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Projeto

PERGUNIE
E
RESPONDEREMOS
ON-LlNE

Apostolado Veritatis Splendor


com autorização de
Dom Estêvão Tavares Betlencourl, osb
(in mamariam)
APRESENTAÇÃO
DA EDiÇÃO ON-LlNE
Diz São Pedro que devemos
estar preparados para dar a razão da
nossa esperança a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15) .
Esta necessidade de darmos
conta da nossa esperança e da nossa fé
hoje é mais premente do que oulrora.
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrárias à fé católica. Somos
assim Incitados a procurar consolidar
nossa crença calóllca mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
Eis o que neste slle Pergunte e
Responderemos propõe aos seus leitores:
aborda questOes da atualidade
controvenldas, elucidando-as do ponto de
vista cristão a fim de que as dúvidas se
J " dissipem e a vivência católica se fortaleça
- ... no Brasil e no mundo. Queira Deus
abençoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de Julho de 2003.
Pe. &te"8o Bettencourt. OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convênio com d. Estevão Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre alual
conteúdo da rolAsta teológIco - filosófica MPorgunte e
Respondaremos~, que conta com mais de 40 anos da publicação.

A d. Estêvão Bettencourt agradecemos a confiaça


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.

Indice
p l;.

" HABEMUS PAPAM I" ..

/li. Cllllme ftOYld,d, dl.l ldel :


'"
E A FECUNDAÇÃO EM PROVETA 7
E A ENGENHARIA GEN'T ICA "7
o "" 51.,10 do homem :
EXISTE filO SER HUMANO ALMA ESPIRITUAL? .. ..... .

Como . . . .plk• ...


A RIQUEZA DO VATICANO 7 .......... . .. ... . '35

1.IVROS EM ESTANTE • .. •..••.•..•..• • . • •. . ..

COM APROVAÇAO ECLESIA.STICA

• • •

NO PRóXIMO NOMEIO :

Alma humano é imortal? - A e profeda» de S. Moloquios. - Edu-


coçõo sexual nOI elco lo l? - c A SOlvCH:6o do crenle é .t.rnO J.
_ A FlUe em Po ria Alegre .

« PERGUNTE E RESPONDEREMOS .
Assinatura anual ........ . ... .. ... . . . ... ,.. . Cr$ 100,00
Número avulso de qualquer mês Cr$ 10,00
REDAQAO DE PR ADl\IINISTRAÇAO
Livraria l\llsslon6.rla EdItara
Caln Postal :2.688 Rua México, 168-B (Cutelo)
ZC<lO 20.031 RIo de Jane Iro (RJ)
20 . 000 Rio de Ja neiro (Rd) Tel.: 224-0059
"HABEMUS PAPAM!"
Desde 6 de agosto pp., o mundo ocidental se Interessava
pelo conclave que se iniciaria no Vaticano aos 25/08. OS ter-
vilhantes prognósticos da imprensa recaiam sobre nomes de
CardeQ1.s tidos como papabW; até o computador foi moblll·
zaclo para indicar o futllfo Papa!
Ora o resultado do conclave foi surpreendente. O Se-
nhor fez sentir. de modo concreto e soberano, a sua ação na
Igreja. ~ o que enche de júbilo os corações cristãos e nos
inspira algumas reflexões:
1) Em poucas horas foi eleito o novo PonUfice. quando
se previa que o conc1ave seria longo e dificil... Merece
realce este testemunho de unidade e coesão do Colégio Car-
dinalício numa fase em que o mundo está CUvidido por pai-
xõeS e egolsmos; prevaleceram os critérios da fê e do Evan·
gelho. Se 4 própria Igreja vem sofrendo o embate de ten·
sões e correntes em seu seio, na hora decisiva Ela mostro.
que as pode tranqüilamente superar em favor da causa de
CrIsto. De resto. os encontros de Cardeais e bispos ocasio-
nados pelo Concilio Ecumênico e os sucessivos Sinodos Mun·
diais de Bispos têm facUltado grandemente o mútuo conheci-
mento dos pastores da Igreja.
2) O novo Papa, estando mais ou menos fora de cogl.
tações, não fora enquadrado pelos prognósticos em alguma
categoria cpolitlca. (conservador ou progressista). O seu
nome náo dera ocasião a isto. Tais classificações são. por
vezes, mesquinhas e deformantes.
3) A eleição do cardeal Albino Ludani concom! para
desmontar todas 6S cprofecias~ referentes ao Papado. Sn-
be·.se, aliâs, que a de S. Malaqulas nada tem que ver com
este bispo irlandês que viveu no século xn (t 1148) . Até o
século XVI nenhum autor ou documento mencionou tal «pro-
fecia~. Esta teve origem em 1590, durante o conclave que
devia eleger o sucessor de Urbano VUj entre os Cardeais
mais em vista estava Simoncelli. cidadão de Ometo e antigo
bispo dm8 cidade; ora os amigos de SlmoneelU quiseram tavQ.o
recer a eleicão deste prelado apresentando uma lista <pror~
tica» de 111 Papas. em que o SUfraga:d,o~ai.jpós~..u:;t.;rba:.i:in~0<RiVII!Íj
era o Papa De antlqulta.te urbls (Da an~ ...
isto, é o Papa de Orvieto (= Urbs ve 1::...'\::!&a6e"IIUf'Ie:8)
"101..1 n,.l'J.~L~
_ 405 _ C l':~ T C(.-\..)~
., • f l1tf I
em vista disto, forjaram wna sêrle de dIsUcos papais mais
ou menos condizentes com a realidade desde Celestino U
(1143-1144), mas assaz e.rbitrária após Urbano VIL Toda-
via essa fraude foi vã, pois quem saiu eleito do conclave em
1590 foi o Cardeal Sfrondate, arcebispo de Milão, que tomou
o nome de Gregório XIV.
Quanto a Nostradamus, fui pubUcado um artigo em PR
217/ 1978, pp. 22-35, que mostra não ter autoridade profética.
Os fatos recentes assim nos ensinam Q considerar a Igreja
com olhar de fé. .Embora seja hwnana, em virtude dos h0-
mens que a lnteeram, Ela não ê meramente humana; Cristo
na Igreja, e através dela, reallza a sua obra salvIfica. AJiâs,
o próprio Papa João Paulo I. ao receber os jornalistas após.
a sua eleica.o, lhes pedia Que procurem levar em conta as
questões que a Igreja. tem COmO essenciaIs, em vez de Et!
deterem em particularidades secundãrias. Em swna, 8. his·
tórla da Igreja é e serA, até o lim, surpreendente. de modo
que ela sempre avivará a fé.
4) O nome João Paulo I, por ser composto, foge ao
costume adotado pelos Pontlflces anteriores... Bem mostra
como o novo Papa sabe fugir aos cenquadramentos~, ao
mesmo tempo Que professa continuidade de obra iniciada por
sem dois predecessores.
Resta, pois, ~o povo de Deus o dever de agradecer ao
Senhor e. feliz elelcão do novo sucessor de Pedro. A COrl'iÍ-
deracão dos fatos recentes aviva nos fieis a consciência dI!
Igreja. Pertencemos à comunhão dos santos; esta expressão
não significa ccomunhão de pessoas santaS:t, mas, sim c . .. d~
valores santos ou de bens sagrados,. que Cristo adquiriu com
o seu sangue e que entregou à Igreja para serem oportuna-
mente dJspensados aos homens. Ê nessa Igreja que encon-
tramos os mananciais da santidade para cada um de nós c
para O mundo inteiro, pois na Igreja Cristo vive não apenas
como o mestre falecido continua a viver na sua escola, mas
como o tronco de videira continua a viver em seus ramos.

Amemos, portanto, a Igreja e empenhemo· nos ao mã-


ximo para que a sua face humana (dependente de cada um
de nós) seja mais e mais transparente fiO Cristo que vive em
seu lntlmo. . . O que s6 serã possivel se houver coesão fra-
terna e pronta fideUdade ao sucessor de Pedro!
E.B.

-406 -
"PERCiUNTE E RESPONDEREMOS-
Ano XIX - N' 226 - Outubro d, 1978

A última novidade clentfnca:

e a fecunda<âo em proveta?
e a engenharia genétl(a 1
Im ,Im.e: Aot 28 de Julho pp . o nuemento de lour' 8 Brown.
fecundada IITI provell, delplrtou numlfOSllI Indagaç6aa no pObllCCl. O p'"
•• nt• • rtlgo procura raapender-Ih" distinguindo o aspecto' fIIolónco • o
.specto é11co da lem'lIca.
Do ponto de vllta fllol611co. pergunt. ·•••e o 'elo obtido em provata
tava alma humana I • pertlr de quando I 'ave. - ~ 98 fria.' que o
procello reelf:ado "In vllro" foi exatam.nte .njlogo ao qUI .. diria no
leio matamo; OI m6dlcOI apenN f'fproduz:lram artificialmente .. condlçCes
di temperatura I IlImanlaçlo do or"anlamo feminino. Por ton"Ouln",
logo qUI NI provela o óvulo foi fecund.do pelo •• permalo.zoldl, lom.ndo-se
0110, dau-n • Infudo da respectiva alm. dlretamanle criada pilo Senhor
DInII,

Do ponto de: vlal. moral, de. . . dlt,r que. embora I flQ.lntu doa
DB. SIeplD8 a Edwards lanhe. procurado secundar 8 n'lureu. suprindo
auaa dallcl6nclas da manalr. homo06naa no casal Brown. du .. poncla"~a
ae ImpOem :
1) o caso Brown sagua-sa • canlan.. de outros em qua nIo ,.ro
o ambrllo humano '6 formado foi a.crlflcado a morto como .. 10 .... anlm.'
Irraclon.1 ou col.a. Os Ore, Slaploe a Edwarda, em IUI axperfrnenlaçlo.
admlt<tm a posalbllldade de pfOdullr . etea humanos defeltuOlOl, que alo
ellmlnadoa descle que constatados, Ora toda experiência "lua de .ntemlo
aceU. o homlcldlo como pourvel ,olu~lo para algum, Impu.... u, li nlo
._~; .
2) A lnlervençio do. cientistas no proclttto genaretlvo humlno nNela
esta 80 aua se dlli nos animaIs Irracionais. AlI conseq06nclQ ela tal Inler-
vencia vêm e ser as mala Imprevlslvels, ProOl108l1c.... a manlputaçlo da
a.mente vfl.1 humana • ponto de aa fabricarem ''homena aob tecelta".
Ue!'rno que os clentlslas t.nham relas Intançlles, a.blNa OUI o cultlvtl d.
elencla pel. ciência " raro, vlato que o. cIentistas dependem de financia-
dores que têm Inl8reasas prajlméllcoa nem sempre humanlata.". Oa' ..
drla. reservas a ser faltas l Engenharia o,"'Uo•.

• • •
-4Ir7-
4 .PERGUNTE E RESPONDEREMOS, 226/1918

Oomenw.io: causou enorme sensação no mundo inteiro


a notleta de que nasceu na quarta-feira 26 de julho pp. a
menina Louise Brown (the baby of tbe century, 6. criança
do século) t filha de GUbert John Brown e Lesley Brown,
modesto casal inglês. lt dita impropriamente . bebê.proveta.
como se tivesse sido fecundada e gestada em tubo de ensaio;
na verdade, apenas a fecundação de Lou1se ocorreu em pro-
veta, ao passo que a g~tação teve lugar no útero materno.

A experiência realizada na Inglaterra pelos médicos Drs.


Pab'ick Steptoe e Robert Edwards. da Universidade de Cam.
bridge, suscitou no púbUco numerosas IndagacOes, que. nas
páginas subseqüentes, tentaremos elucidar. abordando os dois
prindpa1s aspectos do assunto: 1) a questão filosófica da
irúusão da alma no feto e 2) a questão moral da liceidade
da experiência realizada e das que vão sendo planejadas.

1. A experi ên da
1 . Les1ey e GUbert John Brown viviam em Easton,
subúrbio de Bristol (Inglaterra), ele atualmente com 38 anos
de idade, como motorista de caminhão, empregado da British
RaIl.

Gilbert Brown tem uma tUha de 17 anos de Idade, nas.


cida de easamentô anterior, que vive com o casal. Lesley.
porém, não podia engravldar por sofrer de obstruCão da
trompa; já perdera mesmo toda esperança de ter filho após
tlOve MOS de tratamento lnfrutlfero.
Sabe·se que a gravidez se dA quando um óvulo, liberado
pelo ovário da mulber durante a ovulacão, é fecWldado ao
passar pelas: trompas de Falópio; um dos muItos espermas
iançados na vagina o penetra então e fertiliza. Logo em con-
seqüência, o ovo cometa a se dividir e val-se alojar no útero.
protegido por numerosos e minúsculos vasos sangU1neos; ai
se desenvolve durante os nove meses de gestaÇão. O pro-
blema de LesIey Brown, estando nas trompas, tem sido resol-
vido nos últimos anos mediante m[crocirurgiai no caso, po-
rém, de Les1ey esta pareci. Imposslvel.
-408-
ENGENHARIA GEN1::TICA 5

Ora O Dr. Patrlck Steptoe (de 65 anos de Idade), que,


há 'maIs de dez anos, vem estudando a fecundação artiflcia1,
houve por bem fazer mais uma de suas numerosas expe-
riências .em Lesley Brown. A maneira. precisa como proce-
deu, não foi revelada. ao púbUco; mas os cientistas julgam
que tenha seguido o trAmite habitual na fecundaClo art1t1-
clal de animais. Deve, .pois, ter prescrito hormônios de fertl-
I1dade, que provocam o amadurecimento de vários óvulO!
sImultaneamente. Para extra.i1' O óvulo a ser ferundado, terã
t'éCOrrido à Iaparosccpla, que consiste primeiramente em fazer
pequena Incisão perto. do umbigo da mulher anesteslada e
Injetar gases na <:8.vldade abdominal para dllab1-1a e dlstan-
clar os órgãOS uns dos outros: em seguida, 1nsere-se o lapa~
rosc6plo para ver e escolher os óvulos adequados. Estes. no
caso de Lesle)'. terão sido sugados para dentro de pequena
agulha oca. Uma vez obtidos os óvulos. um deles deve ter
sJdo colocado em presença do esperma do marido sobre um.
prato que contivesse soro sangUlneo e nutrientes . OcoITIda
a fecundação nessas condJçôes. o ovo terá sido transportado
para outro prato de soro sanglllneo e nutrIentes. NeSsas.
operações é importante respeitarem-se as condleôes de tem·
peratura, pressão, allmentação, assepsIa. . .. sem as qua1s
perecerlarn os génnens vitais em foco. Após três d1as, o
ovo fecundado. tendo sobrevIVido, haverá sido colocado no
útero da mulher que dera o óvulo.
Merecem outrosslm atençâo os seguintes pormenores do
caso:
Após meses de gravidez, a Sra. Lesley Brown to1 alo~
lada na .ala da Matemidade do Hospital de Oldham. J!: de
crer tenha sido então submetida (talvez repetidamente) 80S
mais avançados testes: exames ultra.sônicos para se 8verl~
guarem a posJçic, o tamanho e a tonna do teto ' que se
desenvolvia; provas de pulsa~.Ao do coraçã~ da criança; retl..
rada do llquido amnlótlco do ventre matemo, 8. fim de se
investigar se a cr1anoa apresentava sintomas de Down (mon-
golismo) ou a detonnacão chamada sp1DI. blJlda ou aInda
outro defeito genético. Caso os médicos tivessem descoberto
algum problema sério na criança, teriam, sem demora, pro-
vocado o seu abertamento. Bem observou o Dr. Stuart J.
Steele do Mlddlesex Hospital da _01. de MedlcIn. de
Londres:
-409-
6 ... PERCUNTE E RESPONDEREMOS. 226/ 1978

