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Thales Freire Pagassini

Chegando à
Universidade
Sem as Mãos
1a. Edição

São Paulo - SP
INC Editora
2016
Copyright 2016 - INC Editora

Produção Editorial: INCorporaƟva - SP


Editor Responsável: Rogerio Lubk
Revisão: Josafá Pereira de Almeida Souza

Depósito Legal na Biblioteca Nacional conforme


Decreto nº 1825 de 20 de dezembro de 1907

P129q Pagassini, Thales Freire

Chegando à universidade sem as mãos/Thales Freire Pagassini


São Paulo (SP) -- INC Editora, 2016
96 p. ; 15x21 cm

ISBN 978-85-92928-01-8

1. Autobiografia - 2. Deficientes - I. Título

CDD 869
CDU 82-94

É proibida a reprodução total ou parcial


sem autorização por escrito do editor
Sobre o autor 9
Agradecimentos 10
Agradecimentos Especiais 11
Prefácio 12

Capítulo 1
Meus primeiros passos 14

Capítulo 2
Ensino Fundamental 1: a primeira grande realização 22

Capítulo 3
Ensino Fundamental 2: uma evolução conơnua 27

Capítulo 4
Ensino Médio: era hora de já pensar no futuro 35

Capítulo 5
Meu grande sonho 52

Capítulo 6
Realizei meu sonho, me formei. E agora? 76

Capítulo 7
Conclusão dessas pequenas vitórias da minha vida 78

Capítulo Bônus (I)


Direitos e Deveres das pessoas com deficiência 80
Índice

Capítulo Bônus (II)


Encerramento. O caminho até aqui 88
Sobre o autor

Thales Freire Pagassini é paulista, nascido


em 19 de maio de 1989. Por uma negligência
médica e atraso no parto, seu desƟno foi traça-
do naquele dia. Thales teve uma lesão cerebral
por falta de oxigenação. Mas nem tudo foi ruim
nesse dia, a lesão foi em um grau que afetou a
sua condição motora e a fala, mas a parte cog-
niƟva estava intacta.
Thales possui uma inteligência incrível, um
óƟmo senso de humor e uma visão de vida que
raramente se encontra. A palavra impossível
nunca fez parte do dicionário do autor. Ao lon-
go desse projeto Ɵve o prazer de presenciar to-
da essa garra em busca dos seus objeƟvos.
Cuidou minuciosamente dos detalhes de di-
vulgação da sua “Vakinha”, dia após dia!
Esse é o Thales que lhe escreve esse lindo li-
vro: não existe obstáculo que não possa ser ul-
trapassado! Isso é o que Thales me prova dia-
riamente e é esse o autor que irá encantar vo-
cê com uma escrita simples, objeƟva e de uma
valia sem tamanho.
Poderia escrever sobre as qualidades des-
se autor em um livro separado, mas vou dei-
xar que o texto dele o apresente por inteiro. O
meu muito obrigado por tudo e a todos que fi-
zeram parte desse projeto! Um grande abraço
e sucesso sempre.

Têneli Müller
Mais que um agradecimento, gostaria de
começar dedicando este livro aos meus pais,
Genésio e Damares, que agora são meus anjos,
me deram forças para encarar essa jornada da
vida, pois enquanto o mundo colocava barrei-
ras no meu caminho, eles sempre estavam do
meu lado me incenƟvando a vencer. E se che-
guei até aqui foi graças a eles que lutaram co-
migo sem medir esforços. Sendo assim, ama-
rei-os por toda eternidade.
Gostaria de agradecer minha Ɵa Regina Pa-
gassini que até hoje sempre esteve ao meu la-
do. Meu querido avô Euclides Pagassini, que
com sua saúde em plenitude fez toda a dife-
rença em minha vida, minha linda avó Maria
Pagassini que sempre me doou seu carinho
sem limitação, aos meus queridos irmãos Ge-
orge Pagassini e Marcelo Pagassini por toda a
ajuda ao longo dessa jornada, a meu grande
sobrinho Jonas Pagassini por todo o auxílio de
sempre, à minha amiga Ana Maria Severino Sil-
va por me ajudar no início desse livro, à minha
cunhada Silvia Severino Silva por todo apoio e
à minha querida namorada Luciana Aparecida
Canduro pelos momentos que fazem a diferen-
Agradecimentos

ça nos meus dias.

Thales Freire Pagassini


Agradecimentos especiais:

A todos que ajudaram na mi- Têneli Muller


nha “Vakinha” e de uma forma Priscila Rondini Muller
direta ou indireta transforma-
Claudio Rondini Junior
ram meu sonho em realidade,
o meu muito obrigado, de cora- Roberto De Oliveira
ção! E coloquei os nomes na or- Sueli Ribeiro da S. Zamproni
dem em que as doações foram Samanta Aquino
feitas, então esse livro também Ângelo Marchi Neto
é de cada um com o nome nessa
lista! Fiquem com Deus. Eduarda Evangelista Silva
Eliane Jaqueline Metzner
Edson Luís de Souza
Carlos Henrique de M. Santos
Daniela Fogagnoli de Souza
Wilker C MarƟns
Mariana BonoƩo
Luciana Aparecida Canduro
Paulo Roberto Mendes
Rosana Lozano da Silva
Solange T. C. Keller
Francisco do Amaral C. Neto
Luciana L Gomes
Murilo Kugler
Rosana Campana Chacon Rafael de Paula
Moema Borba Daniela UrbinaƟ Castro
Wagner Campos Armando José da Silva e Sá
Karla Almeida Thelma Armidoro Velasco
Marcio Tondin Magali de Cassia Rosolem
Luciana Santana Brito Wladimir
Luiz Fernando Milani Cleide
Carlos Caiafa Adriana Ruani Rezzaghi
TaƟ/Renato/RenaƟnha/Carol Emilio Figueira
Maria Leonor Jaenes Marcilio Mirian
Bianca Pasquim Aureliane Santos
LeƟcia Pacolli Tabata Leite Fulep
Liráucio Girardi Jr. Daize Rosa
Sílvia Almeida Ediberto Santos
Karla Bernardo Élcio B. CasƟlho
Renato Ramon S. Guimaraes Sueli Aparecida Fornaziero
Artur de Souza Aragão Vanessa Hamazaki Silva
Roberta Ramos Otavio Castanho
Vinicius da Silva de Oliveira Daniel Freire da Cruz
Murilo Lopes Sanches José Eduardo Garcia de Souza
Marcia Yanikian Bruna Fornaziero Severino
Belwin Singh
Prefácio

12 - Thales Freire Pagassini


Corajoso é aquele que não desiste em meio às adversidades. É
aquele que não se inƟmida quando tudo parece contrário.
Esta é a história de Thales. É uma história de superação, várias
aventuras e repleta de emoções. Mas, principalmente, é uma his-
tória de amor e fé, uma lição de vida que nos dá a chance de cres-
cer um pouco mais.
Você vai se encantar com a sua simplicidade, se admirar com a
sua inteligência e se emocionar com suas aventuras e conquistas.
Thales nunca perdeu tempo com lamentações, ao contrário,
sempre buscou solução para os problemas e seguia em frente para
alcançar seus objeƟvos. Os obstáculos foram sempre uma oportu-
nidade para superar mais um desafio.
É claro que o amor e a dedicação da sua família sempre foram
fundamentais para a sua trajetória.
Thales é uma pessoa determinada, inteligente, mas simples e
humilde. Thales inspira as pessoas ao seu redor, por isso nunca lhe
faltaram amigos. Essa inspiração impulsionou pessoas, abriu por-
tas, derrubou barreiras.
Thales é um vencedor por natureza...
A você leitor, este presente, esta inspiração.

“Não te mandei eu? Esforça-te, e tem bom ânimo; não temas,


nem te espantes; porque o Senhor teu Deus é conƟgo, por onde
quer que andares. ” Josué 1:9

Maria Leonor Jaenes Marcilio


Capítulo 1
1989-1999

Meus primeiros passos

S ei que muitas pessoas olham para o futuro em direção a al-


gum objeƟvo e só o que conseguem ver são os obstáculos,
isso as paralisa, impede que ajam em busca daquilo que
querem. Outras ficam paradas esperando pelo “momento certo”,
que geralmente não chega. Em contraponto, outras pessoas sim-
plesmente fecham os olhos e seguem na direção que escolheram,
vão em frente, tropeçam, se machucam, mas levantam e conƟnu-
am seguindo. E lá no meio do caminho, quando estão muito próxi-
mas dos seus objeƟvos, param por um instante e ficam orgulhosas
de si mesmas por ter conseguido chegar até ali, renovando assim
suas forças. Sabem que conƟnuarão.
Estou exatamente neste ponto, no segundo semestre da uni-
versidade. Olho para trás e vejo o quanto percorri, quantas vezes
caí e todas as dificuldades que superei. Nada tenho de tão especial
ou diferente de você.
Meu nome é Thales Freire Pagassini e começo assim contan-
do minha história. Nasci em 19 de maio de 1989 no Hospital San-
ta Catarina, em São Paulo, em plena Avenida Paulista. Minha mãe,
Damares, e meu pai, Genésio, contavam que houve um atraso no
meu parto, que nasci com a pele roxa por falta de oxigênio no cé-
rebro e Ɵve que ficar onze dias na UTI para recém-nascidos. Nessa
época minha família possuía convênio da Amil, mas de nada adian-
tou, meus pais não Ɵveram nenhuma explicação das futuras con-
sequências desse problema na minha vida.
Quando minha mãe voltou ao trabalho depois do meu nasci-
mento, era vovó Maria quem cuidava de mim. Conforme o tem-

14 - Thales Freire Pagassini


po passava, vovó notava que eu não evoluía igual às outras crian-
ças, que eu ficava com as mãos sempre fechadas e que o corpo não
estava adquirindo equilíbrio normalmente. Então ela falou para os
meus pais me levarem ao pediatra. O médico explicou para eles que
eu havia sofrido uma paralisia cerebral causada pelo atraso na hora
do parto e que isso era um erro médico, que eu teria que fazer trata-
mento pelo resto da vida e que talvez ficasse em estado vegetaƟvo.
Indicou que passássemos por uma fisiatra para que ela nos indicas-
se quais seriam os tratamentos adequados a seguir.
Foi só o começo de uma longa jornada.
Marcamos com a fisiatra e esta nos orientou da necessidade de
fazer terapia ocupacional, fisioterapia e passar também por uma fo-
noaudióloga.
Meus pais processaram a médica que fez o parto, o hospital e o
convênio, mas o processo durou anos com a jusƟça lenta deste pa-
ís. Lembro que só aos meus sete anos meus pais foram convocados
para me levar a uma perícia e o perito disse-nos que não passava de
mera fatalidade o que havia acontecido comigo. Depois de algum
tempo fomos convocados novamente para uma audiência e acaba-
mos perdendo a causa.
Mas essa derrota não poderia brecar um futuro para crianças co-
mo eu, não poderíamos parar jamais.
Minha mãe teve que parar de trabalhar para poder cuidar de
mim, enquanto meu pai trabalhava como escultor. Na época morá-
vamos em Itaquera, zona leste de São Paulo, longe de todos os lu-
gares que eu precisaria frequentar, como a AACD e o hospital Santa
Marcelina. Para chegar nesses locais minha mãe e vovó Maria me le-
vavam de trem, ônibus e metrô. Graças a essas terapias sempre con-
segui andar com alguém me segurando.
Vendo todo o sacriİcio para chegar nesses lugares, meu avô Eu-
clides, vovó Maria e Ɵa Regina nos convidaram para morar nos fun-
dos da casa deles em São Caetano do Sul. Ficaria mais perto deles
e assim poderiam nos ajudar no coƟdiano. Além disso, lá tudo era
mais perto. Mudamos em 1991 e logo comecei a frequentar a APAE
para realizar meus tratamentos. Fiquei lá até três ou quatro anos de
idade porque meus pais decidiram me colocar no SESI de Santo An-
dré, por ter mais recursos. Mas como não ơnhamos carro, mamãe

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me levava de ônibus e trem. Por conta dessas dificuldades, meus
pais resolveram falar com um vereador para saber se ele poderia
nos ajudar com transporte e assim, o assessor dele começou a me
levar e buscar.
Muitas vezes a prefeitura da sua cidade pode lhe ajudar com esse
transporte, não deixe de analisar todas as possibilidades.
Recordo que, até essa época, eu só me alimentava com sopinha
de legumes baƟda no liquidificador e depois disso passei a comer
macarrão. Eu ainda usava fralda. Após a entrada no SESI evolui mui-
to. Eu ficava em uma sala fazendo diversas aƟvidades junto a crian-
ças com diferentes Ɵpos de deficiência. Também Ɵnha a hora da
merenda e foi aí que passei a comer arroz e feijão amassados. Ou-
tra conquista dessa fase: parei de usar fraldas. Recordo a professo-
ra dizendo para mamãe que, se eu conƟnuasse usando fraldas, se-
ria proibido de ir às aulas. A parƟr daí nunca mais as usei. Após essa
etapa, não me lembro do moƟvo, Ɵve que sair do SESI e voltar a fa-
zer minhas terapias na APAE.
Minha Ɵa via os nossos problemas de locomoção e resolveu com-
prar um carro para nós. Isso nos ajudou muito porque além de me
levar nas terapias, meus pais poderiam passear comigo em vários lu-
gares e isso foi muito bom, pois desde pequeno aprendi a lidar com
o preconceito das pessoas e não ficar preso em casa com medo ser
taxado como um coitadinho.
Esse sempre foi um grande diferencial meu, a opinião dos outros
não influenciava minha trajetória e eu não deixaria de lutar com ba-
se no que outros pensavam sobre mim.
Dessa época da minha infância tenho óƟmas lembranças.
Acordava cedo, mamãe me dava o café da manhã e em seguida
brincava comigo. Havia uma rampa no quintal onde ela me segura-
va em pé e eu chutava uma bola, esperava ela voltar para chutar no-
vamente. Enquanto ela fazia o almoço eu ficava deitado na rede me
balançando e vendo meu pai trabalhar. Às vezes ele me dava bron-
ca porque eu balançava muito forte e ele dizia que era perigoso cair
da rede. Sim, eu era uma criança bem levada! Quando eu não esta-
va no quintal, ficava na sala vendo desenhos. Eu adorava tanto que
não piscava, geralmente assisƟa Tom e Jerry, Pica-Pau e Chaves. Mas
o programa infanƟl que eu mais gostava era o Castelo Rá-Tim-Bum!

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Se meus pais deixassem, eu não sairia de frente da TV!
Adorava jogar videogame. Meu pai trabalhava com escultura de
madeira e teve a brilhante ideia de fazer um encaixe para prender o
controle na minha mesa, pois com minha falta de coordenação nos
braços e mãos eu não conseguia segurar o controle. Além desse en-
caixe, minha terapeuta ocupacional disse para mamãe colocar dois
pesos de 200 gramas quando eu fosse jogar porque isso ajudaria a
diminuir meus movimentos involuntários.
Seria mais fácil não fazer nada, mas isso não aconteceu na minha
trajetória, todos os obstáculos até aqui foram vencidos com adapta-
ções e muita persistência.
Meus pais sempre fizeram questão que eu Ɵvesse contato com
outras crianças. Sempre convidavam a molecadinha para ir brincar
em casa e no verão meu pai montava aquelas piscininhas de plásƟco
no quintal, me colocava uma boia e me deixava na piscina com meus
coleguinhas, mas sempre de olho em mim. Quando senƟa frio, ma-
mãe me Ɵrava da água, me dava banho quente e em seguida prepa-
rava meu lanche da tarde. Se acabasse o serviço mais cedo, meu pai
me colocava no carrinho e me levava para soltar pipa com ele na rua.
Ele colocava a pipa no ar e me dava a linha para eu tentar segurar,
só que às vezes eu era “cortado” e perdia a pipa. Começava a chorar.
Quando a molecada jogava bola na rua, meu pai ou o vizinho
chamado João me seguravam e corriam comigo atrás da bola.
Posso dizer que Ɵve uma infância normal e que tenho inúmeras
recordações.
Outra lembrança que eu tenho da minha infância é da minha Ɵa
e meu avô me levando no parquinho. As outras crianças me viam e
percebiam que eu era diferente delas. Eu não andava sozinho, algu-
mas perguntavam o que eu Ɵnha e depois brincavam comigo. O que
eu acho legal até hoje é que quando as crianças percebem alguma
coisa diferente em uma pessoa, elas ficam curiosas, perguntam e de-
pois que entendem que aquele indivíduo tem uma deficiência, elas
interagem sem preconceito, ao contrário de alguns adultos que se
afastam quando veem uma pessoa com algum Ɵpo de deficiência.
Que bom seria se todos pudessem ter a mesma visão de uma
criança quanto a isso, e eu sei que todos nós somos capazes disso
dentro das nossas próprias limitações.

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Fora todos familiares que você já conheceu nas linhas acima, eu
tenho dois irmãos mais velhos, Marcelo e George. Quando eu Ɵnha
seis anos, o Marcelo trabalhava com meu pai e começou a me en-
sinar a jogar xadrez e dama e também ajudava meus pais cuidando
de mim. Mamãe dizia que ele Ɵnha mais práƟca para me dar lanche
do que papai. Nos fins de semana meu outro irmão vinha nos visi-
tar e como ele é músico, sempre trazia o seu violão para tocar e can-
tar com a gente. Certa vez George faria um show com sua banda na
abertura de um desfile de uma marca de roupa de uma vizinha nos-
sa. Como eu fiquei sabendo que várias crianças da rua iriam desfi-
lar eu também quis, conseguimos autorização da responsável pe-
lo evento e meu pai foi segurando no meu braço esquerdo para eu
poder entrar na passarela caminhando. Fiquei muito feliz esse dia!
Sempre fui muito festeiro e tão inquieto que quando alguém me
falava que haveria uma festa ou passeio eu ficava agitado a ponto
de não conseguir dormir à noite. Que ansiedade! Certa vez fui a um
aniversário, brinquei e fiquei muito agitado, ao voltar para casa senƟ
que minha boca começou a entortar e meu corpo tremer. Meus pais
ficaram apavorados porque não sabiam o que estava acontecendo
comigo, gritavam o meu nome para ver se eu voltava ao normal. Foi
a primeira vez que Ɵve uma convulsão, ainda que para evitá-la eu to-
masse Gardenal desde o nascimento. O neurologista ao qual minha
mãe me levou acabou por aumentar a dose e uƟlizei esse remédio
por 20 anos, além de outros para controle da ansiedade e o relaxan-
te muscular para diminuir os movimentos involuntários.
As medicações foram importanơssimas no meu tratamento, as-
sim como a dedicação dos meus familiares para sempre cumprir os
horários e não falhar. E essa dedicação fez a diferença no tratamen-
to, graças a isso hoje estou livre dessas medicações.
Meus pais tentavam de tudo para me ver curado. Levaram-me
em várias religiões onde se dizia que me curariam espiritualmente,
porém nada adiantou. Nada tenho contra qualquer religião, mas as
pessoas com deficiência precisam ter cuidado porque, infelizmente,
existe muita gente que se aproveita da fé e da esperança das pes-
soas para enganá-las. Quero deixar bem claro e por isso repito: não
sou contra qualquer religião, até acho válido o ditado “Quando a fé
entra, a ciência se cala”. Siga o que lhe faz bem e esteja sempre aten-
to com quem não irá lhe ajudar e só quer se aproveitar da situação.

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Por volta de 1997 meus pais conseguiram comprar uma casa em
Embu-Guaçu, mas lá não haviam recursos para fazer meus trata-
mentos e conƟnuamos morando em São Caetano do Sul. Costumá-
vamos ir para Embu-Guaçu aos finais de semana, nossa casa fica-
va em um local com muitos síƟos e pesqueiros, meu pai e meu avô
sempre me levavam para pescar. Colocavam-me no carrinho e quan-
do chegávamos ao lago, eles colocavam a vara de pescar no meu co-
lo e diziam para eu ficar atento na boia da linha até que a visse afun-
dar e senƟsse alguma coisa, quando então deveria puxar e chamar
por eles. Mas ficávamos com pena dos peixes e meu pai os devol-
via para o lago.
Conhecemos uma senhora que nos contou ter um sobrinho que
não andava e havia sido curado com uma simpaƟa que ela havia fei-
to. Ela nos disse para pegar um carneiro e amarrar um barbante em
cada uma de suas patas e quando ele perdesse os barbantes, eu fica-
ria curado. Por lá haviam muitos síƟos que vendiam carneiros, então
meus pais compraram um para fazer a tal simpaƟa. Como falei aci-
ma, toda ajuda é bem-vinda e mais uma vez seguimos orientações,
tudo para tentar uma qualidade de vida melhor. Chegando a São Ca-
etano, meu pai colocou o carneirinho dentro de um quarƟnho on-
de ele guardava as ferramentas de trabalho, já que no quintal havia
uma cachorra chamada Lobinha, que era boazinha, então meus pais
o deixaram fechado.
Meu pai trabalhava no quintal de casa fazendo suas esculturas e
contava com um ajudante. Certo dia esse ajudante do meu pai es-
queceu a porta do quarƟnho aberta e o carneiro fugiu para o quin-
tal. Lobinha viu o carneiro, correu e o segurou pelo pescoço, minha
mãe com medo que ela o matasse jogou água nela e o carneiro pu-
lou o muro dos fundos, fugindo para a rua. Meu pai saiu correndo
atrás dele, mas para nossa sorte o nosso vizinho João estava na rua
e conseguiu capturar o carneiro. Após esse ocorrido meu avô resol-
veu fazer um cercado de arame nos fundos para poder deixar o car-
neiro, que se chamava Julin. Com o passar do tempo Ɵvemos proble-
mas pois Julin começou a berrar na ausência do meu pai, os vizinhos
reclamavam e ele então decidiu levar Julin para o síƟo de um amigo
seu. Algum tempo depois ficamos sabendo que ele havia morrido.

