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A PLATAFORMA
DO PAVOR
Autor
WILLIAN VOLTZ

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
DROMO
O inimigo medonho volta a golpear
— e os últimos homens de Black Hills têm de lutar
pela vida. Uma aventura com o Coronel Redhorse

Os calendários do planeta Terra registram os últimos


dias do mês de agosto do ano 2.435. Trinta anos já se
passaram desde o fim de Mirona Thetin, uma mulher de
beleza extraordinária, que quase conseguiu destruir o
Império Solar da Humanidade, governado pro Perry Rhodan.
Para a Humanidade foram trinta nos de construção
pacífica e de consolidação interna.
Esta era da calma da história galáctica da Humanidade
chega a um fim súbito no dia em que os corsários estelares de
Roi Danton são caçados pelos homens de Perry Rhodan e
travam uma batalha simulada no planeta Rubin. Aparece um
robô gigante vindo das profundezas do espaço. O gigante
observa a batalha simulada — e tira conclusões erradas.
Envia sua frota de ultranaves e passa a destruir as unidades
terranas que cruzam seu caminho. No primeiro confronto com
o poder concentrado do gigante é destruída a Black Hills, a
nave de Don Redhorse. O Coronel Redhorse e mais um
punhado de homens sobrevivem ao inferno desencadeado
pelas ultranaves desconhecidas. Fogem — e atingem a
Plataforma do Pavor...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Coronel Redhorse — Comandante do cruzador pesado solar Black
Hills.
Capitão Carruther — Oficial da Black Hills.
Spinoza — Um robô programado para teses.
Burnett — Chefe dos Walkers.
Zachery Parral, Cafana Velarde e Lujan — Os últimos homens que
restam do comando de Don Redhorse.
Perry Rhodan — Admistrador-Geral do Império Solar.
1

A morte veio depressa e de forma ruidosa para junto de Nibur.


Apareceu na forma de uma coluna de fogo, que entrou pelo teto abobadado da sala
de comando da Black Hills, chiando, como uma língua chamejante de energia indômita.
Nibur, que estava fechando seu traje de proteção, desapareceu no inferno sem deixar
o menor vestígio.
Zachery Parral, que estava parado embaixo do grande tubo de exaustão, desviou-se.
Em todos os cantos da nave estavam morrendo tripulantes da Black Hills, alguns bem
depressa, como Nibur, outros devagar e com sofrimentos horríveis.
Os homens que se encontravam na sala de comando do cruzador pesado eram os
únicos que tinham uma chance de escapar à catástrofe. O lugar mais protegido de
qualquer nave terrana era a sala de comando principal.
Apesar disso Zachery Parral admirou-se por já estar novamente em pé, enfiado num
pesado traje de proteção. Lembrou-se do impacto que a nave incandescente sofrera ao
tocar na superfície do planeta Rubin. O abalo fora tão forte que Parral se vira atirado fora
da poltrona, fazendo-o escorregar através da sala de comando. Se suas mãos, que
tateavam desesperadamente à procura de alguma coisa em que segurar-se, não tivessem
agarrado a mesa da mapoteca, Zachery não teria sobrevivido.
Mais precisamente, foi graças a este fato que naquele momento ainda estava vivo,
pois dentro de mais alguns segundos poderia estar morto.
O Tenente Zachery Parral vivia se perguntando como seria a gente morrer numa
espaçonave. Tinha 23 anos e nunca havia participado de uma batalha espacial. Confessou
a si mesmo que a idéia que sempre fizera do fim de uma nave terrana era completamente
errada.
Os homens não tinham tido tempo para demonstrações de heroísmo ou palavras
dramáticas. Morreram antes que pudessem fazer ou dizer qualquer coisa. Era um fim
brutal e desumano. Zachery compreendeu de repente que as histórias que lera sobre
grandes batalhas espaciais travadas pela frota do Império Solar eram verdadeiras. Mas
fazia trinta anos que a última batalha espacial de grandes proporções fora travada na
nebulosa de Andrômeda — e naquela época o Tenente Parral ainda não tinha nascido.
Zachery sabia perfeitamente que só por acaso não tivera o mesmo destino de Nibur.
Ficara bastante ligado a este homem nos últimos ano. Sempre apreciara sua ruidosa
amabilidade. Nibur era um homem de mãos grosseiras, capaz de efetuar reparos incríveis
em aparelhos eletrônicos. Um homem que nunca falara sobre seu passado, mas nunca
escondera a predileção que sentia pelas paisagens amplas e solitárias.
E tudo isso fora apagado de um instante para outro.
Alguém sacudiu Zachery pelos ombros, fazendo-o voltar à realidade. Parral
levantou os olhos. O Coronel Don Redhorse, comandante da Black Hills, estava parado à
sua frente, também enfiado num pesado traje de proteção. Na verdade, no momento o
cheiene só tinha sob seu comando um monte de destroços incandescentes — e, se tivesse
sorte, alguns jatos espaciais que o dispositivo de emergência tivesse lançado fora da nave
antes que fosse tarde.
— O que está esperando, tenente? — gritou Redhorse — Vá para cima.
Zachery acenou com a cabeça. Sentia-se atordoado. Entesou o corpo e segurou a
chave de catapultamento do tubo de escape. Viu outros homens que envergavam trajes de
proteção aproximaram-se correndo em meio ao fogo e à fumaça que se espalhava a partir
do centro da sala de comando. Alguns cambaleavam, enquanto outros eram apoiados
pelos companheiros.
“E agora”, pensou Zachery.
Sentiu a chave nas mãos, mas o braço parecia paralisado.
— Vamos, rapaz! — gritou Redhorse, retirando a mão endurecida de Zachery de
cima da chave. — Deixe isso por minha conta.
Quase no mesmo instante Zachery Parral sentiu-se arrastado para cima. O
movimento abrupto causou-lhe um sentimento de enjôo. O tenente sabia que os tubos de
escape eram de uma liga especial, cujo ponto de fusão era extremamente elevado. Mas
não conseguiu livrar-se da idéia apavorante de que o tubo talvez estivesse entupido em
algum lugar. Ouviu um farfalhar surdo, misturando com uma série rápida de explosões.
Zachery sentiu-se comprimido no interior do tubo. Estava escuro e não conseguiu
pôr a mão no capacete para ligar o farol.
Pensou que não agüentaria mais, quando de repente começou a clarear. Zachery teve
a presença de espírito de ligar o propulsor de seu traje de proteção. Uma figura que
remava com os braços aproximou-se no meio da fumaça. Parra teve a impressão de que
conhecia aquele rosto liso. Logo viu de quem se tratava.
— Spinoza! — exclamou, surpreso. — Como veio parar aqui?
— Da mesma forma que o senhor, senhor — disse o robô experimental da Whistler
Company. — Viajei na Black Hills.
— Não sabia que você podia voar — observou Parral, estarrecido. — E fico
admirado de que seja capaz de sobreviver sem traje de proteção.
— Sou o melhor robô que a Whistler já construiu — retrucou Spinoza. — Trate de
não se esquecer disso, senhor. Possuo um sistema de propulsão antigravitacional
embutido. E meu corpo resiste a temperaturas extremas. Sinto-me feliz por ter acontecido
esta catástrofe. Só assim posso ser testado em condições adequadas.
— Cale essa boca imunda! — gritou uma voz.
Era o sargento Cafana Velarde que veio voando em meio às nuvens de fumaça. Sua
figura atarracada enchia completamente o traje de proteção.
— Um robô experimentando o sentimento de felicidade! — resmungou Velarde. —
E o motivo dessa felicidade é a destruição da Black Hills e a morte de quase toda a
tripulação.
— è uma felicidade ligada exclusivamente ao meu ego — observou Spinoza,
indiferente. — Se estivesse triste, nem por isso os astronautas voltariam a ficar vivos.
— Ainda acabo quebrando sua cabeça! — profetizou o sargento, zangado.
— Receio que o senhor não consiga — respondeu Spinoza. — Meu crânio é
protegido por uma placa de rumalina.
O sargento Cafana Velarde praguejou e voltou afastar-se.
Parral não interessou mais pelo robô. Cuidou da direção do seu dispositivo de vôo.
Saiu das nuvens de fumaça; Viu os destroços da Black Hills embaixo dele. Admirou-se de
ter escapado daquele monte de materiais. Havia sete homens voando bem perto de
Zachery. Dirigiam-se aos jatos espaciais que tinham pousado a dois quilômetros da Black
Hills. Parecia que o dispositivo de emergência não conseguira pôr fora do cruzador
pesado mais de dois veículos espaciais pequenos.
“Os jatos devem estar avariados”, pensou Parral, desanimado, enquanto seguia na
mesma direção.
Olhou para trás e viu alguns homens saírem das nuvens de fumaça.
— Redhorse falando! Disse a voz calma e potente do comandante, saída de seu
receptor. — Voaremos diretamente para os dois jatos lançados fora da nave. Os nativos de
Rubin não representavam nenhum perigo. Devem ter-se escondido de medo quando a
Black Hills tocou o solo. Mas corremos o risco de sermos atacados pelas naves que nos
derrubaram.
Zachery Parral lembrou-se dos ultragigantes que os tinham atacado. Na tela eram
parecidos com naves terranas, mas só podia ser um acaso. Os tripulante da Black Hills
pensavam que poderiam atravessar sãos e salvos o anel de fogo despejado pelas naves
desconhecidas, mas o cruzador moderno sofrera vários impactos dos canhões conversores
e caíra na superfície do planeta.
Tudo isso acontecera há pouco tempo, mas Zachery teve a impressão de que já fazia
alguns dias. Quase não se lembrava dos detalhes, mas sabia que suas reações tinham sido
automáticas. Fizera exatamente aquilo que lhe fora ensinado na Academia Espacial.
A Black Hills caíra no limite de um deserto e penetrava profundamente no solo.
Algumas peças de terconite da blindagem se tinham desprendido no casco e tinham caído
na areia que nem bombas. Zachery viu sulcos de vários metros, abertos pelos destroços
do cruzador pesado.
O tenente começou a examinar o ambiente. Havia uma cadeia de montanhas baixas
do outro lado do deserto. Entre o deserto e as montanhas havia oásis. Eram manchas
marrom-escuras que se destacavam no amarelo monótono do deserto. Parra olhou para a
esquerda e viu uma parede de escura junto ao horizonte. Devia ser uma floresta.
Os nativos de Rubin viviam nas montanhas. Os mercadores livres comerciavam com
eles. Os nativos eram seres que ainda se encontravam no nível do homem da Idade da
Pedra. Tinham certa semelhança com os cangurus terranos.
O tenente sentiu pena dos bárbaros que tinham sido arrastados para uma guerra que
não compreendiam.
“Neste ponto não são muito diferentes de mim.”, pensou o tenente, amargurado.
Afinal, ele mesmo não compreendia muito bem essa guerra. Por quem fora
desencadeada? E qual era o motivo do ataque lançado pelas misteriosas naves gigantes?
Tal qual a maior parte dos oficiais jovens, o Tenente Zachery Parral, acreditava
que a Frota Solar era invencível.Ninguém lhe ensinara esta crença. Pelo contrário. Os
professores da Academia Espacial sempre faziam questão de ressaltar que a existência do
Império Solar estava em perigo.
Os receios deste tipo só provocavam sorrisos em Zachery. Qual era o ser no
interior da galáxia que podia representar um perigo para a humanidade? E que povo da
nebulosa de Andrômeda se atreveria a percorrer o abismo imenso que separava as duas
galáxias para entrar em luta com a Terra?
Na atmosfera do planeta Rubin, situado a 2.917 anos-luz do Sistema Solar, a
crença da invencibilidade da Frota Solar sofrera o primeiro abalo na mente de Zachery
Parral.
Mas agora, que já se encontrava mais perto dos dois jatos espaciais, não sentia
mais medo. Sentiu-se confiante ao lembrar-se dos reforços que chegariam ao sistema de
Rois para derrotar o inimigo.
O Tenente Zachery Parral era um homem alto e esbelto. O que mais chamava a
atenção nele era a orelha esquerda deformada. Sempre se recusara a recorrer aos meios
cirúrgicos para embelezar esta parte do corpo. Parral tinha cabelos louro-castanhos muito
compridos. Quase havia uma mecha pendurada na testa. O tenente tinha uma mania
estranha. Possuía uma coleção de velhos relógios de bolso, que levava constantemente
consigo, mesmo quando estava em missão.
Ficou um pouco triste ao lembrar-se dos preciosos relógios, que naquele momento
deviam encontrar-se entre os destroços da Black Hills, completamente derretidos. Dos
mais de duzentos exemplares que possuía, só restava o que carregava consigo.
Zachery foi parar entre os homens que já tinham descido junto ao jato espacial.
Não prestou atenção à conversa. Olhou para os dois barcos espaciais e viu que o
bombardeio e os abalos também tinham deixado suas marcas em seus corpos.
Zachery receava que os aparelhos mais sensíveis, especialmente as instalações de
rastreamento e de hiper-rádio, tivessem sofrido avarias.
Uma figura grande desceu lentamente perto deles e caminhou resolutamente para
um dos jatos espaciais. Era o Coronel Redhorse.
— Quantos sobreviventes? — perguntou.
— Quinze — respondeu alguém.
— Quinze homens e eu, senhor. — disse Spinoza em tom amável.
Redhorse virou a cabeça e fitou a figura esbelta do robô, que antes parecia um
jovem que cuidava da aparência.
— Fiz algumas observações interessantes — informou Spinoza, solícito. — v O
senhor certamente está interessado em saber que temperatura registrei ao sair da nave
destroçada. Além disso eu me encontrava junto ao centro de uma explosão. Foi pouco
antes de que a nave tocasse ao solo. Não sei o que explodiu, mas o abalo não afetou meus
dispositivos positrônicos. O resultado do teste é plenamente satisfatório. Ficarei muito
grato se pudermos pegar um jato e voltar para perto do inimigo. Estou interessado em
conhecer os efeitos de um bombardeio direto do meu corpo.
— O inimigo devera interessar-se por nós mais cedo do que gostaríamos — disse
Redhorse, interrompendo a loquacidade de Spinoza.
— Excelente — respondeu o robô.
— Capitão Carruther! — gritou o Coronel Redhorse .
— Alguma ordem, senhor?
— Tenho, sim. Escolha sete homens e suba com eles em um dos jatos espaciais.
Trata de esconder-se nas montanhas. Irei no jato, com os outros homens, assim que
pudermos ter certeza de que não existem outros sobreviventes.
O Capitão Carruther escolheu os homens que o acompanhariam. Zachery não
estava entre os escolhidos. Spinoza recusou-se a entrar na nave de Carruther. Esperava
que perto de Redhorse não demoraria tanto a submeter-se a um novo teste.
Um dos jatos espaciais decolou. Redhorse dirigiu-se a Parral.
— Procuraremos um esconderijo nas montanhas, tenente — disse. — Lá teremos
oportunidade de consertar os dois jatos. Assim que o inimigo tiver abandonado o sistema
Róis, sairemos à procura de uma nave terrana.
Zachery esboçou um sorriso. Parecia simples. Mas Zachery teve dúvidas de que
seria possível executar o plano. O comandante experimentado notou a desconfiança do
jovem.
— Já estive em situações em comparação às quais aquela em que nos encontramos
é um verdadeiro paraíso — disse Redhorse. Zachery viu a pele escura do rosto através do
visor do capacete. As rugas em torno dos olhos davam-lhe um aspecto de máscara. A pele
só era esticada em cima dos maxilares salientes.
Redhorse notou que Parral olhava fixamente para ele.
— Lamento não possuir nenhuma experiência, senhor — disse Zachery. Era
apenas uma frase. No fundo não lamentava absolutamente nada. Tinha certeza de que os
conhecimentos adquiridos na Academia Espacial o habilitavam a enfrentar qualquer
situação. Se dissesse isto a Redhorse, este provavelmente só responderia com um sorriso
cansado.
— O senhor logo terá oportunidade de colher experiências — disse o sargento
Velarde, contrariado.
Zachery tinha certeza de que o astronauta de aspecto grosseiro não gostava dele.
Parecia não gostar de ninguém, pois era conhecido por seu constante mau humor e por
viver se queixando. Além disso era graças a ele que a bordo da Black Hills todo mundo
chamava Parral pelo apelido de Tenente Tique-Taque. Este apelido era uma alusão à
paixão pelos relógios antigos.
Zachery olhou ligeiramente para Spinoza. O robô jogara a cabeça para trás e
examinava ininterruptamente o firmamento. Certamente esperava um ataque.
— Não podemos ficar mais aqui — disse Redhorse, apontando para os destroços
fumegantes da nave. — Acho que não podemos fazer mais nada por quem esta lá.
Zachery entrou no jato espacial, atravessando a eclusa aberta. Teve o azar de ficar
justamente ao lado de Spinoza, que começou a apregoar as excelências de seu corpo. Só
se calou quando a voz de Redhorse se fez ouvir.
— O hiper-rádio sofreu avarias — constatou o cheiene. — Já contávamos com
isso. Mas esperava que pelo menos o conversor Kalup estivesse intacto. Não está. Vamos
ver se conseguimos consertá-lo.
Redhorse fez decolar o veículo espacial em forma de disco e seguiu em vôo baixo
em direção às montanhas.
Zachery ficou satisfeito por poder abrir seu capacete do traje de proteção. No
interior do jato o ar era tépido e seco. Para o tenente isto era uma prova de que o sistema
de ventilação também não estava funcionando bem. Felizmente o planeta Rubin possuía
uma atmosfera respirável.
Parral apalpou seu traje protetor. Finalmente sentiu o grosso relógio de bolso
guardado num bolso lateral. Teve vontade de tirá-lo para ver se estava funcionando, mas
preferia não despertar a atenção dos companheiros.
Encostou-se na parede da eclusa e ouviu sem muito interesse o falatório de
Spinoza. Seus pensamentos ocupavam-se com as naves desconhecidas que os tinham
atacado.
Quem era o inimigo misterioso?
De onde tinha vindo?
Quando mais pensava, mais claro se tornava que subestimara os perigos que
ameaçavam o Império. Um esquema de força do tamanho do tamanho do Império Solar
era extremamente vulnerável. Podia sofrer ataques de muitos lados.
Zachery sentiu-se como um homem que durante muito tempo se tivesse sentido
seguro numa casa em ruínas, tendo compreendido somente depois da tempestade que se
encontrava em uma situação muito perigosa.
2