"A Sr•. Lelley Brown do'lo ler lido . ubmlUda * mal. completa e
• • 1,11' vlglJ6ncl. que se pou. Ipllclr I um caIO de gravidez particular·
mente preciosa".
Qual sera. O resultado final da expeliência da qual nasceu
Loulse, ninguém o pode dizer até agora. Os próprios médio
cos observam toda reserva ao falar sobre o caso. Entre·
mentes multas questões ainda. ficam sem resposta: a famllia
Brown quer saber se Louise é criança saclla da qual se poss:.
esperar que leve vida nonnal. Os médIcos, por sua vez, inda·
gam se conseguiram fazer progredir a medicina ou se foram.
autores de mais um desastre de experimentacAo. Quanto à
humanidade ~m geral. ela pergunta se os médIcos devem
gozar de Uberdade para continuar suas ousadas experiências
OU se novas restrieõe8 se lhes devem impor a rim de que se
abstenham de arrombar e devassar o dominIo da natureza.
Jt .esta íaltima pergtUlta que nos interessará especialmente
sob os subtltulos 2, 3 e 4 do presente artigo.
2. Deve.se notar que as experiências de fecundação
artificial foram iniciadas em 1780 pelo prof. P. SpaUanzani, da
Universidade de Pavia, que retirou de wn cão alguns espero
matozoldes e os Injetou na vagina de wna cadela; esta, ses·
senta e dois dias mais tarde, deu à luz três cãezinhos de
todo normais.
~ experiências continuaram a ser efetuadas entre ani.
mais. Assim tem-se produzido a fecundacio no iltero de
uma vaca de boa raca, fazenda-se pouco depois o transplante
do embrião para o iltero de uma vaca menos qualüicadaj
desta forma o animal de boa raca se toma livre para poder
sem demora ser de novo fecundado em semelhantes "condi.
ções. Por tal v1a consegue-se aumentar extraordJnariamente
o número de cabeças de gado seleto.
A inseminação artlfIelal passou a ser praticada também
entre seres hwnanos, provocando certa perplexidade: as mu·
lheres têm sido fecundadas com sementes de doadores anO-
nimos! Em 1941, os médicos americanos "K erner e Seymour,
pioneiros da inseminação artlficlal, comunicaram ao mundo
os resultados das experiências que haviam feito em 9.580
casos humanos; tinham obtido 9.489 partos fellzesl

Em fevereiro de 1969. obteve·se mesmo a fecundacão


fora do selo matemo, Isto é, em tubo de ensaio. Três cien-
tistas brltAnlcos - os médicos Dombert Edward, Barry Bu-
- 41()-
ENGENHARIA GE:lU:TICA 7

ol.ster e Patrick Stepto. - extralnun clnqüenta e seis ÓVU-


los de doadoras VOlWltárlas e os colocaram em ambiente tJs1~
lógico adequadoj trinta e quatro deles conseguiram chegar às
condições de maturação necessârias para ser submetidos à
inseminação artifIcial em proveta. Feita a experiência, verl·
ficaram, em exame de microscópio, que sete óvulos haviam
sido realmente fecundados. Outros onze, embora penetrados
por um espermatozoide, não aceitaram a fecundaçlo. Dos
sete óvulos fecwu1ados, cinco Imediatamente apresentarrun
anomallas. FInalmente todos os embriões obtidos foram des..
tnúdos depois de um dia de vida.
As pesquisas dos cientistas prosseguiram tanto na Ingla·
terra como na ltAlla, onde o Dr. DanJeJe Petrucc1 de Bolonha
se celebrizou. A própria equJpe dos Drs. Steptoe e Edwards,
segundo parece, jã tentou a fecundação cio vit:ro. e a im·
plantacio do ovo fe<:Undado em cerca de cem mulheres.. Em
cinqüenta casos aproximadamente, deu.se a fecundação: toda-
via a lmplantatio do ovo no útero materno raramente foi
bem sucedida. As razlIes da problemâtlca são prJnclpabnen!e
~;

1) dlticuldades para transferir o ovo (que não ê maior


do que o ponto final de uma frase escrita) do seu ambiente
de cultura para O seio materno; esta operação se faz. me-
djante uma pipeta, que asplra o ovo e depois o Injeta. no colo
cervical da mulher;
2) podem existir anomalias de&conhecldas nos cromos-
9Omos que deterioram o ovo antes que ele tenha a posstbW·
dade de se implantar no útero;
3) os honnÔnlos matemos podem rejeJtar o ovo im·
plantado, embora resulte do mesmo organismo materno.
Os médicos têm procurado, na medJda do posslvel, guar-
dar slgUo sobre as experIências de fecundação cin vltro. e
seus percalços, a f1m de de não alarmar a oplnUlo pública. e
evitar comentArias. Eis, pormt, que o êxito da operaç.l.o rea-
llmda em LesJey Brown já não permite observar segredo. A
imprensa acompanhou os precedentes do nascimento de Loulse,
a ponto que a empresa cAssoclated Newspaper Group Ltd.
(ANG), responsâvel pelo Jornal londrino cDaUy MaU., com-
prou do casal Brown OS direitos exclusivos de pubUear as
lrúormaçães e fotografias concernentes ao caso: o preco da
-4ll-
8 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 226/1978

transacão foi de 600 mil dólares (11 milhões e 46 mil cru·


zeiros aproximadamente) t
Os jornais anunciam para novembro pf. o nascimento
de mais três crianças féc\1ndadu em vitro,. Uma das futu·
ras mães é uma jovem e9Co~esa, que já ultrapassou o período
cntlco da sua gravidez; <lutra é rica. condessa brltinica que
deseja ficar no anonimato; a última é C8Saoa com um arlS·
tocrata alemão.
:e de notar ainda que o Dr. Steptoe realiza. grande parte
de suas pesquisas e experiências no Dr. Kershan's Cortage
Hospital perto de Oldham, onde utlUza quatro saJas, além
de pequeno anfiteatro anexo. Esse conjunto é protegido por
fechaduras e cadeados, portas corredIças e luz. vermelha que
proibe a entrada a estranhos!. " Por ironia, o Dr. Steptoe
tira o dinheiro necessário às suas investigações e experlên.
cIas. dos em<llumentos que recebe em troca dos abortamen·
tos que ele mesmo pratica! Com o tempo, Steptoe espera
poder construir um Centro próprio para os estudos da repro·
dução humana.
Como dito, as noticias referentes a Louise despertaram
no púbUoo diversas questões que se resumem em duas prin.
cipaiS: que dizer a respeito da infusão da alma humana no
caso da fecundação cin vUro,? Será moralmente lIcita a
experIência em foco?

2. A alma hum.ana
Todo ser vivo é animado por um principio vital, que
no homem não é matet1a1. mas espiritual; comumente é dito
calma humana.. a. pp. 423-434 deste fasc!culo,
Esta, por sua indole mesma Imaterial ou espiritual. não
é gerada pelos genltores. Em outros termos, as almas dos
pais não se repartem nem desprendem de si uma semente
apta a tornar-se a alma de seu 'filho, visto que a alma espi-
ritual não tem extensão nem partes; é incorpórea. Em todo
processo de fecundação, os genltores fornecem as sementes
vitais. ou seja, o espermatozolde e o óvulo. Antes da fecun·
daCão, estes se comportam como instrumentos portadores da
vida dos respectivos genitore5i não têm princípio vital pró·
prlo, mas são vivificados pelOS dos gt'nltore.s, Caso se sepa·
rem dos organismos destes. a vida continua a existir neles a
titulo de entidade transitória (em todo instrumento 8S vir·
-412 -
ENGENHARIA GEN>:TICA 9

tualldades da causa principal se encontram a titulo passa.


geiro). Uma vez que se dê • !eeundação do óvulo por parte
do espenna, resultando um terceiro ser (ovo ou feto), o
Criador infwlcle a esse novo ser humano 8 sua alma racio-
nal própria, pois desde esse momento há no feto a organi-
zação necessãria para que nele exista uma alma Intelectiva
própria.
No caso de tecundacão dn vitro:t, este processo não
sofre alteração. Apenas verifica-se que, em vez de ocorrer
dentro das condições naturais do organismo matemo, se rea-
liza em ambiente de estufa nrtificla1; o homem procura asslm
reproduzir a obro da natureza (o que tem sido difIcl1, mas
finalmente foi, até certo ponto, conseguido); Deus. da sua
parte, dlgna·se criar a alma humana correspondente ao pro.
cesso generativo em curso, infundindo.a no ovo fecundado
em «estufa» como a infundiria no ovo fecundado no seio
materno. Para cada feto, o Senhor cria uma alma hwnana
própna, destinada a ser o prlndplo vital do mesmo.
Por conseguInte, a experlêncla dos Drs. Steptoe e Ed-
wards nada muda em relação às concepções cristã.s da espl-
rltualldade da alma humana e da Infusão da mesma por
parte do Criador.

3. E os aspecto", morais?
Trata-se agora de saber se a façanha da feeundacão ~1n
vitro. é moralmente Jic1ta e, por conseguinte, pode ser tran.
Q.Ullamente repetida. ou mesmo institucionaUzada.
As respostas a esta pergunta são as mais diversas pos.
slvels. A Santa Sé ainda não se pronunciou oficialmente a
respeito, o que talvez slgniflque reserva ou desejo de estu·
dar mais a fundo a questão. As ponderações que abaixo pro-
poremos, não vIsam senão a ajudar o leitor a refletir sobre
a questão à luz dos principios da &ica cristã. AJj conclu-
sOes que delas tiraremos, são despretensiosas, ficando sujei·
tas ao c:referendwn. da autoridade da Igreja.
A fim de abordar o assunto com a posslveI clareza. dis-
tinguIremos cinco hIpOteses de fecundaçio artificial hoje aven-
tadas ou) em alguns casos, praticadas por cientistas:
1) Fecundação a.rtlllclal homogS.... I: injetam.se dire-
tamente dentro da vagina da esposa os espermatozoides do
- 413-
10 ePERGUNTE E RESPONDEREMOS' 226/1978

mando. Esta experiência não é nova; já foi considera.da


em PR 116/ 1969, pp. 317·329.
2) Fecnmdação artllloIaI bolllOgê_ D: a fecundacão
do óvulo da esposa pelo espermatozolde do esposo é reall.
zada em proveta. mas ~ feto resultante ê implantado no
útero da doadora. Este é o caso do casal Brown.
3) Fecundação artlIIcbJ bomog.êDea m: decorre como
a anterIor; somente a implantacão do ovo é feita no útero
de uma emle de aluguel, ou emAe Incubadora,.
4) Fecandaçio arUIlclal heterogênea I: O óvulo da mu-
lher é fecundado dn vitro, por semente vital de um homem
estranha, que não é seu marido; o teto que dai resulte, é
lmplantadG no útero da doadora.
5) Fecurutaçã10 artlJIeIaI heterogênea D: decorre como
a anterior; todavia a implantação do ovo é feita no útero de
uma mle de aluguel.
OUtras hipóteses serão estudadas adJa.nte, sob o subtItulo
nt 4.
Analisemos cada caso de per si.

3.1 • fe.cvndasão ortIRdol homogt".a I • 11

o adjetivo ehomogênea, aqui Indica que se tnlta de


operação efetuada dentro do mesmo casal, sem intervenção
da semente vital de terceiro (ou de homem estranho).
Tal processo, segundo a intenção dos seus autores, visa
a corrigir a natureza, levando.a a realizar a sua ação e os
seus efeltos naturais. A doação das sementes vItais por parte
do esp090 e da esposa procede do amor, e do amor conjugal.
Que um tem para com o outro, como se requer em todo pro_
cesso generativo (cujo dinamo deve ser o amor, ... amor
comprometido, conjugal). Apenas se observa que a fecun-
daçAo ~ efetuada independentemente da cópula (caso I) ou
mesmo fora do corpo da mulher (caso fi), mediante artiel-
cios tlslcos e químicos, em vez de se ree.lizar no ato de
união de corpos de esposo e esposa.
Aos 29/ 09/ 1949, o Papa Pio XII, falando aos membros
do IV Congresso Internacional dos M~dicos Cat6licos, con·
denou a tecundacão artiliclal porque dlssocla a cOpula con·
-414 -
ENGENHARIA GENÊTICA 11

;fugal e a inseminação da mulher. Fazia S. Santidade eco,


por sua vez, a uma declBr8.çãO do S. Oficio, que, em data
de 24/03/ 1897, condenara a tnsenünação art1flclal. O mesmo
Pontlfice havIa de reiterar a sua posiçãO aos 19/ 09/ 1956,
falando aos participantes do n Congresso Mundial da Fert1U·
dade e da Esterilidade. A inseminação, nessas eondlçOes.
parece reduzir.se a processo semelhante ao que ocorre no
gado ou em labol'8tórios químicos ; entre anhnais irraclonals,
s.1m. o processo generativo Independe de amor e está desvin-
culado de personalidades; pode ser, portanto, licitamente
reproduzido ou por vias artiflcials ou em ambientes artifi.
ciais. No ser humano, ao contrário, a Inseminacão da mu·
lher é, por sua própria natureza, a resultante da Wllão espi-
ritual e corporal de esposo e esposa.
Vinte e nove anos após as palavras de Pio xn, há autores
que perguntam se ainda: conservam todo o seu vigor. A auto-
ridade credenciada para responder a tal questão é tio somente
a Santa Sé. O que leva os autores a duvidar, é o fato de
que a fecundação artificial homogênea exprime o amor de
marido e mulher e secunda a natureza na execu~o de legi.
tima função: o esposo e a esposa que se sujeitam aos pro·
cessos médicos destinados a fecundar a mulher, fazem-no por
amor, 'como se estivessem realizando a própria cópula car-
nal. Não falta, pois, na inseminacão artificial homogênea a
participação consciente de maridO e mulher, que se querem
dar um ao outro e exprimir o seu am(lr na 'Prole almejada.
São estas as ponderações que, segundo alguns pensadores,
podem legitimar a façanha de Steptoe e Edwards.
Todavia . .. tais consIderações não deveriam fazer esque.-
cer que, entre centenas de tentativas de fecundacão c1n vitro:t
até hoje realizadas. apenas uma foi bem sucedida (... por
enquanto!) . Para obtê·la, foi preciso sacrlflcar não poucos
embriões humanos. Nos casos mal sucedidos, o ser humano
foI manJpulado como coisa e morto desde que os cientistas
julgaram oportuno extlngui.lo. Note.se, aliás, que em todo
processo de Iecundacão em proveta o peSquisador aceita de
antemão o risco de produzir um ser humano defeituoso. que
ele há de querer ellm1nar para não se tornar pesado à
sociedade. Ora aceitar de antemão o homicldio como solução
de um problema desnecessariamente criado é legit1mu o
homlcldio - o que vem a ser imoral.
:e a consciência disto que nos leva a fazer sérias reser-
vas às experiências de Steptoe e Edwards.

