Você está na página 1de 6

MEMÓRIA, AFETO E IDENTIDADE: INTERFACES PARA A EDUCAÇÃO

PATRIMONIAL

Ludimila Caliman Campos

Doutora em História Social


FACELI

Patrimônio Cultural corresponde a todas as manifestações e expressões que os


seres humanos desempenham e que, ao longo do tempo, vão se acumulando
com as das gerações anteriores. Cada geração as recebe, desfruta delas e as
altera a partir de sua própria história e necessidade. Deste modo, cada geração
dá a sua contribuição ao patrimônio, num esforço de preservação ou
esquecimento (GRUBERG, 2007).

Quando analisamos a questão no Patrimônio Cultural, entendemos que não Commented [TV1]: Acho que já mencionei isso antes,
mas vale a pena checar. No Direito, a utilização da primeira
estamos lidando somente com o passado, mas, principalmente, com o presente. pessoa do plural é evitada, mas não nas Humanidades em
geral, confere?
Diferentemente do passado frio e distante dos livros de História, o passado que
o Patrimônio Cultural resgata toca, necessariamente, o presente, porque tende
a permear os afetos, as memórias e as identidades dos sujeitos. O Patrimônio
Cultural só tem razão de existir se os coletivos humanos interagirem com ele de
alguma forma, seja reconhecendo nele suas identidades ou mesmo
reconstruindo novos modelos culturais a partir da memória coletiva e atribuindo
antigos e novos significados.

Sob esse prisma, insta salientar que a memória, seguindo Le Goff (2003), teria
a propriedade de conservar determinadas informações e remetê-las a um
conjunto de funções psíquicas. Maurice Halbwachs (Rachibaquice), em sua obra Commented [TV2]: Isso foi copiado de algum lugar (vi
pela marcação “invisível”. Não seria o caso de deixar entre
Memória Coletiva (2013), diferencia memória individual de memória coletiva, aspas ou parafrasear?

sendo a primeira entendida como a capacidade cognitiva de evocar dados


materiais ou simbólicos ausentes e a segunda reconhecida como a construção
de lembranças por um grupo de pessoas a partir do contexto social no qual eles
estão inseridos. Para esse autor (2013), a recordação de dados e situações, Commented [TV3]: Só uma sugestão, para não repetir o
período anterior.
normalmente, é transmitida pela tradição oral entre os grupos sociais. Com a
ascensão do Estado Moderno no século XV, a memória coletiva passou a ser
institucionalizada por meio de uma memória oficial que, via de regra, é registrada
e documentada por especialistas, tais como historiadores, museólogos e
arquivistas.

Quando a memória se converte em uma narrativa, esta legitima o passado de


um grupo social atuando como elemento de sua própria identidade social. Logo,
a associação entre a memória e a identidade se estabelece porque, de acordo Commented [TV4]: Não entendi esta expressão.

com Tomaz Tadeu da Silva (2000), a identidade, enquanto conceito estratégico


e posicional, emerge no jogo de poder e na exclusão. No caso, a associação
entre a memória e a identidade ocorre exatamente porque, a partir de uma
oposição binária, os grupos sociais elegem elementos do Patrimônio Cultural
com os quais desejam se identificar (identidade) e dos quais desejam se excluir
(diferença).

A identidade e a memória estão, ainda, vinculadas ao afeto. Seguindo o aparato


teórico da Psicologia Social, o afeto está atrelado a noção de algo que “importa
considerar”. Commented [TV5]: Fonte?

De acordo com (BorgesORGES (, 2009, p. 366),

A memória e o afeto apresentam-se na condição de co-


partícipes da experiência vivencial da temporalidade,
especialmente na forma de recordação atualizada e,
enquanto tal, são dois dos fatores que constroem as
identidades. Logo, o eu que sou resulta do meu passado.
Ou, em termos onto-temporais, o sujeito ou o ser. É seu
passado, pois é em seu passado que se encontra a matriz
de sua investidura em sujeito.