Zachery Parral estava de pé, encostado a uma rocha, com os olhos semicerrados,
respirando profundamente o ar noturno quente de Rubin. Fazia meia hora que tinha sido
revezado nos trabalhos de conserto. Redhorse lhe dera o conselho de procurar um lugar
tranqüilo e dormir um pouco.
Zachery sorriu. O barulho dos reparos atravessava a noite, e, além disso, os
pensamentos que se agitavam em sua cabeça certamente não permitiram que ele
dormisse.
Os dois jatos espaciais estavam razoavelmente bem escondidos num desfiladeiro
rochoso. No desfiladeiro não havia nascentes. Parecia que em todo o planeta não havia
nada além de desertos e montanhas íngremes.. A água guardada nos reservatórios dos
jatos era morna e insossa.
Verificara-se que os hipertransmissores das duas naves-disco não podiam ser
reparados. Faltava as respectivas peças sobressalentes. Redhorse dera ordem para
apressar os trabalhos nos hiperpropulsores, mas por enquanto não se tinha conseguido
nada. Zachery viu pelo rosto dos astronautas que as chances de consertar as avarias eram
muito pequenas. Redhorse já dissera que talvez tivessem de ir para o espaço usando
apenas os propulsores normais.
Parral pegou o relógio antigo que trazia no bolso. Olhou para o mostrador
luminoso. Já fazia oito horas que se encontravam em Rubin.
O jovem tenente ouviu o ruído de passos se aproximando. Apressou-se em enfiar o
relógio no bolso do traje de proteção. Redhorse fizera questão de que não tirassem estes
trajes. Só deu permissão para tirar os capacetes.
O sargento Cafana Velarde saiu da escuridão. Carregava um farol que derramava
uma luz forte sobre as rochas mais próximas. Zachery sentiu o raio de luz pousado em
seu rosto por um instante, mas este logo desceu pelo corpo, até parar na corrente do
relógio, que na pressa Parral deixara de enfiar no bolso.
— Pelos planetas do Universo! — exclamou Velarde em tom de incredulidade. —
O senhor anda mesmo com essas coisas!
Zachery ficou vermelho.
— Alguma objeção? — perguntou, zangado.
— É claro que não, Parral — asseverou Velarde.
— Para o senhor continuo a ser o Tenente Parral! — corrigiu Zachery.
— Desculpe, senhor — respondeu Velarde, tranqüilo. — Pensei que na situação
em que nos encontrávamos a hierarquia perdesse toda a importância. Afinal, estamos
presos numa armadilha.
Parral ficou perplexo com as idéias desse homem. Será que um sargento de 44
anos não guardava a disciplina? Ou era um problema de deficiência intelectual?
— Se voltar a comportar-se dessa forma, denunciá-lo-ei ao comandante —
afirmou Parral, indignado. — Pouco importa a situação em que nos encontramos.
Pertencemos à Frota Solar e por isso devemos respeitar as normas.
— Meu Deus — disse Velarde sem mostrar-se impressionado. — O senhor ainda é
jovem, tenente. Com o tempo isso passa.
Mais uma figura entrou no círculo luminoso projetado pela lanterna de Velarde.
Era o capitão Carruther.
O capitão cumprimentou Parral com um gesto ligeiro e colocou a mão no ombro
do sargento.
— Então, sargento? — perguntou. — Pegando um arzinho puro?
— Neste ambiente de estufa não existe ar puro, capitão — resmungou Velarde,
aborrecido, e foi embora.
Carruther e Zachery defrontaram-se em silêncio na escuridão. Depois de algum
tempo o silêncio começou a incomodar o tenente.
— Que tipo sem-vergonha! — exclamou.
— Quem? — perguntou Carruther. — Velarde? É um esquisitão. Mas pode-se
confiar nele.
— Tenho lá minhas dúvidas — afirmou Zachery em tom solene. — Já pediu sua
opinião sobre o relacionamento entre diversos níveis hierárquicos numa situação especial,
senhor?
— Parece muito complicado, tenente — respondeu Carruther com um suspiro. —
Por que haveria de falar sobre isso justamente com Velarde?
Zachery teve a impressão de que estava fazendo papel de idiota. Compreendeu que
não se consegue impor autoridade com palavras.
Carruther possuía autoridade. Esta o cercava como se fosse uma auréola invisível.
Mas ele mesmo, Parral, não era levado muito a sério. Zachery mordeu o lábio. Por pouco
não procurara Redhorse para denunciar o sargento num momento como este. O coronel
zombaria dele.
“Talvez”, foi o pensamento do tenente, “a autoridade possa aprendida.”
— Para o senhor tudo isto ainda é novidade, tenente — disse o capitão em tom
bonachão. — Se um dos velhos combatentes se julga muito importante, não se importa.
“Por que todo mundo vive dizendo que sou jovem e inexperiente?”, pensou
Zachery, furioso. Era claro que para ele tudo aquilo era uma novidade, mas nem por isso
valia menos que os outros. Ele mostraria. Ninguém se tornava tenente por acaso. A
pessoa tinha que aprender a trabalhar muito para conquistar o posto. Cafana Velarde era
um simples sargento, e tinha o dobro da idade de Zachery. O que ele estava pensando?
Carruther afastou-se. Suas botas rangiam na rocha quebradiça. Neste instante foi
chegando uma figura esbelta, com duas lanternas penduradas no cinto.
— Olá. Tenente Tique-Taque! — exclamou Spinoza, alegre. — Vim fazer um
teste.
Parral ficou estarrecido. Velarde fora para junto dos jatos e informara o robô sobre
o apelido do tenente. “Que tipo malvado”, pensou Zachery. “Ele me pagará por isso.”
— Meu nome é Parral! — disse.
— Gosto mais de Tique-Taque — retrucou Spinoza. — Soa com uma coisa
cibernética.
Zachery soltou um suspiro de resignação. Tinha de conformar-se com o fato de
não ser tratado de igual para igual pelos membros da pequena comunidade. Apressou-se
em afastar-se do robô antes que este iniciasse um dos seus testes, que por vezes eram bem
perigosos.
Dali a instantes entrou no círculo luminoso do holofote do jato. Redhorse veio ao
seu encontro. Não parecia cansado, embora trabalhasse sem parar.
— Pensei que estivesse dormindo — disse Redhorse, espantado.
Zachery sentiu um calafrio, apesar do ar tépido da noite. De repente sentiu-se
abandonado.
— Volte ao trabalho! — ordenou Redhorse.
Parral fez um gesto de gratidão. Finalmente aparecera alguém que lhe confiava um
trabalho sem falar em sua experiência. Entrou na eclusa. O sargento Velarde veio ao seu
encontro e enfiou-lhe um pequeno maçarico na mão.
— Sabe lidar com isso, senhor? — perguntou em tom sarcástico.
Sem dizer uma palavra, Zachery acendeu o jato e dirigiu a chama para o rosto do
astronauta.
— Mais uma palavra, e queimo o seu nariz. — disse.
Velarde deu uma gargalhada e afastou-se. Zachery ficou absorto no trabalho.
Perdeu a noção do tempo. Levantava de vez em quando para espreguiçar-se. Já não sentia
nenhum cansaço. Levou cerca de três horas para concluir o trabalho. Os olhos ardiam por
causa da claridade da chama que fitara durante todo o tempo. Um anteparo protetor o
teria perturbado o trabalho.
Experimento um estranho sentimento de satisfação. Sentiu-se ligado com os outros
de uma forma misteriosa. Lá estavam eles, isolados e perdidos, lutando pela vida. Pouco
importava que fossem oficiais ou simples astronautas.
“Já penso como Velarde”, refletiu enquanto saía do jato.
— Não é possível — resmungou. — Velarde é um bárbaro incapaz de
compreender estas coisas.
Deu alguns passos no chão duro.
— Tentaremos a decolagem — disse a voz de Redhorse. — Os tripulantes de cada
jato continuarão a ser os mesmos. Coloque seus homens a bordo, Carruther.
Zachery parou, incrédulo. Os propulsores lineares só tinham sido precariamente
reparados. Era possível que os trabalhos de solda tivessem provocado tensão no material
de revestimento do conversor. Talvez o material até tivesse sofrido uma distorção. Não
dispunham de aparelhos pré-aquecimento ou de os propulsores lineares. Se estivessem
funcionando, desapareceremos antes que tenham tempo de atacar-nos.
Carruther engoliu em seco.
— Será um teste formidável — disse a voz de Spinoza, vindo do fundo da sala. No
mesmo instante Zachery ouviu o sargento Velarde praguejar. Ouviu-se alguma coisa
arrastando.
— Para de bater em mim! — disse Spinoza, indignado.
Parral não tirava os olhos dos rastreadores. Cada um dos pontos luminosos que via
à frente podia representar a morte.
“Estamos perdidos”, pensou Zachery. “O hiperpropulsor não funciona.”
Uma série de empuxos intermitentes sacudiu violentamente o jato. Zachery
agarrou-se às braçadeiras da poltrona. Redhorse continuava a lidar com os controles.
— Vive falhando — disse, aborrecido. — Talvez consigamos romper o círculo de
naves inimigas.
O estômago de Zachery encolheu. Os solavancos da nave quase o atiravam para
fora da poltrona.
— Vamos voltar, senhor! — gritou. — Rubin é o único lugar em que estaremos em
segurança.
— Tolice — respondeu Redhorse laconicamente, recusando a sugestão. Zachery
experimentou a sensação esquisita na região do estômago. Levantou os olhos. O rosto de
Carruther continuava na tela do videofone. O capitão piscava os olhos como quem é
obrigado a olhar para o sol.
— Nosso propulsor linear não pega, senhor — disse, calmo. — Estamos ficando
para trás.
— Tente de novo, capitão — disse Redhorse.
Carruther sacudiu a cabeça.
— Estamos cercados por naves inimigas, coronel. Tomara que o senhor tenha mais
sorte. Só assim...
A voz do capitão interrompeu-se. Quase no mesmo instante a tela parecia irromper
em chamas. O rosto de Carruther desmanchou-se. A última coisa que Zachery viu de
Carruther lembrava um filme com excesso de exposição. Mas era apenas o calor
tremendo do tiro energético que destruiu o jato espacial.
Zachery deixou cair a cabeça. Tremia por todo o corpo.
Redhorse deu-lhe uma forte cutucada.
— Fique de olhos nos instrumentos! — gritou. — Para que acha que está
ocupando esse lugar?
Parral voltou a controlar-se. Pelo que se via nos rastreadores, as brechas no círculo
de naves inimigas eram raras. E só mesmo uma nave ultraluz seria capaz de atravessar
uma dessas brechas. O jato espacial dirigido por Redhorse não atingiu a velocidade
necessária para entrar no espaço linear. Houve um novo empuxo, que arremessou o disco
para a frente.
Parecia que o pequeno veículo espacial estava empinando. Com cada empuxo
eram desperdiçadas quantidades enormes de energia. Depois de cada acelerada, o jato
voltava a perder velocidade. A força de inércia de sua massa aumentava, fazendo com que
a velocidade diminuísse cada vez mais, embora os empuxos continuassem a ter a mesma
força.
Zachery arriscou um olhar para os mostradores dos instrumentos. Os ponteiros
balançavam de um lado pra outro. Nestas condições não era possível fazer cálculos
exatos.
— Vamos ver se damos um jeito de romper o círculo — murmurou Redhorse.
As naves inimigas aproximavam-se de todos os lados. Bem atrás do jato já vinha
uma nave esférica, que tanto pelo tamanho como pelo aspecto parecia em todos os
detalhes com um ultracouraçado da classe Galáxia. Parecia que os tripulantes desta nave,
fossem quem fossem, tinham dificuldade em adaptar-se às manobras imprevisíveis de
pequeno veículo espacial.
De repente um objeto voador diferente entrou no alcance dos rastreadores do jato.
Quando começou a distinguir os contornos do objeto, Zachery não acreditou no que seus
olhos viam.
— Olhe, coronel! — gritou o jovem tenente. — O que será?
Era um objeto quadrado. As dimensões pareciam inconcebíveis aos olhos de
Zachery, mas a figura parecia ser uma realidade.
— Acho que é uma plataforma — murmurou Redhorse, pensativo.
“Uma plataforma! É isso mesmo”, pensou Zachery. A figura gigantesca devia ter
cinqüenta quilômetros de lado. Sua espessura chegava a ter dez quilômetros. Zachery
perguntou a si mesmo se as naves que os atacavam vinham do objeto parecido com uma
plataforma.
— Essa coisa possui seu próprio sistema de propulsão — constatou Redhorse. —
Está vendo o acréscimo em cunha na extremidade da plataforma?
Zachery acenou ligeiramente com a cabeça. O gigante devia desprender uma
quantidade incrível de energia. Os jatos propulsores superpesados expeliam feixes
energéticos enormes. Apesar do tamanha a plataforma revelava incrível agilidade.
— Qual é a sua opinião? — perguntou Redhorse em tom indiferente. — Acho que
é a nave-mãe dos ultracouraçados.
— Já pensei nisso — concordou Zachery, que não se atreveu a soltar as
braçadeiras da poltrona, já que o jato espacial continuava a deslocar-se aos saltos através
do sistema Rois.
No meio das unidades inimigas, o jato parecia uma vespa num bando de aves de
rapina. “Uma vespa sem ferrão”, pensou Zachery ao fazer a comparação.
Admirou o sangue-frio de Redhorse. O coronel pilotava a nave auxiliar de Black
Hills com a calma de quem se encontra numa carlinga de vôo simulado, na superfície da
Terra. A calma dos outros tripulantes também era admirável. Ninguém parecia estar
nervoso, embora todos tivessem assistido à morte de Carruther. A tranqüilidade da
tripulação tinha sua origem em grande parte na confiança que todos depositavam em
Dom Redhorse.
Mas o cheiene já não era o homem audacioso que arriscava a vida em operações
temerárias. Faz trinta anos que este Don Redhorse deixara de existir. O Coronel Redhorse
agia de forma calma e prudente. Tomava suas decisões com a ponderação de um
astronauta experimentado.
“O que vale a experiência diante de mil naves?”, perguntou Parral para si mesmo.
— Estão chegando mais perto! — exclamou Redhorse. — Preciso desviar antes
que nos atinjam.
O jato espacial saiu da rota. Zachery apavorou-se ao notar que Redhorse seguia
exatamente na direção de um grupo de naves inimigas. Mas o cheiene deixou o pequeno
veículo espacial cair de repente e acelerou. O sistema de propulsão linear parecia
guaguejar ainda mais fortemente. O disco chegou a entrar na zona de liberação, o que fez
Zachery respirar aliviado. Mas só percorreu alguns milhares de milhas. Logo voltou ao
espaço normal.
Se alguém perguntasse a Zachery quais eram em suas opiniões as chances que lhes
restavam, ele se limitaria a sacudir a cabeça. Os inúmeros abalos tinham sacudido as
entranhas de Parral, que se sentia muito mal. O pesado traje de proteção comprimia seu
corpo, e o conjunto-uniforme que trazia sobre o copo estava encharcado de suor. Muito
triste, Zachery pensou nos vôos que fizera a bordo da Black Hills ou nas naves-escol da
Academia Espacial.
Zachery sempre pensara que uma nave terrana fosse um conjunto de instrumentos
de alta precisão, que não podia ser derrotados por nada deste mundo.
Uma nave inimiga aproximou-se a alguns quilômetros e abriu fogo contra o jato
espacial. A gigassalva só roçou a nave, mas atirou-a fora da rota. Redhorse parecia
acostumado a essas coisas, pois não fez nenhum comentário.
Zachery teve de fazer um grande esforço para não saltar da poltrona. Concebeu as
mais estranhas possibilidades de fuga. Uma delas era pular pela eclusa e saltar em Rubin
apenas com o traje de proteção.
O jato espacial era uma armadilha, em cujo interior todos acabariam encontrando a
morte.
Os contornos de mais duas plataformas apareceram nas telas. Zachery inclinou-se
instintivamente para olhar mais de perto. Deixou cair o queixo. Quem teria construído
estes objetos gigantescos? Diante dele até mesmo uma espaçonave terrana de grande
porte parecia um brinquedo.
As plataformas tinham algo de assustador. Zachery mexeu nos controles para
tornar a imagem mais nítida e anunciou a nova descoberta a Redhorse.
— Quer dizer que são três plataformas! — respondeu o coronel, indiferente. — É
bem possível que haja outras nesta área. Afinal, nossos hiper-rastreadores não funcionam.
Por isso só podemos detectar os objetos que se encontram num raio não muito grande.
— E agora? — perguntou o sargento Velarde.
“Talvez estas palavras sejam mais que uma simples pergunta”, pensou Zachery ao
notar que Redhorse não respondia. Talvez Cafana Velarde tivesse feito uma constatação.
Talvez quisesse dizer que não valia a pena tentar outras manobras.
À frente do jato encontravam-se as plataformas, e de trás os perseguidores
aproximavam-se em frente ampla.
O jato espacial foi atingido de raspão por uma salva energética, que o atiro
algumas centenas de metros fora da rota. Zachery teve a impressão de que alguém
arrancava a poltrona embaixo dele. A tela de imagem que se encontrava bem em cima de
sua cabeça arrebentou com um estalo seco. Os cacos choveram sobre Zachery. Por um
instante viu seu rosto desfigurado pelo medo refletido no revestimento brilhante. Quando
voltou a cair no assento, viu que Redhorse parecia grudado na poltrona.
O coronel apontou para os instrumentos.
— Está falhando tudo — disse. O abalo foi muito forte.
Zachery enfiou a mão no bolso e tirou o relógio antigo. Pendurou-o nos controles,
bem à frente de Redhorse.
— Não adiantará nada — respondeu Redhorse com um sorriso.
— É claro que não, senhor. Mas é bom a gente saber que ainda existe uma coisa
que funciona.
— Hmm — fez Redhorse.
— Estamos nos aproximando da plataforma, senhor! — disse uma voz dos fundos.
Já estavam tão perto do objeto gigantesco que Zachery não compreendeu que
ainda não tivessem aberto fogo. Será que a plataforma não possuía armas? Zachery tinha
suas dúvidas.
— Vou ver se consigo pousar na plataforma — disse Redhorse de repente. — É a
única chance que ainda temos.
Naquele momento Zachery estava disposto a pousar até mesmo no inferno. Não
tinha nada a perder. As naves que os perseguiam estavam cada vez mais próximas.
Redhorse fez a nave auxiliar seguir em direção à plataforma, mas parecia haver um
problema com a direção. Redhorse mal conseguia manter-se na rota.
— Fogo na sala de artilharia! — gritou uma voz estridente.
— Fiquem sentados! — ordenou Redhorse. — Preciso frear. Por alguns instantes
seremos um excelente alvo.
— Formidável! — exclamou Spinoza em tom de júbilo. — Terei oportunidade de
colher inúmeras impressões.
A velocidade do jato diminui de repente.
— O incêndio propaga-se bem depressa, coronel — exclamou o sargento Velarde.
— O equipamento de combate ao fogo não funciona.
— Não se preocupe com isso! — ordenou o comandante da Black Hills.
Zachery não tirava os olhos das mãos do coronel. Pareciam dois objetos que agiam
independentes do resto do corpo. Deslizavam velozmente pelos controles sem de
demonstrar o menor nervosismo.
— Vamos pousar — disse Redhorse.
De repente o disco foi envolto num raio. Zachery recuou e fechou os olhos. Um
pressão tremenda comprimiu-o de encontro à poltrona. Houve o barulho de uma explosão
vinda da parte inferior do jato espacial. Zachery teve a impressão de que a nave se
movimentava para baixo numa velocidade alucinante. O estômago subiu. Uma lufada de
ar quente passou por cima do tenente. Zachery fez um esforço e abriu os olhos. Tudo
parecia girar em torno dele.
— Colocar trajes de proteção! Fechar capacetes! — disse a voz.
“É Redhorse!”, pensou Zachery, estupefato. Apalpou com as mãos, ate sentir o
arredondado do capacete. Colocou-o em cima da cabeça e ouviu o engate fechando.
Sentiu a falta de ar. Ligou o dispositivo de oxigenação.
A pressão que sentia no corpo desapareceu de repente. Zachery ia respirando
aliviado, quando houve um tremendo abalo, que o arrancou da poltrona e o arremessou de
encontro aos controles. Alguma coisa cedeu embaixo dele. Viu uma figura magra vindo
em sua direção, cambaleante. As luzes de emergência tremeram. O astronauta que
estivera sentado à direita de Redhorse tinha morrido. Quebrara a nuca. Estava pendurado
molemente por cima da braçadeira de sua poltrona.
— Acabamos de pousar — disse Redhorse neste instante.
“É muito presunção dizer que isto foi um pouso”, pensou Zachery, zangado. Em
seguida perdeu os sentidos.
3