-415 -
1.2 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 226/1978

Para completar o quadro de elementos a serem ponde-


rados no caso, seja aqui citado o depoimento do Prof. ero.
dowaldo Pavan, genetIc:1sta, Presldente da Ac:ademia de Clên·
cias do Dtado de São Paulo e um dos três membros brasi·
leiros da Pontificia Academia de Ciências do Vaticano:
"Em decla,.ç6e. feU.a ao 'Jornal do Brasil' aos 27/0711978, o clano
Ibta )IIlga qua o processo d. IIptoduçlo anlnclal 'In vltro' li nlo • pro-
bltm. para a ellncla, polli as dlnculdade!l outrora ancontrada. ji loram
rasolvlda. de manalra mal. 0\1 menos dallnlUva. Todavl. levanta questl)et
de ordam PIICDI6glcl. éUca. 'eUglosa • 18gll.
o QUI . . t' acontecando na Inglatlrra, para o proressor. li um pro-
ca.so Imoral, onda, por dInheiro. uma 'amllla ....1 colocar uma criança numa
poslçlo mullo IncOmoda e t.IWl Insustantival. A criança, com multa pro-
babilidade, el'" blologlcamante normal, mas o que vai aconteeer ~Icolo­
glcemenle com ela, qua "ri daQui por dlanta I:me peça rara, como um
animai estranho num ZOOlógico? SIm defender 13u allcar o slatema, com-
pre.nde/la que o casal tomasse a alltude qUI lomou, duda que ludo I~..
leito em algUo. Como 1.1' •• ndo 11110, acho Inconc:eblvel" ("Jornal Cio
Br.. U", 27/0711978).

Como se vê, o prof, Pavan chama a atenção para fatos


circunstanciais que acompanharam a experiência de Steptoe
e Edwards: o alarde publicitário, os interesses econômicos c
as repercussões que tais clrcunstàncias poderão ter no desen·
volvlmento psiCOlógico de Louise. Com outras palavras: o
Dr, Pavan lembra que n ciência pura e neutra é algo de
muito raro; a ciência está multas vezes em função de inte·
resses de outra ordem (eeonómicos, polftlcos, ideológicos ... ).
pois os cientistas raramente têm recursos próprios para finan·
clar as suas pesquisas; dependem de instituições particulares
Ou dos Governos das grancles naçôes; ora tais ctinancladores:.
freqüentemente estão mais interessados em aplicações prag-
mAticas, econômicas e ideológicas das pesquisas dos cientistas
do que no progresso puro e teórico dos trabalhos científicos I .
Esses interesses pragmáticos não raro deturpam as reali2.ll-
ções da ciência. É esta situação que leva muitos observadores
à cautela e " prudência diante de certos avanços da ciêncIa:
estarão sendo efetuados a serv1co de alguma causa estranha
à ciência? E, caso Isto não oCorra no momento, náo serão
esses progressos cientificas um dia manipulados por interesses
não cientltlcos, ou seja, passIonais e degradantes para os pró·
prios cientistas e para a humanidade inteira? Quais as con·
seqüênc:as que terão para o gênero humano intervenções do
homem nos processos mais Intimos da natureza? O homem
I Cf. H. Japllssu, "O mito da naulralldada elonllflca". Rio de Janeiro.

-416 -
ENGENHARIA. GEl'ttTICA 13

poderá continuar a ser homem, com sua dignidade inconfun-


dível, se ele trata seus semelhantes corno animais ou como
mAquinas?
Eis perguntas qUê deixam o erlstão mais uma vez em
atitude de reserva e expectativa. - Voltaremos ao assunto
em nossa reflexão tinal ê. p. 420.

3 .2. kc:undasão artlflcial hOMDglna 111


Neste caso entra em cena a figura da c.mãe lncubadol"b
ou «de a1uguel:t, que recebe em seu útero o feto obtido c.ln
vitro" a partir das semeQtes vitais de marido e mulher. A
propósito deve-se notar que a gestão é inerente à missão da
mãe: a gestante ê altamente responsável por seu filho, sobre
quem ela exerce enonne influência.
A função de gestante, portanto, não pode ser reduzida
a tarefa comercializada ou paga por taxa de 6luguel; à mu-
lher nâo é llcIto vender seu corpo por nove meses para que
raça as vezes de uma estufa ou de uma máquina na qual o
o feto se desenvolva: tudo que diz respelto à procriação do
ser humano, embora tenha semelhança com o que ocorre nos
animais e na cibernética, ~ elevado El um plano superior e
lnconfundiveJ, pois estA associado aos valores do Ideal, da
doação mútua, da generosidade e da personalidade de cada
um dos respectivos genttores.

3 .3 . ' FKundascio atilflda! h.teroglnea I • 11


Qualquer dos casos de inseminação artificial lieterogênea
ê Uegltlmo, porque se realJza sem qua1quer vincuIaçio con·
,ugal entre o doador e a mulher fectmdada. A criança deixa
de ser a expressA0 do amor comprometido e responsAve1 de
pai e mie; o doador não ê o consorte daquela que dê. o
óvulo. Se1& licito observar mals wna vez; estas circunstlncla.q,
que nada têm de estranho em se tratando de animais irracio-
nais, não se coadunam com a realidade própria do homem.
Comenta multo a propósito o genetlelsta Th. Dobzhanskh
"AI tentallva. de tratar o homem como se nlo foese se~o um anImai
alo slmpllslas • Ingtnuas. O homem. ainda que seja animai, 6 horntMn"
("'Tht brologlcal ba,ls Df human freedom". Ncrw York 1958, p. 111).
A psicologia contemporânea mostra cada vez mais a
vlncuIaçio existente entre- os fatores btológ1eos e os dados
-417 -
14 ~PERCUNTE E RESPONDEREMOS, 226/ 1978

psicológicos que condJcJonam o nasclmento e a educa Cão de


uma crianoa. Els palavras de E. Tesson no artigo eMaternité
artlficle1Je,. da revista «Etudes, (março 1961), p. 41:
"A famllla , necetaérla ao novo ur chamado 6. exllljnela. Ele tem
nacessldade vllal nlo somente do proleçlo, mal, ainda mais, d. amor. M
peaqusu da psIcologIa contemportnea Inculcam esla verdade. As leis da
moral nlo aa.o ..nlo .. axlgOnclal do delabrochar hierarquIzado do ser
humano.
A famllla só poda .. r consUtulda pelo homem a pela mulhar qua
da,.m orlgam • criança. Sem dOvlda, o pai a • mie transmItam uma vida
qua o. ullrapaul. Mas, lê que aio eonaUluldol pelos me.mOI elemantos
qUI u Inconlfam na prole, h6 enlre alat e ea'a um parantesco biológico,
que' a base do parentelco psicológico e mor'l que a. deva criar a
liaaenvolver no decorrer doa anoa. H! a' uma aliança misteriosa antra os
alem.ntOl blol6glcoa • 11 zoou mais ai evado da pessoa. aliança quI!'
quu. nlo 101 ..tucillda aiO atil0ra.

C verdada qUe h' meios da luprlr I patemldada a a matem Idade


- maios po.. '....1I a, U vez... nece$lúloa -, mu
d .....m l ar multlpllcadoa laia calOS 1".
"0<1,,,
Julgar qUI

Destas observações se depreende que concepção, gestação


e educacão de uma criança são três funções intimamente liga-
das à personalidade de esposo e esposa, cuja m1ssão de geni-
tores não pode ser, com igual efIciência, preenchIda por ter·
celro$ ou estranhos.
Resta agora considerar os mais novos projetos da

4. Engenharia Gen6tica
1. Por «Engenharia Genética,. entende-se a arte de
constru..lr o genótipo de wn ser hwnano segundo receitas ou
protótipos concebidos pelo próprio homem. Não somente o
sexo da crianca seria preconcebido pelos cIentistas e seus
mentores, mas também as caracterIstlcas pessoais da mesma
(lncUnaçôes para a arte. para a cIência, para o esporte, para
a vida militar, etc.). Tais realizações são tidas como possí-
veis desde que se anna:zenem em reservatórios ou Bancos
próprios as sementes v1tais masculinas e femininas de gran-
des intelectuais, cientistas, artistas, esportistas. militares, etc.
Tais sementes (óvulos, espennatozoldes ou mesmo genes iso-
lados) seriam comblnadas entre si, de modo a se construir
o genótipo almejado e pré-fabricar o tipo humano desejadO;
poder-se-I& assim produzir uma sérIe de homens ou mulheres
do mesmo padrão, destinados a servir a um plano predefi-
-418-
ENGENHARIA GENtrICA

rudo por governantes, lideres ou Partidos pol1t1cos da hruna-


nidade.
A realIzação de tal projeto pode ser tentada por duas
vias:
1) na primeira hipótese, o processo é viabilizado por
combInação de óvulos e espermatozoldes previamente estipu-
lados pejo cengenhelro genético»;
2) em outra hipótese, pratica-se o que os ingleses cha-
mam clo.. (do vocábulo Bl"'go kIoon - broto, rebento): em
vez de fie combinarem os genes de dois genltores, um único
gelÚtor produz uma oopia de si mesmo. Tal experiência, desde
a década de 1950, foi sendo tentada, com relativo sucesso. em
ris por obra dos biólogOS norte-americanos Robert W. Brigga
e Thomas J.~. O principio qUe orientou a façanha, é o
seguinte: virtualmente cada célula de um organismo (seja
irracional, seja humano) traz em si toda a InformaCio gené-
tica necessArla para produzir o organismo inteiro. Por con·
seguinte, um óvulo de ri pode ser ativado por elementos do
próprio organismo feminino. sem recurso à Intervenção do
macho.
Na década de 1960, o biólogo britânico JoOO :a. Gurdon
aperfeiçoou o processo dos colegas norte.americanos. Na
mesma época o prof. Clement Markert, da Ya1e Unlverstty,
~mecou a fazer experiências semelhantes em mamiferos. ser-
vindo~se então de ratos. Valendo-se da técnIca dos coJegas,
os Drs. Peters C. Koppe e KarI DJmensee, blólogCls, conse-
guiram produzir sete ratos têmeas (não é possive), PCJr essa
via, conseguir macltCls).
Agora pensam os cientistas em fazer o mesmo com O
próprio ser humano. A mulher poderia gerar outra mulher.
do mesmo tipo que a genltora. sem particlpacão dCl homem.
Nota-se, porém, que no tocante ao ser humano o processo é
multo mais complexo e cUftcU; o chamo saplens:t não ê sim-
plesmente um primata (ou um macaco) aperfeiçoado. Dal
dlzer-se que o clone humano ainda está em perspectiva muito
remota, apesar da noticia transmitida pela imprensa aos
4/08/78:
"O genellcbta dlnemarquê. Ame Gylbenholm anrmou ontem em Cope-
nhegue que no fuluro •• m ulherel poderio engr.v'dar ...m a partlelpllçlo
dOI homenl. O .. peelalllta dl"e I.r realizado peaqullu com ria a que
euas e>cperllnela. tiveram pl.no Ixllo, mu admitiu que 19M necesdrlo um

-419-
16 ..PERGUNTE E RESPONDEREMOSJl 226J197S

dab!lta público p.ra Ilber se • ou nlo ~onventente p!lra as mulherea a


reprodu;lo unUal.rat" ("O Globo", 4/08I7S, p, 14).
2. Que dizer 8 respeito de tais novas prospectivas?
i: evidente Que uma e outra hipótese de Engenharia Ge·
nétlca atrâs recenseadas ferem gravemente o caráter especi·
fico da geração humana; esta é natural e essencialmente o
fruto do amcr reciproco de um homem e de un\a mulher.
Qualquer Intervenção dos ctentlstas neste setor afeta a dlgni.
dade hwnana, reduzindo o ser humano a animal ou coisa.
Ao homem não é licito interferir nas leis da sua natureza,
como se a inteligência humana (osse a inventora e criadora
do ser humano. O homem não se tu, mas se descobre. A
exPeriência. ensina que, quando a natureza é violentada, ela
se vinga do seu violentador, Impondo ao homem duras sano
ções. Com outras palavras: o homem só se realiza plena.
mente se ele respeita as leis de sUa natureza no tocante ao
respirar, comer, dormir, uso do sexo, uso da lnteligéncia , etc.
Donde se vê que se impõe ao homem uma certa humildade
para que ele possa tornar· se grande!
Em especial no tocante ao caso 1, a criança, desde que
fosse realmente concebida em proveta, careceria do acon·
chego do lar ou dos genitores que são Indispensáveis ao seu
genuIno desenvolvimento psicológico e humano. Quem garan.
tiria que, destinada a ser um gênio, tal crianca atingiria real·
mente as ralas da genialidade e não se tornaria antes um
monstro?
O caso 2 é naturalmente ainda mais hediondo. Que
criança nasceria (caso nascesse criança) de uma genitora
fecundada por si mesma? 1: pf€maturo tentar responder a
tal pergunta. vista. estarmos ainda diante de uma hipótese
problemática. Não hà do.vlda, porém, de Que se trataria da
mais ousada Intervenção do homem no processo genético. em
burla a todas as leis da natureza e, por conseguinte, em
contravenção aos principios da ética mais rudimentar.
A fim de náo ceder a desnecessárias divagações da (an·
tasia, passemos a uma

