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No observar sem acumulação, não há julgamento

Interrogante: Você nos diz para observarmos nossas ações na vida diária mas qual é a
entidade que decide o que observar e quando? Quem decide se a pessoa deveria
observar?

Krishnamurti: Você decide observar? Ou você simplesmente observa? Você decide e diz,
“Eu vou observar e aprender”? Porque então vem a pergunta: “Quem está decidindo?” É a
vontade que diz, “Eu devo”? E quando isto falha, ela se castiga e diz, “Eu devo, devo,
devo”; nisso há conflito; portanto, o estado da mente que decidiu observar não é de fato
observação. Você está andando por uma rua, alguém passa por você, você observa e
pode dizer para si mesmo, “Como ele é feio; como ele cheira; quero que ele não faça isso
ou aquilo”. Você está consciente de suas reações ao passante, está consciente que está
julgando, condenando ou justificando; você está observando. Você não diz, “Eu não devo
julgar, não devo justificar”. Ao estar consciente de suas reações, não há de fato decisão.
Você vê alguém que lhe insultou ontem. Imediatamente você está pronto para a luta, fica
nervoso ou ansioso, começa a não gostar; estar consciente de seu desgosto, estar
consciente de tudo isso, não “decidir” estar consciente. Observar, e nessa observação
não há nem o “observador” nem o “observado” – existe apenas a observação
acontecendo. O “observador” só existe quando você acumula na observação; quando diz,
“Ele é meu amigo porque me elogiou”, ou, “Ele não é meu amigo, porque disse alguma
coisa desagradável sobre mim, ou alguma coisa verdadeira de que não gosto”. Isso é
acumulação através da observação e essa acumulação é o observador. Quando você
observa sem acumulação, então não há julgamento. Você pode fazer isto o tempo todo;
nessa observação naturalmente certas decisões definidas são tomadas, mas as decisões
são resultados naturais, não decisões feitas pelo observador que acumulou.