O desmaio não durou muito. Quando recuperou os sentidos, Zachery estava sendo
apoiado por Spinoza e por um técnico magro chamado Lujan. Encontravam-se a uns dez
metros dos destroços do jato espacial. Don Redhorse, que se encontrava mais perto do
jato destruído, olhava fixamente para os escombros que tinham sobrado da nave-disco.
A plataforma ainda se encontrava no interior do sistema Rois. Relativamente à
posição dos observadores, o sol vermelho-amarelado encontrava-se pouco acima da
plataforma, lançando sombras alongadas dos homens e dos robôs. O quarto homem que
tinha sobrevivido à queda era o sargento Cafana Velarde. Zachery livrou-se dos dois seres
que o ajudavam e viu o astronauta de baixa estatura poucos metros atrás dele.
Quando nos viram descer na plataforma, as naves que nos perseguiam se
afastavam — disse Velarde, aliviado. — Não sei por que fizeram isso, mas o fato é que
por enquanto não estamos em perigo.
Spinoza caminhou todo empertigado em direção à nave destroçada. Era estranho
ver o robô parecido com um homem fica de pé na plataforma sem traje de proteção.
— Desta vez colhi mais experiências que na queda da Black Hills — informou o
robô experimental. — É bem verdade que já tenho minha dúvidas de que algum dia
voltemos para à Terra. Neste caso os testes que fiz não valeriam nada.
Redhorse entregou ao robô alguns equipamentos que conseguiu retirar do jato
destroçado.
— Há três mortos lá dentro — disse com a voz apagada. — Morreram na queda —
apesar do traje de proteção, Zachery viu o coronel sacudir a cabeça. — Fiz o possível
para realizar um pouso mais ou menos suave, mas o tiro que nos atingiu durante a
frenagem deixou a nave praticamente fora de controle.
O jato espacial estava pousado mais ou menos no terço posterior da plataforma,
mas Zachery teve a impressão de que a superfície enorme subia de todos os lados.
— Se não estou muito enganado, a superfície desta plataforma é de aço terconite
observou Spinoza. — Ou então de uma liga muito parecida com este material.
— Não acredito em fantasmas — disse o sargento Velarde. — Mas é estranho que
as naves inimigas dêem a impressão de terem saído de um estaleiro terrano. E o material
que pisamos poderia perfeitamente ter sido fabricado na Terra.
Zachery sabia que não valia a pena quebrar a cabeça com estes problemas.
Precisavam aceitar os fatos e fazer o que estivesse ao seu alcance para manter-se vivos.
Redhorse examinou o instrumento versátil que retirara dos destroços.
— Existe outra circunstancia estranha — disse. — Não sei se já notaram.
— A gravitação desta plataforma — respondeu Lujan, que parecia ser um homem
muito calado. Zachery vira este astronauta muita vezes a bordo da Black Hills, mas nunca
falara com ele.
Lujan era um homem de estatura mediana, que devia ter seus trinta anos. A
maneira distinta de exprimir-se levava Parral a acreditar que o técnico freqüentara uma
escola particular, e só entrara na Frota Solar mais tarde. Perguntou a si mesmo por que
um homem culto como Lujan resolvera trabalhar como técnico numa espaçonave.
— Isso mesmo — disse Redhorse em meio às reflexões de Zachery. — A
gravitação na superfície deste estranho objeto voador é exatamente de um gravo. Sem
dúvida é uma gravitação artificial. Quem sabe se os seres que criaram isto não se parecem
conosco sob todos os aspectos?
Sem querer, Zachery voltou a refletir sobre os seres misteriosos que tinham
construído a estranha nave-mãe em cuja superfície se encontravam. Por que ainda não
tinham descoberto nenhum sinal deste povo? Nenhuma raça de astronautas seria capaz de
criar repentinamente um poder tão formidável. A criação de uma espaço nave deste porte
exigia várias décadas.
— É possível que no interior da plataforma exista uma atmosfera respirável —
disse Velarde em tom esperançoso. — Acho que devemos procurar uma entrada.
— E a tripulação? — objetou Zachery. — Certamente já notaram nossa presença e
estão nos observando.
— É isso mesmo — disse Redhorse. — disse Redhorse. — Temos de contar com
um ataque dos tripulantes da plataforma. Se não formos mortos, seremos presos.
— De qualquer maneira travaremos conhecimento com os seres que construíram
esse objeto estranho — disse Spinoza. — Há vários testes interessantes pela frente.
Zachery não tinha muita certeza de que realmente teriam um encontro com os
donos do objeto voador. Quando se encontravam no jato espacial, tinham sido
impiedosamente caçados. Mas depois de caírem na superfície da plataforma, os seres que
os perseguiam não se interessaram mais por eles. Havia uma contradição em seu
comportamento. Zachery não conseguia compreendê-lo.
De repente viu uma abertura se formando na superfície da plataforma, a cinqüenta
metros decúbito dorsal lugar em que se encontravam. Uma entrada de dez metros
quadrados surgiu de repente.
— Olhe, senhor! — gritou o sargento Velarde, que também observara o fenômeno.
— Se não tiver nenhuma objeção, darei uma olhada de perto — ofereceu Spinoza,
solícito.
— Ninguém sairá daqui! — disse Redhorse em tom energético. — Vamos
aguardar os acontecimentos.
Zachery viu um botão metálico surgindo da abertura que acabara de formar-se. Em
seguida apareceram vários robôs.
— Não é possível! — gemeu Velarde, incrédulo. — São robôs de combate
terranos.
— São parecidos com robôs de combate terranos — corrigiu Redhorse, calmo.
— Há alguém copiando nossas naves e nosso robôs — afirmou Lujan.
Copiando! Os pensamentos atropelavam-se na cabeça de Zachery. Por que alguém
se haveria de dar ao trabalho de produzir estas cópias? O tenente já não acreditava que
fosse apenas um acaso. A semelhança das espaçonaves ainda poderia ser uma
coincidência, mas com os robôs as coisas eram bem diferentes. Nesta área as
possibilidades de conformação eram tantas que não se podia conceber que dois povos
estelares diferentes tivessem criado modelos idênticos. Era uma semelhança intencional,
criado não se sabia por quê.
Parral teve um calafrio ao pensar que os desconhecidos deviam ter um
conhecimento detalhado dos métodos de produção terranos, senão não seriam capazes de
criar essas cópias.
Os robôs se encontravam mais perto. Não pareciam dispostos a entrar em combate.
Mantinham os braços armados abaixados. Zachery fez a contagem e viu que ram cerca de
trinta robôs.
Em seguida aconteceu uma coisa que fez com que Zachery duvidasse da sua
própria sanidade mental. O chefe dos robôs fez uma mesura e começou a falar num
intercosmo impecável.
— Meus comprimentos, grandes amigos!
Os quatro terranos ficaram estarrecidos. Nenhum deles conseguiu dar uma
resposta. Somente Spinoza, que parecia bastante decepcionado com a atitude dos robôs
desconhecidos, soltou uma observação inconveniente.
— Pensei que fossem atacar-nos — disse. — As condições de teste são ideais.
Redhorse agarrou o robô pelos ombros e puxo-o para trás. Passou a dirigir-se ao
comitê de recepção.
— Diante de amável cumprimento, certamente seremos levados à presença dos
donos desta nave-mãe. — conjeturou.
O porta-voz dos robôs parecia perplexo diante da resposta. Passou a discutir em
voz baixa com os companheiros.
— Esta plataforma pertence a vocês, grandes amigos — disse depois de algum
tempo. — Acompanhem-nos para seu interior.
Redhorse olhou para os companheiros como quem não sabe o que fazer. Zachery
deu de ombros. A situação parecia cada vez mais confusa. Tinha sido atacados por naves
que deviam pertencer a esta plataforma. Os destroços da Black Hills estava amontoado na
superfície de Rubin. Só restavam quatro de seus tripulantes.
E estavam sendo recebidos como amigos!
— Acho que devemos ter cuidado, senhor! Advertiu o sargento Velarde. — Parece
que querem atrair-nos para dentro da plataforma, onde não nos dispensarão um
tratamento tão delicado.
— Isso não teria lógica — objetou o cheiene. — Se quisessem matar-nos, bastaria
dar ordem para que os robôs se encarregassem disso. Não teríamos a menor chance.
— Quem poderia querer matar-nos?
— Pois é isso — observou Redhorse. — Estamos cercados de mistérios. A
resposta às nossas perguntas só pode ser encontrada no interior da plataforma. Acho que
devemos acompanhar os robôs.
Os robôs de combate, que tinham mantido em silêncio, numa atitude de
expectativa, receberam a decisão de Redhorse com gritos de júbilo. Antes que pudesse
esboçar qualquer reação, Zachery viu-se agarrado por duas máquinas e colocado nos
ombros de uma delas. Seus companheiros receberam a mesma honraria. Mas Spinoza
teve de acompanhá-los a pé.
Os robôs carregavam pequenos radiofones. Eram exatamente iguais aos modelos
usados na frota. Enquanto era balançado nos ombros do robô, Zachery pensou as coisas
mais loucas. Lembrou-se da velha teoria da coexistência de vários mundos de
probabilidade, separados pelas dimensões. Teria havido um deslocamento das dimensões,
fazendo com que no momento existissem duas Frotas Solares, entre as quais havia poucas
diferenças?
— Bobagem!
Sem querer, falara em voz alta. Ficou aliviado ao perceber quem ninguém o
ouvira. Devia haver uma explicação razoável para tudo isso. Zachery teve a impressão de
que a explicação era bem simples, e por isso mesmo difícil de encontrar.
Por enquanto não tinha alternativa. Era obrigado a aceitar a existência de naves,
robôs e aparelhos de rádio que davam a impressão de terem sido fabricados na Terra.
Atingiram a abertura que se formava na plataforma. Zachery teve a impressão de
encontrar-se diante do poço do elevador antigravitacional de uma nave terra. Alguns
holofotes potentes iluminavam a câmara da eclusa.
— O poço desempenha as funções de eclusa. — observou Velarde. — Quem sabe
no interior da plataforma não existe uma atmosfera respirável?
Os robôs que carregavam o Tenente Parral colocaram-no no chão. Os robôs
saltaram para dentro da câmara e desceram a parede interna.
— Sigam-nos, grandes amigos! — pediram.
— Não nos forçam a fazer nada — constatou Redhorse, espantado. — Parece que
querem nos tratar como hóspede que são bem-vindos. Parral estreitou os olhos. Estava
refletindo. Por que os tinham atacado obstinadamente até o momento da queda, para
depois dispensar-lhes uma recepção tão amável? Será que o inimigo se divertia brincando
com eles?
Os robôs de combate que se encontravam na eclusa esperaram que os quatro e
Spinoza os seguissem. Faziam gestos e viviam repetindo o convite amável.
— O que estamos esperando, senhor? — perguntou o sargento Velarde. — Na
superfície desta plataforma não temos a menor possibilidade de sobrevivência. Quem
sabe lá dentro não encontramos um hiper-rádio que possamos usar?
Zachery teve a impressão que as esperanças de Velarde eram exageradas, mas
também se sentia impaciente para abandonar a superfície da nave-mãe.
Redhorse aproximou-se do poço do elevador.
— Aonde pretendem levar-nos? — gritou para os robôs.
— Cabem a vocês escolher a direção que querem tomar, grandes amigos —
respondeu um dos robôs de combate. — Levá-los-emos ao lugar que desejarem.
— Acho que deveríamos fica aqui, senhor — sugeriu Spinoza. — Parece que lá
embaixo não é nem um pouco perigoso. Como poderei prosseguir nos testes se for para
lá?
Velarde pegou a arma energética e apontou-a para Spinoza.
— Ele está nos incomodando, coronel — disse em tom de ameaça.
— Peço-lhe que tente atingir o lado esquerdo do meu peito — pediu Spinoza ao
sargento. — Estou interessado em saber como se comportará a fixação da placa central do
meu peito diante de um tiro energético.
Velarde gemeu e voltou a guardar a arma.
— Acompanharemos os robôs de combate — decidiu Redhorse. — Estou curioso
para saber o que encontraremos no interior da plataforma.
O coronel saltou para dentro do poço e foi recebido com demonstrações de alegria
dos robôs. Zachery olhou para o sargento Velarde, que fez um gesto animado e seguiu o
exemplo de Redhorse.
— Venha, tenente! — gritou o coronel.
Zachery viu que Lujan e Spinoza também tinham entrado na câmara da eclusa.
Perguntou a si mesmo por que de repente tinha medo de acompanhá-los. Olhou mais uma
vez para o sol e saltou. Quase no mesmo instante a parede externa da eclusa fechou-se em
cima de sua cabeça.
“A armadilha acaba de fechar-se!”, pensou nervoso.
A parede interna escorregou para o lado, e os homens seguiram os robôs de
combate, voando para dentro da plataforma. Zachery via plataforma em toda a parte.
Terminavam nos pavimentos interiores. Portas gigantescas fechavam a visão para dentro
das salas e corredores.
— Pensei que já pudéssemos tirar os capacetes — desse Redhorse, enquanto
levantava o instrumento versátil. — Parece que aqui não existe uma atmosfera respirável.
Zachery engoliu em seco. Dependiam de suas próprias reservas de oxigênio, que
no máximo dariam para mais algumas horas.
— O poço antigravitacional está hermeticamente fechado, senhor — desse Lujan.
— É perfeitamente possível que existam recintos nos quais se encontre uma atmosfera
respirável.
Zachery fez votos de que o técnico tivesse razão. Sua mente deixou de ocupar-se
com o problema do oxigênio no momento em que os robôs de combate foram parar numa
plataforma. Zachery olhou em volta. Os objetos que viu pareciam ter saído da fábrica
naquele instante. Não se viam sinais de uso nem estragos.
O poço do elevador antigravitacional era quadrado e tinha cerca de cinqüenta
metros de diâmetro. O tamanho levou Zachery à conclusão de que também era usado no
transporte de cargas. Se necessário, até se poderia fazer passar barcos espaciais por ele.
A plataforma sobre a qual foi parar o jovem tenente era em forma de semicírculo,
cuja extremidade avançava cerca de dez metros para dentro do poço do elevador. Zachery
era de opinião que devia haver um dispositivo hidráulico por meio do qual se podia fazer
avançar a plataforma ainda mais. As hastes telescópicas que se viam de ambos os lados
da plataforma pareciam confirmar esta suposição.
— Entramos cerca de cinco mil metros na plataforma — informou Redhorse. —
Parece que já estamos perto de onde queremos ir.
— Os grandes amigos devem estar com fome e certamente querem respirar ar puro
— disse um dos robôs de combate. Se permitirem, iremos levá-los a um alojamento mais
agradável.
— A proposta não deixa de ser tentadora. — disse o sargento Velarde.
O grupo atravessou outra câmara parecida com uma eclusa e entrou num corredor
amplo. As coisas que Zachery viu eram parecidas com os objetos encontrados a bordo de
uma espaçonave terrana. Mas eram maiores.
Lujan, que caminhava a seu lado, apontou algumas caixas baixas instaladas nas
paredes dos corredores.
— São conversores de energia — disse o técnico. — Seria capaz de jurar que
foram construídos na Terra.
O tenente surpreendeu-se com a repentina loquacidade do técnico, que era um
homem calado.
— Tem certeza? — perguntou.
— Certeza absoluta — respondeu Lujan. — É claro que seria necessário retirar o
revestimento de um dos conversores para saber o que há embaixo dele.
Redhorse parou.
— Por que não tira? — perguntou. Os robôs disseram que podemos tomar posse
de tudo que se encontra aqui. Estou curioso para ver sua reação quando desmontarmos
um destes conversores.
— Talvez haja uma guerra — observou Spinoza em tom esperançoso.
Lujan, que parecia satisfeito por ter alguma ocupação, caminhou rapidamente em
direção a um dos conversores. Fez um ligeiro exame do aparelho. Os robôs de combate
cercaram Spinoza e os quatro homens, mas não interferiram em nada.
— Olhem coronel — pediu Lujan. — O sistema de fixação do revestimento é
idêntico ao de nossas naves — São simples encaixes e fechos magnéticos — acrescentou.
Lujan fez apenas alguns movimentos ligeiros para retirar o revestimento. Zachery
olhou para as espulas do conversor. Lujan afastou alguns cabos e retirou um bastão que se
encontrava embaixo das espulas.
— É a alma do conversor — disse. — Trata-se do equalizador, sem o qual o
aparelho não funciona.
O técnico levantou um dos joelhos e empurrou o bastão repentinamente de
encontro a ele. A estrutura cristalina partiu-se em vários pedaços. Lujan atirou-os no
chão.
— Os robôs não interferiram — disse, espantado.
— Vamos andando — decidiu Redhorse. — Não podemos ir quebrando os
conversores, somente para descobrir até onde vai a paciência dos nossos acompanhantes.
Zachery não acreditava que a atitude passiva dos robôs fosse um sinal de lealdade
para com os terranos. O que significava um conversor em algumas centenas? Além disso,
o aparelho poderia ser retirado assim que eles se tivessem afastado.
A única coisa que Lujan conseguira provar com a desmontagem do conversor fora
que o aparelho realmente se parecia em todo os detalhes com os modelos terranos. Mas
de qualquer maneira ninguém duvidava disso, pensou Zachery.
O grupo atravessou uma pequena eclusa e entrou num corredor secundário. Os
homens ficaram aliviados ao notar que nesse corredor existia uma atmosfera respirável.
Redhorse deu uma batida em seu instrumento versátil e abriu o capacete do traje protetor.
Respirou profundamente por algum tempo. Zachery também fez menção de tirar o
capacete, mas Redhorse segurou o seu braço.
— Espere um pouco! — disse. — Não estamos em condições de fazer uma
análise. Meus pulmões terão que desempenhar as funções do laboratório. Se dentro de
dez minutos não tiver nenhuma reação adversa, todos poderão tirar os capacetes.
Na opinião de Parral, era uma precaução exagerada. Já fazia algumas horas que
usava o pesado traje proteção. Sentia-se inseguro num traje destes, com o capacete
fechado.
O tenente passou a interessar-se exclusivamente pelos robôs de combate, que
acabavam de abrir uma porta para uma sala ampla. Zachery piscou os olhos, confuso, ao
ver as instalações desta sala. Havia penumossofás modernos, poltronas de massagem,
mesas de jogo e um armário com uma tela embutida, para a exibição de filmes. As
espulas dos filmes estavam bem arrumadas numa prateleira. As cores dos objetos não
correspondiam ao gosto de Zachery, mas tinham sido escolhidas com muita criatividade.
A sala em que se encontravam poderia perfeitamente pertencer a um edifico do planeta
Terra. Nas paredes se viam quadros tridimensionais sobre temas astronáuticos.
Um dos robôs apertou um botão preto que ficava perto do armário. A parede
afastou-se, deixando à vista uma grande sala de banhos. As paredes eram de um material
parecido com âmbar.
Zachery Parral teve a impressão de estar diante de um confortável banheiro. Era
tudo impecavelmente limpo. Redhorse foi para perto do armário e passou a mão em uma
das portas.
— Imitação de madeira — informou. — Tenho a impressão de que é puralim.
O puralim era um plástico que na Terra era usado quase exclusivamente na
fabricação de móveis.
— O chuveiro nunca foi usado — disse. — Parece que é tudo novinho em folha.
— Podem tirar os capacetes — disse Redhorse. — Tenho certeza de que esta sala
foi especialmente instalada para um dia ser usada por terranos.
— Será que as salas não pertencem aos habitantes da plataforma? — perguntou
Zachery.
— Onde estão mesmo os donos da nave-mãe? Por que não aparecem? Acho que a
guarnição desta nave é formada especialmente por robôs.
Zachery quase não prestou atenção nas palavras. Finalmente conseguiu desprender
o capacete. Nunca levara tanto tempo para isso. “Minha mãos estão tremendo”, pensou,
admirado. E o ambiente em que se encontrava não tinha nada de estranho, nem parecia
perigoso. Mas talvez fosse justamente isto que o deixava tão nervoso.
Velarde atirou o capacete sobre a mesa e deixou-se cair numa poltrona, gemendo.
A cabeça fazia movimentos abruptos em cima da gola do traje de proteção. “Até parece
um velho lutador de boxe descansando entre dois assaltos e observando o público”,
pensou Zachery. O nariz largo de Velarde reforçava esta impressão. O sargento sorriu de
debochando quando notou que Zachery olhava para ele.
— Por que não fica sentado, tenente? — perguntou.
Zachery sacudiu a cabeça. Esfregou a nuca e olhava para Redhorse e Lujan, que
estavam examinando o armário e o banheiro.
Spinoza estava parado junto à entrada que nem uma estátua. Parecia ter perdido o
interesse pelos companheiros.
Um dos robôs de combate aproximou-se de Zachery. O tenente assumiu
instintivamente uma posição de defesa. O robô não mostrou nenhuma reação. Fez um
gesto amável.
— Nossos grandes amigos devem estar com fome. — disse.
Zachery encarou o robô.
— É claro que estamos — observou Velarde. — Pelo mãos de Deus, tenente! Peça
que tragam comida. Pode ser nossa última chance.
— Traga comida para nós — disse Zachery em tom solene, Velarde deu uma
risadinha, e o tenente sentiu-se como um idiota. Redhorse e Lujan não deram a menor
atenção aos robôs depois de terem entrado na sala.
O robô de combate saiu apressadamente.
— Estamos a sós — afirmou Velarde, satisfeito. — gostaria de sabe se estamos
trancados.
Lujan até a porta e abriu-a.
— Há alguns robôs no corredor — disse. — Não acredito que sejam guardas.
Podemos sair daqui quando quisermos.
“Existem vários tipos de prisão”, pensou Zachery, cansado. O que adiantava poder
andar livremente pela gigantesca plataforma? Não teriam possibilidade de fugir.
Zachery foi para a porta do banheiro e lançou um olhar ansioso para dentro.
Redhorse, que o observava, deu uma risadinha.
— Quer tomar um banho, tenente? — perguntou.
— Quero, sim senhor — respondeu Parral. A idéia de tirar o traje de proteção e
fica embaixo do chuveiro era bastante tentadora. Depois de ter tomado um banho ele, se
sentiria outro.
— Por que não vamos usar as instalações de que dispomos? — disse Redhorse.
Foi ao banheiro e abriu o registro. Zachery ouviu o ruído do chuveiro. Abriu o traje de
proteção e tirou-o.
Tomou um banho e voltou à sala, onde encontrou uma refeição quente. Havia
carnes de várias espécies em seu prato, além de um travessa com salada.
— Não nos deram alimento sintético — disse Redhorse enquanto limpava os
lábios. — Acho que agüentaremos algum tempo aqui.
Zachery sentiu água na boca. Pegou seu talher. Pegou seu talher e não se espantou
nem um pouco ao ver que correspondia exatamente ao que esperava. Enfiou o garfo num
pedaço de carne.
Neste instante um grito estridente saiu dos alto-falantes instalados em toda parte.
Zachery ficou estarrecido. Olhou para Velarde, que abanava a cabeça, contrariado,
como se alguém o tivesse enganado. Parecia que um ser humano acabara de soltar um
grito de angústia.
— Que foi isso? — perguntou Lujan, apavorado.
Antes que alguém pudesse dar uma resposta, os alto-falantes transmitiram uma
gargalhada louca.Em seguida ouviu-se um uivo que foi ficando cada vez mais fraco, até
transformar-se num choro.
Zachery largou o garfo e levantou de um salto. Pôs a mão na arma energética.
De onde vinha o barulho? Qual era sua causa?
— Coloque seu traje de proteção, tenente — disse Redhorse, calmo. — Parece que
por enquanto nós teremos de ficar sem banho.
A voz do coronel deixou Zachery mais calmo. Mas quando voltou a ouvir a risada
louca, estremeceu.
Spinoza, que ficara o tempo todo parado junto à entrada, voltou a movimentar-se.
Certamente esperava que dentro em breve teria a oportunidade de fazer mais um teste.
Redhorse saiu para o corredor.
— Não há nenhum robô por perto ao qual se possa perguntar de onde veio o
barulho — disse, decepcionado.
Zachery abaixou-se para levantar o garfo. Não seria capaz de comer o que quer
que fosse. De repente a plataforma se transformou em num ambiente nada aconchegante.
Era um lugar cheio de perigos e mistérios.
— O traje de proteção, tenente! — lembrou Redhorse.
Parral pegou seu traje. Os alto-falantes transmitiram um uivo animalesco. Zachery
nunca ouvira nada parecido, mas seria capaz de jurar que o uivo vinha de um ser humano.
4

As recordações eram acompanhadas por uma dor incessante.


