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P-302 - Gucky e Seu Filho - Clark Darlton
P-302 - Gucky e Seu Filho - Clark Darlton
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
Os calendários terranos registram o mês de setembro do
ano 2.435. Já se passaram quase trinta anos depois da morte
de Mirona Thetin, uma mulher de beleza extraordinária, que
por pouco não conseguiu destruir o Império Solar da
Humanidade.
Para a Humanidade foram trinta anos de trabalho e
consolidação interna. Esta era de calma na história galáctica
da Humanidade termina de repente, quando os corsários
interestelares de Roi Danton são caçados pelos homens de
Perry Rhodan e travam uma batalha simulada no planeta
Rubin.
Aparece um robô gigante, vindo das profundezas do
espaço. O gigante observa a batalha simulada — e tira suas
conclusões, que são erradas. Envia sua frota de ultranaves e
inicia uma campanha fulminante contra as unidades terranas
que cruzam seu caminho.
Os dirigentes do Império Solar não demoram a
reconhecer o perigo que o robô gigante com sua frota imensa
representam para todos os povos da galáxia. Por isso não é de
admirar que Gucky, o membro mais competente do lendário
Exército de Mutantes, seja chamado de volta de suas “férias de
espionagem” em Plofos, para apoiar Perry Rhodan na crise.
Mas Gucky forma suas próprias idéias a respeito da
situação em que se encontram. Não quer deixar passar a
oportunidade de fazer cair a nave robotizada VIII-696 numa
armadilha...
Allan D. Mercant, chefe da Segurança Solar, estava tendo paciência. Não tinha
alternativa. Para discutir um assunto com um rato-castor precisava-se de paciência.
Especialmente quando este rato-castor se chamava Gucky.
— Tenho de ver nisso uma espécie de licença, baixinho. Não posso mesmo confiar-
lhe a missão em caráter oficial. Pode imaginar que entraria numa fria. Todo mundo
desconfiaria de que eu suspeitasse da filha de Rhodan, e não é nada disso. Só estou
curioso. Quero saber o que anda fazendo.
— Será que isso é da nossa conta? — Gucky espreguiçou-se na poltrona e estendeu
a perna na direção da lareira antiquada que era a peça mais preciosa da residência de
Mercant. — Afinal, é uma senhora casada, que tem direito à privacidade. E você quer que
logo eu a ande espionando.
— Não é nada disso — garantiu Mercant, muito sério.
— Quem sabe se Suzan e seu marido não estão esticando a lua-de-mel?
— Cinco anos depois do casamento? — Mercant abanou a cabeça. — Não venha
me dizer que você acredita nisso.
— Por que não? Dizem que estas coisas existem. Iltu e eu somos casados há muito
mais tempo e sempre ficamos felizes quando podemos ficar a sós, sem ninguém por
perto.
Mercant colocou um pedaço de lenha no fogo.
— Sou desconfiado de nascença, baixinho. Se não fosse, não daria para o cargo que
ocupo. Uma coisa é certa. Suzan nunca fica por muito tempo na Terra. Sempre acaba
saindo com destino desconhecido. Às vezes ficamos sabendo onde se encontra. Como
desta vez. Encontra-se em New Taylor, no planeta Plofos. Está em companhia do marido,
Dr. Geoffry Abel Waringer, aquele cientista esquisito cheio de idéias malucas. Os dois
estão fazendo uma visita a Mory, a esposa de Rhodan. Pode-se dizer que é um encontro
familiar. E não é o primeiro.
— Tem alguma coisa contra os encontros em família?
— Em princípio não tenho nada. Mas preciso saber o que Suzan anda fazendo, e
principalmente qual é a ocupação de seu marido. Não é por desconfiança. Acontece que
nunca assumi riscos, Gucky. Na opinião de meus especialistas, Waringer é uma grande
inteligência. Desenvolve as teorias mais absurdas, e a maioria pensa que ele poderia pôr
em prática algumas delas. É o que eu quero ver esclarecido. Por isso resolvi confiar-lhe
esta missão.
Gucky pôs-se a contemplar as chamas na lareira.
— Não gosto de espionar os outros.
— Você não chamará a atenção. Outra pessoa chamaria.
— Sou um tipo que não tem nada de especial.
— Então! Você vai a Plofos ou não vai? — perguntou Mercant.
Gucky fitou Mercant com uma expressão ingênua.
— É claro que vou. Afinal, é uma espécie de licença. O que digo a Suzan, se ela me
fizer uma pergunta?
— Oficialmente você só fará uma visita a Mory. Afinal, são amigos. Diga que quer
apresentar seu filho. É um motivo convincente.
— Apresentar meu filho? Este moleque? Enquanto este bebê não se transformar
num rato-castor de verdade, não posso viajar com ele. Você sabe que vive fazendo
bobagens. Ainda é muito pequeno...
— Espere aí! — interrompeu Mercant, indignado. — Você não costuma falar assim
a respeito dele. Vive dizendo que é o orgulho do Universo e o ser mais inteligente do
cosmos. Por que de repente acha o contrário?
Gucky ficou embaraçado, mas logo se recuperou.
— Tudo é relativo. Considerando sua idade, é um sujeito inteligente, mas acontece
que tem pouca experiência para uma missão de espionagem.
— Ele não deve saber disso. Você o usará sem que ele desconfie. Se viajar com ele,
ninguém desconfiará. Você estará de licença. Entendido?
— Entendido — murmurou Gucky em tom pouco convicto. — Resta saber se
Rhodan concordará em que eu goze de uma licença nesta época.
— Isso já está resolvido — disse Mercant com um sorriso confiante. — Tratei disso
para você. Pode viajar amanhã. Você irá no couraçado Poseidon. Só levará alguns dias
para chegar a New Taylor. Formidável, não acha?
— Formidável — repetiu Gucky em tom contrariado. — Posso levar Iltu? Afinal,
quem sai de licença gosta de levar a mulher.
— Acontece que não se trata de uma licença propriamente dita. Sinto muito.
Gucky suspirou. Mas logo voltou a sorrir.
— Talvez seja mesmo uma licença — disse, espreguiçando-se. — Às vezes as
opiniões dela a respeito da educação das crianças divergem das minhas. Está mesmo na
hora de eu ficar a sós com meu filho. Assim posso dar-lhe um puxão de orelha quando for
necessário. Quando faço isto na presença de Iltu, ela grita como se alguém estivesse
puxando as orelhas dela.
— Então está combinado. Você viajará no Poseidon — disse Mercant e mudou de
assunto.
***
Mory Rhodan-Abro nasceu no dia 10 de julho do ano dois mil trezentos e quatro e
tinha cento e trinta anos. Quando recebeu o ativador de células do chefe Iratio Hondro,
que tinha sido morto, estava com vinte e cinco anos. Ainda aparentava a mesma idade. A
degenerescência de suas células foi detida; nunca mais envelheceria.
Mas Suzan Rhodan Waringer estava envelhecendo. Tinha trinta anos. Sua idade
fisiológica era superior à da mãe. Esta situação estranha não interferia de forma alguma
na amizade entre filha e mãe. Pelo contrário. Muitas vezes dava origem a zombarias
amistosas entre as duas mulheres, que se davam muito bem.
O marido de Suzan, Dr. Waringer, não se encontrava em New Taylor. Viajava pela
galáxia, dedicando-se a suas atividades misteriosas, que geralmente encontravam seu
remate nas experiências concretas com alguma invenção. Rhodan sempre era o último a
saber disso.
Quando ficava sabendo.
New Taylor era a capital do planeta de Plofos, que era o terceiro do sistema de
Eugaul. Era um dos oito mundos que giravam em torno da estrela amarela chamada
Eugaul. Apresentava condições semelhantes às da Terra e tinha um clima praticamente
igual ao deste planeta.
Plofos ficava a oito mil duzentos e vinte e um anos-luz da Terra.
O palácio de Mory ficava num morro coberto de florestas, perto da cidade de New
Taylor. Era onde morava quando não se encontrava na Terra, em companhia de Rhodan.
Equipara seus aposentos de maneira a sentir a qualquer tempo a presença do marido,
mesmo que ele se encontrasse a milhares de anos-luz desse lugar. Os quadros estéreos nas
paredes faziam com que se tivesse a impressão de estar contemplando paisagens terranas
através de uma janela ampla. Havia um sistema de vídeo pelo qual Mory ficava em
contato com a capital e o palácio do governo. Isto era necessário, porque a esposa de
Rhodan ainda ocupava o cargo de chefe do governo de Plofos.
A porta abriu-se. Suzan entrou e dirigiu-se a uma poltrona confortável em um dos
cantos da sala. Mory recebeu-a com um sorriso.
— Quando Geoffry não está, você se apaixona por meu parque e leva horas
passeando. Já deve conhecer todos os pontos.
— É isso mesmo — disse Suzan e sentou à frente de Mory. — O ar é excelente. Até
parece que a gente está na Terra. Faz com que me lembre da minha juventude...
Mory interrompeu-a com uma risada sonora.
— Já deve fazer muito tempo, Suzan. Às vezes as lembranças se tornam mais vivas
à medida que envelhecem. Ninguém melhor do que eu para saber disso. Afinal, já tenho
cem anos.
— Parece muito mais jovem — constatou Suzan sem o menor ressentimento.
Mory colocou a mão sobre seu braço.
— Você só imagina que parece mais velha que eu, pequenina. Não tem mais rugas
que eu. Na verdade, não tem nenhuma. A medicina progrediu tanto que você talvez só
precise de um ativador celular daqui a trinta anos. Existem mais uns três ou quatro
espalhados pela Galáxia. Um dia seu pai os encontrará.
Suzan ia dar uma resposta, mas neste momento se ouviu o zumbido do videofone.
Mory ergueu as sobrancelhas e levantou-se.
— O que será que querem desta vez? — disse. Dirigiu-se ao console e apertou
alguns botões. A tela iluminou-se, mostrando o rosto de um homem.
— O que é? — perguntou Mory.
— O couraçado terrano Poseidon deixou um passageiro, chefe. Ou melhor, dois.
Mory sacudiu a cabeça.
— Como é mesmo? Foi um ou foram dois?
— Foram duas metades. Trata-se de inteligências humanóides parcialmente
desenvolvidas. Os dois usam o uniforme da frota terrana. É um modelo especial. Um dos
dois seres fala correntemente o intercosmo e insiste em ser levado à sua presença.
Mory teve um pressentimento vago, mas quis ter certeza.
— Qual é o nome? O visitante não disse como se chama?
— Disse. Lucky ou coisa que o valha.
— Será que não é Gucky?
— Isso mesmo. O que devo fazer?
Mory respirou profundamente.
— Aguardo o distinto visitante vindo da Terra em meu palácio. Providencie para
que seja transportado em meu planador. O companheiro também.
— Pois não — respondeu o jovem oficial, perplexo. A tela escureceu.
Mory voltou a sentar.
— Gucky...! O ambiente ficará animado nos próximos dias. Faz tempo que o rato-
castor não aparece por aqui. Parece que desta vez trouxe Iltu. Será que veio para passar
uma segunda lua-de-mel?
— Gosto muito de Gucky — confessou Suzan. — Sempre parece alegre e bem
disposto. Talvez consiga convencê-lo a fazer-me companhia nos passeios pelo parque.
— Gucky não gosta de andar — observou Mory. — Tem as perninhas muito curtas,
e além disso acumulou um pouco de gordura. Não sei qual é sua idade. Receio que nem
mesmo ele saiba exatamente.