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Eu e meus pais
Com minha Ɵa e avós
Capítulo 2
2000-2002

Ensino Fundamental 1:
a primeira grande realização

O tempo passou e chegou o momento de avançar na esco-


la. Na minha infância ainda não havia preparo das esco-
las regulares para incluir crianças com algum Ɵpo de de-
ficiência e meus pais queriam me alfabeƟzar. Minha Ɵa Regina pe-
diu ajuda para uma amiga chamada Deise que dava aulas no Ensi-
no Fundamental e ela me dava aulas aos finais de semana. Deixava
uma aposƟla para eu estudar com a minha mãe durante a semana,
mas, como todo moleque, eu só queria brincar. Às vezes eu estava
na rua e era flagrado pela professora que chegava e já ficava bra-
va. Afinal eu deveria estar em casa para estudar. Graças às aulas
dela consegui aprender a ler e fazer contas básicas de matemáƟca.
Pode parecer simples, mas essa pequena ajuda fez a diferen-
ça nos meus primeiros passos de alfabeƟzação. Meus pais tenta-
ram me colocar na escola da APAE e a pedagoga de lá disse que
todos os alunos dela Ɵnham problemas cogniƟvos e eu não Ɵnha
nenhum Ɵpo de deficiência mental. Se fosse matriculado lá eu
não iria me desenvolver normalmente, portanto sugeriu que se-
ria melhor procurar uma escola especializada em paralisia cere-
bral. Muitos até hoje não entendem essa parte, mas minhas fun-
ções cogniƟvas são perfeitas, assim minha mãe tentou me colocar
na escola da AACD, mas como ficava muito longe ela achou me-
lhor conƟnuar pesquisando e encontrou uma escola perto de ca-
sa, chamada Irmã Catarina. Levou-me para conhecer, gostamos,
conversamos com a diretora que nos explicou como funcionava o
método de ensino, fez uma avaliação comigo e disse-me que pe-

22 - Thales Freire Pagassini


lo Ɵpo da minha deficiência eu seria aceito. Mas havia outro pro-
blema: a escola era parƟcular e meus pais não Ɵnham dinheiro pa-
ra pagar as mensalidades. Tentaram falar com alguns vereadores
para saber se a prefeitura poderia me dar uma bolsa, mas não ob-
Ɵvemos respostas.
Infelizmente em algum momento todos iremos nos deparar com
a situação de que a melhor solução é paga, mas isso não pode fazer
ninguém desisƟr, isso não é opção.
Depois de diversas pesquisas conseguimos achar uma escola es-
pecial chamada Anne Sullivan. Nela haviam diversos setores, passei
por várias avaliações e finalmente fui aceito. Entrei no setor de pa-
ralisia cerebral, só que muitos alunos de lá não conseguiram desen-
volver o seu cogniƟvo normalmente, já que isso pode variar confor-
me grau da lesão causada pela falta de oxigênio no cérebro.
Nas linhas abaixo começo a descrever minha vida na pré-escola,
algo fundamental a toda criança.
No primeiro ano de escola eu ficava na sala com um menino cha-
mado Bruno. Ele não conseguia falar e usava uma prancha de co-
municação cheia de figuras, onde a pessoa que queria falar com ele
Ɵnha que ficar passando o dedo figura por figura até ele fazer um
sinal com a cabeça indicando que aquele símbolo significava o que
ele gostaria de dizer.
Como eu já estava alfabeƟzado (isso já era minha primeira vitó-
ria), ao contrário dos outros alunos, no ano seguinte Ɵve aulas so-
zinho em uma classe com uma professora chamada Fernanda. Ela
era incrível, tenho uma foto muito bonita ao lado dela. Ela fazia um
trabalho pedagógico equivalente a uma primeira série do ensino re-
gular e ao longo daquele ano ela foi percebendo que eu Ɵnha con-
dições de frequentar uma escola normal. Ainda naquela época não
havia “cuidadores” nas escolas para me auxiliar na hora de copiar a
matéria, me dar o lanche e me levar ao banheiro, então a diretora
Janice, do Anne Sullivan, teve a ideia de me colocar no setor de sur-
dez, já que lá eles ensinavam o mesmo conteúdo de uma escola re-
gular, de uma forma bem mais lenta e simplificada.
Entrei direto na segunda série e muitas professoras diziam que
eu não conseguiria me entrosar com o resto da turma porque eles
se comunicavam por meio da linguagem brasileira de sinais, mais

Chegando à universidade sem as mãos - 23


conhecida como LIBRAS. E eu não Ɵnha coordenação nas mãos pa-
ra fazer os sinais. Mas tudo deu certo porque, quando eu queria fa-
lar com eles, a minha auxiliar traduzia o que eu queria dizer. Confor-
me o tempo passou, eu consegui aprender LIBRAS e quando meus
colegas me perguntavam algo eu fazia sim ou não com a cabeça
para responder. Na hora do intervalo eles pegavam minha cadei-
ra e saiam correndo até o refeitório, onde eu tomava meu lanche e
até cheguei a levar algumas quedas por conta dessas corridas pelos
corredores, mas nunca me machuquei com gravidade.
Meu diferencial sempre foi a dedicação e uƟlizar esses obstácu-
los para evoluir, nunca reclamar e ficar parado.
Uma fase diİcil da minha história foi que no ano de 2002, meu
pai faleceu. Foi um período muito triste para minha família, mas
não podíamos desisƟr de tudo que já havíamos alcançado. Recor-
do que nesta época mamãe me colocava no carro para ir passar o
fim de semana na casa da minha Ɵa e eu levava meu videogame pa-
ra jogar com o meu primo. Só que lá não havia mesa adaptada com
encaixe para segurar o controle, então eu comecei a tentar jogar
com os pés e percebi que jogava melhor, pois ganhava do meu pri-
mo e conseguia passar as fases dos jogos. Mais uma evolução de-
pois de uma dificuldade. Chegando em casa falei para mamãe que
iria jogar com os pés e ela discordou, queria que eu exercitasse a
coordenação dos braços, mas insisƟ e a parƟr daí só usei meus pés.
Foi um marco na minha história.
Neste ano eu estava na quarta série e a escola contratou um
“cuidador” chamado Odair, ele usava bandana e um radinho a pi-
lha com fone de ouvido para acompanhar as noơcias. Ele me trata-
va com todo carinho e respeito, os outros “cuidadores” falavam pa-
ra ter cuidado comigo porque eu era muito bagunceiro e ele achava
que não deveriam falar assim de mim, mas com o tempo ele desco-
briu que era verdade. Naquele ano haveria eleição para presidente
e eu sabia que ele não gostava de políƟca, assim eu ficava cantan-
do a música da campanha do Lula para ele. Quando ele estava dis-
traído tentava arrancar a bandana dele, mas ele era rápido e não
me deixava completar o serviço. Ficamos muito amigos, conversá-
vamos muito.
Um momento legal que me recordo é que ele não sabia falar em
LIBRAS e eu o ensinava, mandando mexer a mão até que ele enten-

24 - Thales Freire Pagassini


desse como se fazia aquele sinal corretamente. Meus amigos sur-
dos também me ajudavam a ensiná-lo. Uma coisa importante que
preciso relatar neste capítulo é que, nessa série, eu Ɵve uma pro-
fessora quase surda. Como ela ouvia um pouco, ainda conseguia
falar, então na aula ela fazia os sinais e falava para eu poder acom-
panhar melhor a explicação. Estou colocando isso no livro pois a in-
formação é importanơssima: muita gente pensa que toda pessoa
com surdez também é muda e isso não é verdade. Elas não pos-
suem nenhum problema nas cordas vocais e emitem sons, só não
falam porque não conseguem aprender a pronúncia das palavras e
isso ocorre pela falta de exercício e do acompanhamento de uma
fonoaudióloga. Espero que um dia essa realidade mude e que pos-
sam ajudar também essas pessoas.
Mais um detalhe. Creio que você tenha entendido o ơtulo do li-
vro, mas se passou despercebido, ele foi totalmente digitado usan-
do os pés, assim como eu jogava videogame.
Com meus amigos da escola
Capítulo 3
2005-2007

Ensino Fundamental 2:
uma evolução contínua

Q uando fui para quinta série, todas as professoras eram


ouvintes, mas ainda me deixavam fazer a prova com o
Odair, ainda que ficassem observando se o Odair não
respondia às questões por mim. Quando ele percebeu que elas
desconfiavam que ele fizesse aquilo, resolveu gravar uma prova
minha para comprovar que eu respondia tudo sozinho. Mas quan-
do fui para a sexta série, a coordenadora decidiu que seria melhor
as próprias professoras aplicarem as provas. Neste ano eu Ɵnha
uma professora que desconfiava que o meu auxiliar me passasse
as respostas e fazia questão que eu fizesse todas as provas com
ela, até que um dia essa professora decidiu passar algumas per-
guntas na lousa e pediu para o Odair copiar as questões para se-
rem respondidas com ela. Só que li as duas primeiras perguntas e
já sabia as respostas, falei em voz alta e o Odair escreveu o que eu
havia falado, porém ela disse que ele Ɵnha respondido por mim e
acabou cancelando as questões. Tentamos argumentar, o que não
adiantou e minha nota foi reduzida.
Isso vai ocorrer sempre, muitos irão considerar que você não é
capaz, mas seus resultados provarão o contrário.
Minha classe era umas das mais levadas da escola e eu não
ficava atrás. A gente paquerava as meninas, eu colocava apeli-
dos nas professoras e não queria fazer as lições que eram passa-
das. Algo que eu adorava era quando Ɵnha passeios, principal-
mente para o Hopi Hari e o Wet’n Wild, porém sempre havia al-
gumas pessoas na escola que me diziam para não ir nestes lu-
gares porque não me deixariam ir a todos os brinquedos. Mas eu
ia assim mesmo. Quando fui pela primeira vez no Hopi Hari, mi-
nha mãe, meu Ɵo e o Odair foram comigo. Fomos à recepção pa-
ra pegar o mapa do parque e saber em quais lugares eu poderia
ir, até porque na época eu tomava remédio para evitar as convul-
sões que eu Ɵnha desde pequeno e seria perigoso ir a brinquedos
muito radicais.
Uma parte muito importante nesse capítulo é: não deixe de le-
var seus filhos nesses lugares, sempre há brinquedos para crianças
como nós. Por mais que não tenha ido a todos, foi um dos melho-
res passeios da minha vida.
Depois que fomos a várias atrações, meu Ɵo e minha mãe de-
cidiram ir ao Rio Bravo e eu fiquei com o Odair do lado de fora, já
que neste não podia ir. Enquanto isso Odair me levou para conhe-
cer uma lojinha ali perto e quando voltamos descobrimos que eles
já haviam saído do brinquedo. Começamos a procurar pelo parque,
pedimos para a recepcionista anunciar os nomes deles no alto fa-
lante, resolvemos ir brincar para não perder mais tempo. Quando
estávamos descendo a rampa do lado da roda gigante demos de ca-
ra com eles e conƟnuamos a nos diverƟr.
Minha primeira ida ao Wet’n’Wild foi com minha Ɵa Regina. O
problema ao chegar ao parque foi que ela teve que me trocar no
banheiro feminino, então ela deixou minha cadeira virada para a
parede para eu não ver ninguém se trocando. O mais engraçado
é que Ɵnha gente que achava que eu era deficiente mental, então
elas nem ligavam por eu estar lá.
Isso chama a atenção para o fato de que a sociedade olha para
a pessoa com deficiência como se ela Ɵvesse problemas mentais.
Durante este livro veremos diversos exemplos sobre essa questão.
Cada caso de deficiência é um caso especifico, no meu caso o
problema maior é a parte motora e não a cogniƟva, ainda assim o
engano acontece sempre.
Quando eu ia para o Wet’n Wild com a escola especial ơnhamos
a vantagem de ficarmos todos juntos em quiosques reservados. Is-
so facilitava, pois os professores e “cuidadores” podiam se revezar,
enquanto um “cuidador” levava um aluno na piscina, o outro fica-
va no quiosque cuidando dos demais alunos. Todos os funcionários
eram muito prestaƟvos e prontos para nos ajudar.

28 - Thales Freire Pagassini


Percebo que hoje em dia muitos estabelecimentos até se preocu-
pam com a acessibilidade İsica com rampas, elevadores e banhei-
ros adaptados para “cadeirantes”. Em alguns restaurantes já exis-
tem cardápios em braile para que pessoas com deficiência visual
tenham mais autonomia na escolha do seu prato. Mas ainda no-
to uma falta de conhecimento por parte da sociedade em relação a
como tratar a pessoa com deficiência.
Essa é minha esperança e esse livro é um primeiro passo, mos-
trando a você que é possível, que se todos se esforçarem o mínimo,
teremos uma sociedade melhor nesse aspecto.
Chegamos então à minha séƟma série e neste ano houve uma
mudança na direção da escola, Odair teve que ir para outro setor
e colocaram em seu lugar o Riberto, meu novo “cuidador”. Ele era
formado em Direito e parecia ser sério, na dele, no fundo era um
gozador de primeira classe, gostava de jogar xadrez e como eu era
liberado das aulas de educação İsica, ele jogava comigo.
Essas mudanças nem sempre são fáceis, mas às vezes necessá-
rias e não podem ser obstáculos para a nossa vitória.
Naquele ano entrou uma menina na minha classe que Ɵnha
um grau de surdez baixo, ela conseguia ouvir e falar normalmente.
Lembro até hoje que ela vivia cantando música de abertura das no-
velas “Chocolate Com Pimenta” e “O Beijo do Vampiro”.
A molecada gostava de me provocar, colocavam a minha cadeira
perto dela e pediam para ela me beijar, mas ela não queria, o pior
foi que ela achou que eu queria alguma coisa com ela porque de-
pois daquele dia, eu passei a provocá-la e ela começou a pegar raiva
de mim. Como meu “cuidador” via que eu gostava de aprontar com
ela, um belo dia ele decidiu escrever um versinho para ela como se
fosse eu. Fomos para o refeitório para tomar o lanche, esperamos
ela colocar a mochila em cima da mesa e sair para pegar o lanche e
colocamos o bilhete perto das suas coisas. Quando ela chegou e viu
o recadinho fez uma cara de feliz porque havia pensado que era de
outro menino que ela queria namorar, só que quando o meu auxi-
liar disse que era meu, ela ficou brava e começou a me xingar em LI-
BRAS, então o Riberto me levou embora.
Eu sempre gostei dessas brincadeiras, me diverƟa muito pregan-
do essas peças! Mas nem tudo era festa, mais uma fase diİcil se
aproximava e eu não estava preparado.

Chegando à universidade sem as mãos - 29


A escola estava com falta de “cuidadores” naquele ano, a dire-
tora me chamou para dizer que eu teria que ficar sozinho na sala, o
auxiliar viria para me levar no banheiro e me dar o lanche e que to-
da matéria deveria ser xerocada. Isso não deu certo porque a pro-
fessora explicava a matéria e em seguida passava exercícios para fa-
zer na classe, mas como eu estava sem o auxiliar e a professora não
Ɵnha tempo para me ajudar, ela me mandava fazer em casa. Com
isso comecei a ter muitas dúvidas em matemáƟca e a me perder na
matéria. Quando teve a prova, fui muito mal.
E quando eu estava começando a entender a matemáƟca, mi-
nha mãe entrou em depressão e as dificuldades aumentaram, pois
ela entrou em atrito com meu avô e minha avó, assim minha Ɵa de-
cidiu nos levar para morar em uma casa no Ipiranga. Tínhamos que
sair de casa às 6 horas para chegar a tempo na escola que ficava em
São Caetano do Sul. Fizemos esse percurso durante um mês e ma-
mãe estava ficando cada vez mais doente, por isso ficamos na ca-
sa do meu Ɵo e eu Ɵve que sair da escola. Mamãe não queria me
Ɵrar do Anne Sullivan, mas não Ɵvemos alternaƟva e para piorar
a situação, algumas pessoas falavam para minha mãe que eu não
precisava estudar porque já sabia ler e nunca conseguiria trabalhar.
Naquele ano eu só assisƟa TV e jogava videogame, mas o pior es-
tava por vir.
A opinião de terceiros não pode determinar o seu futuro ou dos
seus filhos, se meus familiares desisƟssem, eu realmente seria o
que todos pensavam naquela época. Mais uma vez eu falo: desisƟr
não é uma opção para nós.
Como meus Ɵos eram evangélicos eles me levavam à igreja e eu
quis ser baƟzado, eu queria seguir os dogmas da igreja e acabei vi-
rando um crente fanáƟco. Eu só ouvia hinos da minha igreja, deixei
de escutar outros Ɵpos de músicas, cheguei ao ponto de apagar to-
das as minhas fitas das bandas que eu gostava. Mesmo doente, ma-
mãe me falava que um dia eu iria chegar à universidade, o que eu
duvidava e até dava risada.
Nesse tempo eu mesmo deixei de acreditar, mas minha mãe não
e devo isso a ela.
Ficamos na casa do meu Ɵo por quatro meses e por causa de
uma briga que mamãe teve com a cunhada dela, Ɵvemos que vol-
tar para o Ipiranga. Conforme o tempo ia passando, minha mãe fi-

30 - Thales Freire Pagassini


cava pior, a ponto de ter alucinações. Minha Ɵa Regina vendo es-
sa situação, decidiu nos levar para a casa dela, pois o problema era
tão sério que eu Ɵve que voltar a morar com meu avô e minha avó.
Ao voltar, minha Ɵa ficou muito preocupada comigo, eu estava
tenso por conta de tudo que havia acontecido. Como ela conhecia
um fisioterapeuta, o Luís, pediu para ele vir em casa me avaliar. En-
tão ele disse que eu precisava voltar a fazer os tratamentos, voltar
a estudar, o que a fez ir à minha anƟga escola falar com a diretora
para eu voltar para lá. Aquele ambiente e a falta da escola não esta-
vam me ajudando, precisava voltar a ter minha roƟna.
E, num belo dia, a diretora foi me visitar em casa e perguntou se
eu gostaria de retornar para a escola. Como minha Ɵa estava traba-
lhando nesse momento, pediu que fosse falar com ela e na semana
seguinte nós fomos juntos. Quando chegamos a diretora nos expli-
cou que não poderia me colocar na minha turma anƟga porque eu
Ɵnha parado na séƟma série e eles já estavam na oitava, então me
colocou na séƟma série com outra turma e designou o Odair para
ficar novamente comigo. Perdi um ano de estudo, mas estava mui-
to feliz por ter conseguido voltar para a escola e conforme o tempo
foi passando meu fanaƟsmo pela religião foi diminuído, hoje tento
ser mais racional.
Na mesma época mamãe teve que ser internada e dias depois
ela veio a óbito, eu estava em casa com a vovó quando recebi a no-
ơcia e entrei em desespero. Vovó não sabia o que fazer para me
acalmar. Ligamos para a escola para avisar o que havia acontecido
com minha mãe e depois do almoço eu Ɵve uma surpresa: o Odair
e uma psicóloga chamada Denise foram me visitar porque ficaram
preocupados frente a tudo o que havia acontecido.
A perda nunca será fácil, é a única certeza de um ser humano e
mesmo assim conƟnua a ser a mais temida.
Mais uma vez eu e meus familiares Ɵramos forças da onde não
sabíamos que exisƟam e Ɵve que retornar às aƟvidades.
No ano em que eu voltei a estudar, minha fisioterapeuta des-
cobriu um Ɵpo de andador que prendia meus braços e minha cin-
tura. A empresa que o fabricava ia à escola levar outros produtos
que a diretora havia encomendado, aproveitamos para pedir a eles
que levassem um exemplar para realizar um teste comigo. Lembro
quando a fisioterapeuta me colocou nele, senƟ uma liberdade que

Chegando à universidade sem as mãos - 31


nunca Ɵnha senƟdo antes, mas como era a primeira vez que usava
um andador, quando sai dele meu corpo ficou todo dolorido, pois
até aquele momento meu İsico não estava acostumado com tan-
to esforço. A fisioterapeuta me explicou que a dor no corpo passa-
ria conforme eu andasse e que meu corpo não ficaria daquele jeito.
Minha Ɵa, então, comprou o andador e o deixamos na escola por-
que eu era liberado das aulas de educação İsica e podia ficar an-
dando com ele. Quando peguei práƟca pude levar para casa e ir ao
parque fazer caminhada. Com essa aquisição me animei para dan-
çar quadrilha na festa junina com uma menina que eu paquerava,
lembro que ela era muito carinhosa e simpáƟca, mas não queria na-
da comigo.
Muitas vezes um simples aparelho pode fazer toda a diferença em
nossas vidas, eu realmente me senƟ fantásƟco com aquele andador.
Naquele ano parƟcipamos dos jogos escolares e minha equipe
de xadrez foi a vice-campeã, fui eleito o destaque do campeona-
to de damas por ganhar todas as parƟdas e neste torneio ficamos
em primeiro lugar. Recebi uma camiseta dos jogos e uma medalha
como prêmio no encerramento dos jogos no ginásio de São Caeta-
no do Sul, onde todos os destaques de cada modalidade recebiam
uma camiseta e um troféu que ficava na escola.
Essa foi umas das primeiras vezes que provei que não Ɵnha defi-
ciência alguma na parte cogniƟva, essas vitórias me deixaram tam-
bém muito feliz.
Nessa mesma época o Odair teve de sair da escola e para seu
lugar foi contratado um novo auxiliar chamado Cauê, que algumas
pessoas apelidaram de Bob Marley devido sua barba comprida e
cabelos com dreadlocks.
Recordo que, nesse ano, aconteceram os jogos escolares para
surdos que era realizado no SESC* Interlagos e por eu ser ouvinte
não pude ser inscrito para jogar. Gostaria muito de ter parƟcipado,
mas aceitei as regras do campeonato. Eu queria conhecer o SESC,
afinal o programa Bem Brasil da TV Cultura era feito neste parque,
mas muitas professoras diziam que eu não poderia ir porque não
teria acessibilidade. Mesmo assim eu insisƟ e uma professora dis-
se que iria falar com a coordenadora para me levar, não antes de
eu prometer que não insisƟria com meu auxiliar para ir a lugares de
diİcil acesso. Eu falei que ia me comportar. Quando chegamos ao

32 - Thales Freire Pagassini


SESC, o Cauê me levou para conhecer todos os lugares, passamos
em cada trilha com a cadeira de rodas que ninguém acreditaria. Es-
se passeio foi muito legal! Mesmo não parƟcipando do campeona-
to, foi inesquecível.
Estávamos então na oitava série e nossa turma decidiu fazer um
passeio de formatura do Ensino Fundamental. Pesquisamos alguns
lugares e escolhemos passar um dia em um hotel fazenda, sendo
que para isso precisávamos arrecadar dinheiro para a viagem. A di-
retora deixava os alunos venderem doces na hora do intervalo e co-
mo meus colegas sabiam que eu demorava para tomar lanche, se
ofereceram para vender os meus doces enquanto eu lanchava. No
fim do ano fomos para um síƟo em Campinas, foi muito gostoso e
lembro que andamos de charrete, entramos na piscina e nos diver-
Ɵmos muito.
Formei-me como um adolescente “normal”, então não prive seu
filho de certos passeios. Isso fará toda a diferença no desenvolvi-
mento dele.