A dor consistia em imagens mentais vagas, cada qual com seu próprio significado,
mas que em um conjunto não faziam sentido. Era como se estivessem jogadas no fundo
de um poço profundo, acompanhando um suceder dos dias e das noites, sem saber o que
se passava fora do poço.
O único sentimento que o acompanhava de uma imagem metal para outra era a
dor. Ela o envolvia que nem uma bolha. Uma bolha que respirava, que se encolhia e
comprimia seu corpo toda vez que aspirava ar. Quando o ar eras expelido, sentia-se livre
por um instante e raciocinava melhor.
Era trágico. Em suas lembranças esparsas não havia nenhuma recordação do
próprio corpo, embora naquele tempo a consciência de sua individualidade devesse ser
bastante acentuada.
Às vezes tinha sentimento vago do corpóreo. Quando isso acontecia, até ficava
sabendo que ele se movimentava. Mas a simples idéia fazia com que sentisse repugnância
por si mesmo. Não sabia absolutamente nada sobre o estado em que se encontrava
naquele momento.
Captava impulsos e transmitia-os. Só compreendia uma parte insignificante dos
impulsos recebidos. Muitas vezes recebia mensagens insistentes que não faziam sentido.
Existia dentro da bolha de dor, recebia transmitia.
Em sua maioria os impulsos que transmitia não mereciam nenhuma atenção. O
centro de comando positrônico não reagia a eles. Parecia um bloco instransponível, que
lhe vedava o acesso aos diversos setores da plataforma.
Muitas vezes a dor tornava-se tão forte que transmitia centenas de impulsos num
lapso de tempo muito curto. Quando isso acontecia, ficava furioso. Os impulsos eram
registrados e o sistema de alto-falantes sincronizados com o comando positrônico
transformavam-nos em sons.
Quando sofria um destes acessos, levava muito tempo para recuperar-se. Ficava
completamente apático.
Em torno dele eram feitas milhares de ligações num segundo. Já fora o centro
destas ligações, mas naquele momento praticamente não exercia nenhuma influência
sobre elas. O coordenador dera ordem para que o centro de comando positrônico deixasse
de tomar conhecimento de certo tipo de impulsos.
Parecia que ele já não estava em condições de transmitir impulsos diferentes.
Muitas vezes desejou de deixar de existir, embora não tivesse a menor idéia de
como poderia dar fim à sua misteriosa existência. Talvez bastasse parar de pensar. Mas
isso era impossível. Toda vez que a bolha se encolhia, as dores obrigavam-no a pensar.
Havia tantas formas de existência em sua memória que não se atreveu a comparar-
se com qualquer uma delas. Todos estas formas de existência eram corpóreas, e ele não
sabia se ainda existia corporeamente. O sentimento de dor parecia provar a existência de
um tipo de corpo. Mas não era possível que o consciente fosse capaz de experimentar o
sentimento de dor?
Suas recordações eram abstratas demais para que ele pudesse estabelecer ligações
com sua existência.
No fundo estava empenhado numa busca constante, à procura do próprio corpo.
Refletia sem parar sobre como seria ele.
Possuía uma idéia precisa do ambiente em que se encontrava. Se quisesse, poderia
observar toda a plataforma. As imagens-impulsos mostravam todos os detalhes da
gigantesca nave-mãe. Mas todas as visões que tinha do ambiente não podiam ser
combinadas com sua misteriosas existência.
Teve uma idéia vaga de que há muito tempo estava à espera de alguma coisa.
Lembrou-se de um sem-número de preparativos, que tinham chegado ao fim.
O que estava esperando?
Os cinco corpos que tinham penetrado na plataforma?
Um dos cinco desconhecidos era um robô. Havia milhares de robôs na plataforma.
Não teria nenhum motivo para esperar por essa forma de existência.
Os outros corpos eram mais interessantes. Em sua memória surgiam
constantemente seres que pareciam com os desconhecidos.
Desde o momento em que fora derrubada a espaçonave dos desconhecidos, recebia
constantemente impulsos. Não reagia a eles, porque não compreendia o sentido das
mensagens.
O centro de comando positrônico não mudara de atitude diante dele. Desde o
momento em que a espaçonave estranha caíra na plataforma, vivia irradiando impulsos.
Os comandos funcionavam perfeitamente, mas o centro de comando positrônico não
obedecia às suas instruções.
Resignou-se ao ver os cinco intrusos serem levados aos alojamentos pelos robôs de
combate.
A bolha aspirou o ar, comprimindo seu corpo. Imediatamente começou a irradiar
impulsos zangados, que foram prontamente convertidos em sons. Viu como que através
de um véu que estes sons deixavam confusos os desconhecidos. Continuou a gritar,
porque sua insegurança o divertia. Era o único meio de fazer notar sua presença. O centro
de comando não podia impedir a conversão dos impulsos de som.
Os astronautas desconhecidos faziam movimentos apressados. Cada movimento
mostrava que estes seres possuíam uma consciência nítida do próprio corpo. Todas as
reações correspondiam ao aspecto físico.
Como odiava esses seres!
Se por algum milagre voltasse a ficar de posse de um corpo parecido com o destes
seres, não saberia o que fazer com ele. O que adiantava ter um corpo, se não tinha plena
consciência dele?
Gritou seu ódio e desespero numa torrente de impulsos.
— Matem-nos! — transmitiu. — Matem-nos! Matem-nos!
Os impulsos atingiram o centro de comando positrônico e foram registrados por
ele.
Exausto, suspendeu as transmissões. Novas mensagens foram chegando. Quase
sempre vinham do coordenador. Fechou-se a estas mensagens, porque não pareciam fazer
sentido. Ultimamente o coordenador passara a entrar em contato diretamente com os
robôs da plataforma, que pareciam compreender o sentido dos impulsos.
A dor foi diminuindo.
Lembrou-se de uma grande área livre, cercada por estranhos edifícios. De repente
uma janela abriu em um dos edifícios. Cabeças sem olhos apareceram. As órbitas vazias
fitavam uma coisa que se encontrava na área livre.
— Vejam! — gritou uma voz estridente. — Ele não tem corpo.
Esta recordação voltava constantemente. Quem existia de uma forma estranha na
área livre era ele mesmo. Os seres que o olhavam pela janela viam-no, mas ele mesmo
não sabia como era.
“Será que as lembranças são reais?”, perguntou a si mesmo. “Ou trata-se de
sonhos provocados por alguma influência?”
A imagem mudou. Viu-se numa pequena sala. Na sala havia um ser ao qual tinha
que transmitir uma mensagem importante. Mas por mais que se esforçasse para ser
notado, o ser não se deu conta de sua presença. Impotente, existia em forma de uma
simples consciente, bem ao lado do estranho, mas não era capaz de estabelecer contato
com ele.
Estava cercado por inúmeros botões e chaves e perguntou a si mesmo se estes
seriam seu corpo. Um conjunto de relés! Era capaz de usar estes relés, da mesma forma
que outros fazem uso do próprio corpo.
Se não estava enganado, a ligação entre seu consciente e seu corpo era
inteiramente abstrata e não correspondia a qualquer modelo que ele conhecesse. Por isso
acreditava que era o centro de controle, mas que no fundo estes lhe eram estranhos, tal
qual os robôs que vagavam pela plataforma.
Se soubesse mais alguma coisa sobre a origem de sua existência, talvez pudesse
fazer uma idéia da própria individualidade. Mas até onde chegava sua lembrança sempre
existira em forma de dores recordações esparsas. Nestas condições era de admirar que
ainda possuísse uma noção de tempo. Conseguiu estabelecer uma distinção bem precisa
entre os acontecimentos mais remotos e os que acabavam de verificar-se. A maior ou
menor nitidez das recordações lhe mostrava se os acontecimentos eram mais ou menos
recentes. Desta forma subdividira suas recordações em inúmeras categorias temporais.
Quando surgia uma imagem mental, sabia imediatamente em que categoria incluí-la. Em
cada uma das categorias havia um sem número de recordações. Chegara a esperar que
isso lhe permitisse descobrir certas ligações entre os acontecimentos, mas a esperançara
não se concretizara. Geralmente as recordações incluídas em cada categoria temporal não
tinham nada em comum.
Não valia a pena dar uma designação a cada uma das categorias temporais, porque
muitas vezes tinha de introduzir uma terceira categoria entre duas categorias contíguas.
Isso acontecia quando uma recordação nova fica situada no tempo entre duas outras.
Às vezes ficava quieto por algum tempo. Quando isso acontecia, tinha idéias
absurdas. Perguntava a si mesmo se o mundo em que existia não era apenas uma ilusão,
ou um pesadelo sem fim.
Em algum tempo no passado suas relações com o mundo em que existia deviam
ter sido bem diferentes. Mas isso fazia tempo que não se lembrava de nenhum detalhe.
5

