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Ciência & Saúde Coletiva

ISSN: 1413-8123
cecilia@claves.fiocruz.br
Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva
Brasil

Ribeiro Hermes, Hélida; Arruda Lamarca, Isabel Cristina


Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde
Ciência & Saúde Coletiva, vol. 18, núm. 9, septiembre-, 2013, pp. 2577-2588
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Rio de Janeiro, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=63028227012

Como citar este artigo


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2577

ARTIGO ARTICLE
Cuidados paliativos:
uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde

Palliative care:
an approach based on the professional health categories

Hélida Ribeiro Hermes 1


Isabel Cristina Arruda Lamarca 1

Abstract Palliative care has emerged as a human- Resumo O Cuidado Paliativo surge como uma
itarian philosophy of caring for terminally ill pa- filosofia humanitária de cuidar de pacientes em
tients, alleviating their pain and suffering. This estado terminal, aliviando a sua dor e o sofrimen-
care involves the action of an interdisciplinary to. Estes cuidados prevêem a ação de uma equipe
team, in which all the professional recognize the interdisciplinar, onde cada profissional reconhe-
limits of their performance will help the terminal- cendo o limite da sua atuação contribuirá para
ly ill patient to die with dignity. This article deals que o paciente, em estado terminal, tenha digni-
with the issue of death and dying, both from the dade na sua morte. Este artigo trata a questão da
traditional and the contemporary standpoint, and morte e do morrer, tanto na visão tradicional como
how palliative care have been treated in the job na contemporaneidade, e como o cuidado paliati-
categories of medicine, social work, psychology and vo tem sido tratado nas categorias de trabalho de
nursing. The methodology of this study consists of medicina, serviço social, psicologia e enfermagem.
a literature review of articles in the SciELO data- A metodologia deste trabalho consiste na revisão
base, electronic journals and technical books re- bibliográfica de artigos localizados na base de da-
lated to the topic. Analysis of the articles revealed dos Scielo, revistas eletrônicas e livros técnicos re-
a shortage of subjects that deal with the theme of lacionados com o tema. A análise dos artigos apon-
death in professional curricula, as well as few pal- tou para uma carência de disciplinas que tratem
liative care services in Brazilian society and bar- da temática da morte nos currículos profissionais,
riers faced by this new approach to the terminal para poucos serviços de cuidados paliativos na so-
patient. This research aims to broaden the discus- ciedade brasileira e para barreiras que se colocam
sion of palliative care in public health, and pro- a esse novo olhar ao paciente terminal. Esta pes-
vide information for future studies that will ad- quisa visa ampliar a discussão dos cuidados palia-
dress the theme. tivos na saúde pública, e fornecer subsídios a futu-
Key words Death, Palliative care, Humanizati- ros estudos que tratarão da temática.
on, Interdisciplinary team Palavras-chave Morte, Cuidado paliativo, Hu-
1
Departamento de Ciências
manização, Equipe interdisciplinar
Sociais, Escola Nacional de
Saúde Pública, Fiocruz. R.
Leopoldo Bulhões
1480/923, Manguinhos.
21.041-210 Rio de Janeiro
RJ. helidaribei@hotmail.com
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Hermes HR, Lamarca ICA