— Quando deverá chegar aqui?
— Viajando no planador, demorará trinta minutos, incluído o tempo que será gasto
nas formalidades oficiais — Mory olhou para o relógio. — Talvez consiga chegar em
vinte minutos — sacudiu a cabeça e sorriu com uma expressão condescendente. — O
pequenino sempre teve uma queda toda especial por mim.
— Também gosto dele — voltou a confessar Suzan.
***
O “garotinho” chegava mais ou menos aos ombros de Gucky e, como este, usava
um uniforme especial com uma abertura bordada na parte traseira, que fora feita por
causa da cauda larga dos castores. O ambiente estranho deixou-o um pouco confuso.
Devia ser por isso que ficou ao lado do pai, quieto e bem comportado, com o rosto mais
inocente deste mundo, não interrompendo nem mesmo o oficial plofosense enquanto este
lia em voz alta as normas oficias.
Gucky também se mostrou atento à leitura, embora já conhecesse o texto de cor.
Queria dar o bom exemplo ao filho.
Neste instante chegou outro oficial, trazendo ordem para que os hóspedes fossem
levados imediatamente ao palácio residencial de Mory. O oficial que chegara em primeiro
lugar enfiou imediatamente o papel no bolso e afastou-se todo compenetrado.
— Queiram acompanhar-me — disse o outro oficial em tom delicado.
Gucky respondeu com um gesto de cortesia, segurou a mão do “garotinho” e saiu
andando atrás do oficial, que os levou a um planador com aletas laterais em ponta, que
eram completamente supérfluas. Um escudo na parte externa do planador mostrava que
se tratava de um veículo oficial.
— O titio nos levará para onde está a titia Mory? — perguntou o “garotinho”.
Gucky brindou-o com um olhar severo.
— A titia Mory não é nossa tia — disse em voz baixa. — E o titio nem pensa em ser
nosso tio. Trate de não chamar qualquer desconhecido de titio.
O pequeno rato-castor ficou calado, mas ao entrar no veículo mostrou ao
plofosense, num gesto amável, o dente roedor branco e muito brilhante, do qual tanto se
orgulhava. Seu dente era muito mais bonito do que o do papai, que tinha de ir muitas
vezes a Horrópolis para procurar o Dr. Frettl, que consertava seu dente.
A porta fechou-se e o planador partiu. As malas seriam transportadas em outro
planador, uma vez que não era permitido colocar bagagens nos veículos do governo.
Provavelmente se temia que alguém pudesse esconder uma bomba na bagagem.
Gucky certificou-se de que o piloto não podia ouvir o que era dito na cabine dos
passageiros. Para isso simplesmente leu seus pensamentos. A única coisa em que o piloto
pensava era na família muito grande e na promoção para primeiro piloto, que não devia
demorar.
— Preste atenção, filho. Preste muito atenção! Não me envergonhe perante tia...
bem, perante a amiga Mory. Como sabe, Mory é a esposa de Rhodan. É uma pessoa
muito influente. Sempre me tratou muito bem. Eu lhe disse que você é um filho esforçado
e obediente.
— E não sou mesmo? — perguntou o “garotinho” em tom ingênuo.
Gucky quase engasgou.
— Se quer saber mesmo, você é um moleque preguiçoso. Ainda não me esqueci de
anteontem, quando você quase fez o comandante da Poseidon cair numa panela de sopa
durante a inspeção. Se penso nisso, fico com os cabelos arrepiados...
— Mas ele gosta de sopa — desculpou-se o “garotinho”.
Gucky levantou a mão, mas fez um esforço tremendo para controlar-se. Fez de
conta que queria coçar-se.
— Está lembrado do que aconteceu na semana passada em Marte? Axo ainda está
com manchas azuis no corpo, porque você o deixou cair durante um treino de
teleportação.
— Desde que se tornou acionista de todas as fábricas de cerveja de Terrânia, Axo
está ficando cada vez mais gordo. E mais pesado.
— Axo é um estranho rato-castor, muito mais velho que você. Será que você não
respeita as pessoas mais idosas?
— Axo vive bebendo cerveja! — respondeu o “garotinho” em tom petulante.
Gucky aspirou ruidosamente o ar.
— O que você queria que ele bebesse? Água?
— Suco de cenouras, paizinho, que nem você.
O rosto de Gucky voltou a assumir uma expressão pacata.
— Quer dizer que eu deveria servir de exemplo a Axo? Devo confessar que sou
muito mais inteligente que ele, mas como sou muito modesto, não posso mostrar isso por
aí. Também acho que beber cerveja é um procedimento vulgar. Mas — Gucky ficou de
dedo em riste, numa atitude ameaçadora — um rato-castor pequeno não tem o direito de
criticar os adultos. Não se esqueça disso, Gaspar.
O “garotinho” sobressaltou-se.
— Gaspar? Por que vive inventando nomes para mim? Sempre me chama por um
nome diferente. Como me chamo mesmo?
Gucky ficou muito embaraçado. Ficou se espremendo Finalmente respondeu:
— Acontece, pequeno, que ainda estou procurando um nome que combine com
você. Por isso fico experimentando os que me vêm à cabeça. Presto atenção para saber
como soa cada nome, e geralmente não gosto. Muita gente apresentou sugestões, mas elas
não prestam. Quero que você receba um nome do qual possa orgulhar-se. Deve significar
alguma coisa e representar seu caráter. Será um nome sem igual no Universo. Você é meu
único filho, e eu me chamo de Gucky.
— Disso eu sei — asseverou o “garotinho”, muito sério. — O que isso tem a ver
com meu nome?
Gucky engoliu em seco e soltou um suspiro.
— Se não fosse eu, você nem existiria — filosofou. — Mas você ainda é muito
jovem para compreender isto. Trate de comportar-se e prepare-se para cumprimentar a
amiga Mory.
— Gostaria de chamá-la de tia Mory. Não posso?
Gucky fitou-o demoradamente. Finalmente acenou com a cabeça.
— Está bem. Tia Mory e tia Suzan.
***
O planador pousou na cobertura do palácio. Mory e Suzan esperavam num terraço
que ficava de um dos lados. As duas já conheciam o filho de Gucky, mas fazia muitos
anos que não o tinham visto. Sabiam que os ratos-castores têm vida muito longa, e por
isso demoram mais que os humanos para tornar-se adultos. O filho de Gucky já tinha
mais de trinta anos, mas ainda era uma criança.
— É quase do tamanho de Gucky — admirou-se Suzan quando os dois ratos-
castores saíram caminhando em sua direção. — Mas arrasta os pés que nem ele. É
engraçadinho, não acha?
— Não deixe que Gucky ouça isso — apressou-se Mory em advertir antes que as
duas fossem ao encontro dos visitantes, com as mãos estendidas. — Sejam bem-vindos
em Plofos, Gucky — disse enquanto se abaixava para cumprimentá-lo. — Você nem
imagina como sua visita nos deixa felizes.
Gucky parecia confuso, pois fitou Mory com uma expressão de espanto.
— Você parece cada vez mais jovem, Mory — murmurou. Depois empertigou o
corpo de um metro e apontou para o “garotinho”. — Permita que apresente meu filho.
O “garotinho” fez uma mesura elegante e encostou a mão de Mory aos lábios
pontudos.
— Muito prazer — piou em tom
estridente, para em seguida perguntar:
— Onde fica a cozinha?
Mory deu uma gargalhada sonora.
— Que tal? — perguntou a
Suzan. — Mal chegou, já está com
fome.
Gucky parecia embaraçado.
— Desculpe, ele ainda é muito
mal-educado. Bom dia, Suzan. Como
vai?
— Vou bem, Gucky. Está de
férias?
Gucky segurou a mão do
“garotinho”, pois não queria que ele
escapasse.
— Estou. Finalmente consigo
tirar férias de verdade. Acho que não
vou descansar muito, mas Iltu precisa
de um pouco de paz. Por isso resolvi
trazer meu filho. Espero que aqui haja
um porão onde possa trancá-lo. Ainda
não é muito bom na teleportação. Não escapará.
— Você vai ver — gritou o “garotinho”, indignado, e foi para perto de Suzan. —
Está contente, titia Suzan?
— É claro que ficamos felizes com sua visita — garantiu Suzan. — Você vai trazer
um pouco de variedade para nossa vida monótona — uma sombra atravessou seu rosto
alegre. — Geoffry está viajando de novo.
Gucky ficou calmo.
— Estava alegre por poder conversar com ele. Vai demorar?
— Não sei. Às vezes fica fora por algum tempo, outras vezes aparece de surpresa.
— Onde está o titio Geoffry?
Suzan deu de ombros.
— Não sei. Vamos entrar. O vento está muito frio. Seu filhinho acabará pegando um
resfriado.
Gucky fez um gesto automático e segurou a mão do “garotinho”. Entraram no
elevador e desceram ao primeiro pavimento, onde ficavam os aposentos de Mory.
— Vamos tomar uma coisa. Depois lhes mostrarei seus quartos — disse Mory.
De repente Gucky ficou muito distraído. Tomou sem muita vontade o suco de fruta
que lhe foi oferecido e colocou o copo sobre a mesa. Enquanto isso seu filhinho sugava
gostosamente a garrafa de suco de laranja. Sua boca abriu-se num sorriso.
— O que houve, Gucky? — perguntou Mory, preocupada. — Está cansado? Pode
dormir à vontade.
— Sim... talvez seja isso. Acho que estou cansado — parecia que estava mesmo. —
Um bom sono me fará bem. E a este safado também. Não se zanguem...
— De forma alguma. A bagagem logo vai chegar, e então vocês poderão instalar-se
confortavelmente. Vou acompanhá-los para cima...
Mais tarde, quando já estava deitado na cama e o “garotinho” dormia
profundamente, Gucky ainda quebrava a cabeça por causa da mudança que se verificara
com Mory e Suzan.
Não era uma mudança exterior, mas apenas uma alteração da mente das duas
mulheres.
De repente Gucky não conseguia ler seus pensamentos.
***
Nos dias e nas semanas que se seguiram não aconteceu nada. Gucky e seu filho
estavam se recuperando — pelo menos o filho estava. Quase sempre ficava com Suzan e
brincava com ela no parque enorme. Fazia prontamente tudo que ela pedia, o que deixou
Gucky estupefato.
Gucky mantinha-se ocupado com Mory. Passava horas conversando com ela, mas
não descobria nada. Por mais que se esforçasse, sua capacidade telepática falhava.
Sempre esbarrava num escudo que não conseguia atravessar. Teve uma impressão segura
de que Mory não possuía qualquer espécie de bloqueio mental. Era como se não estivesse
pensando. Mas isso era impossível.
Gucky já não sabia o que fazer. Acabou desistindo.
Sem dúvida havia um mistério em torno de Mory e Suzan. Se Mercant soubesse
disso, ficaria ainda mais desconfiado. E não deixaria de ter razão...
Quase todos os dias Gucky fazia exercícios de teleportação no parque juntamente
com o “garotinho”. O jovem rato-castor só nascera com o dom da telecinese. A
teleportação precisava ser aprendida, embora houvesse uma capacidade latente para ela
no jovem cérebro.
Gucky apontou para um grupo de árvores que ficava a cem metros de distância,
perto de um lago.
— Concentre-se nessas árvores, pequeno. Pode fechar os olhos, se achar que assim
será melhor. Concentre-se. Só pense que gostaria de estar lá. Já fez isso? Então salte!