Krishnamurti

A Presença Observadora
"Ao observarmos a nós mesmos, um maior grau de presença surge
automaticamente em nossas vidas. No momento em que percebemos que
não estamos presentes, estamos presentes. Sempre que formos capazes de observar
nossas mentes, deixamos de estar aprisionados. Um outro fator surgiu, algo que não
pertence à mente: a presença observadora.
Esteja presente como alguém que observa a mente e examine seus pensamentos,
suas emoções, assim como suas reações em diferentes circunstâncias. Concentre seu
interesse não só nas reações, mas também na situação ou na pessoa que leva você a
reagir. Preste atenção ao pensamento, sinta a emoção, observe a reação. Não veja nada
como um problema pessoal. Sentirá então algo muito mais poderoso do que todas
aquelas outras coisas que você observa, uma presença serena e observadora por trás do
conteúdo da sua mente: o observador silencioso."
"Uma presença intensa se faz necessária quando certas situações provocam uma
reação de grande carga emocional, como, por exemplo, no momento em que acontece
uma ameaça à nossa auto-imagem, um desafio na vida que nos cause medo, quando as
coisas "vão mal" ou quando um complexo emocional do passado vem à tona. Nessas
situações, tendemos a nos tornar "inconscientes". A reação ou a emoção nos domina,
"passamos a ser" ela. Passamos a agir como ela. Arranjamos uma justificativa, erramos,
agredimos, defendemos... só que não somos nós e sim uma reação padronizada, a mente
em seu estado habitual de sobrevivência.
Identificar-se com a mente dá a ela mais energia, enquanto observar a mente retira
a sua energia. Identificar-se com a mente gera mais tempo, enquanto observar a mente
revela a dimensão do tempo infinito. A energia retirada da mente se transforma em
presença. No momento em que conseguimos sentir o que significa estar presente, fica
muito mais fácil escolher simplesmente escapar da dimensão do tempo e entrar mais
profundamente no Agora. Isso não prejudica nossa capacidade de usar o tempo —
passado ou futuro — quando precisamos nos referir a ele em termos práticos. Nem
prejudica nossa capacidade de usar a mente. Na verdade, estar presente aumenta a
capacidade. Quando você usar a mente de verdade, ela estará mais alerta, mais
focalizada."
"O passado se perpetua pela falta de presença. O que dá forma ao futuro é a
qualidade da nossa percepção do momento presente, e o futuro, é claro, só pode ser
vivenciado no presente."
"Se é a qualidade de nossa percepção neste momento que determina o futuro,
então o que é que determina a qualidade de nossa consciência? O nosso grau de
presença. Portanto, o único lugar onde pode ocorrer uma mudança verdadeira e onde o
passado pode se dissolver é no Agora".
“O desconforto, a ansiedade, a tensão, o estresse, a preocupação, todas essas
formas de medo são causadas por excesso de futuro e pouca presença. A culpa, o
arrependimento, o ressentimento, a injustiça, a tristeza, a amargura, todas as formas de
incapacidade de perdão são causadas por excesso de passado e pouca presença.”
“Não há salvação dentro do tempo. Você não pode se libertar no futuro. A presença
é a chave para a liberdade. Portanto, você só pode ser livre Agora”.
“Você não pode estar infeliz e completamente presente no Agora, ao mesmo
tempo”.
“Caso apareça uma situação com a qual você precise lidar agora, a sua ação vai
ser clara e objetiva, se conseguir perceber o momento presente. Tem muito mais chances
de dar certo. Não será uma reação vinda do condicionamento da sua mente no passado,
mas sim, uma resposta intuitiva à situação. Em situações em que a mente teria reagido,
você vai achar mais eficaz não fazer nada. Fique só centrado no Agora”.
“Ao fim dessa luta compulsiva com o Agora, a alegria do Ser passa a fluir em tudo o
que fazemos. No momento em que a nossa atenção se volta para o agora, percebemos
uma presença, uma serenidade, uma paz. Não dependemos mais do futuro para
obtermos plenitude e satisfação, não o olhamos mais como salvação.”
“Quando cada célula do nosso corpo está tão presente que vibra com a vida, e
quando conseguimos sentir essa vida a cada momento como alegria do Ser, podemos
dizer que estamos livres do tempo.”
“Perder o Agora é perder o Ser”.
“Saber que você não está presente já é um grande sucesso. O simples saber já é
presença — mesmo que, no início, dure só alguns segundos no tempo do relógio antes de
desaparecer outra vez. Depois, com uma frequência cada vez maior, você escolhe dirigir
o foco da consciência para o momento presente. Você se torna capaz de ficar presente
por períodos mais longos. Portanto, antes que sejamos capazes de nos estabelecer com
firmeza no estado de presença, oscilamos, periodicamente, de um lado para o outro, entre
a consciência e a inconsciência, entre o estado de presença e o estado de identificação
com a mente. Perdemos o Agora várias vezes, mas retornamos a ele. Por fim, a presença
se torna o estado predominante.
A maioria das pessoas nunca vivencia a presença. Ela acontece apenas de modo
breve e acidental, em raras ocasiões, sem ser reconhecida pelo que é. Muitos seres
humanos não se alternam entre consciência e inconsciência, mas somente em diferentes
níveis de inconsciência.”
“Chamo de inconsciência comum essa identificação com os nossos processos de
pensamentos, e emoções, nossas reações, desejos e aversões. É o estado normal da
maioria das pessoas. Nesse estado, somos governados pela mente e não temos
consciência do Ser. Não se trata de um estado de sofrimento agudo ou de infelicidade,
mas de um nível baixo e contínuo de desconforto, descontentamento, enfado ou
nervosismo, como uma espécie de estática ao fundo. Talvez você não perceba muito bem
essa situação porque ela já faz parte da nossa vida “normal”, da mesma forma que você
não percebe o barulho contínuo ao fundo, como o zumbido do ar-condicionado, até ele
parar. Quando isso acontece de repente, ocorre uma sensação de alívio.”
“O melhor indicador do nível de consciência é a maneira como você lida com os
desafios da vida. É através desses desafios que uma pessoa já inconsciente tende a se
tornar mais profundamente inconsciente, e uma pessoa consciente a se tornar
intensamente consciente. Podemos nos valer de um desafio para nos acordar ou para
permitir que ele nos empurre para um sono mais profundo. O sonho do nível da
inconsciência comum se transforma, então, em pesadelo.
Se você não consegue estar presente mesmo em situações normais, como, por
exemplo, quando está sozinho em uma sala, caminhando no campo ou ouvindo alguém,
certamente não será capaz de permanecer consciente quando alguma coisa ‘vai mal’.
Será dominado por uma reação, que é sempre, em última análise, alguma forma de
medo, e empurrado para uma inconsciência profunda. Esses desafios são os seus testes.
Só o modo como você lida com eles mostrará onde você está no que se refere ao seu
estado de consciência, e não a quantidade de horas que você consegue ficar sentado
com os olhos fechados.
Portanto, é fundamental colocar mais consciência em sua vida durante as
situações comuns, quando tudo está correndo de modo relativamente tranquilo. É assim
que se aumenta o poder de presença. Ele gera um campo energético de alta frequência
vibracional em você e ao seu redor. Nenhuma inconsciência, nenhuma negatividade,
nenhuma discórdia ou violência pode penetrar nesse campo e sobreviver, do mesmo
modo que a escuridão não consegue sobreviver na presença da luz.”
“Quando ficamos mais conscientes do presente, podemos ter um insight sobre o
porque de determinados condicionamentos. Podemos perceber, por exemplo, se
seguirmos algum padrão nos nossos relacionamentos e podemos ver mais claramente
coisas que aconteceram no passado. Fazer isso é bom e pode ser útil, mas não é o
essencial. O que é essencial é a nossa presença consciente. Ela dissolve o passado. Ela
é o agente transformador. Portanto, não procure entender o passado, mas esteja presente
tanto quanto conseguir. O passado não consegue sobreviver diante da sua presença, só
na sua ausência.”
“Sempre que observamos a mente, livramos a consciência das formas da mente,
criando aquilo que chamamos o observador ou a testemunha. Consequentemente, o
observador — que é a pura consciência além da forma — se torna mais forte, e as
formações mentais se tornam mais fracas. Quando falamos sobre observar a mente,
estamos personalizando um fato de verdadeiro significado cósmico porque, através de
você, a consciência está despertando do seu sonho de identificação com a forma e se
retirando da forma. Isso é o prenúncio — e também parte — de um acontecimento que
provavelmente ainda está num futuro distante, no que diz respeito ao tempo cronológico.
Esse conhecimento é conhecido como o fim do mundo.”