Introdução que a morte, na maioria das vezes, já não é um


episódio e sim um processo, às vezes até prolon-
O termo “cuidados paliativos” é utilizado para gado, demorando anos e até mesmo décadas
designar a ação de uma equipe multiprofissional dependendo da enfermidade³.
à pacientes fora de possibilidades terapêuticas de Estudos do IBGE4 mostram que entre 1901 e
cura. A palavra “paliativa” é originada do latim 2000, a população brasileira passou de 17,4 para
palliun que significa manto, proteção, ou seja, 169,6 milhões de pessoas, e a expectativa de vida
proteger aqueles em que a medicina curativa já de um homem brasileiro subiu dos 33,4 anos em
não mais acolhe. Segundo o Manual dos Cuida- 1910 para os 64,8 anos em 2000. Entretanto, jun-
dos Paliativos1, a origem do mesmo se confunde to com o prolongamento da vida, os profissio-
historicamente com o termo “hospice” - abrigos nais de saúde começaram a perceber que mesmo
que tinham a função de cuidar dos viajantes e não havendo cura, há uma possibilidade de aten-
peregrinos doentes. Essas instituições eram man- dimento, com ênfase na qualidade de vida e cui-
tidas por religiosos cristãos dentro de uma pers- dados aos pacientes, por meio de assistência in-
pectiva caridosa. terdisciplinar, e da abordagem aos familiares que
O movimento hospice contemporâneo foi compartilham deste processo e do momento fi-
introduzido pela inglesa Cicely Saunders em 1967, nal da vida – os cuidados paliativos.
com a fundação do Saint Christopher Hospice, Assim, ao mesmo tempo em que os cuidados
no Reino Unido. Essa instituição prestava assis- paliativos são recentes no país, e desconhecidos
tência integral ao paciente desde o controle dos por um grande contingente de profissionais que
sintomas até alívio da dor e sofrimento psicoló- trabalham com pacientes em fase terminal, algu-
gico. A partir de então surge uma nova filosofia mas questões se colocam: como as categorias
no cuidar dos pacientes terminais. profissionais de medicina, enfermagem, psicolo-
Os Cuidados Paliativos foram definidos pela gia e serviço social estão pensando o cuidado
Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1990, paliativo? Quais os aspectos que estão sendo abor-
e redefinidos em 2002, como sendo uma aborda- dados? Quais as ações desenvolvidas por cada
gem que aprimora a qualidade de vida, dos pacien- categoria profissional sobre o termo? Há con-
tes e famílias que enfrentam problemas associados vergência entre os profissionais em relação à uti-
com doenças, através da prevenção e alívio do so- lização do conceito?
frimento, por meio de identificação precoce, avali- Este artigo tem como objetivo analisar como
ação correta e tratamento da dor, e outros proble- as categorias profissionais descritas acima, estão
mas de ordem física, psicossocial e espiritual1. abordando os cuidados paliativos. Para isso foi
Seus princípios incluem: reafirmar a impor- realizada a revisão da literatura de artigos científi-
tância da vida, considerando a morte como um cos, extraídos nas bases de dados Scielo (Scientific
processo natural; estabelecer um cuidado que não Eletronic Library Online), no período compreen-
acelere a chegada da morte, nem a prolongue com dido entre 2000 e 2011. Os descritores utilizados
medidas desproporcionais (obstinação terapêu- foram: cuidados paliativos; cuidados paliativos e
tica); propiciar alívio da dor e de outros sinto- equipe interdisciplinar (médico, assistente social,
mas penosos; integrar os aspectos psicológicos e psicólogo, enfermeiro). Os artigos foram selecio-
espirituais na estratégia do cuidado; oferecer um nados após analise de título, do resumo e do con-
sistema de apoio à família para que ela possa teúdo, e classificados em quatro grupos, corres-
enfrentar a doença do paciente e sobreviver ao pondendo às categorias profissionais escolhidas
período de luto². para a análise, como mostra o Quadro 1.
Devem reunir as habilidades de uma equipe A escolha das categorias profissionais se justi-
interdisciplinar para ajudar o paciente a adap- fica por serem as mais próximas à abordagem
tar-se às mudanças de vida impostas pela doen- dos cuidados paliativos, uma vez que estão em
ça, pela dor, e promover a reflexão necessária contato direto com os pacientes e seus familiares.
para o enfrentamento desta condição de ameaça Muitos artigos encontrados no levantamen-
à vida para pacientes e familiares¹. to bibliográfico foram descartados, por não con-
O processo de viver se prolongou de uma terem as informações necessárias para respon-
forma exponencial nas últimas décadas, devido der as questões propostas neste trabalho, mes-
às inovações tecnológicas que impactaram no mo tendo os mesmos descritores propostos pela
aumento da sobrevida, e isto nos faz perceber pesquisa.
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Quadro 1. Artigos selecionados por categorias profissionais.
Categoria Título do artigo Autor Ano de
publicação

Psicologia e ética em Cuidados Paliativos Castro5 2001


Psicologia Hospitalar e Cuidados paliativos Porto e Lustosa6 2010
Propostas desenvolvidas em um Hospital Amparador - Othero e Costa7 2007
Psicologia Terapia Ocupacional e Psicologia
Alunos de Psicologia e educação para a morte Junqueira e Kovacs8 2008
O papel do psicólogo na equipe de cuidados paliativos Ferreira et al.9 2001
junto ao paciente com câncer

Sida e cuidados paliativos Chaves10 2008


Crianças e adolescentes em cuidados paliativos Silva11 2010
oncológicos:: a intervenção do Serviço Social junto às
suas famílias
Serviço A atuação do Serviço Social junto a pacientes Simão et al.12 2010
Social terminais: breves considerações
Alta Social: a atuação do assistente social em cuidados Sodré3 2002
paliativos
A atuação do serviço social em cuidados paliativos Andrade13 2009

Paciente terminal e médico capacitado: parceria pela Souza e Lemonica14 2003


qualidade de vida
O médico diante da morte Aleluia e Peixinho15 2002
Medicina Morte enfrentamento: Um olhar para a prática médica Salgado et al.16 2009
A terminalidade da vida e os cuidados paliativos no Figueiredo17 2005
Brasil: considerações e perspectivas
O Papel do médico em cuidados paliativos Consolim18 2009

Sistematização da assistência de enfermagem em Silva e Moreira19 2011


cuidados paliativos na oncologia: visão dos enfermeiros
O enfermeiro frente ao paciente fora de possibilidade Furtado et al.20 2011
terapêutica: dignidade e qualidade no processo de
Enfermagem morrer
Reações e sentimentos de profissionais da enfermagem Mota et al.21 2011
frente à morte dos pacientes sob seus cuidados
Cuidados paliativos aos pacientes terminais: percepção Santana et al.22 2009
da equipe de enfermagem
Cuidados paliativos à criança oncológica na situação do Avanci et al.23 2009
viver/morrer: a ótica do cuidar em enfermagem
Fonte: Elaboração própria.