Logo, a natureza afetiva do Patrimônio Cultural é muito clara: tocar, pela emoção,
uma memória viva. A patrimônio trabalha no sentido de mobilizar a memória
coletiva a partir da afetividade, fazendo vibrar um passado selecionado de modo
a preservar a identidade de uma comunidade humana (SANT'ANNA, 2009). Commented [TV6]: Acho que “agora” é pouco técnico
neste contexto.
Nesse sentido, considerando que o inventário cultural é fundamental para a
manutenção das sociedades humanas, algumas questões vêm à tona: Como
tornar simbiótico o conhecimento da memória e da cultura de um povo em
processos educativos? Como tocar os afetos e promover as identidades dos
educandos em espaços formais e informais de ensino? De acordo com o IPHAN,
a principal estratégia a ser usada é a chamada Educação Patrimonial, uma vez
que

Trata-se de um processo permanente e sistemático de


trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como
fonte primária de conhecimento e enriquecimento
individual e coletivo. A partir da experiência e do contato
direto com as evidências e manifestações da cultura, em
todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados,
o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as
crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento,
apropriação e valorização de sua herança cultural,
capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e
propiciando a geração e a produção de novos
conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural.
O conhecimento crítico e a apropriação consciente pelas
comunidades do seu Patrimônio são fatores indispensáveis
no processo de preservação sustentável desses bens,
assim como no fortalecimento dos sentimentos de
identidade e cidadania. A Educação Patrimonial é um
instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao
indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o
à compreensão do universo sociocultural e da trajetória
histórico-temporal em que está inserido. Este processo
leva ao reforço da autoestima dos indivíduos e
comunidades e à valorização da cultura brasileira,
compreendida como múltipla e plural. O diálogo
permanente que está implícito neste processo educacional
estimula e facilita a comunicação e a interação entre as
comunidades e os agentes responsáveis pela preservação
e estudo dos bens culturais, possibilitando a troca de
conhecimentos e a formação de parcerias para a proteção
e valorização desses bens (IPHAN, 1999, p. 4).
Logo, a Educação Patrimonial é fundamental para o processo de
ensino/aprendizagem, uma vez que é ela que promove a chamada
“alfabetização cultural” do sujeito. Seguindo a perspectiva freiriana (FREIRE,
2001), a alfabetização cultural se converte em um instrumento educacional para
reconhecer, preservar, valorizar e promover a cultura.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), criados entre os anos de 1997 e


1999 pelo Ministério da Educação (MEC), apontam que a Educação Patrimonial
é um componente multi/transdisciplinar obrigatório na Educação Básica
(BRASIL, MEC, 1998). Ou seja, a Educação Patrimonial deve transpassar os
diferentes componentes curriculares escolares de maneira interdisciplinar - em
especial História, Artes, Geografia e Língua Portuguesa - por meio de projetos
de promoção ao patrimônio material e imaterial, à pluralidade étnica e à
valorização do meio ambiente.

Em termos teórico-metodológicos, a Educação Patrimonial lança mão dos


suportes da memória material e imaterial no processo educativo, a fim de
desenvolver a sensibilidade e a consciência dos sujeitos. Outrossim,
considerando o tripé afeto, identidade e memória, perguntamos: Quais Commented [TV7]: Ou “perguntamos”

ferramentas podem ser lançadas para a promoção da Educação Patrimonial?

O IPHAN (1999), a partir dos estudos empreendidos pela pesquisadora Maria de


Lourdes Parreiras Horta, indica que a Educação Patrimonial deve seguir as
seguintes etapas: observação, registro, exploração e apropriação. Durante a
observação do patrimônio, lançar-se-ia mão de exercícios de percepção
sensorial por meio de perguntas, jogos, testes, experimentações etc. A partir de
desenhos, descrições (verbais ou escritas), gráficos, fotografias, mapas e
maquetes, o sujeito faria o registro do patrimônio enquanto ele fixa o
conhecimento percebido, aprofundando a observação e o pensamento. Num
próximo momento, o sujeito faria a exploração do patrimônio por meio de
discussões, questionamentos, avaliações e pesquisas de aprofundamento, a fim
de despertar o pensamento crítico e interpretativo. Ao final, o sujeito estaria apto
para a apropriação do patrimônio quando este recria o bem cultural, por meio de
uma expressão - pintura, escultura, teatro, dança, música, fotografia, poesia,
textos, filmes, vídeos. Esse procedimento provocaria, em todos os participantes
da ação, a valorização e apropriação do patrimônio aprendido.

