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Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica 6 - 27 Outubro

Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e


para uma Ecologia Integral
http://www.sinodoamazonico.va/content/sinodoamazonico/pt/documentos/instrumentum-
laboris-do-sinodo-amazonico.html

AMAZÔNIA: NOVOS CAMINHOS PARA A IGREJA E PARA UMA ECOLOGIA INTEGRAL


Vaticano, 17 de junho de 2019

ÍNDICE
SIGLAS
INTRODUÇÃO
I PARTE . A VOZ DA AMAZÔNIA
CAPÍTULO I VIDA
Amazônia, fonte de vida
Vida em abundância
O “bem viver”
Vida ameaçada
Defender a vida, enfrentar a exploração
Clamor para viver
CAPÍTULO II TERRITÓRIO
Território, vida e revelação de Deus
Um território onde tudo está interligado
A beleza e a ameaça do território
Território de esperança e do “bem viver”
CAPÍTULO III TEMPO (KAIRÓS)
Tempo de graça
Tempo de inculturação e de interculturalidade
Tempo de desafios graves e urgentes
Tempo de esperança
CAPÍTULO IV DIÁLOGO
Novos caminhos de diálogo
Diálogo e missão
Diálogo com os povos amazônicos
Diálogo e aprendizagem
Diálogo e resistência
Conclusão
II PARTE ECOLOGIA INTEGRAL: O CLAMOR DA TERRA E DOS POBRES
CAPÍTULO I DESTRUIÇÃO EXTRATIVISTA
O clamor amazônico
Ecologia integral
Ecologia integral na Amazônia
Não à destruição da Amazônia
Sugestões
CAPÍTULO II POVOS INDÍGENAS EM ISOLAMENTO VOLUNTÁRIO (PIAV):
AMEAÇAS E PROTEÇÃO
Povos nas periferias
Povos vulneráveis
Sugestões
CAPÍTULO III MIGRAÇÃO
Povos amazônicos em saída
Causas da migração
Consequências da migração
Sugestões
CAPÍTULO IV URBANIZAÇÃO
Urbanização da Amazônia
Cultura urbana
Desafios urbanos
Sugestões
CAPÍTULO V FAMÍLIA E COMUNIDADE
As famílias amazônicas
Mudanças sociais e vulnerabilidade familiar
Sugestões
CAPÍTULO VI CORRUPÇÃO
Corrupção na Amazônia
Flagelo moral estrutural
Sugestões
CAPÍTULO VII A QUESTÃO DA SAÚDE INTEGRAL
Saúde na Amazônia
Valorização e aprofundamento das medicinas tradicionais
Sugestões
CAPÍTULO VIII EDUCAÇÃO INTEGRAL
Uma Igreja sinodal: discípula e mestra
Educação como encontro
Educação para uma ecologia integral
Sugestões
CAPÍTULO IX A CONVERSÃO ECOLÓGICA
Cristo nos chama à conversão (cf. Mc 1, 15)
Conversão integral
Conversão eclesial na Amazônia
Sugestões
III PARTE IGREJA PROFÉTICA NA AMAZÔNIA: DESAFIOS E
ESPERANÇAS
CAPÍTULO I IGREJA COM ROSTO AMAZÔNICO E MISSIONÁRIO
Um rosto rico de expressões
Um rosto local com dimensão universal
Um rosto desafiador diante das injustiças
Um rosto inculturado e missionário
CAPÍTULO II DESAFIOS DA INCULTURAÇÃO E DA
INTERCULTURALIDADE
A caminho rumo a uma Igreja com rosto amazônico e indígena
Sugestões
A evangelização nas culturas
Sugestões
CAPÍTULO III A CELEBRAÇÃO DA FÉ: UMA LITURGIA INCULTURADA
Sugestões
CAPÍTULO IV A ORGANIZAÇÃO DAS COMUNIDADES
A cosmovisão dos indígenas
Distâncias geográficas e pastorais
Sugestões
CAPÍTULO V A EVANGELIZAÇÃO NAS CIDADES
Missão urbana
Desafios urbanos
Sugestões
CAPÍTULO VI DIÁLOGO ECUMÊNICO E INTER-RELIGIOSO
Sugestões
CAPÍTULO VII MISSÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Meios, ideologias e culturas
Meios de comunicação da Igreja
Sugestões (cf. DAp., 486)
CAPÍTULO VIII O PAPEL PROFÉTICO DA IGREJA E A PROMOÇÃO
HUMANA INTEGRAL
Igreja em saída
Igreja à escuta
Igreja e poder
Sugestões
CONCLUSÃO

Siglas
AG Decreto Ad Gentes: Sobre a Atividade
Missionária da Igreja, Paulo VI, Concílio Vaticano II, 1965.
AL Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia,
Francisco, 2016.
CIMI Conselho Indigenista Missionário, CNBB, Brasil.
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
CV Encíclica Caritas in Veritate, Bento XVI, 2009.
DAp. Documento da V CONFERÊNCIA GERAL DO
EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE (CELAM), Aparecida,
Brasil, 2007.
DM Documento da II CONFERÊNCIA GERAL DO
EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE (CELAM), Medellín,
Colômbia, 1968.
Doc. Bolivia Doc. Bolivia: Informe país: consulta pre-sinodal.
Bolivia, 2019.
Doc. Eixo de Fronteiras Doc. Eixo de Fronteiras (2019). Preparação para
o SÍNODO sobre a Amazônia. Tabatinga, Brasil, de 11 a 13 de fevereiro de
2019.
Doc. Manaus Documento da Assembleia dos Regionais Norte
1 e 2 da CNBB, “A Igreja se faz carne e arma sua tenda na Amazônia”,
Manaus, 1997, em: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO
BRASIL, Desafio missionário. Documentos da Igreja na Amazônia. Coletânea,
Ed. CNBB, Brasília, 2014, págs. 67-84.
Doc. Preparatório Documento Preparatório do Sínodo para a
Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia
Integral, Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 2018.
Doc. Venezuela Doc. Venezuela. CEV. Respuestas
asambleas (2019).
DP Documento da III CONFERÊNCIA GERAL DO
EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE (CELAM), Puebla,
México, 1979.
DSD Documento da IV CONFERÊNCIA GERAL DO
EPISCOPADO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE (CELAM), Santo
Domingo, República Dominicana, 1992.
DV Constituição dogmática Dei Verbum (sobre a
Revelação divina). Concílio Vaticano II, 1965.
EC Constituição Apostólica Episcopalis Communio,
Francisco, 2018.
EG Exortação Apostólica Evangelii Gaudium,
Francisco, 2013.
Fr.PM Discurso do Santo Padre Francisco por ocasião
do “Encontro com os Povos da Amazônia”. Coliseu Madre de Dios (Puerto
Maldonado, Peru), 19 de janeiro de 2018.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
LS Carta Encíclica Laudato Si‟: sobre o cuidado da
casa comum, Francisco, 2015.
NMI Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, João
Paulo II, 2001.
OA Carta Apostólica Octogesima Adveniens, Paulo
VI, 1971.
PIAV Povos indígenas em isolamento voluntário.
RM Carta Encíclica Redemptoris Missio, João Paulo
II, 1990.
RP Exortação Apostólica pós-sinodal Reconciliatio
et Paenitentia, João Paulo II, 1984.
SC Constituição Sacrosanctum Concilium (sobre a
sagrada Liturgia), Concílio Vaticano II, 1963.
Sint.REPAM AA.VV., “Sistematización de aportes esenciales
desde las voces de los actores territoriales” em: REPAM, Amazonía: Nuevos
Caminos para la Iglesia y para la Ecología Integral. Síntesis general de la red
eclesial Panamazónica – REPAM – Asambleas Territoriales, Foros Temáticos,
Contribuciones especiales y escuchas sobre el sínodo, Secretaría Ejecutiva de
la REPAM, Quito, 2019.
SRS Carta Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, João
Paulo II, 1987.
VG Constituição Apostólica Veritatis Gaudium, sobre
as Universidades e as Faculdades Eclesiásticas, Francisco, 2017.

Introdução
“O Sínodo dos Bispos deve tornar-se cada vez mais um instrumento
privilegiado de escuta do Povo de Deus: «Para os Padres sinodais pedimos
antes de mais nada, do Espírito Santo, o dom da escuta: escuta de Deus, até
ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade a
que Deus nos chama»” (EC, 6).

1. No dia 15 de outubro de 2017, o Papa Francisco anunciou a


convocação de um Sínodo Especial para a Amazônia, dando início a um
processo de escuta sinodal que começou na própria Região Amazônica com
sua visita a Puerto Maldonado (19 de janeiro de 2018). O
presente Instrumentum Laboris é fruto deste vasto processo, que inclui a
redação do Documento Preparatório para o Sínodo em junho de 2018; e um
amplo inquérito entre as comunidades amazônicas.[1]

2. Hoje a Igreja tem novamente a oportunidade de ser ouvinte nessa


região, onde há muito em jogo. A escuta implica o reconhecimento da irrupção
da Amazônia como um novo sujeito. Este novo sujeito, que não foi considerado
suficientemente no contexto nacional ou mundial, nem sequer na vida da Igreja,
agora constitui um interlocutor privilegiado.

3. No entanto, a escuta não é nada fácil. Por um lado, a síntese das


respostas ao questionário por parte das Conferências Episcopais e das
comunidades será sempre incompleta e insuficiente. Por outro, a tendência a
homologar os conteúdos e as propostas requer um processo de conversão
ecológica e pastoral para deixar-se interpelar seriamente pelas periferias
geográficas e existenciais (cf. EG, 20). Este processo deve continuar, durante e
depois do Sínodo, como um elemento central da vida futura da Igreja. A
Amazônia clama por uma resposta concreta e reconciliadora.

4. O Instrumentum Laboris consta de três partes: a primeira, o ver-


escutar, se intitula A voz da Amazônia, e tem a finalidade de apresentar a
realidade do território e de seus povos. Na segunda parte, Ecologia integral: o
clamor da terra e dos pobres, aborda-se a problemática ecológica e pastoral; e
na terceira parte, Igreja profética na Amazônia: desafios e esperanças, a
problemática eclesiológica e pastoral.

5. Desta maneira, a escuta dos povos e da terra por parte de uma


Igreja chamada a ser cada vez mais sinodal, começa entrando em contato com
a realidade contrastante de uma Amazônia repleta de vida e sabedoria.
Continua com o clamor provocado pela desflorestação e pela destruição
extrativista, que reclama uma conversão ecológica integral. E conclui com o
encontro com as culturas que inspiram os novos caminhos, desafios e
esperanças de uma Igreja que deseja ser samaritana e profética através de
uma conversão pastoral. Seguindo a proposta da Rede Eclesial Pan-
Amazônica (REPAM), o documento se estrutura com base nas três conversões
às quais nos convida o Papa Francisco: a conversão pastoral, a qual nos
chama através da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (ver-escutar); a
conversão ecológica, mediante a Encíclica Laudato Si’, que orienta o rumo
(julgar-atuar); e a conversão à sinodalidade eclesial, através da Constituição
Apostólica Episcopalis Communio, que estrutura o caminhar juntos (julgar-
atuar). Tudo isto, num processo dinâmico de escuta e discernimento dos novos
caminhos, ao longo dos quais a Igreja na Amazônia anunciará o Evangelho de
Jesus Cristo durante os próximos anos.

I PARTE. A VOZ DA AMAZÔNIA


“É bom que agora sejais vós próprios a autodefinir-vos e a mostrar-nos a vossa
identidade. Precisamos escutar-vos” (Fr.PM).

6. A evangelização na América Latina constituiu um dom da


Providência que chama todos à salvação em Cristo. Apesar da colonização
militar, política e cultural, e para além da ganância e da ambição dos
colonizadores, numerosos missionários entregaram a própria vida para
transmitir o Evangelho. O sentido missional não somente inspirou a formação
de comunidades cristãs, mas também uma legislação, como as Leis das Índias,
que protegiam a dignidade dos indígenas contra as violações de seus povos e
territórios. Tais abusos provocaram feridas nas comunidades e ofuscaram a
mensagem da Boa Nova; o anúncio de Cristo se realizou frequentemente em
conivência com os poderes que exploravam os recursos e oprimiam as
populações.

7. Hoje em dia, a Igreja tem a oportunidade histórica de se diferenciar


claramente das novas potências colonizadoras, ouvindo os povos amazônicos
para poder exercer com transparência seu papel profético. A crise
socioambiental abre novas oportunidades para apresentar Cristo em toda sua
potencialidade libertadora e humanizadora. Este primeiro capítulo se estrutura
em volta de quatro conceitos-chave, intimamente relacionados entre si: vida,
território, tempo e diálogo, onde se encarna a Igreja com rosto amazônico e
missionário.

Capítulo I Vida

“Vim para que os homens tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,
10).

Amazônia, fonte de vida


8. Este Sínodo se desenvolve ao redor da vida: a vida do território
amazônico e de seus povos, a vida da Igreja, a vida do planeta. Como refletem
as consultas às comunidades amazônicas, a vida na Amazônia se identifica,
entre outras coisas, com a água. O rio Amazonas é como uma artéria do
continente e do mundo, flui como veias da flora e fauna do território, como
manancial de seus povos, de suas culturas e de suas expressões espirituais.
Como o Éden (cf. Gn 2, 6), a água é nascente de vida, mas também ligação
entre suas diferentes manifestações de vida, na qual tudo está interligado (cf.
LS, 16, 91, 117, 138 e 240). “O rio não nos separa, mas nos une, ajudando-nos
a conviver entre diferentes culturas e línguas”.[2]

9. A bacia do rio Amazonas e as florestas tropicais que a circundam


nutrem os solos e, através da reciclagem de umidade, regulam os ciclos da
água, energia e carbono a nível planetário. O rio Amazonas lança sozinho
todos os anos no oceano Atlântico 15% do total de água doce do planeta.[3]
Por isso, a Amazônia é essencial para a distribuição das chuvas em outras
regiões remotas da América do Sul e contribui para os grandes movimentos de
ar ao redor do planeta. Além disso, alimenta a natureza, a vida e as culturas de
milhares de comunidades indígenas, camponesas, afrodescendentes, tanto
ribeirinhas como urbanas. No entanto, convém destacar que, segundos peritos
internacionais, no que diz respeito à mudança climática de origem
antropogênica, a Amazônia é a segunda área mais vulnerável do planeta,
depois do Ártico.

10. O território da Amazônia abrange uma parte do Brasil, da Bolívia, do


Peru, do Equador, da Colômbia, da Venezuela, da Guiana, do Suriname e da
Guiana Francesa, em uma extensão de 7,8 milhões de quilômetros quadrados,
no coração da América do Sul. As florestas amazônicas cobrem
aproximadamente 5,3 milhões de km2, o que representa 40% da área de
florestas tropicais do globo. Isto corresponde a apenas 3,6% da área de terras
emersas do planeta, que ocupam cerca de 149 milhões de quilômetros
quadrados, ou seja, aproximadamente 30% da superfície do nosso planeta.
Geologicamente, o território amazônico contém uma das biosferas mais ricas e
complexas do planeta. A superabundância natural de água, calor e umidade faz
com que os ecossistemas da Amazônia abriguem cerca de 10 a 15% da
biodiversidade terrestre, armazenando todos os anos de 150 a 200 bilhões de
toneladas de carbono.

Vida em abundância

11. Jesus oferece uma vida em abundância (cf. Jo 10, 10), uma vida
repleta de Deus, uma vida salvífica (zōē), que começa na criação e se
manifesta já no mais elementar da vida (bios). Na Amazônia, ela se reflete em
sua abundante biodiversidade e em suas culturas. Isto é, uma vida plena e
íntegra, uma vida que canta, um hino à vida, como o canto dos rios. É uma vida
que dança e que representa a divindade e nossa relação com ela. “Nosso
serviço pastoral”, como afirmaram os Bispos em Aparecida, constitui um
serviço “à vida plena dos povos indígenas [a qual] exige que anunciemos a
Jesus Cristo e a Boa Nova do Reino de Deus, denunciemos as situações de
pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas,
e fomentemos o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico” (DAp., 95).
Procuremos discernir este anúncio e esta denúncia à luz de Jesus Cristo, o
Vivente (cf. Ap 1, 18), plenitude da revelação (cf. DV, 2).

O “bem viver”

12. A busca da vida em abundância por parte dos povos indígenas


amazônicos se concretiza naquilo que eles definem o “bem viver”.[4] Trata-se
de viver em “harmonia consigo mesmo, com a natureza, com os seres
humanos e com o Ser supremo, dado que existe uma intercomunicação entre o
cosmo inteiro, onde não há excludentes nem excluídos, e que entre todos nós
podemos forjar um projeto de vida plena”.[5]

13. Esta compreensão da vida se caracteriza pela conectividade e


harmonia de relações entre a água, o território e a natureza, a vida comunitária
e a cultura, Deus e as diferentes forças espirituais. Para eles, “bem viver”
significa compreender a centralidade do caráter relacional-transcendente dos
seres humanos e da criação, e supõe um “bem fazer”. Não se podem
desconectar as dimensões materiais e espirituais. Este modo integral se
expressa em sua própria maneira de se organizar, que começa pela família e a
comunidade, abrangendo uma utilização responsável de todos os bens da
criação. Alguns deles falam em caminhar rumo à “terra sem males”, ou em
busca do “santo monte”, imagens que refletem o movimento e a noção
comunitária da existência.

Vida ameaçada

14. No entanto, a vida na Amazônia está ameaçada pela destruição e


exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos
elementares da população amazônica. De modo especial a violação dos
direitos dos povos originários, como o direito ao território, à autodeterminação,
à demarcação dos territórios e à consulta e ao consentimento prévios. Segundo
as comunidades participantes nesta escuta sinodal, a ameaça à vida deriva de
interesses econômicos e políticos dos setores dominantes da sociedade atual,
de maneira especial de empresas extrativistas, muitas vezes em conivência, ou
com a permissividade dos governos locais, nacionais e das autoridades
tradicionais (dos próprios indígenas). Como afirma o Papa Francisco, quem
persegue tais interesses pareceria estar desligado, ou ser indiferente aos
clamores dos pobres e da terra (cf. LS, 49 e 91).
15. Em conformidade com aquilo que sobressai das múltiplas consultas
realizadas em muitas das regiões amazônicas, as comunidades consideram
que a vida na Amazônia está ameaçada sobretudo: (a) pela criminalização e
assassinato de líderes e defensores do território; (b) pela apropriação e
privatização de bens da natureza, como a própria água; (c) por concessões
madeireiras legais e pela entrada de madeireiras ilegais; (d) pela caça e pesca
predatórias, principalmente nos rios; (e) por megaprojetos: hidrelétricas,
concessões florestais, desmatamento para produzir monoculturas, estradas e
ferrovias, projetos mineiros e petroleiros; (f) pela contaminação ocasionada por
todas as indústrias extrativistas que causam problemas e enfermidades,
principalmente para as crianças e os jovens; (g) pelo narcotráfico; (h) pelos
consequentes problemas sociais associados a tais ameaças, como o
alcoolismo, a violência contra a mulher, o trabalho sexual, o tráfico de pessoas,
a perda de sua cultura originária e de sua identidade (idioma, práticas
espirituais e costumes) e todas as condições de pobreza às quais estão
condenados os povos da Amazônia (cf. Fr.PM).

16. Atualmente, a mudança climática e o aumento da intervenção


humana (desmatamento, incêndios e alteração no uso do solo) estão levando a
Amazônia rumo a um ponto de não-retorno, com altas taxas de desflorestação,
deslocamento forçado da população e contaminação, pondo em perigo seus
ecossistemas e exercendo pressão sobre as culturas locais. Níveis de 4° C de
aquecimento, ou um desmatamento de 40% constituem “pontos de inflexão” do
bioma amazônico rumo à desertificação, o que significa a transição para uma
nova condição biológica geralmente irreversível. E é preocupante que
atualmente já nos encontramos entre 15 e 20% de desmatamento.

Defender a vida, enfrentar a exploração

17. As comunidades consultadas salientaram também o vínculo entre a


ameaça à vida biológica e à vida espiritual, ou seja, uma ameaça integral. Os
impactos provocados pela destruição múltipla da bacia pan-amazônica geram
um desequilíbrio do território local e global, nas estações e no clima. Isto afeta,
entre outras coisas, a dinâmica de fertilidade e reprodução da fauna e flora e,
por sua vez, em todas as comunidades amazônicas. Por exemplo, a destruição
e contaminação natural atingem a produção, o acesso e a qualidade dos
alimentos. E, neste sentido, para cuidar responsavelmente da vida e do “bem
viver”, é urgente enfrentar tais ameaças, agressões e indiferenças. O cuidado
da vida se opõe à cultura do descarte, da mentira, da exploração e da
opressão. Ao mesmo tempo, supõe a oposição a uma visão insaciável do
crescimento ilimitado, da idolatria do dinheiro, a um mundo desvinculado (de
suas raízes, de seu contorno), a uma cultura de morte. Em síntese, a defesa da
vida implica a defesa do território, de seus recursos ou bens naturais, mas
também da vida e cultura dos povos, o fortalecimento de sua organização, a
plena exigibilidade de seus direitos e a possibilidade de serem ouvidos.
Segundo as palavras dos próprios indígenas: “Nós, indígenas de Guaviare
(Colômbia), somos-fazemos parte da natureza porque somos água, ar, terra e
vida do meio ambiente criado por Deus. Por conseguinte, pedimos que cessem
os maus-tratos e o extermínio da „Mãe Terra‟. A terra tem sangue e está
sangrando, as multinacionais cortaram as veias da nossa „Mãe Terra‟.
Queremos que nosso clamor indígena seja ouvido pelo mundo inteiro”.[6]

Clamor para viver

18. Ameaças e agressões à vida geram clamores, tanto por parte dos
povos como da terra. Começando por estes clamores como lugar teológico (a
partir de onde pensar a fé), podemos dar início a caminhos de conversão, de
comunhão e de diálogo, caminhos do Espírito, da abundância e do “bem viver”.
A imagem da vida e do “bem viver” como “caminho rumo ao santo monte”
implica uma comunhão com os companheiros de peregrinação e com a
natureza em seu conjunto, isto é, um caminho de integração com a abundância
da vida, com a história e com o porvir. Estes novos caminhos se tornam
necessários, uma vez que as grandes distâncias geográficas e a
megadiversidade cultural da Amazônia constituem realidades que ainda não
foram resolvidas no âmbito pastoral. Os novos caminhos se baseiam “em
relações interculturais onde a diversidade não significa ameaça, não justifica
hierarquias de um poder sobre outros, mas sim diálogo a partir de visões
culturais diferentes, de celebração, de inter-relacionamento e de reavivamento
da esperança” (DAp., 97).

Capítulo II Território

“Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que estás é uma terra
santa” (Êx 3, 5).

Território, vida e revelação de Deus

19. Na Amazônia, a vida está inserida, ligada e integrada no território que,


como espaço físico vital e nutritivo, é possibilidade, sustento e limite da vida.
Além disso, podemos dizer que a Amazônia – ou outro espaço territorial
indígena ou comunitário – não é somente um ubi (um espaço geográfico), mas
também um quid, ou seja, um lugar de sentido para a fé ou a experiência de
Deus na história. O território é um lugar teológico a partir do qual se vive a fé,
mas é também uma peculiar fonte de revelação de Deus. Estes espaços são
lugares epifânicos onde se manifesta a reserva de vida e de sabedoria para o
planeta, uma vida e sabedoria que falam de Deus. Na Amazônia manifestam-
se as “carícias de Deus” que se encarna na história (cf. LS, 84).

Um território onde tudo está interligado

20. Uma visão contemplativa, atenta e respeitadora dos irmãos e irmãs, e


também da natureza – da irmã árvore, da irmã flor, das irmãs aves, dos irmãos
peixes e até das irmãzinhas mais pequeninas, como as formigas, as larvas, os
cogumelos ou os insetos (cf. LS, 233) – permite que as comunidades
amazônicas descubram como tudo está interligado, valorizem cada criatura,
vejam o mistério da beleza de Deus que se revela em todas elas (cf. LS, 84 e
88) e convivam amigavelmente.

21. No território amazônico não existem partes que podem subsistir por si
sós, apenas externamente relacionadas entre si, mas sim dimensões que
existem constitutivamente em relação, formando um todo vital. Por isso, o
território amazônico oferece um ensinamento vital para compreender de forma
integral nossos relacionamentos com os demais, com a natureza e com Deus,
como refere o Papa Francisco (cf. LS, 66).

A beleza e a ameaça do território

22. Ao contemplar a formosura do território amazônico, descobrimos a


obra mestra da criação do Deus da Vida. Seus intermináveis horizontes de
beleza sem limites são um cântico, um hino ao Criador. “Senhor, meu Deus,
como Vós sois grande! Revestido de esplendor e majestade, estais envolto em
um manto de luz!” (Sl 104 [103], 1-2). Sua expressão de vida múltipla constitui
um mosaico do Deus que nos confia uma “herança gratuita que recebemos
para proteger [...] como espaço precioso da convivência humana” e a
responsabilidade compartilhada “para o bem de todos” (DAp., 471). Em Puerto
Maldonado, o Papa Francisco nos convida a defender esta região ameaçada, a
fim de a preservar e restaurar para o bem de todos, incutindo esperança em
nossas capacidades para construir o bem de todos e a Casa Comum.

23. Hoje a Amazônia constitui uma formosura ferida e deformada, um


lugar de dor e violência, como o indicam de maneira eloquente os relatórios
das Igrejas locais: “A selva não é um recurso para explorar, é um ser ou vários
seres com os quais se relacionar”.[7] “Amargura-nos a destruição da natureza,
a destruição da selva, da vida, de nossos filhos e das gerações vindouras”.[8] A
destruição múltipla da vida humana e ambiental, as enfermidades e a
contaminação de rios e terras, o abate e a queima de árvores, a perda maciça
da biodiversidade, o desaparecimento de espécies (mais de um milhão dos oito
milhões de animais e vegetais estão em perigo)[9], constituem uma realidade
crua que interpela todos nós. Reinam a violência, o caos e a corrupção. O
território se transformou em um espaço de desencontros e de extermínio de
povos, culturas e gerações. Há quem se sente forçado a sair de sua terra;
muitas vezes cai nas redes das máfias, do narcotráfico e do tráfico de pessoas
(em sua maioria mulheres), do trabalho e da prostituição infantil.[10] Trata-se
de uma realidade trágica e complexa, que se encontra à margem da lei e do
direito. O grito de dor da Amazônia é um eco do clamor do povo escravizado no
Egito, que Deus não abandona: “Eu bem vi a opressão do meu povo que está
no Egito, e ouvi o seu clamor diante dos seus opressores; conheço, na
verdade, os seus sofrimentos. Desci a fim de o libertar da mão dos egípcios”
(Êx 3, 7-8).

Território de esperança e do “bem viver”

24. A Amazônia é o lugar da proposta do “bem viver”, de promessa e de


esperança para novos caminhos de vida. Na Amazônia a vida está integrada e
unida ao território, não existe separação nem divisão entre as partes. Esta
unidade compreende toda a existência: o trabalho, o descanso, os
relacionamentos humanos, os ritos e as celebrações. Tudo é compartilhado, os
espaços particulares – típicos da modernidade – são mínimos. A vida é um
caminho comunitário onde as tarefas e as responsabilidades se dividem e se
compartilham em função do bem comum. Não há espaço para a ideia de
indivíduo separado da comunidade ou de seu território.