Morte: da visão tradicional morte tem deixado de ser um episódio para se


à visão contemporânea tornar um processo3. De acordo com Ariès24 a
morte na idade média era vista como natural e
Falar sobre a morte sempre foi um tema in- justa. O doente era o protagonista da cena e, nos
cômodo para muitas pessoas, tendo em vista os momentos que precediam a sua morte, era de
mistérios e tabus que envolvem o assunto. Po- fundamental importância que os amigos e fami-
rém “o morrer” vem se transformando com o liares, incluindo crianças, estivessem presentes.
decorrer do tempo. Com as tecnologias cada vez Dessa forma, poderia pedir perdão aqueles que
mais avançadas é possível retardar, atenuar, di- o rodeava e assim considerava-se preparado para
minuir a dor do indivíduo terminal. Ou seja, a morrer.
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Para Ariès24 durante os séculos XVI, XVII e Enquanto no modelo da morte moderna, “a
XVIII, a morte foi caracterizada de maneira dife- morte é, tanto para o médico como para o hos-
rente. O homem começa a pensar mais na morte pital, antes de tudo, um fracasso”25, no modelo
do outro, em virtude das transformações que contemporâneo da boa morte, a equipe de saúde
ocorrem na concepção de família, a qual passa a a compreende de modo distinto e, consequente-
ser mais fundada no afeto. A morte passa a ser mente, busca posicionar-se de nova forma. A
encarada como inimiga, como uma violação que proposta dos profissionais consiste em assistir o
arranca o indivíduo do seu seio familiar. paciente até seus últimos momentos, buscando
Ariès24, em seus estudos sobre a morte no minimizar, tanto quanto possível, sua dor e des-
ocidente, afirma que há uma mudança na forma conforto, e dar suporte emocional e espiritual a
de encarar esse fenômeno. No século XIX a mor- seus familiares25.
te era vista como transgressão ao afeto e à união, Para Floriani e Schramm26, o conceito de boa
ao tirar o homem de sua vida cotidiana, o que morte tem sido empregado em cenários que re-
gerava sentimento de melancolia nos familiares. querem certas características, como a morte sem
Já no século XX a morte deve ser escondida a dor, de acordo com os desejos do paciente, no
qualquer custo. O luto neste período é cada vez ambiente familiar, sem sofrimentos e em um
mais discreto, e as formalidades para enterrar o ambiente de harmonia. Os autores mencionam
corpo são cumpridas rapidamente, como se hou- que essa pode ser uma situação difícil quando
vesse uma ânsia por fazer desaparecer e esquecer há, por parte da equipe que acompanha o paci-
tudo o que pode restar do corpo. O indivíduo ente, uma postura mais rígida quanto aos co-
que antes morria junto aos seus familiares, pas- nhecimentos teóricos que baseiam as ações em
sa a morrer em centros médicos, compreendidos cuidados paliativos. Para eles, a alta tecnologia e
como os locais mais apropriados. os cuidados paliativos não deveriam ser vistos
Se antes o indivíduo morria rodeado de ami- como práticas contraditórias.
gos e familiares – um episódio público – agora A filosofia da morte contemporânea é mar-
morre só, internado, em unidades de terapia in- cada pelo empenho dos profissionais em tornar
tensiva, invadido por tubos, cercado por apare- o fim da vida do paciente em um momento dig-
lhos. Esse modelo de morte, como afirma Mene- no, em assisti-lo até seu último suspiro, dar voz
zes25 é denominado morte moderna, que vem ao mesmo, permitir escolhas, principalmente do
acompanhado de um profundo processo de des- lugar onde deseja morrer.
personalização dos internados em hospitais, o Menezes25 aponta que a morte contemporâ-
crescente poder médico e a desumanização dos nea deve acontecer da maneira mais natural pos-
pacientes. sível. Da mesma forma que o parto, onde a par-
Menezes25 considera que o processo de medi- turiente se prepara para dar à luz e existem exer-
calização social teria surgido no século XIX, e se cícios para diminuir a ansiedade, assim também
desenvolvido no século XX, onde foram criados deve ser o paciente diante da morte, e nesses ca-
vários recursos para manutenção da vida. Entre sos a família é de real importância. Quando o
eles estão: os pulmões de aço, respiradores artifi- indivíduo decide morrer no seu próprio lar, os
ciais, desfibriladores, monitores de funções cor- profissionais de saúde consideram os familiares
porais, aparelhos de diálise, afora as estruturas como membros da equipe de cuidados paliati-
institucionais e arquiteturas hospitalares que vos, pois os mesmos auxiliarão a equipe nos cui-
passavam por mudanças, com a criação das Uni- dados com o paciente.
dades de Terapia Intensivas, centro de tratamen- A filosofia da morte contemporânea ainda é
to para queimados, aparelhagem moderna e equi- recente, e será necessário um bom tempo para se
pes altamente especializadas. estruturar, não somente na sociedade brasileira,
Com isso, o homem moderno vive como se mas no mundo como um todo, tendo em vista a
jamais fosse morrer, e a morte se torna algo dis- dificuldade para o ser humano lidar com um as-
tante. Isto acontece devido ao avanço das tecno- sunto que, mais cedo ou mais tarde, passará tam-
logias, dos estudos genéticos, da biomedicina, o bém por ele. Em contrapartida, percebe-se tam-
ideário de culto ao corpo, excesso de atividades bém que já existe uma preocupação do estudo
físicas, a juventude sendo buscada a qualquer do assunto na sociedade brasileira e no mundo