A metodologia apresentada pelo IPHAN é reconhecida, aceita e aplicada por


grande parte dos pesquisadores e educadores brasileiros. Entretanto,
considerando que a metodologia da Educação Patrimonial surgiu para suprir
uma carência presente nos programas didáticos museológicos das décadas de
80 e 90, esta acabou por se embasar em ações tópicas, limitando-se às
atividades de nível micro, ou seja, a ações empreendidas ao curto prazo e,
muitas vezes, com resultados efêmeros (SOARES, 2003). Ademais, a
abordagem tende a desconsiderar o background do educando, pois chega com Commented [TV8]: Sugestão, porque efetivamente não
sei se é caso de itálico.
uma proposta pronta e acabada. Uma abordagem pedagógica pontual e pré-
pronta, todavia, não é capaz de contribuir eficazmente para a formação das
identidades, o estímulo das memórias e a promoção dos afetos. Por outro lado,
entendemos que a Educação Patrimonial precisa ser construída com os
estudantes e em um ritmo progressivo e constante a partir de uma abordagem Commented [TV9]: É a segunda vez que aparece. Acho
essa palavra tão informal...
sistêmica e contínua, que leve em conta o protagonismo dos sujeitos na
construção de suas próprias narrativas sobre o passado.

Uma proposta para a metodologia de Educação Patrimonial é desenvolver o Commented [TV10]: Você é a especialista, para você as
coisas estão no presente, não no futuro do pretérito.
tema a partir da Pedagogia de Projetos. A Pedagogia de Projetos, criada pelo
filósofo e pedagogo John Dewey (Diui), é um método no qual os estudantes
desenvolvem atividades com propósitos previamente definidos, muitas vezes a
partir do interesse do educando. Ou seja, o ensino se dá a partir da experiência
no aluno que entrará em contato com um projeto concreto e vai executá-lo.

Essa modalidade pedagógica permite que o aluno desenvolva as três principais


habilidades - cognitivas, emocionais e sociais - garantindo a formação integral
do sujeito. Logo, o aprendizado se dá por meio da vivência, da participação e da
tomada de decisão, aproximando o conteúdo escolar das identidades e das
experiências vividas (BEHRENS, 2006).

Dentre as principais características da Pedagogia de Projetos, destacamos as


seguintes: a intencionalidade (todo projeto deve ser orientado por objetivos
claros e bem definidos), a flexibilidade (o desenvolvimento do projeto do projeto
acontece respeitando o tempo e o modo dos estudantes), a interdisciplinaridade
(os projetos ultrapassam os limites demarcados por áreas e conteúdos
tradicionais) e o pragmatismo (as atividades tendem a ser mais práticas, visando
estratégias de pesquisa, usos de informações, ordenações, análises e
interpretações de dados) (DEWEY, 1959).

Considerando que, de acordo com John Dewey (1959), a Educação não prepara
para a vida, mas é a própria vida, a Pedagogia de Projetos é uma metodologia
eficaz para a promoção da Educação Patrimonial, não só porque proporciona ao
estudante entrar em contato com o patrimônio de forma progressiva, mais
também porque permite desenvolver uma atitude reflexiva, ativa e crítica.

Ademais, a aplicação dessa metodologia contribui para a valorização da


consciência social sendo fundamental para a conservação do Patrimônio
Cultural, já que é a partir dela que a memória coletiva é reconstruída. Para Le
Goff (1997), a memória contribui para que o passado não seja esquecido, uma
vez que ela capacita o homem a atualizar impressões ou informações passadas,
fazendo com que a História se eternize na consciência social. Quando o
indivíduo que lembra está inserido em um grupo de referência, este grupo se
constitui numa comunidade de pensamentos, ou seja, é estabelecida uma
identificação. Logo, ao ser reconhecida como narrativa afetiva do passado de um
grupo social, a memória, no caso a coletiva, atua como elemento constituinte de
uma identidade social.

Deste modo, no âmbito da Educação Patrimonial, preservar os bens culturais


permite que a sociedade conheça sua história e se reconheça nela. A
materialidade e a imaterialidade cultural, por seu turno, fortalecem as identidades
sociais e culturais do sujeito permitindo que este valorize a memória coletiva e
desenvolva a sua própria capacidade afetiva. A Educação Patrimonial, a partir
da aplicação da metodologia da Pedagogia de Projetos, é um lócus privilegiado
no qual as memórias, as identidades e os afetos tomam forma na experiência
pedagógica, ao fazê-la de maneira progressiva e incumbindo ao estudante o
papel de protagonista do processo de ensino-aprendizagem.

Você também pode gostar