25. A vida das comunidades amazônicas ainda não atingidas pelo influxo
da civilização ocidental se reflete na crença e nos ritos sobre a atuação dos
espíritos, da divindade – chamada de inúmeras maneiras – com e no território,
com e em relação à natureza. Esta cosmovisão se resume no “mantra” de
Francisco: “Tudo está interligado” (LS, 16, 91, 117, 138 e 240).

26. A integração da criação, da vida considerada como uma totalidade


que abrange a existência inteira, constitui a base da cultura tradicional, que se
transmite de geração em geração através da escuta da sabedoria ancestral,
reserva viva da espiritualidade e da cultura indígena. Esta sabedoria inspira o
cuidado e o respeito pela criação, com clara consciência de seus limites,
proibindo seu abuso. Abusar da natureza significa abusar dos antepassados,
dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro.

27. Tanto as cosmovisões amazônicas como a cristã estão em crise por


causa da imposição do mercantilismo, da secularização, da cultura do descarte
e da idolatria do dinheiro (cf. EG, 54-55). Esta crise atinge sobretudo os jovens
e os contextos urbanos, que perdem as sólidas raízes da tradição.
Capítulo III Tempo (Kairós)
“Eu respondi-te no tempo da graça e socorri-te no dia da salvação” (Is 49, 8; 2
Cor 6, 2).

Tempo de graça

28. A Amazônia está vivendo um momento de graça, um kairós. O Sínodo


da Amazônia é um sinal dos tempos no qual o Espírito Santo abre novos
caminhos que discernimos através de um diálogo recíproco entre todo o povo
de Deus. O diálogo já começou há tempos, a começar pelos mais pobres, de
baixo para cima, admitindo que “todo processo de construção é lento e difícil.
Inclui o desafio de romper o próprio espaço e de se abrir a um trabalho em
conjunto, viver a cultura do encontro [...] construir uma Igreja irmã”.[11]

29. Os povos amazônicos originários têm muito a ensinar-nos.


Reconhecemos que desde há milhares de anos eles cuidam de sua terra, da
água e da floresta, e conseguiram preservá-las até hoje a fim de que a
humanidade possa beneficiar-se do usufruto dos dons gratuitos da criação de
Deus. Os novos caminhos de evangelização devem ser construídos em diálogo
com estas sabedorias ancestrais em que se manifestam as sementes do
Verbo.

Tempo de inculturação e de interculturalidade

30. A Igreja da Amazônia marcou sua presença com experiências


significativas, de maneira original, criativa e inculturada. Seu programa
evangelizador não corresponde a uma mera estratégia perante as exigências
da realidade, mas é a expressão de um caminho que responde ao kairós que
impele o povo de Deus a acolher seu Reino nessas bio-sócio-diversidades. A
Igreja se fez carne, montando sua tenda – seu “tapiri” – na Amazônia.[12]
Confirma-se assim um caminhar que teve início com o Concílio Vaticano II para
a Igreja inteira, que encontrou seu reconhecimento no Magistério latino-
americano a partir de Medellín (1968) e que para a Amazônia se concretizou
em Santarém (1972).[13] A prtir de então, a Igreja continua a procurar inculturar
a Boa Nova perante os desafios do território e de seus povos, mediante um
diálogo inercultural. A diversidade original que oferece a região amazônica –
biológica, religiosa e cultural – evoca um novo Pentecostes.

Tempo de desafios graves e urgentes


31. Tanto o acelerado fenômeno da urbanização, como a expansão da
fronteira agrícola através dos agronegócios e até o abuso dos bens naturais,
levado a cabo pelos próprios povos amazônicos, se acrescentam às já
mencionadas graves injustiças. A exploração da natureza e dos povos
amazônicos (indígenas, mestiços, seringueiros, ribeirinhos e também aqueles
que vivem nas cidades), provoca uma crise de esperança.

32. Os processos migratórios dos últimos anos acentuaram também as


mudanças religiosas e culturais da região. Perante os rápidos processos de
transformação, a Igreja deixou de ser o único ponto de referência para a
tomada de decisões. Além disso, a nova vida na cidade nem sempre torna
possível realizar os sonhos e as aspirações, mas muitas vezes desorienta e
abre espaços para messianismos transitórios, desconectados, alienantes e
sem sentido.

Tempo de esperança

33. Em contraste com esta realidade, o Sínodo da Amazônia se


transforma assim em um sinal de esperança para o povo amazônico e para a
humanidade inteira. Trata-se de uma grande oportunidade para que a Igreja
possa descobrir a presença encarnada e ativa de Deus: nas mais diferentes
manifestações da criação; na espiritualidade dos povos originários; nas
expressões da religiosidade popular; nas diferenciadas organizações populares
que resistem aos grandes projetos; e na proposta de uma economia produtiva,
sustentável e solidária que respeita a natureza. Durante os últimos anos, a
missão da Igreja se realizou em aliança com as aspirações e lutas pela vida e
com o respeito pela natureza dos povos amazônicos e pelas suas próprias
organizações.

34. Mediante a força do Espírito Santo, e identificada com esta história de


cruz e ressurreição, a Igreja quer aprender, dialogar e responder com
esperança e alegria aos sinais dos tempos junto aos povos da Amazônia.
Esperemos que tal aprendizagem, diálogo e corresponsabilidade possam
estender-se também a todos os recantos do planeta que aspiram à plenitude
integral da vida em todos os sentidos. Acreditamos que este kairós da
Amazônia, como tempo de Deus, convoca e provoca, e é um tempo de graça e
libertação, de memória e de conversão, de desafios e de esperança.

Capítulo IV Diálogo
“Tendes olhos e não vedes, tendes ouvidos e não ouvis” (Mc 8, 18).

Novos caminhos de diálogo


35. O Papa Francisco nos propõe a necessidade de uma nova visão, que
abra caminhos de diálogo para ajudar-nos a sair da senda da autodestruição
da actual crise socioambiental.[14] Referindo-se à Amazônia, o Papa considera
que é “imprescindível fazer esforços para... um diálogo intercultural no qual [os
povos indígenas] sejam os principais interlocutores, especialmente quando se
avança com grandes projetos que afetam os [seus] espaços. O reconhecimento
e o diálogo serão o melhor caminho para transformar as velhas relações,
marcadas pela exclusão e a discriminação” (Fr.PM). Este diálogo local, no qual
a Igreja deseja participar, está ao serviço da vida e do “futuro do planeta” (LS,
14).

Diálogo e missão

36. Uma vez que a Amazônia é um mundo multiétnico, multicultural e


multirreligioso (cf. DAp., 86), a comunicação, e por conseguinte a
evangelização, requer encontros e convivências que favoreçam o diálogo. O
contrário do diálogo é a falta de escuta e a imposição, que impedem de nos
encontrarmos, de comunicarmos e, portanto, de convivermos. Jesus foi um
homem de diálogo e de encontro. Assim o vemos “com a samaritana, junto ao
poço onde ela procurava saciar sua sede (cf. Jo 4, 7-26)” (EG, 72); “logo que
terminou seu diálogo com Jesus”, a samaritana regressou ao seu povo,
“tornou-se missionária, e muitos samaritanos acreditaram em Jesus «devido às
palavras da mulher» (Jo 4, 39)” (EG, 120). Ela foi capaz de dialogar e amar
mais além da particularidade de sua herança religiosa samaritana. Assim, a
evangelização se realiza na vida comum de Samaria, na Amazônia, no mundo
inteiro. O diálogo é uma comunicação jubilosa “entre aqueles que se amam”
(EG, 142).

37. A partir de sua encarnação, o encontro com Jesus Cristo se realizou


sempre no horizonte de um diálogo cordial, histórico e escatológico. Ele tem
lugar nos diferentes cenários do mundo plural e entrelaçado da Amazônia.
Inclui as relações políticas com os Estados, sociais com as comunidades,
culturais com as diferentes formas de viver e ecológicas com a natureza e
consigo mesmo. O diálogo procura o intercâmbio, o consenso e a
comunicação, os acordos e as alianças, “mas sem perder de vista a questão
fundamental”, ou seja, a “preocupação por uma sociedade justa, capaz de
memória e sem exclusões” (EG, 239). Por isso, o diálogo tem sempre uma
opção preferencial pelos pobres, marginalizados e excluídos. As causas da
justiça e da alteridade são causas do Reino de Deus. Não defendemos “um
projeto de poucos para poucos, nem de uma minoria esclarecida” (ibidem). No
diálogo estabelecemos “um acordo para viver juntos, de um pacto social e
cultural” (ibidem). Em virtude deste pacto, a Amazônia representa um pars pro
toto, um paradigma, uma esperança para o mundo. O diálogo é o método que
se deve aplicar sempre, para favorecer o bem viver de todos. As principais
questões da humanidade que sobressaem na Amazônia não encontrarão
soluções através da violência nem da imposição, mas sim mediante o diálogo e
a comunicação.

Diálogo com os povos amazônicos

38. Os principais interlocutores e protagonistas do diálogo são os povos


da Amazônia, de maneira especial os pobres e quantos são culturalmente
diferentes. Eles nos confrontam com a memória do passado e com as feridas
causadas durante longos períodos de colonização. Por isso, o Papa Francisco
pediu “humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas
também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da
América”.[15] Neste passado, às vezes a Igreja foi cúmplice dos colonizadores,
sufocando a voz profética do Evangelho. Muitos dos obstáculos a una
evangelização dialógica e aberta à alteridade cultural têm um cunho histórico e
se escondem por detrás de certas doutrinas petrificadas. O diálogo é um
processo de aprendizagem, facilitado pela “abertura à transcendência” (EG,
205) e impedido pelas ideologias.

Diálogo e aprendizagem

39. Muitos povos amazônicos são constitutivamente dialógicos e


comunicativos. Existe um amplo e necessário campo de diálogo entre as
espiritualidades, crenças e religiões amazônicas, que exige uma abordagem
cordial das diferentes culturas. O respeito por este espaço não significa
relativizar as próprias convicções, mas sim reconhecer outros caminhos que
procuram desvendar o mistério insondável de Deus. A abertura não sincera ao
outro, assim como uma atitude corporativista, que reserva a salvação
exclusivamente ao próprio credo, são destruidoras desde mesmo credo. Assim
o explicou Jesus ao Doutor da Lei, na parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10,
30-37). O amor vivido em qualquer religião agrada a Deus. “Através de um
intercâmbio de dons, o Espírito pode conduzir-nos cada vez mais para a
verdade e o bem” (EG, 246).

40. Um diálogo a favor da vida está ao serviço do “futuro do planeta” (LS,


14), da transformação de mentalidades estreitas, da conversão de corações
endurecidos e da partilha de verdades com a humanidade inteira. Poderíamos
dizer que o diálogo é pentecostal, como o é o nascimento da Igreja, que
caminha em busca de sua identidade rumo à unidade no Espírito Santo.
Descobrimos nossa identidade a partir do encontro com o outro, a partir das
diferenças e coincidências que nos mostram a impenetrabilidade da realidade e
do mistério da presença de Deus.
Diálogo e resistência

41. Muitas vezes, a disposição a dialogar encontra resistências. Os


interesses econômicos e um paradigma tecnocrático repelem todas as
tentativas de mudança. Seus partidários estão dispostos a impor-se com a
força, transgredindo os direitos fundamentais das populações no território, e as
normas para a sustentabilidade e a preservação da Amazônia. Em tais casos,
as possibilidades de diálogo e de encontro são muito reduzidas, até
desaparecer em determinadas situações. Como reagir diante disto? Por um
lado, será necessário indignar-se, não de modo violento, mais sim de maneira
firme e profética. Trata-se da indignação de Jesus contra os fariseus (cf. Mc 3,
5; Mt 23), ou contra o próprio Pedro (cf. Mt 16, 23), ao que Tomás de Aquino
denominava “santa indignação”, provocada pelas injustiças,[16] ou associada a
promessas não cumpridas, ou a traições de todos os tipos. O passo seguinte
consiste em procurar acordos, como o sugere o próprio Jesus (cf. Lc 14, 31-
32). Trata-se de entabular um diálogo possível e nunca permanecer indiferente
perante as injustiças da região ou do mundo.[17]

42. Uma Igreja profética é aquela que ouve os gritos e cantos de dor e de
júbilo. O cântico revela as situações dos povos, ao mesmo tempo que inspira e
intui possibilidades de solução e transformação. Existem povos que cantam
sua história e também seu presente, para que quantos ouvem este cântico
possam vislumbrar, perfilar seu futuro. Em síntese, uma Igreja profética na
Amazônia é aquela que dialoga, que sabe procurar acordos e que, a partir de
uma opção pelos pobres e de seu testemunho de vida, busca propostas
concretas a favor de uma ecologia integral. Uma Igreja com capacidade de
discernimento e audácia face aos atropelos dos povos e à destruição de seus
territórios, que responda sem demora ao clamor da terra e dos pobres.

Conclusão

43. A vida na Amazônia, entrelaçada pela água, pelo território e pelas


identidades e espiritualidades de seus povos, convida ao diálogo e à
aprendizagem de sua diversidade biológica e cultural. A Igreja participa e gera
processos de aprendizagem que abrem caminhos de uma formação
permanente sobre o sentido da vida integrada com seu território e enriquecida
por sabedorias e experiências ancestrais. Tais processos convidam a
responder com honradez e estilo profético ao grito a favor da vida dos povos e
da terra amazônica. Isto implica um renovado sentido da missão da Igreja na
Amazônia que, começando pelo encontro com Cristo, sai rumo ao outro, dando
início a processos de conversão. Neste contexto abrem-se novos espaços em
vista de recriar ministérios adequados para este período histórico. É o
momento de ouvir a voz da Amazônia e de responder como Igreja profética e
samaritana.
II PARTE. ECOLOGIA INTEGRAL: O
CLAMOR DA TERRA E DOS POBRES
“Proponho que nos detenhamos agora a refletir sobre os diferentes elementos
de uma ecologia integral... ambiental, econômica e social” (LS, 137-138).

44. A segunda parte enfrenta os graves problemas causados pelos


atentados contra a vida no território amazônico. A agressão contra esta área
vital da “Mãe Terra” e contra seus habitantes ameaça sua subsistência, sua
cultura e sua espiritualidade. Isto afeta também a vida da humanidade inteira,
de modo particular a dos pobres, dos excluídos, dos marginalizados e dos
perseguidos. A situação atual exige urgentemente uma conversão ecológica
integral.

Capítulo I Destruição extrativista


“O pecado manifesta-se hoje, com toda a sua força de destruição […] nas
várias formas de violência e abuso, no abandono dos mais frágeis, nos ataques
contra a natureza” (LS, 66).

O clamor amazônico

45. “Provavelmente, nunca os povos originários amazônicos estiveram


tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora” (Fr.PM). Os projetos
extrativos e agropecuários que exploram inconsideradamente a terra estão
destruindo este território (cf. LS, 4 e 146), que corre o risco de “se
savanizar”.[18] A Amazônia está sendo disputada a partir de várias frentes.
Uma responde aos grandes interesses econômicos, ávidos de petróleo, gás,
madeira, ouro, monoculturas agroindustriais, etc. Outra é a de um
conservacionismo ecológico que se preocupa com o bioma, porém ignora os
povos amazônicos. Ambas causam feridas na terra e em seus povos: “Estamos
sendo afetados pelos madeireiros, criadores de gado e outros terceiros.
Ameaçados por agentes econômicos que implementam um modelo alheio em
nossos territórios. As empresas madeireiras entram no território para explorar a
floresta, nós cuidamos da floresta para nossos filhos, dispomos de carne,
pesca, remédios vegetais, árvores frutíferas [...] A construção de hidrelétricas e
o projeto de hidrovias têm impacto sobre o rio e sobre os territórios [...] Somos
una região de territórios roubados”.[19]
46. Em conformidade com os inquéritos realizados, os clamores
amazônicos refletem três grandes causas de dor: (a) a falta de
reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios dos indígenas, que
fazem parte integral de suas vidas; (b) a invasão dos grandes projetos
chamados de “desenvolvimento”, mas que na realidade destroem territórios e
povos (por ex.: hidroelétricas, mineração – legal e ilegal – associada
aos garimpeiros ilegais [mineiros informais que extraem ouro], hidrovias – que
ameaçam os principais afluentes do Rio Amazonas – exploração de
hidrocarbonetos, atividades pecuárias, desmatamento, monocultura,
agroindústria e grilagem [apropriação de terras valendo-se de documentação
falsa] de terra). Muitos destes projetos destrutivos, em nome do progresso são
apoiados pelos governos locais, nacionais e estrangeiros; e (c) a contaminação
de seus rios, de seu ar, de seus solos, de suas florestas e a deterioração de
sua qualidade de vida, culturas e espiritualidades. Por isso, “hoje, não podemos
deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se
torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o
meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”
(LS, 49). É a isto que o Papa Francisco chama ecologia integral.

Ecologia integral

47. A ecologia integral se baseia no reconhecimento da relacionalidade


como categoria humana fundamental. Isto significa que nos desenvolvemos
como seres humanos com base em nossos relacionamentos conosco mesmos,
com os outros, com a sociedade em geral, com a natureza/meio ambiente e
com Deus. Esta integralidade vincular foi sistematicamente salientada durante
as consultas às comunidades amazônicas.

48. A encíclica Laudato Si’ (cf. nn. 137-142), introduz este paradigma
relacional da ecologia integral como articulação fundamental dos vínculos que
tornam possível um verdadeiro desenvolvimento humano. Nós, seres humanos,
fazemos parte dos ecossistemas que facilitam as relações doadoras de vida a
nosso planeta e portanto, o cuidado de tais ecossistemas é essencial. E é
fundamental tanto para promover a dignidade da pessoa humana e o bem
comum da sociedade, como para o cuidado ambiental. A noção de ecologia
integral foi esclarecedora para as distintas visões que abordam a complexidade
da interação entre o ambiental e o humano, entre a gestão dos bens da criação
e as propostas de desenvolvimento e a evangelização.

Ecologia integral na Amazônia


49. Para cuidar da Amazônia, as comunidades originárias constituem
interlocutores indispensáveis, pois em geral são precisamente elas que melhor
cuidam de seus territórios (cf. LS, 149). Por isso, no início do processo sinodal,
em sua primeira visita a terras amazônicas, o Papa Francisco se dirigiu aos
líderes indígenas locais, dizendo-lhes: “Eu quis vir visitar-vos e escutar-vos,
para estarmos juntos no coração da Igreja, solidarizarmo-nos com os vossos
desafios e, convosco, reafirmarmos uma opção sincera em prol da defesa da
vida, defesa da terra e defesa das culturas” (Fr.PM). As comunidades
amazônicas compartilham esta perspectiva da integralidade ecológica: “Toda a
atividade da Igreja na Amazônia deve começar pela integralidade do ser
humano (vida, território e cultura)”.[20]

50. Pois bem, para promover uma ecologia integral na vida de todos os
dias da Amazônia, é preciso compreender também a noção de justiça e
comunicação intergeracional, que inclui a transmissão da experiência ancestral,
cosmologias, espiritualidades e teologias dos povos indígenas, em volta do
cuidado da Casa Comum.[21] “Na luta devemos confiar na força de Deus,
porque a criação é de Deus, porque Deus dá continuidade à obra. A luta de
nossos antepassados para combater por estes rios, pelos nossos territórios, a
fim de pelejar por um mundo melhor para nossos filhos”.[22]

Não à destruição da Amazônia

51. Concretamente, o clamor amazônico nos fala de lutas contra aqueles


que querem destruir a vida concebida integralmente. Estes últimos são guiados
por um modelo econômico vinculado à produção, à comercialização e ao
consumo, onde se prioriza a maximização do lucro sobre as necessidades
humanas e ambientais. Ou seja, são lutas contra aqueles que não respeitam os
direitos humanos e ambientais na Amazônia.

52. Outro atentado aos direitos humanos é a penalização dos protestos


contra a destruição do território e de suas comunidades, já que determinadas
leis da região as qualificam como “ilegais”.[23] Outro abuso é a recusa
generalizada por parte dos Estados de respeitar o direito de consulta e
consentimento prévios aos grupos indígenas e locais, antes de definir
concessões e contratos de exploração territorial, não obstante este direito seja
reconhecido explicitamente pela Organização Internacional do Trabalho: “Os
povos interessados devem ter o direito de decidir suas próprias prioridades no
que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que este
influenciar suas vidas, credos, instituições e bem-estar espiritual, e as terras
que ocupam ou utilizam de alguma maneira, e de controlar, na medida do
possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”,[24] e por
determinadas constituições de países amazônicos.
53. O drama dos habitantes da Amazônia não se manifesta somente na
perda de suas terras por causa do deslocamento forçado, mas também na
constatação de serem vítimas da sedução do dinheiro, dos subornos e da
corrupção por parte de agentes do modelo tecnoeconômico da “cultura do
descarte” (cf. LS, 22), especialmente em relação aos jovens. A vida está ligada
e integrada ao território, por isso a defesa da vida significa a salvaguarda do
território; não existe separação entre ambos estes aspectos. Eis a reivindicação
que se repete nas escutas: “Estão privando-nos de nossa terra, para onde
iremos?”. Porque eliminar este direito significa ficar desprovido de
possibilidades de se defender diante daqueles que ameaçam sua subsistência.

54. O abate maciço de árvores, o extermínio da floresta tropical causado


por incêndios florestais intencionais, a expansão da fronteira agrícola e as
monoculturas são causas dos atuais desequilíbrios regionais do clima, com
efeitos evidentes sobre o clima global, a nível planetário, tais como as grandes
secas e as inundações cada vez mais frequentes. O Papa Francisco menciona
as bacias do Amazonas e do Congo como “o pulmão do mundo”, sublinhando a
urgência de protegê-las (cf. LS, 38).

55. No livro do Gênesis a criação se apresenta como manifestação da


vida, sustento, possibilidade e limite. Na primeira narração (cf. Gn 1, 1-2.4a), o
ser humano é convidado a relacionar-se com a criação, do mesmo modo como
Deus o faz. A segunda narração (cf. Gn 2, 4b-25) aprofunda esta perspectiva
com o mandato de “cultivar” (em hebraico, significa também “servir”) e
“guardar” (atitude de proteção e amor) o jardim (cf. Gn 2, 15). “Isto implica uma
relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza” (LS,
67), que supõe a assunção do limite próprio da criaturalidade e, portanto, uma
atitude de humildade, considerando que não somos seus donos absolutos
(cf. Gn 3, 3).

Sugestões

56. O desafio que se apresenta é grande: como recuperar o território


amazônico, resgatá-lo da degradação neocolonialista e devolver-lhe seu bem-
estar saudável e autêntico? Desde há milhares de anos devemos às
comunidades aborígenes o cuidado e o cultivo da Amazônia. Em sua sabedoria
ancestral cultivaram a convicção de que a criação inteira está interligada, o que
merece nosso respeito e responsabilidade. A cultura da Amazônia, que integra
os seres humanos com a natureza, se constitui como referente para construir
um novo paradigma da ecologia integral. A Igreja deveria assumir em sua
missão o cuidado da Casa Comum:

a) Propondo linhas de ação institucionais, que promovam o respeito pelo


meio ambiente.
b) Projetando programas de formação formais e informais sobre o cuidado
da Casa Comum para seus agentes pastorais e seus fiéis, abertos à
comunidade inteira em “um esforço de formação das consciências da
população” (LS, 214), com base nos caps. V e VI da Encíclica Laudato Si’.
c) Denunciando a violação dos direitos humanos e a destruição extrativista.
Capítulo II Povos Indígenas em Isolamento
Voluntário (PIAV): ameaças e proteção
“Penso nos [...] povos indígenas em isolamento voluntário (PIAV). Sabemos
que são os mais vulneráveis dos vulneráveis” (Fr.PM).

Povos nas periferias


57. Segundo dados de instituições especializadas da Igreja (por ex.,
CIMI) e outras, no território da Amazônia existem de 110 a 130 diferentes
Povos Indígenas em Isolamento Voluntário, ou “povos livres”. Eles vivem à
margem da sociedade, ou em contato esporádico com ela. Não conhecemos
seus nomes próprios, idiomas nem culturas. Por isso, também os chamamos
“povos isolados”, “livres”, “autônomos”, ou “povos sem contato”. Estes povos
vivem em profunda união com a natureza. Muitos deles decidiram isolar-se por
terem sofrido traumas anteriores; outros foram forçados violentamente pela
exploração econômica da Amazônia. Os PIAVs resistem ao atual modelo de
desenvolvimento econômico predador, genocida e ecocida, optando pelo
cativeiro para viver em liberdade (cf. Fr.PM).

58. Alguns “povos isolados” habitam em terras exclusivamente indígenas,


outros em terras indígenas compartilhadas com os “povos contatados”, outros
ainda em unidades de conservação e alguns em territórios fronteiriços.

Povos vulneráveis

59. Os PIAVs são vulneráveis perante as ameaças provenientes dos


setores da agroindústria e daqueles que exploram clandestinamente os
minerais, a madeira e outros recursos naturais. São também vítimas do
narcotráfico, de megaprojetos de infraestrutura, como as hidroelétricas e as
estradas internacionais, e de atividades ilegais vinculadas ao modelo de
desenvolvimento extrativista.

60. O risco da violência contra as mulheres destes povos aumentou


devido à presença de colonos, madeireiros, soldados, empregados das
empresas extrativistas, em sua maioria homens. Em algumas regiões da
Amazônia, 90% dos indígenas assassinados nas populações isoladas são
mulheres. Esta violência e discriminação afeta gravemente a capacidade que
estes povos indígenas têm de sobreviver, tanto física, como espiritual e
culturalmente.
61. A isto acrescenta-se a falta de reconhecimento dos direitos territoriais
dos indígenas e dos PIAVs. A criminalização dos protestos de seus aliados e a
redução dos pressupostos para a proteção de suas terras facilitam em grande
medida a invasão de seus territórios, com a consequente ameaça contra suas
vidas vulneráveis.

Sugestões
62. Diante desta situação dramática e face a semelhantes gritos da terra
e dos pobres (cf. LS, 49), seria oportuno:

a) Exigir dos respetivos governos que garantam os recursos


necessários para a proteção efetiva dos povos indígenas isolados. É
preciso que os governos tomem todas as medidas necessárias para
tutelar sua integridade física e a de seus territórios, baseadas no princípio
de precaução, além de outros mecanismos de proteção de acordo com o
direito internacional, como as Recomendações específicas definidas pela
CIDH (Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos/OEA) e contidas
no último capítulo do Relatório: “Os povos indígenas em isolamento
voluntário e em contato inicial nas Américas” (2013). É também
necessário que se garanta sua liberdade de sair do isolamento, quando
assim o desejarem.
b) Reivindicar a proteção das áreas/reservas naturais onde se
encontram, sobretudo no que se refere à sua demarcação/titulação, para
prevenir a invasão dos lugares onde habitam.
c) Promover a atualização do recenseamento e mapeamento dos
territórios nos quais estes povos moram.
d) Formar equipes específicas nas dioceses e paróquias, e planejar
uma pastoral de conjunto em regiões de fronteira, porque existem povos
que se movem.
e) Informar os povos indígenas sobre seus direitos e a cidadania a
propósito de sua situação.