*SESC - Serviço Social do Comércio - EnƟdade privada manƟda por empresários do


comércio de bens, turismo e serviços.

Chegando à universidade sem as mãos - 33


Com meus amigos da escola
Capítulo 4
2008-2010

Ensino Médio:
era hora de já pensar no futuro

Q uando fui para o primeiro ano do Ensino Médio, o Cauê


foi transferido para outra escola e o Aldo passou a ser
meu auxiliar. Ele era fera em inglês e quando me levava
no banheiro outro “cuidador” chamado Augusto, que vivia estu-
dando para concurso público, ia junto só para Ɵrar dúvidas com
ele. O engraçado é que eu acabava de fazer xixi e eles me pe-
diam um tempinho para poder estudar, eu gostava porque acaba-
va aprendendo também. Sempre fui muito interessado em apren-
der todo Ɵpo de informação, acho válido e essa curiosidade me
ajudou muito no futuro.
Nesse ano comecei a pensar o que iria fazer depois que termi-
nasse a escola. Aproveitava as aulas vagas para conversar com os
“cuidadores” e os professores, mas naquela época eu não conse-
guia mexer no computador sozinho e muita gente não sabia me
orientar na escolha de um curso. Cheguei a pensar em fazer psico-
logia, mas conƟnuei pesquisando. O importante é que eu já Ɵnha
o desejo de conƟnuar, nada iria me parar e eu, com certeza, reali-
zaria o meu sonho de cursar uma universidade.
Em 2009, a prefeitura de São Caetano do Sul decidiu incluir
todos os alunos surdos do Ensino Fundamental nas escolas re-
gulares. Eu estava no segundo ano do Ensino Médio e por isso
não fui para outra escola, porém eu sempre falava para as pro-
fessoras que Ɵnha muita vontade de estudar em uma escola re-
gular. Uma professora chamada Dineide comentou em uma reu-
nião com a diretora Janice, que Ɵnha voltado a dirigir o Anne Sulli-
van, que eu sempre falava que gostaria de estudar em uma esco-
la normal junto com alunos ouvintes, então na semana seguinte
fui chamado na diretoria. Fiquei curioso para saber o que a dire-
tora queria comigo.
Ela me perguntou se gostaria de ir para um colégio normal e
que poderia me mandar para uma escola chamada Vicente Bas-
tos, precisava saber antes se estava preparado para enfrentar todo
o Ɵpo de preconceito que poderia haver por parte dos outros alu-
nos. Falei que sim e expliquei a ela que eu precisaria de um trans-
porte para voltar da escola porque no Anne Sullivan minha Ɵa me
deixava cedo na escola e pagava uma perua que levava as crian-
ças com deficiência para casa. A diretora me falou que iria conse-
guir um carro da prefeitura para me trazer do Vicente Bastos para
as aulas de reforço que teria à tarde no Anne Sullivan. Ela marcou
uma reunião com minha Ɵa para explicar o que havia conversado
comigo e dizer que mandaria um “cuidador” para me acompanhar
na nova escola.
Não seria fácil, mas eu estava decidido a vencer, esse é um gran-
de diferencial meu, não me dou por vencido e faço tudo para alcan-
çar o que quero. Na semana seguinte ela chamou minha Ɵa para
perguntar o que achava de eu estudar em uma escola regular. Mi-
nha Ɵa adorou a ideia e, dias depois, fomos até o Vicente Bastos pa-
ra conhecer e ver onde ficava. Ao chegarmos, minha Ɵa falou à re-
cepcionista que eu iria estudar lá, que estávamos conhecendo a es-
cola e que gostaríamos de conversar com diretora, após alguns mi-
nutos ela nos levou até a CrisƟna.
CrisƟna nos disse que a diretora Janice havia comentado sobre o
meu caso, que ela já Ɵnha trabalhado com inclusão em outra esco-
la e estava feliz em me conhecer. Isso faz a diferença, se todas as es-
colas pensarem na inclusão teremos um futuro diferente.
Antes de conƟnuar a conversa ela chamou Rosana, que era
orientadora pedagógica, para nos apresentar. Tia Regina contou
um pouco da minha história, sobre a paralisia cerebral e que meu
cogniƟvo era totalmente preservado. Percebi que quando ela fa-
lou isso, Rosana fez uma cara desconfiada, mas como já disse ante-
riormente, é sempre bom lembrar que grande parte da sociedade
acha que toda pessoa com paralisia cerebral tem problemas men-

36 - Thales Freire Pagassini


tais e já foi comprovado que isso depende do grau da lesão ocor-
rida no cérebro.
Depois que minha Ɵa terminou de falar eu perguntei para dire-
tora como era o sistema de notas. Já estava preocupado em man-
ter minha média. Ela me disse que Ɵnha a prova trimestral e o
OIA, que significava Outros Instrumentos de Avaliação, podendo
ser qualquer Ɵpo de aƟvidade aplicada pelos professores. Também
que a média era 7.0 e que eu poderia começar na semana seguin-
te. Saí de lá feliz, mas com um pouco de medo do que eu iria ter
que enfrentar. Ainda assim, considerei como o maior desafio da
minha vida.
No primeiro dia de aula no Vicente Bastos eu ainda não sabia
quem iria ser meu auxiliar. Quando cheguei de carro com minha Ɵa
Ɵve uma surpresa: o Augusto que vivia atrás do Aldo para estudar
no banheiro do Anne Sullivan veio me pegar na entrada. Foi mui-
to bom ver um rosto amigo logo que cheguei. Eu estava ansioso e
com medo do que viria pela frente, mas ele me falou que tudo da-
ria certo. Quando entramos na escola, Rosana veio nos encontrar
para mostrar onde seria minha sala de aula. Subimos de elevador
até o primeiro andar e fomos para classe, sentamos no canto e fi-
camos “na nossa”. Como a diretora havia avisado a turma que eu
Ɵnha uma deficiência, não demorou muito para eles virem me co-
nhecer. Só que eles não Ɵnham coragem de chegar diretamente em
mim e perguntavam para o Augusto o que havia acontecido comi-
go. Ele pedia para virem falar comigo porque queria que eu Ɵvesse
independência na hora de me comunicar com os outros alunos. Ele
começou a me falar que eu precisaria ser mais objeƟvo na hora de
conversar com as outras pessoas e principalmente quando eu fosse
fazer perguntas para os professores. Essas dicas me ajudaram mui-
to na minha comunicação.
No primeiro dia de aula lembro que Ɵvermos três aulas vagas,
isso foi bom porque pude conhecer a turma com mais calma. Uma
coisa engraçada que aconteceu nesse dia foi que as meninas come-
çaram a paquerar meu “cuidador” porque ele era novo, usava cabe-
linho com topete e elas ficavam loucas, mas ele ficava na dele, até
porque era funcionário e maior de idade.
Após esse tempo vago Ɵvemos uma aula de Biologia e a profes-
sora Ana Rúbia entrou na sala, veio me conhecer e dizer que eu te-

Chegando à universidade sem as mãos - 37


ria que pegar toda matéria que havia sido dada até aquele momen-
to porque eu fui transferido para o Vicente Bastos duas semanas
depois do início do ano leƟvo. Assim, pedi os cadernos empresta-
dos para minha Ɵa copiar toda matéria que eu Ɵnha que estudar.
No fim de semana seguinte falei para o meu irmão George se ele
poderia levar em casa meu sobrinho Jonas, que estava no segun-
do ano do ensino médio, para ajudar a estudar o conteúdo que eu
perdi. E enquanto Jonas me explicava a bendita da matemáƟca, mi-
nha cunhada Silvia e meu irmão ajudavam minha Ɵa a copiar as ou-
tras matérias. Eu sou como todo mundo, matemáƟca não é fácil pa-
ra ninguém (risos).
Na segunda semana de aula eu ainda estava confuso, não es-
tava acostumado com o ritmo dos professores, o Augusto tenta-
va copiar o conteúdo de uma forma diferente para que eu assimi-
lasse mais rápido e também meus colegas me ajudavam. Foi quan-
do a professora de biologia pediu para um menino chamado João
me explicar a matéria, a parƟr desse dia ficamos amigos e quando
Ɵnha trabalhos em grupo ele sempre me chamava, principalmente
nas aƟvidades de inglês, que ele adorava e eu não sabia nada. Te-
nho algumas fotos com o meu grande amigo João no final desse ca-
pítulo. No Anne Sullivan as matérias eram passadas de forma muito
restrita por causa da deficiência audiƟva dos alunos e por esse mo-
Ɵvo Ɵvemos pouca coisa de inglês. Tanto que, na prova, a professo-
ra deixava usar dicionário e o Augusto podia traduzir as frases para
mim, a prova era de múlƟpla escolha e eu Ɵnha que saber idenƟfi-
car os tempos verbais.
Nessa mesma semana começaria o reforço escolar à tarde, mais
um desafio na minha vida, mas era preciso, então eu saia 12h20 do
Vicente Bastos e uma van da prefeitura me levava até o Anne Sulli-
van, onde uma “cuidadora” me dava o almoço e em seguida me le-
vava para a aula. Como eu era o único aluno da inclusão que esta-
va no segundo ano do Ensino Médio, Ɵnha reforço sozinho em uma
classe. Às segundas e terças era a Ivani quem me dava aula de por-
tuguês e inglês e às quartas e quintas era a professora Dineide que
me ajudava com as matérias de exatas. Enquanto elas me ajudavam
a fazer as lições de casa, iam Ɵrando minhas dúvidas. Mas Ɵve al-
guns problemas com o transporte, que nunca me pegava no horá-
rio correto no Vicente Bastos. Minha Ɵa teve que pagar uma perua

38 - Thales Freire Pagassini


parƟcular, porém, por normas de segurança, o motorista Franco me
levava direto para casa. Ele passava em mais escolas para pegar ou-
tros alunos, eu costumava chegar em casa por volta das treze horas
e a minha avó Maria me dava o almoço. Em seguida meu avô Eucli-
des me colocava no andador e me acompanhava até o Anne Sulli-
van para eu fazer meu reforço, que começava às treze e trinta e ter-
minava às quinze horas.
As professoras do Anne Sullivan não ensinavam todo conteúdo
de uma escola regular, pois o aprendizado dos alunos era mais res-
trito por causa da surdez, e como fazia muito tempo que elas não
lecionavam em outras escolas, muitas matérias que eu levava pa-
ra Ɵrar dúvidas elas não conseguiam lembrar, ainda assim estuda-
vam comigo e acabavam conseguindo me explicar. Era muita infor-
mação, eu Ɵnha muita dificuldade de estudar. Quando fazia lição de
casa com minha Ɵa, eu sabia como se fazia aqueles exercícios malu-
cos de matemáƟca, İsica e química, mas não me lembrava dos de-
talhes e acabava não conseguido terminar algumas lições.
Outra dificuldade que Ɵve foi na interpretação de texto. Tanto
que quando chegaram as primeiras provas trimestrais, Ɵve muita
dificuldade em interpretar as questões que eram Ɵradas de vesƟ-
bulares e eu nunca havia feito este Ɵpo de prova no Anne Sullivan.
Lá, as perguntas das provas eram as mesmas que estavam em nos-
sos cadernos, então eu só decorava todas as respostas, enquanto
no Vicente ơnhamos que formular nossa própria resposta de for-
ma argumentada.
Confesso que isso já começou a incomodar: como seria a univer-
sidade? Seria um ritmo ainda mais frenéƟco?
Eu Ɵnha muita dificuldade em fazer isso e embora tenha conse-
guido ir bem na maioria das provas, fiquei de recuperação em İsi-
ca, química e biologia. Na reavaliação, já que as professoras sabiam
que Ɵnha essa dificuldade na hora de interpretar e percebiam que
eu sabia toda a matéria, elas iam até a sala onde eu fazia as pro-
vas, explicavam o que cada questão estava pedindo e acabei con-
seguindo recuperar İsica e química, mas fiquei com nota vermelha
em biologia.
Algo que preciso comentar é que no começo eu fazia as provas
na sala de aula com os outros alunos, mas como eu precisava falar
as respostas para o Augusto escrever, meus colegas ouviam e aca-

Chegando à universidade sem as mãos - 39


bavam colando de mim. Para evitar isso a coordenadora decidiu me
colocar na biblioteca em dia de prova.
O Augusto sempre me dizia para eu reforçar meus estudos fa-
zendo pesquisas pela internet e naquela época eu dependia muito
da ajuda da minha Ɵa e dos meus colegas para fazer os trabalhos
e estudar. Até que um dia meu primo Geraldo me deu um mouse
com o fio comprido para eu poder tentar mexer no computador
com os pés. No começo Ɵve muita dificuldade e não conseguia fa-
zer muita coisa, logo comecei a acessar o Youtube para assisƟr ví-
deos de aulas das matérias exatas e percebi que conseguia assi-
milar o conteúdo de uma forma mais rápida, com mais eficácia. A
parƟr daí comecei a gravar as aulas e assisƟr no computador e Ɵ-
ve mais facilidades nas provas.
Agora vem a parte boa da história: festa!
Quando chegava próximo à Festa Junina, a escola promovia um
concurso entre as classes para os alunos venderem convites da fes-
ta e ơnhamos que arrecadar dinheiro para comprar “prendas” para
as barracas. A sala que fizesse mais pontos ganharia um prêmio. Al-
gumas meninas faziam bolos e doces para vender na hora do inter-
valo, eu queria ajudar e me enturmar, então o Augusto me levava
junto com elas e falava que era minha Ɵa que fazia os doces, só pa-
ra comover o pessoal, o importante era conseguir vender!
Quando me lembro disso dou muita risada, fazíamos o que fos-
se preciso para ganhar aquela compeƟção.
Uma tarde chamei minhas colegas Aline e Larissa para irmos
vender convites no parque onde eu fazia caminhada e combinamos
que elas passariam em casa às 14h. Pedi para meu avô me colo-
car no andador, mas as duas não apareceram na hora marcada, en-
tão Ɵve que sentar no sofá para não me cansar, até que recebi uma
ligação delas dizendo que estavam perdidas. Eu expliquei e após
meia-hora elas chegaram cansadas porque haviam andado bastan-
te, mas entrei no meu andador e fomos. No caminho eu apertava o
passo e toda hora elas me pediam para ir devagar.
Quando chegamos ao parque começamos a oferecer os convi-
tes para as pessoas, muitos já me conheciam e foi fácil vender to-
dos. Alguns meninos tentavam paquerar minhas amigas e quando
eles se aproximavam eu saia andando para deixar elas à vontade,

40 - Thales Freire Pagassini


mas as duas corriam atrás de mim, me pediam para ficar por perto
e eu falava para elas aproveitarem a vida, só para brincar com elas.
Todo esse esforço valeu muito a pena. Nossa classe foi a vence-
dora do concurso por ter vendido mais convites da festa junina, ga-
nhamos um café da manhã e ơnhamos que escolher um casal de
alunos para serem o Mister e a Miss Pipoca da festa. Eu e Larissa fo-
mos escolhidos para pagar este “mico”.
Mais uma etapa da minha vida foi alcançada e teríamos o des-
canso merecido. Chegaram as férias de julho e eu pensava que iria
relaxar um pouquinho, mas os professores fizeram questão de pas-
sar um monte de trabalhos. Com os trabalhos de português minha
Ɵa me ajudava, o grande problema foi o professor de matemáƟca
que passou uma aƟvidade para fazer em dupla para nota, porém
meu parceiro quis fazer a parte dele sozinho no final do recesso. Eu
não queria deixar para úlƟma hora, pedi ajuda para o meu sobrinho
Jonas que sempre vinha me ajudar, mas ele também Ɵnha algumas
dúvidas em matemáƟca, decidiu então pagar um professor parƟcu-
lar para nos auxiliar naquela tarefa.
Isso foi muito bom porque nós dois entendemos a matéria jun-
tos e a parƟr daí descobrimos que ơnhamos muita afinidade um
com o outro, ele passou a vir me visitar com mais frequência. Quan-
do estamos de férias ele reserva um dia na semana para passar co-
migo, costumamos pegar o meu andador para dar uma volta. Um
dia o levei para conhecer um parque perto do Anne Sullivan e, ao
entrarmos, encontramos meu amigo Bruno que havia estudado co-
migo, estava sentado no carro ouvindo pagode acompanhado pe-
la sua mãe e sua irmã. Conversamos um pouco com eles e segui-
mos nosso caminho, quando nos distanciamos alguns metros de-
les a mãe do Bruno correu atrás da gente e pediu que Jonas voltas-
se no carro dela e passasse o e-mail dele para filha dela, porque ela
havia achado ele boniƟnho (nessa época ainda era e-mail, hoje é o
WhatsApp). Quando eu ouvi isso me segurei para não rir e enquan-
to ele foi lá, a mãe do meu colega ficou conversando comigo. Sem-
pre dei sorte para todos que andavam comigo, eles sempre arruma-
vam uma paquera, no fundo eu sabia que um dia também encon-
traria a minha.
Eu já estava conseguindo usar o computador sozinho e deixei de
jogar videogame para ficar na internet. Isso foi muito bom porque

Chegando à universidade sem as mãos - 41


comecei a ter mais contato com os meus amigos por meio das redes
sociais, além de poder ter mais independência para ler jornais, re-
vistas, assisƟr filmes e documentários. Por isso percebo que a tecno-
logia é muito importante na inclusão de pessoas com algum Ɵpo de
deficiência, ela permite que qualquer pessoa tenha acesso a infor-
mações variadas e exponham suas opiniões sem nenhuma censura.
Mas as maravilhosas férias haviam acabado e já no retorno Ɵve-
mos aulas de revisão de toda a matéria, na semana seguinte tería-
mos provas do segundo trimestre. Eu estava muito nervoso, preci-
sava recuperar a nota de biologia do primeiro trimestre, mas esta-
va preparado porque havia estudado bastante, fora que já conhe-
cia o esquema do exame, então mudei a forma de estudar. No dia
da prova meu amigo pediu para começar a bendita prova antes do
horário para poder ir a uma consulta médica e quando ele acabou
a prova, passou as respostas por mensagem para o pessoal da sa-
la, uma colega fez uma colinha de papel e colocou no meu estojo.
Na hora em que o Augusto foi pegar uma caneta eu mostrei a cola
e ele me falou que eu poderia ser expulso e que ele seria demiƟdo.
Jogou o papel fora e mesmo assim fui bem, conseguindo recuperar
a nota e fechar todas as matérias. Coisas de criança, inúmeras vezes
queremos atalhos para o sucesso, mas o Augusto me mostrou que
eu não precisava e provei a mim mesmo que era capaz.
O úlƟmo trimestre estava muito puxado, principalmente em
matemáƟca, e como o Augusto sabia que a professora Dineide do
Anne Sullivan me dava reforço de todas as matérias de exatas, pe-
diu para minha Ɵa contratar uma professora parƟcular de mate-
máƟca. Então Ɵa Regina conseguiu encontrar uma professora cha-
mada Araceli para me dar aulas aos sábados. Na primeira aula Ɵ-
rei algumas dúvidas referentes à matéria que eu estava vendo na
escola e ela sempre me indicava vários sites para eu estudar du-
rante a semana.
Quando chegou a época de prova do úlƟmo trimestre, minha ca-
beça estava a mil de tanta coisa que eu havia estudado. Augusto Ɵ-
nha conseguido outro emprego e iria ficar comigo até o úlƟmo dia
de prova. Num dia daquela semana acordei com uma dor no abdo-
me, achei que era uma indisposição e que ia passar logo. Resolvi
ir à escola. O pessoal ficou preocupado porque Ɵa Regina avisou o
Augusto que eu não estava muito bem, ainda assim eu quis ficar na