5. Reflexão finol
Proporemos Quatro pontos que nos parecem merecer
atencão:
-420 -
ENGENHARIA GENÊTICA 17
--------~~~~~~~------ ---
1) A inseminação artificial e a Engenharia Genética,
sob qualquer de suas formas. jogam com a semente vital
humana e. em muitos casos, com ovos fecundados, como se
tossem meros elementos qulmlcos suscetivels de ser manipu-
lados em proveta. Os cientistas que ~ dedicam a tais expe.-
riências, mostram a disposição (lndlscutlda e incontestada)
de extinguir o processo de laboratório, desde que este apre·
sente sinais de se encaminhar para o insucesso; estão, pois,
dispostos a matar o ser humano obtido artLflclalmente (caso
se trate de ovo fecundado); n~o querem dar origem a mons-
tros nem a criaocas que transtornem a sociedade.
Ora toda experiência ba.s~aaa em. tal premissa vem a "s er
degradação do ser humano ou nivelamento do homem e do
animal. Na verdade, o s:!r humano não se reduz a mera.
matéria; ele é animado por um princípio espiritual (a alma
intelectiva), que lhe confere a sua dignidade inconfundível.
2) S certo Que no caso ela fecundar;ão artificIal hom()o
gênea (por exemplo, no caso Brown) os cientistas foram mo-
vidos pela mais nobre al:lS Intenções. Todavia a sua faça·
nha não deve ser desvinculada da premissa que a orIenta e
das conseqüêncIas que outros cientistas (se não Steptoe e
Edwards) poderão dai tirar: se é licito dirigir artificialmente
a fecundação humana, por que não tentar as façanhas mais
ousadas que a imprensa vem noticiando? Uma Vf?l. que se
perca o respeito pelo que a fecundacão humana tem de espe-
cifico ou sagrado (doação de duas pessoas que se amam
reciprocamente), não há critérios para pôr limites à mamo
pulação do ser humano.
1:, pois, o principio filosófico da dignidade humana que
importa salientar neste momento .. . mais do QU~ a façanbn
de Steptoe e Edwards em relação ao casal Brown. Se o caso
Brown foi feliz (e quem é que o pode garantir desde já?),
outras experiências antel'iores efetuadas pelos mesmos ou
por outros médicos não tiveram o mesmo êxito, redundando
em autênticos homlcldios. Uma premissa filosófica que aceite
com igual tranqWlidaàe o bem e O mal, já não pode ser
tida como vâlida ou ética.
3) Afinal de contas, pode·se perguntar se as experiên.
cias de fecundacto artificial reverterão em maior humanlza·
ção ou em desumanizacão do gênero humano. A caminhada
dos biólogos que fi empreendem. dlrlge--sc para tennos alar.
-421-
18 cPERGUNI'E E RESPONDEREMOS' 226/1978

mantes, que ameaçam desfigurar a grandeza humana. Den.


tre os cientistas, muitos o reconhecem. Não há dúvida de
que o cristão não pode ser avesso ao progresso da ciência;
multo ao contrário ... Todavia a ciência sem consclêncla
(moral) é anna de dois gumes, que, em vez de beneficiar,
pode destruir moral e fisicamente toda a humanidade.
Se, em lugar de pensar em provocar o nascimento artl.
ficial de novas eriancas, O! homens, nesta época de explosão
demográfica, se preocupassem com e sorte das crianças já
existentes, mas abandonadas, proplclando.lhes paiS adotivos,
garant!r.se.lam mais seguramente o progresso e o bem-estar
da humanidade. Então, sim, a dignidade humana tanto dos
genitores adotivos quanto dos pequeninos seria exaltada e
acrescida; os homens se tomariam mais n.obres, evitando o
perigo de declinar para a monstruosidade fisica ou moral em
que a Engenharia Genética os pode precipitar.
4) Entra em questão também a famll1a como sendo o
ambiente maJs oportuno para que os homens se tomem
«gente._ Ora a [amma está baseada no relacionamento direto
e pessoal dos genltores e de seus filhos; como dito, os vin·
cuIas blol6gicos condicionam a conflguracão sociológIca dos
fllhos. Ora a Engenharia Genética ameaça mais e mais des-
truir a fanúlla.

Eis os motivos que nos levam a dizer Não aos prlnci-


pios que têm inspirado aos cientistas a intervenção antina.
tural no processo de fecunda~ão humana_
Terminamos com as palavras do Prot. Miguel Reale, pro-
fessOr" da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo~
ex-reltor dessa Universidade, membro das Academias Paulista
e Brasileira de Letras e ex-secretArIo da Justiça do Estado
de São Paulo:
"Multo, mas multo mesmo ainda haveria a dizer sobre
tão momentoso assunto, mas o meu propósito, com estas Unhas.
é apenas laventar um pouco o véu qU9 cerca um dos mais
preocupantes temas contemporâneos. que é o do destino do
homem. preso às engrenagens da tecnologia, a fim da que
a pessoa humana nilo seja reduzida a uma coisa, nem o mlla~
gre da vida lançado sobre o balcão dos mais mesquinhos
Interesses" ("O bebê de proveta e o Direito", em "Folha de
Slo Paulo", 4/08/78).

-422 -
o mlll6r1o cio homom:

existe no ser humano alma espiritual?

Em alnt... : Por ....plrflo.. enlende-se um ser que nlo tenha quan-


Ifdade, .xt.nalo, tamanho .. ' I mu ••ja dotado de Intellg6ncla li vontade.
Dizemos que li lime humana nlo • material, mas • um eaplrlto feito pare
vivificar o corpo humano li M aperllllçoa, 11m unllo com ..te. Vka, poli.
que corpo li alma alo realmant. dlsUnlol, po[s o corpo humano' mat6rla.
A .. plrllualldade da alma humana '8 deduz do I'U modo de agir; o
agir h' da f.r da ",..ma nalur8za que o MI, Na verdade, li alma humeM,
pala InteIIQ'ncla, lupar. o concreto, materfal, Ilngular, 8 concebe noçOes
unlvo,..I. ou apreenda o .... nelat, formulando d.nnIç6a •. Isto quer dize,
que o ser da alma humana lambém é Imatatlal, ou, positivamente falando,
• eaplrltulIl.

A dependência da alma 11m relaçlo ao corpo no tocante ao agir nlo


quer dIzer que li alma s,ja material, mil, sim, que foi criada pari ler
principIo vital do corpo humano; se elta li lesado ou doente, a alma humana,
emboftl 181a distinta do corpo, 1'\10 . . podl manifestar pllnamente, porque
carecI do I~h\lmenl., material d. que necessita.

• • •
Comentário: A expressão calma esplritua.b encontra
pouca ressonánda no mundo de hoje, porque tanto o con·
celto de 81ma como o de esplrito estão prejudicados por cor-
rentes materialistas de pensamento. Além disto, o abuso ou
. o mau emprego de taIs vocá.bulos tem contrlblÚdo para que
suscitem idéiu erronêU em quem D!I ouve. Dal a. necesstdade
de um estudo esclarecedor do assunto. Ê o que proporemos
a seguir, abordando primeiramente algumas noeões bâsicas;
após o que, trataremos em particular da espiritualidade da.
alma humana. Em artigo do próximo número de PR, abor·
daremos a Imortalidade da mesma.

1. Espírito, alma
1. A palavra calma:t provêm do vocábulo latino a.n1maj
signUlca O principio vital ou o prJncipio animador (vivifica-
dor) de um corpo organizado. Isto quer dizer que

-423-
20 cPERC~E E RESPONDEREMOS. 226/ 1978

1) todo ser vivo tem alma;

2) distinguem-se tantos tipos de alma quantos são os


tipos de vida.

Ora há três tipos de vida :

a) a vida vegetativa, cujas funcÕes são

nutrição, isto é, a fal:!u1dade de assimilar e incorpo-


rar ao próprio orgnnlsmo determinadas substâncias;

crescimento, isto é, a capacidade de desenvolvimento


homogêneo das partes do organismo, segundo um modelo im-
pregnado na natureza mesmo. desse organismo;

reproduçã.'o ou faculdade de gerar outros viventes da


espécie dos genitores;

irrltAbUldade ou cDpacldade de reagir a lesões, res-


taurando os tccidos prejucUcados, em conformidade com o
modelo impregnado no vivente;

b) n vida sensitiva, cujas fun;ões sãe as da vegetativa,


acrescidas da capacidade de conhecer seres concretos e singu-
lares mediante os sentidos externos (visão, audição, tato ... )
e os sentidos internos (estimativa, memória sensitiva, fan·
tada) ;

c) a vida lntelectl", que realiza as tarefas da vida vege·


tativa e da sensitiva e ainda é dotada do cOnhecimento de
no~ões universaIs, abstratas, distinguindo o essencial e o acI·
dental, para chegar a detinlcões tão precisas quanto poss;vel.

Em conseqUêncla, distinguem-se

a alma vegetativa. (o principio vital de um organismo de


vida vegetativa) I que se encontra nas plantas;

a alma &eJUlltiva (o principio vital de um organismo de


vIda sensitiva) , que se encontra nos animais irraCionais;
-424 -
a alma Intelectiva. (o principIo vlta1 de um organismo de
vIda intelectual), que ocorre nos viventes racionais ou inte-
lectivos, ou seja, nos seres humanos. I

2 , A palavra psiqué vem do grego psyché. € geral-


mente tida como equivalente a anima, alma. Verdade é que
as escolas filosóficas e psicológicas hoje em dia atribuem
matizes: diversos ao vocábulo psiqué, matizes que não é nosso
intuito recensear nestas páginas.

A Psicologia, por conseguinte, é o estudo do principIo


vital em geral ou, segwulo a acepção mais comum, ê tão
somente o estudo da vida consciente do homem.
3, Esplrlto é o ser real que não tem corpo, isto ê, carece
de extensão, Quantidade, peso, tamanho " " mas ê dotado de
inteligência e vontade. Vê·se ass1m que a palavra esplrito
tem ace~áo mais ampla do que o vocábulo alma. A chave
abaixo exprime a d1ferenca:

incriado, não unido à matéria: Deus


Espirito
! crlado, não unido à matéria: anjo
criado, unido à matéria: alma humana (espiritual)
O espirito que é o principio vital do organismo humano,
é chamado alma humana. Esta, portanto, é espiritual ou não
materia1, como afinna 8 clAsslca fUosofJa ar1st-otél1co·tom1sta.
Se a alma humana ê espiritual, também é imortal, pois a
imortalidade é propriedade de todo espirito.
Antes de anallsannos de mais perto a esplrltualldade e
a imorta1ldade da alma humana, toma-se necessário consi.
J Observ.... ume dlferençl Inlrl IntlltKtIfo e ,eelonal.
Intelecll'lO • Iodo Nr qUI conhece noç6es unlvenala, dlsllngulndo
essêncIa a acidenteI,
Aaclonal , o .er cuja Inlells6ncl. nlo • Intulltva, mu progreulva,
pusando de premlual • conclusOU, para eatabelecer novas premlaau e
chegar a ulterior.. conclul~I,
O .Ir humano, por exemplo, ti Intelectivo racional (.08 poucos VIII
peneirando. verdade). Deua a OI enJOI .10 Intelectivo. nlo racionais, mu
Inlul11V01,

- 425-
22 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 226/1978

derar uma questão que nos últimos tempos se põe com insis-
tência:

2. Corpo. almCl se distinguem entre si 1


A questão já foi abordada com certa ampUdão em PR
138/1971, P'. 247·258.
1 . Até os últimos anos era comum, nas escolas cristãs
de fllosotla, atinnar·se que o homem ê um composto de corpo
(matéria) e alma (espirlto); corpo e alma nesta perspectiva
se completam mútua e harmonlosamcn te, constituindo assim
a realidade psicossomât1ca do ser hwnano.
Recentemente, vários autores, entre os quais pensadores
católlcos, ,uJgam que corpo e alma não se distinguem entre
si, mas são, antes, duas facetas de uma só e mesma reali·
dade que é o homem. As ra:zões em lavor desta nova tese
seriam:
a) a antropologia bibUca que, segundo dizem, prop5e
uma concepção monista ou unitária do homelt), sem deixar
lugar para • distinção de corpo e alma;

b) a necessidade de superar o dualismo c:corpo e alma',


o qual tem inspiração platônica. e facilmente leva a conceber'
oposição entre espirlto e matéria ou entre salvação eterna e
progresso material ou temporal

2. A propósito observemos:
a) os autores bibUeos não pretenderam ccanonizar, ou
ofieiallzar algum sistema filosófico. Verdade é que os mais
antigos escritores sacros eram propensos a conceber o ser
hwnano como wn todo sempre integrado peta matéria ou,
depois da morte, por «sombras da matéria.» (rcpbalm). Os
&emitas dificilmente faziam abstração de imagens e noções 5en·
sIveis, de modo que não lhes era fácil conceber o ser humano
sem matéria. Todavia o autor blbllco do livro do. Sabedoria
(séc. n a .C.) serve·se de noções filosóficas gregas e concebe
a alma humana após a morte como um ser separado do corpo
(cf. Sb 5) . No próprio Evangelho segundo S. Mateus, lêem·se
as palavras do Senhor:
-426 -
EXISTE ALMA ESPIRITUAL? 23

"Nlo temala ela que mlLltn o c:orpo, ma !\IQ podem matu I .lmL
Tem. I, ,nl.., aquell qUI pode dntrulr I alma • o corpo nI Q. .na"
(MI 10,28).
b) Não há dúvida, a fliosofia platônica, herdeira de
concepções 6rticas, admitia duallsmo antagonista entre corpo
e alma. Todavia entre o dualismo platõrúco-órflco e o mo-
nlsmo contemporâneo existe uma posição intermed1Arla que
é a aristotélico-tomista: esta afirma a d.lstinção entre corpo
e alma, sem, porém, opâ-los ontologicamente ênt;re. si, antes:
concebendo.os como s~res complementannente unidos um ao,
outro. O próprio dIsclpulo de Platão, ArIstóteles (t 322 a .C.l,
superou o duall6mo de &eu mestre, estabelecendo os prindplos
do hllemorfiamoj estes, devidamente desenvolvidos, levam a
afirmar a distinçAo de corpo e alma que se unem entre si
como matéria e forma, constituindo um todo harmofÚoso. Os.
cristãos que seguiram a fllosofla de ArIstóteles, professaram
a dualidade de corpo e alma., Dia, porém, o dualismo de
Platão.!
3. A distinção de corpo e alma e, por conseguinte, 'Il
negação de todo monismo no ser hwnano evidencia.-se por
diversas vias. Realçaremos apenas o seguinte fato:
O corpo humano consta de Inúmeras partículas que vão
sendo renovadas constantemente, de modo que de sete em
sete anos a matéria do corpo humano é totahnente nova.
Não obstante, não muda o núcleo consclente da personali-
dade que se manifesta atmvés do corpo em mutação; um só
é o eu que pensa, fala e age dentro da matéria mutante do
organismo. Isto quer dizer que dentro do ser humano hi
algo que nio estA. simplesmente sujeito às leis da blo-fIslca.
e que se chama a alma Imml.DL
Os dois princlplos - corpo e alma - se unem entre si,
sem a medlaçio de um terceJro prJnclplo, mas por si mes-
mos, perfazendo um todo, que é uno. O corpo é o substrato
material e a expressão da. alma; a alma é o principio vivifi-
cante, que comunica sentido e finalidade às diversas partes.
e funcÕeS do corpo. O corpo está constituído de>. tal modo.
que corresponde às exJgenclas da alma; esta, por sua vez.
necessita do corpo a 11m de desenvolver as suas potendall-
dades.
Faz..se mister agora examinar a questão:
IA palal/ra dullldadl a!lrma doia prlnclplos, sem conotaçlo peJora-
ratlva ou antlgonlsta. O s ufixo lamo em dualismo acrescenla essa conolaçlo_