Capítulo III Migração


“Meu pai era um arameu errante...” (Dt 26, 5).
Povos amazônicos em saída

63. Na Amazônia, o fenômeno migratório em busca de uma vida melhor


tem sido uma constante histórica. Existe a migração pendular (vão e vêm),[25]
o deslocamento forçado dentro do mesmo país e para o exterior, a migração
voluntária de áreas rurais para as cidades, e a migração internacional. Esta
transumância[26] amazônica não foi bem compreendida nem suficientemente
elaborada do ponto de vista pastoral. Em Puerto Maldonado, o Papa Francisco
se referiu a esta realidade: “Várias pessoas emigraram para a Amazônia à
procura de teto, terra e trabalho. Vieram à procura de um futuro melhor para
elas mesmas e sua família. Abandonaram a sua vida humilde, pobre, mas
digna. Muitas delas, com a promessa de que certos trabalhos poriam termo a
situações precárias, basearam-se no brilho promissor da extração do ouro. Mas
não esqueçamos que o ouro se pode tornar um falso deus, que pretende
sacrifícios humanos”.[27]

Causas da migração

64. A Amazônia se encontra entre as regiões com maior mobilidade


interna e internacional na América Latina. Existem causas sociopolíticas,
climáticas, de perseguição étnica e econômicas. Estas últimas são induzidas
em sua maioria pelos projetos políticos, os megaprojetos e as empresas
extrativistas, que atraem trabalhadores mas que, ao mesmo tempo, expulsam
os habitantes dos territórios afetados. A agressão contra o meio ambiente, em
nome do “desenvolvimento”,[28] piorou dramaticamente a qualidade de vida
dos povos amazônicos, tanto das populações urbanas como rurais, devido à
contaminação e perda de fertilidade do território.

65. Devido a estas causas, a região se transformou “efetivamente” em um


corredor migratório. Tais migrações se verificam entre países amazônicos
(como a crescente onda de migração proveniente da Venezuela), ou para
outras regiões (por ex., rumo ao Chile e à Argentina).[29]

Consequências da migração

66. O movimento migratório, desatendido tanto política como


pastoralmente, contribuiu para a desestabilização social nas comunidades
amazônicas. As cidades da região, que recebem permanentemente um
elevado número de pessoas que migram nessa direção, não conseguem
proporcionar os serviços básicos dos quais os migrantes necessitam. Isto tem
levado numerosas pessoas a perambular e a dormir em centros urbanos
desempregados, sem comida nem alojamento. Entre elas, muitas pertencem
aos povos indígenas forçados a abandonar suas terras. “As cidades parecem
ser uma terra sem dono. Constituem o destino para o qual se dirigem as
pessoas, depois de ter sido desalojadas de seus territórios. A cidade deve ser
entendida a partir deste modelo de exploração, que esvazia os territórios para
apropriar-se dos mesmos, desloca e expulsa as populações para a cidade”.[30]

67. Este fenômeno desestabiliza, entre outros, as famílias, quando um


dos pais parte para lugares distantes em busca de trabalho, permitindo que as
crianças e os jovens cresçam sem a figura paterna e/ou materna. Também os
jovens se deslocam à procura de um emprego ou subemprego para ajudar a
manter o que resta da família, abandonando seus estudos primários e
submetendo-se a todos os tipos de abuso e de exploração. Em muitas regiões
da Amazônia, estes jovens são vítimas do tráfico de drogas, do tráfico de
pessoas ou da prostituição (masculina e feminina).[31]

68. A omissão dos governos para implementar políticas públicas de


qualidade no interior, principalmente na educação e saúde, permite que este
processo de mobilidade cresça cada vez mais. Não obstante tenha
acompanhado este fluxo migratório, a Igreja deixou no interior da Amazônia
vazios pastorais que devem ser preenchidos.

Sugestões

69. O que os migrantes esperam da Igreja? Como ajudá-los de maneira


mais eficaz? De que modo promover a integração entre migrantes e a
comunidade local?

a) É necessária uma maior compreensão dos mecanismos que


levaram a um crescimento desproporcionado dos centros urbanos e a um
esvaziamento do interior, porque ambas as dinâmicas fazem parte do
mesmo sistema (tudo está interligado). Tudo isto exige a preparação, de
mente e de coração, dos agentes pastorais para enfrentar esta crítica
situação.
b) É preciso trabalhar em equipe, cultivando uma mística missionária,
coordenados por pessoas com competências diversas e complementares,
em vista de uma ação eficaz. O problema migratório deve ser enfrentado
de maneira coordenada, principalmente por parte das Igrejas de fronteira.
c) Articular um serviço de acolhimento em cada comunidade urbana
que permaneça alerta àqueles que chegam de forma imprevista, com
necessidades urgentes, e também poder oferecer proteção face ao perigo
das organizações criminosas.
d) Promover projetos agrofamiliares nas comunidades rurais.
e) Exercer pressão como comunidade eclesial perante os poderes
públicos, para que respondam às necessidades e direitos dos migrantes.
f) Fomentar a integração entre migrantes e comunidades locais,
respeitando a própria identidade cultural, como indica o Papa Francisco:
“A integração, que não é assimilação nem incorporação, constitui um
processo bidirecional, que se baseia essencialmente no mútuo
reconhecimento da riqueza cultural do outro: não se trata de nivelamento
de uma cultura sobre a outra, nem sequer de isolamento recíproco, com o
risco de «guetizações» nefastas e perigosas”.[32]

Capítulo IV Urbanização
“A cidade dá origem a uma espécie de ambivalência permanente porque, ao
mesmo tempo que oferece aos seus habitantes infinitas possibilidades,
interpõe também numerosas dificuldades ao pleno desenvolvimento da vida de
muitos” (EG, 74).

Urbanização da Amazônia

70. Apesar de falarmos hoje da Amazônia como o pulmão do planeta (cf.


LS, 38) e o celeiro do mundo, a devastação da região e a pobreza provocaram
um enorme deslocamento da população em vista de uma vida melhor. O
resultado deste “êxodo em busca da terra prometida” é o crescimento do
fenômeno da urbanização na região,[33] que faz da cidade una realidade
ambivalente. A Bíblia nos mostra esta ambiguidade, quando apresenta Caim
como fundador de cidades depois do pecado (cf. Gn 4, 17), mas inclusive
quando apresenta a humanidade encaminhada rumo ao cumprimento da
promessa da Jerusalém celestial, morada de Deus com os homens (cf. Ap 21,
3).

71. De acordo com as estatísticas, a população urbana da Amazônia


aumentou de modo exponencial; atualmente, de 70 a 80 % da população
reside nas cidades.[34] Muitas delas não dispõem de infraestruturas nem de
recursos públicos indispensáveis para enfrentar as necessidades da vida
urbana. Enquanto aumenta o número de cidades, diminui o número de
habitantes nos povoados rurais.

Cultura urbana

72. No entanto, a questão da urbanização não inclui apenas o


deslocamento espacial e o crescimento das cidades, mas também a
transmissão de um estilo de vida configurado pela metrópole. Este modelo se
estende ao mundo rural, modificando hábitos, costumes e formas tradicionais
de viver. A cultura, a religião, a família, a educação das crianças e dos jovens,
o emprego e outros aspectos da vida mudam rapidamente, para responder às
novas atrações da cidade.

Desafios urbanos

73. O projeto de introduzir a Amazônia no mercado globalizado produziu


mais exclusão, assim como uma urbanização da pobreza. Em conformidade
com as respostas ao Questionário do Documento Preparatório, os principais
problemas que surgiram com a urbanização são os seguintes:

a) Aumento da violência em todos os sentidos.


b) Abuso e exploração sexual, prostituição, tráfico de seres humanos,
sobretudo da mulher.
c) Tráfico e consumo de drogas.
d) Tráfico de armas.
e) Mobilidade humana e crise de identidade.
f) Decomposição familiar.[35]
g) Conflitos culturais e falta de sentido da vida.
h) Ineficácia dos serviços de saúde/saneamento.[36]
i) Falta de qualidade na educação e abandono escolar.[37]
j) Falta de resposta do poder público em matéria de infraestrutura e
de promoção do emprego.
k) Falta de respeito pelo direito à autodeterminação e à autonomia das
populações.
l) Corrupção administrativa.[38]

Sugestões

74. Sugere-se:

a. Promover um ambiente urbano onde sejam revitalizados os


espaços públicos, com praças e centros culturais bem distribuídos.
b. Incentivar o acesso universal à educação e à cultura.
c. Fomentar uma consciência ambiental, a reciclagem do lixo,
evitando a combustão.
d. Favorecer um sistema de saneamento do meio ambiente e de
acesso universal à saúde.
e. Discernir como ajudar a apreciar melhor a vida rural, com
alternativas de sobrevivência como a agricultura familiar.
f. Gerar espaços de interação entre a sabedoria dos povos indígenas,
ribeirinhos e quilombolas inseridos na cidade, e a sabedoria da população
urbana para entabular o diálogo e a integração em volta do cuidado da
vida.

Capítulo V Família e comunidade

“O próprio Jesus nasce em uma família modesta, que à pressa tem de fugir
para uma terra estrangeira” (AL, 21).

As famílias amazônicas

75. Nas famílias palpita a cosmovivência. Trata-se de vários


conhecimentos e práticas milenárias em diferentes campos, como a agricultura,
a medicina, a caça e a pesca, em harmonia com Deus, a natureza e a
comunidade. Também na família se transmitem valores culturais, como o amor
pela terra, a reciprocidade, a solidariedade, a vivência do presente, o sentido
de família, a simplicidade, o trabalho comunitário, a organização própria, a
medicina e a educação ancestral. Além disso, a cultura oral (histórias, crenças
e cânticos), com suas cores, trajes, alimentação, línguas e ritos fazem parte
desta herança que se transmite em família. Em síntese, é na família que se
aprende a viver em harmonia: entre povos, entre gerações, com a natureza, em
diálogo com os espíritos.[39]

Mudanças sociais e vulnerabilidade familiar

76. Na Amazônia a família foi vítima do colonialismo no passado e de um


neocolonialismo no presente. A imposição de um modelo cultural ocidental
inculcava um certo desprezo pelo povo e pelos costumes do território
amazônico, e chegava-se a qualificá-los como “selvagens”, ou “primitivos”.
Atualmente, a imposição de um modelo econômico ocidental extrativista volta a
atingir as famílias, invadindo e destruindo suas terras, suas culturas e suas
vidas, forçando-as a emigrar para as cidades e suas periferias.

77. As mudanças aceleradas de hoje afetam a família amazônica. Assim,


encontramos novos formatos familiares: famílias monoparentais sob a
responsabilidade da mulher, aumento de famílias separadas, de uniões
consensuais e de famílias montadas, e diminuição de casamentos
institucionais. Além disso, ainda se constata a submissão da mulher no seio da
família, aumenta a violência intrafamiliar, há crianças com pais ausentes,
cresce o número de adolescentes grávidas e de abortos.

78. Na cidade, a família é um lugar de síntese entre as culturas tradicional


e moderna. No entanto, muitas vezes as famílias sofrem a pobreza, a
precariedade da habitação, a falta de trabalho, o aumento do consumo de
drogas e álcool, a discriminação e o suicídio juvenil. Além disso, na vida
familiar falta o diálogo entre as gerações, perdem-se as tradições e a
linguagem. As famílias também se deparam com novas problemáticas de
saúde, que exigem una educação adequada sobre a maternidade. Constata-se
ainda a falta de atenção à mulher durante a gravidez e nos períodos pré-parto
e pós-parto.[40]

Sugestões

79. A multiculturalidade da Pan-Amazônia é muito rica e portanto, a maior


contribuição consiste em continuar a lutar para preservar sua beleza através do
fortalecimento da estrutura comunitária-familiar dos povos. É por isso que a
Igreja deve valorizar e respeitar as identidades culturais. De modo particular,
seria necessário:

a) Respeitar o modo próprio de organização comunitária. Dado que


muitas políticas públicas influenciam a identidade familiar e coletiva, é
preciso iniciar e acompanhar processos que comecem a partir da
família/clã/comunidade para promover o bem comum, ajudando a superar
as estruturas que alienam: «Nós devemos organizar-nos a partir da nossa
casa».[41]
b) Ouvir o cântico que se aprende em família, como modo de expressar
a profecia no mundo amazônico.
c) Promover a função da mulher, reconhecendo seu papel fundamental
na formação e continuidade das culturas, na espiritualidade, nas
comunidades e famílias. É necessário assumir o papel da liderança
feminina no seio da Igreja.
d) Articular uma pastoral familiar que siga as indicações da Exortação
Apostólica Amoris Laetitia:
i. Uma pastoral familiar que acompanhe, integre e não exclua a
família ferida.
ii. Uma pastoral sacramental que fortaleça e console todos, sem
excluir ninguém.
iii. Uma formação permanente de agentes pastorais, que tenha em
consideração os recentes Sínodos e a realidade familiar da
Amazônia.
iv. Uma pastoral familiar onde a família é sujeito e protagonista.

Capítulo VI Corrupção
“Isto torna-se ainda mais irritante, quando os excluídos veem crescer este
câncer social que é a corrupção, profundamente radicada em muitos países –
nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia
política dos governantes” (EG, 60).

Corrupção na Amazônia

80. Na Amazônia, a corrupção atinge seriamente a vida de seus povos e


territórios. Existem pelo menos dois tipos de corrupção: aquela que existe fora
da lei e a que se ampara em uma legislação traiçoeira do bem comum.

81. Nas últimas décadas aumentou o investimento na exploração das


riquezas da Amazônia por parte de grandes companhias. Muitas delas
perseguem o lucro custe o que custar, sem se importar com o dano
socioambiental que provocam. Os governos que autorizam tais práticas,
necessitados de capital para promover suas políticas públicas, nem sempre
cumprem seu dever de preservar o meio ambiente e os direitos de suas
populações. Assim, a corrupção afeta as autoridades políticas, judiciais,
legislativas, sociais, eclesiais e religiosas que recebem benefícios para permitir
a atividade destas companhias (cf. DAp., 77). Existem casos em que grandes
companhias e governos chegaram a organizar sistemas de corrupção. Vemos
pessoas que desempenharam funções públicas e que hoje passaram a ser
julgadas, estão na prisão ou fugiram. Como afirma o Documento de Aparecida:
«É também alarmante o nível de corrupção nas economias, envolvendo tanto o
setor público quanto o setor privado, ao que se soma uma notável falta de
transparência e prestação de contas à cidadania. Em muitas ocasiões, a
corrupção está vinculada ao flagelo do narcotráfico ou do narconegócio e, por
outro lado, vem destruindo o tecido social e econômico em regiões inteiras»
(DAp., 70).
Flagelo moral estrutural

82. Cria-se, assim, uma cultura que envenena o Estado e suas


instituições, permeando todos os estratos sociais, inclusive as comunidades
indígenas. Trata-se de um verdadeiro flagelo moral; como resultado, perde-se
confiança nas instituições e em seus representantes, o que desacredita
totalmente a política e as organizações sociais. Os povos amazônicos não são
alheios à corrupção, e se transformam em suas principais vítimas.

Sugestões

83. Considerando a situação de carência de meios econômicos das


Igrejas particulares na Amazônia, deve-se prestar uma atenção especial à
procedência de doações ou outro tipo de benefícios, assim como aos
investimentos realizados pelas instituições eclesiásticas ou pelos cristãos. As
Conferências Episcopais poderiam oferecer um serviço de assessoria e de
acompanhamento, de consulta e de promoção de estratégias comuns perante
a corrupção generalizada e também diante da necessidade de gerar e investir
recursos para apoiar a pastoral. É necessária uma análise atenta das
atividades do narcotráfico.

a. Implementar uma adequada preparação do clero para enfrentar a


complexidade, sutileza e gravidade dos urgentes problemas vinculados à
corrupção e ao exercício do poder.
b. Promover uma cultura da honestidade, do respeito pelo outro e pelo
bem comum.
c. Acompanhar, promover e formar leigos para uma significativa
presença pública na política, na economia, na vida acadêmica e em todas
as formas de liderança (cf. DAp., 406).
d. Acompanhar os povos em suas lutas pelo cuidado de seus territórios
e pelo respeito de seus direitos.
e. Discernir como se gera e como se investe dinheiro na Igreja,
ultrapassando tomadas de posição ingênuas através de um sistema de
administração e de auditoria comunitárias, respeitando as normas
eclesiais em vigor.
f. Acompanhar as iniciativas da Igreja com outras instâncias, para
exigir que as empresas assumam responsabilidades sobre os impactos
sócio-ecológicos de suas ações, em conformidade com os parâmetros
jurídicos dos próprios Estados.
Capítulo VII A Questão da Saúde Integral

“Esta água corre para o território oriental, desce para a Arabá e dirige-se para o
mar [Morto]; quando chegar ao mar, as suas águas tornar-se-ão salubres... Os
seus frutos servirão de alimento e as suas folhagens, de remédio” (Ez 47,
8.12).

Saúde na Amazônia
84. Hoje, a região amazônica contém a diversidade de flora e de fauna
mais importante do mundo, e sua população autóctone possui um sentido
integral da vida não contaminado por um materialismo economicista. Em sua
história, longa e fecunda, a Amazônia é um território saudável, embora não
tenham faltado enfermidades. No entanto, com a mobilidade dos povos, com a
invasão de indústrias poluentes fora de controle, por causa das condições de
mudança climática e perante a indiferença total por parte das autoridades
públicas no campo da saúde, apareceram novas enfermidades e voltaram a
surgir patologias que tinham sido superadas. O modelo de um desenvolvimento
que se limita unicamente a explorar do ponto de vista econômico a riqueza de
florestas, minérios e hidrocarbonetos da Pan-Amazônia afeta a saúde dos
biomas amazônicos, de suas comunidades e do planeta inteiro! O dano
prejudica não apenas a saúde física, mas também a cultura e a espiritualidade
dos povos: é um prejuízo para sua “saúde integral”. Os habitantes amazônicos
têm direito à saúde e a “viver saudavelmente”, o que supõe uma harmonia
«com o que nos oferece a Mãe Terra».[42]

Valorização e aprofundamento das medicinas


tradicionais

85. Perante a “cultura do descarte” (cf. LS, 22), os discípulos de Cristo


são chamados a promover uma cultura do cuidado e da saúde. Por
conseguinte, o compromisso em prol do cuidado da saúde exige mudanças
urgentes nos estilos de vida pessoal e nas estruturas.

86. A riqueza da flora e da fauna da floresta contém verdadeiras


“farmacopeias vivas” e princípios genéticos inexplorados. O desmatamento
amazônico impedirá que se conte com tais riquezas, empobrecendo as
próximas gerações. Atualmente, a taxa de extinção de espécies na Amazônia,
devido às atividades humanas, é mil vezes maior que o processo natural. O
único caminho para preservar esta riqueza é o cuidado do território e da
floresta amazônica, bem como a emancipação dos indígenas e dos cidadãos.

87. Os rituais e as cerimônias indígenas são essenciais para a saúde


integral, pois compõem os diferentes ciclos da vida humana e da natureza.
Criam harmonia e equilíbrio entre os seres humanos e o cosmo. Protegem a
vida contra os males que podem ser provocados tanto por seres humanos
como por outros seres vivos. Ajudam a curar as doenças que prejudicam o
meio ambiente, a vida humana e outros seres vivos.

Sugestões

88. O cuidado da saúde dos habitantes implica um conhecimento


detalhado das plantas medicinais e de outros elementos tradicionais que fazem
parte dos processos de cura. Para isto, os povos indígenas contam com
pessoas que, ao longo da vida, se especializam na observação da natureza,
ouvindo e aprendendo do conhecimento dos mais idosos, sobretudo das
mulheres. No entanto, por causa da contaminação ambiental, tanto a natureza
como o corpo dos habitantes da Amazônia vão se deteriorando. O contato com
novos elementos tóxicos, como o mercúrio, provoca o aparecimento de outras
doenças até agora desconhecidas para os velhos curandeiros. Tudo isto põe
em perigo aquela sabedoria ancestral. É por isso que as respostas ao
Documento Preparatório realçam a necessidade de preservar e transmitir os
conhecimentos da medicina tradicional.[43] Propõe-se ajudar os povos da
Amazônia a manter, recuperar, sistematizar e divulgar este saber para a
promoção de una saúde integral.

89. Face a estas novas doenças, os habitantes se sentem forçados a


comprar remédios elaborados por companhias farmacêuticas com as próprias
plantas da Amazônia. Uma vez comercializados, estes medicamentos ficam
fora do alcance de suas possibilidades econômicas devido, entre outras
causas, ao patenteamento dos remédios e aos sobrepreços. Por isso, propõe-
se valorizar a medicina tradicional, a sabedoria dos anciãos e os rituais
indígenas, e ao mesmo tempo facilitar o acesso aos remédios para curar as
novas doenças.

90. Contudo, não são apenas as plantas medicinais e os remédios que


ajudam a curar. A água e o ar limpos, a alimentação sadia, fruto de seus
próprios cultivos e da colheita, da caça e da pesca, são condições necessárias
para a saúde integral dos povos indígenas.[44] Portanto, propõe-se exigir dos
governos uma regulamentação rigorosa das indústrias e a denúncia daquelas
que poluem o meio ambiente. Por outro lado, sugere-se que sejam gerados
espaços de intercâmbio e acompanhamento educativo para recuperar os
hábitos do “bem viver”, gerando desta forma uma cultura do cuidado e da
prevenção.
91. Finalmente, propõe-se avaliar as estruturas médicas da Igreja, como
hospitais e centros de saúde, à luz de una saúde integral acessível a todos os
habitantes, que assuma a medicina tradicional como parte de seus programas
de saúde.

Capítulo VIII Educação Integral


“Nós, jovens, estamos perdendo nossa identidade cultural e em especial nossa
língua. Esquecemos que temos nossas raízes, que pertencemos a um povo
originário, e nos deixamos levar pela tecnologia. Não é mau caminhar com os
dois pés, conhecer o moderno e também cuidar do tradicional. Onde você
estiver, tenha sempre em conta estas duas coisas, tenha em consideração
suas raízes, de onde quer que você venha, e não se esqueça disto” (Slendy
Grefa, Doc. Consulta, Equador).

Uma Igreja sinodal: discípula e mestra

92. Mediante a escuta mútua dos povos e da natureza, a Igreja se


transforma em uma Igreja em saída, tanto geográfica como estrutural; em uma
Igreja irmã e discípula, através da sinodalidade. Assim se expressou o Papa
Francisco na Constituição Apostólica Episcopalis Communio: “O Bispo
é, simultaneamente, mestre e discípulo [...]. É também discípulo, quando ele,
sabendo que o Espírito é concedido a cada batizado, se coloca à escuta da voz
de Cristo que fala através de todo o Povo de Deus” (EC, 5). Ele mesmo se fez
discípulo em Puerto Maldonado, manifestando sua vontade de ouvir a voz da
Amazônia.

Educação como encontro

93. A educação implica um encontro e um intercâmbio nos quais sejam


assimilados os valores. Cada cultura é rica e ao mesmo tempo pobre. Dado
que é histórica, a cultura possui sempre uma dimensão pedagógica de
aprendizagem e aperfeiçoamento. «Quando algumas categorias da razão e das
ciências são acolhidas no anúncio da mensagem, tais categorias tornam-se
instrumentos de evangelização; é a água transformada em vinho. É aquilo que,
uma vez assumido, não só é redimido, mas torna-se instrumento do Espírito
para iluminar e renovar o mundo» (EG, 132). O encontro é a «capacidade do
coração que torna possível a proximidade» (EG, 171) e as aprendizagens
múltiplas.
94. Esta educação, que se desenvolve através do encontro, é diferente
de una educação que procura impor ao outro (e especialmente aos pobres e
vulneráveis) as próprias cosmovisões que são precisamente a causa de sua
pobreza e vulnerabilidade. Na Amazônia a educação não significa impor aos
povos amazônicos parâmetros culturais, filosofias, teologias, liturgias e
costumes estranhos. Hoje, «Alguns comprazem-se simplesmente em culpar,
dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações
indevidas, e pretendem encontrar a solução numa «educação» que os
tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos» (EG, 60). «Por
conseguinte, torna-se necessária uma educação que ensine a pensar
criticamente e ofereça um caminho de amadurecimento nos valores» (EG, 64),
uma educação aberta à interculturalidade.

Educação para uma ecologia integral

95. A cosmovisão dos povos indígenas amazônicos inclui o apelo a


libertar-se de uma visão fragmentária da realidade, que não é capaz de
entender as múltiplas conexões, inter-relações e interdependências. A
educação para uma ecologia integral assume todas as relações constitutivas
das pessoas e dos povos. Para compreender esta visão da educação, é melhor
aplicar o mesmo princípio válido para a saúde: a meta consiste em observar o
corpo inteiro e as causas da enfermidade e não somente os sintomas. Uma
ecologia sustentável para as gerações vindouras «não se pode reduzir a uma
série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à
volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da
poluição. Deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um
programa educativo» (LS, 111). Uma educação unicamente com base em
soluções técnicas, para complexos problemas ambientais, esconde «os
problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial» (ibidem).

96. Então, trata-se de uma educação para a solidariedade, que brota da


«consciência de uma origem comum» e de um «futuro compartilhado por
todos» (LS, 202). Os povos indígenas possuem um método de ensino-
aprendizagem fundamentado na tradição oral e na prática vivencial que, dentro
de cada etapa, segue um processo pedagógico contextualizado. O desafio
consiste em integrar este método no diálogo com outras propostas
educacionais. Por isso, é necessário «reordenar os itinerários pedagógicos de
uma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na
solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão» (LS,
210). A Amazônia nos convida a descobrir a tarefa educativa como um serviço
integral para toda a humanidade, em vista de uma «cidadania ecológica» (LS,
211).

97. Esta educação une o compromisso em prol do cuidado da terra ao


engajamento a favor dos pobres, suscitando atitudes de sobriedade e respeito,
vividas através de «uma austeridade responsável, da grata contemplação do
mundo, do cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente» (LS, 214).
Tal educação «tem necessidade de se traduzir em novos hábitos» (LS, 209),
tendo em consideração os valores culturais. Em perspetiva ecológica e em
chave amazônica, a educação promove o “bem viver”, o “bem conviver” e o
“bem fazer”, que deve ser persistente e audível se quiser ter um impacto
significativo na Casa Comum.

Sugestões

98. Sugere-se:

a) A formação dos agentes pastorais leigos adultos, que os ajude a


crescer em responsabilidade e criatividade.
b) A formação dos ministros ordenados:
1. Os planos de formação devem responder a uma cultura
filosófico-teológica adequada às culturas amazônicas, capaz de ser
compreendida e, portanto, de estimular a vida cristã. É por isso que
se sugere a integração da teologia indígena com a ecoteologia, que
os prepare para a escuta e o diálogo aberto, onde tem lugar a
evangelização.
2. Propõe-se a reforma das estruturas dos seminários, para
favorecer a integração dos candidatos ao sacerdócio nas
comunidades.
c) Os centros de formação:
1. As escolas: são necessários planos educativos focados na
educação segundo as próprias culturas, que respeitem as línguas
nativas; uma educação integral que responda à própria realidade,
para fazer face ao abandono escolar e ao analfabetismo,
principalmente feminino.
2. A universidade: é necessário promover não apenas a
interdisciplinariedade, mas também enfrentar as questões em
conformidade com a transdisciplinariedade, ou seja, com uma visão
que restitua ao saber humano unitariedade na diversidade, em
sintonia com o estudo de uma ecologia integral, segundo o prólogo
da Constituição Apostólica Veritatis Gaudium.
3. Exija-se o ensino da teologia indígena pan-amazônica em
todas as instituições educativas.
d) Uma teologia índia amazônica:
1. Pede-se que seja aprofundada uma teologia índia amazônica
já existente, que permitirá uma melhor e maior compreensão da
espiritualidade indígena, para evitar que se cometam aqueles erros
históricos que atropelaram muitas culturas originárias.
2. Pede-se, por exemplo, que se tenham em consideração os
mitos, tradições, símbolos, saberes, ritos e celebrações originários,
que incluem as dimensões transcendentes, comunitárias e
ecológicas.