Eckhart Tolle
Por quê, praticamente todo mundo fala da vida dos outros?
Pergunta: A bisbilhotice tem valor na autorrevelação, principalmente porque revela como são os
outros. Por que não usar a bisbilhotice como um meio de descobrir o que é? Não estremeço ao
escutar a palavra “bisbilhotice” só porque ela tem sido condenada por muitas gerações.

Krishnamurti: Pergunto-me por que fazemos mexericos. Não é porque eles nos revelam como os
outros são. E por que haveríamos de querer conhecer os outros? Por que esse tremendo interesse na
vida de outras pessoas? Por que bisbilhotamos? É uma forma de inquietação, não é? Como a
preocupação, isso também é indicação de uma mente inquieta. Por que temos esse desejo de
interferir na vida dos outros, de saber o que eles estão fazendo, falando? A mente que se entrega a
bisbilhotices é bem superficial, não é? Pode ser uma mente investigadora que tomou um rumo
errado. A pessoa que me fez a pergunta parece pensar que, por causa de seu interesse pelos outros,
eles se revelarão com seus pensamentos, ações e opiniões. Mas podemos conhecer os outros, se não
conhecemos a nós mesmos? Podemos julgá-los, se nem sabemos por que razão pensamos, agimos e
nos comportamos de um determinado jeito? Por que nos preocupamos tanto como os outros? Não
será uma forma de fuga, esse desejo de saber o que os outros estão pensando, sentindo, sobre o que
estão falando? Isso não será um meio de escapar de nós mesmos? Nesse hábito, não haverá também
o desejo, puro e simples, de nos intrometermos na vida dos outros? Penso que a nossa vida já é
bastante difícil, bastante dolorosa, sem que lidemos com a vida de outras pessoas. Como achamos
tempo para pensar nos outros de modo tão bisbilhoteiro e cruel? Por que agimos assim? Todo
mundo faz isso. Todo mundo, praticamente, fala da vida dos outros. Por quê?