Gucky ficou de olho no “garotinho”. Seu corpo começou a desmanchar-se. Quase
não se distinguiam seus contornos. De repente desapareceu.
No mesmo instante ouviu-se um berreiro horrível. Vinha do lago, em cujo centro de
repente havia ondas. Alguém agitava desesperadamente as pernas e os braços e gritava
com toda força.
O “garotinho” errara o salto. E não havia nada que ele temesse tanto como a água
fria.
Gucky teleportou e tirou o filho da água. Largou-o na margem e pregou-lhe um
sermão Disse que desse jeito nunca aprenderia a teleportar. Seria bobo que nem os outros
ratos-castores, que com umas poucas exceções só conheciam a telecinese.
O “garotinho” parecia abatido. Mas de repente viu-se um vestido colorido bem ao
longe. Era Suzan, que estava dando seu passeio diário. Estava a trezentos metros.
Gucky também viu, mas fez como se não tivesse notado sua presença.
— Então? — perguntou, muito sério, ao filho incompetente. — Vamos experimentar
de novo ou não?
— Você vai ver que sei teleportar muito bem — prometeu o “garotinho” — e
desapareceu.
Gucky ficou perplexa Olhou para o lugar em que seu filho estivera pouco antes. Em
seguida ouviu pios de alegria vindos de longe. Levantou os olhos. O “garotinho”
rematerializou pertinho de Suzan e corria com ela pelos campos floridos.
— Então é isso — murmurou Gucky, um tanto confuso. — Quando quer ele sabe.
Eu lhe mostro uma coisa! Onde já se viu enganar-me desse jeito? Você não perde por
esperar, safado! — Gucky saiu caminhando na direção em que estava Suzan. — Mas não
se pode negar que é meu filha Inteligente e sempre disposto para uma brincadeira — o
rosto de Gucky voltou a assumir uma expressão sombria. — Ele vai ver uma coisa, este
pavor do pai.
Gucky não sabia exatamente se devia ficar zangado ou orgulhoso.
Sentou em um dos numerosos bancos e deixou que os raios de sol acalentassem sua
barriga. Não suava uniforme. Sentia-se melhor dentro da própria pele.
Todo mundo se sente melhor assim.
Já fazia três semanas que Gucky chegara a Plofos, e ainda não tinha a menor idéia
de qual era o segredo que Mory e Suzan guardavam. Ignorava o paradeiro do Dr.
Waringer e não sabia o que estava fazendo. Gucky começou a duvidar de sua capacidade
de investigador criminal. Naturalmente colocou toda a culpa no “garotinho”, que só
pensava em bobagens e não deixava que ele se dedicasse à sua tarefa.
Gucky resolveu usá-lo um pouco, sem dizer do que se tratava.
Depois do almoço levou-o ao quarto.
— Precisamos ter uma conversa de homem para homem, filho — disse. — Não
precisa ficar convencido nem perder o juízo, seu preguiçoso imprestável. Pelo amor de
Deus, não me interprete mal. O que tenho a dizer terá de ficar entre nós, senão você
deixará de ser meu filho. Entendido?
O “garotinho” encolheu-se entre os travesseiros que guarneciam o sofá e fez Um
gesto afirmativo.
— Pois então preste atenção. Quero saber o que Suzan está fazendo neste instante.
Se eu me teleportar e aparecer de repente em seu quarto — ou seja lá onde ela se encontra
— Suzan ficará desconfiada. Mas você pode tomar todas as liberdades com ela. Se
possível, evite que sua presença seja notada. Mantenha-se afastado, observando-a. Depois
conte o que está fazendo. Entendido?
— Naturalmente. Não sou bobo. Não é o que você vive dizendo a quem queira
ouvir?
Gucky pigarreou. Parecia embaraçado.
— Não posso contar a todo mundo que você ainda é um tolo. Quando falo na sua
inteligência, só me refiro às suas aptidões naturais — Gucky estufou o peito. — Aos dons
que você herdou do pai — acrescentou em tom enfático.
— Será que da mamãe não herdei nada? — espantou-se o pequeno.
Gucky veio lentamente em sua direção.
— Não faça tantas perguntas, Zezinho — Gucky estacou, prestando atenção ao tom
da própria voz. Sacudiu a cabeça. — Não. Este nome também não combina com você.
Então. Compreendeu de que se trata? Quero saber o que Suzan está fazendo neste
momento.
— Entendido — piou o “garotinho” e concentrou-se. Depois do almoço Suzan só
poderia estar em seu quarto, que ficava no primeiro andar. — Saio logo...
Gucky não se sentiu muito à vontade dentro da própria pele, depois que o filho tinha
desaparecido. O pior não era que talvez pudesse ser descoberto. O que importava era que
ninguém soubesse que tinha sido mandado por Gucky. Seria uma vergonha. Além disso
Rhodan ficaria sabendo que seu melhor amigo se deixara usar numa missão de
espionagem.
Gucky já estava meio arrependido por ter-se metido nisso. Por que estava fazendo
isso? Só porque Marshall era um esquisitão que desconfiava de tudo? Afinal, o que fazia
o marido de Suzan não era da sua conta.
Mas era tarde para preocupar-se com isso, quanto mais recriminar-se. Ele se deixara
levar a usar seu filho, que não desconfiava de nada.
Gucky acomodou-se no sofá e pôs-se a esperar.
Seu filho acabaria voltando, a não ser que tivesse parado mais uma vez no meio do
lago. Mas nesse caso sua gritaria seria ouvida a alguns quilômetros de distância.
Cerca de quarenta minutos tinham passado quando se viu uma cintilância no quarto
de Gucky. Dali a instantes materializou seu filho, alegre e bem disposto, mas um pouco
embaraçado. Quando viu que Gucky estava dormindo, respirou aliviado e caminhou na
ponta dos pés para a poltrona mais próxima. Encolheu-se, satisfeito, e fechou os olhos.
Sua obrigação era não roubar o sossego de que tanto precisava seu pai maltratado.
Principalmente com as coisas enervantes que tinha de informar...
Gucky acordou de tarde. Quando viu o filho dormindo tranqüilamente na poltrona,
quase não conseguiu dizer nada. Respirou profundamente e levantou devagar. Ficou em
posição à frente do rebento adormecido, com as mãos nos quadris.
— Garotinho! — sussurrou. — Moleque. Você me ouve? O “garotinho”
espreguiçou, rolou para o outro lado e continuou a dormir. Até chegou a dar um pontapé
no pai, dormindo.
— Ei, malcriado! Acorde quando seu pai quer falar com você. Onde já se viu?
— Ah, é você?
— Sim, sou apenas eu — fungou Gucky, furioso, e agarrou o pequeno nos pêlos da
nuca, obrigando-o a sentar. — Por que não me acordou?
— Você estava dormindo, paizinho. Por que está tão zangado?
Gucky esforçou-se para não perder a calma.
— Viu algo de especial?
— Vi — cochichou o “garotinho”, envergonhado. — Uma coisa muito especial.
— Fale logo, cara! Foi a tia Suzan, não foi?
— Foi ela — o “garotinho” empertigou-se. Havia um brilho estranho em seus olhos
espertos. — Teleportei e rematerializei em seu quarto. Felizmente não estava lá. Estava
tomando banho. O chuveiro fazia muito barulho. Ela não me ouviu.
Gucky quase ficou sem fôlego.
— Estava tomando banho? E você levou meio dia para voltar?
— Só levei meia hora, paizinho. Você fez questão de frisar que eu deveria observar
a tia Suzan. Foi o que fiz. Fui até o banheiro e fique escondido atrás da cortina. Pude ver
perfeitamente a tia Suzan.
Por pouco Gucky não sofreu um ataque. Era como costumava chamar os ataques de
raiva durante os quais surrava o filho.
— Quer dizer que você...! Isso é uma insolência! Logo com a filha de Rhodan! —
Gucky sentou. — Tomara que ela não tenha notado nada. Que vergonha! Prefiro nem
pensar nisso. Meu filho...
— Tia Suzan não percebeu nada — grasnou o “garotinho”, convicto.
Gucky respirou aliviado.
— Ainda bem, meu rebento desavergonhado. Se Suzan...
— Mas tia Mory percebeu alguma coisa — interrompeu o “garotinho”.
Gucky fitou-o estupefato.
— O quê? Tia Mory? Como?
— Entrou no quarto e foi ao banheiro para entregar uma coisa a Suzan. Viu-me atrás
da cortina. Mas não me pegou. Teleportei de volta para nosso quarto. Não acha que fui
esperto?
Gucky voltou a fungar. Estava cada vez mais nervoso. Deu uma tremenda bofetada
no filho. O pequeno rolou da poltrona e foi parar em um dos cantos do quarto. Pôs-se a
berrar com toda força.
Gucky tapou os ouvidos. A porta abriu-se e Mory entrou. Correu para junto do
“garotinho” e abaixou-se.
— Que pai desnaturado! Bateu de novo em você? Onde já se viu bater num rato-
castor tão engraçadinho? É demais...
Gucky foi-se levantando.
— Perdi o controle dos nervos, Mory. Sabe o que ele fez? Entrou às escondidas...
— Eu sei. O que tem isso? Afinal, ainda é uma criança. Estava brincando e foi parar
no quarto de Suzan. Não vejo nada de errado.
— Não vê nada de errado...?
Gucky parecia um tanto surpreso.
— Além disso — piou o “garotinho” — foi papai que... Não conseguiu dizer mais
nada. Gucky usou a telecinese para fechar sua boca.
— Eu só lhe disse que fizesse alguma coisa para manter-se ocupado. Não poderia
imaginar que...
Mory fez um gesto para que Gucky se calasse.
— Não falemos mais sobre isso, Gucky. Isso poderia ter acontecido a você, se não
conhecesse a distribuição das peças. Quem sabe se um dia não vai parar dentro de uma
panela?
O “garotinho” saiu do seu canto.
— Se eu ficar calado você não me bate mais, papai?
— Há uma coisa que ele não deve contar? — perguntou Mory, que teve despertada
a curiosidade.
— Não é nada — respondeu Gucky com a voz apagada e segurou a mão do
“garotinho”. — Vamos brincar no parque. Passe bem, tia Mory. Encontramo-nos mais
tarde.
— Prefiro que não seja no banheiro — gritou Mory quando os ratos-castores já se
afastavam. Gucky estremeceu.
A fim de escapar a outros vexames, teleportou-se juntamente com o filhinho para
junto do velho lago.
Antes suportar a presença dos sapos plofosenses de cabeça sextavada que ser
interrogado pela tia Mory...
***
A operação que os cirurgiões aras tinham realizado em Mory e Suzan fora muito
complicada. Alguns nervos do cérebro tinham sido cortados. Em virtude disso Mory e
Suzan tornaram-se parapsiquicamente surdas. Ou melhor, mudas. Os nervos que levavam
os pensamentos ao centro de irradiação do cérebro não funcionavam mais. Por melhor
que fosse o telepata, não poderia ler os pensamentos das duas mulheres.
Era esta a modificação que chamara a atenção de Gucky.
Mory acabava de tomar banho e ia mandar preparar o desjejum que iam tomar
juntas quando a estação de rádio de New Taylor chamou. Um jovem oficial informou que
acabara de chegar uma mensagem longa da Terra, redigida em código, e que recebera
ordem de transmitir esta mensagem imediatamente ao chefe do governo de Plofos.
Mory franziu a testa.
— Nenhuma explicação?
— Nenhuma, chefe. Quer que envie um correio com o texto?