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escola para fazer as duas provas daquele dia. Depois de fazer a pri-
meira prova fui comer meu lanche e quando o Augusto colocou o
primeiro pedaço de pão na minha boca eu senƟ vontade de vomi-
tar, então ele me levou correndo para o banheiro e em seguida me
deitou em um sofá no corredor da escola.
Minha Ɵa estava no trabalho, eu pedi para ligar para minha pri-
ma Clara e quando ela chegou à escola eu estava com muita dor e
finalmente aceitei que me levasse ao médico. Do hospital ela ligou
para Ɵa Regina, que saiu mais cedo do emprego e me encontrou
esperando para fazer uma ultrassonografia. Descobrimos que eu Ɵ-
nha pedra no rim, por isso o médico me mandou ficar em casa um
dia. O problema foi que eu só pude voltar no úlƟmo dia de prova e
o Augusto ia trabalhar só até aquele dia comigo, eu teria que fazer
as provas que restavam com outra pessoa. Então o Augusto pediu
para a diretora me deixar fazer todas as provas naquele dia mesmo.
Fiquei com medo de não dar tempo, mas no final deu tudo certo e
eu passei para o terceiro ano do ensino médio.
Faltava só mais um ano e não contendo minha ansiedade, decidi
prestar um vesƟbular na Universidade de São Caetano do Sul só pa-
ra ver como era. Tive uma surpresa: havia passado em 24º lugar, fi-
quei todo feliz, mas não pude me matricular porque ainda iria com-
pletar o Ensino Médio.
No começo do terceiro ano a prefeitura não mandou nenhum
auxiliar para me ajudar na sala, meus colegas me ajudavam e quan-
do eu precisava tomar meu lanche pedia ajuda para um professor
chamado Laércio, que havia trabalhado muito tempo no Anne Sulli-
van. Ele não trabalhava todos os dias no Vicente Bastos, às vezes a
diretora ligava para o meu avô ir me ajudar com o lanche e me le-
var ao banheiro, também esperava para voltar comigo na perua es-
colar para casa. Após um mês de aula sem “cuidador”, finalmente a
secretaria de educação de São Caetano do Sul colocou um auxiliar
chamado Ari para ficar comigo na sala. Ele também havia trabalha-
do no Anne Sullivan e já me conhecia. Quando ele chegou a turma
estranhou um pouco porque ele era muito quieto, ao contrário do
Augusto, que falava com todo mundo da classe.
Nesse ano entrou um porteiro novo na escola chamado Arman-
do. Eu e o Ari ficávamos esperando a perua escolar quando perce-
bi que o Armando me olhava meio desconfiado, até que um dia ele

Chegando à universidade sem as mãos - 43


resolveu puxar papo com Ari e perguntou se eu sabia ler. Quando
ele fez essa pergunta o Ari respondeu que sim, ainda disse que eu
estava acabando o Ensino Médio. Eu fui embora rindo porque não
acreditava que ele Ɵnha feito essa pergunta. Mas depois daquele
dia ficamos amigos.
Naquele ano as aulas de reforço do Anne Sullivan foram cance-
ladas, ainda assim não Ɵve dificuldades para estudar porque filma-
va as aulas e isso me ajudou muito, pois além de assisƟr vídeos refe-
rentes às matérias da escola eu podia rever as aulas dos meus pro-
fessores quantas vezes eu precisasse, tanto que eu pedi para o Ari
não copiar a parte teórica que era passada na lousa porque eu pre-
feria estudar pelo vídeo. A professora de química viu que meu ca-
derno estava vazio, contou para minha Ɵa e as duas ficaram furiosas
comigo. Eu expliquei para elas que eu preferia estudar com um ví-
deo bem feito do que ter tudo copiado no caderno e não conseguir
lembrar a explicação, no fim elas acabaram concordando.
Certo dia estava assisƟndo uma aula de matemáƟca quando al-
guém bateu na porta, todo mundo pensou que era a diretora que
vinha dar algum recado, mas para nossa surpresa era o Augusto
que nos fez uma visita. A aula parou, todo mundo queria conversar
com ele. Quando ele conseguiu falar comigo me perguntou se eu
gostaria de dar uma palestra para os alunos de sua namorada que
se chamava Ana CrisƟna, ela dava aula no curso de Pedagogia da
Faculdade de São Bernardo do Campo e também já havia trabalha-
do no Anne Sullivan como psicóloga. Fui pego de surpresa, não sa-
bia nem o que pensar, passou um filme bem rápido na minha cabe-
ça sobre como eu seria um palestrante, mas deixei as dúvidas para
mais tarde e aceitei o convite.
No dia da palestra eu e minha Ɵa marcamos com o Augusto de
nos encontrar em uma estação de trem, no caminho ele comentou
que também Ɵnha convidado o Aldo para contar a experiência de-
le comigo no Anne Sullivan. Encontramos Ana CrisƟna e Aldo na sa-
la dos professores, a minha Ɵa me sentou em um sofá, Ana veio fa-
lar para eu ficar calmo, porque o que ela queria fazer era um bate-
-papo informal entre mim e os alunos dela. Sentamos de frente pa-
ra os estudantes na sala de aula e Ana me apresentou para a classe,
pediu para começar a contar minha história e conforme eu falava,

44 - Thales Freire Pagassini


Ɵa Regina ia traduzindo para eles. Em seguida Aldo e Augusto tam-
bém falaram e, por fim, Ana pediu que seus alunos me fizessem
perguntas. Foi uma experiência única, fiquei muito feliz e gostaria
que aquilo se repeƟsse.
Ganhei muita experiência ao longo desses anos que descrevi pa-
ra vocês, aprendi a estudar de uma forma mais tranquila, absorvi
mais informação e fui me adaptando sempre a todas as objeções e
obstáculos. Naquele ano eu não Ɵve muita dificuldade nas provas e
conclui o Ensino Médio. Superado um dos maiores obstáculos que
achei que enfrentaria, agora era só aguardar as festas.
Após o úlƟmo dia de prova nossa turma decidiu fazer um amigo
secreto e uma fesƟnha de despedida. Foi muito emocionante por-
que todo mundo começou a lembrar das brincadeiras que a gente
fazia e cada um fez um discurso. Quando chegou a minha vez de fa-
lar, agradeci toda a ajuda que eles Ɵnham me dado porque, quando
fui transferido para o Vicente Bastos, todos pensavam que eu iria
sofrer muito preconceito e foi totalmente o contrário, todos sem-
pre me trataram com igualdade, tanto que eu consegui fazer amiza-
de com vários alunos de outras classes.
Mesmo sabendo que era para pensar em diversão por conseguir
me formar, minha mente já pensava em um próximo nível e por não
estar ainda muito decidido sobre o que fazer, prestei vesƟbular pa-
ra um curso técnico de Publicidade. Passei em 3º lugar. Dias depois
prestei outro vesƟbular para Publicidade na Universidade de São
Caetano do Sul e também passei em 10º lugar. Estava com receio
de encarar uma insƟtuição paga, mas Ɵa Regina me falou que se-
ria melhor eu fazer um curso superior e que a prefeitura dava bol-
sa, qualquer coisa eu poderia usar minha pensão para pagar. Ela fez
então minha matricula na universidade, mas só irei contar como fo-
ram minhas aventuras na USCS* no próximo capítulo porque ago-
ra vou falar sobre minha viagem de formatura e minha colação de
grau do Ensino Médio.
Por ser o ano de formatura do Ensino Médio, a minha turma
decidiu fazer um cruzeiro. Fizemos um pacote com 30 alunos no

* USCS - Universidade Municipal de São Caetano do Sul - insƟtuição de ensino su-


perior municipal pluricurricular

Chegando à universidade sem as mãos - 45


começo de 2010 para viajar em janeiro de 2011, quando já esƟ-
véssemos formados. Lembro que o pessoal da classe fez um ca-
lendário para colocar na sala e poder ficar contando quantos dias
restavam para a tão esperada viagem. Eu precisava que alguém
de casa fosse comigo, falei com Ɵa Regina que aceitou ir e como
eu era muito amigo de um menino chamado João, ele iria dividir
a cabine com a gente.
Quando chegou o dia da viagem, pedimos para o pai do João
nos dar uma carona até o porto de Santos, só que no carro dele não
cabiam todas as nossas coisas e João pediu para um vizinho ir jun-
to para levar as coisas no carro da minha Ɵa e depois trazer o carro
de volta. Tia Regina foi no carro dela e eu pedi para ir com João, pa-
ra poder bater papo com ele durante o caminho. Ele me falou que
seus amigos João Otávio e o Marco iriam junto conosco.
Já no porto de Santos, João me Ɵrou do carro e me sentou em
um banco, Ɵa Regina trouxe nossas malas e fomos para o salão do
porto onde iríamos fazer o check in e lá já encontramos nossos ami-
gos da escola, em seguida João Otavio e Marco chegaram e João
nos apresentou a eles. Quando entramos no navio ficamos bobos
com o tamanho dele. Pegamos na recepção a chave da nossa cabi-
ne e seguimos para lá. Fomos acompanhados de um camareiro que
era da Indonésia e falava em inglês, para nossa sorte João também
falava muito bem e quando ơnhamos que falar com alguém do na-
vio era ele quem falava por nós.
O navio Ɵnha onze andares e nossa cabine ficava no nono, ha-
via elevadores por todo o navio e não Ɵvermos nenhum problema
quanto à acessibilidade. Os funcionários eram atenciosos e presta-
Ɵvos, lembro que para poder descer na cidade de Búzios Ɵvemos
que pegar uma lancha em alto mar e eu estava com medo de en-
trar porque ela balançava muito, então um salva-vidas me prendeu
na lancha.
Todos me tratavam com igualdade, sem preconceito, não fica-
vam me olhando com aquela cara de pena, apenas na hora do jan-
tar eu, Ɵa Regina e João ơnhamos que dividir a mesa com outra fa-
mília. No primeiro dia eu percebi que eles ficavam me olhando co-
mo se eu fosse o coitadinho do navio, foi quando decidir bater papo
com o João só para eles perceberem que eu era normal.

46 - Thales Freire Pagassini


Após o jantar minha Ɵa quis voltar para cabine para descansar.
Naquela noite haveria a festa do branco no navio e nossa turma iria
se reunir na balada. Eu pedi para João me levar com ele, mas Ɵa Re-
gina estava com medo de nos deixar ir sozinhos porque o povo po-
deria beber e acabar brigando. Prometemos que iríamos tomar cui-
dado e ela acabou deixando. Fomos primeiro na festa do branco
e ficamos vendo o baile, Ɵramos algumas fotos, vimos que não Ɵ-
nha nenhum amigo nosso lá e seguimos ao encontro deles. Quan-
do chegamos na balada todos estavam na pista de dança, João colo-
cou minha cadeira no meio da pista, nos diverƟmos e voltamos pa-
ra a cabine às duas da manhã.
Eu contei sobre essa viagem porque achei importante mostrar
as diferentes relações entre a sociedade e as pessoas com defici-
ência. Percebemos que a forma com que essas pessoas são trata-
das varia conforme a cultura e os princípios de cada indivíduo. Tam-
bém é válido ressaltar o comportamento do deficiente, pois conhe-
ço “cadeirantes” que vivem se lamentando e deixando de aprovei-
tar a vida. A maior limitação está na nossa mente, sempre seremos
nosso maior inimigo.
Gostei muito dessa viagem porque foi a primeira vez que sai do
Estado de São Paulo e Ɵve contato com pessoas de diferentes cul-
turas. Ficamos no navio cinco dias, passamos por Santos, Rio de Ja-
neiro, Búzios e Ilha Bela.
Em fevereiro de 2011 aconteceu minha colação de grau do En-
sino Médio e eu não estava ligando para parƟcipar, Ɵa Regina que
insisƟa que a colação era um momento muito importante na mi-
nha vida e que seria muito legal reunir a família e os amigos. Mes-
mo quando chegou o dia eu conƟnuava não dando muita importân-
cia. No teatro encontramos alguns amigos, Ɵramos fotos, em segui-
da Ɵa Regina me ajudou a colocar a beca e me deixou sentado na
plateia onde todos os formandos ficariam. Tia Regina e o meu so-
brinho Jonas queriam me levar para dentro do teatro junto a meus
amigos, mas eu preferi esperar sentado mesmo.
Alguns minutos antes da entrega do cerƟficado os organizado-
res perguntaram se eu conseguiria subir no palco para receber o di-
ploma, ou se era melhor receber onde eu estava mesmo. Foi quan-
do minha Ɵa Isabel chegou perto de mim e me falou que eu Ɵnha

Chegando à universidade sem as mãos - 47


enfrentado tanto coisa para chegar até ali e que eu precisava subir
no palco. Pedimos ajuda para meu Ɵo Jair e para meu irmão Marce-
lo. Quando chegou a minha vez, Marcelo subiu as escadas na frente
e meu Ɵo me ajudou subir. Ao chegar lá em cima meu irmão me pe-
gou e começamos a andar pelo palco. As pessoas que estavam no
teatro ficaram em pé e começaram a me aplaudir, os professores
choravam. Foi neste momento que entendi o moƟvo de minha Ɵa
dar tanta importância para a cerimônia de colação de grau.
Todos os professores vieram falar comigo e com minha família
quando a cerimônia acabou. Disseram que Ɵnham gostado muito
de me dar aula porque eu era esforçado e alegre, apesar de ter
minhas limitações İsicas. Esse reconhecimento por parte deles foi
muito bom porque aqueles dois anos no Vicente Bastos haviam si-
do diİceis para mim.
Quando acabei de falar com os professores, o Ari e o Augusto
vieram me cumprimentar e eu agradeci muito porque graças a eles,
meus amigos e principalmente à minha família, eu consegui me for-
mar no Ensino Médio em uma escola regular.

Formatura do ensino médio

48 - Thales Freire Pagassini


Viagem de formatura
Capítulo 5
2011-2014

Meu grande sonho

Q uando eu entrei na Universidade Municipal de São Caeta-


no do Sul não havia “cuidador”, Ɵa Regina estava de férias
e ela me acompanhava na aula. No primeiro dia, quando
entramos na sala, me disse que seria bom eu fazer amizade com
os alunos mais velhos porque os professores iriam pedir para fa-
zermos trabalhos em grupo. Estávamos sentados quando um me-
nino de cadeira de rodas entrou na sala acompanhado por uma
mulher e vieram ficar ao nosso lado, nos apresentamos e ele fa-
lou que se chamava Henrique, quem estava o acompanhando era
sua mãe, que se chamava Mariana. Ela contou que Henrique anda-
va até os seus 11 anos e que uma doença genéƟca ia paralisando
seus músculos. Olha que bela lição se eu ainda fosse reclamar (o
que eu não faço): o Henrique um dia andou e a frustração dele po-
deria ser ainda maior que a minha, pois com o tempo ele foi per-
dendo a esperança, enquanto eu fui ganhando cada dia mais, pro-
vando que era capaz.
Paramos de conversar porque três professores entraram na sa-
la e, como era o primeiro dia de aula, eles se apresentaram e fala-
ram sobre como seria o curso e nos liberaram mais cedo para po-
dermos parƟcipar do trote. Confesso que fiquei um pouco apreen-
sivo, mas como adoro uma brincadeira, esse senƟmento passou
bem rápido. Algumas pessoas foram embora, mas minha Ɵa me
levou. No páƟo os veteranos pediram para que os calouros fizes-
sem um círculo e segurassem nas mãos das pessoas que estavam
ao nosso lado, nos pediram para cantar músicas infanƟs. Eu Ɵnha
que ficar com minhas mãos presas no meio das minhas pernas por
causa da falta de coordenação nos braços, minha Ɵa orientava os
outros alunos a segurarem no meu ombro. Após aquela brincadeira
eles nos levaram para conhecer toda a Universidade. O pessoal era
muito legal, tanto que quando eles foram pedir dinheiro no semá-
foro e eu fiquei com minha Ɵa na calçada, alguns alunos vinham me
conhecer e por ser calouro eles apitavam na minha cara. Foi muito
legal esse primeiro dia.
Naquela semana eu fiz amizade com um rapaz mais velho da
nossa sala e que sempre me cumprimentava, o Douglas. Percebi
que ele também havia feito amizade com um pessoal legal e aca-
bei me juntando a eles. Nosso grupo era composto por oito pesso-
as e quatro tornaram-se grandes amigos: Rafael, Douglas, Adria-
na e Marina. Expliquei para eles que eu fazia as coisas no compu-
tador com os pés e combinamos que eu faria toda parte de pesqui-
sa, enquanto eles redigiriam tudo que fosse pesquisado. Outro belo
exemplo entre tantos ao longo desse livro: a inclusão foi fundamen-
tal nesse início na Universidade.
Minha Ɵa estava preocupada porque as férias dela estavam aca-
bando e ela não poderia conƟnuar me acompanhando nas aulas, en-
tão fomos falar com a pessoa responsável pelo núcleo de acessibi-
lidade da USCS para pedir um “cuidador” para me acompanhar na
sala de aula, me dar o lanche e me levar ao banheiro. O responsá-
vel do núcleo nos disse que isso seria responsabilidade da prefeitura
e também que eu iria precisar de um transporte, então fomos até a
prefeitura para pedir essas duas coisas. Algo tem que ficar bem cla-
ro: dificuldades e obstáculos exisƟrão a todo momento e o que nos
diferencia, o que nos leva ao sucesso, é não desisƟr.
Na prefeitura, um secretário nos disse que a secretária da inclu-
são nos ligaria para tratar sobre o transporte. Quanto ao “cuidador”,
disse que era responsabilidade da universidade e minha Ɵa disse a
ele que o responsável do núcleo de acessibilidade havia informa-
do que a prefeitura Ɵnha que disponibilizar um “cuidador”. Ele ficou
de verificar e afirmou que na semana seguinte tudo seria resolvido.
O tempo passou e a secretária da inclusão nos telefonou para falar
que o transporte da prefeitura só poderia levar os alunos do Ensino
Médio e que não teria vaga para mim. Tia Regina voltou a trabalhar
e Ɵvermos que pagar um transporte parƟcular e meu avô começou

52 - Thales Freire Pagassini


a me acompanhar nas aulas. Ele era rápido e esperto e mesmo aos
84 anos, me acordava cedo, me Ɵrava da cama, pedia para vovó Ma-
ria me dar o café da manhã, em seguida escovava meus dentes e me
trocava. Lembro que ele odiava perder a hora.
Quando chegávamos à universidade ele me conduzia até minha
sala que ficava no segundo andar e ơnhamos que subir uma rampa.
Mesmo com a idade ele conseguia me levar na cadeira de rodas até
a sala, quando os meus amigos nos viam, vinham pegar minha ca-
deira e me levavam. Quem mais nos ajudava era um aluno america-
no chamado Alex, que estava fazendo intercâmbio e na saída quem
levava minha cadeira era o meu amigo Rafael, que sabia que eu gos-
tava de emoção, então descia a rampa correndo! Só que um dia ele
escorregou e quase não conseguiu segurar a cadeira! Por sorte não
aconteceu um acidente.
Eu percebia que era cansaƟvo para meu avô me acompanhar to-
dos os dias, decidi então perguntar para a responsável da acessibili-
dade se ela não poderia colocar alguém para me dar o lanche e me
levar ao banheiro. Mas não Ɵnha ninguém para me ajudar ainda, eu
precisava comer e ir ao banheiro em casa, porque segundo ela os
outros alunos com deficiência faziam isso. Se não bastassem todos
os obstáculos da vida, muitas vezes a má vontade do nosso próximo
vai exisƟr e mesmo assim essas barreiras não podem ser maiores
que nossos sonhos. À noite contei para Ɵa Regina o que havia acon-
tecido e ela lembrou que quando eu aƟngi a maioridade e o juiz dei-
xou que ela fosse minha procuradora, ele disse que se nós Ɵvésse-
mos qualquer Ɵpo de problema poderíamos procurar a promotora
dos direitos das pessoas com deficiência.
Já que o meu problema não era resolvido, Ɵa Regina decidiu fa-
lar com a promotora Maria Isabel sobre o transporte e o “cuidador”.
Ela nos informou que o projeto do transporte que se chamava “Mo-
ver” era dela, que mesmo eu estando na universidade teria o direto
de uƟlizar esse projeto e ela inƟmaria a prefeitura para que eu fos-
se atendido. Quanto ao “cuidador”, mandaria uma inƟmação para a
universidade colocar uma pessoa para me auxiliar. Pessoas que pos-
suem algum Ɵpo de deficiência têm direitos, procure os órgãos res-
ponsáveis na sua cidade, leia sobre as novas leis, esses avanços tec-
nológicos nos ajudam nesses aspectos. Não fossem tais leis, talvez
meu problema não Ɵvesse solução.