Finalmente os alto-falantes silenciaram. Para Zachery o silêncio era mais


agradável que o barulho que acabara de ouvir. Teve a impressão de que estava cercado
por um terrível vazio. Esforçou-se em vão para pôr em ordem os pensamentos e
concentrar-se em alguma coisa.
— Coloquem os capacetes! — ordenou Redhorse. — Temos de estar preparados
para qualquer eventualidade.
— Que acha disso, coronel? — perguntou Lujan.
— Não sei — confessou Redhorse. — Existem tantas explicações diferentes para
essa gritaria que não vale a pena quebrar a cabeça com isso.
— Talvez seja uma fita gravada — observou o sargento Velarde. — É possível que
não signifique nada.
Redhorse virou o rosto para Zachery.
— Qual é a sua opinião ,tenente?
Zachery esforçou-se para esboçar um sorriso.
— Talvez tenha sido uma forma de cumprimento — disse em tom de dúvida.
Viu Velarde sorrir debochado. Zachery percebeu que estava para entrar em crise
por causa da tensão nervosa constante. A sensação de impotência no interior da
gigantesca plataforma parecia exercer uma pressão física sobre ele. Lembrou-se dos
inúmeros testes psicológicos pelos quais tinha passado antes de pôr os pés numa
espaçonave.
Os psicólogos afirmavam que era corajoso e equilibrado.
Zachery engoliu em seco. Não se sentia corajoso nem equilibrado.
O medo de falhar quase chegava a ser mais forte que o lhe inspirava o perigo
desconhecido.
— Um cumprimento — repetiu Redhorse. — Por que não? É uma idéia válida
como qualquer outra.
Spinoza, que estivera parado no corredor, entrou agitando nervosamente os braços.
— Os robôs estão chegando! — exclamou. — Parece que desta vez suas intenções
não são nada amistosas.
Redhorse pôs a cabeça para fora, mas logo voltou a recolhê-la e fechou a porta.
— Desta vez é uma delegação maior — disse. — Estão com as armas apontadas
— olhou em volta. Procurem um lugar em que estejam protegidos.
Zachery lançou um olhar triste para a comida, que não poderia aproveitar.
Entesou-se e enfiou-se atrás de uma poltrona. Lujan acabara de desaparecer no banheiro.
Velarde estava deitado embaixo de uma mesa e sorria com um expressão zangada. O
coronel Redhorse recuara pra junto do armário.
Enquanto isso Spinoza ficou de pé junto á entrada, como quem espera alguém.
A porta deslizou para o lado, permitindo que se visse uma fileira de corpos
metálicos. Havia mais algumas dezenas de robôs acotovelando-se atrás da primeira
fileira. Os braços armados das máquinas automáticas apontavam para dentro da sala.
— Sejam bem-vindos! — exclamou Spinoza em tom amável. Em seguida
avançou, agarrou dois robôs pelos pescoços em espiral, levantou-os e fez suas cabeças
baterem ruidosamente uma na outra.
Depois disso desapareceu entre os robôs. Os atacantes cercaram o robô Whistler.
Levaram vários minutos para subjugar Spinoza.
Zachery olhou para trás da poltrona e viu o robô experimental ser transportado
num veículo baixo. Alguns fragmentos de bioplástico saíam do rosto de Spinoza.
— Assim que aparecerem na entrada, atiraremos — disse Redhorse.
Zachery levantou a arma energética e fez pontaria para a entrada. O alvo era
grande, e por isso não faria mal que tremesse bastante. De qualquer maneira acertaria
alguma coisa. Os robôs que estavam no corredor reuniram-se. Demoraram alguns
minutos antes de avançar de novo.
— Fogo! — gritou Redhorse.
Zachery apertou o gatilho. A porta desapareceu no meio das chamas e da fumaça.
Um robô atingido pelos tiros entrou cambaleante, dobrou o corpo e caiu sobre uma mesa
que não resistiu ao peso.
De repente Zachery ouviu o ruído de uma queda vindo de trás. Virou a cabeça. Viu
Lujan deitado na entrada do banheiro. Nada indicava que tivesse sido atingido.
— Estão atirando com armas narcotizantes! — gritou Redhorse. — Tenham
cuidado.
Quer dizer que os robôs não queriam matá-los, mas apenas pô-los fora de combate.
Lujan fora atingido por um raio narcotizante e estava jogado no chão, incapaz de fazer
qualquer movimento.
Os destroços de pelo menos dez robôs amontoaram-se na entrada da sala. Atrás
deles novas levas de atacantes tomavam posição. Zachery tentou descobrir um alvo. Toda
vez que via um movimento no corredor apertava o gatilho.
— Redhorse foi atingindo! — gritou Velarde.
Zachery arriscou-se a olhar para o lado. O coronel estava caído no chão junto ao
armário, completamente imóvel.
— E agora? — perguntou Zachery, apavorado.
— O importante é não perdemos nervos, tenente — respondeu Velarde em tom
tranqüilizador.
Parral viu o sargento rastejar para junto de Redhorse e sacudir seus ombros. O
coronel não mostrou nenhuma reação.
— Desmaiou — resmungou Velarde.
Zachery perguntou a si mesmo por que não capitulava, para pôr fim à luta. Depois
que Redhorse ficara inconsciente, ele tinha o direito de assumir o comando. Mas a única
coisa que fez foi ficar agachado atrás da poltrona, à espera das sugestões de Velarde.
— Continue onde está, tenente! — gritou o sargento. — Vou lançar uma
microbomba no corredor.
Antes que Zachery pudesse formular qualquer objeção, a bomba explodiu entre os
robôs. A pressão foi tamanha que o tenente se viu atirado ao chão. A poltrona caiu em
cima dele. Quando levantou a cabeça, viu restos de robôs em toda parte. A entrada estava
limpa.
Velarde cambaleava em direção à porta. Segurava a arma energética em uma das
mãos, enquanto a outra agarrava o antebraço de um robô como se fosse uma clava.
Zachery levantou. Queria ir atrás do sargento.
De repente viu Velarde balançar. Parecia que ainda havia robôs no corredor. O
braço de Velarde que segurava a arma fez alguns movimentos convulsivos. Finalmente
este caiu ao chão.
Zachery parou, indeciso. Não fez nada quando viu Cafana Velarde cair ao chão,
imóvel. Sentia-se desamparado. Como poderia enfrentar o inimigo sozinho?
Viu um movimento no corredor e atirou. De repente uma dezena de robôs correu
em sua direção. Atingiu um deles, mas de repente sentiu os braços pesados. Viu alguns
robôs se abaixarem para levantar Velarde. Carregaram-no.
Zachery já não tinha força nas pernas. Caiu “Não devo perder os sentidos”,
pensou. Concentrou-se nos robôs que se encontravam à sua frente. Lujan estava sendo
carregado. Suas pernas balançavam molemente, arrastando no chão.
Foi a última impressão que Zachery Parral colheu.
***
Aos poucos Zachery foi recuperando os sentidos. Estava deitado numa coisa dura.
A escuridão era completa.
O zumbido do seu equipamento de oxigênio deixou-o alarmado. Enquanto estivera
inconsciente, o aparelho se ligara para o cartucho de reserva. Quer dizer que ficara
inconsciente por várias horas.
Parral abriu o capacete e percebeu imediatamente que na sala em que se
encontrava existia uma atmosfera respirável. Desligou o equipamento de oxigênio e
apoiou-se nos cotovelos.
Ficou escutando por um instante. Parecia que não havia mais ninguém. Retirou o
farol que estava preso ao capacete e ligou-o. O feixe de luz atingiu uma superfície
metálica polida. Zachery fez o feixe caminhar, até atingir uma parede. Esta também era
completamente lisa e não fornecia nenhuma indicação sobre o setor da plataforma em que
se encontrava o tenente. Não demorou a descobrir que acordara numa sala quadrada
completamente vazia, que não era muito grande, mas que tinha mais de cinco metros de
altura. Havia dois alçapões no teto. A porta só podia ser reconhecida pelas junções. Não
havia maçanetas ou suportes visíveis.
Zachery pôs-se de pé. Ainda não ia muito bem das pernas. Era por causa da
paralisia de que acabara de recuperar-se. Perguntou a si mesmo onde poderiam estar
Redhorse e os outros homens. Teriam sido colocados em salas iguais a esta?
O tenente bateu nas paredes. Não houve resposta. Tentou várias vezes, mas não
conseguiu abrir a porta. Não possuía nenhuma arma, e assim não poderia queimar uma
passagem.
A única chance de escapar da prisão eram os dois alçapões no teto. Zachery olhou
para cima, meio desanimado.
Ligou o aparelho de vôo do seu traje de proteção e foi subindo lentamente. Os
alçapões tinham cerca de um metro de diâmetro. Se conseguisse abrir um deles, não teria
a menor dificuldade em escapar para a sala de cima.
E depois?
Uma ruga vertical apareceu na testa de Zachery. Para onde iria fugir mesmo? Não
seria possível ficar onde estava e aguardar os acontecimentos?
Cerrou os dentes. Não, decidiu. Precisava fazer alguma coisa. Tinha certeza de que
Redhorse agiria da mesma forma. Empurrou um dos alçapões. Com ambas as mãos, mas
este não cedeu. Zachery martelo-o com os punhos fechados, mas sem resultados.
Passou para o segundo alçapão. Tentou empurrá-lo em várias direções. Finalmente
cedeu alguns centímetros.
Zachery viu um pavilhão iluminado em cima dele. Algumas peças de armação
apareceram diante de seus olhos. O tenente empurrou o alçapão com as costas, apoiando
as mãos numa reentrância do teto. As travas rangeram e cederam mais um pedaço.
Zachery conseguiu enfiar os braços na fresta. Empurrou com toda força e conseguiu abrir
o alçapão o suficiente para fazer passar o tórax.
Ficou pendurado na abertura, imóvel. A parte superior do corpo encontrava-se num
gigantesco pavilhão Em toda parte viam-se armações e mastros. Era impossível ver o
tamanho do recinto em meio à confusão.
Zachery refletiu se valia fugir para lá. Se não tivesse muito cuidado poderia perde-
se irremediavelmente. Não possuía bastante experiência para voltar pelo mesmo caminho.
— O que está fazendo aí em cima, senhor? — perguntou uma voz conhecida vindo
de baixo.
Zachery deixou-se cair para trás. Spinoza estava de pé lá embaixo. Arrumara
precariamente o rosto, mas em alguns lugares via-se o brilho do metal polido entre o
bioplástico.
Quando viu o robô, Zachery sentiu-se muito mais aliviado. Teve vontade de
abraçar Spinoza, mas controlou-se e desceu devagar. Viu a porta retorcida jogada no chão
e compreendeu como Spinoza conseguira entrar.
— Nas últimas horas fiz uma série de testes muito interessantes — observou
Spinoza, envaidecido. Apalpou o rosto. — Como vê, nem sempre os resultados foram
satisfatórios.
— Onde estão os outros? — perguntou Zachery, sem dar atenção às palavras do
robô experimental.
Spinoza deu de ombros. Se não fosse o estalo das juntas mecânicas, até poderia ser
um gesto humano.
Zachery apontou para a entrada.
— Temos de procurá-los — disse.
— Sem dúvida, Tenente Tique-Taque — confirmou Spinoza. — Mas devo
ressaltar que a busca acarretará certos riscos para o senhor.
— Os robôs — respondeu Zachery em tom de desprezo. — Trataremos de não
cruzar com eles.
— Não precisamos temer os robôs. Temos de cuidar-nos com os habitantes desta
plataforma — retrucou Spinoza.
— O quê? — exclamou Zachery. — Que habitantes são estes?
— Não se esqueça que possuo um sensor infravermelho embutido. — explicou
Spinoza. — Captei impulsos térmicos tão numerosos que não podem ter vindo somente
do Coronel Redhorse e seus companheiros.
— Viu algum destes seres desconhecidos?
— Procurei não me encontrar com eles, Tenente Tique-Taque — respondeu
Spinoza. — Se forem parecidos com os humanos, não poderei atacá-los. Minha
programação não permite.
— Se continuar a chamar-me de Tenente Tique-Taque, provocarei um curto-
circuito em você — garantiu Zachery, zangado. Coçou a orelha esquerda atrofiada e fitou
Spinoza com uma expressão de ameaça.
— Só o pessoal da Whistler Company pode provocar um curto-circuito em mim —
observou Spinoza.
Zachery suspirou com uma expressão resignada e foi para a entrada. Sentiu-se
aliviado ao ver que o corredor, no qual reinava uma penumbra, estava abandonado.
— Vamos! — gritou para Spinoza. — A primeira coisa que temos de fazer é
encontrar o Coronel Redhorse.
O robô experimental, que apesar do peso elevado fazia movimentos rápidos e
silenciosos, veio para perto dele.
— Preste atenção, Spinoza — cochichou Zachery. — Se perceber que alguém se
aproxima, avise imediatamente. E trate de esquecer esses malditos testes.
— O que devo esquecer? — perguntou Spinoza, apavorado.
— Nada — respondeu Zachery, apressado. Precisava ter cuidado, senão os
comandos positrônicos hipersensíveis do robô poderiam entrar em pane, inutilizando a
máquina.
“Spinoza!”, pensou Zachery, estupefato. Por que foram escolher um nome destes
para o robô?
— Os desconhecidos estão espalhados nestas salas! — informou Spinoza. — A
qualquer momento podem sair para o corredor.
— Não fale tão alto! — disse Zachery em tom enérgico. — Faz questão de chamar
a tenção deles?
O tenente saiu para o corredor e olhou para todos os lados. Achava arriscado sair
andando por aí sem saber onde iriam parar. Tinha certeza de que os outros três
prisioneiros se encontravam perto dali. Zachery agarrou o braço de Spinoza e puxo-o de
volta para a pequena sala. Apontou para o teto.
— É possível que todos as salas deste andar tenham alçapões iguais a estes —
disse. — Para descobrir, temos de ir ao pavilhão que fica em cima de nós. Se o que penso
estiver certo, lá de cima poderemos controlar todas as salas que dão para este corredor.
Spinoza confirmou com um gesto.
— Está captando raios térmicos vindos lá de cima? — perguntou Parral.
— Não, Tenente Tique-Taque — respondeu Spinoza.
— Voe para lá — decidiu Zachery, contrariado. — Aumente a abertura no teto para
poder chegar ao pavilhão. Verifique se há robôs lá em cima.
Spinoza subiu no chão e dali a pouco estava suspenso embaixo do teto.
Esperneava. Fez um movimento rápido, afastando o alçapão. Ouviu-se um forte estalo.
Zachery prendeu a respiração. Esperava ouvir vozes e o ruído de passos, mas continuou
tudo em silêncio.
Voltou a olhar para cima. Spinoza estava parado em cima da abertura, com as
pernas afastadas, fazendo sinal para que ele subisse.
— Não há robôs, senhor! — gritou com toda força.
— Fale baixo, seu idiota! — retrucou Zachery. Em seguida ligou seu aparelho de
vôo e foi parar perto de Spinoza. O robô voltou a colocar o alçapão. Zachery sorriu. Se os
desconhecidos fossem buscá-lo, ficariam sem saber por onde tinha escapado. Como a
porta tinha sido arrancada, pensariam que tinha fugido pelo corredor.
Quem seriam mesmo os seres que viviam nesta parte da plataforma? Tinham sido
eles que mandaram os robôs que subjugaram os quatro homens? Era bem provável. Dali
não se devia concluir que havia dois grupos de robôs no interior da plataforma? Um
grupo era amigo dos terranos, enquanto o outro cumpria as ordens de seres
desconhecidos. Será que a plataforma fora construída pelos desconhecidos?
“Não adianta quebrar a cabeça”, pensou Zachery. Quanto mais demora na
gigantesca nave-mãe, mais confusas pareciam as coisas que o cercavam.
— Ali há outros alçapões, Tenente Tique-Taque — observou Spinoza, solícito,
apontando para uma pequena armação.
— Vamos olhar de perto — disse Zachery. Depois que Spinoza estava perto dele,
sentia-se mais confiante.
Passaram por um mastro. Spinoza parou e lançou um olhar ansioso para cima.
— É um mastro de guindaste — constatou. — Não acha que seria um bom teste a
gente saltar lá de cima?
“Ao cair no chão, Spinoza provocaria o efeito de uma bomba”, pensou Zachery.
“Provavelmente atravessaria o chão e iria parar numa sala do andar de baixo.”
Quando chegaram perto dos alçapões, o robô já esquecera sua obsessão.
— Há seres desconhecidos lá embaixo — disse a Zachery. — São oito ao todo.
Dois deles movimentam-se, mas os outros não.
Zachery pôr-se a refletir. Se abrisse um doa alçapões, certamente fariam barulho.
Não queria ser descoberto naquela altura. Mas a tentação era grande. Precisava saber
quem eram seus inimigos.
— Abra um alçapão! — disse a Spinoza.
O robô abaixou-se, mas Parral segurou-o.
— Um momento! — chiou. — Tente não fazer barulho. Não devemos chamar a
atenção deles.
O rosto de Spinoza desfigurou-se num sorriso ingênuo, desprendendo um pedaço
de bioplástico. Spinoza apressou-se em colar o material.
Segurou o alçapão metálico com ambas as mãos e levantou-o um pouco. O ruído
foi quase imperceptível. Zachery sentiu o coração bater mais depressa. Olhava ansioso
para a abertura que ia aumentando.
Neste instante Spinoza desequilibrou-se e tropeçou em cima da placa. Teve de
soltá-la. Houve um forte estrondo. Spinoza empertigou-se e baixou a cabeça.
A abertura no teto aumentara bastante, permitindo que Zachery visse parte da sala
que ficava embaixo.
Havia dois desconhecidos bem embaixo dele.
Zachery fitou-o estarrecido.
E eles o fitaram.
***
A sala parecia apertada demais para que Cafana Velarde pudesse dar seus passos
nervosos. O sargento caminhava de um lado para outro que nem uma fera enjaulada.
Parava de vez em quando, para praguejar.
Redhorse, que estava sentado no chão, ao lado de Lujan, olhava para o astronauta
e sorria.
— O senhor acaba derrubando uma dessas paredes, sargento — profetizou.
— É um moleque inexperiente — disse Velarde nervoso. — Eu sabia que ele nos
criaria problemas.
— A situação do Tenente Parral deve ser pior que a nossa — conjeturou Redhorse.
— O fato é que o senhor não gosta dele.
— O senhor está aqui, Lujan está aqui e eu também estou. Só o Tenente Parral não
está. Logo, deve ter feito alguma coisa que levou os robôs a levá-lo a outro lugar.
— Spinoza também na está aqui — disse Redhorse.
— Spinoza — resmungou Velarde. — Este robô maluco de qualquer maneira não
poderia ajudar-nos. Deve estar brigando com um dos guardas que cuidam de nós, para
testar o alcance dos braços. Quanto tempo ainda teremos de esperar até que apareça
alguém? — exclamou. — Será que nos prenderam aqui para deixar-nos morrer de fome?
Redhorse tirou um relógio antigo que trazia num bolso e olhou para ele.
— É o relógio de Parral! — disse Velarde, estupefato. — Onde achou?
— Ele me deu um pouco antes da queda do jato — informou Redhorse. — Se um
dia sairmos daqui, darei a ele como lembrança. Faz quase seis horas que nos tiraram do
nosso alojamento. Recuperamos os sentidos há uma hora.
— Deveríamos tentar uma fuga — disse Velarde.
Redhorse passou os olhos pela sala. Já pensara nisso. Mas como poderiam escapar
dali, se a única entrada da sala estava fechada? Não possuíam armas. Tinham tirado até
mesmo o instrumento de medição versátil de Redhorse. Ainda bem que havia ar puro em
sua prisão, pois as reservas de oxigênio de seus trajes de proteção já tinham sido gastas.
Devem ter um motivo para manter-se nos presos — disse Redhorse. — Se o
inimigo quisesse matar-nos, os robôs não teriam atirado com armas narcotizantes.
Querem fazer alguma coisa conosco.
— Enquanto esperamos aqui, o Tenente Tique-Taque deve estar fazendo das suas
— disse Velarde em tom apreensivo.
— Não fale assim de um oficial, sargento — respondeu Redhorse em tom enfático.
— É um sujeito inexperiente — disse Velarde. — Viu como estava nervoso,
senhor?
— O senhor também não está muito clamo. — observou Lujan.
Velarde lançou um olhar zangado para o técnico.
— Vai defender este criançola?
— Chega, sargento Velarde — disse Redhorse em tom áspero.
— Sinto muito, senhor! — respondeu o sargento e voltou a caminhar de um lado
para outro.
Redhorse não quis confessar, mas também estava preocupado com o Tenente
Parral. Para onde teria sido levado o jovem oficial? Por que justamente ele fora separado
do grupo?
Será que Parral tinha morrido em combate?
Redhorse fazia votos que não. Os robôs que os atacaram só tinham usado armas
narcotizantes. Mas o coronel ouvira falar que pessoas com problemas circulatórios podem
ser mortas por uma arma deste tipo.
Mas Zachery Parral era um astronauta, e como tal fora submetido a inúmeros
testes de saúde, antes que lhe fosse concedida a patente de oficial. Era quase impossível
que tivesse sido morto por uma arma narcotizante.
Alguém mexeu na porta, interrompendo as reflexões de Redhorse. O coronel
levantou. Velarde parou de repente e olhou para a porta.
— Está chegando alguém!
Foi uma observação supérflua de Lujan.
A porta deslizou para o lado.
Seis robôs de combate de armas levantadas entraram. Havia mais alguns guardas
postados no corredor. Redhorse sorriu. O inimigo devia considerá-los muito perigosos.
— Acompanhem-nos! — disse um dos robôs, fazendo um gesto com o braço
armado.
Redhorse quis sair andando, mas uma garra metálica segurou-o pelo braço.
— Pare! — gritou o robô. — Entrar em fila.
Lujan e Velarde colocaram-se ao lado de Redhorse, que levou um forte empurrão.
— Vamos! — comandou um dos robôs.
— Vamos ver se conseguimos pegá-los de surpresa — sussurrou Velarde ao
ouvido do cheiene.
— Calma, sargento — respondeu Redhorse em voz baixa. — Há mais alguns
guardas postados no corredor. A superioridade de forças é muito grande.
Os três terranos foram levados ao corredor. Depois tiveram de andar mais algumas
centenas de metros, até uma porta dupla que fechava a entrada de alguma sala.
— Parem! — ordenou um dos robôs.
Redhorse e seus companheiros obedeceram. A porta dupla escorregou para dentro
da parede.
Redhorse viu uma sala fortemente iluminada, que à primeira vista parecia ter certa
semelhança com a sala de comando de uma nave terrana de tamanho médio. À esquerda
da entrada viam-se várias telas, com controles e comandos instalados mais embaixo. Até
havia algumas poltronas que correspondiam às necessidades de um corpo humanóide. Em
cima das telas havia uma grande tela panorâmica. No centro da sala via-se um
observatório abobadado. Ao lado dela havia mesas-mapotecas e de navegação. Do lado
direito encontravam-se dois computadores positrônicos grandes. Redhorse viu um
equipamento de rádio, que fez seu coração bater depressa.
Os robôs empurravam os três homens para dentro da sala. A porta fechou-se atrás
deles.
— Esperem! — ordenou um dos robôs em tom lacônico.
— Será que é o centro de comando da plataforma? — perguntou Velarde.
— Não — respondeu Lujan em tom convicto. — Deve ser uma das muitas salas de
controle e comando que existem por aqui. A sala de comando da plataforma deve ser bem
maior. Acho que a nave-mãe foi dividida em várias seções. E cada seção deve possuir um
centro como este.
Foi um discurso comprido para um homem calado como Lujan.
Os robôs levaram os terranos para perto de algumas poltronas permitiram que
sentassem. Ultra-sonografia cinco robôs de armas apontadas ficaram postados atrás deles.
Redhorse viu um veículo de carga adaptado entrar por uma das numerosas
entradas. Criaturas estranhas estavam sentadas na plataforma do veículo.
Pareciam lagartas gigantes, com cerca de dois metros de comprimento e quarenta
centímetros de diâmetro. Seus corpos estavam cobertos por peles de cor indefinida. O
corpo terminava numa cabeça de foca com dois olhos gigantescos, uma boca larga um par
de orelhas atrofiadas. As criaturas locomoviam-se sobre seis pernas de aranha. Logo atrás
da cabeça dos desconhecidos havia dois braços que terminavam numa mão de seis dedos.
Havia sete criaturas deste tipo sobre o veículo. Redhorse, que já estava
acostumado a ver as mais estranhas formas de vida, ficou na expectativa. Teve suas
dúvidas de que os recém-chegados pertencessem à raça dos donos ou dos construtores da
plataforma. Mas devia haver uma ligação entre eles e o gigantesco objeto voador.
O veículo aproximou-se dos terranos. Os robôs afastaram-se prontamente para não
impedir a passagem. Redhorse concluiu que os robôs eram controlados pelos
desconhecidos.
O carro parou. Um dos seres estranhos ergueu a metade anterior do corpo de
lagarta. Ficou apoiado em quatro pernas, enquanto um par de pernas pendia inutilmente
junto ao corpo.
— Malditos ladrões de terra! — chiou o ser num intercosmo impecável. —
Pensaram que podiam ficar morando aqui?
Redhorse arregalou os olhos. Poderia esperar qualquer coisa, menos que estes
seres lhe dirigissem a palavra em intercosmo. O que significava sua fala?
O desconhecido continuou antes que Redhorse e seus companheiros pudessem
recuperar-se da surpresa.
— Não permitiremos que ninguém nos expulse daqui. Esta plataforma é nossa há
muitas gerações. Antes que vocês possam apoderar-se destas salas, nós os mataremos.
Redhorse e Velarde entreolharam-se com uma expressão de espanto.
— Não temos a intenção de ficarmos aqui — apressou-se Redhorse em garantir. —
Ficaremos muito felizes se pudermos sair desta plataforma.
— É mentira — disse a lagarta gigante. — Vocês será submetidos a um rigoroso
interrogatório. Logo saberemos por que resolveram vir para cá.
— Nossa nave foi derrubada — informou Redhorse. — Os destroços estão na
superfície da plataforma. Fomos levados para dentro da nave-mãe pelos robôs.
O porta-voz dos desconhecidos fez um sinal para os robôs.
— Amarrem-nos! — disse em tom estridente. — Não quero ouvir mais estas
mentiras.
Os três terranos tiveram de ficar quietos enquanto os robôs os amarravam às
poltronas. Redhorse sabia que seria inútil tentar resistir. Os desconhecidos estavam
irritados e não acreditavam nas explicações de Redhorse.
O coronel tinha certeza de que as lagartas gigantes não eram os proprietários da
plataforma. Mas deviam viver nela há muitas gerações e achavam que tudo aquilo lhes
pertencia. Para eles os terranos eram ladrões e intrusos.
Mas como se explicava que estes seres falassem o intercosmo?
Não havia nenhum explicação sensata.
— Já começo a acreditar em fantasmas — observou Velarde. — Estes caras falam
intercosmo. Falam tão bem que não podem ter aprendido há pouco. Até parece sua língua
materna.
— Temos de encontrar um jeito de fazer com que eles compreendam que não
queremos fazer-lhes mal, senhor — disse Lujan. — Acho que não são muito inteligentes,
mas o fato pé que controlam a parte da plataforma em que nos encontramos e sabem lidar
com os robôs.
Os terranos conversam em inglês, para que os desconhecidos não os entendessem.
Redhorse dirigiu-se novamente ao ser que parecia ser o chefe das lagartas. Voltou a falar
em intercosmo.
— Falamos a mesma língua — disse. — Tenho certeza de que poderemos ser
amigos.
— Amigos? — repetiu a lagarta gigante em tom de incredulidade. — Dois
companheiros seus escaparam da prisão e estão nos criando problemas graves. Um amigo
não faria isso. Vocês vieram para disputar a posse desta plataforma.
— O criançola e Spinoza — gemeu Velarde. — Bem que eu desconfiava de ele
nos criaria problemas.
— Parece que Parral está em liberdade — disse Redhorse. — O robô Whistler está
com ele.
Lujan tentou endireitar o corpo, apesar das amarras que não cediam.
— Como faremos para convencer estas criaturas de que nossas intenções não são
hostis? — perguntou.
Redhorse respirou profundamente. Sentiu que as amarras estavam afrouxando.
Prendera a respiração quando estava sendo amarrado. Tinha certeza de que, se necessário,
poderia liberta-se.
— Precisamos encontrar um jeito de comunicar-nos com o Tenente Tique-Taque
— disse Velarde, zangado. — Senão ainda acaba fazendo muitas bobagens.
— Acho que nossa situação não é tão ruim assim — disse Redhorse em tom
pensativo.
— O quê? — perguntou Velarde, franzindo a testa numa expressão de
incredulidade. — Dificilmente poderia ser pior. Estamos à mercê destes desconhecidos.
— Assim como poderemos ser bem-sucedidos — obstinou-se o coronel. —
Zachery Parral e Spinoza combatem as lagartas à sua maneira. Enquanto isso nós usamos
a melhor arma e a mais antiga.
— Arma? — Velarde revirou os olhos. — Que arma é essa, senhor?
— A diplomacia — respondeu Redhorse, calmo. — Com ela podemos enganar os
walkers, que parecem bem ingênuos.
— Quem são os walkers? — perguntou Velarde.
— É o nome que eu dei a estas lagartas — informou Redhorse. — Serio o primeiro
passo para o entendimento.
Velarde grunhiu em tom de desespero. “Estes caras só entendem a linguagem da
violência”, pensou. Mas o único terrano em condições de combater era um rapaz
inexperiente que colecionava relógios antigos.
O sargento Cafana fechou os olhos. Bem que advertira Redhorse para que não
confiasse em Parral, mas o coronel não quis ouvi-lo.
“Zachery Parral e Spinoza”, pensou Velarde, contrariado. “Que dupla!”
6

O fato de que os dois desconhecidos ficaram tão surpresos com o encontro quanto
ele ajudou Zachery Parral a recuperar-se logo do espanto. Abaixou-se e voltou a cobrir a
abertura com a chapa de metal.
— Parece que cometi um erro, senhor — disse Spinoza, sem demonstrar o menor
sentimento de culpa.
— Cometeu mesmo — concordou Zachery. Notou que falara em tom estridente, de
tão nervoso que estava. Era a primeira vez na vida que se via diante de membros de um
povo completamente desconhecido.
“Lagartas!”, pensou, apavorado. “Lagartas com pernas de aranha.”
Já sabiam que tinham escapado da prisão. Também sabiam onde se encontravam.
— Temos de dar um jeito de sair daqui — disse Spinoza.
— A fuga sempre é um sinal de fraqueza — filosofou Spinoza.
— Talvez seja — resmungou Zachery. — Mas não estou disposto a esperar que me
prendam de novo.
— Em que direção seguiremos? — perguntou o robô experimental. — Em minha
opinião o risco será sempre o mesmo, seja lá para onde formos.
Zachery olhou em volta. A confusão de mastros e armações parecia um excelente
esconderijo. Os robôs de combate levariam muito tempo para encontrá-los neste pavilhão
gigantesco.
O alçapão que Zachery voltara a colocar na abertura mexeu-se. Parral teve um
calafrio. Quem dera que Redhorse ou um de seus companheiros estivesse lá. Eles deviam
saber o que se podia fazer numa situação destas.
O alçapão voltou a movimentar-se, Spinoza ficou de pé em cima dele, com os
braços cruzados sobre o peito largo.
— Cobrirei sua retirada, senhor — disse. — Esconda-se entre as armações. Segui-
lo-ei imediatamente.
Zachery respondeu com um ligeiro aceno de cabeça e ligou o aparelho de vôo.
Subiu e voou para o centro do pavilhão. Spinoza ficou embaixo. Parecia muito satisfeito e
poder verificar os efeitos do peso de seu corpo num teste simples.
Zachery aproximou-se cuidadosamente das travessas superiores de uma armação e
segurou-se nelas. Passou entre algumas barras. Pelos seus cálculos devia estar cem
metros acima do chão. Só poderia ser descoberto por acaso. Procurou ficar numa posição
um pouco mais confortável, para observar Spinoza.
De repente teve de sorrir da situação em que se metera. Não era a grande aventura,
a oportunidade de auto afirmar-se que andara procurando?
Zachery teve de reconhecer que imaginara que o encontro com um poder estranho
fosse bem diferente. Desde o momento da queda da Black Hills sempre estivera fugindo,
salvo algumas pequenas interrupções. E como estava as coisas havia poucas chances de
passar de perseguido a perseguidor.
Teve a atenção despertada por Spinoza, que se afastara devagar do lugar e andava
de costas em direção a um mastro. Parecia que o robô estava vendo alguma coisa.
Zachery sabia que os seus olhos não chegavam perto do sistema de lentes do robô. Era
bem provável que Spinoza estivesse vendo alguma coisa que ficara fora do campo de
visão de Zachery.
O robô Whistler desprendeu-se do chão e foi subindo para a ponta do mastro.
Neste instante Zachery viu pelo menos vinte robôs de guerra se aproximando do outro
lado do pavilhão. Parecia que ainda não tinham descoberto Spinoza, pois avançavam em
frente ampla, revistando todos os lugares em que alguém pudesse estar escondido.
Spinoza estava grudado na ponta do mastro que nem um trapezista e parecia
ocupado com alguma coisa.O Tenente Parral fez sinais com a mão, mas o robô não lhe
deu atenção.
De repente Spinoza soltou um assobio estridente.
Foi o sinal que fez os robôs de guerra correrem em direção ao mastro, com os
braços armados ameaçadoramente apontados para cima. Zachery praguejou. Bem que
imaginara que Spinoza só lhe causaria problemas.
De repente o mastro em cuja ponta Spinoza estava agarrado começou a inclinar-se.
Voltou à posição inicial, mas tombou de novo, cada vez mais depressa. Zachery
acompanhou o espetáculo com o queixo caído.
O mastro bateu no chão, atingindo metade dos robôs de combate. Spinoza soltou o
mastro pouco antes que ele tocasse o chão e saiu voando em alta velocidade em direção a
um grupo de robôs, que pareciam confusos. Antes que pudesse abrir fogo contra ele,
foram atirados no chão. Spinoza fugiu para dentro das armações. Alguns tiros passaram
por cima dele.
Zachery não sabia se devia alegrar-se com a vitória de Spinoza. A derrota levaria o
inimigo a trazer reforços. E então nem mesmo o robô experimental seria capaz de resistir.
As chances de entrar em contato com Redhorse e os homens que estavam em sua
companhia pareciam mínimas. Se continuasse a fugir dos robôs, corria perigo de perder-
se em alguma parte da plataforma e não encontrar o caminho de volta. Além disso, não
sabia em que setores da plataforma existia uma atmosfera respirável.
Talvez tivesse cometido um erro fugindo da prisão.
Só havia um meio de encontrar os companheiros. Precisava entregar-se.
Zachery sacudiu a cabeça, contrariado. Ainda não acreditava que estivesse em
situação tão difícil que tivesse de desistir. Talvez conseguissem levar os inimigos a
negociar.
Parral viu o robô experimental voando em sua direção por entre as armações.
Spinoza pousou bem a seu lado. O peso do robô fez a armação balançar.
— Acho que aqui não estamos mais em segurança, senhor — disse Spinoza. —
Temos de sair daqui e procurar um esconderijo seguro.
— E Redhorse e os outros? — Zachery apontou para baixo. — Temos de encontrá-
los. Já tenho um plano. Enquanto você mantém ocupados os robôs, eu procuro os
companheiros.
Spinoza apontou com a cabeça para uma horda de robôs de combate que estavam
entrando no pavilhão. Eram pelos menos cinqüenta.
— Receio que sejam muitos, senhor — disse.
— Precisamos tentar — decidiu Zachery. — Atraia-os para o centro do pavilhão.
Enquanto isso darei uma olhada por aí.
O tenente viu que Spinoza ainda hesitava.
— Que houve? — perguntou. — Você parecia muito interessado em testar seu
corpo.
— Pois é — murmurou Spinoza. Ficou se encolhendo e não parecia disposto a
discutir seus problemas com Zachery.
— Diga logo! — exigiu Parral. — Que houve?
— Os testes com meu corpo foram concluídos, senhor — explicou Spinoza. —
Acho que o resultado é satisfatório. Mas só se saberá depois que tiver sido examinado na
Terra. Acabo de iniciar outra série de testes.
— Que testes são estes? — perguntou Zachery.
— Como sabe, querem que eu seja um robô perfeito — respondeu Spinoza como
quem pede desculpas. — Mas em matéria de cibernética a perfeição não pode ser
alcançada exclusivamente por meio da perfeição do corpo.
Zachery fitou Spinoza se nunca o tivesse visto. Imaginou o que viria em seguida,
mas resolveu fazer mais uma pergunta.
— Quer dizer que você acha que tem de testar sua perfeição também sob outro
aspecto?
Spinoza acenou fortemente com a cabeça.
— Vejo que compreendeu, senhor. A série de testes com meu corpo foi concluída
com a derrubada do mastro. Comecei a concentrar-me nos testes mentais.
-Ora veja! — disse Zachery, que viu confirmadas suas suposições. — Pelo menos
vê uma possibilidade de salvar-nos dos perseguidores com as forças do espírito?
— Estou colhendo dados sem parar — informou Spinoza. — Estes dados serão
processados para que eu possa chegar a uma conclusão lógica.
— Já chegou a uma conclusão quanto ao nosso problema? — perguntou Zachery.
— Não — respondeu Spinoza, mas acrescentou em tom consolador: — Mas
dentro de algumas horas deverei ter uma resposta à pergunta mais importante que nos
ocupa.
— Dentro de algumas horas! — exclamou Zachery. — Não posso esperar tanto
tempo. Você me decepcionou, Spinoza. Qualquer robô com um pouco de inteligência não
leva muito tempo para tomar uma decisão lógica através de seu cérebro positrônico. E
você, que quer ser um robô perfeito, leva algumas horas para resolver um problema.
— Receio que ainda não tenha compreendido minha tarefa — disse Spinoza. —
Minha interpretação não diz respeito somente ao aspecto técnico de um problema. Pela
primeira vez na história um robô deverá ocupar-se com os aspectos filosóficos de um
problema. Dessa forma não lhe fornecerei apenas a solução puramente lógica e
tecnicamente viável do problema, mas também uma apreciação filosófica que permitirá
certas conclusões sobre o problema global.
— Spinoza! — gemeu Zachery. — Então foi por isso que lhe deram esse nome.
— O senhor adivinhou — concordou o robô Whistler. — Peço que não me
perturbe mais. A investida constante de fatores desconexos perturba minhas meditações.
Zachery olhou para os robôs de combate que se aproximavam lá embaixo.
— Distraia os atacantes. Se necessário, entre em combate com eles — disse em
tom enérgico.
Uma fenda abriu-se na parte inferior do pescoço de Spinoza. Da fenda saiu uma
fita de plástico. Zachery segurou-a. Havia letras minúsculas impressas na fita.