— É uma fita gravada?
— Sim, chefe.
— Está bem. Providencie para que eu receba a mensagem quanto antes. Obrigada.
Mory desligou.
Enquanto preparava automaticamente o desjejum, ficou refletindo sobre a notícia
vinda da Terra. Esta notícia fora transmitida num código secreto. Portanto, só podia ser de
Rhodan. Era ele que estava mandando a mensagem, o que era muito raro, especialmente
em código. Havia uma máquina de decodificação, mas esta era usada poucas vezes.
Quase todas as notícias, mesmo as de caráter pessoal, costumavam ser transmitidas em
linguagem aberta.
Devia ser uma notícia importante.
Suzan, Gucky e o “garotinho” reuniram-se na sala de café, como costumavam fazer,
e conversaram. Fizeram seus planos. Resolveram fazer uma excursão para as montanhas,
que ficavam perto dali. Gucky providenciaria os mantimentos a serem levados. Suzan
cuidaria do planador que os levaria às montanhas. O “garotinho” prometeu que se
comportaria muito bem.
Quando ouviu falar nos planos, Mory sorriu.
— Está certo. Mas teremos de adiar um pouco a partida. Chegou uma mensagem da
Terra. Tenho que decodificá-la e ouvi-la. Vocês poderão estar presentes. Não acredito que
Rhodan tenha segredos que vocês não devam conhecer. Vamos esperar até que chegue a
fita gravada.
De repente Gucky perdeu o apetite...
— Uma mensagem de Rhodan? Em código? O que será?
— Não faço idéia. Aguardemos.
Gucky teve seus pressentimentos, mas preferiu não comunicá-los aos outros. Será
que Rhodan descobrira que Mercant o enviara para cumprir uma missão secreta? Talvez
informasse Mory e desse ordem para que o rato-castor que o traíra fosse mandado de
volta à Terra.
Gucky não conseguiu pôr mais nada na boca.
— Que é isso? Perdeu a fome? — perguntou Mory, preocupada. — Resolveu
guardar a comida para devorar tudo quando estivermos nas montanhas?
— Paizinho costuma fazer isso — disse o “garotinho” em tom petulante.
Gucky nem lhe deu atenção, fato que mostrava como se sentia.
Assim que terminaram a refeição, pousou um planador de alta velocidade, trazendo
a mensagem de Rhodan. Mory colocou-a num aparelho especial, que fazia
simultaneamente a decodificação e a reprodução. Mory ligou o aparelho sem demonstrar
qualquer nervosismo.
A voz de Rhodan estava mudada. Soava um tanto mecânica. Mas não havia dúvida
de que era a voz dele.
Mory ouviu com muita atenção. O rosto de Gucky tornou-se mais alegre assim que
ouviu as primeiras palavras. Apressou-se em pegar um pãozinho que seu filho
generosamente lhe deixara.
— Para Mory Rhodan-Abro, chefe do governo de Plofos. Olá, Mory. Espero que
esteja bem. Vou indo bem. Estou transmitindo a mensagem em código para que ela não
seja ouvida. Surgiu um inimigo que nunca esperávamos, e que representa um perigo não
somente para a Terra, mas para toda a Via Láctea. Trata-se de um robô gigante vindo das
profundezas da galáxia, que nos ataca. Tem mais de duzentos quilômetros de diâmetro e
carrega milhares de couraçados ultramodernos. São naves que parecem ter sido
construídas na Terra, e é aí que está o segredo do misterioso atacante. Os primeiros
combates já foram travados. Fomos obrigados a retirar-nos. Não sabemos o que fazer,
Mory. Se o inimigo descobrir onde fica a Terra, estamos perdidos. Preciso reunir todas as
forças de que posso dispor, e peço-lhe que envie à Terra meu assessor mais competente.
Ele está gozando férias bem merecidas, mas preciso dele. Peça a Gucky que interrompa
suas férias e regresse imediatamente à Terra. O filho dele pode ficar com você. É só isto.
Amanhã você receberá outros detalhes. Desligo.
Mory ficou sentada. O aparelho desligou-se automaticamente.
— Então, Gucky? — perguntou. Gucky levantou os olhos.
— Como farei para sair daqui? A Poseidon só regressará do vôo de patrulhamento
daqui a oito dias, para levar-me juntamente com este moleque. Não posso esperar até lá.
— Eu lhe cedo uma nave. Você tem de atender ao chamado de Rhodan. Ele precisa
de você agora, não daqui a uma semana. Quem será o inimigo a que ele aludiu?
— Um robô; você ouviu. Um robô com duzentos quilômetros de diâmetro... Isso
não existe!
— Deve existir, senão Rhodan não teria dito o que disse.
— É uma loucura! — Gucky olhou para o filho. — Você irá comigo. Mamãe
cuidará de você. Não posso dar este trabalho à tia Mory.
— Ele não me incomoda — garantiu Mory.
— Ele vai comigo. Está resolvido! — decidiu Gucky.
Mory levantou-se e foi para perto do transmissor que a mantinha em contato com o
palácio.
— Quando quer partir? — perguntou, virando a cabeça. — Mandarei preparar a
nave.
— E a excursão nas montanhas? — perguntou Suzan com a voz triste. Ficara tão
contente com a excursão que iriam fazer. — Gostaria tanto se pelo menos o “garotinho”
pudesse ficar.
— Partiremos amanhã — decidiu Gucky. — Hoje vamos para as montanhas. Pouco
importa que haja um robô gigante...!
2
— Você viajará no cruzador mais moderno da classe Cidade que possuímos — disse
Mory no dia seguinte, enquanto tomavam café. — É o Asbesi, uma nave esférica de cem
metros de diâmetro. O comandante será o Major Ronar Meztu, um dos melhores oficiais
de minha guarda pessoal. É um plofosense no qual posso confiar plenamente. Dei ordem
para que cumpra suas ordens, Gucky, sejam quais forem. Não se aproveite disso.
Gucky coçou as costas.
— O “garotinho” irá comigo, não é mesmo? Espero que Meztu saiba disso e tenha
tomado as devidas providências.
— Naturalmente. A nave está preparada para decolar. O comandante aguarda suas
instruções.
Mory disse estas palavras em tom sério, mas com uma ponta de ironia que não
agradou nem um pouco a Gucky. Certamente acreditava que o rato-castor iria à Terra o
mais depressa possível e mandaria a Asbesi de volta.
Nem de longe imaginava que estava muito enganada, pois já no dia anterior Gucky
tomara uma decisão heróica, logo depois que havia chegado a segunda mensagem de
Rhodan, que relatava em palavras dramáticas o perigo tremendo vindo do robô gigante
que atravessava o Universo, destruindo tudo que fora criado pelos terranos.
O mistério animava Gucky, e naquele caso não se sabia absolutamente nada a
respeito do inimigo. Foi principalmente uma frase na mensagem de Rhodan que o levou a
modificar completamente seus planos. Rhodan dissera que era necessário conquistar uma
nave do robô, se possível intacta, senão não se conseguiria nada.
Diante disso Gucky resolveu conquistar uma dessas naves.
Era bem simples.
Naturalmente não disse nada a Mory.
— Muito bem. Partiremos dentro de duas horas — decidiu e fez um gesto
compenetrado em direção a Mory. — Muito obrigado pela colaboração Um dia você
compreenderá que com ela você salvou o Universo da destruição.
Mory encarou-o com uma expressão de espanto. Finalmente sorriu.
— Naturalmente, Gucky. Quer dizer que pretende partir daqui a duas horas? O
planador que o levará deverá estar aqui dentro de uma hora e meia. Assim teremos tempo
para despedir-nos com toda calma...
— Eu fico — disse o “garotinho” de repente e escorregou para o colo de Suzan.
Gucky fitou-o espantado.
— Você vai comigo! — disse em tom enérgico. — Mostre que é um rato-castor
adulto, pequenino. Só assim receberá um nome. Hei de lembrar-me de alguma coisa.
Mory inclinou o corpo.
— Será uma viagem de rotina para a Terra... Não vejo como seu filho poderá provar
que é um rato-castor adulto.
Gucky compreendeu que quase se traíra.
— Nunca se sabe o que pode acontecer num vôo, tia Mory — disse, calmo. — Não
acha?
Mory acenou com a cabeça, indiferente.
— Você tem razão, Gucky.
***
O Major Ronar Meztu era um oficial jovem e vistoso. Já estava preparado e
continuou impassível quando Gucky lhe foi apresentado. Fez continência e com isso
aceitou simbolicamente o rato-castor como seu superior por algum tempo.
Mory puxou Gucky para o lado.
— Cuide bem de seu filho. Combinado? Não exija demais dele. Ainda é jovem e
brincalhão. Não se esqueça.
— Como haveria de esquecer? Sou igualzinho a ele.
— Pois é — disse Mory, apertando a mão de Gucky. — Boa sorte.
— Bem que eu preciso — respondeu Gucky. — Li de novo a segunda mensagem de
Rhodan. As coisas não estão nada boas.
Mory assentiu com um gesto, e deixou Gucky entregue a Suzan, que se aproximava
correndo e puxou Gucky para o lado, dando a impressão de que também queria contar-lhe
um segredo.
Queria mesmo.
— Então, senhor oficial de patente especial — disse com um sorriso matreiro. De
repente inclinou-se e ficou com o rosto sério. — Cumpriu sua missão? Não houve
nenhum imprevisto?
Gucky engoliu em seco e olhou para o céu, embaraçado.
— Não sei do que está falando, tia Suzan. Que missão é esta?
— Não se faça de desentendido, baixinho. Não sou boba. Que férias que nada...!
Bem, esqueça. Transmitirei recomendações suas ao tio Geoffry assim que ele chegar.
Gucky não pôde ficar quieto.
— Quando é que ele chega? — perguntou.
— Transmita recomendações minhas a Allan D. Mercant — respondeu Suzan.
— A nave está preparada para decolar, senhor — disse o Major Meztu neste
instante.
Gucky ficou quieto porque podia despedir-se rapidamente. Abraçou as duas
mulheres, cutucou o filho para que fizesse uma mesura e saiu caminhando em direção à
Asbesi.
O Major Meztu e o “garotinho” seguiram-no prontamente.
Mory acompanhou o grupo com os olhos.
— É uma pena — murmurou. — Não consigo ficar zangada com ele.
— Nem eu — confessou Suzan. — Se bem que gostaria de saber o que ele queria
descobrir. Será que é por causa de Geoffry?
Mory fez um gesto afirmativo.
— Deve ser, mas ponho a mão no fogo de que seu pai não sabe nada. É bom que
nunca saiba. As intenções de seus amigos são boas. Vamos embora. Para nós a decolagem
de uma espaçonave não é nenhuma novidade...
Gucky ficou satisfeito com a cabine dupla que ocuparia juntamente com seu filho.
Meztu fez questão de mostrá-la pessoalmente.
— Mais alguma ordem, senhor? — perguntou Meztu e despediu-se.
Gucky examinou-o atentamente. Meztu não era um homem com o qual se podia
brincar. Era um plofosense imbuído do sentimento de honra e respeito. Respeitava
qualquer forma de vida e por isso tinha de ser respeitado.
— Obrigado, major. Não fique me chamando de senhor. Meu nome é Gucky. É
verdade que oficialmente o senhor está subordinado a mim?
— A Chefe Mory Abro decidiu assim.
Gucky encarou-o abertamente.
— O senhor gosta? Afinal, a nave é sua. Quem está no comando é o senhor.
