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Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
S235c Santiago, Anna Rosa Fontella.
Cultura, currículo e escola / Anna Rosa Fontella Santiago, An-
dréa Becker Narvaes, Marta Estela Borgmann. – Ijuí : Ed. Unijuí,
2012. – 32 p. – (Coleção educação a distância. Série livro-texto).
ISBN 978-85-419-0010-2
1. Currículo. 2. Escola. 3. Cultura. 4. Educação. I. Narvaes,
Andréa Becker. II. Borgmann, Marta Estela. III. Título. IV. Série.
CDU : 37.014.5
371.26
Sumário
Sumário
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 31
EaD
Currículo e Escola
• Conhecer e entender a função da escola no que tange à compreensão das teorias curriculares
e suas relações com a cultura escolar.
Seção 1.1
Introdução
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Anna Rosa Fontella Santiago – Andréa Becker Narvaes – Marta Estela Borgmann
b) o currículo visto como expressão formal e material do projeto pedagógico da escola, ou seja,
como conjunto de práticas e experiências mais amplas que estabelecem a relação entre a escola
e a sociedade apontando a direção do processo educativo;
Podemos, então, perceber que o currículo não é um objeto específico que possa ser definido
ou entendido de uma só forma. De acordo com Gimeno Sacristán (2001), “quando definimos o
currículo estamos descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular
de enfocá-las num momento histórico e social determinado” (p. 15).
Assim sendo, no presente texto voltaremos o olhar para os diferentes interesses e com-
preensões associados aos estudos sobre o currículo, na perspectiva de entender a escola como
instituição social e cultural, cujo projeto educativo representa intencionalidades políticas que se
expressam na organização e na dinâmica curricular produzindo identidades e subjetividades.
Seção 1.2
Isto é, a sociedade desde o século 20 requer da escola não mais uma educação unicamente
humanista que tenha o sujeito/indivíduo como centro e sim uma formação voltada para o mundo
do trabalho e da produção. Isto, porém, não quer dizer que antes, desde a Antiguidade, os
educadores não estivessem preocupados com o quê e o como ensinar, todavia a questão
educacional voltava-se, unicamente, para a formação do “homem” como ser moral e intelectual.
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Cultura, Currículo e Escola
Estudiosos do campo curricular, dentre eles Goodson (1995), Moreira e Silva (1999) e
Silva (1999) indicam a institucionalização da educação de massas como condição que permitiu
o surgimento dos estudos sobre currículo como um campo especializado, associando definitiva-
mente a escola ao desenvolvimento social e econômico. De acordo com Silva (1999), entre essas
condições estão:
(...) o estabelecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; a extensão da educação
escolarizada em níveis cada vez mais altos a segmentos cada vez maiores da população; as
preocupações com a manutenção de uma identidade nacional (...); o processo crescente de
industrialização e urbanização (p. 12).
Surge daí a concepção de currículo como uma forma de organização do ensino para dar
conta dos objetivos da escolarização de massas. Na perspectiva de universalização da escola,
estendendo sua ação a todas as classes sociais no âmbito de uma sociedade que se desenvolvia
em bases urbano-industrial, surgem as questões: O que deve a escola ensinar? Os conteúdos
acadêmicos e humanísticos ou as técnicas necessárias à inserção no mundo de trabalho? A escola
pública, gratuita e de direito universal poderia ser protagonista na construção de uma sociedade
democrática? As respostas vêm por meio de publicações divulgadas no início de século 20, nos
Estados Unidos.
A primeira delas vem por meio de John Dewey, um filósofo e educador americano que
exerceu significativa influência na educação brasileira. Ele publicou em 1902 “The child and
the curriculum”, obra em que propõe o planejamento curricular como estratégia para atender às
1
A partir do século 15 a história da cultura e da educação é marcada por uma nova fase, que por sua vez constitui,
também, o início da educação moderna ao romper com o asceticismo da Idade Média, que desprezava as coisas
mundanas, para dar lugar a uma visão terrena, voltada para o homem e os prazeres mundanos.