Modelo: Whistler. Série: 345 cwk. Nome: Spinoza.


Ano de construção: 1435. O robô está sendo testado. Favor dirigir-se a outro
modelo.
***
Havia mais de trinta walkers reunidos na sala de comando. Discutiam em voz alta.
O barulho só era interrompido de vez em quando, quando entravam alguns robôs para
servir alimentos aos walkers.
Redhorse tinha certeza de que os walkers eram um povo degenerado, que fora
parar no interior da plataforma não se sabia por quê. Estes seres tinham conseguido há
várias gerações programar parte da guarnição de robôs da plataforma em seu benefício.
Um dos walkers aproximou-se dos três prisioneiros, caminhando sobre as pernas
de aranha. Os pêlos densos que cobriam a parte inferior do corpo arrastavam no chão.
— Ainda estamos discutindo o que será feito de vocês — disse.
— Nós também — respondeu Redhorse, calmo.
O ser dirigiu os olhos enormes para Redhorse, com uma expressão de quem não
tinha compreendido.
— Como? — perguntou o Walker. — Vocês não têm o direito de decidir sobre seu
próprio destino.
— Não temos mesmo — respondeu Redhorse. — Estamos discutindo o destino de
vocês.
O Walker afastou-se para transmitir a notícia surpreendente aos companheiros.
— O que espera conseguir com isso, coronel? — perguntou Velarde. — Não acha
que deveríamos ter uma conversa sensata com eles? Do jeito que estão as coisas, daqui a
dez horas ainda estarão discutindo.
— Não seja impaciente, sargento — disse Redhorse. — Os walkers ainda não
prenderam o Tenente Parral e Spinoza. Quer dizer que não são tão fortes como poderia
parecer. São preguiçosos e não parecem muito inteligentes. Se conseguirmos
impressioná-los, será mais fácil convencê-los a colaborar conosco.
Pela expressão do rosto do sargento via-se que não era da mesma opinião de
Redhorse.
Um walkers idoso entrou num veículo coberto de esteiras, seguindo na direção dos
três prisioneiros. Os habitantes da plataforma que se encontravam na sala de comando
ficaram em silêncio. Para espanto de Redhorse, o silêncio continuou mesmo depois que o
recém-chegado se levantou e fitou os terranos com uma expressão de evidente desagrado.
Finalmente, quando Redhorse já pensava que a contemplação silenciosa nunca
terminaria, o Walker idoso dirigiu-se aos companheiros.
— São estes indivíduos? — perguntou em tom arrogante.
— Sim, Burnett — apressaram-se alguns walkers a responder.
Burnett até parecia um nome terrano. Redhorse nem esperava que os walkers
usassem nomes diferentes.
Quando voltou a fitar os terranos, os olhos de Burnett lacrimejaram. Parecia
cansado e aborrecido. Dava a impressão de que fora interrompido num trabalho muito
importante para incomodar-se com a solução de um problema muito simples.
— Ouvi dizer que dois dos Deus amigos ainda se encontram em liberdade — disse
o velho Walker sem levantar a voz — Alguns dos nossos robôs foram destruídos nem
ataque traiçoeiros dos dois.
“Zachery e Spinoza andam bem ativos”, pensou Redhorse.
— Se não nos libertarem, haverá uma catástrofe — profetizou Redhorse.
Burnett passou a mão nos pêlos que desciam pelo peito. Parecia divertir-se com a
conversa. Mas o cheiene percebeu que estava refletindo. Burnett era um excelente ator.
Devia ser por isso que ocupava a posição de chefe.
“Raramente um povo é governado pelas pessoas mais capazes e inteligentes”,
pensou Redhorse. Os walkers não eram nenhuma exceção.
— Sou de mesma opinião — respondeu Burnett com a voz arranhando. Redhorse
compreendeu que depois da concordância viria a ameaça. — A catástrofe consistirá na
morte de um de seus amigos. — prosseguiu Burnett. Aproximou-se de Lujan e empurrou
sua cabeça para trás. — Este homem será morto, se seus amigos não se entregarem —
disse.
Lujan fungou. Mal conseguia respirar. Velarde praguejou e tentou
desesperadamente libertar-se das amarras.
Redhorse viu a vontade de matar nos olhos úmidos de Burnett. Não teve a menor
dúvida de que o Walker cumpriria sua promessa. Burnett não era muito inteligente, mas
parecia ter a noção do que era necessário. Além disso, possuía uma esperteza diabólica.
E não era só isto. Parecia que Burnett esperara há tempo uma oportunidade de
realçar sua posição de chefe. O walker idoso acabara de marcar os limites. Redhorse não
esperara que sua capacidade de negociar sofresse uma restrição tão drástica.
— Por que não fala? — perguntou Burnett em tom de expectativa.
— Tenho certeza de que meus amigos não cumprirão sua exigência de entregar-se
— respondeu Redhorse, sublinhando as palavras. — Sugiro que me dê uma oportunidade
de falar com eles.
— Não sei se não é um truque — disse o walker.
— Esta plataforma possui um sistema de intercomunicação — disse Redhorse. —
Sei disso porque ouvimos ruídos estranhos pelos alto-falantes. Nem precisa tirar minhas
amarras. Basta colocar-me perto do microfone.
Burnett parecia interessado.
— De vez em quando temos ouvido ruídos pelos intercomunicador — disse. —
Mas não sabemos qual é sua origem.
— Pensei que seu povo fosse o responsável pelo barulho — respondeu Redhorse,
perplexo.
Será que havia outra força na plataforma além dos walkers? Por que estes seres
que deviam residir ali várias gerações não sabiam absolutamente nada sobre a origem
daquelas gargalhadas loucas?
— Não nos preocupamos com o barulho — disse Burnett. — Um ruído não
representa nenhum perigo para nós.
“É verdade”, pensou o coronel. “Mas o ruído pode ser um sinal de perigo.”
Burnett fez sinal para que alguns robôs se aproximassem.
— Soltem este indivíduo alto! — ordenou. — Levem-no para perto do rádio. Mas
fiquem de olho nele.
— O rádio, senhor! — exclamou Lujan em inglês. — parece que os walkers não
conhecem a aparelhagem. Tente transmitir uma mensagem pelo hiper-rádio.
Burnett enfiou o corpo de dois metros entre Redhorse e o técnico.
— O que foi que ele disse? — perguntou, indignado.
— Sugeriu que não aceitasse sua oferta — respondeu Redhorse. — Prefere morrer
a ver seus amigos presos de novo.
Burnett virou abruptamente o rosto para Lujan.
— Tem vontade de morrer? — perguntou.
Lujan não respondeu. Três robôs soltaram as amarras que prendiam Redhorse e
atravessaram a sala, levando-o para junto do rádio. O cheiene perguntou-se, nervoso, se
seria possível concretizar a idéia de Lujan. As instalações da sala seguiam o modelo
terrano até os menores detalhes. Por isso Redhorse não teve a menor dúvida de que o
equipamento de rádio era igual ao que ele já conhecia.
Talvez tivesse uma chance de falar com Perry Rhodan ou o comandante de alguma
nave da Frota Solar.
Burnett foi atrás de Redhorse e dos três robôs.
Redhorse sentou com o rosto indiferente. Um walkers não caberia nessa poltrona,
que tinha sido construída para abrigar um corpo humanóide.
Redhorse passou os olhos pelos aparelhos. Encontrou todas as peças que faziam
parte do sofisticado equipamento de rádio. À direita de Redhorse o hiper-rádio formava
um bloco compacto, em torno do qual se viam várias telas de imagem.
O intercomunicador ficava no centro, enquanto o rádio comum tinha sido instalado
do lado esquerdo.
Redhorse virou-se imediatamente para o hiper-rádio. Se quisesse blefar Burnett,
teria de assumir riscos desde o início.
No momento em que suas mãos tocaram os botões, levou uma pancada na nuca
que por pouco não o atirou fora da poltrona.
— Não me venha com truques! — grasnou Burnett, furioso. — Se tentar enganar-
me mais uma vez, mandarei matar seu amigo.
Redhorse mordeu o lábio. Não deixou que ninguém percebesse sua dor e a raiva
que sentia de Burnett. Ligou o intercomunicador como se não tivesse acontecido nada.
— Tenente Parral! — gritou para dentro do microfone. — Espero que me ouça. O
senhor e Spinoza têm de entregar-se. Se continuar a lutar com os robôs, a vida de Lujan
corre perigo.
— Basta — decidiu Burnett e apertou o botão do microfone.
— Bem que deveria repetir o pedido mais algumas vezes — disse Redhorse. —
Não sei se fomos ouvidos.
— Logo saberemos — respondeu Burnett.
Os robôs agarraram Redhorse e o arrastaram antes que tivesse tempo de levantar-
se. Foi levado de volta à sua poltrona de forma pouco delicada e amarrado novamente.
Fazia votos de que o Tenente Parral tivesse recebido a mensagem. Restava saber qual
seria a reação do jovem oficial. Era bem possível que pensasse que era uma armadilha.
Redhorse gostaria que os walkers tivessem permitido que transmitisse uma
mensagem mais comprida. Mas Burnett estava desconfiado. Provavelmente receava que
Redhorse pudesse usar um código para dar ordens aos fugitivos.
Burnett deitou à frente dos três terranos e os ficou observando.
Don Redhorse resolvei tomar a iniciativa.
— Para onde está viajando a plataforma? — perguntou.
— Um momento — disse Burnett. — Daqui a pouco o senhor verá na tela que
seguimos em direção ao centro.
Redhorse olhou para a grande tela panorâmica, viu cinco plataformas que se
deslocavam na mesma direção ao centro.
— A quem pertence estas plataformas? — perguntou Redhorse.
— Não sabemos — confessou Burnett. — São doze ao todo, mas só podemos
viver em duas delas.
— Doze plataformas! — exclamou Lujan.
Se o número era correto, então existia um poder militar na galáxia que podia
representar um perigo para o Império Solar. Redhorse gostaria de conhecer outros
detalhes, mas Burnett resolveu ficar calado. Talvez não possuíssem maiores informações.
— Por que os walkers só vivem em duas destas plataformas? — perguntou
Redhorse.
— Não sei — respondeu Burnett. — As tradições vindas dos antigos nos advertem
para que não ponhamos os pés em outras plataformas. Só podemos viver nas seções três e
quatro.
Redhorse não teve a menor dúvida de que o walker estava dizendo a verdade. Mas
por que os walkers só podiam fixar-se em duas das doze plataformas? Qual era a
diferença entre as seções três e quatro e as outras plataformas?
— Há quanto tempo vocês vivem aqui? — perguntou o coronel a Burnett.
O chefe dos walkers baixou a cabeça redonda. Pôs-se a refletir.
— Há muito tempo — disse depois de algum tempo.
“Devem viver aqui há vários séculos”, acrescentou Redhorse em pensamento. Os
walkers pareciam levar uma vida bem agitada. No curso das gerações tinham esquecido
as circunstâncias em que haviam ocupado as duas plataformas. A origem dos walkers era
tão amistosa quanto a das naves-mãe.
Redhorse não tinha a menor dúvida de que devia haver uma ligação entre os
walkers e os gigantescos objetos voadores. Era possível que num passado remoto os
donos das plataformas os tivessem usado como guardas. Os seres que tinham
aprisionados Redhorse e seus companheiros eram os descendentes degenerados de um
povo que já fora altamente civilizado. Redhorse tinha certeza de que em outros tempos os
walkers controlavam todas as instalações da plataforma. No momento só possuíam uma
pseudociência que mal e mal era suficiente para mantê-los vivos. Tinham programado
parte dos robôs segundo seus objetivos e deixavam que estes os servissem.
Dentro de mais alguns séculos não haveria mais um único Walker a bordo das
seções três e quatro. Era uma raça condenada à extinção, porque aos poucos ia perdendo
a capacidade de iniciativa.
— Olhe para a tela, senhor! — disse a voz exaltada de Lujan em meio às reflexões
de Redhorse. O cheiene levantou os olhos. A tela mostrava a imagem de um corpo
monstruoso. Era muito maior que a plataforma. Era de formato semi-esférico e mantinha-
se imóvel no espaço.
— Que diabos é isso? — exclamou o sargento Velarde.
— É o centro de comando — respondeu Burnett, dirigindo-se a Redhorse. Preste
atenção para ver o que vai acontecer.
As plataformas que também apareciam na tela serviram de base de comparação.
Pelos cálculos de Redhorse, o objeto semi-esférico devia ter cerca de duzentos
quilômetros de diâmetro.
O coronel viu uma das plataformas aproximar-se do gigantesco objeto voador.
Parecia que a manobra já fora executada muitas vezes, pois a nave-mãe não demonstrou a
menor insegurança. A plataforma parou perto do objeto semi-esférico. Em seguida girou
em torno do próprio eixo e aproximou-se com a popa em cunha de uma reentrância bem
visível do objeto.
Redhorse compreendeu que a plataforma seria ancorada. Viu duas garras saíram do
centro de comando ligando-se por meio de dois suportes ao terço anterior da plataforma.
— É para lá que vamos — disse Burnett. — Nossa seção também atracará no
centro de comando.
Redhorse formou uma imagem das doze plataformas se juntando em torno do
objeto semi-esférico. Não se sentiu muito à vontade diante da perfeição técnica das
gigantescas instalações. Os seres que tinham criado estes objetos deviam ter agido com
um objetivo bem definido. Não se criava um mecanismo como este para praticar o
comércio.
O objeto semi-esférico com seus doze setores fora construído para ser usado em
batalhas espaciais. A forma e a disposição das seções eram o ideal para este fim.
Provavelmente o gigantesco centro de comando levava as naves-mãe aos campos de
batalha. Uma vez lá, as plataformas se desprendiam e saíam em alta velocidade em
direção às unidades inimigas. Seu tamanho bastava para espalhar o medo e a confusão.
Mas os maiores resultados seriam alcançados pelos grupos de ultracouraçados que
saíssem da plataforma.
— É uma máquina — murmurou Redhorse. — A máquina de guerra mais
formidável que esta galáxia já viu.
Neste momento Redhorse notou que a superfície do objeto semi-esférico não era
lisa. Apresentava inúmeras elevações em forma de verruga. Ficou apavorado ao dar-se
conta do que eram estas elevações metálicas. Trata-se de milhares de naves gigantes
ancoradas nos hangares externos.
O coronel já não se espantava com a derrota que a Frota Solar tinha sofrido no
sistema de Rois. Era necessário alertar Rhodan contra este inimigo superpoderoso. Se
estes objetos aparecessem no Sistema Solar poderia haver uma catastrófica batalha de
extermínio.
A plataforma em cujo interior se encontravam os terranos aproximara-se do objeto
semi-esférico, que enchia completamente a tela. Redhorse distinguiu uma reentrância de
cerca de quarenta quilômetros. De largura, na qual entraria a popa da nave-mãe.
Uma manobra como esta só poderia ser controlada por um centro de computação
positrônico de grande porte. Mas apesar disso a rapidez com que a plataforma foi
ancorada deixou o coronel espantado.
Redhorse, que por causa da espantosa semelhança das instalações com os modelos
terranos chegara a acreditar na existência de um estaleiro secreto em algum planeta
colonial, já não tinha a menor dúvida de que se encontrava diante de um poder
extraterrestre. Não se sabia por que o inimigo havia copiado os modelos terranos na
construção do gigantesco objeto.
— Estamos atracando — disse Burnett em tom estridente. Redhorse teve a
impressão de que havia uma ponta de orgulho em sua voz.
A plataforma sofreu um forte abalo, que lembrava um terremoto. A poltrona à qual
Redhorse tinha sido amarrado vibrou intensamente. Burnett disse alguma coisa, mas o
estrondo que a popa da nave-mãe causou ao entrar na reentrância abafou outros ruídos.
Parecia o grito de milhares de animais pré-históricos. O rangido das superfícies metálicas
que atritavam numa extensão de vários quilômetros atingiu todas as salas e corredores da
plataforma.
“Esta seção vai arrebentar”, pensou Redhorse de repente.
A tela só mostrava parte do objeto semi-esférico. A imagem tremia. Redhorse
olhou para os walkers. Os estranhos seres não pareciam nem um pouco nervoso. Para o
cheiene isto era prova de que a manobra de ancoragem sempre se realizava desta forma.
A plataforma sofre mais um solavanco. Depois ficou tudo em silêncio.
Redhorse, que prendera a respiração, inspirou com força. A seção em que se
encontrava estava ancorada, juntamente com outras onze na periferia do objeto semi-
esférico.
— Chegamos — disse Burnett, indiferente. — Já podemos cuidar de seus amigos.
— Não se precipite — disse Redhorse em tom insistente. — Pode acreditar que
não entramos nesta plataforma para disputar o espaço vital de seu povo — Redhorse
apontou para as telas. — Não se esqueça de que viemos em cinco. Acha mesmo que
seríamos tolos a ponto de querer derrotar os walkers com uma força tão pequena?
Pela primeira vez Burnett mostrou-se um pouco mais pacífico.
— É claro que vocês não representam nenhum perigo para nós — disse.
— Nossa nave encontra-se na superfície da plataforma — lembrou Redhorse. —
Foi reduzida a destroços. Fomos derrubados e os robôs trouxeram-nos para dentro da
plataforma. Como sabe, nem todos os robôs seguem as instruções dos walkers.
— É verdade — reconheceu Burnett. — Mas o fato é que estão aqui e não sei o
que fazer com vocês.
Redhorse entesou os músculos e rompeu as amarras que o prendiam. Os Walker
chiaram, nervosos. Redhorse sentiu o cano de uma arma encostado à nuca.
Abriu os braços.
— Liberte-nos, Burnett! — disse em tom firme. — Ajude-nos a abandonar esta
plataforma.
7