Meztu sorriu.
— Como oficial devo obediência às ordens do chefe de governo. A bordo desta nave
estou subordinado ao senhor, Gucky.
Houve um ligeiro solavanco. A Asbesi acabara de decolar. Meztu fez uma ligeira
mesura e retirou-se. Gucky seguiu-o com os olhos. Em seguida empurrou o filho agitado
de volta para a poltrona.
— Já sei. Você quer ver a sala de comando e olhar as telas. Não precisa ter pressa.
Seja bem comportado. Fique aqui. Seu pai tem de providenciar uma coisa. Entendido?
Você não vai sair daqui.
O “garotinho” prometeu que obedeceria. Gucky retirou-se, tranqüilizado, para
mudar de roupa. Conhecia o cruzador tipo Cidade, pois tratava-se de um modelo terrano.
Não teria a menor dificuldade em teleportar-se diretamente para a sala de comando, mas
preferiu ir a pé e usar os elevadores. Por acaso passou pela sala de rádio principal.
Notou que o ambiente estava nervoso. O vôo para a Terra era uma rotina, e era raro
que numa operação de rotina se recebessem hipermensagens. Os oficias da sala de rádio
corriam de um lado para outro. Um deles estava fazendo uma ligação com a sala de
comando.
Demorou alguns instantes até que o rosto de Meztu aparecesse na tela do
intercomunicador. Parecia ofegante.
— Que houve? Mal saímos do sistema...
— Uma mensagem da Terra, senhor. É muito importante!
— Pode transmitir — ordenou Meztu.
Gucky ficou de pé num canto. Ninguém tomou conhecimento de sua presença. Via e
ouvia tudo. Ninguém lhe deu atenção quando o oficial da sala de rádio ligou o aparelho
que reproduziu a hipermensagem que acabara de ser armazenada. Não era a voz de
Rhodan. Mas era um terrano que falava. — Atenção, Plofos, Chefe Mory Rhodan-Abro
— disse a voz. — Terra falando, por ordem de Rhodan. Old Man atacou a frota terrana no
setor Alvorada com dez mil ultracouraçados. As forças terranas estão recuando. Receia-se
que o inimigo avance para a Terra e ataque o planeta. Sofremos perdas. Pede-se que os
aliados ajudem qualquer unidade terrana em caso de necessidade. O contra-ataque só
poderá ser desfechado quando conhecermos as características do atacante. Forneceremos
a análise assim que conseguirmos apoderar-nos de uma nave inimiga intacta. Fim da
mensagem.
Gucky teleportou de volta para seu camarote. A notícia surpreendeu-o, mas só
reforçou a decisão já tomada de não voltar diretamente à Terra. O setor Alvorada ficava a
pouco mais de dois mil anos-luz da Terra, na direção leste, mais para a periferia da Via
Láctea. Era uma posição defensiva contra eventuais ataques dos blues. A distância entre a
posição em que se encontrava a Asbesi e o setor Alvorada era de aproximadamente sete
mil anos-luz.
— Fique quieto, preciso pensar — disse Gucky ao filho, que quis fazer perguntas.
— Volto logo.
Em seguida teleportou-se para a sala de comando, levando os resultados de seus
cálculos.
Meztu conseguiu esconder o espanto, quando viu o teleportador aparecer de repente.
Naturalmente fora informado sobre as faculdades do rato-castor, mas não era todos os
dias que se via alguém materializar do nada.
— Quero fazer uma sugestão, major. Pode dispor de alguns minutos?
Meztu fez sinal para que outro major se aproximasse.
— Assuma por algum tempo, Regai Kherma. Continue na mesma rota. As
coordenadas são conhecidas. O vôo linear será iniciado dentro de cinco minutos.
— Qual será a distância e a direção? — apressou-se Gucky em perguntar.
Meztu não se mostrou nem um pouco espantado.
— Dois mil anos-luz na direção leste.
— Está bem. Queira acompanhar-me, major.
Meztu levou Gucky ao seu camarote. Sem demonstrar nenhuma curiosidade,
ofereceu uma poltrona e sentou em outra.
— Suponho que queira comunicar-me uma coisa muito importante.
— É importante, mas vou resumir — disse Gucky enquanto alisava o conjunto-
uniforme. — A direção é mais ou menos esta, mas no próximo salto deverá haver um
ligeiro desvio para as coordenadas B. Não iremos mais à Terra. Seguiremos para o setor
Alvorada, que o senhor conhece.
Desta vez Meztu não pôde dissimular a surpresa. Quase chegou a levantar da
poltrona, mas logo deixou-se cair novamente.
— Alvorada, Gucky? Não compreendo. Recebi ordens de levá-lo o mais depressa
possível à Terra, e pretendo...
— O senhor disse que tenho o direito de dar-lhe novas instruções, e estas são no
sentido de voarmos para o setor Alvorada. Posso explicar os motivos.
— Ficarei muito grato se fizer isso.
— O senhor ouviu o que aconteceu. Estamos sendo atacados por um robô gigante. É
semi-esférico, com o corte da esfera fechado, e tem duzentos quilômetros de diâmetro. É
uma estrutura medonha, que não pode ter sido fabricada por seres humanos. Mas não há
dúvida de que este robô, chamado de Old Man, leva a bordo espaçonaves de modelo
terrano. Rhodan está fugindo do inimigo formidável. Enquanto não souber quem é o
inimigo com que se defronta, não pode descobrir e mobilizar os recursos necessários
contra ele. O senhor sabe o que isso significa. Se a Terra for perdida, ninguém poderá
salvar Plofos. Por isso é bem natural que nos dirijamos para o setor Alvorada.
O Major Meztu fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— Por quê? — perguntou.
Gucky suspirou.
— Mory não lhe disse quem eu sou? Não contou que mais de uma vez salvei o
Universo da destruição total? Não sabe que sou amigo de Rhodan e seu auxiliar mais
importante? Não sabia? Pois então fique sabendo. E diante disso o senhor há de
compreender que a Asbesi vai aprisionar uma das naves do robô e entregá-la a Rhodan.
Parte dos elogios por essa ação caberá ao senhor.
Meztu engoliu em seco.
— Elogios? Receio que acabe tendo problemas se não levá-lo são e salvo à Terra.
Gucky sacudiu a cabeça.
— Assumo toda a responsabilidade. Estou dando ordens para que mande determinar
as novas coordenadas e siga em direção ao setor Alvorada. O mais depressa possível.
Outra coisa. Não haverá nenhuma troca de mensagens com a Terra ou a frota terrana.
Mantenha os hiper-rádios na recepção. Precisamos manter-nos informados sobre os
acontecimentos. Meztu ainda parecia indeciso.
— Não sei...
— Mas eu sei, meu caro major. O senhor vai transformar-se num herói galáctico.
Lutará a meu lado com um inimigo incrível. Isso bastará para granjear-lhe fama; uma
fama imortal. Quando entregarmos a nave aprisionada a Rhodan, sua promoção será
praticamente certa. Então. Estamos entendidos?
O Major Meztu levantou-se. De repente seus lábios abriram-se num sorriso. Num
sorriso de alívio e alegria. A expressão de seu rosto mudou. Parecia mais arrojado e
agitado. O major entesou o corpo.
— É claro que o senhor me obrigou a tomar esta decisão — disse, piscando os
olhos. — Acho que quando tivermos de pagar a conta, sua influência terá sido maior que
a minha.
Gucky retribuiu o sorriso.
— Ora, meu caro major — disse. — Sei perfeitamente que ninguém se sente mais
feliz que o senhor quando está para enfrentar uma aventura. Não se esqueça que sou
telepata. Vi logo que o senhor era o homem de que eu precisava. Tomara que possamos
contar com sua tripulação.
— Quanto a isso o senhor pode ficar tranqüilo — garantiu Meztu. — Se necessário,
os homens atravessarão o inferno comigo.
— Então tudo vai dar certo — profetizou Gucky.
***
A ação planejada por Gucky representava um ato de insubordinação. Afinal,
recebera ordem de voltar à Terra para entrar em ação com outros mutantes. Mas estava
fazendo exatamente o contrário. Não agia assim para prejudicar quem quer que fosse;
queria ser útil a Rhodan. E ao Império Solar. A toda a Humanidade.
Os motivos que levavam Meztu a sentir-se alegre com a nova tarefa eram bem
diferentes. Naturalmente a perspectiva de prestar um serviço aos terranos também
representava um estímulo para ele. Rhodan não costumava regatear elogios e
recompensas quando alguém se distinguia numa tarefa especial. Mas era antes de tudo
seu gênio impulsivo que o levava a obedecer às ordens de Gucky sem consultar sua
chefe.
As novas coordenadas foram determinadas. Na segunda etapa do vôo linear a nave
seguiu em direção ao setor Alvorada.
Gucky deu uma volta pela nave, para escolher os homens de que precisava para a
operação que tinha em vista. Vasculhou telepaticamente os cérebros dos plofosenses.
Desta forma pôde fazer sua escolha, na certeza de ter encontrado os melhores homens.
Mas estes homens ainda não sabiam da sorte que os alcançara. Só seriam informados pelo
Major Meztu pouco antes de entrarem em ação.
Na sala de hiper-rádio reinava uma atividade intensa. Constantemente chegavam
mensagens da frota terrana.
As naves de Rhodan retiravam-se do setor Alvorada. Era uma retirada em boa
ordem, mas nem por isso deixava de ser uma fuga do inimigo formidável. Até mesmo os
potentes canhões conversores falhavam diante da superioridade de forças. O inimigo
dispunha dos mesmos canhões conversores, além dos campos hiperdefensivos verdes.
Pela primeira vez Rhodan e seus assessores não sabiam o que fazer. Isso acontecia
principalmente porque as características do inimigo eram estranhas e bem conhecidas ao
mesmo tempo.
A freqüência das mensagens aumentava à medida que a Asbesi se aproximava do
setor. Certa vez foram recebidos pedidos de socorro, mas estes vieram de um ponto
distante e afastado da rota, motivo por que não se podia fazer nada.
O Major Meztu não tirava mais o uniforme. Permanecia na sala de comando e
recorria aos medicamentos para manter-se acordado. Mas estava tão nervoso que mesmo
sem medicamentos provavelmente não teria adormecido, mesmo que estivesse na cama.
Gucky aproximou-se e sentou ao lado de Meztu. As estrelas que apareciam nas telas
de imagem eram menos numerosas. A Asbesi aproximava-se da zona periférica da Via
Láctea, onde as estrelas eram mais escassas.
— Anotei alguns nomes — disse Gucky enquanto entregava um bilhete a Meztu. —
Pelo que pude notar, são os melhores homens da tripulação — audaciosos, arrojados e
destemidos. Naturalmente deixo tudo a seu cargo.
Meztu leu os nomes e confirmou com um gesto.
— Estou surpreso, Gucky. O senhor encontrou as mesmas pessoas que eu teria
escolhido. Com alguns deles houve problemas de disciplina, mas isto é um bom sinal
quando se trata de uma missão arriscada. Em geral os soldados que pior se comportam
nos quartéis são os melhores combatentes. É uma velha história — Meztu mostrou o
bilhete. — Isto se aplica principalmente ao Kmehr. É um oficial de reputação duvidosa,
mas tenho certeza de que durante a missão o senhor poderá confiar nele. É uma excelente
oportunidade para ele reparar certas faltas cometidas em tempo de paz. Será o chefe de
seu comando?
— É o único oficial que escolhi. Os outros são aspirantes a oficiais ou cadetes.