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Anna Rosa Fontella Santiago – Andréa Becker Narvaes – Marta Estela Borgmann
Contrapondo-se a Dewey e envolvido pela ideia de escola como local de preparação para a
ocupação no mundo de trabalho, Bobbitt (apud Silva, 1999) publica em 1918, o livro “The curricu-
lum”, no qual propõe que a escola se organize e funcione nos mesmos moldes de uma empresa,
tal como esta foi idealizada por Frederick Taylor (Silva, 1999). Ou seja, a escola deveria ter claros
os objetivos que desejava alcançar, os métodos para chegar até eles e as formas de avaliação
e mensuração dos resultados. Esta concepção de currículo como planejamento e organização
da educação escolarizada em modelo empresarial encontra eco nas finalidades propostas pela
sociedade industrial para uma escola a serviço da formação de mão de obra.
O modelo de Bobbitt foi aperfeiçoado por Ralph Tyler (1974) no livro “Princípios básicos
de currículo e ensino,” publicado pela primeira vez em 1949. De acordo com Silva (1999), o
modelo de currículo proposto por Tyler é simplesmente uma questão técnica que busca
responder a quatro questões básicas:
Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?; Que experiências educacionais podem ser
oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos?; Como organizar eficientemente
essas experiências educacionais?; Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo
alcançados? (Silva, 1999, p. 29).
Como frisamos anteriormente, porém, o currículo não é um campo estático que funcione
apenas como algo imposto externamente pelas políticas oficiais. Daí porque o final da década
de 50 e o início dos anos 60 do século 20 foi, também, uma época profícua em propostas
educacionais que emanavam dos movimentos sociais e políticos, os quais se engajavam na luta
pela educação popular e pela expansão da escola pública. Tais propostas estavam centradas nas
ideias de participação, emancipação humana e democratização da sociedade. Foi nesse
contexto que emergiu a Pedagogia crítica de inspiração marxista que propunha uma completa
inversão nas propostas tecnicistas.
2
Saiba mais sobre a teoria curricular de Ralph Tyler em: Tyler, Ralph W. Princípios básicos de currículo e ensino. Porto
Alegre: Globo, 1974.
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Cultura, Currículo e Escola
Enquanto as teorias tecnicistas tomam o currículo como uma organização do ensino para
“aprender a fazer” e conferem as suas propostas num caráter instrumental que não questionam
o “porquê” se faz mas apena o “como fazer”, as teorias críticas questionam a vinculação da
escola com o sistema social vigente, denunciam o sistema capitalista como responsável pelas
desigualdades, pela ignorância, pela exclusão social e pela miséria das massas trabalhadoras
e, em contrapartida, propõem a transformação social por meio de um currículo que coloque em
questão as relações sociais e de trabalho.
Para as teorias críticas, o mais importante no currículo não é desenvolver técnicas que
mostrem ao educador “como fazer”, mas o currículo, sobretudo, deve permitir o questionamento
sobre o “porquê” e “para quê” se faz. É no seio desse movimento crítico que nasce a Pedagogia
Libertadora de Paulo Freire, com sua proposta de currículo organizado a partir de “temas gera-
dores”.
A proposta freiriana rompe com a ideia de currículo preestabelecido, com conteúdos fixos
e lineares, para sugerir uma organização temática que parte do universo de significados sociais
dos educandos, a partir de temas que emergem nos “círculos de cultura”. 3 Assim o movimento
de organização curricular se inverte: ao invés dos conteúdos de ensino se imporem como uma
organização a priori, são os temas que irão demandar a presença dos conteúdos no currículo, a
partir das compreensões de realidade, questionamentos e curiosidades geradas por eles.
Apesar de, inicialmente, Freire ter pensado um currículo para alfabetização de adultos em
situações não formais de ensino, a partir de 1980, com o fracasso da proposta de currículo
profissionalizante e a abertura política no Brasil, que permitiu a volta de muitos educadores e
intelectuais críticos, entre eles Paulo Freire, seu método expandiu-se às escolas formais,
produzindo uma nova perspectiva para a organização curricular, que privilegiava a
interdisciplinaridade e o planejamento coletivo.
3
Etapa inicial do método de Paulo Freire, em que se inaugura o diálogo entre educador e educandos na busca dos
significados que ambos atribuem à realidade vivida. “É que a linguagem do educador ou do político (...) tanto quanto
a linguagem do povo, não existe sem um pensar e ambos, linguagem e pensar, sem uma realidade a que estejam
referidos. (...) É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático! (Freire, 1983,
p. 102).
