros precisam do senhor.
— Nosso Tenente Tique-Taque possui um senso de heroísmo muito acentuado —
disse Velarde.
— Quieto! — ordenou Redhorse.
Um raio claro e bem aberto passou chiando por cima de Redhorse e Parral. O teto
ficou escuro. Redhorse agarrou o jovem oficial nos quadris e puxou-o para o lado.
— Depressa! — disse. — Os outros desapareceram naquela entrada.
Zachery teve a impressão de que qualquer ruído fazia retumbar sua cabeça. Quase
automaticamente adaptou seu vôo aos movimentos em ziguezague do coronel. As armas
dos robôs que os perseguiam voltaram a despejar fogo, mergulhando o corredor numa
luminosidade verde.
O tenente respirava com dificuldade, embora o esforço físico fosse bastante
reduzido.
— Cuidado! — gritou Redhorse e o fez girar como se fosse uma marionete que
não pesasse quase nada.
Zachery ficou tonto. Fechou os olhos. Quando voltou a abri-los, voava numa sala
grande em cujo centro havia uma nave-disco, que se parecia até os menores detalhes com
um jato espacial terrano.
A eclusa estava aberta, e dentro dela o sargento Velarde fazia sinais com a mão.
“É tarde”, pensou Zachery, atordoado. O mundo que o cercava desapareceu diante
dos seus olhos. A única coisa que via era uma eclusa em cujo o interior Velarde saltava
nervosamente de um lado para outro.
De repente sentiu-se arrastado para a frente. Redhorse voltara a agarrá-lo e o
puxava. O cheiene pensara em fechar a entrada do hangar, mas na opinião de Parral os
robôs talvez já estivessem muito perto.
Finalmente viu-se no interior da câmara da eclusa. As paredes cercaram-no que
nem os braços que protegessem. Atrás dele apareceu um forte luminosidade, e Zachery
lembrou-se claramente da história do fim do herói. De repente experimentou a sensação
de um calor insuportável. Quase não conseguia respirar. Levantou as mãos e segurou o
fecho do capacete.
Neste momento escureceu. Zachery emitiu alguns sons roucos e sentiu-se agarrado
e carregado por mãos robustas. Alguém tirou seu capacete. A vontade de absorver ar puro
era tão grande que levantou abruptamente a cabeça, como se isto o pudesse ajudar a
inspirar todo o oxigênio que havia por lá.
— Pela primeira vez fico contente porque nossos inimigos copiaram as naves
terranas — disse o sargento Velarde.
Zachery voltou a ter consciência do lugar em que se encontrava. Estava
frouxamente deitado numa poltrona. Viu-se no interior de um jato espacial. À frente dele
brilhavam os controles e as telas de imagem. Tudo que o cercava, inclusive os ruídos,
eram bem conhecidos.
Parral baixou os olhos e viu que a maior parte de seu traje de proteção se
queimara. Alguém inclinou-se sobre ele. O tenente viu o rosto estreito de Lujan.
— Se fosse um traje de proteção comum, o senhor não se teria saído tão bem —
disse o técnico.
Zachery conseguiu esboçar um sorriso.
— No que está pensando? Na qualidade dos diversos trajes de proteção, ou no fato
de eu ter escapado por pouco da morte?
Lujan exibiu um sorriso vago e retirou-se. Zachery fez um grande esforço para
erguer-se na poltrona e olhou para as telas que transmitiam as imagens externas. Os robôs
estavam reunidos em tono do jato espacial.
— Por enquanto não corremos perigo — disse Velarde. — Mas acho que os cara
que estão lá fora acabarão queimando um buraco no casco do jato.
— Precisamos dar o fora antes que eles tenham esta idéia — disse Redhorse.
Velarde encolheu o pescoço e lançou um olhar de dúvida para Lujan e Zachery.
— Guarnecer o canhão energético! — ordenou Redhorse.
— O que pretende fazer, senhor? — grasnou Velarde.
— É simples — respondeu Redhorse. — Atiraremos até criar uma abertura na
parede do hangar pela qual o jato possa passar. É a única possibilidade que nos resta.
Nem sequer podemos atrever-nos a sair daqui para procurar os controles da eclusa.
Velarde coçou o queixo barbudo.
— Isso é perigoso, senhor — ponderou. — É possível que os tiros acabem
avariando o jato.
— O senhor é um otimista — observou Lujan. — Se o jato for apenas avariado,
poderemos dar-nos por satisfeitos.