— É mesmo um comando de piratas — disse Meztu com um sorriso. — Com essa
turma o senhor pode arrancar o diabo do inferno.
— Receio que o robô Old Man seja pior que o diabo — respondeu Gucky e olhou
paras as telas. — Aí está o setor Alvorada. Acho que a coisa logo vai começar. Quer dizer
que estamos entendidos? Agiremos conforme foi combinado...?
— Acho que é a única solução viável, Gucky. Mas precisaremos de muita sorte. A
fuga das naves terranas facilita nossa missão. Pode fazer com que o inimigo se descuide.
Talvez ele nos subestime.
Gucky voltou a pegar o bilhete.
— Dê ordem para que os homens se preparem. Explique-lhes do que se trata.
Quando chegar a hora de entrar em ação, não haverá mais tempo para isso. Trate de ficar
sempre ao meu alcance. Instruirei meu filho. Ele nem desconfia do que está acontecendo.
— Terá uma surpresa! — disse Meztu e voltou a cuidar da navegação.
***
No setor Alvorada a situação era caótica.
Nesta parte da galáxia os sóis não eram muito numerosos, mas as telas dos
rastreadores mostravam constantemente estrelas chamejantes. Na verdade, não se tratava
de estrelas, mas de espaçonaves que se transformavam em energia. De vez em quando os
perseguidores localizavam uma nave terrana isolada e a destruíam. Mas o inimigo
também sofreu perdas.
Depois de pouco tempo os rastreadores energéticos da Asbesi se desligaram
automaticamente, porque as ondas de choque eram tão intensas que os instrumentos
supersensíveis não suportavam a carga. Ainda bem que os rastreadores de impulsos
estavam funcionando, permitindo a observação do espaço.
A Asbesi permaneceu no espaço normal, aproximando-se sorrateiramente das
unidades em combate. Era difícil saber quem era amigo e quem era inimigo, uma vez que
as naves eram do mesmo modelo.
Um modelo terrano.
Era uma coincidência incrível, que não podia ter surgido por acaso.
Que mais poderia ser? Gucky tomara sua decisão. Descobriria o segredo. Meztu,
que acompanhava a movimentação das outras naves, recostou-se na poltrona e olhou para
Gucky. O rato-castor acabara de sentar novamente a seu lado.
— Existe um meio de distinguir os terranos das unidades pertencentes ao robô. É
simples. As naves de Old Man voam sem piloto humano. São dirigidas por um robô.
Numa manobra rápida nota-se a diferença. As reações de um cérebro positrônico são
diferentes das de um cérebro humano. Espero que alguns terranos já tenham percebido a
diferença.
— Acontece que os rastreadores não estão funcionando como deviam. Como
poderíamos distinguir as diversas unidades a grande distância?
— Acoplamos as telas de imagem aos rastreadores de impulsos. Desta forma
podemos realizar uma perfeita observação e localização. Não se preocupe, Gucky. O
senhor terá seu inimigo.
— Tomara.
Gucky voltou ao seu camarote. Assim que a Asbesi se encontrasse numa posição
favorável, seria avisado.
— Então, “garotinho”. Como se sente antes de uma missão perigosa?
O “garotinho” roía uma cenoura do planeta Plofos.
— É muito dura — piou em tom de reprovação, dando a impressão de que ficara
surpreso com os problemas do pai, quando a alimentação deixava a desejar. — Quer
saber como me sinto? Muito bem. Desta vez não errarei o salto.
— Se errasse, as conseqüências seriam lamentáveis para você mesmo, meu filho.
Estaria... bem... estaria perdido.
Gucky esforçava-se para não ensinar ao filho o linguajar que aprendera de Bell. Às
vezes era difícil.
— Onde estou? — perguntou o “garotinho”, perplexo.
— No espaço! — conseguiu dizer Gucky antes de perder as boas maneiras. —
Acontece que teremos de saltar diretamente para a nave inimiga, levando três homens. Eu
levarei dois e você um. Acha que consegue?
— Será uma brincadeira de criança — afirmou o “garotinho”, reforçando as
esperanças secretas do pai.
— Então é um trabalho para você — respondeu Gucky, satisfeito.
Dali a duas horas Meztu chamou.
Gucky estava dormindo, mas acordou imediatamente.
— Que houve?
— Uma nave de Old Man parada não muito longe daqui. Parece que espera a
oportunidade de destruir-nos. Ainda estamos muito longe.
Gucky vestiu o traje de combate arcônida, com o qual podia voar e tornar-se
invisível. Pegou uma pistola energética e guardou-a no cinto. Depois vestiu o filho. Mas
não lhe deu nenhuma arma. Seria contra as regras da boa educação, mesmo em combate.
— Preste atenção, filho. É a primeira vez que você pode acompanhar seu pai em
uma de suas famosas missões. Mostre que tem garra de herói. Ainda é jovem e,
inexperiente. Faça o que eu disser. Se não fizer isso, pode colocar em perigo a vida de
todo o grupo. Entendido?
— Entendido, paizinho.
— Muito bem. Não se esqueça do que eu disse. Cumpra minhas ordens sem
questioná-las. Comigo pode fazer isso sem medo; não sou um desses generais malucos
que aparecem tantas vezes na história terrana. Assumo a responsabilidade pelas ordens
que dou. Você levará um plofosense para a nave inimiga, enquanto eu transportarei dois.
Feito isto, voltaremos. Saltaremos tantas vezes quantas for possível. Escolhi vinte
homens ao todo. Tudo depende de conseguirmos pôr fora de ação por bastante tempo o
campo defensivo hiperenergético da outra nave. Talvez não consigamos fazer isso uma
única vez...
O intercomunicador zumbiu. Gucky fez a ligação e o rosto de Meztu apareceu na
pequena tela de imagem instalada em seu
camarote.
— Naves terranas se aproximam.
Tivemos de identificar-nos. Estão atacando a
nave isolada de Old Man. Se ficarmos alerta,
esta poderá ser a oportunidade que o senhor
está procurando, Gucky.
— Logo estarei na sala de comando. Os
homens escolhidos estão preparados?
— Tudo preparado. Venha. Estamos à sua
espera. Gucky segurou a mão do “garotinho” e
os dois teleportaram-se para a sala de comando.
A nave inimiga aparecia nitidamente na tela
panorâmica. Era um veículo espacial
gigantesco de dois quilômetros e meio de
diâmetro. Estava completamente envolta no
campo defensivo hiperenergético, que a
tornava inexpugnável. Só mesmo o fogo
concentrado de uma força bem superior faria
subir o consumo de energia do campo a ponto
de provocar seu desmoronamento por alguns
instantes. Quando isso acontecesse, a oportunidade surgiria.
As unidades terranas acabavam de cercar a nave inimiga e abriram fogo contra o
gigante, que não parecia disposto a fugir.
A Asbesi mantinha-se um pouco afastada, mas bastante próxima para que Gucky
pudesse fazer um salto segura Os vinte plofosenses escolhidos pelo rato-castor estavam à
espera. Seus rostos pareciam tensos e nervosos. Era a primeira vez em toda vida que
seriam teleportados. Isso não era para qualquer um, e a sensação estranha que
experimentavam na região do estômago não podia ser confundida com o medo.
Meztu fez a Asbesi aproximar-se ainda mais da nave robotizada, que começava a
responder ao fogo dos terranos. Sóis atômicos surgiam perigosamente perto dos veículos
terranos.
O Major Meztu e Gucky não tiravam os olhos do inimigo.
— A superioridade é muito grande. Não demorarão a fugir — conjeturou o rato-
castor. — Por enquanto não há sinal de que o campo defensivo não esteja resistindo ao
bombardeio.
— Já tremeu — objetou Meztu. — O bombardeio acabará provocando seu
desmoronamento. Só não se sabe quando.
O brilho esverdeado mudou de intensidade. Pulsava, tomando-se ora mais forte, ora
mais fraco. De repente desapareceu.
— É agora! — gritou Meztu com a voz rouca.
Gucky segurou a mão do Tenente Kmehr e agarrou outro homem, para estabelecer o
contato físico necessário à teleportação. Certificou-se de que o “garotinho” também
estava preparado para teleportar. Mais um olhar para a nave robotizada
momentaneamente desprotegida, para orientar-se — e os dois ratos-castores e três
plofosenses desapareceram...
3
Sem Gucky por perto, o Tenente Kmehr sentiu que o sentimento de segurança e
confiança o abandonava. Estava numa nave robotizada que seguia para um destino
desconhecido, a sós com seus cinco homens. Em qualquer canto podia haver um inimigo
escondido, que só esperava o momento de persegui-los implacavelmente.
— Será que não deveríamos tentar danificar seu sistema de propulsão? Temos
pequenas bombas atômicas. Se a nave for arrancada para fora do vôo linear, poderá ser
localizada de novo — o cadete Wahro estava parado, tentando orientar-se. — Poderíamos
descer no elevador. Seria o caminho certo.
Kmehr nem queria ouvir falar nisso.
— Os terranos querem que a nave lhes seja entregue intacta. Além disso pode haver
uma catástrofe se entrarmos no setor de propulsão e causarmos estragos. Não se esqueça
de que estamos numa nave robotizada. E as reações dos robôs são diferentes das dos
humanos.
Não se encontraram com ninguém enquanto se dirigiam ao elevador principal.
Parecia que os robôs tinham adotado uma nova tática. Certamente concentrariam suas
forças num ataque de surpresa. Um silêncio apavorante enchia o corredor. Só se ouviam
os passos dos plofosenses, que sentiam novamente as vibrações embaixo dos pés. Eram
causadas pelos conversores e propulsores.
O ataque começou perto da entrada do elevador. Ainda não se via nenhum robô.
Uma parede energética ofuscante apareceu à frente dos homens, fechando-lhes o
caminho. No mesmo instante uma escotilha fechou o corredor atrás deles.
Mais uma vez tinham caído numa armadilha.
— Chame o rato-castor — disse Kmehr a seu substituto. — É o único que pode
tirar-nos daqui. Tomara que consigamos estabelecer contato.
Gucky foi chamado várias vezes pela freqüência que haviam combinado. Não
houve resposta. O rato-castor devia estar tão ocupado que não podia prestar atenção ao
rádio, ou então havia algo de errado com o aparelho.
— Não responde — informou Brenton com uma ponta de medo na voz. A parede
energética deslocou-se lentamente na direção dos homens. — Estes robôs malditos nos
desmancharão em energia.
Kmehr fitou a parede chamejante. Encontrava-se a apenas vinte metros e vinha
lentamente em sua direção. Uma voz mecânica saiu de um alto-falante oculto. Falava um
intercosmo impecável.
— Atirem suas armas para dentro da cortina energética — disse. — Vocês têm dez
minutos. Suas vidas serão poupadas.
— Os robôs querem que nos rendamos — murmurou Kmehr. — Brenton e Bingo,
tentem destruir a escotilha com os raios energéticos. Vamos retirar-nos e procurar outro
caminho que leve à sala de comando. Gola, continue tentando entrar em contato com
Gucky. Falarei com o robô — caso ele possa ouvir-nos — esperou que Brenton
começasse a bombardear a escotilha com a arma energética e voltou-se na direção em que
ficava o alto-falante invisível que acabara de transmitir o convite de capitularem. —
Enquanto a cortina energética não for retirada, não deporemos as armas. Lutaremos.
Não houve resposta.
— Falta pouco — gemeu Brenton e enxugou o suor da testa. — Que calor danado.