Capítulo IX A conversão ecológica


“Falta-lhes, pois, uma conversão ecológica, que comporta deixar emergir, nas
relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro
com Jesus” (LS, 217).

Cristo nos chama à conversão (cf. Mc 1, 15)


99. Um aspecto fundamental da raiz do pecado do ser humano consiste
em desvincular-se da natureza e em não a reconhecer como sua parte, em
explorá-la sem limites, rompendo deste modo a aliança originária com a criação
e com Deus (cf. Gn 3, 5). «A harmonia entre o Criador, a humanidade e toda a
criação foi destruída por termos pretendido ocupar o lugar de Deus, recusando
reconhecer-nos como criaturas limitadas» (LS, 66). Após a fratura do pecado e
o dilúvio universal, Deus restabelece a aliança com o próprio homem e com a
criação (cf. Gn 9, 9-17), chamando o ser humano a preservá-la.

100. A reconciliação com a criação, à qual nos convida o Papa Francisco


(cf. LS, 218), supõe que se supere antes de tudo uma atitude passiva que
renuncia, como o rei Davi, a assumir sua missão (cf. 2 Sm 11, 1). O processo
do pecado do rei Davi começa com uma omissão pessoal (permanece em seu
palácio, quando o exército se encontra no campo de batalha), se concretiza na
prática de gestos reprováveis aos olhos de Deus (adultério, mentira e
assassinato), que envolvem outros, criando uma rede de cumplicidades (cf. 2
Sm 11, 3-25). Até a Igreja pode ser tentada a permanecer fechada em si
mesma, renunciando à sua missão de anunciar o Evangelho e de tornar
presente o Reino de Deus. Pelo contrário, uma Igreja em saída é uma Igreja
que se confronta com o pecado deste mundo, ao qual ela mesma não é alheia
(cf. EG, 20-24). Este pecado, como dizia São João Paulo II, não é unicamente
pessoal, mas inclusive social e estrutural (cf. RP, 16; SRS, 36; SD, 243; DAp.,
92) e, como admoesta o Papa Francisco, «tudo está interligado» (LS, 138).
Quando «o ser humano se declara autônomo da realidade e se constitui como
dominador absoluto, desmorona-se a própria base da sua existência» (LS,
117). Cristo redime a criação inteira, submetida ao pecado pelo ser humano
(cf. Rm 8, 19-22).

Conversão integral
101. Por isso, também a conversão deve ter os mesmos níveis de
concretização: pessoal, social e estrutural, tendo em conta as diferenciadas
dimensões de relacionalidade. Trata-se de uma “conversão íntegra da pessoa”,
que brota do coração e se abre a uma “conversão comunitária”, reconhecendo
seus vínculos sociais e ambientais, ou seja, uma “conversão ecológica” (cf. LS,
216-221). Esta conversão implica o reconhecimento da cumplicidade pessoal e
social nas estruturas de pecado, desmascarando as ideologias que justificam
um estilo de vida que agride a criação. Ouvem-se frequentemente histórias que
justificam gestos destruidores de grupos de poder que exploram a natureza,
exercem um domínio despótico sobres seus habitantes (cf. LS, 56 e 200) e
ignoram o grito de dor da terra e dos pobres (cf. LS, 49).

Conversão eclesial na Amazônia

102. O processo de conversão ao qual a Igreja é chamada implica


desaprender, aprender e reaprender. Este caminho exige uma visão crítica e
autocrítica que nos permita identificar aquilo que devemos desaprender, o que
prejudica a Casa Comum e seus povos. Temos necessidade de percorrer um
caminho interior para reconhecer as atitudes e mentalidades que nos impedem
de nos conectarmos conosco mesmos, com os outros e com a natureza; como
disse o Papa Bento XVI, “os desertos exteriores multiplicam-se no mundo,
porque os desertos interiores se tornaram tão amplos”.[45] Este processo
continua, deixando-se surpreender pela sabedoria dos povos indígenas. Sua
vida diária é um testemunho de contemplação, cuidado e relação com a
natureza. Eles nos ensinam a reconhecer-nos como parte do bioma e
corresponsáveis de seu cuidado pelo presente e pelo futuro. Portanto,
devemos reaprender a entretecer laços que assumam todas as dimensões da
vida e a assumir uma ascese pessoal e comunitária que nos permita
«amadurecer numa sobriedade feliz» (LS, 225).

103. Na Sagrada Escritura a conversão é apresentada como um movimento


que vai do pecado à amizade com Deus em Jesus Cristo, por isso faz parte do
processo da fé (cf. Mc 1, 15). Nossa visão crente da realidade amazônica nos
levou a avaliar a obra de Deus na criação e em seus povos, mas também a
presença do mal a vários níveis: colonialismo (domínio), mentalidade
economicista-mercantilista, consumismo, utilitarismo, individualismo,
tecnocracia, cultura do descarte.

· Uma mentalidade que se expressou historicamente em um sistema


de domínio territorial, político, econômico e cultural que persiste de várias
formas até os dias de hoje, perpetuando o colonialismo.
· Uma economia baseada exclusivamente no lucro como única
finalidade, que exclui e atropela os mais fracos e a natureza, se constitui
como ídolo que semeia destruição e morte (cf. EG, 53-56).
· Uma mentalidade utilitarista concebe a natureza como mero
recurso e os seres humanos como simples produtores-consumidores,
violando o valor intrínseco e a relacionalidade das criaturas.
· «O individualismo enfraquece os vínculos comunitários» (DAp., 44),
ofuscando a responsabilidade em relação ao próximo, à comunidade e à
natureza.
· O desenvolvimento tecnológico trouxe grandes benefícios para a
humanidade mas, ao mesmo tempo, sua absolutização levou-o a ser um
instrumento de posse, domínio e manipulação (cf. LS, 106) da natureza e
do ser humano. Tudo isto gerou uma cultura global predominante, a qual
o Papa Francisco chamou “paradigma tecnocrático” (LS, 106 e ss.).
· O resultado é uma perda do horizonte transcendente e humanitário,
onde se transmite a lógica do «usa e joga fora» (LS, 123), gerando uma
«cultura do descarte» (LS, 22) que agride a criação.

Sugestões

104. Sugere-se:

a. Desmascarar as novas formas de colonialismo presentes na


Amazônia.
b. Identificar as novas ideologias que justificam o ecocídio amazônico,
para analisá-las criticamente.
c. Denunciar as estruturas de pecado que são atuadas no território
amazônico.
d. Indicar as razões com as quais justificamos nossa participação nas
estruturas de pecado, a fim de as analisar de forma crítica.
e. Favorecer uma Igreja como instituição de serviço não
autorreferencial, corresponsável no cuidado da Casa Comum e na defesa
dos direitos dos povos.
f. Promover mercados ecossolidários, um consumo justo e uma
«sobriedade feliz» (LS, 224-225), que respeitem a natureza e os direitos
dos trabalhadores. «Comprar é sempre um ato moral, para além de
econômico» (CV, 66; LS, 206).
g. Incentivar hábitos de comportamento, de produção e de consumo,
de reciclagem e de reutilização de resíduos.
h. Recuperar mitos e atualizar ritos e celebrações comunitárias que
contribuam significativamente para o processo de conversão ecológica.
i. Agradecer aos povos originários o cuidado do território ao longo do
tempo e reconhecer nisto a sabedoria ancestral que forma a base para
uma boa compreensão da ecologia integral.
j. Criar itinerários pastorais orgânicos a partir de uma ecologia
integral, para a proteção da Casa Comum, tendo como orientação os
capítulos 5 e 6 da Encíclica Laudato Si’.
k. Reconhecimento formal por parte da Igreja particular, como
ministério especial ao agente pastoral promotor do cuidado da Casa
Comum.

III PARTE IGREJA PROFÉTICA NA


AMAZÔNIA: DESAFIOS E
ESPERANÇAS
“Quem dera que todo o povo de Deus profetizasse, e que o Senhor enviasse o
seu Espírito sobre ele!” (Nm 11, 29).

105. O anúncio de Jesus Cristo e a realização de um encontro profundo


com Ele, através da conversão e da vivência eclesial da fé, supõem uma Igreja
hospitaleira e missionária que se encarna nas culturas. Ela deve recordar-se
dos passos que foram dados para enfrentar os temas desafiadores da
centralidade do querigma e da missão no âmbito amazônico. Este paradigma
da ação eclesial inspira os ministérios, a catequese, a liturgia e a pastoral
social, tanto na área rural como urbana.

106. Os novos caminhos para a pastoral da Amazônia exigem que se


“relance com fidelidade e audácia” a missão da Igreja (DAp., 11) no território e
que se aprofunde o «processo de inculturação» (EG, 126) e de
interculturalidade (cf. LS, 63, 143 e 146) que da Igreja na Amazônia requer
propostas «valentes», o que supõe coragem e paixão, como nos pede o Papa
Francisco. A evangelização na Amazônia é um banco de ensaio para a Igreja e
para a sociedade.[46]

Capítulo I Igreja com rosto amazônico e


missionário
“Brilhe sobre o teu servo a luz da tua face” (Sl 31 [30], 17).

Um rosto rico de expressões


107. O rosto amazônico da Igreja encontra sua expressão na pluralidade de
seus povos, culturas e ecossistemas. Esta diversidade tem necessidade da
opção por una Igreja em saída e missionária, encarnada em todas as suas
atividades, expressões e linguagens. Em Santo Domingo os Bispos nos
propuseram a meta de uma evangelização inculturada, que “será sempre a
salvação e libertação integral de um determinado povo ou grupo humano, que
fortalecerá sua identidade e confiança em seu futuro específico, contrapondo-
se aos poderes da morte” (DSD, Conclusões, 243). E o Papa Francisco
apresenta claramente esta necessidade de uma Igreja inculturada e
intercultural: “Precisamos que os povos indígenas plasmem culturalmente as
Igrejas locais amazônicas” (Fr.PM).

108. Inculturação e interculturalidade não se opõem, mas se completam.


Assim como Jesus se encarnou em uma determinada cultura (inculturação),
seus discípulos missionários seguem seus passos. É por isso que os cristãos
de uma cultura saem ao encontro de pessoas de outras culturas
(interculturalidade). Isto aconteceu desde os primórdios da Igreja, quando os
apóstolos hebreus levaram a Boa Notícia a diferentes culturas, como a grega,
descobrindo nelas “sementes do Verbo”.[47] Daquele encontro e diálogo entre
as culturas surgiram novos caminhos do Espírito. Hoje em dia, a Igreja
perscruta novos caminhos no encontro e diálogo com as culturas amazônicas.

109. De acordo com o Documento de Aparecida, a opção preferencial pelos


pobres constitui o critério hermenêutico para analisar as propostas de
construção da sociedade (cf. nn. 501, 537, 474 e 475), e o critério de
autocompreensão da Igreja. É também um dos traços que distinguem a
fisionomia da Igreja latino-americana e caribenha (cf. nn. 391, 524 e 533), e de
todas as suas estruturas, desde a paróquia até seus centros educativos e
sociais (cf. nn. 176, 179, 199, 334, 337, 338, 446 e 550). O rosto amazônico é o
de uma Igreja com uma clara opção pelos (e com os) pobres,[48] e pelo
cuidado da criação. A partir dos pobres, e da atitude de cuidado dos bens de
Deus, abrem-se novos caminhos da Igreja local, prosseguindo rumo à Igreja
universal.

Um rosto local com dimensão universal

110. Uma Igreja com rosto amazônico, em seus pluriformes matizes,


procura ser uma Igreja “em saída” (cf. EG, 20-23), que deixa atrás de si uma
tradição colonial monocultural, clericalista e impositiva, que sabe discernir e
assumir sem medo as diversificadas expressões culturais dos povos. O referido
rosto nos alerta para o risco de “pronunciar uma palavra única [ou] propor uma
solução que tenha um valor universal” (cf. OA, 4; EG, 184). Sem dúvida, a
realidade sociocultural complexa, plural, conflituosa e opaca impede que se
possa aplicar “uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos” (EG,
40). Por conseguinte, a universalidade ou catolicidade da Igreja se vê
enriquecida pela “beleza deste rosto pluriforme” (NMI, 40), das diferentes
manifestações das Igrejas particulares e de suas culturas, formando uma Igreja
poliédrica (cf. EG, 236).

Um rosto desafiador diante das injustiças

111. Plasmar uma Igreja com rosto amazônico possui uma dimensão
eclesial, social, ecológica e pastoral, muitas vezes conflituosa. Com efeito, a
organização política e jurídica nem sempre teve em consideração o rosto
cultural da justiça dos povos e suas instituições. A Igreja não é alheia a esta
tensão. Às vezes tende-se a impor uma cultura estranha à Amazônia, o que
impede que se compreendam seus povos e que se apreciem suas
cosmovisões.

112. A realidade das Igrejas locais tem necessidade de uma Igreja


participativa, que se torne presente na vida social, política, econômica, cultural
e ecológica de seus habitantes; de uma Igreja acolhedora da diversidade
cultural, social e ecológica, para poder servir sem discriminação de pessoas
nem de grupos; de uma Igreja criativa, que possa acompanhar seu povo na
construção de novas respostas às necessidades urgentes; e de uma Igreja
harmoniosa, que fomente os valores da paz, da misericórdia e da comunhão.

Um rosto inculturado e missionário

113. A diversidade cultural exige uma encarnação mais real para assumir
diferentes modos de vida e culturas. “Na ordem pastoral é sempre válido o
princípio da encarnação formulado por Santo Irineu: «O que não foi assumido,
não foi redimido»”.[49] Os impulsos e inspirações importantes para esta
almejada inculturação se encontram no magistério da Igreja e no itinerário
eclesial latino-americano, de suas Conferências Episcopais (Medellín, 1968;
Puebla, 1979; Santo Domingo, 1992; e Aparecida, 2007), de suas
comunidades, de seus santos e de seus mártires.[50] Uma realidade
importante deste processo foi o surgimento de uma teologia latino-americana,
em particular da Teologia Índia.

114. A construção de uma Igreja missionária com rosto local significa


progredir na edificação de uma Igreja inculturada, que sabe trabalhar e
articular-se (como os rios no Amazonas), com o que existe de culturalmente
disponível, em todos os seus campos de ação e presença. «Ser Igreja significa
ser povo de Deus» (EG, 114), encarnado «nos povos da terra» e em suas
culturas (EG, 115).
Capítulo II desafios da inculturação e da
interculturalidade[51]
“Nos diferentes povos, que experimentam o dom de Deus segundo a própria
cultura, a Igreja exprime a sua genuína catolicidade e mostra «a beleza deste
rosto pluriforme»” (EG, 116).

A caminho rumo a uma Igreja com rosto amazônico


e indígena

115. A missão da Igreja consiste em anunciar o Evangelho de Jesus de


Nazaré, o Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-36), que se compadece da
humanidade ferida e abandonada. A Igreja anuncia o mistério de sua morte e
ressurreição a todas as culturas e a todos os povos, batizando-os em nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo (cf. Mt 28, 19). Seguindo o exemplo de São
Paulo, que quis tornar-se grego com os gregos, procurando adaptar-se “o mais
possível a todos” (cf. 1 Cor 9, 19-23), a Igreja envidou um grande esforço para
evangelizar todos os povos ao longo da história. Ela procurou realizar este
mandato missionário, encarnando e traduzindo a mensagem do Evangelho nas
diferentes culturas, no meio das dificuldades de todos os tipos, políticas,
culturais e geográficas. Porém, ainda há muito a fazer.

116. Desde há séculos, a Igreja procura partilhar o Evangelho com os povos


amazônicos, muitos dos quais integram a comunidade eclesial. Os missionários
e as missionárias têm uma história de profunda relação com esta região.
Deixaram marcas profundas na alma do povo católico da Amazônia. A Igreja
percorreu um longo caminho que deve ser aprofundado e atualizado, até poder
chegar a ser uma Igreja com rosto indígena e amazônico.

117. No entanto, tal como sobressai dos encontros territoriais, existe uma
ferida ainda aberta por abusos cometidos no passado. Justamente, no ano de
1912, na Encíclica Lacrimabili Statu Indorum, o Papa Pio X reconheceu a
crueldade com que foram tratados os indígenas. Em Puebla, o episcopado
latino-americano admitiu a existência de «um agigantado processo de
dominações», repleto de «contradições e dilacerações» (DP, cap. I). Em
Aparecida, os bispos pediram para “descolonizar as mentes” (DAp., 96). No
encontro com os povos da Amazônia, em Puerto Maldonado, o Papa Francisco
recordou as palavras de Santo Toríbio de Mogrovejo: “Não só nos tempos
passados se fizeram a estes pobres tantos agravos e violências com tantos
excessos, mas ainda hoje muitos continuam a fazer as mesmas coisas”.[52]
“Dado que ainda persiste uma mentalidade colonial e patriarcal, é necessário
aprofundar um processo de conversão e reconciliação.[53]
Sugestões

118. As comunidades consultadas esperam que a Igreja se comprometa no


cuidado da Casa Comum e de seus habitantes, “[...] que defenda os territórios
e que ajude os povos indígenas a denunciar o que provoca morte e ameaça os
territórios”.[54] Uma Igreja profética não pode deixar de clamar pelos
descartados e por aqueles que sofrem (cf. Fr.PM).

119. No clamor dos povos amazônicos e no magistério do Papa Francisco,


a escuta da voz do Espírito supõe um processo de conversão pastoral e
missionária (cf. EG, 25). Por isso, sugere-se:

a) Evitar a homogeneização cultural, para reconhecer e promover o


valor das culturas amazônicas.
b) Rejeitar a aliança com a cultura dominante e o poder político e
econômico, para promover as culturas e os direitos dos indígenas, dos
pobres e do território.
c) Superar qualquer clericalismo, para viver a fraternidade e o serviço
como valores evangélicos que animam o relacionamento entre a
autoridade e os membros da comunidade.
d) Transpor posições rígidas que não têm suficientemente em
consideração a vida concreta das pessoas, nem a realidade pastoral,
para ir ao encontro das necessidades concretas dos povos e das culturas
indígenas.

A evangelização nas culturas [55]


120. O Espírito criador que enche o universo (cf. Sb 1, 7) alimentou a
espiritualidade destes povos ao longo dos séculos, ainda antes do anúncio do
Evangelho, e é Ele que os leva a aceitá-lo a partir de suas próprias culturas e
tradições. Este anúncio deve ter em conta as “semente do Verbo”,[56] aí
presentes. Reconhece também que em muitos deles a semente cresceu e
produziu frutos. Isto pressupõe uma escuta respeitadora, que não imponha
formulações da fé expressas a partir de outros pontos de referência culturais,
que não correspondem ao seu contexto vital. Mas, pelo contrário, que se ouça
“a voz de Cristo que fala através de todo o povo de Deus” (EC, 5).

121. É preciso captar aquilo que o Espírito do Senhor ensinou a estes povos
ao longo dos séculos: a fé no Deus Pai-Mãe Criador, o sentido de comunhão e
a harmonia com a terra, o sentido de solidariedade para com seus
companheiros, o projeto do “bem viver”, a sabedoria de civilizações milenárias
que os anciãos possuem e que influi sobre a saúde, a convivência, a educação,
o cultivo da terra, a relação viva com a natureza e a “Mãe Terra”, a capacidade
de resistência e resiliência, em particular das mulheres, os ritos e as
expressões religiosas, as relações com os antepassados, a atitude
contemplativa e o sentido de gratuidade, de celebração e de festa, e o sentido
sagrado do território.
122. A inculturação da fé não é um processo de cima para baixo, nem uma
imposição externa, mas um mútuo enriquecimento das culturas em diálogo
(interculturalidade).[57] Os sujeitos ativos da inculturação são os próprios
povos indígenas. Como afirmou o Papa Francisco, “a graça supõe a cultura”
(EG, 115).

Sugestões

123. Seria oportuno:

a) Começar pela espiritualidade vivida pelos povos indígenas, em


contato com a natureza e sua cultura, para que possam ser iluminados
pela novidade de Cristo morto e ressuscitado e, n'Ele, alcançar a
plenitude.
b) Reconhecer a espiritualidade indígena como fonte de riqueza para a
experiência cristã.
c) Dado que a narratividade é uma caraterística dos povos originários,
mediante a qual eles transmitem sua sabedoria milenária, sugere-se uma
catequese que assuma a linguagem e o sentido das narrações das
culturas indígena e afrodescendente, em sintonia com as narrações
bíblicas.
d) Do mesmo modo, seria oportuna uma pregação homilética que
correspondesse às experiências vitais e à realidade socioambiental (cf.
EG, 135-144), com um estilo narrativo. Espera-se que suscite o interesse
e a participação dos fiéis e tenha presente a cosmovisão integral
indígena, motivando uma conversão pastoral em vista de uma ecologia
integral.
e) Diante de uma invasão colonizadora maciça dos meios de
comunicação, as comunidades pediram com insistência comunicações
alternativas, a partir de suas próprias línguas e culturas. Por isso, é
conveniente que os próprios protagonistas indígenas se façam presentes
nos meios de comunicação já existentes.[58]
f) Também seria oportuna a criação de novas emissoras radiofônicas
da Igreja, promotoras do Evangelho e das culturas, tradições e línguas
originárias.[59]
Capítulo III A celebração da fé: uma liturgia
inculturada
“No meio da exigência diária de fazer avançar o bem, a evangelização jubilosa
torna-se beleza na liturgia” (EG, 24).

124. A Sacrosanctum Concilium (nn. 37-40, 65, 77 e 81) propõe a


inculturação da liturgia nos povos indígenas. Sem dúvida, a diversidade cultural
não ameaça a unidade da Igreja, mas expressa sua catolicidade genuína,
mostrando “a beleza deste rosto pluriforme” (EG, 116). Por isso, “é preciso ter a
coragem de encontrar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne
para a transmissão da Palavra, as diversas formas de beleza que se
manifestam em diferentes âmbitos culturais...” (EG, 167). Sem esta
inculturação, a liturgia pode reduzir-se a uma “peça de museu”, ou a “uma
possessão de poucos” (EG, 95).

125. A celebração da fé deve realizar-se de maneira inculturada, a fim de


ser expressão da própria experiência religiosa e vínculo de comunhão da
comunidade que celebra. Uma liturgia inculturada será também caixa de
ressonância para as lutas e aspirações das comunidades, e impulso
transformador em vista de uma “terra sem males”.

Sugestões

126. Sugere-se considerar o seguinte:


a) Constata-se a necessidade de um processo de discernimento em relação
aos ritos, símbolos e estilos celebrativos das culturas indígenas em contato
com a natureza, os quais devem ser assumidos no ritual litúrgico e
sacramental. É necessário prestar atenção para captar o verdadeiro sentido do
símbolo que transcende o meramente estético e folclórico, concretamente na
iniciação cristã e no matrimônio. Sugere-se que as celebrações sejam festivas,
com suas próprias músicas e danças, em línguas e com trajes originários, em
comunhão com a natureza e com a comunidade. Uma liturgia que corresponda
à sua própria cultura, para poder ser fonte e ápice de sua vida cristã (cf. SC,
10), e ligada às suas lutas, sofrimentos e alegrias.
b) Os sacramentos devem ser fonte de vida e remédio acessível a todos (cf.
EG, 47), especialmente aos pobres (cf. EG, 200). Pede-se para superar a
rigidez de uma disciplina que exclui e aliena, em prol de uma sensibilidade
pastoral que acompanha e integra (AL, 297 e 312).
c) Por falta de sacerdotes, as comunidades têm dificuldade de celebrar com
frequência a Eucaristia. “A Igreja vive da Eucaristia” e a Eucaristia edifica a
Igreja.[60] Por isso, pede-se que, em vez de deixar as comunidades sem a
Eucaristia, se alterem os critérios para selecionar e preparar os ministros
autorizados para celebrá-la.
d) Em vista de uma “salutar «descentralização»” da Igreja (EG, 16), as
comunidades pedem que as Conferências Episcopais adaptem o ritual
eucarístico às suas culturas.
e) As comunidades pedem maiores apreciação, acompanhamento e
promoção da piedade com a qual o povo pobre e simples expressa sua fé,
mediante imagens, símbolos, tradições, ritos e outros sacramentais. Tudo isto
tem lugar através de associações comunitárias que organizam vários eventos,
como orações, peregrinações, visitas a santuários, procissões e festas
patronais. Trata-se da manifestação de uma sabedoria e espiritualidade que
constitui um autêntico lugar teológico, dotado de um enorme potencial
evangelizador (cf. EG, 122-126).

Capítulo IV A organização das comunidades


“É justo reconhecer a existência de esperançosas iniciativas que surgem das
vossas próprias realidades locais e das vossas organizações” (Fr.PM).

A cosmovisão dos indígenas

127. A Igreja deve encarnar-se nas culturas amazônicas que possuem um


elevado sentido de comunidade, igualdade e solidariedade, e por isso não se
aceita o clericalismo em suas diferentes formas de manifestação. Os povos
originários possuem uma rica tradição de organização social, na qual a
autoridade é rotativa e dotada de um profundo sentido de serviço. A partir desta
experiência de organização, seria oportuno voltar a considerar a ideia de que o
exercício da jurisdição (poder de governo) deve estar vinculado em todos os
âmbitos (sacramental, judicial e administrativo) e de maneira permanente ao
sacramento da ordem.

