Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
produção agrícola1
Key-words: World Order; Global Political Economy; La Vía Campesina; Global Civil
Society; Counter-hegemony.
1
Artigo apresentado no SimpoRI 2015 do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
Santiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), com o auxílio da FAPEMIG.
2
Aluno do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade
Federal de Uberlândia (PPGRI-UFU).
1
1. Introdução
Apesar dos avanços para as RI proporcionados por estes autores, os seus estudos
não ampliam o espaço ontológico, restringindo o campo da EPI às relações interestatais
(KEOHANE, 2009) e tratando a globalização enquanto um fenômeno dado do momento
contemporâneo (GILL, 1993). Os questionamentos sobre o modelo da escola
estadunidense ganham espaço com as contribuições de Susan Strange (1997) e Robert
3
A denominação exata utilizada por Gilpin (1983) para se referir aos teóricos realistas é a neomercantilista.
2
Cox (1983), que estimularam o transbordamento da análise dos fenômenos econômicos
no cenário internacional para além do escopo teórico e empírico proposto pelos autores
anteriores, o que serviu para construir uma nova linha de pensamento na EPI, a escola
inglesa (COHEN, 2007). Este artigo se insere dentro desta corrente, e tem como objetivo
expandir o entendimento sobre os atores marginalizados pelos interesses da classe
hegemônica em âmbito global, além das possibilidades e alternativas existentes ao
modelo de desenvolvimento neoliberal.
A partir da abertura ontológica praticada por Strange (1997) e Cox (1983) a EPI
possui caminhos distintos. Contudo, uma questão permanece ligando as diferenças
teóricas: como explicar a relação entre os atores e os efeitos causados por estes na
economia internacional em um contexto de globalização? (KEOHANE, 2009). O
pensamento neogramsciano ao relativizar a importância do ator estatal, vai além e
adiciona a participação dos excluídos no processo de construção das resistências regionais
e mundiais como reação popular de questionamento da globalização (GILL, 1990).
Portanto, os atores sociais também possui espaço dentro da EPI, o que antes era restrito
3
ao Estado e os agentes econômicos. Neste sentido a Via Campesina desempenha um
importante papel na sociedade civil global a fim de repensar o modelo de globalização
existente, e promover um economia pautada na soberania alimentar, isto é, na organização
social a partir da decisão popular.
4
Apesar de se basear nos escritos de Gramsci, o autor adiciona diversos elementos novos na sua análise
acerca da hegemonia internacional. (MCNALLY, 2008)
4
adquire o domínio do Estado através da sociedade política e o consenso no cerne da
sociedade civil, e quando ameaçada recorre aos recursos coercitivos por meio do aparato
estatal.
Cox (1996) traz esta noção de hegemonia desenvolvida por Gramsci para as
relações internacionais para analisar principalmente o declínio do modelo de
desenvolvimento praticado pelas instituições de Bretton Woods no pós-guerra e a
implementação do neoliberalismo enquanto resposta hegemônica para a crise. Assim, o
autor demonstra que os principais Estados da economia internacional (EUA, Europa e
Japão) adotaram a internacionalização da produção para a manutenção da taxa de lucros,
e as Organizações Internacionais (OIs), o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), por exemplo, reproduzem o plano econômico neoliberal sobre os
demais Estados componentes da sociedade internacional5 (COX, 1983).
5
O autor utiliza o termo “riot control” para definir a principal atividade das instituições econômicas
internacionais em relação à periferia (COX, 1996).
5
(1996) relata a formação desta revolução passiva6 através dos governos de Margaret
Thatcher (1979 – 1990) e Ronald Regan (1981 – 1989), os quais desintegraram as bases
da social-democracia firmada no acordo entre o mercado, a sociedade política e os
sindicatos, para realinhar a atuação estatal nas práticas keynesianas de controle da
demanda agregada.
6
A revolução passiva se trata da cooptação das classes inferiores pelo projeto hegemônico, agora de uma
nova forma, mas a dominação permanece (MORTON, 2007).
7
Isto justifica o caráter relativo dado por Cox ao sistema interestatal, posto que se trata de um determinado
modo de organização social na história, de modo que a mudança sempre é possível. (LINKLATER, 1996).
88
A transnacionalização das classes não é bastante explorada por Cox, uma vez que este acaba considerando
principalmente o ator estatal. Porém, baseado na abordagem crítica proposta por Cox, outros autores
avançam na exploração da classe capitalista transnacional e a sua articulação, como é o caso de Robinson
(2005).
6
para os pontos periféricos da economia internacional, visando os recursos dos Estados
periféricos: mercado consumidor, mão-de-obra e matéria-prima baratas, além de
impostos inferiores (COX, 1996).