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Seção 1.3
O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a
educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, tampouco se esgota na parte
explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função
socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de
subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em
instituição escolares que comumente chamamos de ensino (2001, p. 15).
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Cultura, Currículo e Escola
Assim sendo, uma escola que pretenda ser inclusiva e oferecer a todos as condições para
aprender, há de tomar a cultura como ponto de partida para a organização curricular e o mundo
simbólico dos saberes produzidos pelas experiências como base para os conteúdos curriculares.
4
Ver a esse respeito Padilha, Paulo Roberto. Currículo intertranscultural: novos itinerários para a educação. São Paulo:
Cortez, 2004
5
Para Boaventura de Sousa Santos a aplicação edificante da ciência parte dos consensos locais valorizando os saberes
culturais para estabelecer protagonismos e responsabilidades com o uso que se faz do conhecimento. Contrapõe-se,
assim, à mera aplicação técnica do conhecimento científico, na qual a racionalidade instrumental não questiona os
seus efeitos.
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Podemos então concluir que a sociedade atual, eivada de tecnologias que oferecem, em
tempo real, qualquer informação que se queira obter, requer da escola um novo paradigma para
organização e desenvolvimento curricular. Um paradigma7 que desloque a informação, traduzida
como conhecimento, do lugar central que ela sempre ocupou, para concebê-la como elemento
de mediação na reflexão crítica que as diferentes possibilidades de significações transformam-
na em aprendizagens e conhecimentos. Isso impõe a consideração da cultura e da alteridade na
dinâmica curricular.
6
Entendemos a expressão “componente curricular” como aquilo que compõe a organização de um currículo, ou seja,
as disciplinas – entendidas como áreas específicas de ensino – os projetos, seminários, eixos interdisciplinares, etc.
7
Paradigma pode ser definido como modelo ou exemplo; um universo de concepções mais ou menos consensuais que
orientam as teorias explicativas da realidade.
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EaD
Unidade 2
cUltUra, cUrrícUlo e escola
Cultura e Educação
• Conhecer e entender as definições dos conceitos de cultura e educação e sua aplicação à noção
de cultura escolar.
Seção 2.1
Cultura
Esta Unidade tem o objetivo de introduzir o debate em torno dos conceitos cultura e
educação. São dois conceitos que se referem a dimensões amplas da realidade social e sobre os
quais existem vários pontos de vista. Conhecer diferentes concepções da realidade tem a
finalidade de enriquecer a visão de mundo, permitindo melhor fazer as próprias escolhas.
Existe entre educação e cultura uma ligação efetiva. As múltiplas relações entre cultura e
educação não são absolutamente claras e consensuais entre os pensadores que delas se ocupam,
por isso afirmamos que há um debate sobre estes conceitos. O entendimento da educação em
uma perspectiva cultural é questão que deve ser buscada pela teoria e pela prática educativa.
Somos todos nós, mulheres e homens, seres incompletos, limitados, inacabados, que só se
tornam mulheres e homens ao longo da sua própria existência. O ser humano se constitui sujeito
na interação com o mundo, com o outro e consigo mesmo. Homens e mulheres são indivíduos
da espécie humana que se fazem humanos por que participam da cultura.
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O humano é uma espécie animal, portanto parte da natureza, mas é também um ser que
só se realiza pela e na cultura. De acordo com Morin (2000, p. 52):
O homem é, portanto, um ser plenamente biológico, mas se não dispusesse plenamente da cultura, seria
um primata do mais baixo nível. A cultura acumula em si o que é conservado, transmitido, aprendido,
e comporta normas e princípios de aquisição.
O conceito científico de cultura não é o mesmo do senso comum. Muitas vezes ouvimos
dizer: “Eles são ignorantes, não têm cultura”; outras vezes ouvimos falar: “ela é uma pessoa
inteligente, tem muita cultura”. Na visão antropológica de cultura, todo ser humano é portador
de cultura. Segundo Cuche:
O longo processo de hominização, começado há mais ou menos quinze milhões de anos, consistiu
fundamentalmente na passagem de uma adaptação genética ao meio ambiente natural a uma
adaptação cultural. Ao longo desta evolução, que resulta no Homo sapiens sapiens, o primeiro homem,
houve uma formidável regressão dos instintos, substituídos progressivamente pela cultura, isto é, por
esta adapta- ção imaginada e controlada pelo homem que se revela muito mais funcional que a
adaptação genética por ser muito mais flexível, mais fácil e rapidamente transmissível. A cultura
permite ao homem não somente adaptar-se ao meio, mas também adaptar este meio ao próprio
homem, a suas necessidades e seus projetos. Em suma, a cultura torna possível a transformação da
natureza (2002, p. 10).