Distâncias geográficas e pastorais

128. Para além da pluralidade de culturas no interior da Amazônia, as


distâncias causam um problema pastoral grave, que não se pode resolver
unicamente com instrumentos mecânicos e tecnológicos. As distâncias
geográficas abrangem também distâncias culturais e pastorais que, portanto,
exigem a passagem de uma “pastoral de visita” para uma “pastoral de
presença”, a fim de voltar a configurar a Igreja local em todas as suas
expressões: ministérios, liturgia, sacramentos, teologia e serviços sociais.
Sugestões

129. As seguintes sugestões das comunidades recuperam aspectos da


Igreja primitiva, quando ela respondia a suas necessidades criando os
ministérios oportunos (cf. At 6, 1-7; 1 Tm 3, 1-13):

a) Novos ministérios para responder de modo mais eficaz às


necessidades dos povos amazônicos:
1. Promover vocações autóctones de homens e mulheres, como
resposta às necessidades de atenção pastoral-sacramental; sua
contribuição decisiva consiste no impulso para uma autêntica
evangelização do ponto de vista indígena, segundo seus usos e
costumes. Trata-se de indígenas que apregoem a indígenas a partir
de um profundo conhecimento de sua cultura e de sua língua,
capazes de comunicar a mensagem do Evangelho com a força e a
eficácia de quem dispõe de uma bagagem cultural. É necessário
passar de uma “Igreja que visita” para uma “Igreja que permanece”,
acompanha e está presente através de ministros provenientes de
seus próprios habitantes.
2. Afirmando que o celibato é uma dádiva para a Igreja, pede-se
que, para as áreas mais remotas da região, se estude a
possibilidade da ordenação sacerdotal de pessoas idosas, de
preferência indígenas, respeitadas e reconhecidas por sua
comunidade, mesmo que já tenham uma família constituída e
estável, com a finalidade de assegurar os Sacramentos que
acompanhem e sustentem a vida cristã.
3. Identificar o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à
mulher, tendo em consideração o papel central que hoje ela
desempenha na Igreja amazônica.
b) Papel dos leigos:
1. As comunidades indígenas são participativas, com um elevado
sentido de corresponsabilidade. Por isso, pede-se para valorizar o
protagonismo dos cristãos leigos e leigas, reconhecendo-lhes seu
espaço a fim de que se tornem agentes da Igreja em saída.
2. Proporcionar caminhos de formação integral para assumir seu
papel de animadores de comunidades com credibilidade e
corresponsabilidade.
3. Criar itinerários formativos à luz da Doutrina Social da Igreja,
com uma abordagem amazônica para leigos e leigas que trabalham
em territórios amazônicos, de modo especial em âmbitos de
cidadania e de política.
4. Abrir novos canais de processos sinodais, com a participação
de todos os fiéis, tendo em vista a organização da comunidade
cristã para a transmissão da fé.
c) Papel da mulher:
1. No campo eclesial, a presença feminina no seio das
comunidades nem sempre é valorizada. Reclama-se o
reconhecimento das mulheres a partir de seus carismas e talentos.
Elas pedem para recuperar o espaço que Jesus reservou às
mulheres, “onde todos/todas cabemos”. [61]

2. Propõe-se inclusive que às mulheres seja garantida sua


liderança, assim como espaços cada vez mais abrangentes e
relevantes na área da formação: teologia, catequese, liturgia e
escolas de fé e de política.
3. Também se pede que a voz das mulheres seja ouvida, que
elas sejam consultadas e participem nas tomadas de decisões e,
deste modo, possam contribuir com sua sensibilidade para a
sinodalidade eclesial.
4. Que a Igreja acolha cada vez mais o estilo feminino de atuar e
de compreender os acontecimentos.
d) Papel da vida consagrada:
1. “Os povos latino-americanos e caribenhos esperam muito da
vida consagrada [... que mostra] o rosto materno da Igreja. Seu
desejo de escuta, acolhida e serviço, e seu testemunho dos valores
alternativos do Reino, mostram que uma nova sociedade latino-
americana e caribenha, fundada em Cristo, é possível” (DAp., 224).
É por tal razão que se propõe promover uma vida consagrada
alternativa e profética, intercongregacional, interinstitucional, com
um sentido de disposição para estar onde ninguém quer estar e
com quantos ninguém quer estar.
2. Apoiar a inserção e la itinerância dos consagrados e
consagradas ao lado dos mais desfavorecidos e excluídos, e a
incidência política para transformar a realidade.
3. Propor aos religiosos e às religiosas que vêm de fora, que
deem sua disponibilidade para compartilhar a vida local com
coração, cabeça e mãos, a fim de desaprender modelos, receitas,
esquemas e estruturas predefinidos, para aprender línguas,
culturas, tradições de sabedorias, cosmologias e mitologias
autóctones.
4. Considerando as urgências pastorais, e perante a tentação do
ativismo imediatista, recomenda-se dedicar tempo à aprendizagem
da língua e da cultura para gerar vínculos e desenvolver uma
pastoral integral.
5. Aconselha-se que a formação para a vida religiosa inclua
processos formativos focados a partir da interculturalidade,
inculturação e diálogo entre espiritualidades e cosmovisões
amazônicas.
6. Sugere-se que se dê prioridade às necessidades dos povos
locais e não às das congregações religiosas.
e) Papel dos jovens:
1. É urgente um diálogo com os jovens, para ouvir suas
necessidades.
2. É necessário acompanhar processos de transmissão e
aceitação da herança cultural e linguística nas famílias,[62] para
superar as dificuldades na comunicação intergeracional.
3. Os jovens se encontram entre dois mundos, entre a
mentalidade indígena e a atração da mentalidade moderna,
sobretudo quando migram para as cidades. Por um lado, são
necessários programas para fortalecer sua identidade cultural face à
perda de seus valores, idiomas e relação com a natureza; por outro
lado, programas para ajudá-los a entrar em diálogo com a cultura
urbana moderna.
4. Urge enfrentar o problema da migração de jovens para as
cidades.[63]
5. É necessária uma maior ênfase à defesa e à recuperação de
quantos são vítimas das redes de narcotráfico e do tráfico de
pessoas, assim como da dependência das drogas e do álcool.
f) Dioceses de fronteira:
1. A fronteira constitui uma categoria fundamental da vida dos
povos amazônicos. É o lugar por excelência do agravamento dos
conflitos e das violências, onde não se respeita a lei e a corrupção
mina o controle do Estado, deixando campo livre a muitas empresas
para uma exploração indiscriminada. Por tudo isto, é necessário um
trabalho que ajude a ver a Amazônia como uma casa de todos, que
merece o cuidado de todos. Propõe-se uma ação pastoral conjunta
entre as Igrejas fronteiriças para enfrentar os problemas comuns,
como a exploração do território, a delinquência, o narcotráfico, o
tráfico de pessoas, a prostituição, etc.
2. Convém incentivar e fortalecer o trabalho em redes de
pastoral de fronteira, como caminho de ação pastoral social e
ecológica mais eficaz, dando continuidade ao serviço da REPAM.
3. Tendo em conta as caraterísticas próprias do território
amazônico, sugere-se considerar a necessidade de uma estrutura
episcopal amazônica que leve a cabo a aplicação do Sínodo.
4. Pede-se a criação de um fundo econômico de apoio à
evangelização, à promoção humana e à ecologia integral,
principalmente para a implementação das propostas do Sínodo.

Capítulo V A evangelização nas cidades[64]


“Uma cultura inédita palpita e está em elaboração na cidade” (EG, 73).
Missão urbana

130. São João Paulo II nos advertiu: “Hoje a imagem da missão ad


gentes está, talvez, mudando: lugares privilegiados deveriam ser as grandes
cidades, onde surgem novos costumes e modelos de vida, novas formas de
cultura e comunicação, que depois influem na população” (RM, 37b). A Igreja
tem necessidade de estar em diálogo permanente com a realidade urbana, que
exige respostas diferentes e criativas. Para tal, é preciso que os sacerdotes,
religiosos, religiosas e leigos dos diferentes ministérios, movimentos,
comunidades e grupos de uma mesma cidade ou diocese, estejam cada vez
mais unidos na realização de uma ação missionária conjunta, inteligente, capaz
de unir as forças. A missão urbana somente avançará, se houver uma grande
comunhão entre os trabalhadores da vinha do Senhor porque, diante da
complexidade da cidade, a ação pastoral individual e isolada perde eficácia.

Desafios urbanos

131. Não obstante seus desafios, a cidade pode transformar-se em


explosão de vida. As cidades fazem parte do território, portanto devem cuidar
da floresta e respeitar os indígenas. Pelo contrário, muitos dos habitantes das
cidades amazônicas consideram os indígenas como um obstáculo para seu
progresso e vivem de costas viradas para a floresta.

132. Na cidade o indígena é um migrante, um ser humano sem terra e o


sobrevivente de uma batalha histórica pela demarcação de sua terra, com sua
identidade cultural em crise. Nos centros urbanos, os organismos
governamentais evitam frequentemente a responsabilidade de lhes garantir
seus direitos, negando-lhes sua identidade e condenando-os à invisibilidade.
Por sua vez, algumas paróquias ainda não assumiram sua plena
responsabilidade no mundo multicultural, que espera uma pastoral específica,
missionária e profética.

133. Um fenômeno importante a ter em consideração é o vertiginoso


crescimento das recentes Igrejas evangélicas de origem pentecostal,
especialmente nas periferias.[65]

134. Tudo isto nos leva a perguntar: que estrutura paroquial pode responder
melhor ao mundo urbano, onde o anonimato, a influência dos meios de
comunicação e a evidente desigualdade social reinam de maneira suprema?
Que classe de educação podem promover as instituições católicas a nível
formal e informal?
Sugestões

135. Seria conveniente:

a. Promover uma pastoral específica dos indígenas que vivem na


cidade, na qual eles mesmos sejam protagonistas.
b. Fomentar a integração dos indígenas nas diferentes atividades
pastorais da paróquia, com acompanhamento e formação, valorizando
cada vez mais sua contribuição.
c. Projetar uma estratégia de trabalho pastoral comum nas
cidades.[66]
d. Repensar as estruturas eclesiais, superando as formas culturais
desatualizadas que adquirimos ao longo dos séculos.[67]
e. Incentivar espaços de formação integral.[68]
f. Conscientizar acerca da importância vital da inserção da cidade no
território e da valorização da floresta e de sus habitantes. Promover as
mudanças necessárias nas estruturas sociais e econômicas, a fim de que
o desenvolvimento da cidade não represente uma ameaça.
g. Sensibilizar a comunidade a respeito das lutas sociais, apoiando os
distintos movimentos sociais na promoção de uma cidadania ecológica e
na defesa dos direitos humanos.[69]
h. Impelir uma Igreja missionária e evangelizadora, visitando e ouvindo
a realidade presente nos novos bairros.
i. Atualizar a opção pelos jovens,[70] procurando uma pastoral em
que eles mesmos se tornem protagonistas.[71]
j. Tornar-se presente nos meios de comunicação, para evangelizar e
incentivar as culturas originárias.[72]

Capítulo VI Diálogo ecumênico e inter-


religioso
“Procuremos agora delinear grandes percursos de diálogo que nos ajudem a
sair da espiral de autodestruição onde estamos afundando” (LS, 163).

136. O diálogo ecumênico se realiza entre pessoas que compartilham a fé


em Jesus Cristo como Filho de Deus e Salvador e, a partir das Sagradas
Escrituras, procuram oferecer um testemunho comum. O diálogo inter-religioso
se realiza entre crentes que compartilham suas vidas, suas lutas, suas
preocupações e suas experiências de Deus, fazendo de suas diferenças um
estímulo para crescer e aprofundar a própria fé.

137. Determinados grupos propagam uma teologia da prosperidade e do


bem-estar, com base em uma leitura própria da Bíblia. Existem tendências
fatalistas que procuram inquietar e, com uma visão negativa do mundo,
oferecem uma ponte de salvação segura. Alguns através do medo, outros
mediante a busca do sucesso, influenciam negativamente os grupos
amazônicos.

138. Entretanto, no meio da floresta amazônica há outros grupos presentes


ao lado dos mais pobres, realizando uma obra de evangelização e de
educação; são muito atraentes para os povos, embora não valorizem
positivamente suas culturas. Sua presença permitiu-lhes ensinar e divulgar a
Bíblia traduzida nas línguas autóctones. Em grande parte, estes movimentos se
propagaram por causa da ausência de ministros católicos. Seus pastores
formaram pequenas comunidades com rosto humano, onde os indivíduos se
sentem valorizados pessoalmente. Outro fator positivo é a presença local,
próxima e concreta dos pastores que visitam, acompanham, consolam,
conhecem e rezam pelas necessidades reais das famílias. Trata-se de pessoas
como as outras, fáceis de encontrar, que vivem os mesmos problemas e se
tornam “mais próximas” e menos “diferentes” para o resto da comunidade. Elas
nos mostram outro modo de ser Igreja, onde o povo se sente protagonista,
onde os fiéis podem expressar-se livremente, sem censuras, dogmatismos,
nem disciplinas rituais.

Sugestões

139. Seria oportuno:

a. Procurar elementos comuns através de encontros periódicos para


trabalhar juntos pelo cuidado da Casa Comum, e para lutar de forma
conjunta pelo bem comum face às agressões externas.
b. Considerar quais aspectos de ser Igreja nos ensinam e quais devem
ser incorporados nos novos caminhos da Igreja amazônica.
c. Incentivar a tradução da Bíblia nas línguas autóctones da
Amazônia.
d. Promover encontros com teólogos cristãos evangélicos.
Capítulo VII Missão dos meios de
comunicação
“A Igreja dará maior importância aos meios de comunicação
social, empregando-os para a evangelização” (DP, cap. IV).

Meios, ideologias e culturas


140. Um dos grandes desafios da Igreja consiste em pensar de que modo
se deve situar neste mundo interligado. Os meios de comunicação social de
massa transmitem padrões de comportamento, estilos de vida, valores,
mentalidades que influenciam veiculando uma cultura que tende a impor-se e a
uniformizar nosso mundo interligado. Trata-se do problema da sedução
ideológica da mentalidade consumista, que atinge sobretudo a juventude. Em
muitos casos, os jovens são levados a não valorizar – e até a rejeitar – sua
própria cultura e suas tradições, aceitando de maneira acrítica o modelo
cultural predominante. Isto provoca o desenraizamento e a perda de
identidade.

Meios de comunicação da Igreja

141. A Igreja conta com uma infraestrutura de meios, sobretudo de estações


de rádio, que constituem o principal meio de comunicação. Os meios podem
ser um instrumento muito importante para transmitir o estilo de vida evangélico,
seus valores e seus critérios. Também são espaços para informar o que
acontece na Amazônia, principalmente no que diz respeito às consequências
de um estilo de vida que destrói, e que os meios nas mãos de grandes
corporações ocultam. Já existem alguns centros de comunicação social geridos
pelos próprios indígenas, que experimentam a alegria de poder fazer ouvir suas
próprias palavras e sua voz, não somente às suas comunidades, mas também
fora delas. O mundo indígena mostra valores que o mundo moderno não tem.
Por isso, é importante que a emancipação dos meios de comunicação chegue
aos próprios nativos. Sua contribuição pode ter ressonância e ajudar na
conversão ecológica da Igreja e do planeta. Trata-se de fazer com que a
realidade amazônica saia da Amazônia e tenha repercussão planetária.

Sugestões (cf. DAp., 486)

142. Sugere-se:
a. A formação integral de comunicadores autóctones, especialmente
indígenas, para fortalecer as narrativas próprias do território.
b. A presença de agentes pastorais nos meios de comunicação de
massa.
c. A constituição, a promoção e o fortalecimento de novas emissoras
de rádio e televisão, com conteúdos apropriados à realidade amazônica.
d. A presença da Igreja na Internet e demais redes de comunicação,
para dar a conhecer ao mundo a realidade amazônica.
e. A articulação dos diferentes meios de comunicação nas mãos da
Igreja e daqueles que trabalham em outros meios, em um plano pastoral
específico.
f. Gerar e propagar conteúdos sobre a relevância da Amazônia, de
seus povos e de suas culturas para o mundo, a ser promovidos nas
estruturas e canais da Igreja universal.

Capítulo VIII O papel profético da Igreja e a


promoção humana integral
“A partir do coração do Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe
entre evangelização e promoção humana, que se deve necessariamente
exprimir e desenvolver em toda a ação evangelizadora” (EG, 178).

Igreja em saída

143. A Igreja tem a missão de evangelizar, o que implica ao mesmo tempo


comprometer-se para promover o cumprimento dos direitos dos povos
indígenas. Com efeito, quando estes povos se reúnem, falam de
espiritualidade, assim como do que lhes acontece e de suas problemáticas
sociais. A Igreja não pode deixar de se preocupar pela salvação integral da
pessoa humana, o que comporta favorecer a cultura dos povos indígenas, falar
de suas exigências vitais, acompanhar os movimentos e reunir as forças para
lutar pelos seus direitos.

Igreja à escuta

144. Na voz dos pobres se encontra o Espírito; por isso, a Igreja deve
escutá-los, são um lugar teológico. Ao ouvir a dor, o silêncio se faz
necessidade, para poder ouvir a voz do Espírito de Deus. A voz profética
implica uma nova visão contemplativa, capaz de misericórdia e de
compromisso. Como parte do povo amazônico, a Igreja volta a definir sua
profecia, a partir da tradição indígena e cristã. Mas significa também rever com
consciência crítica uma série de comportamentos e realidades dos povos
indígenas, que são contrários ao Evangelho. O mundo amazônico pede à Igreja
que seja sua aliada.

Igreja e poder

145. Ser Igreja na Amazônia de maneira realista significa levantar


profeticamente o problema do poder, porque nesta região o povo não tem
possibilidade de fazer valer seus direitos face às grandes corporações
econômicas e instituições políticas. Atualmente, questionar o poder na defesa
do território e dos direitos humanos significa arriscar a vida, abrindo um
caminho de cruz e martírio. O número de mártires na Amazônia é alarmante
(por ex., somente no Brasil, de 2003 a 2017, foram assassinados 1.119
indígenas por terem defendido seus territórios).[73] A Igreja não pode
permanecer indiferente mas, pelo contrário, deve contribuir para a proteção
das/dos defensores de direitos humanos, e fazer memória de seus mártires,
entre elas mulheres líderes como a Irmã Dorothy Stang.

Sugestões

146. Como comunidade solidária a nível mundial, a Igreja reage


responsavelmente perante a situação global de injustiça, pobreza,
desigualdade, violência e exclusão na Amazônia. O pressuposto fundamental é
o reconhecimento das relações injustas. Por isto, é necessário:

a. Assumir a denúncia contra modelos extrativistas que prejudicam o


território e violam os direitos das comunidades. Levantar a voz diante de
projetos que afetam o meio ambiente e promovem a morte.
b. Aliar-se aos movimentos sociais de base, para anunciar
profeticamente uma agenda de justiça rural que promova uma profunda
reforma agrária, incentivando a agricultura orgânica e agroflorestal.
Assumir a causa da agroecologia, incorporando-a em seus processos
formativos em vista de uma maior conscientização por parte das próprias
populações indígenas.[74]
c. Fomentar a formação, defesa e exigibilidade dos direitos humanos
dos povos da Amazônia, das outras populações e da natureza. Defender
as minorias e os mais vulneráveis.
d. Ouvir o clamor da “Mãe Terra”, agredida e gravemente ferida pelo
modelo econômico de desenvolvimento predador e ecocida, que mata e
saqueia, destrói e dissipa, expulsa e descarta, pensado e imposto a partir
de fora e ao serviço de poderosos interesses externos.
e. Promover a dignidade e igualdade da mulher na esfera pública,
particular e eclesial, assegurando canais de participação, combatendo a
violência física, doméstica e psicológica, o feminicídio, o aborto, a
exploração sexual e o tráfico, comprometendo-se a lutar para garantir
seus direitos e para superar qualquer tipo de estereótipo.
f. Favorecer uma nova consciência ecológica, que nos leve a mudar
nossos hábitos de consumo, a estimular o uso de energias renováveis,
evitando materiais nocivos e implementando outros itinerários de ação,
em conformidade com a Encíclica Laudato Si’.[75] Encorajar alianças
para combater o desmatamento e estimular a reflorestação.
g. Assumir sem medo a aplicação da opção preferencial pelos pobres
na luta dos povos indígenas, das comunidades tradicionais, dos
migrantes e dos jovens, para configurar a fisionomia da Igreja amazônica.
h. Criar redes de colaboração nos espaços de incidência regional,
internacional e global, nos quais a Igreja participe organicamente, a fim
de que os próprios povos possam manifestar suas denúncias contra a
violação de seus direitos humanos.

Conclusão
147. Durante este longo percurso do Instrumentum Laboris, ouviu-se a voz
da Amazônia à luz da fé (I Parte), com a intenção de responder ao clamor do
povo e do território amazônico por uma ecologia integral (II Parte) e por novos
caminhos para uma Igreja profética na Amazônia (III Parte). Estas vozes
amazônicas exortam a dar uma resposta renovada às diferentes situações e a
procurar novos caminhos que possibilitam um kairós para a Igreja e o mundo.
Concluamos sob o amparo de Maria, venerada com vários títulos na Amazônia
inteira. Esperemos que este Sínodo seja uma expressão concreta da
sinodalidade de uma Igreja em saída, para que a vida plena que Jesus veio
trazer ao mundo (cf. Jo 10, 10) chegue a todos, especialmente aos pobres.
***

À margem deste processo oficial, foram celebrados numerosos seminários,


[1]

em Washington, D.C., Roma e Bogotá, com peritos em diferentes áreas e com


representantes de povos amazônicos, para refletir sobre as questões aqui
analisadas.
Doc. Eixo de Fronteiras, pág. 3.
[2]

Cf. Nobre, C. A., Sampaio, G., Borma, L.S., Castilla-Rubio, J.C., Silva, J.S.,
[3]

Cardoso, M., et al. (2016). “The Fate of the Amazon Forests: land-use and
climate change risks and the need of a novel sustainable development
paradigm”. Proceedings of the National Academy of Sciences, U.S.A., 113 (39),
September 2016.
Em suas línguas encontra-se em diferentes expressões, como “Sumak
[4]

Kawsay” em quíchua, ou “Suma Qamaña” em aimará, ou ainda “Teko Porã” em


guarani. Na filosofia africana, a palavra ubuntu significa algo comparável com
o sumak kawsay quíchua: generosidade, solidariedade, compaixão para com
os necessitados e desejo sincero de felicidade e de harmonia entre todos.
[5]
Cf. “El grito del sumak kawsay en la Amazonía”, Declaração dos povos e
nacionalidades indígenas das regiões de Mesoamérica, Andina Caribe, Cone
Sul e Amazônia, reunidos na cidade de Pujili-Cotopaxi com o objetivo de
aprofundar o verdadeiro sentido do sumak kawsay, em: home page do
Vicariato de Aguarico; Acosta, Alberto (2008). El Buen Vivir, una oportunidad
por construir, Ecuador Debate: Quito; cf. “Sumak Kawsa, Suma Qamaña, Teko
Porã. O Bem-Viver” (Ano X, n. 340, de 23.08.2010), em: IHUOnlineEdicao
340.pdf.
[6]
Doc. da Diocese de San José del Guaviare e da Arquidiocese de Villavicencio
e Granada (Colômbia, Fronteira entre o Brasil, a Colômbia e Peru.
[7]
Doc. Bolívia, pág. 36.
[8]
Doc. Venezuela, pág. 1.
[9]
IPBES, Nature‟s Dangerous Decline „Unpredented‟ Species Extintion Rates
„Accelerating‟.
[10]
Cf. II Parte, Cap. III: Migração.
[11]
Doc. Eixo de Fronteiras, pág. 1.
[12]
Documento da Assembleia dos Regionais Norte 1 e 2 da CNBB, “A Igreja se
faz carne e arma sua tenda na Amazônia”, Manaus, 1997, em: CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Desafio missionário. Documentos da
Igreja na Amazônia. Coletânea, Ed. CNBB, Brasília, 2014, págs. 67-84.
[13]
Os Documentos de Santarém (1972) e de Manaus (1997) se encontram em:
CNBB (2014). Desafio missionário. Documentos da Igreja na Amazônia.
Coletânea, Ed. CNBB, Brasília, págs. 9-28 e 67-84.
[14]
Cf. LS 163, e Doc. Preparatório, n. 13.
[15]
Papa Francisco, Discurso por ocasião do II Encontro Mundial dos
Movimentos Populares, Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, 9 de julho de 2015. Cf.
II Parte, cap. I: Destruição extrativista, pág. 41, n. 113.
[16]
Cf. ST II-II, Q 158, Art. 1.
[17]
Cf. Sint. REPAM, pág 135.
[18]
Refere-se à transformação da floresta em uma savana.
[19]
Cf. Sint. REPAM – Brasil, pág. 120.
[20]
Cf. Sint. REPAM, pág. 43.
[21]
Cf. Sint. REPAM, pág. 86.
[22]
Cf. Sint. REPAM, Antônio, Brasil, pág. 57.
[23]
Cf. II Parte, Cap. II (PIAV).
[24]
Organização Internacional do Trabalho (OIT), 1989. Congresso 169: sobre os
povos indígenas e tribais, art. 7.
[25]
Alguns migram para as cidades a fim de comercializar produtos de primeira
necessidade e obter um emprego temporário em busca de dinheiro para
sustentar a própria família (por ex., migração pendular interna peruana, para
trabalhar nas madeireiras).
[26]
A prática da transumância se fundamenta em dois fenômenos naturais inter-
relacionados: as diferenças na produção primária, provocadas pelas estações,
e a migração animal. Então, a transumância humana está vinculada à ecologia
integral: necessidade humana de produzir; e à situação ecológica que, provoca
a migração de determinados grupos humanos.
[27]
Francisco, Encontro com a população no Instituto Jorge Basadre
Grohmann (Puerto Maldonado, 19 de janeiro de 2018).
Cf. I Parte, Cap. I, ponto 14; II Parte, Cap. I, ponto 48.
[28]

Discípulos Missionários na Amazônia, 2007. Documento do IX Encontro de


[29]

Bispos da Amazônia, Manaus (2007), em: CNBB (2014), Desafio


missionário: Documentos da Igreja na Amazônia. Coletânea, Ed. CNBB,
Brasília, págs. 161-216 (269).
Cf. Síntese REPAM, pág.124.
[30]

Cf. Doc. Venezuela, Ressumo Final, pág. 4.


[31]

Discurso do Santo Padre Francisco aos Participantes no Foro Internacional


[32]

sobre “Migrações e Paz” (21 de fevereiro de 2017).


Cf. II Parte, Cap. III: Migração.
[33]

Cf. Documento Preparatório, pág. 6.


[34]

Cf. II Parte, Cap. V: Família e comunidade.


[35]

Cf. II Parte II, Cap. VII: A questão da saúde integral.


[36]

Cf. II Parte, Cap. VIII: Educação integral.


[37]

Cf. II Parte, Cap. VI: Corrupção.


[38]

Sint. REPAM, pág. 42.


[39]

Cf. Sint. REPAM, pág. 71, e II Parte, Cap. VII: A questão da saúde integral.
[40]

Sint. REPAM, pág. 57.


[41]

Cf. Sint. REPAM, pág. 161.


[42]

Cf. Sint. REPAM, pág. 125.


[43]

Cf. Sint. REPAM, pág. 125.


[44]

Bento XVI, Homilia no solene início do ministério petrino (24 de abril de


[45]

2005).
Francisco, Discurso ao episcopado brasileiro (27 de julho de 2013).
[46]

Cf. São Justino, II Apologia, 7, 3; 8, 1; 13, 2-3; 13, 6; Ad Gentes 11; DP 401 e
[47]

403.
Cf. Magistério Latino-Americano nas Assembleias Gerais; São João Paulo II,
[48]

em: Sollicitudo Rei Socialis, 42; e Centesimus Annus, 11.57; Bento XVI,
em: Discurso na sessão inaugural dos trabalhos da V Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano e do Caribe (2007); e Francisco, em: Evangelii
Gaudium, 197-201.
Cf. Santo Irineu de Lião, Contra as Heresias, V, Praef; I, 6, 1; DP 400.
[49]

Entre outros, podemos citar: Rodolfo Lunkenbein, SDB, e Simão Bororo


[50]

(1976), Marçal de Souza Tupã-i (1983, Guarani), Ezequiel Ramin (1985,


Comboniano), Irmã Cleusa Carolina Rody (1985, missionária Agostiniana
Recoleta), Josimo Morais Tavares (1986, sacerdote diocesano), Vicente
Cañas, SJ (1987), Mons. Alejandro Labaka e Irmã Inés Arango (1987, ambos
capuchinhos), Chico Mendes (1988, ecologista), Galdino Jesus dos Santos
(1997, Pataxó Hã-Hã-Hãe), Ademir Federici (2001), Irmã Dorothy Mae Stang
(2005, Irmã de Nossa Senhora de Namur).
Cf. EG, 68-70, 116, 122, 126 e 129.
[51]

Concílio de Lima, Sess. III, c. 3.


[52]

Cf. Documento Preparatório, 4; I Parte, Cap. IV: Diálogo.


[53]

Sint. REPAM, pág. 58.


[54]

Cf. I Parte, Cap. III: Tempo (Kairós), n. 30; III Parte, Cap. I: Igreja com rosto
[55]

amazônico e missionário, nn. 107-108 e 114.