Chegando à universidade sem as mãos - 53


Quinze dias após falar com a promotora, a secretária da inclusão
nos ligou dizendo que ela Ɵnha mudado a lei para que eu fosse aten-
dido e que no dia seguinte o transporte iria me levar e buscar na uni-
versidade. Na verdade ela fez isso porque a promotora a obrigou.
Por questões burocráƟcas, o “cuidador” só foi contratado quan-
do eu estava no meu quarto semestre, por isso falarei sobre ele nos
próximos capítulos.
No primeiro semestre eu estudava no período da manhã e à tar-
de ficava em casa fazendo os trabalhos. O problema era que, nessa
hora, eu me quesƟonava se aquele sacriİcio valeria a pena no futu-
ro, se conseguiria entrar no mercado de trabalho. Pensei em desis-
Ɵr, mas Ɵa Regina falava para eu estudar, para ganhar conhecimento
e que o dinheiro viria naturalmente. Outro fator que contribuiu pa-
ra que eu não desisƟsse foi que eu adorava o curso, do primeiro ao
quarto semestre os alunos de Rádio e TV, Publicidade e Jornalismo
Ɵnham aulas voltadas para as três áreas e além das matérias especí-
ficas, haviam outras voltadas para arte, cultura e sociologia.
Quando Ɵnha que ler livros e fazer algum resumo, eu sentava no
sofá e pedia para o meu avô ficar do lado para virar a página, pedia
para ele sublinhar com um lápis as partes do texto que eu achava
mais importantes e quando Ɵa Regina chegava, ela me ajudava a di-
gitar o texto, pois na época eu não Ɵnha muita práƟca e nem agili-
dade na digitação. Fora isso, lembro que Ɵnha aulas via internet por
meio do site da universidade, então ơnhamos que entrar no site, ler
um texto e responder um quesƟonário sobre ele em forma de teste.
Eu Ɵnha medo de clicar em lugar errado, em algumas coisas ainda
necessitava de ajuda e pedia o auxílio da minha Ɵa, mas ainda assim
sempre busquei ter independência no computador.
Em época de provas eu Ɵnha que avisar o núcleo de acessibilida-
de para que uma moça chamada Marli pudesse me ajudar. Eu ia pa-
ra a sala dela, falava as respostas e ela escrevia, lembro-me da mi-
nha primeira prova em uma matéria chamada Gestão da Propagan-
da na qual Ɵrei 10. Como nem tudo são flores, naquele semestre
meu grupo Ɵrou nota baixa em dois trabalhos e não consegui alcan-
çar as médias nas provas, Ɵve que fazer recuperação em duas maté-
rias. Estava com medo que essas duas provas fossem complicadas e
cheias de pegadinhas, pois se eu ficasse em dependência perderia a
bolsa de estudo. Felizmente, consegui recuperar a nota.

54 - Thales Freire Pagassini


No segundo semestre, meu amigo Rafael foi estudar à noite, o
Douglas largou o curso, eu conƟnuei no grupo da Marina e Adriana
e quando começava um semestre sempre entrava gente nova na sa-
la e acabava ficando no nosso grupo. O problema era que eu perce-
bia que os novos integrantes não encaravam minha deficiência com
naturalidade, notava que eu não era levado a sério. O pior foi que di-
vidimos as tarefas em duplas e como Marina e Adriana Ɵnham mui-
ta amizade, elas faziam as coisas juntas e eu Ɵve que fazer a minha
parte com a outra pessoa do grupo. Eu percebi que ela não confiava
no meu trabalho, não falava o que era para fazer e eu sempre per-
guntava, mas quando ela me disse qual seria minha tarefa, eu a fiz.
Isso sempre ocorrerá: pessoas com preconceito medem sua inteli-
gência pela sua deficiência, mas o tempo prova o contrário a todos.
Naquela época descobri que quem Ɵnha blog podia colocar
anúncios e cliques nas publicidades geravam ao dono do blog alguns
centavos de dólar pagos pelo Google. Decidi, então, criar um blog
chamado Deficientes Inteligentes, onde eu escrevia sobre inclusão
e outros assuntos voltados para pessoas com deficiência. No fundo
eu queria que as pessoas clicassem nas propagandas e assim come-
cei a divulgar o blog que chegou a ter três mil acessos. Como quase
ninguém clicava nos anúncios resolvi pedir para Ɵa Regina acessar as
propagandas todos os dias, mas o Google percebeu que os acessos
eram do mesmo IP e reƟrou todos os anúncios do blog. Depois que
isso aconteceu eu fiquei desanimado e o fechei.
Outra óƟma oportunidade na minha vida foi quando o meu amigo
Odair me apresentou a uma amiga que fazia pedagogia e precisava
apresentar um trabalho sobre inclusão na Uniban. Odair contou a ela
que Ɵnha sido meu “cuidador” no Anne Sullivan e que hoje eu esta-
va na universidade, então, ela decidiu falar com a professora dela se
poderia nos convidar para contar nossa história para sua turma. Por
fim, fomos convidados para dar uma palestra na Jornada de Educa-
ção da Uniban, falamos sobre nossas experiências e respondemos al-
gumas perguntas, no final recebemos um cerƟficado de palestrante.
A Universidade costumava abrir vagas para os alunos trabalha-
rem como monitores nos laboratórios em troca de bolsa integral
de estudo e como eu já ganhava 50 por cento da prefeitura, resol-
vi prestar o processo seleƟvo para ser monitor e tentar conseguir o
restante da bolsa.

Chegando à universidade sem as mãos - 55


No dia do processo seleƟvo encontrei meus amigos Rafael e Bian-
ca que também iriam tentar a vaga de monitor. Tínhamos que escre-
ver um texto dizendo por que merecíamos a vaga. Naquela época eu
não Ɵnha muita práƟca para digitar e o computador em que fiquei
não Ɵnha as adaptações que eu precisava, eu estava sentado em
uma cadeira que Ɵnha rodinhas e não Ɵnha muita segurança, então
Rafael parou de digitar e buscou outra cadeira para mim. A Bianca
estava usando o computador da universidade, então me emprestou
o notebook dela para ver se eu conseguia digitar melhor, mas não
adiantou. Então acabei desisƟndo da vaga.
No terceiro semestre, Marina e Adriana foram estudar no perío-
do noturno e eu entrei em um grupo de um pessoal novo. Eu Ɵnha
uma relação muito boa com eles, mas conforme o tempo passou
eles começaram a me ignorar. Eu perguntava se eles queriam minha
ajuda e não Ɵnha nenhuma resposta, quando ơnhamos orientação
com algum professor sobre os trabalhos eles faltavam sem me avi-
sar, eu ficava muito preocupado porque queria Ɵrar boas notas nos
projetos para não precisar me matar para conseguir notas altas nas
provas. Até que, num dia em que ơnhamos que entregar um traba-
lho, eles não fizeram e as duas meninas que lideravam o grupo falta-
ram. Chamei outro componente do grupo e perguntei por que o tra-
balho não havia sido entregue, ele disse que não Ɵnha dado tempo
de fazer porque eles trabalhavam fora. Percebi então que ali não era
o meu lugar e sai do grupo.
Minha colega Maria, que já Ɵnha saído do nosso grupo viu que
eu estava muito nervoso e veio me perguntar o estava acontecen-
do. Contei que havia brigado com o pessoal, que estava sem grupo e
como ela estava fazendo os trabalhos sozinha, me chamou para fa-
zer dupla com ela nos projetos. Aquele velho ditado: há males que
vem para o bem. Enquanto uns nos desprezam, não falam conos-
co, outros estarão de pronƟdão para nos estender a mão. Eu e Ma-
ria nos dávamos bem e tomávamos todas as decisões juntos, o pro-
blema era que Ɵnha muita coisa para fazer e ela trabalhava até tar-
de da noite, então eu é quem Ɵnha que adiantar os projetos da uni-
versidade. Para minha sorte, Ɵa Regina me ajudava muito e graças
a essa ajuda conseguimos entregar os trabalhos nas datas corretas.
Mas mesmo assim Ɵramos nota baixa em uma matéria chamada Re-
des Sociais e outra vez não consegui alcançar a média, tendo que fa-

56 - Thales Freire Pagassini


zer recuperação para passar de semestre sem pegar dependência.
Como sempre, tudo deu certo no final.
Vimos até aqui que muita gente não acredita na capacidade das
pessoas com deficiência em realizar projetos acadêmicos e isso se
reflete no mercado de trabalho, ou seja, mesmo com a lei que obri-
ga as empresas a contratar pessoas com deficiência, muitas delas re-
sistem e não dão oportunidade para essas pessoas.
Eu Ɵnha me dado mal no terceiro semestre com o meu grupo e
resolvi que no quarto semestre eu iria escolher a dedo o novo gru-
po. Antes mesmo de começarem as aulas eu já Ɵnha em mente uma
turma que eu ficava observando e percebia que eles eram legais e
trabalhavam bem. Decidi falar com eles, mas só sabia o nome de
um componente, que era o Ricardo, e falei com ele, expliquei que
eu usava os pés para mexer no computador. Ricardo me disse que
iria falar com os outros integrantes e em seguida me daria a respos-
ta. Em apenas alguns minutos ele voltou e disse que o pessoal havia
aceito. Aquele grupo era muito bom e quando Ɵnha trabalho para
fazer, eles sempre levavam minhas opiniões em consideração, não
Ɵve nenhum problema com este pessoal.
O que parecia um sonho, agora era realidade, tudo foi correndo
bem e quando cheguei com o meu avô para o terceiro dia de aula
do quarto semestre, Ɵvermos uma surpresa. Marli estava nos espe-
rando para nos apresentar a uma moça que seria minha “cuidado-
ra”. Então fomos para sala de aula e antes do professor chegar, fica-
mos conversando com ela e, no intervalo, meu avô mostrou como
me dava o lanche e como me ajudava no banheiro.
Nos primeiros dias não Ɵve nenhum problema com ela, mas com
o passar do tempo ela começou a falar que eu Ɵnha problemas so-
ciais porque eu gostava de sentar longe do pessoal que ficava con-
versando. Um ponto crucial é que o “cuidador” não pode usar da
sua percepção e assim querer modificar alguém, o trabalho é auxi-
liar e não complicar.
O tempo todo ela achava que eu era complexado por causa da
minha deficiência, mas o grande problema era na hora de usar o ba-
nheiro porque eu sento na privada para fazer xixi e às vezes tenho
ereção, ela dizia que ficava constrangida de me ver daquele jeito e
falava que eu precisava passar em um psicólogo. Eu tentava expli-
car que aquilo era natural e eu não pensava em bobagem quando

Chegando à universidade sem as mãos - 57


ela me levava no banheiro, que isso acontecia quando eu Ɵnha “cui-
dadores” homens e também na hora em que minha Ɵa me dava ba-
nho. Depois disso passei a ficar preocupado todas as vezes que ela
me levava para fazer xixi.
Um dia, ela veio me perguntar se eu poderia ir ao banheiro
quando chegasse em casa, porque ela Ɵnha medo que alguém per-
cebesse que eu estava excitado e pensasse besteira. Falei que eu
não poderia ficar todo aquele tempo sem fazer xixi, mas ela con-
Ɵnuava dizendo que era muito constrangedor me ver daquele jei-
to e que seria bom se eu Ɵvesse um homem para me ajudar. Por is-
so ela resolveu pedir para os seguranças me levarem ao banheiro
(sem autorização do responsável do núcleo da acessibilidade) e co-
mo eles não Ɵnham a função de me ajudar e minha “cuidadora” fi-
cava pedindo ajuda todos os dias, eles decidiram reclamar com o
responsável do núcleo da acessibilidade. O responsável a chamou
para saber o que havia acontecido e ela disse que eu Ɵnha proble-
mas com sexualidade, então a chefe decidiu ligar para Ɵa Regina e
perguntar se ela conversava comigo abertamente sobre sexo, se eu
Ɵnha algum problema relacionado a esse assunto. Minha Ɵa disse
que ela conversava comigo abertamente sobre este assunto e que
eu não era complexado.
Achei importante falar sobre esse assunto porque ainda há mui-
ta gente que pensa que as pessoas com deficiência são assexuadas
ou têm desejos sexuais exagerados e isso não é verdade, essas pes-
soas têm desejos iguais às outras!
Eu jogava xadrez e fiquei sabendo que na universidade exisƟa a
AtléƟca, que fazia equipes de várias modalidades esporƟvas com os
alunos e resolvi entrar em contato com o responsável para saber se
Ɵnha uma equipe de xadrez. Foi aí que conheci o Marcel, presidente
da AtléƟca. Ele me disse que ainda não Ɵnha essa modalidade e que
eles também faziam festas para os alunos, me convidou a parƟcipar
de uma reunião quando eu quisesse.
Nesta mesma época haveria eleição para o Diretório Central dos
Estudantes, mais conhecido como DCE, que é formado por um grupo
de alunos com a função de representar todos os estudantes da Uni-
versidade perante a reitoria. Eu estava com vontade de montar uma
chapa com os meus amigos, mas eles não queriam porque diziam
que seria diİcil, então resolvi escrever no Facebook da anƟga gestão

58 - Thales Freire Pagassini


do DCE que eu queria parƟcipar de uma chapa, que achava impor-
tante um aluno com deficiência fazer parte do diretório. Após postar
esse recado, recebi uma mensagem no meu inbox de uma menina
me convidando para fazer parte da chapa dela que chamava MuƟrão,
convite este que eu aceitei na hora e fiquei de marcar um encontro
com ela para me inscrever. No dia seguinte, quando cheguei à Uni-
versidade, o presidente da AtléƟca, Marcel, veio me procurar para di-
zer que estava ajudando a montar uma chapa chamada i9 com alu-
nos de vários cursos e que gostaria que eu parƟcipasse. Expliquei a
ele que havia sido convidado a entrar para a chapa MuƟrão e o Mar-
cel me falou que algumas pessoas dessa chapa já faziam parte da Vi-
são, que era a gestão do diretório, e que a chapa dele iria chamar vá-
rios alunos com deficiência para fazer parte da i9. Foi nesse momen-
to que decidi que faria parte dessa chapa. No entanto o meu amigo
Henrique foi o único “cadeirante” que aceitou parƟcipar.
Na época os alunos das duas chapas podiam entrar nas salas,
dias antes das eleições, para pedir votos e apresentar suas propos-
tas para o DCE. Como eu e Henrique ơnhamos aula pela manhã, vol-
távamos para USCS à tarde e acompanhávamos os outros compo-
nentes da i9 na campanha. Quando a gente passava nas salas, o Sau-
lo, que era presidente da nossa chapa, dizia que era a primeira vez
que dois alunos com deficiência parƟcipavam de uma eleição para
o diretório e que a nossa intenção era realizar projetos de acessibili-
dade na universidade. Isso é importante, a parƟcipação de pessoas
com deficiência em todas as aƟvidades acadêmicas é o primeiro pas-
so para que nossas vozes sejam ouvidas.
Nossa chapa foi ficando mais popular. Quando a MuƟrão perce-
beu isso, começaram a dizer para os outros alunos que a i9 esta-
va usando a nossa deficiência para ganhar votos. Isso era menƟra,
afinal fomos nós que quisemos parƟcipar e quando a i9 fazia cam-
panha, eu e o Henrique deixávamos claro para os alunos que nos-
sa chapa não estava nos usando para se promover e sim nos incluir.
No dia da eleição os alunos puderam votar até às 22 horas e em
seguida fomos para o auditório acompanhar a contagem dos votos,
realizada por um professor da USCS. Estávamos ansiosos para saber
o resultado. Nossa chapa venceu!
A AtléƟca iria realizar um evento e o presidente Marcel convidou
a mim e ao meu amigo Henrique para irmos. O evento começaria à

Chegando à universidade sem as mãos - 59


meia-noite e Ɵa Regina ficou preocupada, mas ela sabia que o meu
amigo Marcel era responsável, mesmo assim decidimos pedir a opi-
nião dos meus irmãos George e Marcelo para saber se eu deveria ir
a tal festa. Eles acharam que se eu confiasse no meu amigo deveria
ir, afinal se fosse perigoso ele não teria me convidado.
No dia do evento minha Ɵa me levou até o local e meus amigos
estavam à minha espera. Eles ajudaram Ɵa Regina a Ɵrar minha ca-
deira de rodas do carro, me colocaram nela, eu estava feliz porque
era a primeira vez que eu ia para a “noitada” sozinho. Na festa algu-
mas meninas vieram me cumprimentar, elas eram lindas. Uma coi-
sa engraçada foi quando Marcel me Ɵrou de cadeira e me ajudou a
subir umas escadas para chegar ao camarote, porque algumas pes-
soas não me conheciam, e quando elas o viram me segurando para
andar achavam que eu estava bêbado e gritavam que eu Ɵnha be-
bido todas.
O pessoal foi ficando alcoolizado, eu que não bebia ficava obser-
vando as besteiras que o povo falava e fazia. O Marcel era o princi-
pal organizador da festa e pedia para alguém ficar comigo enquanto
ele resolvia algum problema, as outras pessoas também eram pres-
taƟvas e sempre estavam dispostas a me ajudar. Por volta de 3h30
da manhã eu já estava caindo de sono e decidi ligar para minha Ɵa ir
me buscar às 4h00. Essa festa foi inesquecível.
Nesse semestre eu Ɵnha aula de edição de vídeos, o que eu já fa-
zia em casa com várias imagens da internet e as músicas do meu ir-
mão. Seria o úlƟmo semestre onde teríamos matérias voltadas para
Publicidade, Jornalismo e Rádio e TV pois, após essa etapa, os alu-
nos poderiam trocar de curso. Antes do quinto semestre, quando a
turma se separava, cada um ia para a classe especifica do curso e en-
tão eu percebi que Rádio e TV teria mais campo para trabalhar.
No quinto semestre, após uma grande decisão, eu fui então pa-
ra turma especifica de Rádio e TV. Tive que passar a estudar no pe-
ríodo noturno e na época havia entrado um prefeito novo, a secre-
tária da inclusão dizia que a cidade estava sem dinheiro e a prefeitu-
ra havia mandado dez motoristas embora, por esse moƟvo não teria
como me levar para universidade à noite. Foi o mesmo problema do
começo, então não perdi tempo e junto com minha Ɵa fui novamen-
te à promotoria das pessoas com deficiência. Após uma semana Ɵve
meu transporte de volta.

60 - Thales Freire Pagassini


Eu entrava em aula às 19h20 e saia às 23h50, no começo acha-
mos que ir para universidade no período noturno seria pior, mas eu
gostei porque Ɵve mais tempo para estudar e fazer os trabalhos. Co-
mo fui para a sala de Rádio e TV, encontrei meus amigos do primeiro
semestre e acabei ficando no grupo do Rafael e da Bianca.
Então eu Ɵve uma brilhante ideia! Lembrei que a universidade Ɵ-
nha o núcleo de produção e pesquisa audiovisual, onde alunos vo-
luntários ganhavam horas de aƟvidades complementares, outros
trabalhavam como monitores 4hs por dia para ganhar bolsa de estu-
do. Eu precisava de horas, então o professor Luciano me deixou ficar
como voluntário às segundas e sextas das 15 às 17hs. Minha Ɵa já
havia se aposentado nessa época, ela me levava e buscava e quando
chegávamos em casa me dava o jantar e banho porque o transporte
me pegava às 19hs para me levar para a aula.
E nessa mesma semana dei o que podemos chamar de o primei-
ro passo para o mercado de trabalho. Estava em casa navegando pe-
la internet e vi uma vaga de estágio para editor de vídeo em uma
produtora chamada Vira Lata Produções. Mandei meu currículo pa-
ra eles, mas não acreditava muito que seria chamado. Dez minutos
depois o celular da minha Ɵa tocou, era a Débora, da produtora, di-
zendo que Ɵnha visto meu currículo e que queria marcar uma entre-
vista comigo. Como eu tenho problema na fala, Ɵa Regina falou que
eu Ɵnha deficiência e usava o pé para editar. Débora disse que gosta-
ria de me entrevistar, mas estava preocupada porque na produtora
não Ɵnha acessibilidade e Ɵa Regina contou que eu andava com al-
guém me segurando e que se Ɵvesse escada ela me ajudaria a subir.
Débora marcou a entrevista e eu fiquei muito feliz, afinal era minha
primeira entrevista de estágio. Meu sobrinho Jonas estava de férias,
pedi para ele nos acompanhar.
Chegou o grande dia! A produtora ficava no Campo Belo, em São
Paulo, e ơnhamos que estar lá às 11 horas. Fomos bem recebidos
pela recepcionista Camila e Ɵvemos uma surpresa: de repente vá-
rios cachorrinhos apareceram e ficaram fazendo festa para a gente e
a Camila nos disse que todos os funcionários podiam levar seus cãe-
zinhos para o trabalho, e que o dono da produtora que se chamava
Pablo havia adotado duas cachorras grandes que ficavam na produ-
tora. Após rápido bate-papo, Camila avisou a Débora que estávamos
a sua espera, então ela veio ao nosso encontro e nos levou até a sua

