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Reinaldo Gonçalves2
Sumário
1. Introdução 2
2. Fundamentos analíticos 3
3. Limitações e Possibilidades 12
3.1 Política comercial 12
3.2 Defesa comercial e salvaguarda 18
3.3 Propriedade intelectual 24
3.4 Investimento externo 25
4. Conclusões 28
Bibliografia 34
Resumo
1
Publicado em Confederação Nacional da Indústria, Desafios da política industrial no Brasil do
século XXI. Brasília: Instituto Euvaldo Lodi, 2009, ISBN 978-85-87257-46-8 (CD). Disponível:
www.iel.org.
2
Professor titular de Economia Internacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
reinaldogoncalves1@gmail.com. Portal: http://reinaldogoncalves.blogspot.com/
2
1. Introdução
Os arranjos jurídicos e institucionais que tratam do comércio
internacional implicam obrigações e compromissos que limitam o grau de
autonomia das políticas nacionais. Conforme foi destacado na XI Conferência
da Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento: “cada governo deve
avaliar o trade-off entre os benefícios de aceitar regras e compromissos
internacionais e as restrições impostas pela perda de autonomia de política
[policy space]. Para os países em desenvolvimento é particularmente
importante considerar as metas e os objetivos do desenvolvimento, para o
equilíbrio apropriado entre a autonomia de política nacional e as disciplinas e
os compromissos internacionais.” (UNCTAD, 2004, p. 3).
Nas negociações comerciais internacionais os países podem definir os
ganhos de acesso a mercados relevantes como a principal diretriz estratégica.3
Entretanto, isto não deve implicar a negligência quanto aos custos derivados
dos compromissos e obrigações internacionais.
No âmbito do sistema mundial de comércio, o Brasil está envolvido em
inúmeras negociações nas dimensões multilateral, plurilateral e bilateral.
Dentre estas negociações os destaques são a Rodada Doha da OMC
(Organização Mundial do Comércio), o Acordo de Livre Comércio das Américas
(ALCA), o Mercosul (Mercado Comum do Sul) e o acordo entre o Mercosul e a
União Européia (Gonçalves, 2008).
Estas negociações podem resultar em acordos que, de uma forma ou de
outra, limitam o grau de autonomia de políticas orientadas para o
desenvolvimento industrial do país. De fato, estes acordos têm uma agenda
negativa que envolve um conjunto de instrumentos que não podem ser usados
sem riscos de retaliação. Por outro lado, os acordos configuram uma agenda
positiva que mantém aberto o espaço de política composto dos instrumentos
que não são restringidos pelos acordos. A agenda positiva significa a ausência
de risco de retaliação e, portanto, implica autonomia de política.
O objetivo geral deste texto é analisar o tema da maximização do grau
de autonomia de políticas públicas orientadas para o desenvolvimento
3
Esta é a avaliação da maior parte dos economistas, enquanto outros especialistas trabalham
como objetivos extra-econômicos. No caso das negociações comerciais internacionais do
Brasil, Rios (2006, p. 35) defende a prioridade para a questão de acesso a mercados, enquanto
Guimarães (2006) vê estas negociações (principalmente no âmbito da integração comercial
regional) como instrumento para a política externa independente na direção do multilateralismo.
3
industrial. Neste sentido, o texto converge para a orientação geral das políticas
industriais implementadas na América Latina a partir de segunda metade dos
anos 1990. Nesta orientação está explícita a intervenção governamental (Melo,
2001, p. 12).
O objetivo específico do texto é identificar o espaço de política disponível
para o país. Ou seja, apontam-se os meios de promoção do setor industrial que
o país pode usar sem que fique exposto à retaliação por parte dos parceiros
comerciais que estão legalmente protegidos pelos acordos internacionais.
Após esta introdução, na seção 2 faz-se a apresentação do arcabouço
conceitual e analítico que fundamenta o estudo. Na seção 3 avaliam-se as
restrições existentes nos acordos comerciais que reduzem o grau de
autonomia de políticas públicas orientadas para o desenvolvimento industrial.
Nesta seção examinam-se, também, os instrumentos de política que não são
restringidos ou proibidos nos acordos internacionais e que, portanto, podem ser
usados para o desenvolvimento industrial sem que haja risco de retaliações. Os
temas examinados são: política comercial, defesa comercial e salvaguarda,
propriedade intelectual e investimento externo. A última seção apresenta a
síntese das principais conclusões do estudo.