Acho que nos entregamos a mexericos porque não estamos suficientemente interessados no
processo do nosso próprio pensamento e de nossas ações. Queremos ver o que os outros estão
fazendo e, para falar com delicadeza, queremos imitá-las. E por que queremos isso? tal desejo não
indica superficialidade de nossa parte? É uma mente estúpida, essa, que sai de si mesma para ir em
busca de excitação. Em outras palavras, bisbilhotice é uma forma de sensação à qual nos
entregamos. Pode ser um tipo diferente de sensação, mas há sempre o desejo de excitação, de
distração. É, de fato, uma pessoa bastante superficial, essa que busca excitação externa, falando dos
outros. Preste atenção quando estiver bisbilhotando a respeito de alguém, porque isso lhe mostrará
muita coisa sobre si mesmo. Não tente disfarçar, dizendo que só está curioso a respeito de outras
pessoas. A verdade é que isso indica inquietação, desejo de excitação, superficialidade e falta de um
verdadeiro e profundo interesse nas pessoas, que nada tem a ver com bisbilhotice.

Outro problema é como parar com os mexericos. Quando percebemos que estamos falando de
alguém, como paramos? Se isso se tornou um hábito, uma coisa feia que se repete dia após dia, o
que fazer para acabar com esse comportamento? Quando você se pega bisbilhotando e está cônscio
de todas as implicações dessa ação, não diz a si mesmo para parar? E não pára, no mesmo instante
em que percebe que está sendo bisbilhoteiro? Experimente isso na próxima vez em que estiver
falando de alguém, e verá como pára de bisbilhotar, quando percebe o que está fazendo, quando se
conscientiza de que sua língua o domina. Não é preciso ter força de vontade para isso, basta que
você esteja cônscio do que está falando e veja as implicações. Não é preciso condenar ou justificar a
bisbilhotice. Esteja alerta, perceba o que está dizendo, e verá como pára rapidamente de falar,
porque o que você fala lhe revela como age, como se comporta e qual é o seu padrão de
pensamento. Nessa revelação, descobrirá a si mesmo, o que é muito mais importante do que falar
dos outros, fazer comentários sobre o que eles fazem, o que pensam e como se comportam.

Muitos de nós lemos jornais que estão cheios de mexericos, numa bisbilhotice global. É um modo
de fugirmos de nós mesmos, de nossa mesquinharia, do que há de feio em nossa vida. Pensamos
que, por meio de um interesse superficial nos acontecimentos do mundo, tornamo-nos mais sábios,
mais capazes de lidar com nossos próprios problemas. E isso não é um meio de fuga? Somos tão
vazios, tão pouco profundos, temos tanto medo de nós mesmos! Somos tão pobres que a
bisbilhotice torna-se uma forma de rico entretenimento, uma fuga de nós mesmos. Tentamos
preencher nosso vazio interior com conhecimento, rituais, intrigas, com uma infinidade de meios de
fuga que se tornam de vital importância, quando o mais importante deveria ser a compreensão do
que é. Essa compreensão exige atenção. Saber que somos vazios, que estamos sofrendo, pede total
atenção, não meios de fuga, mas são muitos os que gostam desses meios porque eles são muito mais
prazerosos. Quando me vejo como realmente sou, acho muito difícil lidar comigo mesmo, e esse é
um problema com os quais todos nós nos confrontamos. Sabemos que somos vazios, que estamos
sofrendo, mas não sabemos o que fazer, não sabemos como lidar com isso. Então, recorremos a
todos os tipos de fuga.

Assim, a pergunta é: o que fazer? É óbvio que não podemos escapar, pois seria um absurdo, uma
infantilidade. Mas, quando você vê diante de si mesmo, quando se vê como é, o que deve fazer?
Primeiro, é possível você não negar ou justificar o que vê, mas conservar-se como é? Isso é
extremamente difícil, porque a mente busca explicação, condenação, identificação. Se ela não faz
nada disso, é possível aceitar alguma coisa. Se aceito que sou escuro, está acabado, mas se lamento
não ter a pele mais clara, isso é um problema. É muito difícil aceitar o que é, só conseguimos isso
quando não há fuga, e condenação ou justificação são formas de fuga. Assim, quando entendemos
por que falamos tanto dos outros, e como esse comportamento é absurdo, cruel e tudo o mais o que
ele envolve, ficamos frente a frente com o que somos e, ou tentamos destruir o que vemos, ou
tentamos transformá-lo em algo diferente. Se não fizermos nenhuma dessas coisas, mas decidirmos
compreender e aceitar completamente o que vemos, descobriremos que não é mais aquilo que
temíamos. Então, existe a possibilidade de transformamos aquilo que é.

Krishnamurti - A primeira e última liberdade

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