Chegando à universidade sem as mãos - 61


sala e lá Ɵa Regina me sentou em uma cadeira e em seguida Débo-
ra me perguntou o que eu sabia fazer. Contei que eu editava vídeo
com o pé esquerdo em um programa chamado Sony Vegas e que es-
tava começando a aprender a mexer no editor de vídeos Adobe Pre-
miere. Em seguida, Débora me explicou como funcionava a produ-
tora, que entrevistaria ainda outras pessoas e me ligaria para falar
o resultado.
Na semana seguinte, ela ligou e falou que iria contratar outro es-
tagiário, mas que havia gostado muito de mim e queria me ajudar.
Então ela perguntou para minha Ɵa se ela poderia me levar na pro-
dutora uma vez por semana para eu ficar das 9h às 13h e que ca-
da dia que eu fosse ficaria em um setor diferente vendo como eram
realizados os trabalhos, que o dono da produtora faria um contra-
to de 3 meses igual ao do outro estagiário e, no final do mês, daria
uma quanƟa para pagar a gasolina da minha Ɵa. Então Ɵa Regina
começou a me levar toda quarta-feira: me acordava às 7h30, meu
avô me dava café da manhã, escovava meus dentes, me trocava e
me colocava no carro.
No primeiro dia eu fiquei um pouco em cada setor e lembro que
Débora me chamou na sala dela para me explicar como era toda a
parte administraƟva da empresa. Contou que o principal cliente de-
les era uma grande empresa de canais de TV a Cabo. Em seguida
fui para o setor de edição onde conheci o Vinicius, a Luiza e o Pau-
lo. Quando falei que eu editava vídeos com o pé, eles ficaram ad-
mirados e começaram a me mostrar como eles faziam as edições e
eu também mostrei um vídeo que fiz. Após esse bate papo, Débora
me levou para conhecer o setor de pós-produção, onde é feita to-
da a parte arơsƟca de um vídeo. Lá conheci o Diogo e o Leonardo e
a Débora pediu para mostrarem os trabalhos que eles faziam, con-
tou-lhes que eu trabalhava no computador com os pés. Eles usa-
vam um mouse diferente que parecia uma caneta, eles pediram pa-
ra eu tentar mexer. Minha Ɵa Ɵrou meu tênis e o Leonardo colocou
a caneta entre os meus dedos, mas não consegui usar aquele Ɵpo
de mouse.
Nas semanas seguintes a Débora me deixava escolher em qual
setor da produtora eu queria ficar. Então a Beatriz, que coordenava
os trabalhos, me conheceu melhor e decidiu passar um vídeo para
eu editar. Eu era voluntário no núcleo da Universidade e não Ɵnha

62 - Thales Freire Pagassini


o programa Adobe Première em casa, mas consegui autorização do
professor Luciano para editar os vídeos no núcleo. A Beatriz coloca-
va o material bruto no meu HD externo, eu editava e ela via o vídeo,
me dava dicas sobre como fazer vídeos melhores.
Estava começando a mexer no Adobe Première, Ɵnha algumas
dúvidas, toda hora pedia ajuda para meus amigos, Gustavo que
sempre me ajudava e me dava muitas dicas de como fazer os víde-
os um dia me gravou editando. Eu editei meu próprio vídeo, pos-
tei no Facebook e no Youtube, foi um sucesso! Todos os meus ami-
gos comentavam, inclusive alguns professores falaram que eu es-
tava de parabéns porque editar é muito diİcil e a maioria dos alu-
nos não gostava de editar. Eu adorava e por mais que o estágio
fosse apenas de quatro horas por semana, fez toda a diferença na
minha vida.
Naquele semestre, o DCE começou a levar os alunos para assis-
Ɵr a vários programas de TV e os meus amigos levavam eu e o Hen-
rique, que também era “cadeirante”, nos ajudavam em tudo com o
maior carinho. O primeiro programa que fomos foi o “Altas Horas”,
o ônibus da Rede Globo de Televisão veio nos buscar na universida-
de pontualmente às 13 horas e na emissora fomos para uma sala de
espera onde recebemos várias instruções sobre segurança e como
funcionava o programa. Em seguida subimos para o estúdio. Como
Ɵnha escada, o bombeiro nos levou por outro caminho onde havia
um elevador reservado para pessoas com deficiência.
No estúdio vimos os caras da banda de Rock “NX Zero” arruman-
do os instrumentos, a produtora nos colocou em lugar estratégico
para assisƟrmos ao programa. Antes da gravação começar, o apre-
sentador Serginho Groisman veio conversar com a plateia, eu pedi
para meu amigo Ɵrar uma foto com ele. Chamamos o Serginho e ele
falou com a gente, aquele dia vimos vários convidados legais e Ɵra-
mos fotos com o repórter esporƟvo Mauro Naves.
Eu fui ao “Altas Horas” três vezes e na segunda vez pedi para o
meu amigo fazer uma pergunta em meu nome para sexóloga Lau-
ra: eu queria saber como um homem com deficiência pode evitar
uma ereção involuntária na hora que alguém leva ele ao banheiro,
uma dúvida que eu Ɵnha desde a época que Ɵve que conviver com
as reclamações da minha primeira “cuidadora” na universidade, mas
meu amigo fez a pergunta da seguinte forma: “o meu amigo fica

Chegando à universidade sem as mãos - 63


olhando as meninas na hora do intervalo e quando a gente leva ele
para fazer xixi ele fica animado, ele quer saber como pode evitar que
isso aconteça”. Então a Laura respondeu que talvez, se eu não ficas-
se olhando as meninas, eu conseguiria me controlar! Quando ela fa-
lou isso todo mundo aplaudiu, mas a Globo Ɵrou a minha pergun-
ta do programa na hora da edição. Ainda iremos contar com esse Ɵ-
po de desafio: quando tudo parece certo, um terceiro pode ainda
atrapalhar sua inclusão, mas faz parte, não desista de forma alguma.
O segundo programa foi o “Agora é Tarde”, na época apresenta-
do pelo Danilo GenƟli. O esquema era o mesmo da Rede Globo de
Televisão: o ônibus da Band nos buscou na universidade e nos levou
até a emissora, ganhamos um lanche e esperamos a gravação come-
çar. A diferença entre os dois programas era que, como esse progra-
ma era exibido de segunda a sexta, eles gravavam várias entrevistas
por dia e vimos a cantora de MPB Luiza Possi e o professor de filoso-
fia Mário Sérgio Cortella.
Fomos também ao programa do Jô Soares, que era o mesmo es-
Ɵlo do “Agora é Tarde”, mas de todos o que eu achei mais diverƟdo
foi o “CQC” (Custe o que custar). Era ao vivo, na hora do intervalo
os apresentadores ficavam falando bobagem com a plateia e no fi-
nal Ɵravam fotos com todos. O programa acabava 0h30, chegamos
às 02h30 na Universidade e Ɵa Regina foi me buscar.
Certa vez o DCE ia nos levar para assisƟr o programa do apresen-
tador Roberto Justus na Rede Record, então falei para meu amigo
Chaves, que era o diretor de eventos do DCE (Diretório Central dos
Estudantes), colocar meu nome na lista de alunos que iriam ao pro-
grama. Desta vez Ɵve uma desagradável surpresa: Chaves me disse
que havia falado para a produtora do programa que iria levar uma
pessoa com deficiência e ela falou que no estúdio não caberia mi-
nha cadeira de rodas e que, por normas de segurança, eu não pode-
ria sentar junto com as outras pessoas da plateia.
Quando recebi essa noơcia resolvi fazer um protesto no Face-
book e no site da Record falando o que havia acontecido e pedi pa-
ra meus amigos comparƟlharem o que eu havia escrito. Foi um su-
cesso, pois a Secretaria de Comunicação de São Caetano me telefo-
nou dizendo que havia falado na Record e resolvido o problema, que
agora eu poderia ir no dia da gravação. O carro da Record veio nos
buscar, mas quando estávamos no caminho, a produtora nos ligou

64 - Thales Freire Pagassini


dizendo que o Roberto Justus estava doente. A gravação foi adiada,
voltamos para universidade e uma nova data foi marcada, porém no
dia eu Ɵve um compromisso e não pude ir.
No fim desse semestre meu amigo Henrique começou a faltar às
aulas e ficamos sabendo que ele havia sido internado com pneumo-
nia. Mas a Marli, do Núcleo de acessibilidade, me disse que era por
causa da doença genéƟca que ele Ɵnha e que estava paralisando os
seus músculos e alguns órgãos e que ele teria pouco tempo de vi-
da. Lembro que ele não fez as provas, então contei para meu ami-
go Marcel que Henrique estava mal e ele foi visitá-lo, alguns dias de-
pois soube que ele havia falecido e fiquei muito triste, pois sempre
estávamos juntos.
Aos finais de semana meu avô costumava me levar em um par-
que perto de casa. Enquanto eu fazia caminhada, ele ficava jogan-
do bocha, quando eu parava de andar ele me Ɵrava do andador e
me colocava sentado em um banco onde eu olhava ele jogar com
os amigos dele. Às vezes eu levava um livro e ele colocava em ci-
ma do muro da cancha de bocha e quando eu precisava virar a pá-
gina ele ou um amigo dele virava para mim. Quando não Ɵnha nin-
guém na cancha ele colocava meu andador lá dentro e eu jogava
bocha com pé.
Mas um dia percebi que ele estava estranho: ele foi pegar meu
café da manhã, derrubou o copo no chão e nem ligou, quando fo-
mos para o parque naquele dia ele estava muito distraído e com di-
ficuldade para me colocar no andador, errava muitas jogadas de bo-
cha e, ao voltarmos para casa, ele pegou o controle da TV e passa-
va os canais rapidamente, dizendo que não conseguia achar o canal.
Percebemos que alguma coisa estava errada.
No dia seguinte escutamos um barulho no banheiro e lá estava
meu avô, em pé, dizendo que havia Ɵdo uma tontura, caído no chão
e que não estava conseguindo fechar o zíper da calça. Minha Ɵa Re-
gina percebeu que a boca dele ficou torta e o levou para o pronto
socorro, onde foi confirmado: era um AVC - Acidente Vascular Cere-
bral. Ele ficou internado uma semana no hospital e quando ele vol-
tou para casa já havia perdido os movimentos do lado esquerdo do
corpo e, a parƟr de então, as coisas ficaram diİceis. A Ɵa Regina, so-
zinha, teve que cuidar de mim e dos meus avós. Nessa parte do livro
consigo lhe explicar que sem eles seria impossível, o apoio da famí-

Chegando à universidade sem as mãos - 65


lia tornou-me o ser humano que sou, devo tudo a eles e é assim que
desejo que seja a família das pessoas com algum Ɵpo de deficiência.
No sexto semestre o meu grupo teve que fazer um programa de
TV e um vídeo insƟtucional para uma empresa sem fins lucraƟvos.
Sugeri a meus amigos que poderíamos realizar um programa pa-
ra pessoas com deficiência, Ɵvemos todo o apoio dos professores
e eles consideraram que por eu ter uma deficiência poderia ajudar
muito nesses dois trabalhos.
Fizermos uma pesquisa sobre o tema e decidimos que o progra-
ma se chamaria “Acesso Fácil”, com três blocos. No primeiro mostra-
mos duas matérias: uma comigo, falando sobre meu coƟdiano, ou-
tra com um aluno da USCS que Ɵnha deficiência visual. No segun-
do bloco fizemos um vídeo com os atletas da ONG (Organização não
Governamental) Mara Gabrili e no terceiro conversamos com uma
psicóloga sobre sexualidade para pessoas com deficiência. Também
fizemos um vídeo insƟtucional com a ONG Mara Gabrili, deputada
federal que ficou tetraplégica na década de 90 e decidiu fundar essa
ONG para ajudar pessoas com diversos Ɵpos de deficiências. Adora-
mos os projetos dela e Ɵramos nota nove nos dois trabalhos. Por ter
ido muito bem nas provas daquele semestre, acabei ganhando bol-
sa por mérito ao alcançar a séƟma melhor média da Universidade.
Nada - eu disse nada - é impossível: tudo advêm da força de vonta-
de e do merecimento pelo seu esforço.
Nessa época entrou uma professora nova chamada Simone no
núcleo de acessibilidade da Universidade e ficamos muito amigos.
Certa vez ela me propôs ser candidato ao Conselho Municipal da
Pessoa com Deficiência e eu aceitei o convite. Qualquer morador de
São Caetano do Sul poderia votar, então comecei a divulgar minha
candidatura e a pedir votos para os meus amigos. O problema era
que a eleição seria em uma sexta-feira, das 9 às 15 horas. A Simone
achava que os candidatos poderiam mostrar suas propostas e pediu
para eu chegar ao local da votação cedo, mas minha Ɵa não poderia
me levar porque ela cuidava do meu avô, que estava acamado por
conta do AVC, então ela resolveu ir me buscar em casa.
Ao chegarmos a votação já havia começado sem apresentação
dos candidatos, então a Simone me levou para votar e em seguida
ficamos conversando com algumas pessoas, uma mulher nos disse
que o final da votação seria antecipado para o meio-dia. Achamos

66 - Thales Freire Pagassini


estranho porque haviam nos dito que poderiam votar até 15 horas
e algumas pessoas diziam que a eleição estava sendo feita de forma
irregular. Como não entendo nada de lei, fiquei na minha, a Simone
Ɵnha outro compromisso, fomos embora antes da apuração come-
çar, mas naquele dia mesmo recebemos a noơcia que eu havia Ɵdo
dois votos! Na semana seguinte, ficamos sabendo que a eleição ha-
via sido cancelada por conta de algumas irregularidades.
Naquele semestre a professora Simone fez um evento na univer-
sidade com várias pessoas com deficiência que já estavam inseridas
no mercado de trabalho, para conversar com os alunos sobre inclu-
são profissional. Então cada um contou um pouco sobre sua expe-
riência de vida e, em seguida, um homem que trabalhava em uma
empresa que recrutava pessoas com deficiência falou que as leis de
cotas são boas, mas muitas empresas ainda não querem contratar
essas pessoas, principalmente quando elas possuem um Ɵpo de de-
ficiência mais grave.
Eu gostei muito do evento, pois reuniu várias pessoas para falar
sobre esse tema tão importante para quem tem algum Ɵpo de de-
ficiência e que, muitas vezes, são taxadas de coitadas, de incapazes
pela sociedade.
Em outra oportunidade a professora Simone fez uma palestra so-
bre inclusão no teatro da Universidade para os novos alunos. Ela fa-
lou que o termo portador de necessidades especiais não deveria ser
uƟlizado, porque qualquer pessoa pode portar uma necessidade es-
pecial. Por exemplo: uma pessoa que usa óculos está portando um
Ɵpo de necessidade especial. Ela também disse que o termo defi-
ciente também deve ser evitado, pois transmite uma ideia de inca-
pacidade e devemos considerar a deficiência como uma caracterís-
Ɵca da pessoa que não deve ser descartada. O termo mais correto
que devemos uƟlizar é pessoa com deficiência.
Logo vieram novas eleições para o Diretório Central dos Estudan-
tes. Como ninguém queria assumir o DCE, meu amigo Marcel, que
era presidente da AtléƟca, decidiu sair do cargo para montar uma
chapa chamada “Avante” e me convidou para fazer parte da equipe.
Não havia outra chapa para disputar com a nossa, portanto não Ɵve-
mos nenhum problema para ganhar as eleições.
Tínhamos muito trabalho pela frente e o pessoal da “Avante”
costumava se reunir aos sábados para discuƟr nossos projetos, Mar-

Chegando à universidade sem as mãos - 67


cel sabia que minha Ɵa não podia sair de casa porque Ɵnha que cui-
dar dos meus avós e vinha me buscar em casa para eu parƟcipar das
reuniões. Às vezes, quando acabava a reunião, a turma ia almoçar
fora e eles faziam questão de me levar.
Nesse semestre a universidade realizou uma gincana e os alunos
Ɵnham que montar uma equipe para parƟcipar, o prêmio oferecido
era uma mensalidade para a equipe primeira colocada e as demais
teriam direito a um churrasco, que seria realizado em um síƟo aluga-
do. A gincana acontecia no final do semestre, geralmente em um do-
mingo e, como era o dia todo, meu amigo vinha me buscar. Na uni-
versidade ganhávamos um café da manhã antes de começar as aƟ-
vidades e quando eu precisava de alguma coisa o pessoal me ajuda-
va em tudo, parƟcipei duas vezes dessa gincana, mas minha equipe
nunca ganhou.
Na primeira vez que eu fui ao churrasco, minha Ɵa me levou até
a universidade, de onde sairia o ônibus que nos levaria para o síƟo
que ficava em Ribeirão Pires e onde meus amigos Marcel e Paulinho
já estavam à nossa espera. No síƟo havia uma piscina e naquele dia
estava muito calor, levei minha boia, meus colegas entraram comigo
na água e recordo que eles ficavam assustados porque toda hora eu
mergulhava a cabeça na água e eles achavam que eu estava me afo-
gando, mas eu falei que estava acostumado e como estava de boia
não havia perigo. Na hora do churrasco todo mundo queria me aju-
dar, mas quem Ɵnha mais práƟca em me dar comida era o Marcel,
ele cortava a carne em pedacinhos e falava para eu masƟgar deva-
gar. Quando não estava por perto os outros me ajudavam.
Em 2014, o DCE e a AtléƟca fizeram duas “cervejadas”, a primei-
ra foi em uma boate em São Caetano do Sul. O evento aconteceu
em um domingo à tarde e como sempre, meu amigo Marcel veio
me buscar, me colocou sentado em um banco e foi ajudar na organi-
zação. Toda hora alguém perguntava se eu precisava de alguma coi-
sa, pois o pessoal era muito legal comigo e faziam questão de me le-
var nos lugares.
A segunda “cervejada” foi em um síƟo no Riacho Grande, meus
amigos iriam organizar o evento que começaria às 12 horas e me
buscaram cedo, em seguida fomos pegar nosso amigo Rômulo, que
também Ɵnha paralisia cerebral, e quando soube que ele iria fiquei
feliz, afinal eu não seria a única pessoa com deficiência naquela fes-

68 - Thales Freire Pagassini


ta. Lá ficamos sentados com uma vista linda de um lago, enquan-
to meus amigos preparavam as coisas da festa. Ao meio dia cinco
ônibus chegaram com a turma que iria parƟcipar do evento. Ao to-
do eram quatrocentos convidados, ainda assim não houve qualquer
problema ou briga.
Meus amigos trabalharam muito servindo as cervejas nesse dia,
enquanto se revezavam na hora de me dar o lanche e me levar ao
banheiro. A festa foi muito legal, teve DJ e uma banda sertaneja. Eu
e o Rômulo estávamos sentados observando a festa, quando uma
colega se aproximou de nós e pediu um conselho, ela disse que esta-
va a fim de ficar com um menino, mas estava com vergonha de che-
gar no rapaz. Eu falei que ela era bonita, que deveria tentar, e quan-
do eu falei isso a amiga dela que estava ao nosso lado decidiu falar
para o rapaz, então ele veio falar com ela e eles ficaram.
Estávamos conversando com os nossos amigos quando um ra-
paz veio nos dizer que Ɵnha um irmão com paralisia cerebral e esta-
va emocionado de ver como o pessoal era atencioso comigo e com
meu amigo Rômulo.
Até a década de 90, muitas pessoas que Ɵnham algum Ɵpo de
deficiência não saiam de casa, pois eram vistas como vergonha da
sociedade, mas hoje isso mudou, vemos cada vez mais pessoas com
deficiência inclusas na sociedade.
Mas como nem tudo foi festa nessa minha trajetória, no séƟmo
semestre meu grupo teve que fazer o TCC de Rádio e meu amigo
Furlan teve a ideia de fazer um áudio-livro sobre sons que faziam
parte do nosso coƟdiano e não eram percebidos, ou seja, a ideia
era captar diversos sons e contar uma história em locução. O proje-
to chamava “Sons Que Não se Ouvem”. Tivemos que ler vários livros
e fazer várias pesquisas e eu sempre ajudava nessa parte. Perdemos
muito tempo para definir qual seria o melhor formato e meu irmão
George, que era músico, nos ajudou com a produção. Fomos obriga-
dos a correr com as pesquisas para a apresentação do projeto escri-
to e por causa dos problemas que Ɵvemos, fomos criƟcados pelos
professores e Ɵramos nota sete.
Nessa época eu fui convidado por uma professora chamada De-
bora, que me conhecia do Anne Sullivan, para fazer uma palestra na
Faculdade de São Bernardo do Campo. Minha Ɵa não poderia ir, Ɵ-
nha que ficar cuidando dos meus avós que estavam doentes, a Dé-

Chegando à universidade sem as mãos - 69


bora falou que iria me buscar e pediu para eu levar um amigo para
me ajudar na palestra. Pedi para o amigo Marcel traduzir o que eu
dissesse, a professora Débora nos avisou que haveria pouco tempo,
assim decidimos fazer um bate-papo com os alunos. A professora
nos apresentou e pediu para a turma fazer perguntas sobre minha
história de vida, que eu respondia e foi assim a palestra toda. Mas
achei muito legal essa conversa, no final ganhei um cerƟficado de
palestrante da Faculdade de São Bernardo do Campo.
Naquela época eu não acreditava que iria namorar e dava risada
das pessoas que me falavam que alguém iria gostar de mim, porque
eu queria ser racional e já havia desisƟdo de tentar encontrar uma
namorada, nunca havia nem beijado ninguém. Um dia eu estava na-
vegando no Facebook e encontrei um grupo de relacionamento en-
tre pessoas com deficiência para fazer novos amigos. Então resol-
vi postar que eu queria ter um relacionamento e falei toda a verda-
de sobre minha deficiência, logo várias meninas me chamaram para
conversar, mas elas queriam apenas amizade. E como eu duvidava
que alguém gostasse de mim, nem ligava muito para elas. Mas uma
menina chamada Luciana quis conversar comigo pelo Facebook, fi-
camos amigos e começamos a bater papo, ela falou que Ɵnha uma
deficiência leve nas pernas e que andava mancando.
Começou a me chamar todos os dias para bater um papo, falei
um pouco sobre minhas limitações İsicas, com o passar do tempo
ela começou a fazer umas perguntas sobre minha vida amorosa e
contei que nunca havia namorado, nem beijado, que não acredita-
va que alguém iria querer me namorar e ela disse que teve dois na-
morados com deficiência. Até então nosso papo estava normal, até
que um dia ela começou a falar que estava gostando de mim e que-
ria me conhecer.
Quando ela disse isso eu dei risada e perguntei se era alguma pe-
gadinha, ela ficou brava, disse que era honesta, séria, que nunca iria
brincar com os senƟmentos das pessoas. Pedi desculpas e conƟnuei
o papo, mas como eu estava desconfiado dela, resolvi falar com a
minha Ɵa sobre o que estava acontecendo e ela me disse para eu
tomar cuidado. Falei também com o meu amigo Marcel sobre ela,
mostrei a conversa que eu Ɵve com ela no Facebook e quando ele
viu, deu uma risadinha e falou para marcar o encontro que ele me
levaria. Então, depois de um mês de papo decidimos nos encontrar.