Para Tylor (apud Gomez, 2001), a cultura expressa a totalidade da vida em sociedade, não
a individualidade. Nesta visão a cultura é adquirida socialmente e não dada biologicamente.
Preocupava-se mais com a igualdade existentes entre as culturas e não com a diversidade
cultural.
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Cultura, Currículo e Escola
A primeira perspectiva teórica que define cultura como sistemas estruturais é aquela de-
senvolvida pelo antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, que define cultura como um sistema
simbólico, que é uma criação acumulativa da mente humana – mito, arte, parentesco e linguagem.
Lévi-Strauss considera que a cultura tem origem no momento em que a humanidade cria a pri-
meira norma: a proibição do incesto, que é comum a todas as sociedades humanas. O incesto é
a proibição da relação sexual de um homem com determinadas categorias de mulheres (a mãe,
a filha e a irmã). Para Lévi-Strauss, é
[...] a cultura todo conjunto etnográfico que apresenta, em relação a outros, diferenças significativas,
do ponto de vista da pesquisa. Se procurarmos determinar diferenças significativas entre a América
do Norte e a Europa, nós as trataremos como culturas diferentes; mas, supondo que o interesse se
volte para as diferenças significativas entre – digamos – Paris e Marselha, estes dois conjuntos urba-
nos poderão ser provisoriamente vistos como duas unidades culturais. [...] Uma mesma coleção de
indivíduos, desde que ela seja objetivamente dada no tempo e no espaço, depende simultaneamente
de vários sistemas de cultura: universal, continental, nacional, provincial, local, etc., e familiar, pro-
fissional, confessional, político, etc. (apud Cuche, 2002 p. 142).
Todas as sociedades têm uma cultura própria, que nunca é totalmente original, pois mescla
elementos de outras culturas. Por exemplo, a língua falada no Brasil é o português, que é origi-
nário de outro país, Portugal, sendo a língua portuguesa derivada do latim. Nenhuma cultura é
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Anna Rosa Fontella Santiago – Andréa Becker Narvaes – Marta Estela Borgmann
totalmente autônoma, não é independente de outras culturas, nem das esferas políticas e eco-
nômicas da sociedade. Nenhuma cultura é estanque, elas são dinâmicas, mudam ao longo do
tempo. Um exemplo desta dinâmica é a variação que sofreu, no decorrer das últimas décadas, o
que é considerado o modo de ser feminino.
Em uma dada sociedade, diversos grupos sociais podem compartilhar de diferentes uni-
versos culturais. Podemos pensar em uma cultura brasileira compartilhada pela população que
vive no Brasil, o que poderia ser exemplificado pela convivência com o futebol, ou o carnaval, ou
o samba, entre outros inúmeros elementos. Ao mesmo tempo, os brasileiros convivem com suas
culturas regionais próprias: os gaúchos, os cariocas e os mineiros são alguns exemplos.
Podemos seguir imaginando que as diferentes gerações vão participar de forma diferente
da cultura nacional e regional. Mais ainda, nos perguntamos se existe um tipo de participação
na cultura específico aos homens e as mulheres, aos meninos e às meninas? O que vemos hoje é
que a cultura contemporânea não pode ser entendida apenas nos seus contextos locais (nacional
ou regional), pois as influências globais são inegáveis.
Afirma-se que a cultura não é um dado natural, isto sim, uma produção histórica, originada
pela vida em comum de determinados grupos sociais. Na medida em que as relações sociais
hoje vividas são relações desiguais, então entre as culturas também há desigualdade, existem
culturas ou elementos culturais mais valorizados, assim como os que não são valorizados ou nem
são reconhecidos. Um elemento artístico da cultura jovem, o grafite é hoje reconhecido como
arte, mas há bem pouco tempo era confundido com “mera” pichação, sujeira e tratado como
distúrbio da ordem pública.