2. Fundamentos analíticos
Política industrial refere-se ao conjunto de ações governamentais
sistemáticas vis-à-vis o desenvolvimento do setor industrial. Esta é uma
definição lato sensu que não impede a elaboração de definições stricto sensu
focadas em aspectos específicos como desempenho, conduta e estrutura. O
Quadro 1 apresenta um conjunto de distintas definições de política industrial.4
4
O conceito de política industrial não é facilmente encontrado nos mais conhecidos dicionários
de Economia, contrariamente ao que ocorre com outros conceitos como política monetária e
política fiscal. Para ilustrar, não se encontra o verbete política industrial no Palgrave Dictionary
e no Penguin Dictionary of Economics.
4
Quadro 1
Política industrial: Definições
Quadro 2
Política industrial na América Latina: Áreas e instrumentos preferenciais
Áreas Instrumentos
Agência de crédito à exportação
Linhas de crédito em bancos de desenvolvimento
Empréstimos para capital de giro
Promoção de exportações:
Financiamento para projetos de investimento
incentivos financeiros
Crédito para compradores
Financiamento para atividades de marketing
Seguro de crédito à exportação
Esquemas de créditos fiscais
Drawback
Promoção de exportações: Esquemas de admissão temporária
incentivos fiscais Zonas de processamento de exportação
Isenção de imposto de importação
Isenção de impostos domésticos
Empréstimos para capital de giro
Empréstimos para ativos fixos e projetos de investimento
Participação acionária em empreendimentos
Incentivos fiscais para
Empréstimos para setores específicos
produção e investimento
Incentivos fiscais horizontais
Incentivos fiscais para setores específicos
Incentivos para desenvolvimento regional
Gráfico 1
Autonomia de política e acesso a mercado
Autonomia de política
Y X
F1 L
T1
Acesso a mercado
3. Limitações e possibilidades
Nesta seção analisam-se as restrições existentes nos acordos e arranjos
internacionais que limitam a autonomia de política industrial (agenda negativa),
bem como as “janelas de possibilidades” ainda abertas (agenda positiva).
Nos esquemas de integração regional e nos acordos de livre-comércio,
os arranjos jurídicos geralmente seguem os arranjos multilaterais definidos na
OMC. Isto não significa, naturalmente, que os esquemas bilaterais e
plurilaterais simplesmente reproduzam o arcabouço jurídico da OMC. Muito
pelo contrário, pois há enorme diversidade nos esquemas regionais. E, em
alguns deles as restrições e compromissos vão muito além daqueles existentes
na OMC. Este é o caso, por exemplo, da União Européia, do NAFTA, e dos
acordos bilaterais realizadas pelos Estados Unidos com países da América
Latina.
As principais áreas nas quais os arranjos comerciais de qualquer
dimensão afetam o desenvolvimento industrial são: política comercial, defesa
comercial. salvaguarda, propriedade intelectual e investimento externo
(UNCTAD, 2006, capítulo 5, seção C; Abugattas e Paus, 2006; Page, 2007).
A questão central consiste, então, em identificar estas restrições e as
“janelas de oportunidades” existentes nos arranjos comerciais.
Quadro 3
Tarifas consolidadas: Setor não-agrícola
(%)
Quadro 4
Tarifas aplicadas: Setor não-agrícola
(%)
6
Desde 1999 a Argentina tem uma taxa de estatística que incide sobre produtos oriundos do
Mercosul, exceto alguns produtos, principalmente, bens de capitais.
17
r=421&numInclude=2.
11
Ver http://www.fiesp.com.br/agencianoticias/2006/08/18/7696.ntc.
19
Quadro 5
Tarifas médias: Setor não-agrícola por grupo de produtos
(%)
Brasil Índia
Aplicada Consolida Aplicada/ Aplicada Consolida Aplicada/
da Consolida da Consolida
da da
Madeira,
celulose,
11,0 28,8 38,2 25,7 36,5 70,4
papel e
mobiliário
Têxtil e
17,7 34,8 50,9 28,0 ... ...
vestuário
Couro,
borracha, 14,2 35,0 40,6 28,6 35,2 81,3
sapatos
Metais 11,4 33,0 34,5 29,0 38,7 74,9
Químicos 8,4 21,0 40,0 29,3 39,6 74,0
Material de
18,3 33,3 55,0 37,0 35,8 103,4
transporte
Equip. não-
13,0 32,4 40,1 25,2 28,3 89,0
elétrico
Equip.