custo, que traz a percepção de que a vida se pro- visto que há um envelhecimento da população,
longa e a morte se distancia3. assim como um aumento da prevalência do cân-
cer e outras doenças crônicas.
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Os Cuidados Paliativos no Brasil núcleos ligados à assistência domiciliar em prefei-
turas no Paraná e de várias cidades do Nordeste.
A história dos cuidados paliativos no Brasil é Existem grupos atuantes nos Hospitais de Cân-
recente, tendo se iniciado na década de 1980. cer de Salvador, Barretos, Goiânia, Belém, Ma-
Conforme Peixoto27 o primeiro serviço de cuida- naus e São Paulo, ambulatórios em Hospitais
dos paliativos no Brasil surgiu no Rio Grande do Universitários como o ambulatório da UNIFESP,
Sul em 1983, seguidos da Santa Casa de Miseri- capitaneado pelo Prof. Marco Túlio de Assis Fi-
córdia de São Paulo, em 1986, e logo após em gueiredo, um nome emblemático na luta pelo en-
Santa Catarina e Paraná. Um dos serviços que sino dos Cuidados Paliativos no Brasil, as escolas
merece destaque é o Instituto Nacional do Cân- de Botucatu e Caxias do Sul; o trabalho do Hos-
cer – INCA, do Ministério da Saúde, que inaugu- pital de Base de Brasília e do Programa de Cuida-
rou em 1998 o hospital Unidade IV, exclusiva- dos Paliativos do Governo do Distrito Federal28.
mente dedicado aos Cuidados Paliativos. De acordo com Figueiredo17, ainda que de for-
Segundo Maciel28, a unidade IV oferece cui- ma lenta, há um crescimento expressivo dos cui-
dados paliativos em 56 leitos de enfermaria, pron- dados paliativos no Brasil. De acordo com o mes-
to-atendimento, ambulatório e internação do- mo autor, universidades, cursos de graduação e
miciliar, com recursos excelentes. Oferece, tam- de pós-graduação deveriam ter em suas grades
bém, curso de especialização em Medicina Palia- disciplinas que tratem a temática dos cuidados
tiva para médicos com Formação em Oncologia paliativos. No entanto, isso não acontece, e na
clínica ou cirúrgica, anestesiologia, clínica médi- maioria das vezes a experiência se dará apenas na
ca, geriatria, medicina geral e comunitária, for- prática, o que dificulta o trabalho das equipes de
mando profissionais capacitados para a prática uma maneira geral. Muitos médicos ainda se sen-
da Medicina Paliativa. A Medicina Paliativa não tem receosos ao tratar do assunto, tendo em vista
tem pretensão de curar, mas busca proporcio- que podem ser mal interpretados, ou confundi-
nar conforto e controle dos sintomas nos aspec- dos com praticantes de eutanásia.
tos físicos, emocionais, sociais, espirituais do Dessa forma, é fundamental ampliar a dis-
paciente e de seus familiares. cussão e a formação sobre os cuidados paliati-
Em 1997, foi criada a Associação Brasileira vos, aprimorando o currículo dos cursos de gra-
de Cuidados Paliativos (ABCP), composta por duação, com disciplinas que tratem da morte e
um grupo de profissionais interessados no as- dos cuidados, e na conscientização da própria
sunto, que propunham prática de divulgação da população que pouco discute a temática.
filosofia dos cuidados paliativos no Brasil. Ainda não há no Brasil uma Política Nacio-
Em 2000, surge o Programa do Hospital do nal de Cuidados Paliativos. O Ministério da Saú-
Servidor Estadual de São Paulo que a principio de vem consolidando formalmente os cuidados
tratou de pacientes com câncer metastático, e paliativos no âmbito do sistema de saúde do país,
posteriormente em 2003, criou uma enfermaria por meio de portarias e documentos, emitidos
de cuidados paliativos. pela Agência Nacional de vigilância Sanitária e
Em fevereiro de 2005 foi criada a Academia pelo próprio Ministério da Saúde. De acordo com
Nacional de Cuidados paliativos (ANCP). A im- Rabello e Rodrigues29 há apenas um instrumen-
portância da mesma para o Brasil transcende os to legal (Portaria GM/MS nº 2.439/2005) que in-
benefícios para a medicina brasileira. Para os “pa- clui os cuidados paliativos na Política Nacional
liativistas” a fundação da academia é um marco de Atenção Oncológica. Dessa forma, exclui as
não só para os cuidados paliativos no Brasil demais doenças e pacientes que também necessi-
como para a medicina que é praticada no país. A tam desses cuidados, em uma linha que contem-
academia foi fundada com o objetivo de contri- ple todos os níveis de atenção.
buir para o ensino, pesquisa e otimização dos As principais dificuldades apresentadas para
cuidados paliativos no Brasil1. o trabalho de cuidados paliativos no Brasil, con-
Cabe destacar outras experiências de cuida- forme notícia veiculada pela Fundação do Câncer
dos paliativos no Brasil, tais como: O Projeto Casa em 2010, são: a inclusão dos Cuidados Paliativos
Vida, vinculado ao Hospital do Câncer de Forta- na atenção básica; o atestado de óbito em domi-
leza, no Ceará; o grupo de Cuidados Paliativos cílio; a “cesta básica” de medicamentos, que é muito
em AIDS do Hospital Emílio Ribas de São Paulo, cara; e, o armazenamento, a distribuição e o des-
que se tornou referência para o Brasil; o trabalho carte de remédios opiáceos que aliviam a dor30.
da equipe de Londrina no Programa de Interna- O Reino Unido fica com o primeiro lugar em
ção Domiciliar da Prefeitura, assim como vários qualidade de morte, e é um exemplo da impor-
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tância de se reconhecer os Cuidados Paliativos O acolhimento e a escuta são características