Cf. São Justino, Apologia II, 8; Ad Gentes, n. 11.
[56]

Cf. III Parte, Cap. I: Igreja com rosto amazônico e missionário, n. 107.
[57]

Cf. III Parte, Cap. VI: Missão dos meios de comunicação.


[58]

Cf. Ibidem.
[59]
João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia (2003), 1. Cap. II.
[60]

Cf. Sint. REPAM, pág. 78.


[61]

Cf. II Parte, Cap. V: Família e comunidade.


[62]

Cf. II Parte II, Cap. III: Migração.


[63]

Cf. II Parte, Cap. IV: Urbanização.


[64]

Cf. III Parte, Cap. V: Diálogo ecumênico e inter-religioso.


[65]

Cf. II Parte, Cap. IV: Urbanização.


[66]

Cf. III Parte, Cap. IV: A organização das comunidades.


[67]

Cf. II Parte II, Cap. VIII: Educação integral.


[68]

Cf. III Parte III, Cap. VII: O papel profético da Igreja e a promoção humana
[69]

integral.
Cf. DP, 1166-1205; Documento final da XV Assembleia Geral Ordinária do
[70]

Sínodo dos Bispos sobre Os jovens, a fé e o discernimento


vocacional; Francisco, Exortação Apostólica pós-sinodal Christus Vivit (25 de
março de 2019).
Cf. III Parte, Cap. IV: A organização das comunidades.
[71]

Cf. III Parte, Cap. II: Desafios da inculturação e da interculturalidade.


[72]

Cf. CIMI, “Relatório de violência contra os Povos Indígenas no Brasil”.


[73]

Cf. Sint. REPAM, págs. 142 e 146.


[74]

Cf. II Parte, Cap. IX: A conversão ecológica.


[75]
Documento preparatório do Sinodo para a
Amazônia: "Amazônia: novos caminhos para a
Igreja e para uma ecologia integral"
Documento preparatório do Sínodo para a Amazônia
http://www.sinodoamazonico.va/content/sinodoamazonico/pt/documentos/documento-
preparatorio.html

Documento preparatório do Sínodo para a


Amazônia
Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”
Preâmbulo
De acordo com o anúncio do Papa Francisco, no dia 15 de outubro de
2017, a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para refletir sobre o
tema: Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral se realizará
em outubro de 2019. Esses novos caminhos de evangelização devem ser
elaborados para e com o povo de Deus que habita nessa região: habitantes de
comunidades e zonas rurais, de cidades e grandes metrópoles, ribeirinhos,
migrantes e deslocados e, especialmente, para e com os povos indígenas.1
Na selva amazônica, que é de vital importância para o planeta Terra,
desencadeou-se uma profunda crise, devido uma prolongada intervenção
humana na qual predomina a «cultura do descarte» (LS 16) e a mentalidade
extrativista. A Amazônia, uma região com rica biodiversidade, é multiétnica,
pluricultural e plurirreligiosa, um espelho de toda a humanidade que, em defesa
da vida, exige mudanças estruturais e pessoais de todos os seres humanos,
dos Estados e da Igreja.
As reflexões do Sínodo Especial superam o âmbito estritamente eclesial
amazônico, por serem relevantes para a Igreja universal e para o futuro de todo
o planeta. Partimos de um território específico, do qual se quer fazer uma ponte
para outros biomas essenciais do nosso mundo: Bacia Fluvial do Congo,
corredor biológico mesoamericano, florestas tropicais da Ásia Pacífica e
Aquífero Guarani, entre outros.
Também para a Igreja universal é de vital importância escutar os povos
indígenas e todas as comunidades que vivem na Amazônia, como os primeiros
interlocutores deste Sínodo. Por causa disso, precisamos de convivência mais
próxima. Queremos saber como imaginam um “futuro tranquilo” e o “bem viver”
para as futuras gerações. Como podemos colaborar na construção de um
mundo capaz de romper com as estruturas que sacrificam a vida e com as
mentalidades de colonização para construir redes de solidariedade e
interculturalidade? Sobretudo queremos saber: Qual é a missão específica da
Igreja, hoje, diante desta realidade?
Este Documento Preparatório está dividido em três partes
correspondentes ao método “ver, julgar (discernir) e agir”. Ao final do texto,
encontram-se perguntas que permitem o diálogo e a progressiva aproximação
à realidade e à expectativa regional de uma «cultura do encontro» (EG 220).
Os novos caminhos para a evangelização e para modelar uma Igreja com rosto
amazônico passam pelas veredas dessa «cultura do encontro» na vida
cotidiana, «em uma harmonia pluriforme» (EG 220) e «sobriedade feliz»
(LS 224-225), como contribuições para a construção do Reino.

I. VER. IDENTIDADE E CLAMORES DA PAN-AMAZÔNIA2

1. O território
A bacia amazônica representa para nosso planeta uma das maiores
reservas de biodiversidade (30 a 50% da flora e fauna do mundo), de água
doce (20% da água doce não congelada de todo o planeta), e possui mais de
um terço das florestas primárias do planeta. Também a captação do carbono
pela Amazônia é significativa, embora os oceanos sejam os maiores
captadores de carbono. São mais de sete milhões e meio de quilômetros
quadrados, com nove países que fazem parte deste grande bioma que é a
Amazônia (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname,
Venezuela, incluindo a Guiana Francesa como território ultramar).
A denominada “Ilha Guiana”, delimitada pelos rios Orinoco e Negro,
pelo Amazonas e pelas costas Atlânticas da América do Sul, entre as
desembocaduras do Orinoco e do Amazonas, faz também parte deste território.
Outros espaços compõem igualmente o território porque se encontram, por
causa de sua proximidade, sob a influência climática e geográfica da
Amazônia.
Sem dúvida, esses dados não representam uma região homogênea.
Observamos que a Amazônia abriga muitos tipos de “Amazônia”. Nesse
contexto, é a água, através de suas cachoeiras, rios e lagos, que representa o
elemento articulador e integrador, tendo como eixo principal o Amazonas, o rio
mãe e pai de todos. Num território tão diverso, pode-se imaginar que os
diferentes grupos humanos que o habitam precisavam adaptar-se às distintas
realidades geográficas, ecossistêmicas e políticas.
Durante muitos séculos, o trabalho da Igreja Católica na Amazônia
procurou dar respostas a esses diferentes contextos humanos e ambientais.

2. Diversidade sociocultural
Dadas as proporções geográficas, a Amazônia é uma região na qual
vivem e convivem povos e culturas diversas, e com modos de vida diferentes.
A ocupação demográfica da Amazônia antecede o processo
colonizador por milênios. Por uma questão de sobrevivência que incluía as
atividades de caça, pesca e o cultivo na várzea, até a colonização, o
predomínio demográfico na Amazônia concentrava-se às margens dos grandes
rios e lagos. Com a colonização, e com a escravidão indígena, muitos povos
abandonaram esses sítios e se refugiaram no interior da selva. Desta maneira,
teve início durante a primeira fase da colonização um processo de substituição
populacional, com uma nova concentração demográfica às margens dos rios e
lagos.
Além das circunstâncias históricas, os povos das águas, neste caso, da
Amazônia, sempre tiveram em comum a relação de interdependência com os
recursos hídricos. Por isso, os camponeses da Amazônia e suas famílias
utilizam as várzeas, em sintonia com o movimento cíclico de seus rios –
inundação, refluxo e período de seca –, numa relação de respeito por
entenderem que “a vida dirige o rio” e “o rio dirige a vida”. Ademais, os povos
da selva, recolhedores e caçadores por excelência, sobrevivem com aquilo que
a terra e a floresta lhes oferecem. Esses povos vigiam os rios e cuidam da
terra, da mesma maneira que a terra cuida deles. São os protetores da selva e
de seus recursos.
Sem embargo, hoje, a riqueza da selva e dos rios da Amazônia está
ameaçada pelos grandes interesses econômicos que se alastram sobre
diferentes regiões do território. Tais interesses provocam, entre outras coisas, a
intensificação do desmatamento indiscriminado na selva, a contaminação dos
rios, lagos e afluentes (por causa do uso indiscriminado de agrotóxicos,
derrame de petróleo, mineração legal e ilegal, e dos derivados da produção de
drogas). A tudo isso, soma-se o narcotráfico, pondo em risco a sobrevivência
dos povos que, nesses territórios, dependem de recursos animais e vegetais.
Por outro lado, as cidades da Amazônia cresceram muito rapidamente,
e integraram muitos migrantes, forçosamente deslocados de suas terras,
empurrados até as periferias dos grandes centros urbanos que avançam selva
adentro. Em sua maioria são povos indígenas, ribeirinhos e afrodescendentes
expulsos pela mineração ilegal e legal ou pela indústria de extração petroleira;
são encurralados pela expansão da exploração da madeira e representam os
mais flagelados pelos conflitos agrários e socioambientais. As cidades também
se caracterizam pelas desigualdades sociais. A pobreza produzida ao largo da
história gerou relações de subordinação, de violência política e institucional,
aumento do consumo de álcool e drogas – tanto nas cidades como nas
comunidades –, e representa uma ferida profunda nos corpos dos povos
amazônicos.
Os movimentos migratórios mais recentes na região amazônica estão
caracterizados sobretudo pela mobilização de indígenas de seus territórios
originários para as cidades. Atualmente, entre 70% e 80% da população da
Pan-Amazônia vive nas cidades. Muitos indígenas estão sem documentos ou
irregulares; são refugiados, ribeirinhos, ou pertencem a outros grupos de
pessoas vulneráveis. Em consequência desse fluxo migratório, cresce em toda
a Amazônia uma atitude de xenofobia e de criminalização dos migrantes e
deslocados. Tudo isso dá lugar à exploração dos povos da Amazônia, vítimas
de mudança de valores decorrentes da economia mundial, na qual prevalece o
valor lucrativo sobre a dignidade humana. Um exemplo disso é o crescimento
dramático do tráfico de pessoas, especialmente o de mulheres, para fins de
exploração sexual e comercial. Elas perdem seu protagonismo nos processos
de transformação social, econômica, cultural, ecológica, religiosa e política em
suas comunidades.
Em resumo, o crescimento desmedido das atividades agropecuárias,
extrativistas e madeireiras da Amazônia, não só danificou a riqueza ecológica
da região, de suas florestas e de suas águas, mas também empobreceu sua
riqueza social e cultural, forçando um desenvolvimento urbano não “integral”
nem “inclusivo” da bacia Amazônica. Como resposta a essa situação, nota-se
um crescimento das capacidades de organização e um avanço da sociedade
civil, com atenção particular às problemáticas ambientais. No campo das
relações sociais, apesar de limitações, a Igreja Católica desenvolveu em geral
um trabalho significativo, fortalecendo seus próprios caminhos a partir de sua
presença encarnada e de sua criatividade pastoral e social.

3. Identidade dos povos indígenas


Nos nove países que compõem a Pan-Amazônia, registra-se uma
presença aproximada de três milhões indígenas, constituída por cerca de 390
povos e nacionalidades diferentes. Vivem nesse território também, segundo
dados de instituições especializadas da Igreja (por exemplo, o Conselho
Indigenista Missionário do Brasil/CIMI) e outras, entre 110 e 130 “povos livres”,
ou “Povos Indígenas em Situação de Isolamento Voluntário”. Além disso, nos
últimos tempos, surge uma nova situação, constituída pelos indígenas que
vivem no tecido urbano; alguns reconhecidos como tais, e outros, que
desaparecem nesse contexto e, por isso, são chamados “invisíveis”. Cada um
desses povos representa uma identidade cultural particular, uma riqueza
histórica específica e um modo próprio de ver o mundo, e de relacionar-se com
este, a partir de sua cosmovisão e territorialidade específica.
Além das ameaças que emergem do interior de suas próprias culturas,
os povos indígenas viveram desde os primeiros contatos com os colonizadores
fortes ameaças externas (cf. LS 143, DAp 90). Para enfrentá-las, os povos
indígenas e comunidades amazônicas se organizaram e se organizam, lutam
em defesa de suas vidas e culturas, seus territórios e direitos, da vida do
universo e de toda a criação. Os mais vulneráveis são, sem dúvida, os “Povos
Indígenas em Situação de Isolamento Voluntário”, que não têm instrumentos de
diálogo e negociação com os atores externos que invadem seus territórios.
Alguns “não indígenas” têm dificuldade de compreender a alteridade
indígena e, muitas vezes, não respeitam a diferença do outro. Diz o Documento
de Aparecida sobre a falta de respeito aos indígenas e afro-americanos: «A
sociedade tende a menosprezá-los, desconhecendo o porquê de suas
diferenças. Sua situação social está marcada pela exclusão e a pobreza »
(DAp 89). No entanto, segundo a afirmação do Papa Francisco em Puerto
Maldonado: «A sua visão do mundo, a sua sabedoria, têm muito para ensinar a
nós que não pertencemos à sua cultura. Todos os esforços que fizermos para
melhorar a vida dos povos amazônicos serão sempre poucos» (Fr.PM).
Nos últimos anos, os povos indígenas começaram a escrever sua
própria história e a descrever de maneira mais formal suas próprias culturas,
costumes, tradições e saberes. Escreveram sobre o ensino que receberam da
parte de seus antepassados, pais e avós, que são memórias pessoais e
coletivas. Hoje, o ser indígena não se deduz somente da pertença étnica. Esse
ser se refere também à capacidade de manter a identidade sem se isolar das
sociedades que o rodeiam e com as quais interage.
Face a esse processo de interação, surgem organizações indígenas
que buscam o fortalecimento da história de seus povos, para orientar a luta
pela autonomia e autodeterminação: «é justo reconhecer a existência de
esperançosas iniciativas que surgem das vossas próprias bases e
organizações, procurando fazer com que os próprios povos originários e as
comunidades sejam os guardiões das florestas e que os recursos produzidos
pela sua conservação revertam em benefício das vossas famílias, na melhoria
das vossas condições de vida, da saúde e da instrução das vossas
comunidades» (Fr. PM). Por conseguinte, nenhuma iniciativa pode ignorar que
a relação de pertença e participação que os habitantes amazônicos
estabelecem com a criação faz parte de sua identidade e contrasta com uma
visão mercantilista dos bens da criação (cf. LS 38).
Em muitos desses contextos, a Igreja Católica está presente através de
missionários e missionárias comprometidos com as causas dos povos
indígenas e amazônicos.

4. Memória histórica eclesial


O início da memória histórica da presença da Igreja na Amazônia situa-
se no cenário da ocupação colonial da Espanha e de Portugal. A incorporação
do imenso território amazônico na sociedade colonial, com sua posterior
apropriação por parte dos Estados nacionais, transcorreu num longo processo,
de mais de quatro séculos. Até o início do século XX, as vozes em defesa dos
povos indígenas eram frágeis, embora não ausentes (cf. Pio X, Carta
Encíclica Lacrimabili Statu 7.6.1912). Com o Concílio Vaticano II, essas vozes
se fortaleceram. Para estimular “o processo de mudança através dos valores
evangélicos”, a II Conferência do Episcopado Latino-Americano, realizada em
Medellín (1968), em sua Mensagem aos Povos da América Latina, lembrou que
«apesar de suas limitações », a Igreja «viveu com nossos povos o problema da
colonização, libertação e organização». E a III Conferência do Episcopado
Latino-Americano, realizada em Puebla (1979), nos lembrou que a ocupação e
colonização do território de Ameríndia foi «um agigantado processo de
dominações», cheio de «contradições e dilacerações» (DP 6). E, mais tarde, a
IV Conferência de Santo Domingo (1992) nos advertiu sobre «um dos
episódios mais tristes da história latino-americana e caribenha», que «foi o
translado forçado, como escravos, de um enorme número de africanos». São
João Paulo II chamou este deslocamento de um «holocausto desconhecido do
qual participaram batizados que não viveram a sua fé» (DSD 20; cf. João Paulo
II, Discurso à comunidade católica da Ilha de Gorée, Senegal, 22.02.1992, n.3;
Mensagem aos Afro-americanos, Santo Domingo, 13.10.1992, n.2). Por essa
«ofensa escandalosa para a história da humanidade» (DSD 20), o Papa e os
delegados em Santo Domingo pediram perdão.
Lamentavelmente, ainda hoje existem restos do projeto colonizador que
criou manifestações de inferiorização e demonização das culturas indígenas.
Tais resquícios debilitam as estruturas sociais indígenas e permitem o
desprezo de seus saberes intelectuais e de seus meios de expressão. O que
assusta é que até hoje, 500 anos depois da conquista e depois de mais ou
menos 400 anos de missão e evangelização organizada, e depois de 200 anos
da independência dos países que configuram a Pan-Amazônia, processos
semelhantes continuam-se alastrando sobre o território e seus habitantes, hoje
vítimas de um novo colonialismo feroz com máscara de progresso. Com razão,
o Papa Francisco afirmou em Puerto Maldonado: «Provavelmente, nunca os
povos originários amazônicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios
com o estão agora». Hoje, por causa da ofensa escandalosa desses novos
colonialismos, «a Amazônia é uma terra disputada em várias frentes» (Fr.PM).
Em sua história missionária, a Amazônia tem sido lugar de testemunho
concreto de estar na cruz, inclusive, muitas vezes, lugar de martírio. A Igreja
também aprendeu que, nesse território, habitado por mais de dez mil anos por
uma grande diversidade de povos, suas culturas se construíram em harmonia
com o meio ambiente. As culturas pré-colombianas ofereceram ao cristianismo
ibérico que acompanhava os conquistadores múltiplas pontes e conexões
possíveis «como a abertura à ação de Deus, o sentido da gratidão pelos frutos
da terra, o caráter sagrado da vida humana e a valorização da família, o
sentido de solidariedade e a corresponsabilidade no trabalho comum, a
importância do culto, a crença em uma vida ultraterrena e tantos outros
valores» (DSD 17).

5. Justiça e direitos dos povos


Em sua visita a Puerto Maldonado, o Papa Francisco pediu que se
transforme o paradigma histórico em que os Estados veem a Amazônia como
despensa de recursos naturais, “sem ter em conta os seus habitantes” (Fr.PM)
e sem se preocupar com a destruição da natureza. As relações harmoniosas
entre o Deus Criador, os seres humanos e a natureza estão quebradas por
causa dos efeitos nocivos do neoextrativismo e por pressão dos grandes
interesses econômicos que exploram o petróleo, o gás, a madeira, o ouro, e
pela construção de obras de infraestrutura (por exemplo: megaprojetos
hidrelétricos, eixos viários, como rodoviárias interoceânicas) e pelas
monoculturas agroindustriais (cf. Fr.PM).
A cultura dominante de consumo e de descarte converte o planeta num
lixão. O Papa denuncia esse modelo de desenvolvimento anônimo, asfixiante,
sem mãe, com sua obsessão pelo consumo e seus ídolos de dinheiro e poder.
Impõem-se novos colonialismos ideológicos disfarçados pelo mito do progresso
que destroem as identidades culturais próprias. Francisco apela à defesa das
culturas e à apropriação de sua herança, que é portadora da sabedoria
ancestral. Essa herança propõe uma relação harmoniosa entre a natureza e o
Criador e expressa com clareza que «a defesa da terra não tem outra
finalidade senão a defesa da vida» (Fr.PM). A terra deve conservar-se terra
santa: «Esta não é uma terra órfã! Tem Mãe!» (Fr.EP).
Por outra parte, a ameaça contra os territórios amazônicos «também
vem da perversão de certas políticas que promovem a `conservação´ da
natureza sem ter em conta o ser humano, nomeadamente vós, irmãos
amazônicos que a habitais» (Fr.PM). A orientação do Papa Francisco é
cristalina: «Acho que o problema essencial é como reconciliar o direito ao
desenvolvimento, inclusive o social e cultural, com a proteção das
características próprias dos indígenas e dos seus territórios. [...] Nesse sentido,
deveria prevalecer sempre o direito ao consenso prévio e informado» (Fr.FPI).
Paralelamente, os povos indígenas, campesinos e outros setores
populares em nível regional na Amazônia e em nível nacional em cada país,
organizaram processos políticos em torno de agendas baseadas em seus
direitos humanos. A situação do direito ao território dos povos indígenas na
Pan-Amazônia gira em torno de um problema constante, que é a falta de
regularização de terras e do reconhecimento de sua propriedade ancestral e
coletiva. Em consequência disso, não existe no território em questão uma
interpretação integralmente articulada com a dimensão da cultura e
cosmovisão de cada povo ou comunidade indígena.
Proteger os povos indígenas e seus territórios é uma exigência ética
fundamental e um compromisso básico dos direitos humanos. Para a Igreja,
esse compromisso é um imperativo moral coerente com o enfoque da “ecologia
integral” de Laudato si’ (cf. LS, cap. IV).

6. Espiritualidade e sabedoria
Para os povos indígenas da Amazônia, o bem viver existe quando estão
em comunhão com as outras pessoas, com o mundo, com os seres de seu
entorno e com o Criador. Os povos indígenas, realmente, vivem no interior da
casa que Deus mesmo criou e lhes deu como presente: a Terra. Suas diversas
espiritualidades e crenças os motivam a viver uma comunhão com a terra, a
água, as árvores, os animais, com o dia e a noite. Os anciãos sábios, segundo
as diferentes culturas chamados pajé, curandeiro, mestre, wayanga ou xamã –
entre outros – promovem a harmonia das pessoas entre si e com o cosmo.
Todos eles são «memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar
da Casa Comum» (Fr.PM).
Os indígenas amazônicos cristãos entendem a proposta do bem
viver como vida plena no horizonte da colaboração na criação do Reino de
Deus. Esse bem viver será alcançado somente quando se realizar o projeto
comunitário em defesa da vida, do mundo e de todos os seres vivos.
«Mas somos chamados a tornar-nos os instrumentos de Deus Pai para
que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao criá-lo e corresponda ao seu
projeto de paz, beleza e plenitude» (LS 53). Esse sonho começa a ser
construído dentro da família, que é a primeira comunidade da nossa existência:
«A família é e sempre foi a instituição social que mais contribuiu para manter
vivas as nossas culturas. Em períodos de crises passadas, face aos diferentes
imperialismos, a família dos povos indígenas foi a melhor defesa da vida»
(Fr.PM).
No entanto, é necessário reconhecer que na região amazônica existe
uma grande diversidade cultural e religiosa. Se por um lado, em sua maioria,
promovem o bem viver como um projeto de harmonia entre Deus, os povos e a
natureza, por outro lado existem também algumas seitas que, motivadas por
interesses alheios ao território e a seus habitantes, nem sempre favorecem
uma ecologia integral.

II. DISCERNIR. PARA UMA CONVERSÃO PASTORAL E ECOLÓGICA

7. Anunciar o Evangelho de Jesus na Amazônia: dimensão


bíblico-teológica
Hoje, a realidade específica da Amazônia e de sua sorte interpela cada
pessoa de boa vontade sobre a identidade do cosmo, sua harmonia vital e seu
futuro. Os Bispos da América Latina e do Caribe reconhecem «a natureza
como herança gratuita» e, «como profetas da vida» (ibid.) assumem seu
compromisso de proteger a Casa Comum da criação (cf. DAp 471).
Os relatos bíblicos contêm algumas afirmações teológicas portadoras
de valores universais. Sobre tudo, cada realidade criada existe para a vida e
tudo que conduz à morte se opõe à vontade divina. Em segundo lugar, Deus
estabelece uma relação de comunhão com o ser humano «criado segundo a
sua imagem e semelhança» (Gn 1,26), e lhe confia a proteção da criação
(cf. Gn 1,28;2,15): «Dar graças pelo dom da criação, reflexo da sabedoria e da
beleza do Logos criador [...] que encomendou ao ser humano sua obra criadora
para que a cultivasse e a guardasse´ (Gn 2,15)» (DAp 470). Finalmente, contra
a harmonia da relação entre Deus, o ser humano e o cosmo, se põe a
desarmonia da desobediência e do pecado (cf. Gn 3,1-7), que produz o medo
(cf. Gn 3,8-10) e a rejeição do outro (cf. Gn 3,12), a maldição da terra
(cf. Gn 3,17), a exclusão do Jardim (cf. Gn 3,23-24), até chegar à experiência
do fratricídio (cf. Gn 4,1-16).
Ao mesmo tempo, os relatos bíblicos testemunham que na criação
ferida está plantado o embrião da promessa e a semente da esperança, porque
Deus não abandona a obra de suas mãos. Na história da salvação, Ele renova
o propósito de “fazer uma aliança” entre o ser humano e a Terra, renovando
através do dom da Torá a beleza da criação. Tudo isso culmina na pessoa e na
missão de Jesus. Enquanto mostra compaixão pela humanidade e sua
fragilidade (cf. Mt 9,35-36), Ele confirma a bondade de todas as coisas criadas
(cf. Mc 7,14-15). Os milagres realizados sobre os enfermos e sobre a natureza
revelam, ao mesmo tempo, a providência do Pai e a bondade da criação
(cf. Mt 6,9-15.25-34).
O mundo criado nos convida a louvar a beleza e a harmonia das
criaturas e do Criador (cf. LS 12). Como aponta o Catecismo da Igreja Católica:
«Cada criatura possui sua bondade e sua perfeição próprias», e em seu próprio
ser reflete «um raio da sabedoria e da bondade infinitas de Deus» (CCC n.
339). «O solo, a água […]: tudo é carícia de Deus» (LS84), canto divino, cujas
letras estão conformadas pela «multidão das criaturas presentes no universo»,
como se expressou São João Paulo II (Catequese, 30/1/2002). Quando
qualquer uma dessas criaturas é extinta por causas humanas, já não pode
mais cantar seu louvor ao Criador (cf. LS 33).
A providência do Pai e a bondade da criação alcançam seu ponto
culminante no mistério da encarnação do Filho de Deus, que se aproxima e
abraça todos os contextos humanos, mas sobretudo o dos mais pobres. O
Concílio Vaticano II menciona esta proximidade contextual com palavras
como adaptação e diálogo (cf. GS 4, 11; CD 11; UR 4; SC 37ss) e encarnação
e solidariedade (cf. GS 32). Mais tarde, em particular na América Latina, essas
palavras foram traduzidas como opção pelos pobres e libertação (Medellín
1968), participação e comunidades de base (Puebla 1979), inserção e
inculturação (Santo Domingo 1992), missão e serviço de uma Igreja samaritana
e advogada dos pobres (Aparecida 2007).
Com a morte e ressurreição de Jesus se ilumina o destino da criação
inteira, impregnado do poder do Espírito Santo, já evocada na tradição
sapiencial (cf. Sb 1,7). A Páscoa leva ao cumprimento o projeto de uma
“criação nova” (cf. Ef 2,15; 4,24), revelando Cristo como Palavra criadora de
Deus (cf. Jn 1,1-18) porque «tudo foi criado por ele e para ele» (Cl 1,16).
«Segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira
passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem» (LS 99).
A tensão entre o “já” e o “ainda não” envolve a família humana e o
mundo inteiro: «De fato, toda a criação espera ansiosamente a revelação dos
filhos de Deus; pois a criação foi sujeita ao que é vão e ilusório, não por seu
querer, mas por dependência daquele que a sujeitou. Também a própria
criação espera ser libertada da escravidão da corrupção, em vista da liberdade
que é a glória dos filhos de Deus. Com efeito, sabemos que toda a criação, até
o presente, está gemendo como que em dores de parto» (Rm 8,19-22). No
mistério pascal de Cristo, a criação inteira se estende até um cumprimento
final, quando «as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma
realidade meramente natural, porque o Ressuscitado as envolve
misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores do
campo e as aves que Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos
agora estão cheias da sua presença luminosa» (LS100).