“A plataforma colidiu com alguma coisa!”, pensou Zachery, segurando-se


desesperadamente numa travessa da armação. Ficou espantado ao notar que nem os
abalos nem os ruídos fizeram com que os robôs de combate interrompessem as buscas.
Tinham-se espalhado e revistavam um aparelho após o outro.
Não demoraria a chegar ao lugar em que Zachery Parral e o robô Spinoza se
esforçavam para não perder o equilíbrio. Spinoza poderia soltar as estrutura metálica para
sair voando. Mas neste caso os robôs de combate o veriam imediatamente. Preferiu
esperar que os abalos terminassem.
Finalmente o barulho acabou e a plataforma ficou em repouso. Zachery respirou
aliviado. Lembrou-se da voz de Redhorse, que há pouco ouvira através de vários alto-
falantes. Será que o coronel fora obrigado a entrar em contato com ele? Ou Lujan estava
realmente em perigo? Se fosse um truque, Zachery não deveria entregar-se, porque dessa
forma estaria entregando seu último trunfo. Mas como poderia saber se Redhorse dissera
aquelas palavras voluntariamente ou se alguém o obrigara?
Spinoza não respondia a nenhuma pergunta. Parecia absorto em suas meditações e
já não representava nenhum auxílio para Zachery.
O tenente estava cansado e com fome. Aos poucos a idéia de que nunca mais
conseguiria escapar daquela plataforma foi tomando conta dele. A situação desesperadora
em que se encontrava paralisava sua capacidade de iniciativa.
Os robôs de combate tinham atingido uma fileira de travessas que ficava a apenas
cinqüenta metros do lugar em que Zachery estava escondido. Dentro de instantes
percorreriam a distância que os separaria da fileira seguinte e descobririam Zachery e o
robô.
— Não podemos ficar mais aqui — disse Parral, dirigindo-se a Spinoza. — Preste
atenção, bebê gigante. Acho bom você me acompanhar. Se continuar aqui, nossos
perseguidores logo o arrancarão dos seu lindos sonhos.
Spinoza continuou a olhar para a frente com uma expressão sonhadora. Zachery
deu de ombros e atravessou a estrutura da armação, até chegar à parte externa desta.
Mesmo sem olhar para baixo, sabia que fora visto pelos robôs.
Ligou seu equipamento de vôo para a potência máxima e voou junto às armações e
os mastros, em direção à parede mais próxima. Olhou para trás por um instante e viu que
Spinoza o seguia de perto.
Mais embaixo, algumas centenas de metros atrás deles, os robôs se reuniram.
Zachery lembrou-se da Black Hills, de Nibur, de Carruther e da queda do jato
espacial sobre a plataforma. Será que as catástrofes nunca terminariam para os últimos
sobreviventes?
Talvez morressem ali, sem que ninguém soubesse como tinha perecido. O rosto de
Zachery desfigurou-se numa expressão triste. Compreendeu que confiara demais em que
sempre haveria alguém por perto, que seria protegido por um conjunto de máquinas sem
igual.
Provavelmente todo os astronautas faziam a mesma experiência que ele, quando se
viam obrigados a lutar pela vida e tomar decisões importantes sem contar com qualquer
espécie de apoio.
— Existe um fator que não pode ser previsto — dissera um psicólogo durante um
curso na Academia Espacial. — Não existe nenhum teste que nos permita prever com
segurança como o senhor reagirá numa situação anormal.
Era claro que os psicólogos sabiam que certos traços do caráter influenciavam as
reações tomadas numa crise, mas nenhum ser humano se parecia bastante com o outro
para que se pudesse prever o comportamento de um grupo maior com base nas ações de
um protótipo.
Zachery compreendeu que desde o início da crise, ou seja, desde a queda da Black
Hills, estivera prestes a entrar num estado de pânico irracional. O risco fora maior no
momento em que tinha sido separado dos companheiros.
Mas já se acostumara a agir sozinho.
Teve de sorrir. Se um dia voltasse a subir a bordo de uma espaçonave terrana,
trataria os astronautas mais jovens com a mesma arrogância que o sargento Velarde
demonstrara perante ele. Neste ponto, reconheceu Zachery, o importante não era a idade e
Oficina Ortopédica posto, mas a experiência.
Zachery teve a impressão de que nas horas passadas fizera todas as experiências
possíveis. Talvez houvesse certas variantes, mas o que mudava era somente o ambiente
ou as pessoas.
Estas reflexões fizeram com que ele se sentisse mais calmo.
Quando atingiu a parede, viu a abertura de uma galeria logo embaixo dele. Não
sabia se era um poço antigravitacional. Não importava. Seu equipamento de vôo permitia
que fosse a qualquer lugar, desde que houvesse bastante liberdade de movimentos.
Spinoza voava ao seu lado sem dizer nada. Parecia que estava observando seus
perseguidores, que se aproximavam voando entre duas armações. Zachery apontou para a
entrada a galeria. Desceu tão depressa que seu estômago se revoltou. No momento em
que passo pela abertura, orientação robôs começaram a disparar suas armas narcotizantes.
Mas estavam tão longe que não representavam qualquer perigo para Zachery, que só
sentiu um formigamento na pele.
Zachery Parral foi parar num pavilhão tão grande que não enxergava a outra
extremidade. Tratava-se de um gigantesco hangar de ultracouraçados.
As gigantescas espaçonaves esféricas enfileiravam-se a perder de vista. Zachery
sentiu-se que nem um Gulliver que de repente é transferido para o mundo dos gigantes.
Em comparação com o hangar em que se encontrava, os outros recintos em que
tinha estado pareciam insignificantes. E não tinham muita importância. A finalidade da
plataforma era o transporte das naves gigantes. Zachery só enxergava umas poucas naves.
O resto parecia uma massa confusa de metal que se perdia nos fundos do hangar. Mas
Zachery conhecia as dimensões da plataforma e chegou à conclusão de que no hangar em
que se encontrava devia haver cerca de quatrocentas espaçonaves.
Zachery tinha certeza de que a plataforma, que tinha dez quilômetros de altura,
estava dividida em dois pavimentos principais. Dessa forma só no interior só no interior
da nave-mãe devia caber oitocentas naves. Além disso, havia hangares externos.
As naves que Zachery via poderiam perfeitamente pertencer à Frota Solar. O
tenente sobrevoou a pequena altura a protuberância circular de uma das naves e gravou os
detalhes. Mesmo que fechasse os olhos, saberia o que havia embaixo dele a cada
momento. Até mesmo o estranho brilho da face externa da nave era igual ao dos veículos
espaciais terrenos, desde que se considerassem os efeito da iluminação muito forte.
Sem dar-se conta disso, Zachery coçou o que restava da orelha esquerda.
Costumava fazer isso sempre que se sentia muito nervoso. Não quando estivesse com
medo ou ficasse tenso, mas somente quando se alegrava com alguma descoberta.
Olhou para trás e viu os robôs de combate saírem do poço, nas mais variadas
posições e agitando fortemente os membros. Davam a impressão de terem saído de um
saco dentro do qual tivessem sido fortemente sacudidos.
Mas reconhecia-se um sistema no caso de corpos metálicos. Assim que saírem de
baixo do poço, os robôs esticaram os corpos metálicos e voaram para um destino.
Este destino era Zachery Parral.
Zachery desceu sobre a protuberância da nave, que até parecia um gigantesco
terraço. Poderia ter entrado em uma das inúmeras aberturas da nave, mas ficaria num
beco sem saída.
Spinoza ficou bem perto dele. Era um companheiro silencioso, que tinha nenhuma
utilidade para Zachery.
Zachery contornou a nave mantendo-se pouco acima da protuberância circular. A
sombra de seu corpo deslizava sobre o metal, estranhamente deformado. Quando passava
perto de uma abertura, transformava-se numa mancha negra indefinida.
Assim que perdeu de vista os perseguidores, Zachery desceu, voando embaixo da
protuberância. Na penumbra reinante ali sentia-se mais ou menos seguro. Aproximou-se
de uma coluna de sustentação bastante grossa para escondê-lo juntamente com Spinoza.
Viu que o chão do hangar apresentava níveis diferentes. Para não perder espaço, os
construtores da plataforma tinham feito uma divisão que impedia que as protuberâncias
circulares de duas naves ficassem na mesma altura.
Se isso representava uma economia de espaço, tinha a desvantagem de que nem
todas as naves podiam decolar ou pousar ao mesmo tempo.
— Tenente Parral! — disse uma voz que reconheceu como sendo a de Redhorse.
— Conseguimos convencer os walkers de que nossas intenções são boas. Lujan já não
está em perigo. Não temos permissão de usar o hiper-rádio, mas os walkers prometeram
ajudar-nos a encontrar uma nave pequena. Por isso é necessário que o senhor deixe que
os robôs os tragam à minha presença.
Zachery tentou em vão localizar o alto-falante do qual tinha saído estas palavras.
— Provavelmente o senhor acredita que isto é um truque para que volte a ficar
preso — prosseguiu Redhorse. — Não se esqueça de que suas chances de escapar aos
robôs por muito tempo são extremamente reduzidas. Entregue-se, tenente. Isto é uma
ordem.
Zachery olhou para Spinoza.
— Ele quer que eu me entregue — disse. — Logo agora que começa a divertir-me.
Spinoza não disse uma palavra. Olhava fixamente para a frente.
“O que vou fazer?”, pensou Zachery.
Neste instante os primeiros robôs apareceram em cima de sua cabeça. Parral
deixou cair os braços e saiu de trás da coluna de sustentação. A vontade de fugir era
tamanha que suas pernas tremiam. Mas ficou parado.
Os robôs chegaram perto dele e cercaram-no em silêncio.
8

— Coordenador chamando seções um, dois e cinco a doze. O comando de


emergência continua em perigo. Cinco terranos penetraram nas seção três.
— Seção um, dois e cinco a doze chamando coordenador. Não foi possível
estabelecer contato com as seções desativadas?
— Coordenador falando. As duas seções receberam impulsos de comunicação,
mas não respondem. A única possibilidade de contato é representada pela maior parte dos
robôs de combate que se encontram nas seções desativadas.
— Seção um, dois e cinco a doze falando. Sugerimos que os robôs destruam os
intrusos.
— Coordenador falando. Pensarei na proposta.
Impulsos passaram por relés, eram ampliados e transmitidos. Um intercâmbio
ininterrupto de energia entre as diversas instalações fazia com que as mensagens se
transformassem instantaneamente em grupos de símbolos.
— Coordenador falando. Continuo a refletir.
Inquietação entre os chefes de seção. O medo jamais manifestado que se sentia das
duas seções desativadas começou a espalhar-se. Seria arriscado permitir que os cinco
terranos examinassem tranqüilamente essas seções. Uma seção fora de controle
representava um perigo para todo o conjunto. E havia duas seções que não reagiam aos
impulsos do centro de controle. Ninguém sabia quanto tempo levariam as seções três e
quatro para separar-se de vez do conjunto.
— Coordenador falando. Continuo a refletir.
A situação era confusa. Tinham-se encontrado com um grupo de terranos. Tinham
lutado com eles. Isto não significava, em última análise, que os cinco intrusos que se
encontravam na seção três precisavam ser destruídos?
— Estou refletindo — disse o coordenador.
Seção um, dois e cinco a doze: — Recomendamos uma decisão rápida, antes que
haja uma crise.
O coordenador sentiu o medo expresso nestes impulsos. Mas ainda hesitava. Se
desse ordem para que os robôs de combate destruíssem os cinco homens, os terranos
teriam de ser classificados como inimigos exasperados. Seria mais um passo para a
guerra contra a humanidade. O coordenador sentiu-se perplexo. Não sabia por que, mas
sempre pensara que os efeitos do comando de emergência não fossem estes.
Seção um, dois e cinco a doze: — Estamos à espera de uma resposta.
“Preciso tentar de novo”, pensou o coordenador. Enviou uma série de impulsos às
duas seções desativadas. Faz um esforço especial para romper a indiferença da seção três.
Se conseguisse entrar em contato com esta seção, o problema dos intrusos poderia ser
resolvido com uma operação local. Sua intervenção não seria necessária.
Aconteceu o que se esperava: as tentativas do coordenador não deram resultado.
As seções desativadas não tomavam conhecimento dos impulsos, por mais
insistentes que fossem estes.
De vez em quando o coordenador captava impulsos vindos das duas plataformas.
Embora não quisesse reconhecer, estes impulsos, por sua natureza, só poderiam ter sido
transmitidos por um grupo de loucos. Mas não podia entreter-se em reflexões sobre o
lado trágico da situação, pois neste caso ele correria o perigo de também ser afetado por
ela.
Seria o fim. E o coordenador sabia perfeitamente qual era sua importância para o
conjunto. A idéia não lhe deu uma sensação de orgulho ou de triunfo, mas apenas uma
agradável senso de responsabilidade.
Seção um, dois e cinco a doze: — A tentativa de estabelecer contato com os
setores desativados não deu resultado. E agora?
O coordenador transmitiu uma série de impulsos tranqüilizadores. Tomaria uma
decisão. Os cinco terranos representavam um perigo para a seção três. E, como não era
possível estabelecer contato com esta, sua presença colocava em perigo todo o conjunto.
Coordenador:
— Precisamos encontrar um meio de afastar os intrusos.
Seção um, dois e cinco a doze:
— Só existe um meio. Os robôs têm de entrar em ação.
Coordenador:
— Sim.
Por um instante reinou um silêncio constrangedor. Parecia que todos se davam
conta do alcance desta decisão. “Não podemos voltar atrás”, pensou o coordenador.
Sentiu-se apavorado, mas estava satisfeito porque finalmente tomara uma decisão. Passou
a dirigir os impulsos para as seções ativadas e comunicou-se diretamente com os robôs de
combate da terceira seção.
Seções um, dois e cinco a doze:
— Foi dada ordem de matar os terranos?
Coordenador:
— Afirmativo.
Quis acrescentar um explicação, mas teve a impressão de que diante das
conseqüências que se esboçavam esta seria supérflua. Voltou a perceber o nervosismo dos
outros. Os impulsos transmitidos pelos diversos setores eram irregulares e ansiosos. Já
não havia uma coordenação disciplinada. O coordenador compreendia perfeitamente.
Seção um, dois e cinco a doze:
— Quanto tempo demorará até que os cinco homens estejam mortos?
Por que faziam esta pergunta? Isso tinha alguma importância?
Coordenador:
— Acho que não demorará muito.
Seções um, dois e cinco a doze:
— Qual é a classificação dos terranos?
Coordenador:
— Os terranos são classificados como inimigos perigosos.
O coordenador percebeu que, longe de se sentirem satisfeitos, os outros
demonstraram um medo vago. Ou seria apenas o reflexo dos próprios sentimentos? Por
que vivia acreditando que acabara de ser cometido um erro grave? Para ele a simples
ativação do comando de emergência parecia uma catástrofe.
“Esperamos demais”, pensou. — “Com o tempo a confusão que sentimos há de
passar”.
Seções um, dois e cinco a doze.
— Mais alguma decisão?
Coordenador:
— Por enquanto não. Esperamos até que os cinco intrusos estejam mortos.
A intensidade dos impulsos diminuiu. Finalmente apenas os impulsos de
observação e vigilância passavam de uma seção a outra, sem atingir a área do
coordenador.
Quando isso acontecia, o coordenador costumava ficar sonolento. Mas desta vez
ficou ansioso, mantendo contato permanente com os robôs, que se preparavam para matar
os cinco terranos que se encontravam no setor três.
9