na medicina. Lá, desde 1987, a medicina paliativa do trabalho deste profissional, que quando se
é considerada uma especialidade médica. No Bra- depara com paciente em processo de morte, deve
sil, somente em agosto de 2011 é que a medicina saber colher as informações no tempo certo, dar
paliativa veio se tornar uma área de atuação voz ao individuo e seus familiares, deixando-os
médica, segundo resolução 1973/2011 do Conse- extravasar suas tristezas e insatisfações com o
lho Federal de Medicina31. problema. Conhecer a situação socioeconômica
do paciente, os serviços disponíveis, as redes de
As abordagens das categorias profissionais suporte e canais para atender a demanda dos usu-
de saúde nos cuidados paliativos ários, são outras atribuições do assistente social.
Os artigos selecionados mostram uma insa-
Os cuidados paliativos pressupõem a ação tisfação dos profissionais de serviço social quan-
de uma equipe multiprofissional, já que a pro- to ao próprio currículo, que não abrange essa
posta consiste em cuidar do indivíduo em todos temática.
os aspectos: físico, mental, espiritual e social. O Os temas mais abordados nos artigos que tra-
paciente em estado terminal deve ser assistido tam do serviço social e cuidados paliativos fo-
integralmente, e isto requer complementação de ram: o trabalho do serviço social com as famílias
saberes, partilha de responsabilidades, onde de- dos pacientes terminais, a importância de uma
mandas diferenciadas se resolvem em conjunto. equipe multiprofissional no cuidado a este paci-
A compreensão multideterminada do adoeci- ente, e a comunicação do óbito aos familiares.
mento proporciona à equipe uma atuação ampla Embora esta seja responsabilidade do médico, há
e diversificada que se dá através da observação, a necessidade do assistente social ficar em alerta
análise, orientação, visando identificar os aspec- neste evento, pois precisará oferecer suporte e ori-
tos positivos e negativos, relevantes para a evolu- entações quanto ao sepultamento, principalmen-
ção de cada caso32. Além disso, os saberes são ina- te aos familiares que não têm condições de provê-
cabados, limitados, sempre precisando ser com- lo. O conceito de cuidado paliativo utilizado pelos
plementados. O paciente não é só biológico ou assistentes sociais nos artigos é o formulado pela
social, ele é também espiritual, psicológico, de- Organização Mundial da Saúde.
vendo ser cuidado em todas as esferas, e quando Os assistentes sociais em cuidados paliativos
uma funciona mal, todas as outras são afetadas. contribuem para o fortalecimento das relações
É de fundamental importância para o paci- entre os pacientes e seus entes queridos, provi-
ente fora de possibilidades terapêuticas de cura denciam os recursos necessários aos cuidados
que a equipe esteja bastante familiarizada com o básicos dos indivíduos para que o mesmo tenha
seu problema, podendo assim ajudá-lo e contri- uma morte digna.
buir para uma melhora.
Serão descritas, a seguir, as abordagens que Psicologia
as categorias profissionais de serviço social, psi-
cologia, enfermagem e medicina trazem sobre o O psicólogo diante da terminalidade huma-
cuidado paliativo nos vinte artigos selecionados na, busca a qualidade de vida do paciente, ame-
para esta pesquisa, apontando para três situa- nizando o sofrimento, ansiedade e depressão do
ções: principais aspectos abordados; despreparo mesmo diante da morte. A atuação do psicólogo
profissional e ações desenvolvidas. é importante tanto no nível de prevenção, quan-
to nas diversas etapas do tratamento.
Serviço Social Pode ajudar os familiares e os pacientes a
quebrarem o silêncio e falarem sobre a doença,
O assistente social desempenha dois papéis fornecendo aos mesmos as informações neces-
importantes em cuidados paliativos: o primeiro sárias ao tratamento, que muitas vezes é negado
é o de informar a equipe, quem é o paciente do pela própria família, pois consideram melhor
ponto de vista biográfico: onde ele vive, em que manter o paciente sem a informação. Esse posi-
condições o paciente se encontra pra receber o cionamento da família é denominado em cuida-
atendimento da equipe, que, com as informa- dos paliativos como a conspiração do silêncio.
ções dos demais profissionais poderá ser plane- Assim o psicólogo contribui para que os doentes
jado como vai ser o tratamento do paciente. O e familiares falem sobre o problema, favorecen-
segundo papel consiste no elo que este profissio- do a elaboração de um processo de trabalho que
nal faz entre o paciente-família e a equipe33. ajudará o paciente a enfrentar a doença, cons-
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truindo experiências de adoecimento, processo Nos artigos de enfermagem selecionados para