70 - Thales Freire Pagassini


Marcamos o encontro na praça de alimentação de um shopping
em um domingo, às 15 horas. Chegamos no horário, fomos para a
praça de alimentação e ficamos esperando, mas ela não chegava e
o Marcel dizia que mulher sempre atrasa. Eu achava que ela não vi-
ria mais. Marcel decidiu ligar para ela e a Luciana não atendia, con-
Ɵnuamos tentando e quando a Luciana atendeu disse que estava
no trânsito, então conƟnuamos esperando alguns minutos. Depois
uma senhora se aproximou da gente e disse que se chamava FáƟma
e que era mãe da Luciana. Perguntou se eu era o Thales que iria co-
nhecer a filha dela, também apresentei meu amigo e ela disse que
havia deixado Luciana sentada em um banco. Marcel e dona FáƟ-
ma foram dar uma volta enquanto eu e Luciana conversávamos, fi-
camos sozinhos, ela começou a fazer carinho no meu rosto, disse
que eu era bonito e que havia gostado de mim. Falei que Ɵnha acha-
do ela muito bonita e conƟnuamos a conversar por alguns minutos,
depois a mãe dela e o Marcel apareceram para perguntar se a gen-
te estava com fome e decidimos tomar um lanche. Quando acaba-
mos a mãe dela falou que iria chamar um táxi para levá-las para ca-
sa, mas como Marcel estava de carro ele ofereceu uma carona e eu
e Luciana fomos no banco de trás, ela no caminho ficava fazendo ca-
rinho em mim.
No dia seguinte ela me chamou no Facebook e disse que senƟu
vontade de me beijar no carro, mas como era o nosso primeiro en-
contro ela achou melhor esperar. ConƟnuamos nos falando e depois
de um mês decidimos ir ao cinema, desta vez eu pedi para meu ir-
mão George me levar. Pedimos para ficar sozinhos e durante o fil-
me ela me beijou e decidimos namorar. Mas como temos dificulda-
de para nos locomover, nos vemos uma vez por mês, já que depen-
demos de outras pessoas para nos levar aos lugares.
No úlƟmo semestre da universidade Ɵvemos que fazer o TCC de
TV e decidimos nos reunir nas férias de julho para evitar os mesmos
problemas do trabalho de rádio. E como a maioria das pessoas tra-
balhava em São Paulo, nos encontramos em um “barzinho” na Ala-
meda Santos. Eu Ɵnha mais amizade com o Rafael, ele foi me bus-
car em casa, afinal ele sempre me convidava para sair e sabia me dar
lanche e levar ao banheiro.
Tivermos que parar o carro longe, em São Paulo tem mais car-
ro estacionado do que gente andando na rua. Por isso o Rafael te-

Chegando à universidade sem as mãos - 71


ve que me levar na cadeira de rodas pelas calçadas esburacadas e
quando chegamos ao barzinho a turma estava à nossa espera. Co-
meçamos a discuƟr o que iríamos fazer no TCC de TV. Tivemos várias
ideias, decidimos por fim fazer um curta-metragem sobre a depen-
dência das pessoas pelos smartphones.
Os professores adoraram e orientaram fazer algumas pesquisas
relacionadas à tecnologia, sobre a evolução dos celulares e o im-
pacto que eles causavam na sociedade. Nós sabíamos que teríamos
muito trabalho e já ơnhamos feito algumas pesquisas nas férias pa-
ra ter mais tempo para a parte práƟca do projeto.
Após a parte da pesquisa, escrevemos a história de um rapaz cha-
mado Onno, que não gostava de celular, mas gostava de uma garota
que vivia nas redes sociais e como ele não Ɵnha coragem de chegar
nela pessoalmente, decide comprar um smartphone para conversar
com ela. O roteiro mostrou como essa tecnologia ajudou o Onno a
conquistar a garota e enfocou como a internet pode unir ou sepa-
rar as pessoas.
Após a elaboração do roteiro Ɵvemos que procurar três atores
para começar a gravar o curta metragem, demos sorte de encontrar
atores em início de carreira que precisavam montar porƞólio e acei-
taram parƟcipar do nosso projeto sem cobrar um tostão. Depois de
resolvido esse problema, decidimos o figurino e onde seriam feitas
as cenas, dividimos as funções entre nós e eu sempre ficava respon-
sável em ajudar nos relatórios de produção. Foi um trabalho bem
puxado, mas no final deu tudo certo.
No dia da apresentação estávamos nervosos porque no TCC de
rádio ơnhamos sido muito criƟcados e também porque nossas famí-
lias e amigos estavam presentes na plateia. O professor Luciano su-
biu ao palco, apresentou dois professores que fariam parte da ban-
ca junto com ele e chamou nosso grupo para apresentar o nosso
trabalho. Meu amigo Rafael me levou para o palco, me sentou em
uma cadeira e começamos a falar sobre o nosso projeto, em segui-
da, exibimos o curta. Os professores nos elogiaram muito, dizendo
que nosso projeto Ɵnha ficado perfeito, mas a grande surpresa foi
quando o professor Luciano pegou o microfone e falou que queria
falar uma coisa para mim em púbico. Ele disse que eu havia evoluí-
do muito nos quatro anos de universidade e que, depois que ele me
conheceu, a palavra impossível não exisƟa mais no vocabulário de-

72 - Thales Freire Pagassini


le. Fiquei emocionado quando ouvi isso dele, mas como sou durão,
segurei o choro e fui assisƟr ao TCC do outro grupo com minha famí-
lia e os meus amigos na plateia.
Quando o outro grupo acabou de apresentar o TCC deles, Ɵve-
mos que subir novamente no palco para saber a nota. Rafael me le-
vou e ficou me segurando em pé do lado dos nossos amigos, o pro-
fessor começou a elogiar os dois trabalhos dizendo que ambos ha-
viam ficado perfeitos e que ambos Ɵnham Ɵrado 10!!! Quando ele
falou a nota, o Rafael ficou tão feliz que me levantou no ar e em se-
guida o pessoal veio nos abraçar e Ɵrar foto com a gente.
Aquela noite foi muito especial para mim, afinal depois de tan-
tos anos de luta, finalmente eu estava formado, mas ainda não ha-
via conseguido um trabalho e minha família e meus amigos falavam
para eu não parar de estudar. Eu queria conseguir um trabalho, en-
tão comecei a divulgar meu site em alguns grupos de produtoras
no Facebook, até que um dia um cara chamado Odemar entrou em
contato comigo, dizendo que havia gostado muito do meu site e que
gostaria de me dar trabalho para fazer em casa. Ele veio me conhe-
cer e explicou que fazia vídeos de casamentos e de festas de aniver-
sário, que iria deixar três vídeos para eu editar como teste e que se
ele gostasse, conseguiria um computador para eu trabalhar em ca-
sa. Eu editei os vídeos e ele achou que eu Ɵnha feeling para editar,
me daria umas dicas para melhorar os meus vídeos e ensinaria al-
gumas coisas, só que ele não teve tempo para vir conversar comigo.

Chegando à universidade sem as mãos - 73


Minha namorada, meu primeiro amor

Na Universidade e minha formatura.


Capítulo 6
2014-2015

Realizei meu sonho, me formei.


E agora?

C omo eu disse no capítulo anterior, minha família e amigos


diziam para eu conƟnuar estudando, mas eu estava em dú-
vida qual curso queria fazer. Alguns sugeriam pós-gradua-
ção, mas eu estava pensando em parar de estudar. Naquela época
abriu o curso de psicologia na USCS e como eu sempre Ɵve vonta-
de de fazer psicologia e queria trabalhar dando palestras moƟva-
cionais, pedi a opinião da minha Ɵa Regina e ela apoiou. Também
falei com meu sobrinho Jonas e ele adorou a ideia, mas exisƟam
pessoas que falavam que eu deveria fazer informáƟca e eu estava
em dúvida. Até pensei em ficar parado, mas meu amigo Marcel fa-
lava que eu teria bolsa integral por fazer parte do Diretório Central
dos Estudantes e que eu já era aluno de lá e por isso não precisa-
ria prestar outro vesƟbular.
E ele não queria me ver parado em casa. Eu ainda estava em
dúvida se deveria fazer, até o dia em que eu Ɵve que ir à universi-
dade para Ɵrar fotos de beca para a colação de grau. Cheguei mui-
to cedo para Ɵrar as fotos e pedi para me levarem na secretaria,
saber até que dia eu poderia fazer a matrícula para psicologia. A
moça falou que o prazo da matrícula já havia se encerrado e na
hora fiquei um pouco chateado, mas como ela me conhecia, pe-
diu para eu aguardar um minuƟnho para falar com o reitor e ver
se ele autorizava fazer a minha matrícula. O reitor autorizou, pas-
sei meus dados e foi feita toda papelada da matrícula. Cheguei
em casa e contei a novidade para minha Ɵa, que ficou toda con-
tente, afinal eu não ficaria em casa parado.
Além de estar feliz por ter conseguido me matricular em psi-
cologia, eu estava tão ansioso pela chegada da colação de grau

76 - Thales Freire Pagassini


do curso de Rádio e TV, que já comecei a convidar as pessoas. Du-
as semanas antes da formatura meu computador pegou um vírus e
Ɵve que mandar arrumar, fiquei uma semana sem poder acessar a
internet. Estava ficando com tédio de tanto ver TV e queria convi-
dar as pessoas para a formatura, então pedi para minha prima Cla-
ra entrar no Facebook e postar a data e o local. Eu quis mostrar mais
uma vez, nesse trecho, o quanto a tecnologia pode ajudar as pesso-
as com deficiência a terem contato social.
No dia da formatura eu estava muito feliz e ao mesmo tempo
chateado, porque queria que o meu avô e minha Ɵa subissem co-
migo na hora de pegar o diploma, afinal eles fizeram de tudo pa-
ra eu poder estudar. Mas meu avô conƟnuava acamado por con-
ta do AVC, então eu pedi para Ɵa Regina empurrar minha cadei-
ra de rodas na entrada dos formandos até o palco, onde fiquei as-
sisƟndo à cerimônia com os meus colegas da sala. Quando chegou
minha vez, pedi para Ɵa Regina e para meu amigo Marcel me leva-
rem andando. Foi emocionante, mas a grande surpresa foi na hora
em que o apresentador falou que iria fazer uma homenagem para a
avó de um aluno e quando ele disse que ela Ɵnha 88 anos, eu pen-
sei na minha avó. E ele chamou minha avó no palco, a organizado-
ra colocou um cesto de flores no meu colo e o Marcel me levou pa-
ra frente do palco, onde fiquei esperando por ela. Quando ela che-
gou, me deu um beijo no rosto, pegou o cesto de flores e nessa ho-
ra todos ficaram emocionados e não paravam de aplaudir. Confesso
que quase chorei, mas segurei e quando a cerimônia acabou e eu
desci do palco Ɵve outra surpresa: várias pessoas da minha família
estavam presentes e também duas meninas, a Rebeca e a Larissa,
que estudaram comigo no Ensino Médio e que não me viam desde
daquela época. Elas viram a postagem que minha prima colocou no
Facebook sobre minha formatura e fizeram questão de ir.
Fiquei muito feliz de ter conseguido me formar em Rádio e TV e
hoje estou no 2º semestre de Psicologia.
Percebo que no Brasil existe uma legislação muito boa para ga-
ranƟr os direitos das pessoas com deficiência, o problema é que as
leis não são cumpridas e muita gente não tem conhecimento dos
seus próprios direitos, deixando de conseguir coisas importantes
para sua vida. Mais uma vez eu digo: não deixe nunca de saber to-
dos os seus direitos e deveres como cidadão.

Chegando à universidade sem as mãos - 77


Capítulo 7
2014-2015

Conclusão dessas
pequenas vitórias da minha vida

E screvi este livro com objeƟvo de mostrar que as pessoas


com deficiência podem viver normalmente na sociedade,
desde que tenham apoio da família, amigos e de políƟcas
públicas que garantam acesso à educação, transporte adaptado
e inclusão no mercado de trabalho. Espero que esse livro possa
levar informações importantes sobre inclusão. Será sempre um
prazer solucionar dúvidas e ajudar você na sua trajetória tam-
bém, no final desse livro deixarei todos os meus contatos.
Mas, o mais importante, o próximo capítulo é um bônus sobre
os direitos e deveres das pessoas com deficiência para que você
consulte sempre que Ɵver uma dúvida.
Trata-se de um resumo, mas ainda assim tem informações va-
liosas que podem mudar o seu desƟno.
Gostaria de finalizar dizendo que não me arrependo de na-
da do que fiz, faria tudo de novo, mesmo sabendo de toda a di-
ficuldade que foi chegar até aqui, então agradeço cada pessoa
que me ajudou, sei que já fiz isso lá no começo do livro, mas mi-
nha graƟdão será eterna por vocês e agradecerei sempre que Ɵ-
ver a oportunidade.
Muito obrigado por chegar até aqui, muito obrigado por acre-
ditar na minha escrita, que os seus dias sejam diferentes depois
da leitura desse livro e que a palavra impossível nunca mais faça
parte da sua vida.
Um grande abraço e fique com Deus.
Thales Freire Pagassini

78 - Thales Freire Pagassini


Capítulo Bônus (I)

Direitos e Deveres
das pessoas com de iciência

N esse capítulo bônus do livro deixaremos registrado uma


carƟlha, original do anƟgo Projeto Muriki da Prefeitura
de Belo Horizonte, Minas Gerais. Nós a encontramos no
site exerciciodorespeito.com.br, de Maria Lúcia Pellegrinelli, fisio-
terapeuta e educadora inclusiva.
Para completar sugerimos a leitura da Lei Brasileira de Inclu-
são, Lei 13.146, de 06 de julho de 2015, também chamada de Es-
tatuto da Pessoa com Deficiência, que entrou em vigor em 02 de
janeiro de 2016.

Informações sobre leis e deveres das pessoas com deficiência:

CONCEITOS IMPORTANTES
Direito: “o que é justo, reto e conforme a lei. ” Os principais di-
reitos das pessoas com deficiência foram reconhecidos pela Cons-
Ɵtuição Federal de 1988, que fala da Seguridade Social.
Dever: é a obrigação moral ou legal de fazer algo. Quase sem-
pre é a contraparƟda do direito. Por exemplo, o Governo e a Fa-
mília têm o dever de fazer valer os direitos da criança e do ado-
lescente.
Deficiência: é todo e qualquer compromeƟmento que afeta
a integridade da pessoa e traz prejuízos na sua locomoção, coor-
denação de movimento, na fala, compreensão de informações,
orientação espacial ou percepção e contato com outras pessoas.

80 - Thales Freire Pagassini


Cidadania: é o direito de ter direitos e o dever de respeitar os di-
reitos dos outros.
PolíƟcas Públicas: são os programas e serviços gratuitos organi-
zados para atender os direitos da população. São decididas pelo go-
verno em parceria com a sociedade (nos conselhos) e executadas
pela Prefeitura, Governo Estadual e Governo Federal.
Poder Público: é a Prefeitura, o Governo Estadual ou o Federal.
É operado pelos governantes eleitos e pelos servidores públicos.

AS LEIS E OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


A ConsƟtuição Federal de 1988 abriu caminho para várias legis-
lações que afirmam a cidadania do povo brasileiro. Pela primeira
vez uma lei no país fala da Seguridade Social, que é a proteção so-
cial para quem contribui e também para quem não contribui com a
Previdência Social. Com isso ela tornou universal o direito à Saúde
e à Assistência Social.
A Lei Federal n. 7.853, de 24 de outubro de 1989 é a mais impor-
tante das legislações que tratam os direitos das pessoas com defici-
ência. Foi regulamentada pelo Decreto 3298, de 20/12/1999. Nes-
sas legislações encontramos a seguinte classificação das deficiências:
Deficiência Física – Alteração completa ou parcial de um ou
mais segmentos do corpo humano acarretando o compromeƟmen-
to da função İsica, apresentando-se sob a forma de paraplegia, pa-
raparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, tri-
plegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausên-
cia de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade con-
gênita ou adquirida, exceto as deformidades estéƟcas e as que não
produzam dificuldades para o desempenho de funções.
Deficiência Mental - Funcionamento intelectual significaƟva-
mente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e li-
mitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptaƟ-
vas como: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, uƟli-
zação da saúde e segurança, convivência, habilidades acadêmicas,
lazer, trabalho.
Deficiência Visual – Caracterizada por uma limitação no campo
visual. Pode variar de cegueira total à visão subnormal. Neste ca-

Chegando à universidade sem as mãos - 81


so, ocorre diminuição na percepção de cores e mais dificuldades de
adaptação à luz.
Deficiência AudiƟva – Perda total ou parcial da capacidade de
compreender a fala através do ouvido. Pode ser surdez leve, nesse
caso, a pessoa consegue se expressar oralmente e perceber a voz
humana com ou sem a uƟlização de um aparelho. Pode ser também
surdez profunda.
Deficiência MúlƟpla – Associação de duas ou mais deficiências.
Crimes previstos na Lei Federal n. 7853/89 praƟcados contra as
pessoas com deficiência:
a) recusar, suspender, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa,
inscrição do aluno em estabelecimento de ensino de qualquer cur-
so ou grau, público ou privado por ser uma pessoa com deficiência;
b) impedir o acesso a qualquer cargo público por ser uma pes-
soa com deficiência;
c) negar trabalho ou emprego por ser pessoa com deficiência;
d) recusar retardar ou dificultar a internação hospitalar ou dei-
xar de prestar assistência médico-hospitalar ou ambulatorial, quan-
do possível, a uma pessoa com deficiência.
- Como a pessoa com deficiência pode agir contra tais crimes?
Sempre que um direito for ameaçado ou violado o primeiro pas-
so é documentar tal ato. Por exemplo, se uma vaga é negada, de-
ve-se pedir a quem negou para colocar isso no papel e assinar. No
caso de ameaças ou violações de direitos de crianças e adolescen-
tes deve-se procurar o Conselho Tutelar e registrar a denúncia. Ou-
tro caminho é a JusƟça. Com as provas da violação qualquer pessoa
com mais de 18 anos pode apresentar representação diretamente
junto a uma delegacia de polícia ou diretamente junto ao Ministé-
rio Público Federal, ao Ministério Público Estadual e à Comissão de
Direitos Humanos da OAB.

OS PRINCIPAIS DIREITOS DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA
Convivência familiar e comunitária
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), a Lei 7853
e o Decreto 3298 de 1989 estabelecem que todas as crianças e to-

82 - Thales Freire Pagassini


dos os adolescentes inclusive os que têm deficiência devem convi-
ver com dignidade, respeito e liberdade com seus familiares e na
comunidade onde vivem. Para que isso seja assegurado, eles têm
direito a brincar, estudar, ser atendidos em enƟdades sociais e ser-
viços de saúde, na região onde moram.
Um dos mais importantes critérios para que isso aconteça tem
a ver com o direito de ir e vir, que está relacionado com acessibili-
dade. E o que é isso? É a possibilidade e a condição de alcance para
uƟlização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e
equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sis-
temas e meios de comunicação por pessoa com deficiência ou mo-
bilidade reduzida.

EDUCAÇÃO
A ConsƟtuição Federal em seu ArƟgo 205 diz que a Educação, di-
reito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e in-
cenƟvada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno de-
senvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício e sua quali-
ficação para o trabalho.
No ArƟgo 208 encontramos que o dever do Estado com a educa-
ção será efeƟvado mediante a garanƟa de:
(…) III – atendimento educacional especializado às pessoas com
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a
seis anos de idade.

ESPORTE, LAZER, CULTURA


Segundo o Programa de Ação Mundial para as pessoas com defi-
ciência (ONU, 2001), as oportunidades de frequentar aƟvidades re-
creaƟvas, restaurantes, praias, teatros, bibliotecas, cinemas, está-
dios esporƟvos, hotéis e outras formas de lazer devem ser para to-
dos os cidadãos. Precisam ser adotadas medidas para que as pesso-
as com deficiências possam ser moƟvadas a usufruir integralmente
desses serviços tendo acesso ainda às aƟvidades culturais (dança,
música, literatura, teatro e artes plásƟcas), uƟlizando ao máximo
suas qualidades criaƟvas, arơsƟcas e intelectuais em prol de si mes-
mas e da comunidade.