Redhorse não se abalou.
— Nossas chances são boas — disse, defendendo seu plano. — Ocupem seus
lugares. Aguarde ordem de atirar, sargento. Assim que eu ordenar suspenda fogo.
Neste instante Spinoza rompeu o silêncio que matinha há tanto tempo.
— Acabo de concluir o primeiro teste metal — anunciou aos homens surpresos. —
Quer dizer que já posso oferecer uma solução teórica para o primeiro problema dos
senhores. Existe um meio fácil de chegar a um acordo com os walkers.
— Não diga! — exclamou Lujan.
— Fique quieto, Spinoza! — ordenou Redhorse. — Isso já passou.
— Por que não ficou com os walkers até que eu concluísse minhas meditações? —
queixou-se Spinoza.
Velarde erguei-se atrás dos controles do canhão energético. Estava com a voz
completamente mudada. Zachery estremeceu.
— Quando tivermos saído daqui, eu estrangulo esse robô experimental com
minhas próprias mãos.
— Fogo! — gritou Redhorse neste instante.
Velarde passou as mãos pelos controles. Zachery Parral olhou para a tela e viu o
raio energético atingir a parede do hangar, onde foi refletido. Lampejos de energia
atravessaram o salão.
— Temperatura subindo! — gritou Lujan. — Coluna de sustentação número três
cedendo. Temos uma inclinação de quatro graus.
— Ligar propulsão antigravitacional! — ordenou Redhorse. Lujan confirmou. A
nave-disco tremeu. Zachery olhou para Velarde. O rosto do sargento parecia murcho e
pálido. Mantinha os lábios entreabertos.
De repente a parede do hangar rompeu-se. A energia concentrada saiu
abruptamente para o espaço.
— Suspender fogo! — disse Redhorse. — Então, Lujan? Acha que passaremos
pela abertura?
— Não acredito, senhor — respondeu o técnico. — Mas vou tentar.
— Assim que tivermos saído, ligue os propulsores lineares. Provavelmente abrirão
fogo contra nós. Nossa única salvação é a fuga rápida para a zona de liberação.
Lujan umedeceu os lábios com a ponta da língua. Era a primeira vez que Zachery
o viu nervoso.
— Daremos um jeito para enganar o velho — disse Redhorse em tom confiante.
— O velho? — repetiu Velarde, que não tinha compreendido. — Por que escolheu
esse nome, senhor?
— Por que parece ser o nome certo — respondeu o cheiene.
Naquele momento ninguém imaginara que realmente combinava com a pessoa.
O jato espacial aproximou-se da abertura criada à força dos tiros e atravessou-a
lentamente. Houve um ruído metálico, que fez com que Zachery prendesse a respiração.
Os homens olhavam ansiosamente para as telas de imagem, menos Lujan, que se
concentrou nos comandos do jato.
— Conseguimos — disse Velarde de repente. Zachery percebeu um alívio imenso
na voz do sargento. Sentiu a própria descontração e experimentou um desejo muito forte
de comunicar sua alegria aos outros. Mas antes que tivesse tempo de dizer uma palavra,
ouviu a voz retumbante de Redhorse.
— Acelere, Lujan! — gritou o coronel. — O que está esperando?
O jato espacial deu um salto, afastando-se da plataforma em que ficara estacionado
por muito tempo. As telas de imagem mostraram o espaço cósmico.
— Estão atirando em nós! — gritou Velarde, nervoso. — São rios térmicos vindos
do objeto semi-esférico.
— Há posições de artilharia neste objeto — observou Redhorse, calmo. Tinha-se a
impressão de que nem via as gigantescas trilhas de fogo que apareciam nas telas.
“Agora tem que dar certo”, pensou Zachery, empolgado.
Até parecia que o sistema de propulsão linear entendera de alguma forma o
pensamento fervoroso do jovem oficial. Atingindo a aceleração crítica. O jato espacial
saiu do conjunto espácio-temporal normal e penetrou no semi-espaço.
— Seguiremos em direção ao setor Alvorada — decidiu Redhorse. — Lá será mais
fácil encontrarmos alguma nave terrana.
Zachery não sabia o que devia admirar mais, se era a calma extraordinária de
Redhorse ou o salto enorme que o sargento Velarde deu para fora da poltrona.
— Conseguimos! — gritou o robusto sargento, batendo ruidosamente no ombro de
Zachery. — Conseguimos!
10
***
**
*