14,6 32,0 45,6 24,8 26,8 92,5
elétrico
Produtos
7,6 32,7 23,2 26,8 37,6 71,3
minerais
Outros
15,7 33,2 47,3 27,0 31,4 86,0
prods. inds.
Pescado 10,1 33,5 30,1 30,0 100,7 29,8
Petróleo 0,2 35,0 0,6 18,0 ... ...
Média 12,7 30,8 41,2 27,9 34,3 81,3
Quadro 6
Indústria nacional: Definição
“conjunto dos produtores dos bens similares ou diretamente concorrentes que operam dentro
do território de um Membro ou aqueles cuja produção conjunta de bens similares ou
diretamente concorrentes constitua uma proporção substancial da produção nacional total de
tais bens.” (Art. 4 (1) letra c).
Fonte: http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/25-safeg.doc.
21
12
Não é por outra razão que o Relatório Anual da OMC de 2006 (World Trade Report 2006)
tem como eixo temático os subsídios.
22
Quadro 7
Subsídios, 1998-2002
(%, média anual)
14
Ver, http://www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?27525609.
25
15
No Brasil houve a promulgação da Lei no. 9.279 de 14 de maio de 1996 sobre propriedade
industrial, a Lei no. 9.609 de 19 de fevereiro de 1998 sobre programas de computador, e a Lei
no. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 sobre direitos autorais. Ver, Costa (2006), p. 146.
16
A contrafação refere-se ao uso de marca sem autorização do proprietário. A pirataria é a
cópia, sem autorização, de um produto.
26
17
No caso da lei brasileira o período mínimo de proteção a marcas é de dez anos (Costa, 2006,
p. 151).
27
18
O caso do Equador é mencionado por Di Caprio e Amsden (2004, p. 10). Piani e Miranda
(2006, p. 16-19) analisam o regime automotivo do Mercosul.
29
4. Conclusões
No contexto dos acordos, instituições e negociações internacionais, há
sérias restrições de jure às políticas industriais. Por outro lado, há grau de
autonomia de facto para implementação de políticas de desenvolvimento
industrial.
O pressuposto básico deste estudo é que há necessidade e espaço para
políticas de intervenção governamental em geral, e políticas industriais, em
particular. A desconfiança quanto à eficácia de políticas governamentais reflete,
em grande medida, concepções doutrinárias a respeito do funcionamento da
economia e do processo de formação de políticas públicas. Desprovidos das
doutrinas, analistas e tomadores de decisão mais pragmáticos devem
reconhecer os papéis específicos de empresas privadas, instituições, Estado e
mercado. E, portanto, políticas industriais pró-ativas devem encontrar posição
privilegiada na agenda política de países em desenvolvimento como o Brasil.
Na seção 2 apareceu com destaque o argumento de que a política
industrial é importante instrumento do desenvolvimento econômico e social.
Esta importância decorre não somente das externalidades de informação e
coordenação, mas sobretudo da necessidade de se dar “rumo e prumo” ao
desenvolvimento industrial. Trata-se, aqui, do conhecido tema da estratégia de
desenvolvimento industrial, que transcende o escopo deste trabalho. No
entanto, o que é fundamental reconhecer é que é necessário autonomia de
política para se implementar programas de modernização, mudança estrutural,
aumento da concorrência e elevação da competitividade internacional da
indústria nacional.
O pragmatismo recomenda, ainda, que se reconheçam as limitações
impostas pelas negociações e acordos comerciais internacionais nas
dimensões multilateral, plurilateral e bilateral. Estas limitações impõem o
30
Quadro 8
Acordos e negociações internacionais: Restrições e autonomia de política
Áreas Restrições Autonomia de política
Acesso a mercado – Nível das tarifas consolidadas Liberalização comercial seletiva
restringe o uso de Dispersão das tarifas Proteção temporária
tarifas e barreiras Cobertura das tarifas consolidadas Tarifas consolidadas elevadas
não-tarifárias Barreiras não-tarifárias proibidas Redução da tarifa média, mas com
dispersão
Uso de pico tarifário
Regimes especiais (ZPEs, regimes
setoriais, etc)
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