Para analisar a relação entre as culturas não podemos deixar de considerar as relações de
poder entre os grupos sociais que as produziram e por elas são produzidos. Se existe desigualdade
no campo econômico, político e social, também as culturas produzidas pelos diferentes grupos
se encontram em relação de força, em posição de maior ou menor legitimidade.
Finalizamos esta parte inicial sobre a definição do conceito de cultura com uma citação de
Perez Gómez que sistematiza e complementa a exposição feita até aqui:
reinterpretá-la, reproduzi-la, assim como transformá-la. A cultura potencializa tanto quanto limita,
abre ao mesmo tempo que restringe o horizonte de imaginação e prática dos que a vivem. Por outro
lado, a natureza de cada cultura determina as possibilidades de criação e desenvolvimento interno,
evolução ou estancamento, de autonomia ou dependência individual (Gómez, 2001, p. 17).
Seção 2.2
Educação
Como vimos anteriormente, é característica do seu humano o inacabamento, ele não nasce
pronto, torna-se alguém e para tanto precisa ser educado e educar a si próprio. É pelo processo
educativo que aprendemos a falar, caminhar, alimentar-se, sentir, pensar e fazer coisas. O ser
humano ao nascer está inacabado e encontra um mundo a ele preexistente. Assim, ele precisa
do outro (mãe, parentes, adultos ou instituições) para se humanizar inserindo-se neste mundo
humano.
A educação pode ser pensada como fenômeno social universal, encontrada em diferentes
sociedades, em diferentes épocas. A universalidade do ato educativo decorre da necessidade
histórica de perpetuação da espécie humana. A educação, grosso modo, é um aspecto da
socialização, enquanto uma prática intencional entre grupos e/ou indivíduos, que visa a
ensinar aos indivíduos e grupos algum aspecto da cultura humana. Educação aqui entendida
no sentido amplo de formação do sujeito e que assim pode dar-se no espaço da família, da rua,
da mídia, da igreja e também da escola.
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Anna Rosa Fontella Santiago – Andréa Becker Narvaes – Marta Estela Borgmann
A educação pode ser tomada como um processo formativo que se estende ao longo da vida
dos sujeitos. Também é possível considerar a educação como uma relação, pois implica a exis-
tência de sujeitos educadores e educandos. De acordo com Forquin (1993, p. 10), a educação:
“supõe sempre, também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma
coisa: conhecimento, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama
precisamente de conteúdos da educação”.
A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos sociais e, ali sempre se espera
de dentro, ou se diz para fora, que a sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa
melhor, de acordo com as imagens que se tem uns dos outros “e deles faremos homens...” Mas na
prática, a mesma educação que ensina sabe deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do
que pensa que faz ou do que inventa que pode fazer [...].
A educação enquanto uma prática social pode ser compreendida não apenas pelas suas
potencialidades, mas pelos seus limites, pois toda prática social pode conter contradições, ten-
sões e ambiguidades.
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Cultura, Currículo e Escola
Seção 2.3
Cultura escolar
A escola, como a conhecemos hoje, um espaço instituído para que se realize a educação
sistemática, formal e contínua das gerações novas, nem sempre existiu, ela é uma invenção da
modernidade capitalista. Nasce quase ao mesmo tempo que o Estado-nação e a fábrica para
educar os cidadãos e os trabalhadores para a nova ordem social então nascente. Na última
unidade trataremos particularmente da questão da escola e do currículo.
A relação que se estabelece entre escola e cultura não é uma relação de correspondência
ou reflexo. A escola não cumpre a função de reproduzir (refletir) a cultura da sociedade da qual
é parte. Ela escola seleciona, reelabora e reutiliza elementos da cultura, conformando o que o
sociólogo da educação Jean-Claude Forquin (1993), denomina de cultura escolar, assumindo
essa cultura escolar uma dinâmica própria, com autonomia relativa.
O próprio caráter seletivo da cultura da escola abre a possibilidade de que diferentes escolas
realizem diferentes escolhas quanto ao conteúdo e à forma do processo educacional. Conforme o
país, a época histórica, as ideologias políticas e pedagógicas dominantes, o grupo de educadores
e educandos, são selecionados elementos culturais que adquirem a legitimidade para compor a
cultura escolar. Podemos comparar (estabelecer diferenças e semelhanças) a escola brasileira
do início do século 20 e a escola brasileira de hoje, início do século 21.