9
O Consenso de Washington se trata de um pacote de medidas neoliberais elaboradas na capital dos Estados
Unidos em novembro de 1989 com o objetivo de solucionar os problemas macroeconômicos encontrados
na região da América Latina. Para a sua formulação estiverem presentes funcionários públicos dos EUA,
de organizações financeiras internacionais e economistas latino-americanos (BATISTA, 1994).
7
A Sociedade Civil Global para Cox (1999) e Gill (2008), assim como na visão
doméstica de Gramsci (1995), é caracterizada pelos diversos atores que agem na política
economia internacional desvinculados do poder estatal. Apesar de não estarem na
sociedade política diretamente, determinados atores muitas vezes interferem no
planejamento das decisões estatais, como é o caso das multinacionais, e reforçam o
consenso das idéias do projeto hegemônico na esfera da sociedade civil. Já aqueles que
resistem à hegemonia internacional também participam da Sociedade Civil Global, mas
muitas vezes são ignorados pelo poder estatal, devido aos seus interesses contrários ao
status-quo.
10
Apesar do autor utilizar o termo “ordem” para designar o status-quo contemporâneo nas relações
internacionais, o seu significado pode ser problematizado devido à dificuldade de coordenação nas relações
econômicas internacionais (LOPES & RAMOS, 2009).
8
A hegemonia dos EUA, Europa e Japão com base na internacionalização da
produção marginaliza o debate sobre os produtos agrícolas na OMC 11, porém ela
permanece responsável por regular as trocas comerciais dos bens primários no âmbito
internacional. O plano econômico para a agriculta deste órgão é bastante evidente: a
reforma agrária deve ser obtida através da vendas de terras não utilizadas, ou pouco
eficientes, para aquele que apresentar as melhores condições econômicas de produção,
através do financiamento de bancos privados (BORRAS, 2004). A aplicação do
neoliberalismo na agricultura excluí qualquer possibilidade de propriedades públicas ou
comunais, posto que a modernização da agricultura estabelece a privatização das
propriedades do Estado como estímulo para a entrada de investimento externo direto, o
que regulariza o fluxo do capital interno. O objetivo de tal modelo é fornecer a inserção
adequada da economia local no cenário internacional a partir da especialização e
modernização produtiva, mas intensifica a política de concentração de terras das regiões
periféricas. A mercantilização da terra no discurso e ação neoliberal suscitou vários
movimentos questionadores da legitimidade estatal, principalmente na América Latina
(COX, 1999; MORTON, 2007).
11
Mesmo com as novas estratégias de negociação formadas pelos Estados do sul, liderados pelo Brasil e
Índia (NARLIKAR, 2003), a relação comercial dos produtos agrícolas continua como uma pauta
marginalizada na agenda da OMC. Chang (2006) demonstra que a omissão das decisões da OMC acerca
das pautas primordiais para os Estados do Sul, como a agrícola, fortalece o baixo grau de desenvolvimento
econômico da região.
12
Por transformismo se entende a capacidade da classe hegemônica de cooptar as demandas populares sem
alterar o status-quo (COX,1983).
9
contra-hegemônicas na arena internacional, sem perder o foco e o interesse primordial no
campo nacional-popular, o qual sustenta qualquer possibilidade de reação global
(MCNALLY, 2009).
13
A Via Campesina surge em 1993 em uma conferência realizada pela ONG Fundação Paulo Freire em
Mons na Holanda. A maioria das 36 nacionalidades iniciais eram latino-americanos e europeus, mas no
decorrer das conferências a adesão de outras regiões do mundo, como o Sudeste Asiático, o Sul da Ásia e
a África expandiram o caráter global do movimento (VIEIRA, 2015).
14
Contudo, isto não quer dizer que o movimento esteja de livre de obstáculos para a articulação. O processo
de metagovernança gerada pelo movimento transnacional em redes tem se aperfeiçoado no decorrer do
processo de institucionalização, justamente devido a superação de frequentes dificuldades apresentadas
neste modelo de organização (DESMARAIS, 2008).
10
Campesina parece lidar criticamente com este fenômeno, explicitado por Cox (1999) na
comparação entre as condições da classe operária no Norte e no Sul, ao relativizar as
fronteiras sociais e aproximando os seus membros para a ação coletiva por meio do
interesse pela alteração da posição dada à terra dentro da agenda econômica global. Logo,
o movimento é movido pelas contradições locais interligadas com o contexto
internacional.
11
retirada do controle da OMC sobre a pauta agrícola, pois para o movimento o assunto
deveria ser tratado pela Organização das Nações Unidas (ONU)15 (BORRAS, 2004).