— Vamos libertá-los — disse Burnett. — Mas se voltarem a pôr os pés nesta parte
da plataforma, nós os mataremos.
Zachery sabia que os walkers se consideravam proprietários de todos os recintos
em que havia uma atmosfera respirável. Burnett providenciou para que o equipamento de
oxigênio dos quatro terranos fossem reabastecidos. Mas só daria para mais três horas. As
tentativas de convencer os walkers a cederem quantidades maiores de oxigênio
fracassaram. Redhorse e seus companheiros dispunham de um prazo muito reduzido para
encontrar um meio de sair da plataforma. Esgotado este prazo, os robôs de combate dos
walkers sairiam em seu encalço.
Zachery Parral, que chegara à sala de comando há uma hora, já tinha descoberto
que os walkers tinham medo de que algum intruso os expulsasse da nave-mãe. As
lagartas gigantes tinham-se acostumado a serem servidas por robôs. Se não pudessem
contar com o auxílio deles, sua raça se extinguiria dentro de pouco tempo.
Nestas condições era de admirar que Burnett os soltasse. Apesar das declarações
solenes que haviam sido feitas, os walkers não podiam excluir a possibilidade de que um
dia seus prisioneiros voltassem trazendo reforços, e entrassem em guerra com os walkers.
Provavelmente não esperava que os terranos conseguissem fugir da plataforma.
Depois de três horas morreriam sufocados ou seriam mortos pelos robôs. Burnett
simplesmente lhes dera uma chance que em sua opinião não representava mais que um
pequeno ganho de tempo.
— Ceda-nos alguns robôs que possam levar-nos a um dos hangares maiores —
disse Redhorse ao chefe dos walkers,
Zachery levantou os olhos. Os walkers tinham dito que no interior da plataforma
havia espaçonaves pequenas. A julgar pelas suas informações, deviam tratar-se de jatos
espaciais.
— Os senhores serão acompanhados por dois robôs — concordou Burnett.
Zachery cerrou os lábios. Imaginava que o velho Walker concordara tão depressa
com o pedido. Os robôs que os acompanhariam permitiriam que o chefe continuasse a
controlar os terranos.
— Outra coisa — disse Redhorse, falando devagar. — Queremos que nos
devolvam as armas.
Burnett ficou perplexo. Demorou a responder.
— As armas? — repetiu depois de algum tempo.
— Isso mesmo! — Redhorse parecia decidido a insistir nesta exigência, mas
Zachery teve suas dúvidas de que o Walker, que era bem esperto, assumisse este risco.
— Armas servem para lutar — observou Burnett. — Não há mais ninguém na
plataforma além de nós. Para que querem armas?
— Não está lembrado da risada que de vez em quando tem saído dos alto-falantes?
— perguntou o cheiene. — Há outros habitantes nesta seção além dos walkers.
— Até hoje não vimos nenhum amigo nesta plataforma — objetou Burnett.
— É porque ficam sempre nos mesmos recintos — disse Redhorse. — Teremos de
sair da área controlada pelos walkers. Talvez tenhamos de entrar em luta com alguém.
— Os dois robôs os defenderão — disse Burnett em tom obstinado.
— Talvez só esteja esperando que alguém nos mate nos outros recintos. —
respondeu Redhorse, calmo. — Não é isso mesmo, Burnett?
— Não me importo com o que possa acontecer com vocês — afirmou Burnett. —
O importante pé que não voltem nunca mais.
Redução estendeu a mão em sua direção.
O velho walker sacudiu a cabeça e Parral refletiu se seria uma atitude inteligente
irritar Burnett. Se o coronel continuasse a pressioná-lo, ele poderia mudar de idéia, não
soltando mais os prisioneiros.
Parral ficou se perguntando por que Redhorse fazia tanta questão de receber as
armas. Estava com medo de que os walkers não cumprissem sua palavra? Ou será que
havia mesmo outro inimigo na plataforma, que se mantivera afastado?
— Ele não nos entregará as armas, senhor — disse o sargento Velarde.
A cabeça de foca de Burnett mexia nervosamente de um lado para outro. O walker
apontou para a saída.
— Está na hora de irem embora — disse. — Não se esqueçam de que não existe
nenhum caminho de volta.
Redhorse não respondeu. Zachery viu dois robôs se aproximarem. Seriam seus
companheiros. Perguntou a si mesmo se Burnett lhe teria dado instruções especiais, ou se
realmente conheciam o caminho que levava para uma das naves pequenas.
Velarde e Lujan, que ainda estavam amarrados aos assentos, foram soltos. Os
robôs continuavam com as armas apontadas. Para Zachery isso era um sinal de que
Burnett ainda estava desconfiado.
Redhorse dirigiu-se a Velarde e Lujan.
— Tudo bem? — perguntou. — Podem caminhar?
— Seria capaz de rastejar para sair de perto dos walkers — respondeu Velarde.
Redhorse deu ordem para que fechassem os capacetes. Os dois robôs guiaram o
grupo. Zachery sentiu que os olhares dos walkers pousados nele enquanto caminhavam
para a saída.
Os robôs levaram os quatro homens e Spinoza para o corredor. Passaram por uma
eclusa pequena e atingiram o setor da plataforma em que não havia oxigênio.
Atravessaram algumas salas e chegaram a outro corredor.
De repente os dois robôs pararam.
— Que houve? — perguntou Redhorse. — Por que pararam? Levem-nos ao
hangar.
Os robôs não responderam. Zachery teve a impressão de que se concentravam em
certas noticias recebidas pelo rádio.
— Não estou gostando, senhor — disse Lujan. — Os robôs se comunicam com
alguém.
— Deve ser com Burnett — resmungou Velarde, zangado. — Eu sabia que não se
podia confiar neste Walker.
Redhorse a dirigir-se aos robôs.
— Vocês receberam ordens de levar-nos a um dos hangares — disse. — Tratem de
cumpri-las.
— As ordens acabaram de ser revogadas — respondeu uma das máquinas. Vamos
voltar.
— Burnett! — exclamou Velarde. Soava como uma maldição.
— Aconteceu uma coisa que nos obriga a retirar-nos — disse o robô. — Se
prosseguirmos seremos atacados.
— Atacados? Por quem? — indagou Redhorse.
Nenhum dos dois robôs respondeu. Fizeram meia-volta e afastaram-se. Zachery
seguiu-os os com os olhos. Em seguida olhou para Redhorse. Precisavam encontrar
sozinhos um hangar. E dispunham de menos de três horas.
— Fomos traídos! — fungou Velarde, indignado. — Quem poderia atacar-nos por
aqui?
— Temos de seguir na mesma direção, haja o que houver — decidiu Redhorse. —
Tenho certeza de que se voltarmos ao setor da plataforma controlado pelos walkers,
Burnett cumprirá sua ameaça.
O grupo seguiu e chegou ao fim do corredor. Tiveram de escolher entre passar por
um corredor que ficava à sua esquerda ou usar uma passagem que dava para uma sala
maior situada à direita.
Don Redhorse refletiu um instante e resolveu entrar no pavilhão.
— Não acha que devemos dividir-nos, coronel? — perguntou Velarde. — Deixe
que eu e o Tenente Parral procuremos na outra direção.
Zachery fitou o sargento com uma expressão de espanto. Ficou surpreso porque
escolhera justamente ele.
— Não nos separaremos — retrucou Redhorse. — Talvez sejamos atacados. Neste
caso ainda poderemos fugir em direções diferentes.
Zachery concordou com o argumento. Passou os olhos pelo pavilhão. Era o
depósito de peças instalado pelos construtores da plataforma. Parral teve a impressão de
que conhecia os objetos guardados nas prateleiras. Em outras circunstâncias o quadro
teria despertado recordações agradáveis da Terra, mas na situação em que se encontrava
Zachery teve um calafrio ao ver estas coisas. A começar pelos ultracouraçados guardados
nos hangares, e passando pelas instalações de rádio e pelos parafusos simples, tudo
parecia uma anacronismo.
Zachery sempre sentira repugnância pelos anacronismos. Mas nunca aqueles
objetos, que no fundo eram corriqueiros, lhe pareciam tão estranhos. Se em vez das peças
que lembravam os modelos terranos houvessem coisas completamente absurdas nestas
prateleiras, Zachery não estranharia tanto.
Ainda seria capaz de aceitar o fato de as naves dos desconhecidos serem iguais aos
modelos terranos, uma vez que a forma esférica era a ideal, ao menos para os seres
humanóides. Mas a semelhança até o último detalhe parecia intencional. Diante dela o
trabalho de milhões de técnicos, cientistas e trabalhadores terranos parecia tornar-se
inútil.
“O que foi que os terranos conseguiram?” — parecia gritar cada aparelho.
“Vejam, terranos! Olhem como é fácil construir estas coisas.”
Zachery sentiu o sangue subir-lhe à cabeça.
Será que os terranos não estavam atrasados no tempo? Não se podia ter certeza de
que a plataforma só tinha surgido depois que os primeiros ultracouraçados tinham sido
construídos na Terra.
Quem copiara de quem?
Zachery sentiu para onde levariam estes pensamentos. Fez um esforço para afastá-
los.
Só percebera no subconsciente que tinham atravessado o grande pavilhão e
acabavam de entrar num corredor cumprido. Os homens quase não falavam. Lujan e
Velarde abriram as portas pelas quais passavam, mas não encontravam nenhuma sala que
tivesse alguma semelhança com um hangar.
“Quem sabe se o hangar não fica bem em cima de nossa cabeça?”, pensou
Zachery. Talvez estivessem procurando abaixo do andar em que deveria estar. O tenente
sentiu-se dominado pela raiva. Burnett e seu bando provavelmente só tinham procurado
um motivo para matar os quatro homens. Zachery imaginava que os walkers e seus robôs
já aguardavam o regresso dos terranos.
Parral olhou para o marcador de oxigênio. Já gastara que quinta parte de sua
reserva. Não poderiam continuar a procurar até que o ar se esgotasse, pois precisariam de
um pequeno suprimento para alcançar os recintos habitados pelos walkers.
“Droga!”, pensou Zachery, desesperado. Burnett poderia calcular o momento
exato da volta.
Todas as vantagens estavam do lado dos walkers.
— Parados! — gritou Redhorse.
Zachery levantou os olhos. Levou um susto.
O outro lado do corredor estava cheio de robôs de combate que se precipitaram na
direção dos terranos, com os braços armados erguidos.
Seriam os atacantes que os robôs de Burnett temiam?
Spinoza foi atingido pela trilha luminosa de rum raio energético. O robô
experimental arrancou algumas tiras de bioplástico queimado de cima do corpo.
Desta vez os robôs não usavam armas narcotizantes. Atiravam para matar.
— Vamos voltar imediatamente! — exclamou Redhorse.
Zachery esforçou-se para não pensar mais no hangar nem num janto espacial.
Poderiam dar-se por satisfeitos se conseguissem escapar dos robôs que os perseguiam.
Mais uma vez teve a impressão de que a plataforma em que se encontravam era
dominada por forças antagônicas.
Tinham sido recebidos por robôs que se mostravam contentes com sua presença e
colocaram-se a seu serviço. E acabaram sendo presos pelos robôs programados pelos
walkers.
A qual das partes pertencia o grupo que acabara de aparecer?
Don Redhorse, que voava perto de Parra, entrou num corredor secundário. O
tenente acompanhou-o. Spinoza passou à sua frente. Lujan e Velarde vieram atrás.
Só estavam vivos porque o primeiro tiro por acaso atingira Spinoza. Depois disso
os robôs tentaram reduzir a distância que os separava dos fugitivos, porque foram levados
a acreditar que possuíssem a mesma resistência do que acabara de ser atingido.
— Vamos entrar aqui! — gritou Redhorse.
Zachery admirou-se de que a voz do comandante da Black Hills continuasse tão
calma. Redhorse abriu a porta, olhou em volta e entrou numa sala escura. Os faróis
embutidos nos capacetes dos homens iluminaram o recinto. Zachery viu algumas
estruturas em forma de arco. Os cabos e tubos formavam um rede embaixo do teto.
O farol de Redhorse iluminou outra porta. Voaram para ela. Redhorse pousou no
chão, abriu a porta e desapareceu na sala ao lado. Zachery olhou para trás. Velarde Lujan
tinham fechado a porta que ficava do outro lado, mas isso não afastaria os robôs de sua
pista.
Por um instante Parral ficou ofuscado pela forte luminosidade da sala em que
entraram. Piscou os olhos, orientou-se e viu Redhorse e Spinoza voarem obliquamente
para uma abertura redonda no teto.
— Depressa, tenente! — gritou Velarde, que de repente apareceu ao seu lado.
Zachery sorriu contrariado. O sargento era muito mais hábil que ele no manejo do
equipamento de vôo. Lujan apareceu à direita de Zachery. Até mesmo no interior do traje
de proteção parecia muito esbelto e delicado. O técnico vivia olhando para trás.
Redhorse e Spinoza já tinham atravessado a abertura no teto. Velarde foi atrás
deles. Era uma figura robusta, que na opinião de Zachery lembrava um tronco boiando na
água. O sargento subiu em alta velocidade e desapareceu.
Zachery voou pela abertura e viu-se num corredor que tinha pelo menos trinta
metros de largura. Bem perto havia vários corredores secundários, nichos e entradas que
davam para várias salas e pavilhões. Zachery respirou aliviado. Talvez pudessem
aumentar a dianteira que levavam sobre os robôs.
Redhorse não perdeu tempo. Seguiu resolutamente em direção a um dos
corredores secundários. Lujan também passou à frente de Zachery. O tenente ficou de
olhos semicerrados. Não devia ser apenas por causa da técnica de vôo que ficava
constantemente para trás.
“O equipamento de vôo”, pensou, apavorado. “Há algo de errado com ele.”
Antes de entrar no corredor secundário, olhou para trás. Viu cabeças de alguns
robôs em cima da abertura.
“Estão nos nosso calcanhares”, pensou Zachery.
O perigo iminente fez com que esquecesse por um instante do problema que havia
com seu equipamento de vôo. Mas seu deslocamento irregular fez com que este lhe fosse
trazido à mente.
— Tenente Parral! — disse a voz de Redhorse no radio capacete de Zachery.
Estou ficando um pouco para trás, senhor — disse Zachery, tentando dar um tom
firme à voz. Mas receava que suas palavras soassem um pouco desanimadas. — Meu
equipamento não está em ordem.
Redhorse esperou Parral, enquanto os outros seguiam vôo. O cheiene baixou em
cima de Zachery.
— Estique os braços para a frente — disse. Ponha as pernas ligeiramente para
baixo, para que possa mexer melhor em sua mochila.
Zachery sentiu o suor brotar em sua testa. Qual era a intenção do coronel? Será
que pretendia efetuar os reparos em vôo?
— Não se pode fazer nada, tenente — informou Redhorse. — Um dos bocais esta
superaquecido, fazendo com que o jato energético saia com menos força.
— Deste jeito acabo explodindo! — exclamou Zachery, mas logo teve vontade de
esbofetear o próprio rosto. Deveria ter-se lembrado de que o equipamento se desligaria
automaticamente antes de atingir a temperatura crítica.
— Explodir o senhor não vai — consolou-o Redhorse. — Mas não poderá voar
por muito tempo.
— Deixe-me ficar atrás, coronel — disse Zachery. — Não adianta arriscar sua
vida. Os outros precisam do senhor.
— Nosso Tenente Tique-Taque possui um senso de heroísmo muito acentuado —
disse Velarde.
— Quieto! — ordenou Redhorse.
Um raio claro e bem aberto passou chiando por cima de Redhorse e Parral. O teto
ficou escuro. Redhorse agarrou o jovem oficial nos quadris e puxou-o para o lado.
— Depressa! — disse. — Os outros desapareceram naquela entrada.
Zachery teve a impressão de que qualquer ruído fazia retumbar sua cabeça. Quase
automaticamente adaptou seu vôo aos movimentos em ziguezague do coronel. As armas
dos robôs que os perseguiam voltaram a despejar fogo, mergulhando o corredor numa
luminosidade verde.
O tenente respirava com dificuldade, embora o esforço físico fosse bastante
reduzido.
— Cuidado! — gritou Redhorse e o fez girar como se fosse uma marionete que
não pesasse quase nada.
Zachery ficou tonto. Fechou os olhos. Quando voltou a abri-los, voava numa sala
grande em cujo centro havia uma nave-disco, que se parecia até os menores detalhes com
um jato espacial terrano.
A eclusa estava aberta, e dentro dela o sargento Velarde fazia sinais com a mão.
“É tarde”, pensou Zachery, atordoado. O mundo que o cercava desapareceu diante
dos seus olhos. A única coisa que via era uma eclusa em cujo o interior Velarde saltava
nervosamente de um lado para outro.
De repente sentiu-se arrastado para a frente. Redhorse voltara a agarrá-lo e o
puxava. O cheiene pensara em fechar a entrada do hangar, mas na opinião de Parral os
robôs talvez já estivessem muito perto.
Finalmente viu-se no interior da câmara da eclusa. As paredes cercaram-no que
nem os braços que protegessem. Atrás dele apareceu um forte luminosidade, e Zachery
lembrou-se claramente da história do fim do herói. De repente experimentou a sensação
de um calor insuportável. Quase não conseguia respirar. Levantou as mãos e segurou o
fecho do capacete.
Neste momento escureceu. Zachery emitiu alguns sons roucos e sentiu-se agarrado
e carregado por mãos robustas. Alguém tirou seu capacete. A vontade de absorver ar puro
era tão grande que levantou abruptamente a cabeça, como se isto o pudesse ajudar a
inspirar todo o oxigênio que havia por lá.
— Pela primeira vez fico contente porque nossos inimigos copiaram as naves
terranas — disse o sargento Velarde.
Zachery voltou a ter consciência do lugar em que se encontrava. Estava
frouxamente deitado numa poltrona. Viu-se no interior de um jato espacial. À frente dele
brilhavam os controles e as telas de imagem. Tudo que o cercava, inclusive os ruídos,
eram bem conhecidos.
Parral baixou os olhos e viu que a maior parte de seu traje de proteção se
queimara. Alguém inclinou-se sobre ele. O tenente viu o rosto estreito de Lujan.
— Se fosse um traje de proteção comum, o senhor não se teria saído tão bem —
disse o técnico.
Zachery conseguiu esboçar um sorriso.
— No que está pensando? Na qualidade dos diversos trajes de proteção, ou no fato
de eu ter escapado por pouco da morte?
Lujan exibiu um sorriso vago e retirou-se. Zachery fez um grande esforço para
erguer-se na poltrona e olhou para as telas que transmitiam as imagens externas. Os robôs
estavam reunidos em tono do jato espacial.
— Por enquanto não corremos perigo — disse Velarde. — Mas acho que os cara
que estão lá fora acabarão queimando um buraco no casco do jato.
— Precisamos dar o fora antes que eles tenham esta idéia — disse Redhorse.
Velarde encolheu o pescoço e lançou um olhar de dúvida para Lujan e Zachery.
— Guarnecer o canhão energético! — ordenou Redhorse.
— O que pretende fazer, senhor? — grasnou Velarde.
— É simples — respondeu Redhorse. — Atiraremos até criar uma abertura na
parede do hangar pela qual o jato possa passar. É a única possibilidade que nos resta.
Nem sequer podemos atrever-nos a sair daqui para procurar os controles da eclusa.
Velarde coçou o queixo barbudo.
— Isso é perigoso, senhor — ponderou. — É possível que os tiros acabem
avariando o jato.
— O senhor é um otimista — observou Lujan. — Se o jato for apenas avariado,
poderemos dar-nos por satisfeitos.
Redhorse não se abalou.
— Nossas chances são boas — disse, defendendo seu plano. — Ocupem seus
lugares. Aguarde ordem de atirar, sargento. Assim que eu ordenar suspenda fogo.
Neste instante Spinoza rompeu o silêncio que matinha há tanto tempo.
— Acabo de concluir o primeiro teste metal — anunciou aos homens surpresos. —
Quer dizer que já posso oferecer uma solução teórica para o primeiro problema dos
senhores. Existe um meio fácil de chegar a um acordo com os walkers.
— Não diga! — exclamou Lujan.
— Fique quieto, Spinoza! — ordenou Redhorse. — Isso já passou.
— Por que não ficou com os walkers até que eu concluísse minhas meditações? —
queixou-se Spinoza.
Velarde erguei-se atrás dos controles do canhão energético. Estava com a voz
completamente mudada. Zachery estremeceu.
— Quando tivermos saído daqui, eu estrangulo esse robô experimental com
minhas próprias mãos.
— Fogo! — gritou Redhorse neste instante.
Velarde passou as mãos pelos controles. Zachery Parral olhou para a tela e viu o
raio energético atingir a parede do hangar, onde foi refletido. Lampejos de energia
atravessaram o salão.
— Temperatura subindo! — gritou Lujan. — Coluna de sustentação número três
cedendo. Temos uma inclinação de quatro graus.
— Ligar propulsão antigravitacional! — ordenou Redhorse. Lujan confirmou. A
nave-disco tremeu. Zachery olhou para Velarde. O rosto do sargento parecia murcho e
pálido. Mantinha os lábios entreabertos.
De repente a parede do hangar rompeu-se. A energia concentrada saiu
abruptamente para o espaço.
— Suspender fogo! — disse Redhorse. — Então, Lujan? Acha que passaremos
pela abertura?
— Não acredito, senhor — respondeu o técnico. — Mas vou tentar.
— Assim que tivermos saído, ligue os propulsores lineares. Provavelmente abrirão
fogo contra nós. Nossa única salvação é a fuga rápida para a zona de liberação.
Lujan umedeceu os lábios com a ponta da língua. Era a primeira vez que Zachery
o viu nervoso.
— Daremos um jeito para enganar o velho — disse Redhorse em tom confiante.
— O velho? — repetiu Velarde, que não tinha compreendido. — Por que escolheu
esse nome, senhor?
— Por que parece ser o nome certo — respondeu o cheiene.
Naquele momento ninguém imaginara que realmente combinava com a pessoa.
O jato espacial aproximou-se da abertura criada à força dos tiros e atravessou-a
lentamente. Houve um ruído metálico, que fez com que Zachery prendesse a respiração.
Os homens olhavam ansiosamente para as telas de imagem, menos Lujan, que se
concentrou nos comandos do jato.
— Conseguimos — disse Velarde de repente. Zachery percebeu um alívio imenso
na voz do sargento. Sentiu a própria descontração e experimentou um desejo muito forte
de comunicar sua alegria aos outros. Mas antes que tivesse tempo de dizer uma palavra,
ouviu a voz retumbante de Redhorse.
— Acelere, Lujan! — gritou o coronel. — O que está esperando?
O jato espacial deu um salto, afastando-se da plataforma em que ficara estacionado
por muito tempo. As telas de imagem mostraram o espaço cósmico.
— Estão atirando em nós! — gritou Velarde, nervoso. — São rios térmicos vindos
do objeto semi-esférico.
— Há posições de artilharia neste objeto — observou Redhorse, calmo. Tinha-se a
impressão de que nem via as gigantescas trilhas de fogo que apareciam nas telas.
“Agora tem que dar certo”, pensou Zachery, empolgado.
Até parecia que o sistema de propulsão linear entendera de alguma forma o
pensamento fervoroso do jovem oficial. Atingindo a aceleração crítica. O jato espacial
saiu do conjunto espácio-temporal normal e penetrou no semi-espaço.
— Seguiremos em direção ao setor Alvorada — decidiu Redhorse. — Lá será mais
fácil encontrarmos alguma nave terrana.
Zachery não sabia o que devia admirar mais, se era a calma extraordinária de
Redhorse ou o salto enorme que o sargento Velarde deu para fora da poltrona.
— Conseguimos! — gritou o robusto sargento, batendo ruidosamente no ombro de
Zachery. — Conseguimos!
10

Perry Rhodan apertou a mão de cada um dos homens.


— Obrigado pelas informações e pela atuação exemplar — disse. — Os dados que
forneceram a respeito do objeto estanho que de acordo com a sugestão de Redhorse
chamaremos de Old Man são muito valiosos.
— Infelizmente não foi possível trazer elementos mais preciosos nem amostras de
qualquer objeto — disse Redhorse. — Devemos dar-nos por satisfeitos por termos
escapado com vida. Não acredito que estes objetos tivessem qualquer utilidades para
nossos cientistas. A bordo da plataforma não existe nada que não tenhamos visto na Frota
Solar.
— A semelhança com os modelos terranos é inexplicável — disse Rhodan. —
Receio que não descubramos tão depressa o que há atrás dela. Talvez a informação de que
os walkers só podem viver em duas das doze plataformas ajude em alguma coisa. Deve
haver uma diferença entre os dois setores e os dez restantes.
Zachery Parral viu que Perry Rhodan estava preocupado. A Frota Solar sofrera
uma derrota no sistema Rois. Não adiantava os terranos saberem que existia uma
semelhança misteriosa nos equipamentos técnicos. Não se sabia quem tinha construído a
plataforma e quais eram seus objetivos.
Por que Old Man aparecera justamente no sistema Rois? Seria por acaso? Ou os
donos do gigantesco objeto voador tinham algum fim em vista?
O importante no momento era saber se Old Man voltaria a enviar suas plataformas
para que suas naves entrassem em luta com as unidades terranas.
Na opinião de Zachery, o Império Solar teria dias conturbados pela frente.
Rhodan, que parecia ter esquecido os quatro homens, voltou a dirigir-lhes a
palavra.
— Podem descansar — disse. — Mais tarde gravarão um relatório minucioso.
Talvez haja algum detalhe importante que tinham esquecido.
Zachery fez continência e apressou-se a sair da sala de comando da Crest IV. Teve
de fazer um grande esforço para não se deixar dominar pelo cansaço. Sentiu os olhares
curiosos dos homens que trabalhavam na sala de comando pousados em suas costas.
Antigamente o fato de ser o alvo da atenção dos outros o deixaria embaraçado, mas
naquela altura sentiu-se muito mais seguro.
“É a experiência”, pensou com um sorriso.
— Tenente Parral!
Zachery parou e olhou para trás. Viu Don Redhorse sair da sala de comando e
aproximar-se dele. O coronel sorriu.
— Posso fazer alguma coisa pelo senhor? — perguntou Zachery.
— Por que todo esse formalismo? — perguntou Redhorse. — Já se acostumou à
idéia de voltar ao trabalho de rotina?
— De forma alguma, senhor — apressou-se Zachery em afirmar. — Só sei que
estou cansado.
Redhorse acenou com a cabeça e pegou uma coisa que trazia no bolso. Um objeto
redondo refletiu as luzes do teto. Quando Zachery reconheceu o objeto, ficou tão surpreso
que não conseguiu dizer uma palavra.
— Pensei que gostasse de receber isso de volta — disse Redhorse.
— Naturalmente — balbuciou Zachery e pegou seu relógio de bolso. — Muito
obrigado, coronel.
O cheiene olhou-o com uma expressão estranha.
— Precisa dar corda — disse. — Está parado.

***
**
*

Os dirigentes do Império Solar não demoraram a


reconhecer o perigo tremendo que o robô gigante com
sua frota imensa representa para os povos da galáxia.
Por isso não é de admirar que Gucky, que é o membro
mais competente do lendário exército de mutantes, seja
chamado de volta de sua missão de espionagem para
ajudar Perry Rhodan na crise.
Mas Gucky tem suas próprias idéias a respeito da
situação. Assume o comando e não deixa escapar a
oportunidade de atrair a nave robotizada VIII-696 para
uma armadilha. Leia mais sobre a missão especial
escolhida procedente Gucky no próximo volume da série
Perry Rhodan, que tem como título Gucky e Seu Filho.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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