8. Anunciar o Evangelho de Jesus na Amazônia: dimensão social


A missão evangelizadora tem sempre um «conteúdo inevitavelmente
social» (EG 177). Crer em um Deus Trino nos convida sempre a ter presente
«que somos criados à imagem desta comunhão divina, pelo que não podemos
realizar-nos nem nos salvar sozinhos» (EG 178). De fato, «a partir do coração
do Evangelho reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização
e promoção humana» (EG 178), entre a aceitação e a transmissão do amor
divino. Destarte, se aceitamos o amor de Deus Pai Criador, que nos conferiu
uma dignidade infinita, o amor de Deus Filho, que nos enobreceu com sua
redenção, e o amor do Espírito Santo, que permeia e liberta todos os vínculos
humanos, não podemos senão comunicar tal amor trinitário respeitando e
promovendo a dignidade, a nobreza e a liberdade de cada ser humano em
cada ação evangelizadora (cf. EG 178). Em outras palavras, a tarefa
evangelizadora de receber e transmitir o amor de Deus começa com o desejo,
a procura e o cuidado dos outros (cf. EG 178).
Portanto, evangelizar implica comprometer-se com nossos irmãos e
irmãs, melhorar a vida comunitária, e assim «tornar o Reino de Deus presente
no mundo» (EG 176), promovendo por e para todo o mundo (cf. Mc 16, 15) não
«uma caridade por receita» (EG 180), senão um verdadeiro desenvolvimento
humano integral, ou seja, para todas as pessoas e para a pessoa toda
(cf. PP 14 e EG 181). Isso é o que se conhece como o «critério de
universalidade» da tarefa evangelizadora, «dado que o Pai quer que todos os
homens se salvem; e o seu plano de salvação consiste em `submeter tudo a
Cristo, reunindo Nele o que há no céu e na terra´ (Ef 1,10).[…] Toda a criação
significa também todos os aspectos da vida humana» (EG 181), todas as suas
relações.
Já nas histórias bíblicas da criação consta que a existência humana se
caracteriza por «três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações
com Deus, com o próximo e com a Terra. [...] Estas três relações vitais
romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de nós. Esta ruptura é
o pecado» (LS 66). A redenção de Cristo, que venceu o pecado, oferece a
possibilidade de harmonizar tais relações. A «missão do anúncio da Boa-Nova
de Jesus Cristo», portanto, promove esperança não só no fim da história,
senão no curso mesmo da história dos povos, numa história que valoriza e
recompõe todas as relações de nossa existência (cf. EG 181). Com este ponto
de partida, a tarefa evangelizadora nos convida a trabalhar contra as
desigualdades sociais e a falta de solidariedade através da promoção da
caridade e da justiça, da compaixão e do cuidado, entre nós, sim, mas também
com os outros seres, animais e plantas, e com toda a criação. A Igreja é
chamada a acompanhar e partilhar a dor do povo amazônico, e a colaborar
para a cura de suas feridas, assim realizando sua identidade de Igreja
samaritana, segundo a expressão do Episcopado Latino-Americano e do
Caribe (cf. DAp 26).
Esta dimensão social – e até cósmica – da missão evangelizadora é
particularmente relevante no território amazônico, onde a articulação entre vida
humana, ecossistemas e vida espiritual foi e continua sendo evidente para a
grande maioria de seus habitantes. A destruição, que é «um rastro de
dilapidação, inclusive de morte por toda a região […] coloca em perigo milhões
de pessoas, em especial do hábitat dos camponeses e indígenas» (DAp 473).
Não cuidar da Casa Comum «é uma ofensa ao Criador, um atentado contra a
biodiversidade e, definitivamente, contra a vida» (DAp125).
Ao colocarmos cada verdade do Evangelho «em relação com a
totalidade harmoniosa da mensagem cristã”, nos lembra o Papa
Francisco, «não é preciso mutilar a integridade da mensagem do Evangelho»
(EG 39). Sua integralidade harmoniosa, precisamente, «requer do
evangelizador certas atitudes que ajudam a acolher o anúncio: proximidade,
abertura ao diálogo, paciência, acolhida cordial» (EG 165), e, sobretudo,
assumir e assimilar o fato de que «tudo está interligado» (LS 91, 117, 138,
240). Isso implica que o evangelizador deve promover projetos de vida pessoal,
social e cultural que permitam nutrir a integralidade de nossas relações vitais
com os outros, com a criação e com o Criador. Esse chamado necessita de
forma conjunta a escuta atenta do clamor dos pobres e da Terra (cf. LS 49).
Hoje, o grito da Amazônia ao Criador é semelhante ao grito do Povo de
Deus no Egito (cf. Ex 3,7). É um grito desde a escravidão e o abandono, que
clama por liberdade e pela escuta de Deus. É um grito que pede a presença de
Deus, especialmente quando os povos amazônicos, ao defenderem suas
terras, se confrontam com a criminalização de seu protesto, tanto por parte das
autoridades como pela opinião pública; ou quando são testemunhas da
destruição da floresta tropical, que constitui seu hábitat milenar; ou quando as
águas de seus rios se enchem com espécies de morte em lugar de vida.

9. Anunciar o Evangelho de Jesus na Amazônia: dimensão


ecológica
«O Reino que se antecipa e cresce entre nós abrange tudo» (EG 181),
e nos recorda de que «tudo está estreitamente interligado no mundo» (LS 16).
Portanto, o «princípio de discernimento» de evangelização está vinculado a um
processo integral de desenvolvimento humano (cf. EG 181). Esse processo
está caracterizado, como o descreve Laudato si (cf. n. LS 137-142), por um
paradigma relacional denominado ecologia integral, que articula os vínculos
fundamentais que possibilitam um verdadeiro desenvolvimento.
O primeiro grau de articulação para um autêntico progresso é o vínculo
intrínseco entre o campo social e o ambiental. O fato de nós seres humanos
fazermos parte dos ecossistemas que facilitam as relações que dão vida a
nosso planeta, o cuidado desses ecossistemas – nos quais tudo está
interligado –, é fundamental para promover a dignidade de cada indivíduo e o
bem comum da sociedade, tanto no progresso social quanto no cuidado
ambiental.
Na Amazônia, a noção de ecologia integral é chave para responder ao
desafio de cuidar da imensa riqueza de sua biodiversidade ambiental e cultural.
Desde o ponto de vista ambiental, a Amazônia, além de ser «fonte de vida no
coração da Igreja» (REPAM), é um pulmão do planeta e a região de maior
biodiversidade do mundo (cf. LS 38). De fato, a bacia Amazônica possui a
última floresta tropical que, apesar das intervenções que sofreu e está
sofrendo, abrange a maior superfície florestal existente nos trópicos da nossa
Terra. Reconhecer o território amazônico como bacia além das fronteiras dos
países facilita a visão integral da região, o que é essencial para a promoção de
seu desenvolvimento e de uma ecologia integral.
Do ponto de vista cultural, como foi descrito na primeira parte (Ver), a
Amazônia é particularmente rica pelas ancestrais e contemporâneas
cosmovisões de seus povos. Este patrimônio cultural, que faz «parte da
identidade comum» da região, se encontra tão «ameaçado» quanto seu
patrimônio ambiental (cf. LS 143). As ameaças têm sua origem –
principalmente – numa «visão consumista do ser humano, incentivada pelos
mecanismos da economia globalizada atual, [que] tende a homogeneizar as
culturas e a debilitar a imensa variedade cultural, que é um tesouro da
humanidade» (LS 144).
Portanto, o processo de evangelização da Igreja na Amazônia não pode
ser separado da promoção do cuidado do seu território (natureza) e de seus
povos (culturas). Por causa disso, esse processo necessita estabelecer pontes
que podem articular os saberes ancestrais aos conhecimentos
contemporâneos (cf. LS 143-146), particularmente àqueles que se referem ao
manejo sustentável do território e ao desenvolvimento de acordo com os
próprios sistemas de valores e culturas dos habitantes desse espaço. Estes
devem ser reconhecidos como seus genuínos guardiões, e até como seus
proprietários.
Mas a ecologia integral é mais que a mera articulação entre o social e o
ambiental. Compreende a necessidade de se promover uma harmonia pessoal,
social e ecológica, para a qual necessitamos de uma conversão pessoal, social
e ecológica (cf. LS 210). Por conseguinte, a ecologia integral nos convida a
uma conversão integral. «Isto exige [...] reconhecer os próprios erros, pecados,
vícios [...] negligências» e omissões com as quais «ofendemos a criação de
Deus», e «arrepender-se de coração» (LS 218). Quando tivermos consciência
de como nosso estilo de vida e nossa maneira de produzir, comerciar, consumir
e desejar afetam a vida do nosso ambiente e de nossas sociedades, só então
poderemos iniciar uma transformação com horizonte integral.
Mudar o rumo ou converter-se integralmente não se esgota através de uma
conversão individual. Uma mudança profunda do coração, que se expressa em
mudanças de hábitos pessoais, é tão necessária quanto uma mudança
estrutural que esteja embutida em hábitos sociais, em leis e em programas
econômicos convencionados. Na hora de se promover essa transformação
radical de que a Amazônia e o planeta necessitam, os processos de
evangelização têm muito a contribuir, sobretudo pela profundidade com que o
Espírito de Deus atinge a natureza e os corações das pessoas e dos povos.

10. Anunciar o Evangelho de Jesus na Amazônia: dimensão


sacramental
Enquanto a Igreja reconhece a grande hipoteca e o poder do pecado,
sobretudo na destruição social e ambiental, não se desanima em sua
caminhada com o povo amazônico, e se compromete, apoiada na graça de
Cristo, a superar a fonte do pecado. Um olhar contemplativo da Igreja e uma
prática sacramental correspondente são chaves para a evangelização na
Amazônia.
«O universo desenvolve-se em Deus, que o preenche completamente.
E, portanto, há um mistério a contemplar numa vereda, no orvalho, no rosto do
pobre» (LS 233). Quem sabe contemplar «o que há de bom nas coisas e
experiências do mundo» (LS 234) descobre a íntima conexão de todas essas
coisas e experiências com Deus. Através dela, a comunidade cristã,
especialmente na Amazônia, está convidada a ver a realidade comum com
olhar contemplativo, pelo qual se podem perceber a presença e a ação de
Deus em toda criação e em toda história.
Além disso, já que «os sacramentos constituem um modo privilegiado
em que a natureza é assumida por Deus e transformada em mediação da vida
sobrenatural», suas celebrações são um convite permanente a «abraçar o
mundo num plano diferente» (LS 235). Por exemplo, a celebração do Batismo
nos convida a considerar a importância da “água” como fonte de vida e não só
como instrumento ou recurso material. O Batismo responsabiliza a comunidade
de fé pelo cuidado deste elemento como dom de Deus para todo o planeta.
Ademais, dado que a água do Batismo purifica o batizado de todos os pecados,
sua celebração permite à comunidade cristã assumir o valor da água e do rio
como fonte de purificação, facilitando a inculturação dos ritos relacionados à
água da sabedoria ancestral dos povos amazônicos.
A celebração da Eucaristia nos convida a redescobrir como «no apogeu
do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de
um pedaço de matéria» (LS 236). A Eucaristia, por conseguinte, nos remete ao
«centro vital do universo», ao foco «transbordante de amor e de vida sem fim»,
ao «Filho encarnado», presente nas espécies de pão e vinho, fruto da “terra
videira” e do trabalho dos homens (cf. LS 236). Na Eucaristia, a comunidade
celebra um amor cósmico, no qual os seres humanos, junto ao Filho de Deus
encarnado e a toda a criação, dão graças a Deus pela vida nova em Cristo
ressuscitado (cf. LS 236). Dessa forma, a Eucaristia constitui a comunidade –
uma comunidade peregrina festiva, que se torna «fonte de luz e motivação para
as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a sermos guardiões
da criação inteira» (LS 236). Ao mesmo tempo, o sangue de tantos homens e
mulheres que foi derramado, banhando as terras amazônicas, pelo bem de
seus habitantes e do território, se une ao Sangue de Cristo, derramado por
todos e por toda a criação.

11. Anunciar o Evangelho de Jesus na Amazônia: dimensão


eclesial-missionária
Numa «Igreja em saída» (cf. EG 46), «missionária por natureza»
(AG 2, DAp 347), todos os batizados têm a responsabilidade de ser discípulos
missionários, participando de modo diverso e em âmbitos distintos. De fato,
uma das riquezas da consciência magisterial da Igreja é a de «anunciar sempre
e por toda a parte os princípios morais, mesmo referentes à ordem social, e
pronunciar-se a respeito de qualquer questão humana, enquanto o exigirem os
direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas»
(CIgC 2032; CDC, cân. 747).
O louvor a Deus precisa estar acompanhado da prática da justiça a
favor dos pobres. Como proclama o Salmo 146 (145): «Louva o Senhor, minha
alma, louvarei o Senhor enquanto eu for vivo», ao Deus que «livra os
prisioneiros», que «dá alimento a quem tem fome», que «ampara o órfão e a
viúva». Essa missão necessita da participação de todos, e uma reflexão ampla
que permita contemplar as condições históricas concretas tanto sociais, quanto
ambientais e eclesiais. Nessa perspectiva, um enfoque missionário na
Amazônia requer, mais que nunca, um magistério eclesial exercido na escuta
do Espírito santo, que garante unidade e diversidade. Essa unidade na
diversidade, seguindo a tradição da Igreja, está estruturalmente permeada pelo
que se conhece como sensus fidei do Povo de Deus.
O Papa Francisco retomou esse aspecto enfatizado pelo Concílio
Vaticano II (cf. LG 12; DV 10), recordando que «em todos os batizados, desde
o primeiro ao último, atua a força santificadora do Espírito que impele a
evangelizar. O povo de Deus é santo em virtude desta unção, que o torna
infalível «in credendo». Isso significa que «ao crer, não pode enganar-se [...].
Deus dota a totalidade dos fiéis com um instinto da fé – o sensus fidei – que os
ajuda a discernir o que vem realmente de Deus» (EG 119).
Esse discernimento deve ser acompanhado pelos pastores, especialmente
pelos Bispos. De fato, a preservação da Tradição eclesial, realizada por todo o
Povo de Deus, exige a unidade deste Povo com seus pastores (cf. DV 10) para
a leitura e o discernimento das novas realidades. É dos bispos, como princípio
de unidade do povo de Deus (cf. LG 23), a responsabilidade de manter a
unidade da tradição, que tem a sua origem e base nas Sagradas Escrituras
(cf. DV 9).
Assim, o sentido religioso da Amazônia, como exemplo de expressão
do sensus fidei, necessita do acompanhamento e da presença dos pastores
(cf. EN 48). Quando o Papa Francisco se encontrou com os povos da
Amazônia em Puerto Maldonado, se expressou assim: «Quis vir visitar-vos e
escutar-vos, para estarmos juntos no coração da Igreja, solidarizarmo-nos com
os vossos desafios e, convosco, reafirmarmos uma opção sincera em prol da
defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas». Os representantes dos
povos presentes, por sua parte, responderam ao Papa: «Nós viemos para
escutar Sua Santidade, e para estar junto com o Papa no coração da Igreja e
participar na edificação desta Igreja para que tenha cada vez mais um rosto
amazônico». Nessa escuta recíproca entre o Papa (e autoridades eclesiais) e
os representantes do povo amazônico, se alimenta e se fortalece o sensus
fidei do Povo e cresce seu ser eclesial: «Precisamos nos exercitar na arte de
escutar, que é mais do que ouvir» (EG 171).
A Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica precisa de um
grande exercício de escuta recíproca, que se faça especialmente entre o Povo
fiel e as autoridades do magistério da Igreja. E um dos pontos principais a ser
escutado será o lamento «de milhares dessas comunidades privadas da
Eucaristia dominical por longos períodos» (DAp 100e). Confiamos que a Igreja,
enraizada em suas dimensões sinodal e missionária (cf. Francisco, Discurso
para acomemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos
Bispos, 17.10.2015), possa gerar processos de escuta (ver-escutar) e
processos de discernimento (julgar) capazes de responder (atuar) às
realidades concretas dos povos amazônicos.

III. AGIR. NOVOS CAMINHOS PARA UMA IGREJA COM ROSTO


AMAZÔNICO3
12. Igreja com rosto amazônico
«Ser Igreja significa ser povo de Deus» (EG 114), encarnado «nos
povos da Terra» (EG 115) e em suas culturas. Portanto, a universalidade ou
catolicidade da Igreja vê-se enriquecida com «a beleza deste rosto pluriforme»
(NMI 40) das diferentes manifestações de suas Igrejas e suas culturas. O Papa
Francisco, em seu encontro com comunidades amazônicas em Puerto
Maldonado, se expressou assim: «Nós, que não habitamos nestas terras,
precisamos da vossa sabedoria e dos vossos conhecimentos para podermos
penetrar, sem o destruir, o tesouro que encerra esta região, ouvindo ressoar as
palavras do Senhor a Moisés: `Tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar
em que estás é uma terra santa´» (Ex 3, 5; Fr.PM).
A Igreja é chamada a aprofundar sua identidade em correspondência às
realidades de seu próprio território e a crescer em sua espiritualidade
escutando a sabedoria de seus povos. Por isso, a Assembleia Especial para a
Região Pan-Amazônica é chamada a encontrar novos caminhos para fazer
crescer o rosto amazônico da Igreja e também para responder às situações de
injustiça da região, como o neocolonialismo configurado pelas indústrias
extrativistas, pelos projetos de infraestrutura que destroem sua biodiversidade
e pela imposição de modelos culturais e econômicos estranhos à vida dos
povos.
Com a atenção focada no local e na diversidade das microestruturas
vivenciais da região, a Igreja se fortalece como contraponto em face da
globalização da indiferença e de sua lógica uniformizadora, promovida por
muitos meios de comunicação e por um modelo econômico que não respeita os
povos amazônicos nem seus territórios em sua diversidade.
Por sua parte, as Igrejas locais, que são também Igrejas missionárias,
igrejas em saída, encontram em suas próprias periferias, lugares privilegiados
de experiência evangelizadora, «onde fazem mais falta a luz e a vida do
Ressuscitado» (EG 30). Nessas periferias os missionários se encontram com
os marginalizados, os fugitivos e os refugiados, com os desesperados, os
excluídos, portanto com Jesus Cristo crucificado e exaltado, que «quis
identificar-se, num gesto de ternura particular, com os mais fracos e os mais
pobres» (DP 196).
Durante a preparação mais próxima ao Sínodo, buscar-se-á identificar
experiências pastorais locais, tanto positivas como negativas, que podem
iluminar o discernimento para as novas linhas de ação.

13. Dimensão profética


Em face da atual crise socioambiental, surgem luzes de orientação e
ação para que se possa implementar a transformação de práticas e atitudes.
É necessário superar a miopia, o imediatismo e as soluções a curto
prazo. Faz-se necessária uma perspectiva global e a superação dos interesses
particulares para que se possa partilhar e assumir com responsabilidade um
projeto comum e global.
«Tudo está interligado» (LS 16, 91, 117, 138, 240) é a grande
insistência do Papa Francisco para facilitar o diálogo com as raízes espirituais
das grandes tradições religiosas e culturais. Desenha-se um consenso em
torno de uma agenda mínima, que inclui, entre outros itens: desenvolvimento
integral e sustentável, como foi descrito em pontos anteriores, criação de gado
e agricultura sustentáveis, energia limpa, respeito às identidades e aos direitos
dos povos tradicionais, água potável para todos. Esses direitos são exigências
fundamentais, frequentemente ausentes na Pan-Amazônia.
Deve haver um equilíbrio, e a economia deve priorizar a vocação por
uma vida humana digna. Isso significa que uma relação equilibrada deve cuidar
do ambiente e da vida dos mais vulneráveis. Na atualidade há «uma única e
complexa crise socioambiental» (LS 139).
A Encíclica Laudato si’ (cf. LS 216ss.) nos convida a uma conversão
ecológica que implica um novo estilo de vida, cujo foco é o outro. Urge praticar
a solidariedade global e superar o individualismo, abrir novos caminhos de
liberdade, verdade e beleza. Conversão significa libertar-nos da obsessão do
consumo. «Comprar é sempre um ato moral, para além de econômico»
(LS 206). A conversão ecológica exige assumir a mística da interligação e
interdependência de tudo que foi criado e dado. A gratuidade se impõe em
nossas atitudes quando entendemos a vida como dom de Deus. Abraçar a vida
em solidariedade comunitária pressupõe uma transformação do coração.
Este novo paradigma abre perspectivas de transformação pessoal e social. A
felicidade e a paz são possíveis quando não estamos tomados pela obsessão
do consumo. O Papa Francisco considera que uma relação harmoniosa com a
natureza nos proporciona «sobriedade feliz» (LS 224s), paz consigo mesmo,
em relação ao bem comum, e uma serena harmonia que implica contentar-se
com o realmente necessário. Isso é algo que as culturas ocidentais podem, e,
oxalá, devem aprender das culturas tradicionais amazônicas, assim como de
outros territórios e comunidades deste planeta. Eles, os povos tradicionais,
«têm muito para nos ensinar» (EG 198). Com seu amor para com sua terra e
sua relação com os ecossistemas, amam o Deus Criador, fonte de vida; «nas
suas próprias dores conhecem Cristo sofredor» (EG 198). Em sua
compreensão da vida social como diálogo, estão inspirados pelo Espírito
Santo. Apontando para essa realidade, o Papa Francisco afirmou que «é
necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles» e por suas culturas,
e que a tarefa da nova evangelização nos leva «não só a emprestar-lhes nossa
voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a
compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer
comunicar através deles» (EG 198). Seus ensinamentos, em consequência,
poderiam marcar o rumo das prioridades para os novos caminhos da Igreja na
Amazônia.

14. Ministérios com rostos amazônicos


Através de muitos encontros regionais na Amazônia, a Igreja católica
aprofundou a consciência de que sua universalidade se encarna na história e
nas culturas locais. Desse modo, manifesta-se e atua a Igreja de Cristo, una,
santa, católica e apostólica (cf. CD 11). Graças a essa consciência, hoje a
Igreja tem seus olhos voltados para a Amazônia com uma visão de conjunto,
que a faz descobrir os grandes desafios sociopolíticos, econômicos e eclesiais
que ameaçam essa região, mas sem perder a esperança na presença de Deus,
alimentada pela criatividade e perseverança tenaz de seus habitantes.
Nas últimas décadas, e com o grande impulso dado pelo Documento de
Aparecida, a Igreja da Amazônia soube reconhecer que, por causa das
imensas extensões territoriais, da grande diversidade de seus povos e das
rápidas transformações dos cenários socioeconômicos, sua pastoral tinha e
tem uma presença precária. No passado e hoje, continua sendo necessária
uma maior presença. Isso significa que é preciso, a partir dos valores do
Evangelho, tentar responder a tudo aquilo que é específico desta região,
reconhecendo, entre outros elementos, a imensa extensão geográfica, muitas
vezes de difícil acesso, a grande diversidade cultural e a forte influência de
interesses nacionais e internacionais em busca de um enriquecimento
econômico fácil, pelos recursos desta região. Uma missão encarnada exige
repensar a presença escassa da Igreja em relação à imensidão do território e
de sua diversidade cultural.
A Igreja com rosto amazônico deve «Procurar um modelo de
desenvolvimento alternativo, integral e solidário, baseado em uma ética que
inclua a responsabilidade por uma autêntica ecologia natural e humana, que se
fundamente no evangelho da justiça, da solidariedade e do destino universal
dos bens, e que supere a lógica utilitarista e individualista, que não submete os
poderes econômicos e tecnológicos a critérios éticos» (DAp 474c). Portanto, é
preciso animar todo o povo de Deus, que é partícipe da missão de Cristo,
Sacerdote, Profeta e Rei (cf. LG 9; CIgC 783), para que não permaneça
indiferente diante das injustiças da região e descubra na escuta do Espírito os
novos caminhos almejados.
Esses novos caminhos para a pastoral da Amazônia exigem «relançar
com fidelidade e audácia sua missão» (DAp 11) no território e «aprofundar o
processo de inculturação» (EG 126). Os novos caminhos exigem que a Igreja
na Amazônia faça propostas «valentes», que devam ter «ousadia» e «não ter
medo», como nos pede o Papa Francisco. O perfil profético da Igreja, hoje,
mostra-se através de seu perfil ministerial e participativo, capaz de fazer dos
povos indígenas e das comunidades amazônicas «os principais interlocutores»
(LS 146) em todos os assuntos pastorais e socioambientais no território.
Para mudar a presença precária e transformá-la numa presença mais
aprimorada e encarnada, faz-se necessário estabelecer uma hierarquia de
urgências da Amazônia. O Documento de Aparecida menciona a necessidade
de uma «coerência eucarística» (DAp 436) para a região amazônica, ou seja,
que não exista somente a possibilidade de que todos os batizados possam
participar da Missa dominical, mas também que cresçam novos céus e nova
terra como antecipação do Reino de Deus na Amazônia.
Nesse sentido, o Vaticano II nos lembra que todo o povo de Deus
participa do sacerdócio de Cristo, embora distinguindo sacerdócio comum do
sacerdócio ministerial (cf. LG 10). Partindo daí, urge avaliar e repensar os
ministérios que hoje são necessários para responder aos objetivos de «uma
Igreja com rosto Amazônico e uma Igreja com rosto indígena» (Fr.PM). Uma
prioridade é definir os conteúdos, métodos e atitudes para se constituir uma
pastoral inculturada, capaz de responder aos grandes desafios no território.
Outra é propor novos ministérios e serviços para os diferentes agentes de
pastoral que respondem pelas tarefas e responsabilidades da comunidade.
Nessa perspectiva, é preciso identificar o tipo de ministério oficial que pode ser
conferido à mulher, levando em conta o papel central que hoje desempenham
as mulheres na Igreja amazônica. Também é necessário promover o clero
indígena e os que nasceram no território, afirmando sua própria identidade
cultural e seus valores. Finalmente, é preciso repensar novos caminhos para
que o Povo de Deus tenha melhor e frequente acesso à Eucaristia, centro da
vida cristã (cf. DAp 251).