Trata-se aqui cultura escolar por meio de uma noção mais abrangente que aquela definida
por Forquin (1993) como seleção e transmissão deliberada dos conteúdos escolares (conheci-
mentos, competências, crenças, hábitos e valores), mas que a inclui e alarga. Isto é, uma ideia
de cultura escolar que inclua tanto o intencional, o formalmente elaborado, o explícito, o visível,
quanto o assistemático, o informal, o implícito e o imprevisto da vida escolar.
A cultura escolar é formada por uma gama de conhecimentos sistematizados e uma rede
de saberes menos elaborados que perpassam a vida cotidiana na instituição escolar.
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Anna Rosa Fontella Santiago – Andréa Becker Narvaes – Marta Estela Borgmann
Tratar a escola na dimensão cultural implica priorizar o olhar pela dimensão simbólica da
realidade, ou seja, pelos sistemas de significantes e significados que estruturam as realidades
escolares, que dão sentido à vida dos grupos e dos indivíduos que integram a escola. Pois como
referimos anteriormente, a cultura, definida como uma rede de significados, está presente em
todos os níveis, domínios e dimensões da vida social, portanto também na vida escolar. Nessa
perspectiva, tanto as coisas materiais como as ideias e as pessoas, transmitem significados.
Significados que formam um sistema, permitindo aos sujeitos darem sentido às experiências e
constituírem suas identidades.
A escola para Perez Gómez é um entrecruzamento de culturas, a cultura crítica (Ciência, Arte
e Filosofia), a cultura acadêmica (currículo escolar), a cultura social (valores sociais dominantes),
a cultura institucional (normas, papéis e rotinas escolares) e a cultura experiencial (adquirida
pela experiência da vida dos alunos). A escola como espaço pluricultural não monocultural.
A abordagem pelo viés cultural da escola chama a atenção do pesquisador para o que re-
almente acontece na vida escolar, não apenas o que se gostaria que acontecesse, ou para o q ue
se pensaria que os sujeitos devessem ser ou fazer na escola, mas para os efeitos do processo de
escolarização nos pensamentos, nos sentimentos e nas ações dos estudantes e dos professores
reais.
Olhar a escola na perspectiva cultural nos auxilia a compreender os múltiplos sentidos que
a educação pode assumir para os diversos indivíduos e grupos sociais e culturais inseridos nos
variados contextos escolares. Esta compreensão mais aprofundada da realidade escolar polissê-
mica1 pode contribuir para ressignificá-la.
1
Polissêmica significa que possui mais de um significado.
24
EaD
Unidade 3
cUltUra, cUrrícUlo e escola
Trazer para o debate a relação que se estabelece entre currículo, identidade e diferença
requer clareza destes conceitos. Os textos anteriores aprofundam as concepções de currículo e
sua intrínseca relação com a escola e a cultura, e neste livro-texto faremos uma breve elucidação
dos conceitos de identidade e diferença segundo a abordagem de alguns autores dos estudos
culturais.
Diante do que idealizamos como escola de qualidade para todos, pensando em aspectos
relacionados à história, à sociedade e à cultura, o currículo revela a capacidade investigativa
de superação de todas as formas de exclusão. Para além da preocupação com a desigualdade, a
escola e o currículo precisam levar em conta a pluralidade cultural de nossa sociedade, buscando
desafiar as relações de poder que produzem e preservam as diferenças.
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Anna Rosa Fontella Santiago – Andréa Becker Narvaes – Marta Estela Borgmann
O objeto central da discussão sobre currículo, identidade e diferença está na ideia de como
o currículo, na perspectiva pós-crítica, explica a constituição de saberes, questionando as relações
de poder e apontando elementos que tratam da emergência de uma(s) identidade(s).
Diversos autores discutem esta perspectiva a partir dos estudos culturais, são eles Stuart
Hall (1998), Goodson (1995), Babha (1998), entre outros. Assim, a cultura não pode ser estudada
como variável sem importância, mas deve ser vista como algo fundamental, constitutivo, que
determina a forma e a vida interior desse movimento. A escola é, sem dúvida, uma instituição
cultural. As relações entre escola e cultura devem ser entendidas como relações entrelaçadas e
profundamente articuladas. Algumas conjecturas devem ser feitas, de forma a servirem de ele -
mentos para esta análise, como veremos a seguir.