-4Z1-
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS. 226/1978' -_ __

3. A alma humana é espiritua'?


Para responder 'à pergunta, deve-se levar em conta o
seguinte principio: o ser e o aair de determinada realidade
devem ser correlativos entre si. Conseqüentemente, se vejo
Que detennlnada substâncIa tem por efeito q:salgar. alImen-
tos, digo obvIamente que o seu ser consta de cloro e sódio
(NaCl); se outra substância é corroslva, suporei que seja um
ácido, como o ácido sulfúrico (HsSO.) . se, pois, desejo saber
se a alma humana é espiritual ou se é material, devo exa-
minar o seu agir ou as atividades que exerce; se estas são
de ordem materIal, sem ultrapassar 8S capacidades da maté-
ria, direi Que a alma humana é material; se, ao contrário,
as aUvidades da alma humana transcendem as virtualldades
da matéria, conc1uJrel que o próprio ser da alma humana é
imaterial ou espiritual. .
Analisemos, pois, as atividades da alma humana:

t:: certo que o ser humano, além de conhecer os Objetos


concretos, singulares e materiais que lhe ocorrem, é também
capaz de conceber no;óe5: abstratas, universais, percebendo O
essenciaJ; é apto a reconhecer proporções, relações de depen-
dência, de causalidade e de finalidade.
Com efeito, depois de ver um homem, uma mulher, uma
criança, um ancião, um gordo, um magro . . . , a jntellgêncla
humana se emancipa das diferenças motivadas por cor, tama-
nho, sexo, Idade ... e define todos esses Individuas como par.
ticlpantes da mesma essência ou natureza; são todos seres
hwnanos, igual:! entre si pela natureza (que a inteligência
apreende), embora diferentes uns dos outros pelos aspectos
que 05 olhos percebem.
Paralelamente, depois de ver diversos objetos belos (uma
flor, uma paisagem, um anlmal, uma escu1tura . . . ), e inteli-
gência humana se emancIpa oos elementos extnnseccs e con-
cretos que apreende, e formula a definição da beleza. A par-
tlr da percepção de situações justas e injustas, formula as
noções universais de justiça e injustiça.
A psicologia experimental, por sua vez, corrobora estas
afirmações m.edlante a seguInte experiência:

-428 -
EXISTE ALMA ESPIRITUAL? 2S

Disponha-se uma série de vasilhas fechadas, na prlme~


das quais se coloca o alimento de um macaco. O animal.
posto diante de tal série, não sabe onde encontrar a sua
ração i o operador então abre a primeira vasilha e lhe mos-
tra o seu alimento.

Repita·se a experiência, encerrando na segunda vasUha


o aUmento, e nio na primeira. O animal, recolocado diante
da série, é guiado pela memória sensitiva e, reco"rdandO-se do
ocorrido no dia anterior, vai à primeira vasilha. O operador
entAo o coloca diante do segundo recipiente, do qual o animal
se serve.
Nwn terceiro ensaio, coloque-se o alimento fechado no
terceiro recipiente: guiado pelas lmpressães sensíveis do ensaio
anterior, o macaco se dirige para o segundo vaso ... Caso se
rnultJpliquem as experiências, verlflca-se que o animal pro-
cura de cada vez o recipiente em que no ensaio anterior '
encontrou o que lhe interéssava. Nunca chega a abstrair
dessas diversas experiências a ]ei da progressão que as rege.
Nunca se desvencllha das notas concretas da vasIlha em que
por último encontrou a sua ração, deduzjndo que nio é o
tato de ser a segunda, a terceira ou a quarta vasilha que
Interessa, mas é o fato de ser a vasIlha n + 1 (fórmula em
que D designa o número da experiência anterior). Ora urna
criança sujeita a tal teste, depois de três ou cinco experlêrt-
elas, consegue abstrair a lei n +
1 do fenômeno.
Destes ensaios se conclui que o animal, por mais seme-
lhante que seja ao homem, jamaIs se desembara~a. da percep.
CA.o do concreto, material; ele percebe o primeIro, o segundo,
o terceiro objetos ... postos à sua frente, mas é incapaz de
perceber a propol')Go que há entre esses objetos:

1 = n +1
2 = n +1
3 = n +1
4 = n +1
5 = n +1
Na coluna de. esquerda temos acima a Usta dos tenno!il
concretos, part1ru1ares, ao passo Que na coluna da direita
-429 -
26 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS. 226/1978

temos a fórmula wliversal e a indicação de proportões. era


pe.ssar da coluna da t:)querda para a da dlrelta, percebendo
a constante D + 1 por debaixo das variações 2, 3, 4, 5... é
algO que só a lnteUgéncla faz, porque só esta abstrai do con-
creto. O animal irracional não se eleva ao abstrato, universal.
Por conseguinte, o irracional não tem principio de conheci-
mento ou principio vital imaterial ou espiritual; a alma do
macaco ou do animal irracional é material. Ao contrário. o
homem, que é capu de abstrair do COncreto singular. possuJ
um principio vital ou uma alma imaterial ou espiritual.
Observe--se também: não há translcão entre o material
e o imaterial (ou espiritual). O espirlto não é a matéria
rarefeita ou gasosa energética, pois mesmo a matéria rare-
feita e a energia elétrica são dimensionâveis mediante núme-
ros ou estio sujeitas à quantidade, ao passo que o espirlto
nlo é quantitativo nem comensumvel.

2) A IlIIgUCIgMn humana

Em que consiste propriamente o falar?


- A linguagem é 8 capacidade que temos de fonnular
eonceltos universais e exprlml-Ios mediante sons concretos,
que variam de idioma para idioma. Assim os e<mceltos de
peJ e m.ie, por exemplo, são conceitos universais, que todo
ser humano concebe espontaneamente, mas que cada povo ou
cada grupo llngillsUco exprime de modo düerente. O homem
é capaz de emancipar-se de determinado som associado a
determinado conceito universal para propor exatamente o
mesmo conceito mediante outra expressão fonética; é o que
se dá com os tradutores, que procuram guardar exatamente
as mesmas mensagens intelectuais através de diverSaA sono·
ri2acõà.
Quem olha para 8 cavidade bucal de um homem e a
de um macaco, é propenso a dizer : se o homem fala, o ma-
caco também tala., pois organicamente este dispõe de tudo o
que o homem possui para falar. Não obstante, o macaco não
fala. Isto só se pode expUcar pelo fato de que no homem
há a)go mais do que no macaco; esse algo mais é a t"Spiri-
tualidade do seu principio vital. Com efeito; o homem só
pode falar porque é capaz de pe~eber que diversos sons não

-430 -
EXISTE ALMA ESPIRmIAL! 2T

slgnlflcam sempre diversos conceItos ou porque é capaz de


d1stingulr entre o som concreto e o conceito universaJ, Ima-
terial Isto denota no homem a presença de uma alma ima-
terial ou esplrl tua!.

Passemos a outra pcnderaçio:

3) A .lbM dcMIe de arbltrlo

Observamos que os animais infra.hwnanos são levados. a


comportar-se de acordo com os seus instlntos . .. , instintos
de conservação do individuo e da e.spkfei são estes que os
impelem a certos bens e os retraem de certos males ...
Também o ser humano pode ser movido por 1nst1ntos,.
insUntos espontâneos, cegos, anteriores à deliberação, em vir-
tude dos quais o lnd1v1dc.o provê à sua conservação ou à
conservaçã.o da esp&ie ou ainda a seu prazer... Todavia o
homem é capaz de disciplinar e controlar os seus instintos e
de agir em conseqüência de deliberacões ou decisões tomadas
após conheeer intelectualmente 8 sltuaçáo em que se ache, e
escalonar os valores que ela propõe.
Esta atitude própria do homem se explica do seguinte
lllOdo:
Todo ser humano, além de conhecer instintivamente o que
favorece e o que prejudica a sua subsistência física, momen-
tânea, ê apto a conceber também a noção de Bem, sem res-
trição ; em conseqüência, é capaz de querer, por sú'k vontade,
o bem sem limite ou o bem lnlinlto; todo ser humano, ao.
querer algo, só o quer porque tal objeto lhe aparece como
um bem (real ou, ao ml!nos, aparente) : em última anillse, a
vontade humana quer o bem sem restrição ou sem mescla
de imperfeição.

Acontece, porém, que todo bem que a inteligência apre-


sente à vontade humana, é sempre um bem fInitoj mesmo o
próprio Deus (que ê o· Bem Infinito, único capaz de saciar as
aspIrações do ser humano) é reconhecido na terra A seme-
lhança dos bens finitos, ou seja, de maneira anllloga. Com
outras palavras: todo bem que se apresente à vontade humana,
pode aparecer como Insuf1ciente (o próprio Deus pode aparecer
-431-
28 cPERGUi\TF. t: RESPONDEREMOS:. 226/19T8

não só como Pai atraente, mas também como Legislador col·


bitlvo de certos prazeres), Por Isto -e. vontade humana goza
de Uberdade de arbítrio na vida presente, em relação a qual·
quer bem crIado e em relação ao propri<l Criador. Na me-
d ida em que a inteligência apresenta à vontade os aspectos
de um objeto convenJente às disposições momentâneas do
sujeito, a vontada se inclina para esse objet'O; dado, porém,
que o individuo se ponha a considerar os aspectos do mesmo
obj.:!to que contrllrimn ãs paixões do sujeito, a vontade jâ
tem fundamento para o rejeitar. - ~ este o argumento filo·
sófico que comprova a existência. do livre arbitrio do homem;
ele se baseia, em ultima inslãnciü, sobre a capacidade que a
alma possui de conhecer o universal, o essencial ou o Ser
como taJ e o Bem como tal, e nuo somente o oom particular,
concreto, singular. Ora t31 . capacidade supõe, como dito, n
imaterlalidade ou n esplrltunlidade da alma h0JT.lana.

Em intima ligação com tal argwnento, acha·se o seguinte:

41 A cOMcI&nda de $I mesmo

Verifica·se que 'Os animais têm conhecimento de Objetos


que os cercam, ameaçando-os ou favorecendo-os. O ser hu·
mano, além deste tipo de conhecimento, possui o conheci-
mento de si mesm<l ou a autoconsciência: o homem nüo
somente sente dor, mas sabe que sente dOI" ou Que está lesado
flstcamente; este fator aumenta enormemente a sua dor, poIs
o sujeito humano percebe que a sua moléstia o Impede de
trabalhar'devidamente, O Que pode prêjudiear a Sua famitia,
a sua carreira, o seu Ideal. .. Possuindo o conhecimento dos
objetos e de si mesmo, o homem concebe o plano de ordenar
o mundo e a. si mesmo, dominando fatores estranhos ao seu
Ideal, superando paixões desregradas, cultivando boas tenden·
cias, etc. Isto tudo escapa às possibilidades de um animal
irracional. pois este conhece o seu objeto concreto, singular,
e ê incapaz de se ei1lancJpar das notas concretas deste e dI!
se voltar para si mesmo de maneira sistemática a fim de se
conhecer. O ser humano, ao contrário, realiza esta intros·
pectão, porque o seu principio de conhecimento (intelecto)
é capaz de ultrapassar o seu objeto concreto, material para
atingir o próprio sujt!ito ...
-432 -
EX1STE ALMA ESPIRITUAL? 29

5' A cvflura • o progres.so

Verüica-se que o homem intervém no ambiente natural


que o cerca, modiflCando-o de acordo com as suas intenções
e os seus planos; cria assim a cultura, que se sobrepõe à
natureza, adaptando-a ao homem ; assim é que surgem casas,
estradas, cidades, fábricas. artefatos.. . Essa aUvidade clen-
tiflca e técnica, sociai e ética, artística e religiosa, não é o
produto de processos fi siológicos e psicológicos apenas ou de
fatores materiais e econômicos tão somente, mas se deve à
açã.o intelectiva e planejadora da inteligência e à liberdade
de arbltrlo do ser humano. Com efeito, ao conhecer a natu-
reza que o cerca, o homem apreende as relao;ôes entre meios
e fins ou as 'Proporções entre diversos termos e concebe pro-
jetos para meihorar o seu ambiente (o seu habitat natural,
a sua alimentação, o seu vestuário, as expressões de sua arte,
de seus sentimentos religiosos .. . ); vai assim construindo clvi-
lizacôes sucessivas... Ora o animal é incapaz de progredir
em suas expre-.»ÕeS, porque é guiado por instintos; assim o
animal, embora certeiro c apurado em seus movimentos ins-
tintivos, é incapaz de. dar contas a si mesmo do que faz e
dos porquês da sua atividade; é, por isto, incapaz ele se cor.
rJglr ou de se ultrapassar. Em última análise, a ralz da
diferença entre o comportamento do homem e o do animal
reside no lalo de Que o homem tem um principio vital ou
um princípio de atividades imaterial ou espiritual, ao passo
que o animal tem um.a alma material ou confinada pelas
potencialidades da matéria.
São estas algumas das razões que evidenciam a espiri.
tualldade da alma humana.
EIs. porém, que se levanta

4. Uma obleção
Dirã alguém: como adm.Jtlr a cspirltualldade da alma
hwnana quando se sabe que as atividades mais sublimes do
ser hwnano não se realizam se o 0I'ianlsmo está lesado em
seu cérebro ou em .seu sistema nervoso ? Em. tais condições,
pode-se falar de alma imaterial ou espiritual?
A. resposta não é dlflcil. Todos os antropólogos reconhe-
cem 8 realidade psicossomâtlca do homem. A moderna psi-
-433 -
30 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 226/1978

cologia cientlflca adverte que não se pode dissociar, no ho·


mem, o · plano intelectivo (e volitivo) do plano sentimental,
nem este do plano vegetativo e Instintivo; a linguagem hu-
mana (Gue é a expressão mais tipica do racioclnio ou da
espirituaJldade do homem) é acompanhada por movimentos
rntmicos. gestos automáticos do corpo, desencadeados pelo
funcionamento da inteligência e da vontade. Assim o espiri.
tual e o corpóreo colaboram intimamente no homem.

De modo especial, a inteligência humana (que é uma das


faculdades da alma espiritual) depende dos sentidos externos
e do cérebro. Com efeito, os sentidos externos percebem os
dados concretos da realidade amblen tal (cores, sons, tempe-
ratura .. . ), que, através de fllamentos nervosos, são levados
ao cérebro, sede do senso ·comum. No cérebro, esses dados
são elaborados e reduzidos a uma sintese. Posteriormente o
Intelecto hwnano se aplica às diversas sfnteses ou imagens
que recebe, e distingue nestas o essencial e o ac-Idental.
Admitamos, porém, que o cérebro ou algum fllamento
nervoso venha a se ressentir de lesão ou defeito, transmi-
tido por here<1ltariedade ou contraldo pelo próprio sujeito em
acidente ou moléstia ... Em conseqüência, a inteligência hu-
mana carecerá. do instrumental sem o qual não pode mani-
festar a sua persplcécla; c · sujeito poder! chegar a levar vida
meramente sensitiva ou vegetativa... como se não tivesse
inteligência. Ê o que leva muitos estudiosos a dizer que a
inteligência é o próprio cérebr() ou t\ massa cinzenta (camada
cortical) do cérebro. - Tal conclusão, porém, é precIpitada
ou errOnea. A alma humana, com as suas faculdades pró-
prias (intellgência e vontade), não é matérIa, como fal evl.
denciado atrâs, mas depende da matéria para exercer suas
atividades.. Um doente mental possuJ alma espirItual como
os demais homens, todavia tem seu organismo lesado a ponto
de não pennltir as manifestações Inteligentes e lúcidas da
alma que deveria senrir-se desse organismo.
Vê-se, pois, que a dependência da alma em relacão ao
corpo no tocante ao seu agir não significa que a alma hu·
mana seja uma realidade material. mas tão somente que a
alma humana espiritual foi telta para animar a matéria e
aperfelçoar.se em união com esta.
No próximo número de PR passaremos ao estudo da
imortalidade da alma humana.