De repente a parede de energia desapareceu, deixando livre o caminho para o
elevador principal. Os dois ratos-castores estavam do outro lado.
— Vocês não podem ser deixados sós por um instante — disse Gucky em tom de
reprovação. — Olhe que estávamos bem embalados. Andem depressa. Não posso segurar
o mecanismo automático para sempre. Quando soltar, a barreira energética aparecerá de
novo. Dêem-se por felizes por estarem em companhia de um telecineta...
Os plofosenses tiveram muita pressa em atravessar o lugar perigoso. Brenton, que
parecia insatisfeito, recarregou sua arma energética. Devia estar aborrecido por ter
derretido em vão a escotilha.
Depois que se tinham afastado um pouco, Gucky ficou mais contrariado. Havia
outra parede energética no corredor, mas naquela altura já não representava nenhum
perigo.
— Meu filho e eu precisamos ir embora — disse Gucky.
— Ali fica o elevador, Kmehr. Encontramo-nos na sala de comando.
Antes que Kmehr pudesse dar uma resposta, apresentando uma sugestão que em sua
opinião era melhor, os dois ratos-castores desapareceram.
— Que tipos esquisitos — comentou Brenton. — Vêm para salvar-nos e
desaparecem sem mais aquela. Paciência. Não se pode fazer nada...
— Vamos pegar o elevador! — ordenou Kmehr, que bem no íntimo sentia-se mais
tranqüilo porque Gucky acabara por entrar em ação no último instante. Se voltassem a
enfrentar dificuldades, ele os ajudaria de novo. — Vamos atrapalhar o jogo dos robôs.
Que criaturas desalmadas!
Quando atingiram a entrada do elevador, tiveram uma decepção amarga. Kmehr fez
uma experiência. Pôs o pé dentro do poço e deslocou o peso para a frente. Por pouco não
despencou. Não havia campos antigravitacionais que pudessem levá-lo para cima.
O elevador fora desativado.
— Será que existem outros elevadores? — perguntou Bingo.
— É claro que sim, mas devem estar nas mesmas condições — Kmehr já estivera
mais de uma vez num ultracouraçado e era capaz de orientar-se em seu interior. — Vamos
tentar as subidas de emergência. Será uma boa caminhada. Levaremos cerca de trinta
minutos para chegar à sala de comando.
— Gostaria de saber o que estão fazendo os ratos-castores — resmungou Brenton,
que caminhava ao lado de Kmehr. — São teleportadores, mas levam tanto tempo quanto
nós.
— Não se esqueça de que estamos numa nave robotizada — disse Kmehr. — Acho
que tentam desativar certas instalações. Tomara que não tenha sido Gucky que estragou o
elevador.
— Então ele devia...! — principiou o sargento Brenton, mas logo ficou quieto.
Lembrou-se de que Gucky era telepata. — Bem, um passeio não nos fará mal.
Não foi um passeio.
Quando atingiram os primeiros degraus da escada de emergência, havia algumas
máquinas de combate do tipo mais pesado à sua espera. Os robôs estavam parados junto à
subida, prontos para atirar, com os braços armados em ângulo e a luz de controle que
havia em sua testa acesa. Um deles, que estava com os braços baixados, devia ser o porta-
voz do grupo. Deu alguns passos na direção dos plofosenses.
— O caminho que dá para a sala de comando está interditado — disse. —
Entreguem as armas. Serão bem tratados. O Coordenador quer falar com os senhores.
Kmehr mal pôde evitar que Brenton atirasse no porta-voz do grupo. Sabia que era
inútil negociar com um robô, mas queria ganhar tempo. Talvez Gucky atingisse a sala de
comando antes que fosse tarde. Uma vez lá, teria possibilidade de influenciar o
funcionamento dos robôs que se encontravam a bordo, ou pô-los fora de ação.
— Onde está o Coordenador? — perguntou.
Para sua surpresa, a resposta foi imediata:
— Na semi-esfera central.
Kmehr não sabia o que significava isso. Nem imaginava que a semi-esfera pudesse
ser Old Man.
— Muito bem. Leve-nos à sua presença.
— Só poderão ir desarmados.
— Não entregaremos nossas armas.
— Neste caso nós os destruiremos. É a ordem que nos foi dada.
Os robôs não levavam muito tempo para tomar uma decisão. Seu tempo de reação
era igual a zero. Mal a última palavra acabou se der pronunciada, abriram fogo contra os
plofosenses.
Kmehr já imaginava que isso iria acontecer. Deu um grito de alerta antes que fosse
tarde e os homens trataram de proteger-se. Os tiros energéticos dos robôs atingiram o
lugar em que tinham estado pouco antes.
Os plofosenses resistiram valentemente, mas os robôs estavam em situação de
superioridade. Receberam reforços pela subida de emergência. A situação de Kmehr e seu
comando tornou-se delicada.
Não podiam pensar em retirar-se, pois atrás deles teriam de enfrentar o mesmo
perigo.
Só havia um caminho: para a frente.
— As bombas, Brenton. Prepare os detonadores. Acho que uma bastará.
Recuaremos cinqüenta metros, até a curva do corredor. Vamos! Depressa.
Brenton tirou uma bomba nuclear do tamanho de um punho humano que trazia
numa bolsa presa ao cinto. Certificou-se de que o mecanismo de tempo tinha sido
regulado para trinta segundos, apertou o botão vermelho e esperou que os companheiros
estivessem protegidos. Finalmente arremessou a bomba entre os robôs que atiravam. Foi
atingido de raspão no braço.
Não sentiu a dor, pois sabia que exatamente dentro de quinze segundos o lugar em
que se encontrava se transformaria num inferno. Nem tentou proteger-se. Correu o mais
que pôde para trás, para a curva do corredor. Atirou-se para onde estavam os outros.
— Está ferido? — perguntou Kmehr, preocupado.
— Só uma queimadura. Não é grave. Fechem os olhos. Vai relampejar...
Relampejou mesmo!
A onda de pressão e calor varreu o corredor, sendo freada na curva. A parede
metálica foi entortada. A onda continuou sua corrida. Passou por cima dos plofosenses
deitados no chão e diminuiu de intensidade.
Kmehr levantou. Estava com as sobrancelhas chamuscadas.
— Tomara que os robôs não tenham sido construídos à prova de fusão —
resmungou.
Brenton passou uma pomada anti-queimadura na ferida.
— Dificilmente. No momento da detonação a bomba gera uma temperatura
equivalente à de um sol. Ninguém agüenta isso, nem mesmo um robô. Vamos andando.
Ainda bem que estas bombas são livres de radiações. O calor já diminuiu.
Os robôs reunidos junto à subida de emergência tinham sido destruídos. Estavam
espalhados, transformados em montões disformes. Alguns deles tinham sido atirados a
vários metros de distância. Não estavam mais em contato com o robô que comandava a
nave.
Os homens passaram cuidadosamente por cima dos destroços, alguns dos quais
ainda estavam incandescentes, e começaram a subir os degraus. Chegaram sem incidentes
ao andar de cima.
***
Um solavanco ligeiro sacudiu a nave robotizada e o tipo das vibrações constantes
sofreu uma modificação quase imperceptível. Gucky compreendeu imediatamente que a
VIII-696 acabara de retornar ao universo einsteiniano. O vôo linear chegara ao fim.
As causas podiam ser várias. Talvez a nave se encontrasse perto do destino e
prosseguisse em velocidade inferior à da luz, ou então preparava-se para outra etapa,
calculando as coordenadas.
Gucky e seu filho resolveram verificar qual era a causa. Teleportaram-se para a
cúpula-observatório, uma vez que ainda achavam perigoso entrar sem mais aquela na sala
de comando. Devia haver um dispositivo de segurança.
Viam-se novamente as estrelas. Na zona periférica as que ficavam numa direção do
vôo eram pouco numerosas, mas do outro lado elas se aglomeravam, formando uma
espécie de véu leitoso. A nave viajava em direção ao centro da Via Láctea. Tinha
percorrido um trecho relativamente curto em vôo linear — talvez uns vinte anos-luz.
Um gigantesco sol verde-azulado brilhava exatamente na direção do vôo. A
distância era de vinte ou trinta minutos-luz no máximo.
A nave VIII-696 seguia exatamente nessa direção.
— Vamos voar para dentro do sol? — perguntou o “garotinho”, amedrontado.
— Não sei, pequeno. Parece que sim. Acho que temos de fazer alguma coisa, senão
perdemos a nave — e a vida.
— Estou com medo — confessou o pequeno.
Gucky colocou a mão no ombro do “garotinho”.
— Daremos um jeito — prometeu em tom confiante. — Um robô comandante não
abandona sua nave sem mais aquela. Só quer blefar para obrigar-nos a desistir. Sabe que
não será fácil agarrar dois teleportadores, uma vez que suas máquinas de combate são
mais lentas que nós. Além disso ainda não nos classificou como inimigos, embora o tenha
feito com os plofosenses, que lhe dão muito trabalho.
“Talvez consigamos entrar na sala de comando sem que aconteça nada de grave. Se
não somos inimigos...”
Gucky olhou mais uma vez para a estrela gigante, antes de rememorar a situação da
sala de comando. A nave era igual aos veículos espaciais terranos do mesmo tipo. A sala
de comando ficava mais para o centro. A distância devia ser de aproximadamente
oitocentos metros.
— Dê-me a mão, pequeno. Não vamos teleportar diretamente para a sala de
comando, mas para o corredor que fica à frente dela. Percorreremos os últimos metros a
pé. Ainda temos cerca de duas horas, já que não estamos voando à velocidade da luz.
Logo saberemos.
Antes de teleportar, Gucky comunicou-se pelo rádio com Kmehr. O tenente
respondeu imediatamente.
— Por aqui está tudo em ordem. Liquidamos mais uma barreira e continuamos a
avançar para cima. Alguma novidade?
— Estamos voando na direção de um sol, Kmehr. Os robôs querem acabar com
nosso moral. Eu e meu filho vamos à sala de comando. Quando chegarem lá, esperem.
Em hipótese alguma devem entrar na sala de comando. Com isso poderiam ativar algum
comando de emergência que faz explodir a nave.
— Nem pensamos em entrar.
— Voltarei a chamar.
Gucky desligou. Concentrou-se e saltou, levando o “garotinho”.
O corredor em que foram parar era mais largo que nos outros lugares, e estava
deserto. A porta da sala de rádio estava aberta. Não se via um único robô no recinto
repleto de aparelhos e telas de imagem. As poltronas anatômicas estavam vazias.
Poltronas anatômicas feitas para os robôs! Era uma loucura.
Gucky soltou a mão do “garotinho”.
— Se acontecer uma coisa, salte imediatamente. Não importa para onde, mas trate
de dar o fora. Entendido?
— Entendido, paizinho.
— Muito bem. Ali adiante fica a entrada da sala de comando. Vamos andando. Não
precisa ter medo. Os robôs não nos farão nada. Não somos humanos. Ainda bem!
Gucky conhecia o funcionamento da fechadura mecânica, que era igual à das naves
terranas. Dispensou a telecinese. A porta abriu-se imediatamente. Escorregou
silenciosamente para o lado, deixando livre o caminho.
Só havia um robô no gigantesco recinto semicircular. Estava desarmado; só exercia
funções de controle. Caminhava lentamente de um console de comando para outro,
examinava os instrumentos e aparelhos e não tomou conhecimento dos intrusos.