15
A decisão não elimina uma visão crítica a respeito das reformas internas necessárias à ONU. Tanto que
apesar de ser uma decisão após debates sobre os rumos da agricultura na economia global, muitos membros
da Via Campesina questionam a legitimidade da organização na gerência dos assuntos internacionais
(BORRAS, 2004), como será mostrado adiante.
12
pelos camponeses e os indígenas é esquecido pelo controle do mercado no processo de
reforma agrária neoliberal. O significado da terra enquanto produto/propriedade privada
(BORRAS, 2004) no discurso globalizante das relações econômicas internacionais é
contraposto pela noção da soberania alimentar. Neste sentido, a Via Campesina se
caracteriza como um movimento social transnacional que se articula pela identidade
(campesina e indígena) e também pela relação com as forças produtivas, de modo que as
leituras pós-modernas referentes aos movimentos sociais enquanto desligados da
estrutura econômica (LYOTARD, 1984) é negada.
4. Considerações finais
Dentro do escopo analítico proposto por Gill (1993) e Cox (1983) é possível
perceber a emergência de forças sociais antagônicas àquelas colocadas pelo movimento
de cima-para-baixo sobre a sociedade civil global. O projeto contra-hegemônico da Via
Campesina se torna um ator na EPG ao resistir à aplicação das políticas econômicas e
sociais necessárias para a internacionalização da produção, principalmente na área
agrícola. O conceito pós-colonial de hibridismo16 no movimento se torna claro ao colocar
a classe camponesa, no seu sentido mais plural, para o centro da articulação de
contestação global ao neoliberalismo. Deste modo, os pequenos produtores e indígenas
marginalizados nas decisões da Ordem Mundial não ignoram a redução das fronteiras
16
Chowdry e Neir (2002) denotam o hibridismo como a capacidade dos povos subalternos em se
apropriarem das condições de opressão para poderem se emancipar.
13
temporais e espaciais proporcionada pela tecnologia contemporânea, mas a utilizam para
apresentar novas alternativas de organização política e de desenvolvimento econômico
para a sociedade civil global. A participação camponesa demonstra inclusive o
distanciamento de qualquer leitura ortodoxa, em que a via campesina seria subalterna a
outras classes trabalhadoras.
14
construção de espaços democráticos, mostram que as forças sociais de resistência não
aceitam facilmente o movimento de cima-para-baixo e se constituem como vias para um
projeto de desenvolvimento igualitário.
5. Referências bibliográficas
BELEM LOPES, Dawisson; RAMOS, Leonardo Cesar. Existe uma ordem econômica
internacional? A problematização de uma premissa. Revista de Economia Política, vol.
29, no. 2, 2009.
COHEN, Benjamin. The transatlantic divide: why are american and british IPE so
different? Review of International Political Economy, vol. 14, no. 2, 2007.
COX, Robert W. Civil society at the turn of the millenium: prospects for an alternative
world order. Review of international studies, v. 25, p. 3-28, 1999.
___. Production, power, and world order: Social forces in the making of history.
Columbia University Press, 1987.
___. The global political economy and social choice. In. Approaches to world order.
Cambridge University Press, 1996.
CHOWDHRY, Geeta and NAIR, Sheila. Power and Postcolonial Relations: Reading
race, gender and class. London and New York. 2002.
CLAEYS, Priscilla. Food Sovereignty and the Recognition of New Rights for Peasants
at the UN: A Critical Overview of La Via Campesina's Rights Claims over the Last 20
Years. Globalizations. p. 1-14, 2014.
15
GILL, Stephen. Two concepts of international political economy. Review of
International Studies. v. 16, 369-381. 1990.
____. Power and Resistance in the New World Order: Fully Revised and Updated.
Palgrave Macmillan, 2008.
KEOHANE, Robert. The old IPE and the new. Review of International Political
Economy, vol. 16, no. 1, 2009.
LYOTARD, Jean-François. The postmodern condition: A report on knowledge.
University of Minnesota Press, 1984.
RAMOS, Leonardo. Collective political agency in the XXIst century: Civil Society in
na age of globalization. CSGR Working Paper Series. 2006.
16
________. Beyond nation-state paradigms: Globalization, sociology, and the challenge
of transnational studies. In: Sociological Forum Kluwer Academic Publishers-
Plenum Publishers, 1998. p. 561-594.
SMITH, S. Positivism and beyond. In. International Theory: Positivism and Beyond.
K. B. M. Z. Steve Smith. Cambridge, Cambridge University Press. pp. 11-44. 1996.
WORTH, Owen. Beyond world order and transnational classes: the (re)application of
Gramsci in global politics. Gramsci and Global Politics: Hegemony and Resistance.
Routledge Innovations in Political Theory. 2009.
17