-434-
COmo .. explica .. ,

a riqueza do vaticano 7

Em .In.... : Ultimamente tem-se levantado nova onda de comen"rloe


la "riquezas" do Vaticano por paria da Imprensa Italiana. Segundo parece,
a InlançAo dos promotor.. da campanha difamatória • a de anlraqulClr
as ,ela9* entre o Vaticano e (I ElIado naUano em vista da IMOgaçJO
de Concordata existente entre ambos. O procedimento dos dlfamadore. ..
\I011.I,llno, lendo em vista destruir a Igrela.
Na lIerdade, o território pontlllclo tem sua origem nas doayees espon-
tAne.. que OI fiéis fulam de seus bens ao bispo da Roma noe "culoe
IV-VIII. Em 156. Plplno o 8r.va reconheceu o 'alo da &obaranla papal sobre
OS t,rrllórlos '$Slm dOidos. Fundou'i' ,nllo o Estado Pontlllclo, qua per-
durou alé 1870. ano em qua caiu 80b o podar das tropas Itall.nas. O Papa
tornou-sl voluntariamente prlslonalro no Vaticano até 11 de fevereiro de 1929.
quando a Sanla Sé 1 o GO\'trno lIallano houverem por bem uslnar (I Tra-
lado do Lalr.oi a.la punha lermo a "Qu8.tlo Romana", atrlbul~do .. Sanla
Sé o território da Cldad. do Vallcano (0,<4<4 km 2 ) 1 edlfrclos esp.raos na
c:ldade de Roma, A lobat.nla temporal foi ralvlndlcada pelos Papu entra
1870 a 1929 porque au.egutl lO Pontlllca a pOSSibilidade de abordar 010
fléla do mundo Inteiro com liberdade, ou ,eja. com Isençlo de conlrole
por pane do Estado 11.lIano. O lerrllorlo do Vaticano • o mlnlmo denlre ()I;
terrl16rlos Indepandentas no mundo Inteiro; as suas llnanças slo ln.ullclen-
t.. para auxiliar ... obru m'Sllo"'rl.. que a Igreja deva manler IObre
toda a terra.
Quanto aoa valores artlallC03 e culturala guardados nos Muaeua o na
BIblioteca do Vaticano, pertençam .ao patrlm"n~ da humanidade Intellll.
o. problemas da ml"rla e da lome no mundo jamais poderao .., ,eaoiYf..
doa .. bua de •• molas: dependem, Inlas, de soluçlo mal, prafund.. ou
"Ia. do t$plrllo da Iratemldade a aer Implantaoo anlr. oa: povoa,
• • •
Comentário: Não é raro levantar-se a questão do porquê
da propala.da crlqueza do Vaticano »-. A imprensa itaHana em
1976, aludindo ao Vaticano, moveu uma série de objeções a
pretenso cimpério... cujo regime fiscal representa wn dOI
malores obstáculos para a revisão da Coneordata~. - Entre
os próprios fiéis ca.t611cos, hã Quem diga Que. Jesus Cristo
tendo sido pobre. O Santo Padre não deveria ser senhor de
um Estado temporal, dotado de soberania poUtlca. SAo estes
alguns titulos de contestacão que se propõem contM. as pro..
priedades do Vaticano. Embora o assunto não seja novo, ele
se coloca hoje em dia de fonna singular ou inédita. Els por

-435 -
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS, 226/ 1978

que o abordaremos a seguir, dlvldlndo·o em duas partes: 1) o


Estado Pontifício e sua história; 2) as recentes acusações
feitas ao Vaticano ti propósito de interesses econÕmlcos.

1. O Estado po~tifício : suo história


Quem considera a história, verifica Que a soberania ter-
rItorial dos Papas não se deve a uma pretensa ambição dos
Pontl!lces, nem é o resultado de plano premeditado. mas
constitui a aflnnação espontAnea da fé do povo cristão.
1. A origem da ascendência temporal dos Paplls se
aeba nos primórdios da história da Igt'C.'ja.
Em 330 o Imperador Constantino transferiu a capital do
Império RfJmano para BlzAncio no Oriente, o que representa
um verdadeiro desvio no curso da lilstória: Roma no Oci.
dente ficou entregue à administração de um conselho muni·
cipal, que tinha o nome de Sena do, e de funcionârlos encaro
regados àç julgar as causas judiciárias e cobrar os Impostos.
BlzAnclo mais e mais se esquecia de Roma, descuidando·se
do seu reabastecimento e da conserva-:ão de seus monumen·
tOSi u Incursões dos bárbaros na penlnsula Itálica tornavam
as conc:Uçlíes de vida da população cada vez maJs precárias e
dolorosas. Eis, porém, que, em melo à anarquia, uma figura
ia ganhando espontãnee. veneração: a do bispo de Roma, con-
siderado pela população cristã como o pai comum, no qual
todos depositavam confiança. Correspondendo a este afeto
filial, os Pontífices Romanos (fJram·se tomando os tutores do
bem público não somente no plano espiritual. mas também
no temporal e social: em 452, por exemplo, o Papa São Leão
Magno dlrlg1u-se ao eIlCQntro de Atll4 e do exército hWlO,
que- se apresentavam para devastar Roma e a ltâ1la merldlo·
nal, conseguindo detê·los em MAntua.
Nos séculos VI-VII acontecia não raro que príncipes e
nobres, ac entrar no mosteiro ou ao morrer, doavam seus
bens ao Papa, em testemunho de piedade fjJIatj foi.se assim
formando o chamado cPatrimOnlo de São Pedro~ na penín.
sula ltâiica e' nas ilhas adjacentes. Esses latifúndios, de exten·
são cada vez maior, pennitiam ao Pontifice Romano wna
posição de certa Independência frente ao Imperador bizantino
e colocavam sob a sua jurisdição, religiosa e civll, grande
número de cldadAos, que trabalhavam nos territórios papais
ou destes se beneficiavam. Enquanto o Papa se tornava cada
-436 -
E AS cRIQUEZAS) DO VATICANO? II

vez mais o amparo das populaeões Infelizes do Ocidente, as


Imperadores bizantinas e seus exarcas (representantes esta-
belecidos em Ravena) se mostravam impotentes cu indiferen-
tes diante das calamidades que as afetavam.

No século vm Os acontecimentos se precipitaram:

o Papado se viu premido entre duas potências Hostis: no


Oriente, os bizantinos favoreciam as heresias (a respeito de
Cristo e do culto das [magens), os Imperadores subtraJam
terras à jurisdição ecles1Astica dos Papas; no norte da Itâlla,
os Jombardos, pagãos ou arianos (heréticos), ameaçavam
~nstantemente saquenr Roma e OS territórios mer:l.d1onala.
constituindo um perigo não somenro civil, mas também reU-
gloso. Nessas drt:W\StAnclas, os Ponti!lces Romanos se lem..
braram de recorrer ao auxlUo de um dos novos povos do
.cenArlo europeu: os francos, que, desde o batismo do seu rei
Clóvis em 496, constltuiam uma nação cristã de crescente
valor cultural; em 732, seu mordomo, Carlos Martelo, tinha
conjurado O perigo muçulmano, vencendo os árabes em Pai-
tiers. Os francos conservavam fidelidade à reta fé e pos-
suiam energias novas, enquanto Bi2inclo já significava um
mundo velho, vitima tento das sutilezas do seu gênio (<<bizan-
tinlsmoJt na arte, na tllosotJa, na teologia ... ) como dos exér.
citos estrangeiros (principalmente dos persas) i o verdadeiro
estel~ dos cristãos jà Dio estava no Oriente (onde as sutis
discussões debilitavam a té), mas no Ocidente, em particular
no reino dos francos, onde a fé el"a empreendedora .. Por Que
então não apelariam os Papas para estes fUhos da Santa
Igreja, a fim de proporcionarem urna ordem de coisas cristã
aos povos cristãos?

Foi O que Estêvão li resolveu fazer, dirigindo ao mor·


domo franco wn pedldo de auxilio diante das ameaças dos
lombardos. Pepino o Breve atendeuo(l em 756, movido por
amor à fé e 805 interesses da Igreja: em duas expedições
venceu os lombarclos e confinnou o Papa na posse do Patri-
mônio de São Pedro. Estava assim fundado, por magnlfi-
cfutcla da piedade cristã (dos nobres da ltãIfa e dos francos).
o Estado Pontlflcio Independente de BizâncIo. Em compen.
sação, Pepino 101 sagrado rei dos francos pelo Papa Este-
vão n, e seu filho Carlos Magno recebeu do PonUfice Leão m
em 800 8 coroa de Imperador do Império Romano, restllu·
rado no Ocidente com o titulo de Império S&CI'O ou crbtio.

-437 -
34 _PERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 226/ 1978

Esses fatos têm sido ca1orosamente comentados pelos


historiadores. Pergunta·se se não houve nisso tudo usurpa·
,,"o de direitos, jogo de interesses poUtlcos dos Papas e dos
trancos.
Após uma reflexão serena, respondemos que não. Os
aconteclmentos mencionados nâo foram senão a «oficializa-
ção. de uma situação que de fato já existia: o Papa já exer·
cia as funções de soberano no Patrimônio de São Pedro, sem
possuir o titulo respectivo; os mordomos trancos, do seu lado,
jê. governavam o reino (sob a dinastia dos reis merovlnglos
ditos efalnéants., lnoolentes), embora não trouxessem as
1ns1gnlas de monarcas; Pepino o Breve e Estêvão U, Carlos
Magno e Leão m só f[zeram tornar a situação definida e
patente aos olhos do mundo. A restauração do Império Ro-
me.no no Ocidente não pode ser tida como injúria cometida
contra Bizâncio, nem toi um gesto surpreendente e brusco,
mas o remate orgânico de um processo histórico iniciado em
330 e lentamente amadurecido no decorrer de mais de qua-
trocentos anos (até 756, ou melhor, até 8(0) .
'• - - - _ .
2. O Estado Pontltlcio, fundado em 756, perdurou inin-
terruptamente até 1870, quando cedeu ao movimento de uni·
tleação da pen1nsu1a itálica. Registraram-se, no decorrer des·
ses multos séculos, obras grandiosas, que a soberania tem-
poral dos Papas possibilitou; mas veriflcaram·se outrossim
~rtos abusos, gestos de prepotência política e de luxo muno
dano, principalmente no período da Renascença. A Santa
Igreja, guiada pejo Espirito Santo. é a primeira 8. reconhecer
e condenar tais desvios; ela não se ldentltica lrrestrltamente
com nenhum de seus membros, mas, na qualidade de Esposa.
de Cristo, transcende a todos, até mesmo 80S mais altamente
·colocados (pois cada um traz até certo ponto o lastro do
pecado): também não se surpreende ao verificar os abusos
de seus fUhos; estão bem na linha da parábola evangélica
do joio e do trigO.. .
Em 1870, tendo caldo o poder temporal dos Papas, foram
amplamente debatidos as vantagens e os inconvenientes da
conservação do Estado Pontlflclo (tratava.se da cQt1estão
Romana.). Apesar de toda a pressão adversAria, Pio IX.
Leão XIn, São Pio X, Bento XV e Pio XI julgaram não
poder abrir mão dos seus antigos dtreitos; conscientemente.
pois, tomaram essa posição. E qual o motivo que levava os
Pontlflces a proceder desse modo?
-438-
E AS cRIQUEZAS, DO VATICANO? 35

Pio XI o explicou com a rnãx1ma dareza por oculão do


Tratado do Latrão ou da restaW'8ç1o do F8te.do PontU1clo,
aos 11 de feve~ de 1929:
cPodemos dizer qUe náo h6 uma linha, uma ex~r.u80 do Tra-
tado (do Latrão), que não tenham sido, 00 mel\o. duronf. uns
trin.o meses, objeto ~a,tlcular d. nOllOs "e.ludos, de nono. medIta-
c5es ., mais a inda, d. nouas oracões, arocões que pe,cHmos outros.
sim a grande nGmera de olmo. santa. e mais ClmodCl. por Deus.
Quanto o nll., soblamos de antemóo que n40 con.egulrfon'los
conlenlor o todos, coisa que geralmente nem o pr6prio Deus con-
ngue ..•
Alguns talvez achem exlguo demal. o te'ritllrio temporal. Pode-
mos responder, .em e nlrar em pormenores e preci sões pouco oportu-
nOI, que , realmen'e pouco, muno pouco; foi deliberadamente que
pedimo. o menos po"I.... ! nessa mol',lo, depois ele ter refletido,
meditado e orado hoston'e. E' isso, por v6rios motivos, qUe not pare-
cem v6lidos e sério•.
Antes do mal., quis.mos mo.lror que SOIl'lOS sempre o Pai que
traio com seus filho • • em outro. fermol I quisemo. mClnlfe"ar nos.a
inlencão de nao tornar os coiso. mais complicadas e, rim, mais
,imple. e mais f6cels.
Al6m dislO, querlamos acolmor e dlulpor toda .sp6d. de Inqule-
taca0 I qverlamol tomar totchnente InJusta, absolutamente Infundada,
qualquer recrlmlnacão levantada ou o ser levantada em nome de ..•
lrlomos diz.er I uma .upentlcão de integridade territClrial do poli
1It61ial .
Em terceiro lugar, quIsemos demonrtror de modo porempt6rio
que esp'de nenh\lmo de ombfc6o lerrestr. Inlpira o Vlg6rlo de Jesus
Cristo, mo, unicamente o con.cTlnda de que "lia , paul...., "aO
pedir, pois uma certa .oberanio territorial , a condlçao unlversal-
me"le ,econhecida como Indl.pens6vel c todo out'ntlco poder d.
lurl.dlçllo.
Por conseguinte, um mln-{mo de lerrlt6rlo que bol'e para o
exe rcido da juri.diçao, o terrll6rl0 .em o qual eslo não poderia
subsisfTr . •• Parece-no., em sumo, ver as coi.os toi. como ela. s-.
rea'izavam no pena0 de sao frand lCO I el'e tinha aperta. o corpo
eslritomente necess6rlo paro poder deter a alma unida (I .1. O mesmo
.e deu com aulros lonlos, set: corpo estava reduz.ido ao estrilo
neceu6rJo para servir li alma, para continuar a vida humana e, com
a vida, a lua atividade benfazeja. Tornar-le·6 claro o todOl, espe~