Gucky voltou a segurar a mão do filho, para poder levá-lo embora bem depressa
caso isso se tomasse necessário. Em seguida aproximou-se do robô.
— Poderia entrar em contato com o comandante? — perguntou em intercosmo. —
Precisamos falar com ele.
O robô interrompeu sua atividade de controle e ficou parado. Virou-se devagar.
Manteve os olhos fixos nos ratos-castores. O brilho que irradiava deles tornou-se mais
intenso quando o rastreador entrou em funcionamento, tentando identificar os
desconhecidos. Parecia que o resultado deixara-o satisfeito, pois o brilho voltou a apagar-
se. A luz vermelha não se acendeu em sua testa.
— Não é possível estabelecer contato — respondeu depois de algum tempo com sua
voz desalmada. — A nave encontra-se em estado de alarme. Antes de mais nada é
necessário destruir o inimigo.
— Para isso vão levar a nave para dentro do sol mais próximo? — perguntou
Gucky.
— Não importa qual seja o método. Se a nave for destruída, o inimigo também será.
É a tarefa que nos foi atribuída. Fim do contato.
O robô virou-se para o outro lado e voltou a dedicar-se à sua atividade de controle.
Até parecia que os dois ratos-castores tinham deixado de existir para ele.
Gucky foi para perto do painel principal. Leu as cifras que apareciam nele e
respirou aliviado. A VIII-696 voava à velocidade de dez mil quilômetros por segundo em
direção ao sol. Ainda dispunham de aproximadamente dez horas.
O robô retirou-se da sala de controle sem olhar para eles.
Gucky acompanhou-o com os olhos até que a porta se fechasse. Sacudiu a cabeça.
— É pior do que se ele nos atacasse. Deve saber que teleportamos para a nave com
os plofosenses. Até mesmo um robô entenderia que estamos ligados uns aos outros. Mas
eles se guiam exclusivamente por sua programação. Ainda bem.
— Será que você não poderia assumir a nave, paizinho?
Gucky fitou o filho com uma expressão carinhosa.
— Você acha que eu sou capaz de muita coisa, pequeno. É claro que eu poderia,
mas não quero precipitar-me. Antes disso temos que desativar o comando de emergência
que talvez exista nesta nave. Este comando poderia estragar tudo, embora não possa
acontecer muito mais do que deve acontecer. Para nós é indiferente que a nave caia no sol
ou seja destruída numa explosão. Morreremos todos.
Enquanto falava, Gucky contemplava o filho pelo canto do olho. Orgulhou-se ao
notar que o pequeno não parecia muito mais medroso que ele mesmo. Examinava
atentamente e com uma admiração disfarçada o gigantesco painel de controle da nave.
Não se cansava de contemplar as inúmeras chaves e luzinhas coloridas. As poltronas
giratórias que ficavam à frente do painel estavam vazias. Parecia que esperavam.
Quem ou o quê elas esperavam?
Neste instante Gucky notou a primeira diferença que havia entre esta nave e um
ultracouraçado terrano. Na extremidade da sala havia várias cúpulas metálicas pesadas,
parcialmente embutidas no chão. Gucky não foi capaz de adivinhar para que serviam.
Não sabia que nestas cúpulas fora instalado o cérebro positrônico de controle.
Não se preocupou com as cúpulas. Nem tomou conhecimento de sua existência.
Mas o cérebro de comando, que era o verdadeiro comando da nave, tomou
conhecimento da existência de Gucky. Não foi capaz de identificá-lo como humanóide ou
como inimigo, mas identificou seu comportamento, que não correspondia ao de um
aliado. Resolveu solicitar novas instruções e usou o hipertransmissor automático para
entrar em contato direto com o Coordenador em Old Man.
Enquanto a resposta não chegava, ficou observando os intrusos, que andavam à
vontade pela sala de comando. Enquanto isso iam chegando notícias dos postos de
combate e centros de defesa da nave. Os humanóides resistiam desesperadamente,
destruindo um comando de robôs atrás do outro. E os pequenos teleportadores os haviam
ajudado.
Quer dizer que eram inimigos.
Era inimigos, e não eram inimigos. Foi a resposta lógica fornecida pelo setor de
processamento. Um paradoxo. Logo, não representava uma decisão válida. Um dos
circuitos do cérebro de comando quase entrou em curto-circuito, mas o dispositivo de
segurança resistiu à tremenda sobrecarga.
Gucky nem desconfiava do que estava acontecendo. Continuava parado no mesmo
lugar, observando. Esperava uma coisa, mas não sabia o que era. Talvez esperasse que os
plofosenses aparecessem e o livrassem do peso da decisão.
Todas as telas de imagem estavam funcionando. A grande tela panorâmica mostrava
o sol gigante. Continuava a brilhar num verde-azulado, mas a coloração tornara-se mais
intensa. Gigantescas protuberâncias em forma de línguas de fogo eram lançadas para o
espaço, voltando à cromosfera depois de descrever gigantescos arcos incandescentes.
O quadro deixou Gucky bastante impressionado, mas finalmente ele se lembrou de
que voavam para este inferno, em cujo interior seriam gaseificados.
Isto se não acontecesse nada de novo.
Gucky ligou o rádio.
— Onde está, Kmehr?
— No andar logo embaixo da sala de comando. Não falta muito para chegarmos lá.
Tudo em ordem?
— Tudo. Estão encontrando resistência?
— Somente os robôs de combate. Com a nova técnica não temos nenhuma
dificuldade em pô-los fora de ação.
— Que técnica é essa?
— Usamos bombas atômicas de calibre pequeno. Causamos alguns estragos, mas
infelizmente isto não pode ser evitado. O importante é que o sistema de propulsão não
seja avariado. É relativamente fácil levar os robôs a atacarem em massa — e quando isto
acontece vale a pena lançar uma bomba destas.
— Hum — fez Gucky, desconfiado. — Cuidado para não ativar um comando de
pânico. Se isto acontecer, haverá um estouro maior que o de uma bombinha. Trate de
chegar à sala de comando quanto antes. Parece que não há nenhum perigo.
— Não levaremos mais de dez minutos.
— Está bem. Fico esperando.
Gucky deixou ligado o receptor, pois queria acompanhar o avanço dos plofosenses.
O “garotinho”, que continuava a seu lado, saltitava nervosamente.
— O sol aumenta cada vez mais — piou, angustiado. — Por que não faz nada,
paizinho? Vamos! Faça alguma coisa...
— Não se preocupe. Já estamos fazendo.
Na verdade, Gucky não sabia o que fazer. Ficou espreitando a sala de comando.
Depois de algum tempo detectou os impulsos do robô comandante, que eram protegidos
pelo revestimento metálico. Só uma radiação fraca, que não tinha sido notada por Gucky,
conseguiu atravessar a chapa.
Só podia ser o robô comandante. Gucky localizou a origem dos impulsos.
— Quer dizer que são mesmo estas cúpulas esquisitas — constatou, enquanto
contemplava as construções com um interesse renovado. — É ali que fica o comandante,
“garotinho”. Se pudéssemos pô-lo fora de ação...
Mas isso não era possível. Nem mesmo telecineticamente, conforme Gucky teve de
verificar depois de ter tentado várias vezes. O robô estava equipado com um dispositivo
de segurança oculto, completamente isolado por meio de um campo energético da quinta
dimensão, cuja estrutura não conhecia.
Gucky desistiu. Por enquanto não acontecera nada que indicasse que o robô
comandante quisesse impedir sua ação ou até matá-lo. Não lhe restava muito tempo.
Kmehr e seu grupo poderiam chegar a qualquer momento à sala de comando.
Do lugar em que se encontrava Gucky olhou para o encosto largo da poltrona do
piloto, que encobria os controles e as telas menores situadas à frente deles.
Gucky continuou a segurar a mão do “garotinho”, enquanto avançava
cuidadosamente em direção à poltrona. Caminhou em volta dela e viu-se à frente dos
instrumentos principais, que eram idênticos aos controles de uma nave terrana. Em todos
os detalhes, até mesmo quanto à cor das chaves e botões.
— Que coisa — murmurou Gucky. — Se esta nave não foi construída por seres
humanos, quero ficar três meses sem me lavar.
— Tomara que você perca a aposta — piou o “garotinho” em tom de malícia. —
Mamãe vai ficar contente...
Gucky deu-lhe uma cutucada e aconselhou-o a não ser tão atrevido. Examinou os
controles e subiu na poltrona do piloto. Soltou a mão do “garotinho”. Havia uma coisa
que o deixava intrigado. Não descobriu logo o que era, mas tratava-se de algo que não
deveria estar ali. Era um corpo estranho, que vira de relance e logo perdera de vista.
Precisava descobrir.
De repente viu.
Havia um pedaço de papel colorido colado em uma das telas. Era retangular e do
tamanho de um cartão postal do tipo usado na Terra para transmitir mensagens. Não
encobria mais que a quarta parte da tela, que estava funcionando. Gucky olhou fascinado
para o papel. Era uma fotografia em cores.
Mostrava o rosto de um jovem sorridente de traços vivos e enérgicos. Via-se um
pedaço do ombro. Não havia dúvida de que o desconhecido usava o uniforme da Frota
Solar com as divisas de capitão.
Gucky quase se esqueceu de respirar, mas acabou respirando fortemente o ar
quando descobriu a fita de plástico que estava colada na tela, bem embaixo da fotografia.
Havia letras impressas nesta fita.
Letras terranas!
Estas letras formavam palavras. Palavras terranas!
Lidas na devida ordem, estas palavras formavam uma mensagem. O texto da
mensagem era o seguinte:
— Sejam bem-vindos, amigos. Assumam. As instruções estão sobre a mesa. Então!
Como fizemos?
Não havia assinatura. Nada.
Somente quatro frases, claras e inconfundíveis, mas repletas de mistérios e
problemas não resolvidos.
Gucky teve a impressão de que sua mente deixara de funcionar. O que estava vendo
era uma impossibilidade total e uma loucura completa. Nenhum terrano tinha estado
nesta nave. Ou teria?
Será que a nave fora construída por terranos?
— Sejam bem-vindos, amigos!
Isto só podia significar que se esperava a chegada dos terranos. Como se explicava
então a atitude hostil dos robôs para com todas as formas de vida humanóide?
— Assumam.
Sem dúvida isto significava que o misterioso proprietário das naves robotizadas
estava de acordo que elas fossem assumidas pelos terranos. Mas os fatos depunham
contra esta versão.
— As instruções estão sobre a mesa.
Gucky olhou para a mesa estreita que ficava entre a poltrona e os controles. Havia
um envelope alongado, fechado e lacrado. Gucky pegou-o. Era grosso e pesado. Hesitou
um pouco e abriu-o. Tirou uma folha plástica dobrada, na qual não estava escrita muita
coisa.
Gucky leu.
— Para desativar o dispositivo robotizado automático em toda a nave, basta baixar a
alavanca vermelha com cabo verde. Parabéns.
Gucky voltou a ler as duas frases para certificar-se de que compreendera bem.
A alavanca vermelha saía do chão à esquerda da poltrona do comandante. Era
grande e não poderia passar despercebida. A parte superior era protegida por um anteparo
de vidro.
Neste momento houve um ruído. Gucky virou-se abruptamente.
A porta abriu-se. Quem entrou não foram Kmehr e os homens pertencentes ao seu
comando.
Foram robôs, máquinas de combate pesadas, com as armas apontadas.
Desta vez abriram fogo contra os dois ratos-castores.
As novas instruções do Coordenador tinham chegado...
5
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