de morte e luto34. esta pesquisa, os enfermeiros relatam que o cur-
O trabalho do psicólogo em cuidados palia- rículo profissional da categoria carece de disci-
tivos consiste em atuar nas desordens psíquicas plinas voltadas para a finitude humana, e que se
que geram estresse, depressão, sofrimento, for- sentem despreparados para lidar com os pacien-
necendo um suporte emocional à família, que tes que estão à morte. Fogem, por vezes, da dis-
permita a ela conhecer e compreender o proces- cussão, dando desculpas e promessas de recupe-
so da doença nas suas diferentes fases, além de ração ao paciente, quando a morte é praticamente
buscar a todo tempo, maneiras do paciente ter inevitável.
sua autonomia respeitada. Há convergências das outras categorias pro-
Ferreira et al.9 aponta que o psicólogo deve ter fissionais com a enfermagem no trato ao cuida-
a percepção do fundamento religioso que envolve do paliativo. Os artigos de enfermagem selecio-
o paciente, como alternativa para reforçar o su- nados para elaboração deste trabalho utilizam o
porte emocional, proporcionando ao mesmo, mesmo conceito da OMS, para definir os cuida-
entender o sentido da sua vida, do seu sofrimento dos paliativos, e unem a temática a uma propos-
e do seu adoecimento, o que é considerado por ta de cuidado mais humanizada, não como uma
alguns autores como a psicologia da religião . obrigação, mas sim como um ato de respeito e
A escuta e o acolhimento são instrumentos solidariedade22.
indispensáveis ao trabalho do psicólogo para Segundo Matos e Moraes35 os requisitos bá-
conhecer a real demanda do paciente, além de ter sicos para atuação da enfermagem paliativa con-
que possuir uma boa comunicação interpessoal siste no conhecimento da fisiopatologia das do-
seja em linguagem verbal ou não, firmando as- enças malignas degenerativas, anatomia e fisio-
sim uma relação de confiança com o paciente. logia humana, farmacologia dos medicamentos
Os temas mais comentados nos artigos refe- utilizados no controle dos sintomas, técnicas de
rentes à psicologia foram: a apresentação da conforto bem como a capacidade de estabelecer
morte no tempo e no espaço, a importância da boa comunicação.
equipe multiprofissional no trabalho em cuida- O enfermeiro que atua em cuidados paliativos
dos paliativos, bioética, ansiedade, depressão, do paciente com câncer, precisa saber orientar tanto
eutanásia, mistanásia, ortotanásia e distanásia. o paciente quanto a família nos cuidados a serem
O conceito de cuidados paliativos utilizado tam- realizados, esclarecendo a medicação, e os proce-
bém é o formulado pela OMS. dimentos a serem realizados. Portanto, o enfer-
Da mesma forma, é necessária uma propos- meiro deve saber educar em saúde de maneira cla-
ta de mudança curricular, que atenda a carência ra e objetiva, sendo prático em suas ações, visando
dos alunos em relação à tanatologia (estudo da sempre o bem estar dos seus pacientes.
morte) oportunizando aos mesmos uma atua- A enfermagem é uma das categorias que mais
ção profissional mais completa, tornando-os se desgastam emocionalmente devido à constan-
mais eficientes na atuação para cumprir um dos te interação com os pacientes enfermos, as cons-
principais objetivos do atendimento psicológico tantes internações, muitas vezes acompanhando
aos pacientes terminais, que é passar aos mes- o sofrimento, como a dor, a doença e a morte do
mos que o momento crítico da doença pode ser ser cuidado.
compartilhado, estimulando e buscando recur- Em busca do bem estar do paciente terminal,
sos internos para assim atenuar sentimentos de o enfermeiro busca realizar ações de confortar o
derrota e solidão, favorecendo a ressignificação mesmo, além dos cuidados básicos e fisiopato-
desta experiência de adoecer9. lógicos que o paciente necessitar, realizando quan-
do possível seus anseios, desejos e vontades.
Enfermagem Assim, o profissional de enfermagem é fun-
damental para equipe de cuidados paliativos, pela
A enfermagem é uma das categorias desta essência de sua formação que se baseia na arte
pesquisa que mais publicam sobre o cuidado do cuidar. A importância da categoria a esses
paliativo. Segundo Matos e Moraes35 a enferma- cuidados ficou evidente desde os primórdios da
gem pode ser definida como a arte e a ciência de ideologia, partindo do principio que essa manei-
se assistir o doente nas suas necessidades básicas ra de cuidar do paciente oferecendo qualidade de
e, em se tratando de cuidados paliativos, pode-se vida nos seus últimos dias partiu do conheci-
acrescentar que busca contribuir para uma so- mento de uma enfermeira, Cicely Saunders, que
brevida mais digna e uma morte tranquila. depois cursou medicina e serviço social.
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Hermes HR, Lamarca ICA