-439-
J6 c}1ERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 22611978

romo-Io, que o Sumo Pontifica nõo possui como território maleriol


senão o qve lhe 6 indispcnsóvel paro O elloreigo do um poder elpl-
rHual confiadQ a homens em proveito de homens. Não h-esitamos
em diz.,. que Nos compraz.mas neste estado de coisal, compraze-
mo-Nol por ver o domlnio malerial reduzido a · limites tão restritos
que .•• o. homens o devem considerar como qlle espiriluolizCldo pelo
minão espiritual -imensa, sublime e reolmenle divina q\le ele é des-
IinCldo o lustentor o fevorecer. Itrecho do olocvç!o publicado pejo
cL'Ouervalor. Romano:. de 13/02/19291.
3. As palavras acima definem bem a mente da Igreja
a respeito do poder temporal, de que não quJs abrir mão
durante os sessenta anos em que dele esteve despojada. Em
última anãllse, vê-se que o Papa considera a sua. soberania
territorial como o corpo imprescindível 80 exerclclo das ati·
vidades de uma alma ou como condJ; ão indispensável para
o cumprimento de sua missão religiosa ; assim como a alma
neste mundo não age nonnalmente sem corpo, assim a tarefa
espiritual da Igreja seria impedida, caso lhe faltasse tal
suporte temporal.
A comparação ilustra fielmente a verdade. Tenha-se em
vista que a Igreja, por definição, exerce autoridade não ape-
nas sobre os corpos e o comportamento exterior dos homens,
mas também sobre o aspecto mais intimo e importante das
pessoas: sobre as almas . _. E exerce·a independentemente de
frontel.ras nacionais, abrangendo centenas de mUhOes de fiéis
do mundo inteiro: onde quer que esteja comprometido o espi-
rito do homem, mesmo nos planos aparentemente mais indl·
ferentes à rellgião, como o esporte, o cinema, a med icina, o
comércio, a Igreja tem que estar ai presente, a t im de orien·
tar a conduta dos homens que assim entram em contato com
o mundo material.
Tal autoridade ê realmente colossal. Em conseqüência.
os tUbos de. Igreja e os homens que compreendem o que essa
autoridade significa, não podem deixar de desejar que tanto
poder não sofra influência de alguma força estranha, não se
torne joguete nas mãos de soberanos pollticos, mais ou me·
nos arbitrârios. Por isto, cedo ou tarde havia de aflorar à
consciência dos cristãos a idéia de que o Governo e o Chefe
Supremo da Igreja devem ser independentes de Qualquer sobe·
rano politlco nacional, devem enfim ser tão livres quanto
qualquer Governo deste mundo. Em casO contrArio, estaria
frustrada a sua missão.
-440-
_ _ _ _"E"A"'S"-"'RI"'_9UEZAS' 00 VAJ'~C",AN=O",·,-._ _ _ _-'-'37

Esta última conclusão, a história se encarregou de a


comprovar. Com et·elto, não faltaram no decurso dos séculos
tentativas dai autoridades civis que visavam El submeter o
soberano Pontltlce à. jurisdição do monarca de tal ou tal pais
(que ótimo jogo não seria utilizar a autoridade moral dos
Papas em favor de interesses nacionais!) . - Quando o con-
seguiram, a tarefa religiosa da 19reja se viu enormemente
prejudicada. lo'ol o que se deu, por exemplo, durante o cha·
maao cExillo de AvinhãO. : de 1309 a 1376, os monarcas
franceses obtiveram que 03 Papas reslclissem em Avinhão
Olrança), onde, carecendo de soberania temporal, ficaram
sujeitos à influência do governo civil. Nesse petiodo, os Pon·
Wlces foram perdendo parte da sua autoridade moral perante
a opinJão púbUca internacionalj os cristãos de fé (o rei Car-
los IV da Alemanha, o poeta Petrarca, Santa Brigida, nobre
viúva sueca, Santa Catarina de SeDa) se alarmavam, perce.
bendo que, se a situação se prolongasse por muito tempo, o
Papado deixaria de ter o pre;tigio sobrenatural e católlco
(universal) que deve ter. Basta recordar qUe o Pontitice
João xxn (1316-1334) entrou em conflito com o rei LuIs IV
de. Baviera, animado de pretensões cesaropaplstas; excomun·
gado pelo Papa, o monarca respondeu que João XXII selVia
aos interesses dos Valols da Francaj por 1sto não hesitou em
eriar um antipapa (Nicolau V), alegando que a França tinha
cseu:t Papa.
Tais IdéIas e fatos evidenciam quão necessâr1a à missão
rellgiosa da Igreja é a ,obel'1U1la polltlca (por multo limitada
que seja) de que OS PontIflces têm tradicJonalmente usutnddo
e que ainda recentemente reivindicaram (diga-se mesmo sem
temor de exagero: o Interesse comwn dos fiéis jamais penni-
tlria abrissem mão de tal direito).

2. A Cldad. do Vaticano
Quanto às propaladas crlquezas:t do Vaticano, é preciso
dizer que 0$ rumores a respeito ultrapassam de multo a
realidade.
A Cidade do Vaticano é, do ponto de vista territorial, a
m.lnlma do mundo. Quando após 1870 se discutia a cQuestão
Romana», diziam multas que, em caso de restauração da
soberania temporal. um Estado do tamanho da República. de
São Marinho (60.57 km') seria. sufIciente para os Pontifices:
ora o Estado Pontific1o ressurgiu com 0,44 IonJ apenas - o
-441-
38 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS, 226/1978

que no século passado parecia incrivel! Esse Estado constitui


a simples carc:aça de uma alma e tem por exclusiva função
possibilitar o exerclclo das atividades da respectiva alma ou
da Igreja.
As obras de arte que se encontram no Vaticano, são,
em grande parte, a expressão da. fé de pint()res e arqulte·
tos cristãos que quiseram glorificar a Deus mediante o seu
talento. Os Papas - alguns com prodigalidade talvez exces.
aiva - os incenUvaram, porque a Igreja só pode favorecer
as artes que contribuam para a exaltação do Crlador.
es objetos contidos nos Museus do Vaticano foram. em
grande parte, doados aos Pontftlces por crlstãos sinceros
(reis, cruzados, viajantes, exploradores .•. ) em testemunho
de fé. Pertencem. 8.0 patrlmônlo do gênero humanoi os Pa~
pu não vêem motivo para não os conservar para o bem da
cultura IDllversal.
Não bâ razão, pois, para que os observadores se dete-
nham maldosamente sobre as apregoadas riquezas materiais
do Vaticano. Voltem, antes, a sua atenção para os imensos
tesouros espirituais que daquele recanto territorial emanam
para o gênero humano. Queiram-no ou nAo os homens, é
ainda do Vaticano que se faz ouvir a palavra da Verdade e
da Vida em melo As teorias contraditórias que perturbam 09
homens de hoje.

3. Polimlca mais recente


Proporemos suce!Slvam~nte acu.sac:ões c defesa.
3.1. As a~õ"
O primeiro número de 1977 do semanário italiano cL'Eu-
ropeo_ publicou um artigo Intitulado cVatlcano. S . p.A.
- Façamos um lnventA.rlo das propriedades lmobtIlâ.rlas do
menor Estado do mundo e das Ordens Religiosas : trata-se
de um Império propriamente dito, cujo regime fiscal repre·
senta um dos maiores obstéculos à revisão da Concordata,.
O corpo do artigo apresenta um elenco de bens da Igreja
em Roma, e aproveita.se da ocasião para dizer que a Santa
Sé estA para negociar os seus edifícios a fim de obter van·
tagens econômicas - atitude esta que redundarã em novo
saque de Roma, ou se1a, em destruicão dos monumentos e
-442 -
E AS cRIQUEZAS, 00 VATICANO! 39

marcos da história de Roma em favor da construção de


arranha-céus e prédios destinados a fins lucrativos. Em suma,
o Vaticano e as Ordens RelIgiosas estariam Interessadas em
especulações no campo Imoblllirlo e financeiro, tornando.se
assim responsivels pejos males de Roma.
Como se compreende. tais acusações dividiram a oplnlão
pública nacional italiana usim como a imprensa lnternado-
nal. Da parte da Santa Sé, o jornal IIL'Qsservatore Romano,.
respondeu em sucessivas edições do mês de janeiro de 1977,
mostrando as Incoerências e os preconceitos dos acusadol'CS.
Vamos, a seguir, transmitir em síntese as explicações que a
imprensa católica ofereceu então ao público.

3.2 . A_
Distinguiremos três titulos de defesa.

3 .2 . I • Controcllsõ..
Os adversârios da Igreja nem sempre souberam ser coe-
rentes; ca1ram em contradição consigo mesmos, evidenciando
serem enfennas as suas posições. Assim, por exemplo, deter-
minado jornal italIano, em uma de suas páginas, acusava o
Vaticano e a Igreja de possuírem enormes bens Imoblliárlos
e financeiros, enquanto em outra página dizia que o VaUcano '
foi levado A crise económ1ca pela defecção da classe burguesa.
que segue o tradicionalismo e, por isto, não se aUa à Igreja
renovada. Os rendimentos da Santa Sé seriam, portanto,
lnsufidentes para equilibrar as suas despesas. MaJs: o mesmo
periódico asseverava, por um lado, que a Igreja é respon.sá.vel
pela desordem urbarústloe. da ddade de Roma; pOr' outro lado,
aflnnava que B desorden;t urbanlstlca começou com · os pie-
monteses (que eram os anti-romanos do século passado) e
foi continuada por todas as categorias de pessoas que tive-
ram interesses comerclals em Roma.
Na verdade, observa Virgilio Levt, comentar:lsta de cL'Os-
servatore Ramano,. que cuma avaliação objetiva dos bens da.
Santa Sé. da.a dioceses e das Ordens Religiosas na Itália, ...
leva não 80 reconheelmento de um Império opulento. exces-
sivo, luxuoso e Inútil», mas, pelo contrário, ã averiguação
de uma realida.de bastante Ilmltada, freqUentemente proble-
mAtica pela falta de rendimentos destinados à manutencáo
das obras de clérigos e Religiosos. Multas destas são real·

-443 -
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS~ 226/1978

mente pobres, sustentando-se eom dificuldades. Os Religiosos


e as Irmãs que trabalham em hospItais, asUos e orfanatos
estão longe de perceber o que percebe wn leigo no exerclcio
das tunções dos Religiosos. Hoje até os operArios na ltãUa
conseguem oomprar seu apartamento ou sua casa - coisa
que absclutaJnente nlo se dA com os Rellgiosos e as Religio-
sas que se dedicam aos enfermos, aos velhinhos e às crianças.

3 . 2.2. o. beM ela Santa U


Quando se fala de bens da Igre1a, ocorre não raro wna
certa confusão entre os bens da Santa Sé, os bens das dio-
ceses e os das comunidades religiosas.
ti.:..!!
Com efeito, a Santa Sé, a1~m do território de 0,44 kmtl
apenas, correspondente ao Vaticano propriamente dUo, possui
dois tipos de propriedades imóveis em Roma: 1) as que gozam
de estatuto próprio estipulado pelo Tratado do Latrão (1929)
e 2) as que estão sujeitas ao Thtado itallano no tocante a
impostos e contribulçOes.
o Tratado do Latrão (artigos 13·16). que pôs fim à
Questão Romana. atribuiu à Santa se. em caráter extra·ter-
ritorial (Isto é. isentos de impostos em relação ao Governo
italIano e dotados de estatuto próprio). os seguintes imóveis:
- as baslUcas patriarcais de São João do Latrão, de
Santa Marla Maior e de São Paulo fora dos Muros (art. 13) ;
- o edlf1clo San Call1sto no Trastevere (art. 13);
_ a residência pontifícia de Castel Gandolfo com as suas
dependências (art. 141:
_ os Imóveis situados na parte Norte do Glanlcolo que
têm vista para o Vaticano e pertencem à. S. Congregação
para a Evangellzaçio dos Povos e outras instituições ecle·
slástl""" (art. 14) :
_ os .edJ.flclos anexos à basllica dos SS. Apóstolos e às
Igrejas de S. André della Valle e de S. Carlos ai Catinari
(ar!. 14):
_ as sedes da Universidade Gregoriana, do lnstituto Bf.
blJco, do InstJtuto Oriental, do Instituto de Arqueologia
Cristã, do Seminário Russo, do Colégio Lombardo, os doIs
paliI.clos de Santo Apollnllrlo e a casa de Retiros dos SS. João
• Paulo (art. 161.
- 444-
____-'f:: AS cRlQUEZAS. 00 VATICA..~O.~,_ _ __

Tais são os imóveis que 8 Santa Sé possui na cidade


de Roma por força do Tratado elo Latrão (1929). Compreen-
de-se que uma instituição de indole universal, isto é, esparsa
pelo mundo intelro, como é a Igreja católica, necessIte de
órgãos adminIstrativos como são as Congregações Romarias
(equivalentes a Ministérios), Dlcastérios divel"Sos, OfIcios com
os seus respectivos escritórios, adaptados às crescentes exi-
gências da vida da Igt'éja e do mundo de hoje. A organiza-
Cão e a adrnLnlstração da Igreja unlversal não poderiam exer-
cer a sua tarefa de servico se não dispwessem de edificlos.
de pessoal administrativo e de recursos econômicos. 1:: por
isto também que, além dos im6vels assinalados pelo Tratado
do Latrão, a Santa Sé possui na cidade de Roma outros ed1-
ficios destinados a atender às necessidades da Igreja; estes
pagam os impostos imobiliários regulares, como quaisquer
outras propriedades particulares; como dito, são ediflc10s de
ordem administrativa, e náo conventos ou mosteiros.

Os conventos e mosteiros que em Roma se encontram.


não são propriedades do Vaticano, mas, sim, de suas respec·
tlvas Ordens e Congregações. Estas fazem parte da Igreja,
mas possuem suas casas em seu nome próprio. Existem na
Igreja 221 Institutos Religiosos masculinos e 1.173 Institutos
Religiosos femininos. A maioria de tais farnlllas rellglosas tem
em Roma a sua casa generalIcla e nio raro uma casa de
formaçi.o, que, como dito, MO são propriedades da Santa Sé.
Essas casas de Religiosos existentes em Roma são neces-
sárias ao governo das respectivas Inst1tutções, . .. instituições
que geralmente se dedicam ao bem do próximo, isto é, às
escolas, aos hospItais, aos asilos, aos orfanatos, ou ainda. à
promoção da cultura sob os seus mais variados aspectos.
11: falso atribuir ao VatlcMo tanto os imóveis da Santa
Sé quanto os edUlc.1os das comunidades religiosas existentes
em Roma; isto dá a maldosa. e errônea impressão de que o
Vaticano é wna potência imobiliária despropositada e ganan-
ciosa. Na verdade, os depósitos do Vaticano são sempre insu-
ficientes (às vezes mesmo são nulos) frente às ingentes
necessidades que solicitam a ação da Igreja no mWldo Inteiro.
Foi isto, aliás, o que o jornal .Corriere delIa Sere_ reconhe-
ceu (sem que tenha intencionado fa:zer a apologia da Santa.
Sé). A Santa Sé se vê obrigada a subvencionar obras mis-
sIonárIas e outras inlQativas em proses distantes, concorrendo
para o bem das popuJat ôes necessitadas (o Que nem sempre
4.2 cPERCUNTE E RESPONDEREMOS, 226/1978

lhe é possivel fazer na medida das Indigências). Além dL'ito,


o Papa estA sempre pronto a envIar auxilios financeiros a
populações atIngidas por alguma calamidade (terremoto,
inundação, seca, guerra ... ) . Compreende.se que, para reali.
zar taIs tarefas, a Igreja necessita de dinheIro, dinheIro este
que fica sempre aquém das demandas.