Chegando à universidade sem as mãos - 83


SAÚDE
A Lei Federal n. 7853/89 e o Decreto 3298 asseguram que a pes-
soa com deficiência (e seus pais em caso de criança) tem direito a re-
ceber informações médicas, inclusive sobre os cuidados que ela deve
ter consigo, notadamente no que se refere à questão do planejamen-
to familiar, doenças do metabolismo e seu diagnósƟco e ao encami-
nhamento precoce de outras doenças causadoras de deficiência.
- Existe lei que garanta a habilitação ou a reabilitação da pessoa
com deficiência?
Sim, conforme o art. 2º parágrafo único, alíneas “c” e “e” da
Lei Federal n. 7853/89; arƟgos 17, 18, 21 e 22 do Decreto Fede-
ral 3298/99 e arƟgo 89 da Lei Federal n. 8213 de 8 de dezembro de
1991, o Poder Público está obrigado a fornecer uma rede de servi-
ços especializados em habilitação e reabilitação, bem como garanƟr
o acesso nos estabelecimentos de saúde público e privado.
- E se a pessoa com deficiência não puder se dirigir pessoalmen-
te ao hospital ou posto de saúde?
É assegurado o direito a atendimento domiciliar de saúde pelo
arƟgo 2º, inciso II, alínea “e”, da Lei Federal n. 7853/89, e pelo arƟ-
go 16, inciso V, do Decreto Federal n. 3298/99, à pessoa com defi-
ciência İsica grave.
- A pessoa com deficiência tem direito a instrumentos que o au-
xiliem a superar suas limitações İsicas?
Sim, conforme os arƟgos 18,19 e 20 do Decreto 3298/99 a pes-
soa com deficiência tem direito a obter, gratuitamente, órteses e
próteses (audiƟvas, visuais e İsicas) junto às autoridades de saúde
(federais, estaduais ou municipais) a fim de compensar suas limita-
ções nas funções motoras, sensoriais ou mentais.
- Existe também o direito a medicamentos?
Sim, o Poder Público está obrigado a fornecer gratuitamente
medicamentos necessários para o tratamento da pessoa com de-
ficiência. Se não for fornecido deve-se procurar um advogado ou a
Defensoria Pública, pois a JusƟça constantemente dá ganho de cau-
sa nessas ações.
- Que providências podem ser tomadas em caso de a deficiência
ocorrer por erro médico?

84 - Thales Freire Pagassini


O cidadão deve procurar um advogado e a Promotoria de JusƟ-
ça do Erro Médico. Ele poderá requerer o tratamento e, inclusive,
uma indenização se ficar comprovado o erro.
- Qual o direito da pessoa com deficiência internada em insƟtui-
ção hospitalar?
É assegurado pelo arƟgo 26, do Decreto n. 3298/99 o atendi-
mento pedagógico à pessoa com deficiência internada em insƟtui-
ção por prazo igual ou superior a um ano, com o intuito de assegu-
rar sua inclusão ou manutenção no processo educacional.
- A pessoa com deficiência tem direito a desfrutar de plano de
saúde para tratamento de sua deficiência?
Sim, conforme o arƟgo 14 da Lei Federal n. 9656/98 de 03/06/
1998, não pode haver impedimento de parƟcipação nos planos ou
seguros privados de assistência à saúde à pessoa com deficiência.

TRABALHO
- Quais são os direitos das pessoas com deficiência no que se re-
fere aos concursos públicos (sociedade de economia mista, autar-
quias, fundações públicas e também União, Estados, Municípios e
Distrito Federal)?
Há vários aspectos a serem considerados:
1. A Lei Federal n. 8112, de 11 de dezembro de 1990, art. 5º, re-
serva um percentual de cargos e empregos públicos para as pesso-
as com deficiência e define os critérios para sua admissão.
2. Em concursos públicos federais (no âmbito da Administração
Pública Federal, ou seja, empresas públicas federais, sociedades de
economia mista pública, autarquias federais, fundações públicas fe-
derais e também a própria União) até 20% das vagas são reserva-
das às pessoas com deficiência. Este percentual não é o mesmo pa-
ra cada estado, município ou para o Distrito Federal, porque é a lei
de cada uma dessas enƟdades que irá estabelecer o percentual de
quotas de admissão para as pessoas com deficiência. Por exemplo,
no Estado de Minas Gerais, ConsƟtuição Estadual, art. 28 e a Lei Es-
tadual n. 11867 de 28 de julho de 1995, tal percentual é de 10%
3. Pessoas com deficiência têm preferência ante os demais, ca-
so aprovado no concurso, independentemente de sua classificação.

Chegando à universidade sem as mãos - 85


4. Caso nenhuma pessoa com deficiência seja aprovada em um
concurso, desconsideram-se as vagas reservadas para eles.
- O que acontece quanto ao trabalho em empresa privada?
A lei Federal n. 8213/91, art. 93, prevê proibição de qualquer ato
discriminatório no tocante a salário ou critério de admissão do em-
prego em virtude de ter a deficiência.
A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a
preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilita-
dos ou pessoas com deficiência, habilitadas. O percentual a ser apli-
cado é sempre de acordo com o número total de empregados das
empresas, dessa forma:
1. Até 200 empregados – 2%
2. De 201 a 500 – 3%
3. De 501 a 1000 – 4%
4. De 1001 em diante – 5%
- Toda pessoa com deficiência tem direito a reserva de vagas em
concursos públicos ou em empresas privadas?
Não, nem todas as quotas de reserva de empregos desƟnam-
-se a qualquer pessoa com deficiência, mas sim se desƟnam aos
que estejam habilitados ou reabilitados, ou seja, que tenham con-
dições efeƟvas de exercer determinados cargos. É preciso, então,
que apresentem nível suficiente de desenvolvimento profissional
para ingresso e reingresso no mercado de trabalho e parƟcipação
na vida comunitária.
- O que é habilitação e reabilitação?
É o processo que permite à pessoa com deficiência adquirir de-
senvolvimento conforme o art. 89 da Lei Federal n. 8213/91, art.
17, 18, 21 e 22 do Decreto n. 3298/99 e Ordem de Serviço n. 90
do Ministério da Saúde e Previdência Social. Para maiores informa-
ções sobre colocação e recolocação no mercado de trabalho deve-
-se procurar a Delegacia Regional do Trabalho e/ou a CAADE.
- Como fica a jornada de trabalho para o responsável com os cui-
dados com a pessoa com deficiência?
Fica o Poder Público autorizado a reduzir para 20 (vinte) horas
semanais a jornada de trabalho do servidor público estadual le-
galmente responsável pela pessoa com deficiência em tratamen-

86 - Thales Freire Pagassini


to especializado. Tal beneİcio é concedido por seis meses poden-
do ser renovado por igual período de acordo com a necessidade
(art. 1º. e 3º. da Lei Estadual n. 9401 de 18 de dezembro de 1986.
(Minas Gerais).

Chegando à universidade sem as mãos - 87


Capítulo Bônus (II)
2016 ao futuro

Encerramento.
O caminho até aqui

T udo o que eu vou relatar surgiu por me lembrar de uma pa-


rábola muito legal sobre um menino e algumas estrelas do
mar, que transcrevo a seguir para que todos tomem ciência:
“Certo dia, caminhando na praia, um escritor viu um vulto que
parecia dançar. Ao chegar perto reparou tratar-se de um jovem
que recolhia estrelas-do-mar da areia para, uma por uma, jogá-las
novamente de volta ao oceano.
“- Por que está fazendo isso?”- perguntou o escritor.
“- Você não vê!?” - Explicou o jovem – “A maré está baixa e
o Sol está brilhando. Elas irão secar e morrer se ficarem aqui na
areia”.
O escritor espantou-se.
“- Meu jovem, existem milhares de quilômetros de praias por
este mundo afora e centenas de milhares de estrelas-do-mar es-
palhadas pela praia. Que diferença faz? Você joga umas poucas
de volta ao oceano, mas maioria vai perecer de qualquer forma. ”
O jovem pegou mais uma estrela na praia, jogou-a de volta ao
oceano e olhou para o escritor.
“- Para essa aqui eu fiz a diferença...”.
Essa foi minha decisão naquele momento: na vida do Thales
eu poderia fazer diferença. Para completar, descreverei, de forma
simples e agradável, o caminho até a realização desse sonho.

88 - Thales Freire Pagassini


No dia 14 de maio de 2016 fui a uma reunião na universidade
que trataria do projeto USCS Empreender, do qual eu faço parte, e
nesse dia discuƟríamos nossos projetos, também seriam apresenta-
dos os novos parƟcipantes, e a certa altura da reunião entra na sala
um rapaz “cadeirante” que, até aquele momento, eu só conhecia de
vista por estudar na mesma universidade.
Na hora fiquei muito feliz, pois sabia que ele Ɵnha um Ɵpo de pa-
ralisia cerebral, mas também já sabia que a parte cogniƟva estava in-
tacta e que Thales era muito inteligente.
Quando chegou a vez do Thales se apresentar, sua Ɵa Regina foi
traduzindo o que ele dizia: O Thales se inscreveu nesse projeto por-
que ele escreveu um livreto e o sonho dele é publicar esse livreto pa-
ra ajudar o maior número possível de pessoas.
Pronto, para mim já era o suficiente! Como na parábola citada,
mais uma vez pensei: “Eu não posso mudar todo o mundo nesse
momento, mas eu posso ajudar na vida do Thales”.
Então, sem falar a ninguém, eu consegui com uma amiga em co-
mum chamada Nathalia Araújo todos os contatos do Thales e tam-
bém a primeira versão do livreto que hoje se transformou nesse li-
vro que você está lendo.
Quando a Nathalia conseguiu tudo isso já era dia 24 de maio e
eu ainda não Ɵnha contado a ideia para ninguém. Mas foi então que
busquei a ajuda de um grande amigo, que é o editor desse livro, Ro-
gerio Lubk. Expliquei a ele todo o projeto e ele devolveu explicando
o que precisaria fazer para contratar os profissionais certos a preço
de custo, pois era um projeto social que iria ajudar muitas pessoas.
Enfim, sem ele, esse projeto também não exisƟria.
Já Ɵnha o arquivo, já Ɵnha o editor, já Ɵnha a vontade de aju-
dar o próximo e só faltava a receita (dinheiro). Onde arrumaria
no mínimo R$ 5.000,00 para realizar o sonho do Thales? Foi en-
tão que criei a vaquinha com o nome “O sonho do Thales” no dia
22/06/2016, ou seja, mais de 30 dias antes de tudo isso, conver-
sando com o maior número de pessoas para saber se tudo que eu
planejava era possível.
E realmente era, ainda mais quando se faz de coração.
Então a “Vakinha” começou com uma pequena doação minha,
eu Ɵnha que estrear! E eu oferecia o livro digital para quem doasse

Chegando à universidade sem as mãos - 89


determinado valor, o livro İsico para quem doasse um valor maior
e a cereja do bolo era um processo de coaching inteiramente gráƟs
comigo para a maior doação.
Nesse período de incessantes publicações em mais de 20 grupos
no Facebook Ɵvemos que remodelar o livro, adaptá-lo com uma es-
crita fácil e gostosa de ler, o Thales teve que escrever as dedicató-
rias, o encerramento, aprovar capa e mais um milhão de tarefas. E
ele inabalável quanto aos detalhes, com sua dedicação incrível, cor-
rendo atrás do sonho dia após dia. Aliás, antes mesmo da “Vakinha”
começar a receber doações o livro já estava em andamento, tal era
nossa fé de que seria realizado.
Uma parte bem legal foi juntar as fotos do livro: o Thales escolheu
todas e ficou incrível. Fomos evoluindo, sempre nos comunicando,
eu, Thales e Lubk, até que a meta foi aƟngida em 12/09/2016, dez
dias antes do encerramento da “Vakinha”, com uma arrecadação to-
tal de R$ 5.380,00. Os R$ 380,00 além do valor pedido foi providen-
cial, pois cobria os custos do site e assim ơnhamos o valor pretendi-
do sem desconto.
Pronto: dia 22/09/2016 foi o dia oficial. O rascunho foi para sua
segunda revisão e agora serão longos 60 dias com inúmeras provas,
revisões externas, criação de capa, diagramação, registros e afins.
Fossem 1.000 dias eu faria tudo de novo!
Abaixo gostaria de deixar registrado alguns textos de pessoas
que contribuíram com a Vakinha e deixaram um recado especial pa-
ra o Thales e que não poderiam ficar de fora de um capitulo com o
nome de “O caminho até aqui”, já que é uma parte mais que impor-
tante para a realização do projeto.
Eis algumas mensagens:
Têneli Müller: Que esse seja o primeiro passo para a realização
do sonho do Thales, o meu muito obrigado a cada um que irá con-
tribuir!!!!!!!!!!!!!
Priscila Rondini Müller: O Livro já é um sucesso, quero o meu
com autografo!!!! Beijos.
Claudio Rondini Junior: É pouco, mas é de coração!
Roberto De Oliveira: Thales, desejo-lhe todo o sucesso do mun-
do, foi um grande prazer e alegria poder fazer parte de sua linda his-
tória de superação, abraços.

90 - Thales Freire Pagassini


Sueli Ribeiro da Silva Zamproni: O mundo precisa de pessoas
como você!
Eliane Jaqueline Metzner: É isso aí, garoto! Você é um guerreiro!
Que Deus te ilumine sempre! Erico Metzner.
Edson Luis de Souza: Opa! Mandei uma pequena contribuição,
mas foi de coração! Espero que o Thales consiga aƟngir o seu objeƟ-
vo o quanto antes. É isso aí!!! Parabéns pelo projeto e muito suces-
so a todos.
Wilker C. MarƟns: Thales, Bom dia! Sou Wilker MarƟns do USCS
Empreender. Desejo sucesso na sua vida, torço muito por você e ad-
miro a sua história. Atenciosamente, Wilker MarƟns.
Mariana BonoƩo: Thales, te desejo sucesso! Mais do que você
já tem! Minha pequena contribuição é de um coração que te admi-
ra muito!!
Murilo Kugler: Vai prá cima, Thales! Você é “zika, mlk”!!
Moema Borba: Boa sorte!
Wagner Campos: Sucesso!
Karla Almeida: Você vai conseguir! Assim como as outras barrei-
ras essa também cairá! ;)
Marcio Tondin: Sucesso!!
Luiz Fernando Milani: Boa sorte! Vai dar tudo certo!!
Taty/Renato/RenaƟnha/Carol: Thales, que Deus possa conduzir
seus passos. Temos muito orgulho de você e a certeza que consegui-
rá realizar seus sonhos. Que Deus conƟnue abençoando sua vida. Ta-
ty/Renato/RenaƟnha/Carol.
Maria Leonor Jaenes Marcilio: Thales, conheço você desde que
nasceu só de ouvir esse anjo que é a sua Ɵa Regina Clara falar de vo-
cê. Assim posso dizer que conheço um pouco a sua história. Você
surpreende a todos. É exemplo de superação, de determinação, de
força de vontade e fé. Você já é um vencedor. É certo que o livro já
é sucesso e será muito mais. Você é um anjo. Deus te abençoe ain-
da mais. Beijos.
Bianca Pasquim: Que você realize o seu sonho e jamais desista!!
Boa sorte e sucesso.
Karla Bernardo: Thales, estamos aguardando a publicação do
seu livro!!! Será um sucesso!!!

Chegando à universidade sem as mãos - 91


Vinicius da Silva de Oliveira: Bonito exemplo, Thales! Serve co-
mo moƟvação para a gente. Espero que seja um sucesso o livro!
Deus lhe abençoe.
Murilo Lopes Sanches: Thales, que esse seja o primeiro de mui-
tos! Sucesso.
Marcia Yanikian: Thales querido, não te conheço pessoalmente,
mas pude perceber o quão maravilhoso você é! Parabéns por to-
das as suas conquistas! ConƟnue sempre avançando e conquistan-
do! Que Deus conƟnue te abençoando e capacitando. Meu desejo e
oração é que esse seja o primeiro de muitos livros. Quero ver seu li-
vro best seller! Grande abraço, fica na Paz de Cristo!
Magali de Cassia Rosolem: Thales, fiquei feliz ao te reencontrar e
em busca do seu sonho. Lembro de você pequeno, quando ia à APAE
com sua saudosa mãe. Desejo todo sucesso para você e que Deus
conƟnue te amparando sempre. Um abraço.
Wladimir: Siga em frente, vá atrás de seus sonhos.
Cleide: Muito sucesso! Que Deus abençoe essa causa!
Adriana Ruani Rezzachi: Fiquei muito feliz em poder ajudar no
seu sonho! Desejo-te muito sucesso. Felicidades. Abraço.
Tabata Leite Fulep: Thales, você me deixou emocionada, um
exemplo de força e muita coragem. Obrigada por comparƟlhar sua
história conosco. E tenho certeza que seu livro será um sucesso! Uni-
dos somos mais fortes. Que Deus te abençoe infinitamente e que
você consiga realizar todos os seus sonhos. Um grande beijo!
Sueli Aparecida Fornaziero: O Thales é uma benção na vida das
pessoas que o cercam. Quem doou o dinheiro foi o Belwin Sing, na-
morado da filha Bruna Fornaziero, ambos estão na Austrália. E ela
tem quase a mesma idade que o Thales e sabe o esforço que ele
sempre fez para chegar a esse momento na sua vida. Thales, espero
que o seu sonho vire realidade o mais breve possível. Beijo carinho-
so! Sueli Fornaziero.
José Eduardo Garcia de Souza: Olá, meu amigo!!! Que essa pe-
quena contribuição possa lhe ajudar na realização de seu sonho!!!
Abraços, Prof. J. Eduardo.
Daniel Freire da Cruz: Fala, Thalinho OHHHHHHHH... Aquele
Abraço... Que você alcance seu objeƟvo. Deus te Abençoe.

92 - Thales Freire Pagassini


Fora todo valor arrecadado na “Vakinha”, acho impressionante
o tanto de carinho que acumulamos após todas as etapas. O Tha-
les gravou um vídeo comemorando a vitória e agradecendo a to-
dos pela ajuda, foi então que surgiram mais um monte de comen-
tários incríveis que não poderiam ficar de fora. Seguem os comen-
tários transcritos exatamente como foram escritos e enviados pelos
seus autores:

Ana Maria Severino Silva: Você merece, Thales! Fico muito fe-
liz por você ter conseguido. Com certeza estaremos juntos no lança-
mento. Bjs a todos.
J. Eduardo Souza: Uhuu... Thales!!! A vitória é sua!!! Todo traba-
lho, dedicação e empenho só poderiam lhe render frutos bons!!! E
isso é apenas o começo!!! Parabéns!!!
Jéssica Leite Sabará: Parabéns Thales Freire Pagassini, eu não Ɵ-
nha dúvidas de que você iria conseguir. Você é muito focado e inteli-
gente. Com certeza vou te presƟgiar no lançamento. Beijos.
Vera Lúcia Calegare: Thales, eu estava viajando e não vi suas
postagens anteriores. O que você irá fazer? Sei que você é o cara e
com certeza irá realizar algum projeto. Vou procurar me informar.
Sds! Bjs
Victor Castro: Aeeeeeeeee! Parabéns Thales!
Murilo Sanches: Renata Jorge AlimenƟ deu certo! Muito obriga-
do pela força.
Dani CasƩro: Parabéns Thales.
Murilo Sanches: Agora é só pensar no próximo Thales! Sucesso
Hermínio De Almeida Dias: Boa noite amigão
Silvana Gramignoli: Parabéns Thales
Roberta Pontes: Parabéns, querido amigo!! Todo sucesso pra
vc!! Vc merece!!!
Daniela Fogagnoli de Souza: Que legal Thales Freire Pagassini, fi-
co muito feliz. Bjs
Mariangela Santos Gonçalves: Thales, olá. Acho que vc lembra
de mim, nossa quanto tempo hein? Mas parabéns pela sua supera-
ção, vc realmente é muito especial! Gde bju

Chegando à universidade sem as mãos - 93


Luiz Milani: Parabéns, Thales! Parabéns, Têneli! Sugiro fazermos
um evento para o lançamento do seu livro
Mariana BonoƩo: Você conseguiu? Que máximo! Fiquei superfe-
liz!!! Sucesso!! Quero te ver famoso!!
Simone Garcia: Uhuuuuuuuuuu
Silvia Almeida: Vc sempre foi vencedor. Parabéns! Deus abençoe!
Fernando Pereira Gomes: Parabéns.
Maga Cassia: Parabéns!! O lançamento será um sucesso!! Fico
aguardando a data. Vc é mais que vitorioso!!
Juliano Balbis Garcia: Thales Freire Pagassini. Parabéns por ser
este exemplo. ConƟnue em frente, sempre acreditando em DEUS e
seus projetos já darão certo. Abraços!!! DEUS abençoe você e sua
família.
Thales Freire Pagassini: muito obrigado pessoal

Hoje, 22 de setembro de 2016, encerrou-se a ‘Vakinha” do Tha-


les. Tudo deu muito certo, toda correria valeu a pena, todo esforço
será recompensado, enfim, ajudaria quantos Thales exisƟssem no
meu caminho.
Que essa mensagem lhes sirva de algo, que seus dias sejam tão
incríveis quanto os meus, muita paz e luz a todos!
Fiquem com Deus, Namastê.
Têneli Müller

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Editora
São Paulo, SP
Editor Responsável: Rogerio Lubk
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