Medicina Diante desta dificuldade em lidar com a fini-


tude humana, muitos médicos se distanciam do
O médico tem a sua formação voltada para o moribundo e até mesmo o tratam não como uma
tratamento e o diagnóstico das doenças. No en- pessoa, mas como um objeto que necessita da
tanto, em cuidado paliativo, o foco não é a doen- sua intervenção.
ça e sim o doente, tendo o médico que rever os A partir desta afirmação podemos perceber
seus conceitos, conhecer o limite do seu fazer e que cada médico formará a sua própria percep-
saber trabalhar em equipe, pois as demandas do ção de morte baseado em suas vivências e experi-
paciente estão para além do aparato físico de- ências anteriores. No entanto, a morte desenca-
vendo, também, ser trabalhado o lado psicoló- deia sentimentos que não somente marcam a
gico, social e espiritual. pessoa que está morrendo, mas também médi-
Segundo o Manual dos Cuidados Paliativos1, cos e profissionais de saúde e, como aponta Sal-
as equipes de saúde trabalham de maneira hie- gado et al.16, o posicionamento ideal do médico
rarquizada, onde cada profissional tem seu pa- deve ser compreender o que o paciente sente, iden-
pel reconhecido socialmente de forma diferente, tificar-se parcialmente com ele, mas não sofrer
dentro da equipe. O médico tem o papel deter- como se fosse ele, atitude difícil de se manter,
minante dentro do grupo, e se ele não aceitar como menciona o autor.
determinada situação todo o trabalho da equipe A partir da leitura dos artigos selecionados
pode se perder. O Manual também aponta a prin- para a realização desta pesquisa, percebe-se que
cipal atuação do médico em cuidados paliativos, os médicos estão lutando para fazer a filosofia
que seria o de coordenar a comunicação entre os dos cuidados paliativos ser mais conhecida e di-
profissionais envolvidos, o paciente e a família, fundida no Brasil. A medicina paliativa tornou-
que esperam ouvir do médico informações do se uma área de atuação médica no país em agos-
diagnóstico e prognóstico da doença. É de extre- to de 2011. Os médicos que ingressarem em pro-
ma relevância que o médico tenha uma boa co- gramas de residências de clínica médica, cance-
municação com a equipe, para que todos tenham rologia, geriatria e gerontologia, medicina de fa-
a mesma postura. mília e comunidade, pediatria e anestesiologia,
Apesar do Manual dos Cuidados Paliativos podem receber treinamento adicional especifico
tratar a categoria de medicina como determinante na área de medicina paliativa. Segundo resolu-
e de liderança dentro da equipe de cuidados pali- ção 1973/2011 do Conselho Federal de Medicina
ativos, considero que este argumento deve ser (CFM), os médicos interessados devem cursar
debatido, tendo em vista que a filosofia preconi- mais um ano para receber o título de paliativista
za a ação de uma equipe multidisciplinar, onde que será oferecido pela Associação Médica Brasi-
cada um tem a sua importância. Haverá mo- leira (AMB)31.
mentos do trabalho em que uma categoria pode Os artigos de medicina selecionados para ela-
sobressair, mas isso não significa que esta cate- boração desta pesquisa se baseiam no conceito
goria tenha um papel determinante dentro do da OMS para os cuidados paliativos. A visão dos
grupo. médicos sobre a ideologia e em relação ao con-
O médico deve atuar em conjunto com o pa- ceito é a mesma das demais categorias estuda-
ciente, orientando sem coagir, mostrando-lhe os das. Os médicos valorizam a qualidade de vida,
benefícios e as desvantagens de cada tratamento, o principio da beneficência, não maleficência e da
de forma inteligível a seu entendimento. Agindo justiça aos pacientes terminais.
assim o médico se torna um facilitador para toda O currículo do médico, como os dos demais
a equipe trabalhando de maneira a ajudar os fa- profissionais de saúde, também carece de disci-
miliares e o paciente terminal a exercer sua auto- plinas que tratem mais de tanatologia. Confor-
nomia18. me sinalizam Souza e Lemônica14 a universidade
Como as demais categorias em debate, o é pouco preocupada com a formação humana
médico também passa por dificuldades ao tratar de seus alunos, primando pela informação técni-
o paciente terminal, pois são aqueles que desafi- ca, ou seja, o futuro profissional sairá da acade-
am a capacidade e os limites destes profissionais, mia prejudicado, pois se sentirá despreparado
carecendo de apoio físico e emocional. para assumir e resolver situações que estão para
Quando a morte é inevitável a sensação que além da técnica, e o trato aos pacientes terminais
aparece é o de fragilidade deste “poder de curar”, é um desses casos.
causando em muitos profissionais a sensação de Segundo a ANCP1, ainda hoje, no Brasil, a
fracasso profissional. graduação em medicina não ensina ao médico
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como lidar com o paciente em fase terminal, dos profissionais quanto à problemática. É ne-
como reconhecer os sintomas e como adminis- cessária a reformulação dos currículos que per-
trar esta situação de maneira humanizada e ati- mita ao profissional realizar ações mais eficazes,
va. No entanto, o médico nos cuidados paliati- quando acionados a tratar de pacientes que estão
vos é um profissional importante. Ele contribui- à morte. Vale ressaltar que a academia não vai
rá para fornecer esclarecimentos sobre diagnós- preparar o profissional para a atuação no cam-
ticos e prognósticos para o paciente cuja morte é po, mas pode contribuir promovendo o debate.
inevitável, orientando a equipe, mantendo sem- Assim, o profissional encontrará maior seguran-
pre uma boa comunicação com os demais pro- ça quando se deparar com a temática da morte e
fissionais, para que o paciente tenha dignidade no trato a pacientes fora de possibilidades de cura.
nos últimos de sua vida. Portando quando não De acordo com o Quadro 2, os aspectos mais
se pode mais curar, ainda se pode cuidar e se ter comuns levantados pelas categorias em cuida-
uma boa relação entre médicos e pacientes. dos paliativos foram: humanização do atendi-
mento, despreparo profissional em relação à
morte, eutanásia, distanásia, ortotanásia, mista-
Considerações finais násia, currículos que carecem de disciplinas vol-
tadas para a tanatologia.
Os artigos selecionados mostram que as catego- Como já mencionado anteriormente, a cate-
rias trabalhadas utilizam o conceito da OMS acer- goria de enfermagem é a que mais se desgasta
ca dos cuidados paliativos. Trazem em predomi- emocionalmente com a morte do paciente, devi-
nância experiências de pacientes com câncer em do à interação com ele, às constantes interna-
estágio terminal. Apenas um artigo vem tratan- ções, acompanhando a dor e o sofrimento dos
do de cuidados paliativos em portadores do HIV. mesmos. Embora a categoria nos artigos enfati-
O que pode explicar tal fato é que os cuidados ze a importância do atendimento humanizado,
paliativos na sua origem eram direcionados aos os próprios profissionais referem que falham
pacientes com câncer, e só depois agregados a neste aspecto, que ainda há muita carência desse
outras comorbidades. tipo de atendimento aos pacientes terminais, mas
No processo de revisão da literatura para a que muitos buscam fazer o que podem para que
elaboração deste artigo, constatou-se que a cate- o paciente viva os seus últimos dias com quali-
goria que mais publica na temática é a enferma- dade, seja ouvindo o seus lamentos, histórias ou
gem, devido à própria essência da formação ba- realizando seus últimos desejos, tornando assim
seada na arte do cuidar. A categoria com menor o atendimento mais humanizado.
número de publicações é o serviço social, embo- Os Cuidados Paliativos preconizam huma-
ra tenha um papel importante dentro da equipe, nizar a relação equipe de saúde-paciente-família,
e representação nas maiores instituições que tra- e proporcionar uma resposta razoável para as
tam de cuidado paliativo no Brasil. pessoas portadoras de doenças que ameaçam a
A morte é um tabu a ser desconstruído por continuidade da vida, desde o diagnóstico dessa
todas as categorias. Alguns artigos mencionam a doença até seus momentos finais36.
mesma como um fracasso para o profissional, A medicina paliativa busca o seu espaço, para
ao invés de um episódio que faz parte da vida. A que não somente o paciente com possibilidades
dificuldade em lidar com a morte é mencionada de cura seja atendido, mas os que sofrem com
nos textos, o que faz com que muitos profissio- doenças em que a morte é inevitável também,
nais encontrem alternativas para não se deparar pois a medicina científica não deve ser antagôni-
com a situação: mascaram a morte, fogem dos ca da medicina paliativa, mas devem ser simbió-
pacientes terminais, não falam com o paciente ticas17. A morte digna é de grande significado para
sobre o assunto, não criam vínculos e dispen- o doente e também para o profissional que é com-
sam um tratamento pouco individualizado. preensivo e solidário.
Outro ponto que merece destaque na pesqui- Assim, muito se tem a caminhar quando se
sa é a carência de disciplinas que envolvam os trata de cuidados paliativos, E os profissionais de
cuidados paliativos e o tema da morte na acade- saúde em geral precisam conhecer e explorar essa
mia. Em todos os artigos aparece a insatisfação temática que é tão rica, porém pouco discutida.
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Hermes HR, Lamarca ICA