3.2.3. Tratocfo. Concordota do Lafrão


Quando em 1929 se encerrou a famosa cQuestão Ro·
mana:D, foram assinados dois Importantes documentos por
parte da Santa Sé e do Estado Italiano: o Tratado do La-
trão e a Concordata entre a Santa Sé e o Governo da ItAUa.
Pelo primeiro o Estado Italiano se comprometia a devolver
à Santa Sé uma exlgua parte do territ6rio de que esta dis-
punha até 1870, ou seja, as propriedades atrás catalogadns.
Este Tratado hole em dia não sofre contestação; o Governo
italiano não pensa em deixar de reconhecer a autonomia tem-
poral da Santa Sé; não lhe Interessa restaw-ar a famosa e
infeliz Questão Romana.
O que atualmente se pretende refonnular em Roma. é-
a Concordata, ou seja, a Carta que estipula o relacionamento
entre a Santa Sé e o Governo Italiano, no tocante ao ensino
religioso, ao serviço mUltar. à assistência religiosa às Forças
Annadas, aos dias santos, etc. Tal documento é. por sua
própria natureza, sujeito a revisões periódicas, visto qUI! a~
circunstâncias da vida do povo Italiano variam com o passar
dos tempos. Por conseguinte, verifica-se quão Inadequada é
a a!lnnação do semanário «L'Europeo~ segundo a qual «as
propriedades imobiliárias da Santa Sé se constituem num dos
majores obstáculos para a revisão da Concordata.. Na ver-
dade, a Concordata vai sendo reestudads, havendo projetos
de emendas vArlos, os quais Independem dos edltlclos e dos
rendimentos de que a Santa Sé disponha.
As dêturpacões sofridas pela arquitetura e os monu·
mentos artistlcos de Roma em beneficio de finnas ImobiliA-
tias ê fenômeno que se deve a um conjunto de fatores que
afetam outras grandes cidades do mundo inteiro, nas quais
as especulações ImobillArlas contribuem para desfiitUrar a
memória local e os tesouros de arte respectivos. De resto.
em Roma não há apenas perda de valores artísticos, mas há
também obras novas que vão surgindo em harmonia com as
.sadias tradições da cidade.
-446 -
E AS cRlQUEZAS~ 00 VATICANO?

4. Conclusóo
Em última anâllse, os comentários feitos à crlqueza do
Vaticano., carecem geralmente de conhecimento de causa.
Quem considera a história passada e a realidade presente,
não os repete nos mesmos termos. O que impressiona no
Vaticano, é, sim, a riqueza artistJca conservada nos Museus,
nas Pinacotecas. na Bibhoteca, nos Arquivos., na basWea de
São Pedro... Como dito, tal riqueza artistica (pe(u raras
antigas, documentos, obras famosas da Renascenca .. . ) é, em
parte, fruto de doações, e, em parte, fruto do mteresse dos
Papas pelos valores culturais. Esse patrimOnlo pertence a
toda a hwnaniclade; a Igreja o guarda em favor de todO&
os homens Que se interessem por tais bens do esp1rito. Não
seria recomendável Que a Igreja se desfizesse de tais valores.
Os problemas da m.lséria e da fome hão de ser resolvidos
por soluções mals radicais e cabais do Que pela esmola, que
não atinge o Amago do problema da distribulcão das rique-
zas. Este problema requer espirJto novo entre os povos,
incluindo a capaCidade de renúncia aos interesses egolstas.
em favor do altruIsmo ou da compreensão dos irmãOs.
O visitante do Vaticano talvez seja impressionado pelo
cerimonial e as aHaias do respectivo culto sagrado. - Em
grande parte, tal. realidade é heranca de tempos remotos
(antigos e medievais); traz o estilo e a marca de épocas que
já não são a nossa. Por isto, o cerimonial pontltlclo passou
ultimamente por certa reConna, que o simplificou; está su-
jeito a ser ulterlonnente revisto, pois é algo de contingente
e secundârlo.
Note-se, porém, que não se poderá chegar à celebração
de um culto divino despojado de sinais sagrados. utens1lios e
vestes próprios_ Com efeito; o ser humano e psicossomático;
depende, pois, de sim bolos senslvels para se elevar espiritual-
mente; quando estes faltam, pode-se dizer que a crIatura
humana é violentada • .. Mais: leve-se em conta. que os uten-
sUios e as vestes do culto divino não visam a honrar 03
homens (nem os minIstros do altar nem os fiéis), nem a
lmpressionar a massa, mas dirigem·se a Deus, 8l1tes do mais.
O homem. rei da criacão. foi incumbido pelo Criador de esta-
belecer ordem no mundo (cf. Gn 1.28); toca-lhe, portanto,
a Incumbência de fazer que as ciiaturas inferiores, Inanima-
das. conCOl'ram do seu modo para proclamar a grandeza de
Deus ; é esta. a SUB fW1çáo quando utllizadas na arquitetura.
-447-
44 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS ' 226/1978

na pintura das igrejas ou na confecção de- objetos atinentes


à Uturgla sagrada.
De modo especial, a campanha contra os bens do Vatl.
cano movida em 1976 na ltAlla parece ter estado em cor·
relatão com dois grandes temas que então agitavam os inte-
resses poJltlcos e culturais do pals; a discussão sobre o aborto
e a revisão da Concordata. Alguns observadores julgam que
a difamação do Vaticano tenha tido em mira reforçar o mo·
vimento em prol do aborto e afetar e.s relações entre a Igreja
e o Estado; estas poderiam ser levadas a wn grau de tensão
tal que, em vez de reforma da Concordata, a lUília chegaria.
à ab·rogação p\1ta e simples da mesma. Esta interpretação
dos fatos é reforçada pela verificação de que o ataque à.
Igreja partiu principalmente dos setores favorãveis ao aborto
l1vre e 'à ab-rogacâo da Concordata, a saber: os movimentos
feministas, a ala radical do Partido Socialista Italiano (com
os seus periódicos cTempo JIlustrato, e eMessagero, ), os
grupos de alto nivel social e econõmlco, que dispõem de im-
pressos amplamente difundidos como são cCorrlere deUa
Sera», cRepubbUc8», «L'Espresso " cPanorama», «L'Euro-
peo,. Tais setores e 6reãos da Imprensa vêm adotando táti.
cas Inspiradas nas palavras de Volta ire (1694-1778): «:tera-
sez I'infame,. (Esmagai a Infame, Isto é, Q Igreja). Para
tanto, recorrem 80S mais diversos metas, inclusive à difama·
ção e à calúnia, ora abertas, ora veladas. QuaJquer motivo
e pretexto toma-se válido para atacar a Igreja: a sexofobla
ou a Declaração sobre a ~Ica Sexual promuhtada em dezem-
bro de 1975, as pretensas rlauezas, a especulação lmobillé.ria
que vai prejudicando a cidade de Roma. Vê-sc, porem, Que
por trás de tais acusaçóes fortes preconceitos se expressam
em detrimento da verdade e do bem.
~ pois, oportuno oue os h:!itores e observadores postos
diante das noticias difBmatOMBs atrAs comentadas saibam
guardar posição serena e objetiva, a fim de não se deixarem
envolver pela atitude voltalriana da calúnia e da sátira.
A propóSito veja
PR 2/ 1958, pp. 64-73 (as "rlquezu" do VaUceno).
A. Caruao. "Una venlall di anllcledcaIlMllo", em "La Oll/Iltã Catlotlea"
3039, 5/0211977, pp. 281-292.
Vlrglllo LeI/I, "Ainda lIobre OI bens da Sanla S''', em " L.·Osservatore
Romano", 18/ 0111977, p . 2 (ed. portugues a).
Idem, "AI .... rdadal tas fina lidades dos hn, da IgreJa" . Ibd. 30/ 0l/HI7T,
p. 10 (lId. portuguesa).
'lAcla "paslolical Sedls" XXI, 1929, n9 8, pp. 209-295 (texlo do Tra-
lado do Lalrlo a da Concordata antre e IIAtla e a Sanla SII).
Eitêvio Bcttenoourt O.S . B.
-448-
I ivros em esta nte
Comen"'rlo lO E"RplhO de 510 Marco.. por Batl.gUa, U,lcc~Jo e.
L.ncellotl. Treduçlo de Ephr.lm F4mal,. A~ . - Ed. VOlel, Petrópolis 1978,
135 x 210 mm, ,~ p~.

Com este voluma a Editor. Vozal dA Inicio a uma ",ia d, comentArloa


aOI quatro Evangelhos. Tem caráter lealOQlco 8 pastoral, deaUnando-aa •
Blcardola., lemlna,I,I.I, cltaqul,tas, 'elgol • 101 Crlculos blbllcol de lodo
o Brasil. O 18)(10 8vlta discussões clme .. (embor. se baseia notl '"ult.dos
da 8xeg8se modarna) • procura expor o , anlldo lUeral do Evangelho, um
desenvolver profunda. ,ofllll:6I, t&o169fC" . Reat, la leitor pl'oc:".r penetrar
na mensagem li apllcj-Ia .. IU8 vida . A obrl • Interessante" ulll, embOra
lenha, por vezes, .1 caracterlsUel' um lanlo eaquem611cas de uM Dlclontrlo;
• Indlspenséval o conhecImento do •• ntldO Ilte,al do Evangelho tanto ao
te61ogo quanto ao IIturglata e ao pastoraUlta.
Sanlldo •• pl/nua) da .a.ullldada, por J, Marcos B8Ch. Coleçlo "Famllla
e toc:ll dlda contamporln.." /1 , - Ed. Vozel, ~lr6polll 1978, 135 x 210 mm,
131 pp ,

O lutor 6 proleslor de Teologia Moral am Slo Leopoldo (AS). Pn>


cur. expor o sentido crlstlio di sexualidade de modo abrangenta e Im
luas diversas faca' .. : cuamento, celibato, UIO do sexo, paternidade res.
ponsavel, erotismo" liberdade sexual, elc. - OPa. Bech 'em em mira
remover 111101 conceltol e purifica, noçal. mil concebida•. Em certu
paiSagens, é feliz, corno no toclnte 11 palernldade responsl.vel (PP. 2()-25),
na explsnaçlo dos dlve/lOs nll/els de .I.ualldadl (pp. 38""1), ao recunf
o UIO dOI contlac;epllvQ8 (p. 25). Todavia em outros pontOI 6 forlemenle
critico, nem .emprl levlndo em conta os a.pecto. p08IUvos das ,.alld.des
Que cllllcl; é o que aconlece quando .. refele .. lei (P. S), .. autorldlde
°
(P. 31), ao Direito canônico CP. SO) . .• Em .11'11858, tom do livro 6 geral-
mente critico i mesmo qu.ndo louva, o autor encontra raz6ea para fazar
re.t rlçOt•• TIII IIlItude nos pare<:e prejudicar o. que de bom tlm a obre do
Pe. Bach; 8s1a desconcerta, por veze •• mel. do qUe constr61 e alenla.
Blblla..Gllnta, Se.mln'do parti Circulo. Blbllco.. Ano I n9 I, 2, 3 e 4-
para 3, lO, 17 e 2<4/09178. Suplemento de "O DOMINGO". - Ed. Paullnas.
810 Pllulo.
As Edlç6es Paulinas lançaram em setembro pp. uma "fie de folhelos
destInados 8 Circulas Blbllcos i acompanham os lextos eSGrllurletk:oa de
cada domingo do ano IIturgleo, fornecendo 8ubsldlos para comenlArlos e
,1"exOt •. IA. Inlcletlva • altamente oportuna, pOis vl.a a lneremenlar o
uso da Blblla no povo de Oaus. JulglmOl, porém, que o 8.1110 adotado 6
um tinto unilateral : em VIZ de desenvolver o .enUdo btbllco e u pers.-
pectivas da história da .alveçlo, 08 subsidias propostos por tais folheto.
encaminham a relle)l.lo quase excluslvamanle para qUlstlles IÓclo..con6-
mlcu rellltlvas a 8el6rlo, possa de larra, moradia. - Na verdada, cremes
qua o IllI:to blbllco deva lar repercuaslo 1'11 conslruçlo concrele do Reino
da Deus na larre mediante a jusllça soclat, mas o que lamentemos 6 que
se utilize a Blblla qUlle u"leamanle em vil'a dI questões aoclo-eeon6mlcas.
em vez de s. desenvolver expllçUamanll, fi e m primeiro lugar. e l ua rica
manll"em teolOglca; 88la h6 de .er o 'undamanto e estimulo para uma
vlv'ncla crls tl mil ... ul6ntlce em melo aOI delaflos qUI a vide contem·
porlnea suscita i o pOVO simples é altamente sensfvel também aos valores
da lé e da lellgllo proprlamenle ditos. - De modo espacial, lamantamos
o uso de m6 treduçlo brasileira da Blblle ; no I..clculo de 10/09/78, o
texto dfl MI 18,19 , lulm Ipresanlldo: "Podem estar certos: do jallo
Que I/octs resolverem na te"lI, flc .... retoM<lo no c:ju" õ oblervamos que
este IIxto, de grande Imponência teológlcl, • 1",lm banalizado.
E. 11 .
o CÉU DA POBREZA

Menina de oito anos

NA MINIHA CASA HA DOIS QUARTOS.


DUAS CAMAS, UMA Só JANEUNHA
E UM GATO BRANCO.

NA MINHA CASA COMEMOS Só A NorrE,


QUANDO PAPAI VOLTA PARA CASA
COM UMA BOLSA CHEIA DE PÃO E PEIXE SECO.

NA MlNHA CASA SOMOS TODOS POBRES,


MAS O PAPAI TEM OLHOS AZl.nS,
MAMÃE TEM OLHOS AZUIS.

EU TENHO OLHOS AZUIS


E O GATO T AMBI!:M TEM OLHOS AZl.nS.

ENTÃO. QUANDO NOS SENTAMOS A MESA.


A NOSSA CASA PARECE UM CEU AZUL . . .

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