Será que professores e professoras atuando no currículo escolar não estão fazendo da
educação um processo de diminuição e negação do outro? O currículo se apresenta como um
espaço do outro, geralmente ocupado pela ideia estereotipada (violento, sujo, mal-educado,
deficiente, negro) de um sujeito que se desconhece, envolvido de preconceitos.
Seção 3.1
Identidade e diferença
A temática da identidade ocupa lugar importante nos estudos que perpassam esta relação.
O foco na identidade revela-se indispensável para o debate na educação. Conforme Moreira
(apud Silveira, 2011), é necessário que os professores saibam analisar o cenário – panorama das
modificações que ocorrem na economia, política, cultura, nas relações e nas práticas do
cotidiano, para precisar nossa concepção de identidade e para compreender como toda essa
dinâmica atinge e afeta nossos alunos.
O que caracteriza o universo escolar é a relação entre as culturas, relação esta atravessada
por tensões e conflitos. Isso se acentua quando as culturas acadêmicas, sociais e institucionais,
profundamente articuladas, tornam-se hegemônicas e tendem a ser absolutizadas.
Buscando este conceito no dicionário Paulo Freire (Streck; Redin; Zitkoski, 2010), veremos
que as propostas pedagógicas partem da identidade e para ela convergem a partir da defesa da
autonomia, inaugurando-se como compromisso dos homens consigo mesmos, com sua identidade
cultural. O ato de ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural, ou seja,
26
Cultura, Currículo e Escola
a defesa de que a importância da prática educativa crítica está na criação de condições para que
as pessoas envolvidas no processo educacional possam vivenciar a experiência profunda de se
assumirem. Assumir-se como um ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar (p. 46).
Ainda, afirma a identidade cultural e o respeito a ela como um imperativo ético que se vincula
à consciência de nosso inacabamento. Segundo Freire (Streck; Redin; Zitkoski, 2010), o educa-
dor não respeita a curiosidade, o gosto estético, a inquietude, a linguagem e a rebeldia legítima
de seus educandos, ironizando-os, assim como aquele educador que se furta ao dever de propor
limites à liberdade do aluno e ao dever de ensinar, de se fazer presente na experiência formadora
do educando, transgride os princípios fundamentalmente éticos de nossa existência (p. 66).
Percebemos assim que a/as identidade/s, para se constituírem como realidade, pressupõem
uma interação. Esta interação traz a possibilidade do indivíduo de produzir uma ideia de si
mesmo, de seu “eu”, sendo intermediada pelo reconhecimento obtido dos outros em
decorrência de sua ação.
Podemos afirmar que o que nos torna mais semelhantes enquanto gênero humano é o fato
de todos apresentarmos diferenças: de gênero, raça/etnia, idade, território, geração, culturas,
experiências, entre outras. E mais: somos desafiados pela própria experiência humana a aprender
a conviver com as diferenças. Isto está dado. O nosso grande desafio está em desenvolver uma
postura ética sobre estas diferenças e entender que nenhum grupo humano e social é melhor
ou pior do que outro.
Segundo Tomaz Tadeu da Silva (1995), o conhecimento, a cultura e o currículo são produzidos
no contexto das relações sociais e de poder. Esquecer esse processo de produção – no qual estão
envolvidas as relações desiguais de poder entre grupos sociais – significa reificar1 o conhecimento
e reificar o currículo, destacando apenas os seus aspectos de consumo e não de produção.
1
Reificar significa considerar algo abstrato como coisa material, e quando se trata de homens é transformar
o homem ou algo em coisa-objeto de consumo.
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Anna Rosa Fontella Santiago – Andréa Becker Narvaes – Marta Estela Borgmann
Ainda no entendimento deste autor, mesmo quando pensamos no currículo como algo dado,
pronto, como uma listagem de conteúdos, por exemplo, ele acaba sendo, fundamentalmente,
aquilo que fazemos com ele desta forma, limitado, pois mesmo uma lista de conteúdos não teria
propriamente existência e sentido se não se fizesse nada com ela. Nesse sentido, o currículo não
se restringe apenas a ideias e abstrações, mas a experiências e práticas construídas por sujeitos
concretos, imersos em relações de poder.