Quadro 2. Resultados alcançados na pesquisa.


Categoria Aspectos abordados Ações desenvolvidas Pontos de convergência
profissional das categorias
profissionais
Psicologia Sofrimento, depressão, Atua nas desordens psíquicas que - Carência de disciplinas
ansiedade diante da geram estresse, depressão, que tratem da morte na
morte, conspiração do sofrimento; fornecer suporte academia;
silêncio; apresentação da emocional; acolher, escutar.
morte no tempo e no - Utilizam o conceito da
espaço. OMS para os cuidados
paliativos;
Serviço Trabalho com famílias dos Fortalecer as relações entre
Social pacientes terminais, pacientes e seus entes queridos e a - Acolhimento, escuta,
comunicação do óbito, equipe; orientar e prestar suporte respeito à autonomia do
importância da equipe quanto a sepultamentos; paciente;
multiprofissional na informar a equipe quem é o
abordagem ao paciente. paciente no ponto de vista - Reconhecem a
biográfico (em que situação vive e importância de uma
quais condições em que vive); equipe multiprofissional
acolher, escutar. no trato ao paciente fora
de possibilidades
Medicina Princípios básicos da Fornecer esclarecimentos sobre e terapêuticas;
bioética; dificuldade do diagnósticos e prognósticos;
profissional lidar com a acolher; escutar. - Humanização do
morte; honestidade na atendimento;
relação médico-paciente,
boa comunicação com o - Eutanásia, distanásia,
paciente-família e equipe. Ortotanásia e mistanásia

Enfermagem Humanização do Orientar tanto o paciente quanto - Despreparo profissional


atendimento; despreparo a família nos cuidados a serem para lidar com a morte.
profissional para lidar com realizados, esclarecendo a
a morte; qualidade de medicação, e os procedimentos a - Acolhimento, escuta.
vida. serem realizados; acolher, escutar

Fonte: Elaboração própria.

Colaboradores

HR Hermes foi a responsável pela concepção do


artigo e revisão bibliográfica, participando da ela-
boração dos conceitos. ICA Lamarca participou
da elaboração dos conceitos e fez a revisão do
texto.
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Artigo apresentado em 30/04/2013


Aprovado em 22/05/2013
Versão final apresentada em 17/06/2013

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