O currículo pode ser considerado uma atividade produtiva e possui um aspecto político que
pode ser visto em dois sentidos: em suas ações (aquilo que fazemos) e em seus efeitos (o que ele
nos faz). Também pode ser considerado um discurso que, ao corporificar narrativas particulares
sobre o indivíduo e a sociedade, participa do processo de constituição de sujeitos (e sujeitos
também muito particulares). Sendo assim,
Segundo Moreira e Silva (2011), é durante nossa vida que vamos construindo nossas
identidades por meio das interações e identificações com as diferentes pessoas e grupos com
as quais convivemos, formando elos e estabelecendo com as pessoas, grupos, personalidades,
personagens, relações midiáticas. Nossa identidade vai sendo constituída/produzida, de modo
complexo em meio as estas relações conforme as situações que vamos nos colocando.
Citando novamente Silva (1995), a nossa identidade não é uma essência, não é um dado,
não é fixa, não é estável, nem centrada, nem unificada, nem homogênea, nem definitiva. É
instável, contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada. É uma construção, um efeito,
um processo de produção, uma relação, um ato performativo.
Nesse sentido, considerando ainda que a diversidade cultural varia de contexto para
contexto, nem sempre aquilo que julgamos como diferença social, histórica e culturalmente
construída tem o mesmo sentido, interpretação em lugares diferentes na sociedade. Além
disso, o modo de ser e de interpretar o mundo também é variado e diverso. Por isso, a
diversidade precisa ser entendida em uma perspectiva ampla, de relações e pensamentos.
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Cultura, Currículo e Escola
As características, os significados dados pela cultura para distinguir tanto o sujeito quanto
o grupo a que ele pertence dependem do lugar por eles ocupado na sociedade e da relação que
estabelecem e mantêm entre si e com os outros. Não podemos esquecer que essa sociedade foi
e é construída em contextos históricos, socioeconômicos e políticos diversos e, muitas vezes,
tomados pelos processos de colonização e dominação. Isso demarca a entrada e discussão no
terreno das desigualdades e das diferenças produzidas.
Retomando novamente Tomás Tadeu da Silva (1995), nem sempre a diversidade é enten-
dida como a construção histórica, social e cultural das diferenças. Implica um trato igualitário
e democrático em relação àqueles considerados diferentes. Muito do que fomos educados a ver
e distinguir como diferença é, na realidade, uma invenção humana que, ao longo do processo
cultural e histórico, foi tomando forma e materialidade. No processo histórico, sobretudo nos
contextos de colonização e dominação, os grupos humanos não passaram a hostilizar e dominar
outros grupos simplesmente pelo fato de serem diferentes, mas sim pela posição que ocupavam
nestas relações.
Existem questionamentos textos por diversos autores que reiteram os questionamentos que
devem ser refletidos. Como as diferenças são legitimadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais?
Fazem parte do currículo vivenciado nas escolas e das políticas curriculares?
Que histórias as narrativas do currículo têm contado sobre as relações raciais, os movimentos
do campo, o movimento indígena, o movimento das pessoas com deficiência, a luta dos povos da
floresta, as trajetórias dos jovens da periferia, as vivências da infância (principalmente a popular)
e a luta das mulheres? Que grupos sociais têm o poder de se representar e quais podem apenas
ser representados nos currículos?
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Anna Rosa Fontella Santiago – Andréa Becker Narvaes – Marta Estela Borgmann
Diante das reflexões e das respostas a essas perguntas poderemos pensar qual a função
pedagógica diante da diversidade.
Um bom exercício para perceber o caráter indagador da diversidade nos currículos seria
analisar as propostas e documentos oficiais e investigar se a questão da diversidade aparece
como eixo central ou somente como tema.
Moreira (apud Silveira, 2011), apresenta pressupostos que enfocam as questões de iden-
tidade e diferença na sala de aula, determinando algumas estratégias importantes a serem con-
sideradas na relação professor/aluno.
– Facilitar ao estudante a compreensão e a crítica dos aspectos das identidades sociais estimu-
lados pelos diferentes meios de comunicação.
– Articular as diferenças.
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EaD
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