15. Novos caminhos


No processo de construir uma Igreja com rosto amazônico, sonhamos
com os pés postos na terra dos nossos indígenas, e com os olhos abertos
pensamos como será essa Igreja a partir da vivência da diversidade cultural
dos povos. Os novos caminhos terão incidência sobre os ministérios, a liturgia
e a teologia (Teologia Índia).4
A Igreja chegou aos povos movida pelo mandato de Jesus e pela
fidelidade a seu Evangelho. Agora, precisa descobrir «com alegria e respeito as
sementes do Verbo » (AG 11) na região.
Todo o povo de Deus, com seus Bispos e sacerdotes, missionários e
missionárias, religiosos e leigos, é chamando a entrar com o coração aberto
nesse novo caminho eclesial. Todos são chamados a conviver com as
comunidades e a comprometer-se com a defesa de suas vidas, a amá-los e
amar as suas culturas. Os missionários autóctones, e também os que vieram
de fora, devem cultivar a espiritualidade de contemplação e de gratuidade,
sentir com o coração e ver com os olhos de Deus os povos amazônicos e
indígenas.
A espiritualidade praticada com os pés na terra oferece a possibilidade
de encontrar a alegria e o gosto de conviver com os povos amazônicos. Assim,
pode-se valorizar as riquezas culturais nas quais Deus semeou as sementes da
Boa-Nova. Devemos ser capazes também de perceber as coisas que estão
presentes nas culturas, e que, por serem históricas, necessitam de purificação,
e capazes de trabalhar pela conversão individual e comunitária, cultivando o
diálogo nos diferentes níveis. A espiritualidade profética e do martírio nos faz
mais comprometidos com a vida dos povos e suas histórias passadas, e,
olhando adiante a partir do tempo presente, com a construção de uma nova
história.
Como Igreja, somos chamados a fortalecer o protagonismo dos próprios
povos. Precisamos de uma espiritualidade intercultural que nos ajude a
interagir com a diversidade dos povos e suas tradições. Devemos somar forças
para cuidarmos juntos de nossa Casa Comum.
Entre os missionários autóctones e os que vêm de fora, requer-se uma
espiritualidade de comunhão para aprender juntos a acompanhar as pessoas,
escutando suas estórias, participando de seus projetos de vida, partilhando sua
espiritualidade e assumindo suas lutas. Há de ser uma espiritualidade com o
estilo de Jesus: simples, humana, dialogante e samaritana, que
permita celebrar a vida, a liturgia, a Eucaristia, as festas, sempre
respeitando os ritmos próprios de cada povo.
Animar uma Igreja com rosto amazônico implica, para os missionários,
a capacidade de descobrir as sementes e frutos do Verbo já presentes na vida
e na cosmovisão desses povos. Para isso, é necessária uma presença estável,
o conhecimento da língua autóctone, de suas culturas e de sua experiência
espiritual. Só assim a Igreja vai fazer presente a vida de Cristo nesses povos.
Para finalizar e lembrar as palavras do Papa Francisco, queríamos «pedir, por
favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito econômico,
político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos
`guardiões´ da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do
outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte
acompanhem o caminho deste nosso mundo!» (Homilia na Missa do início do
ministério petrino, 19.03.2013).
Também queríamos pedir com as palavras do Papa Francisco aos
povos da Amazônia: «Ajudai os vossos Bispos, ajudai os vossos missionários e
as vossas missionárias a fazerem-se um só convosco e assim, dialogando com
todos, podeis plasmar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto
indígena. Com esse espírito, convoquei um Sínodo para a Amazônia no ano de
2019» (Fr.PM).

QUESTIONÁRIO

A finalidade deste questionário é escutar a Igreja de Deus sobre os


«novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral» na Amazônia. O
Espírito fala através de todo o povo de Deus. Nessa escuta podem-se
conhecer os desafios, as esperanças, as propostas e reconhecer os novos
caminhos que Deus pede à Igreja nesse território. Este questionário está
destinado aos pastores para que eles o respondam consultando o povo de
Deus. Para esta finalidade são convidados a buscar os meios mais adequados
segundo as respectivas realidades locais. O questionário está estruturado em
três partes que correspondem às diferentes partes do “Documento
Preparatório”: ver, discernir-julgar, agir.

I PARTE

1. Quais são os problemas mais importantes em sua comunidade: as


ameaças e dificuldades para a vida, o território e a cultura?
2. À luz da Laudato si’: Como se configuram a biodiversidade e a
sociodiversidade em seu território?
3. Como incidem ou não incidem essas diversidades em seu trabalho
pastoral?
4. À luz dos valores do Evangelho: Que tipo de sociedade devemos
promover e de que meios podemos dispor para isso, tendo em conta o mundo
rural e o urbano e suas diferenças socioculturais?
5. Dada à enorme riqueza de sua identidade cultural: Quais são as
contribuições, aspirações e desafios dos povos amazônicos em relação à Igreja
e ao mundo?
6. Como essas contribuições podem ser incorporadas numa Igreja com
rosto amazônico?
7. Como a Igreja deve acompanhar numa pastoral integral os processos
de organização dos próprios povos, pensando na sua identidade, defensa de
seus territórios e direitos?
8. Quais são as respostas da Igreja aos desafios da pastoral urbana no
território amazônico?
9. Se existem em seu território “Povos Indígenas em Situação de
Isolamento voluntário”, qual deve ser a atuação da Igreja para defender a vida
e os direitos desses povos?

II PARTE

1. Que esperança oferece a presença da Igreja às comunidades


amazônicas para a vida, o território e a cultura?
2. Como promover uma ecologia integral, seja, ambiental, econômica,
social, cultural e da vida cotidiana (cf. LS137-162) na Amazônia?
3. Como Jesus é Boa Notícia na vida, na família, na comunidade e na
sociedade amazônicas, no contexto de sua igreja local?
4. Como a comunidade cristã pode responder ante a situações de
injustiça, pobreza, desigualdade, violências (droga, exploração sexual,
discriminação dos povos indígenas, migrantes etc.) e de exclusão?
5. Quais são os elementos próprios das identidades culturais que podem
facilitar o anúncio do Evangelho na novidade do mistério de Jesus?
6. Quais são os caminhos que se podem seguir para inculturar nossa
prática sacramental na experiência vivencial dos povos indígenas?
7. Como participa a comunidade dos fiéis, que é «missionária por sua
própria natureza», e a seu modo específico, no magistério concreto e no
cotidiano da Igreja na Amazônia?

III PARTE

1. Que Igreja sonhamos para a Amazônia?


2. Como imagina uma Igreja em saída e com rosto amazônico e que
características ela deveria ter?
3. Existem espaços de expressão autóctone e de participação ativa na
prática litúrgica de suas comunidades?
4. Um dos grandes desafios pastorais da Amazônia é a impossibilidade de
celebrar a Eucaristia com frequência e em todos os lugares. Como responder a
essa situação?
5. Como reconhecer e valorizar o papel dos leigos nos diferentes âmbitos
pastorais (nos campos catequéticos, litúrgicos e sociais)?
6. Qual é o papel dos leigos nos diferentes âmbitos socioambientais no
território?
7. O que deve caracterizar o anúncio e a denúncia proféticos na
Amazônia?
8. O que deve caracterizar as pessoas que anunciam a Boa-Nova na
Amazônia?
9. Quais são os serviços e os ministérios com rosto amazônico em sua
jurisdição eclesiástica, e que características têm?
10. A seu ver, quais são os serviços e os ministérios com rosto amazônico
que deveriam ser criados e promovidos?
11. De que maneira a vida consagrada pode contribuir com seus carismas
para a construção de uma Igreja com rosto amazônico?
12. A participação das mulheres em nossas comunidades é de suma
importância. Como reconhecer e valorizar essa participação no horizonte dos
novos caminhos?
13. A religiosidade popular e, em particular, a devoção mariana – como se
integram e como podem contribuir para os novos caminhos da Igreja na
Amazônia?
14. Em que poderia consistir a contribuição dos meios de comunicação
para a edificação de uma Igreja com rosto amazônico?
***
SIGLAS E ABREVIAÇÕES

AG: Ad gentes, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja (07.12.1965).


CCC: Catecismo da Igreja Católica (11.10.1992).
CIC: Código de Direito Canônico (25.01.1983).
CD: Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre o múnus pastoral dos
Bispos na Igreja Christus Dominus (28.10.1965).
DAp: Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano e do Caribe (2007).
DP: Documento de Puebla. III Conferência Geral do Episcopado Latino-
americano (1979).
DSD: Documento de Santo Domingo. IV Conferência Geral do Episcopado
Latino-americano (1992).
DV: Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum,
sobre a Revelação Divina 18.11.1965).
EG: Evangelii gaudium, Exortação Apostólica do Papa Francisco (24.11.2013).
EN: Evangelii nuntiandi, Exortação Apostólica do Papa Paulo VI (08.12.1975).
Fr.PM Discurso do Papa Francisco no Encontro com os povos da Amazônia,
em Puerto Maldonado (19.01.2018).
Fr.EP: Discurso do Papa Francisco no Encontro com a População de Puerto
Maldonado (19.01.2018).
Fr.FPI: Discurso do Papa Francisco aos participantes do III Fórum dos Povos
Indígenas (15.02.2017).
GS: Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral sobre a Igreja no
Mundo de hoje Gaudium et spes (07.12.1965)..
LG: Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a
Igreja Lumen gentium (21.11.2015).
LS: Laudato si, Carta Encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da Casa
Comum (24.05.2015).
NMI: Novo millennio ineunte, Carta apostólica do Papa João Paulo II
(06.01.2001).
PO: Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre o Ministério e a Vida dos
Presbíteros Presbyterorum ordinis (07.12.1965)
PP: Carta Encíclica do Papa Paulo VI sobre a necessidade de promover
o desenvolvimento dos povos Populorum progressio (26.03.1967).
REPAM: Relatório executivo do Encontro de Fundação da Rede Eclesial Pan-
Amazônica (12.09.2014, Brasília CNBB).
SC: Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição sobre a Sagrada
Liturgia acrosanctum Concilium (04.12.1963)
UR: Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis
redintegratio (21.11.1964).
O “ESQUEMA” POR TRÁS DO
SÍNODO DA AMAZÔNIA
http://centrodombosco.org/2019/07/17/esquema-por-tras-sinodo-da-amazonia/

No Sínodo da Juventude do ano passado, certas questões


controversas (como a inclusão da linguagem LGBT) foram
antecipadas, mas a ênfase pesada do documento final sobre a
“sinodalidade” e a eclesiologia não era esperada. Que
surpresas reservam o Sínodo da Amazônia?
http://centrodombosco.org/2019/07/17/esquema-por-tras-sinodo-da-amazonia/
Segundo Julio Loredo, o pano de fundo não revelado do
Sínodo da Amazônia é que há décadas está em produção e
sendo desenhada uma “mudança de toda a Igreja” conforme a
“chamada teologia indigenista e ecológica”. Em termos de
eclesiologia, isso coincide com as visões mais extremadas dos
modernistas e progressistas.

O próximo Sínodo dos Bispos sobre a região da Amazônia é


um “esquema” que visa “renovar” a Igreja de acordo com “as
versões mais radicais da Teologia da Libertação”, afirmou o
autor peruano.

Julio Loredo, presidente do braço italiano da Tradição, Família e


Propriedade (TFP) e autor de “Teologia da Libertação: um salva-vidas
de chumbo para os pobres” (Associação Instituto Plínio Corrêa de
Oliveira, 2016), disse que o pano de fundo não revelado do Sínodo da
Amazônia é o de que há décadas está em produção e sendo desenhada
uma “mudança de toda a Igreja” conforme a “chamada teologia
indigenista e ecológica”.

“É uma completa renovação da Igreja sob um ponto de vista


„amazônico‟, que nada mais é que o auge da Teologia da Libertação”,
comentou Loredo ao LifeSiteNews, no dia 21 de junho.

Loredo, que trabalha como editor e colaborador do novo site Pan-


Amazon Synod Watch, lançado por uma coalizão internacional que
busca combater tais esforços, observou que essa visão “agora está
sendo proposta a toda a Igreja por um Papa da América Latina”.

“Isso é muito importante”, disse ele, acrescentando que essa visão, “em
termos de eclesiologia, também coincide com as visões mais
extremadas dos modernistas e progressistas”.

Loredo notou que o próximo Sínodo “está sendo preparado e composto


por uma rede muito bem organizada de movimentos e associações
indigenistas”, como a REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica).
“Todos os seus mentores vêm dos ramos do movimento da Teologia da
Libertação”, disse.

“Outro ponto a ser levantado”, acrescentou Loredo, “é que a


Encíclica Laudato si é o fundamento doutrinal do Sínodo”. Essa
Encíclica “tem partes inspiradas pela teologia da libertação ecológica,
ou eco-teologia, e partes baseadas em documentos da ONU, como a
Agenda 21 e o Tratado sobre biodiversidade”. Esses são tratados
obrigatórios para todos os países signatários da Cúpula da Terra, no
Rio de Janeiro, em 1992, explicou o autor peruano. “Esses documentos
foram estudados e propostos por pesquisadores da Internacional
Socialista que buscavam explorar formas de pós-socialismo e pós-
comunismo. Conceitos como „desenvolvimento sustentável‟ e
„crescimento negativo‟ foram lançados por esses documentos. Então,
não estamos falando apenas da Igreja na Amazônia”.

Loredo disse que está “impressionado” com a extensão com que o


Vaticano, por meio do Sínodo da Amazônia, está assumindo “a agenda
neo-pagã proposta pela ONU em conferências como a Rio 92 e a Rio
+20, de 2012”.

“Eu participei como jornalista da conferência de 1992, e estudei essas


questões a fundo”.

Sobre o documento preparatório e o Instrumentum laboris para o


Sínodo de outubro, Loredo disse que é preocupante o fato de que esses
documentos “abraçam a interpretação radical do „desenvolvimento
sustentável‟”.

Igualmente preocupante, disse, é a completa ausência de qualquer


coisa negativa sobre as tribos da Amazônia, algumas das quais
“praticam canibalismo, infanticídio e feitiçaria”.

“Para alguém como eu, que tem estudado a Teologia da Libertação e a


teologia indigenista por várias décadas, muitas coisas nesses
documentos são perfeitamente claras. Mas, para quem não acompanha
essas correntes, pode ser confuso ou pelo menos não totalmente
compreensível”.
Eis a nossa entrevista com o senhor Julio Loredo.

Senhor Loredo, responsável por lançar o site “Pan-Amazon


Synod Watch”, que garantia pode dar aos leitores de que irão
encontrar nele uma fonte confiável de informação a respeito
das questões que envolvem o Sínodo de outubro?

O site foi organizado por uma rede de associações conservadoras. Ele


pertence oficialmente ao Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, em São
Paulo, Brasil. O doutor Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995) estudou
as chamadas correntes indigenistas já dentro da Igreja desde o início
dos anos 1970. Mas é um site que envolve não só a Tradição, Família e
Propriedade, mas também outras associações conservadoras
internacionais.

Ele contém artigos escritos por especialistas renomados, cientistas,


filósofos e professores; por isso, o material é altamente acadêmico. Por
exemplo, ele traz artigos do professor Evaristo Miranda, que é um dos
maiores especialistas do mundo sobre a Amazônia. O doutor Miranda é
chefe da EMBRAPA, responsável pelo monitoramento por satélite da
Amazônia no Brasil. Como deve saber, o Brasil tem o seu próprio
programa espacial. O sistema de satélite no Brasil é altamente
desenvolvido. A EMBRAPA Monitoramento por Satélites é um órgão
do governo que monitora a Amazônia, e o professor Miranda é o seu
chefe. Há muitos artigos do professor Miranda, assim como de
ecologistas de ponta dos Estados Unidos e de outros países. Muitas
figuras de credibilidade estão escrevendo para o site.

O Vaticano publicou o Instrumentum laboris para o Sínodo da


Amazônia no início deste mês. Ele atraiu consideravelmente a
atenção da mídia, principalmente por sugerir um relaxamento
no celibato sacerdotal para a região amazônica. Na sua visão,
o que a mídia, o clero católico e os fiéis de um modo geral
devem saber a respeito do Sínodo? Onde devemos focar nossa
atenção?
Há uma história não contada que não recebeu atenção suficiente da
mídia ocidental. O Cardeal Pedro Barreto, vice-presidente do REPAM
(Rede Eclesial Pan-Amazônica), disse de forma muito clara nos últimos
dias que o plano que pretendem realizar no Sínodo é aquele no qual
têm trabalhado por quase 50 anos. Então, há todo um plano, todo um
esquema por trás do Sínodo, e que consiste na introdução da chamada
teologia da libertação indigenista, desenvolvida ao longo dos últimos
40 ou 50 anos. Seria agora o momento de propô-la à Igreja inteira.

A imprensa europeia está focando no celibato sacerdotal e na possível


“ordenação” diaconal de mulheres. Ambos são aspectos muito
importantes do plano; mas há toda uma história por trás disso. O que
eles querem é mudar a Igreja inteira de acordo as versões mais radicais
da Teologia da Libertação – a chamada teologia indigenista e ecológica.

Eu tenho acompanhado isso por muitas décadas. Em 1977, Plinio


Corrêa de Oliveira escreveu um livro sobre o tema, intitulado
“Tribalismo Indígena: o ideal comuno-missionário para o Brasil no
século XXI”, no qual descreve muito bem o que está acontecendo hoje.
Porém, esse panorama não está muito presente ou não é amplamente
conhecido pelo público europeu. Foi mais uma situação latino-
americana, e que está agora sendo proposta por um Papa latino-
americano para toda a Igreja, e isso é muito importante. Em termos de
eclesiologia, isso também coincide com as visões mais extremadas dos
modernistas e progressistas.

No Sínodo da Juventude do ano passado, certas questões


controversas (como a inclusão da linguagem LGBT) foram
antecipadas, mas a ênfase pesada do documento final sobre a
“sinodalidade” e a eclesiologia não era esperada. Que
surpresas reservam o Sínodo da Amazônia?

Se você ler os documentos preparatórios para o Sínodo, principalmente


o Instrumentum laboris, você verá que eles querem reinterpretar toda
a Igreja a partir de uma perspectiva “amazônica”. Chamam isso de uma
nova Igreja com “um rosto amazônico”. Eles querem reinterpretar a
Igreja como um todo, e esse é um ponto que, penso eu, a imprensa
europeia não está destacando o suficiente. Não é simplesmente o
problema de relaxar o celibato sacerdotal, por mais importante que ele
de fato seja, ou o problema da ordenação de mulheres. É uma completa
renovação da Igreja sob um ponto de vista “amazônico”, que nada mais
é que o auge da Teologia da Libertação.

Se eles conseguirem, será a revolução mais perniciosa que já aconteceu


na história da Igreja.

Na coletiva de imprensa para apresentar o Instrumentum


laboris (clique aqui para conferir), no dia 17 de junho,
o LifeSiteNews abordou os organizadores do Sínodo sobre
isso. Questionamos: “Lendo o documento de trabalho, temos a
impressão de que a ideia não é somente ajudar a Amazônia,
mas dar ao restante da Igreja ‘um rosto amazônico’, expressão
que o Papa Francisco utilizou várias vezes. Esse Sínodo trará
implicações e ramificações para o restante da Igreja?”. O Bispo
Fabio Fabene, sub-secretário do Sínodo dos Bispos, respondeu
insistindo que o Sínodo é dedicado apenas à Amazônia. Mas
ele acrescentou que poderia ter repercussões “a partir de um
ponto de vista pastoral para a Igreja, especialmente… no
campo da ecologia”.

Exatamente. Eles estão propondo uma série de ideias, como a


“conversão à ecologia integral”, que seria válida para toda a Igreja.
Estão utilizando o Sínodo da Amazônia para propor um novo modelo
de Igreja.

O senhor acredita que os povos indígenas estão sendo


explorados para realizar a revolução eclesial que descreveu?

O Sínodo está sendo preparado e composto por uma rede muito bem
organizada de movimentos e associações indigenistas, como a
mencionada REPAM. Todos os seus mentores vêm dos ramos do
movimento da Teologia da Libertação que, em anos mais recentes,
desenvolveram-se nesse sentido e no sentido de uma “ecologia
integral”. Em tal jornada, eles envolveram índios amazônicos
altamente engajados, como o Chefe Kayapó Raoni. Mas duvido que ele
represente a maioria dos povos indígenas. Conhecendo muito bem a
realidade da Amazônia, eu diria que a imensa maioria quer se integrar
à sociedade moderna.

Outra passagem do Instrumentum laboris que causa


preocupação é o n. 127. Ela diz que a “autoridade” na
Amazônia é “rotativa” e, por isso, seria oportuno “reconsiderar
a ideia de que o exercício da jurisdição (poder de governo)
deve estar vinculado em todos os âmbitos (sacramental,
judicial e administrativo) e de maneira permanente ao
sacramento da ordem”.

Como eu disse, eles querem renovar toda a Igreja a partir de uma


perspectiva “amazônica”. Um capítulo do Documento preparatório
trata da “dimensão sacramental”, e estabelece que os Sacramentos
devem ser interpretados sob essa luz, inclusive o Sacramento da
Ordem. É óbvio que estão usando o “rosto amazônico” como pretexto
para implementar um antigo esquema progressista: a confusão relativa
ao sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio sacramental do clero.
Eles querem atenuar, senão destruir, a autoridade da Igreja. Eles têm
uma visão igualitária da Igreja e da sociedade.

Dito isso, qualquer um que tenha estado na Amazônia sabe muito bem
que a autoridade nas tribos indígenas é tudo menos “rotativa”. Tribos
indígenas têm uma estrutura ditatorial, em que o poder do chefe é
superado somente pelo poder do feiticeiro.

Outro ponto a ser levantado é que a Encíclica Laudado si é o


fundamento doutrinal do Sínodo. Essa Encíclica tem partes inspiradas
pela teologia da libertação ecológica, ou eco-teologia, e partes baseadas
em documentos da ONU, como a Agenda 21 e o Tratado sobre
biodiversidade. Esses são tratados obrigatórios para todos os países
signatários da Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992 [1]. Esses
documentos foram estudados e propostos por pesquisadores da
Internacional Socialista [2] que buscavam explorar formas de pós-
socialismo e pós-comunismo. Conceitos como “desenvolvimento
sustentável” e “crescimento negativo” foram lançados por esses
documentos. Então, não estamos falando apenas da Igreja na
Amazônia.

Nos últimos anos, o Vaticano parece ter reforçado sua


cooperação com a ONU.

Exatamente. Uma coisa que me impressiona quanto à Encíclica


Laudato Si e o Sínodo da Amazônia é a extensão com que o Vaticano
está assumindo a agenda neo-pagã [3] proposta pela ONU em
conferências como a Rio 92 e a Rio +20, de 2012. Eu participei como
jornalista da conferência de 1992, e estudei essas questões a fundo.

Para além do que já comentamos, o que as pessoas acharão


mais surpreendente quanto à situação na Amazônia descrita
para este Sínodo?

Penso que os europeus, e em geral os povos ocidentais, ficarão


chocados com a proposta do Sínodo de colocar as tribos amazônicas
como portadoras de uma nova revelação para o nosso tempo, e que isso
irá renovar toda a visão da Igreja e do Catolicismo. Eles chamam a
Amazônia de “lugar epifânico”, uma “fonte de revelação divina”
(Instrumentum laboris, n. 19). O que eles entendem por nova
revelação indigenista para o mundo do século XXI? Isso é muito
preocupante.

Outra coisa que pode chocar as pessoas é o fato de que eles abraçam a
interpretação radical de “desenvolvimento sustentável”. É dito que o
nível de consumo hoje está muito além da capacidade da Terra de
produzir comida e materiais. Assim, teríamos que reduzir
drasticamente o nosso nível de consumo, adotando modelos de maior
austeridade e pobreza. Aqui entra o modelo tribal. Eles dizem que os
índios podem nos ensinar a sermos pobres e ainda felizes. Estão
propondo a doutrina do “bem viver” (Instrumentum laboris, n. 12, 13)
– que não é viver na abundância, e sim na pobreza, mas em perfeita
comunhão com a natureza. É o “bem viver”. Eles estão contra a
industrialização, contra não apenas o consumismo, mas
verdadeiramente contra o consumo. Dizem que temos que reduzir
nossos níveis de consumo, porque a Terra não pode suportá-los. Isso
também é muito preocupante, pois significa que querem que
eliminemos uma série de benefícios trazidos pela civilização industrial.

Quando o senhor diz “eles”, a quem está se referindo?

Refiro-me às pessoas que na ONU propõem essa doutrina do


desenvolvimento sustentável e àquelas que na Igreja abraçam essa
mesma doutrina, que é uma parte essencial do que eles querem fazer
no Sínodo. Os documentos propostos para o Sínodo são muito claros.
Eles querem que os índios da Amazônia sejam os evangelizadores do
mundo.

Por meio do “bem viver”…

Exatamente. E isso também é muito chocante. Claro, como cristãos,


somos chamados a viver modesta e humildemente, a cuidarmos do
dom da criação, que nos foi confiado a uso por nosso Pai do Céu. Mas,
se interpretada de forma linear e tomada nas suas últimas
consequências, essa forma de pensar quer dizer que devemos renunciar
a muitos benefícios da sociedade moderna. Pense se as pessoas vão
abrir mão dos carros, eletricidade ou ar condicionado!

Na coletiva de imprensa de 17 de junho, Sandro Magister


observou que, enquanto o Instrumentum laboris contém
questões críticas sobre os Pentecostais ou a urbanização, ele
fala positivamente dos povos indígenas, sem abordar os males
do canibalismo, do infanticídio e de outras práticas pagãs que
ainda estão presentes em algumas tribos.

Ou feitiçaria. O documento preparatório e o Instrumentum laboris,


assim como as declarações das pessoas envolvidas com o Sínodo, estão
repletos de linguagem negativa com relação à industrialização, ou o
que o Papa Francisco chama de “extrativismo”, i.e., a extração de
material da terra; eles estão cheios de linguagem negativa sobre a
economia de livre mercado e a propriedade privada. Mas eles não têm
nada de negativo para dizer sobre as tribos amazônicas, algumas das
quais praticam o canibalismo, infanticídio e a feitiçaria. As tribos
indígenas são apresentadas de forma idílica, mas as tribos reais são
muito diferentes.

Há algo mais que o senhor gostaria de acrescentar?

Para alguém como eu, que tem estudado a Teologia da Libertação e a


teologia indigenista por várias décadas, muitas coisas nesses
documentos são perfeitamente claras. Mas, para quem não acompanha
essas correntes pode ser confuso ou pelo menos não totalmente
compreensível.

Porém, as portas do Inferno não prevalecerão. Devemos encarar essa


situação com serenidade e esperança, sabendo que Deus às vezes
permite que o seu rebanho seja testado na Fé para que prove ser digno.
E principalmente, não devemos nunca perder ou diminuir nossa
veneração pela Sé de Pedro.

Referências:
[1]: Cf. [https://en.wikipedia.org/wiki/Earth_Summit].
[2]: Cf. [https://www.socialistinternational.org/].
[3]: Cf. [https://edwardpentin.co.uk/amazon-synod-working-
document-criticized-for-serving-neo-pagan-agenda/].

Tradução de Bruno Braga, via Obra Missionária.


Categories: Blog, Sínodo da Amazônia17 julho, 2019
DOM CLÁUDIO
HUMMES EM EVENTO CONTRA
O GOVERNO BOLSONARO
http://centrodombosco.org/2019/09/06/dom-claudio-hummes-evento-contra-governo-
bolsonaro/

Por FratresInUnum.com, 4 de setembro de 2019 — Com Informações


do Estadão — O teatro da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (TUCA) hospedou o evento “Direitos já”, protagonizado por
partidos de esquerda e centro-esquerda, em oposição aos “retrocessos
do governo Bolsonaro”.

Ao lado de dezenas de políticos esquerdistas, pousa ninguém menos


que o arcebispo emérito de São Paulo, o cardeal Dom Cláudio
Hummes, relator do Sínodo Pan-Amazônico, a ser realizado dentro de
um mês, em Roma.
Numa entrevista anterior ao próprio Estadão, Dom Cláudio, falando
sobre as polêmicas entre o Sínodo da Amazônia e o governo, disse que:
“Foi na campanha eleitoral que começou tudo isso. O governo, que se
diz de direita, considera a Igreja de esquerda. Mas a Igreja não é
partido político. Não é de esquerda. Não aceita essa qualificação, essa
etiqueta. A Igreja é para todos”. E, mais adiante: “Esse governo
apresentou uma questão sobretudo de soberania nacional. Mas todos
sabemos que o Sínodo é da Igreja e para a Igreja. Não é para políticos,
militares e outros”.

Ainda ontem, sempre o próprio Estadão, publicou a notícia de que o


Vaticano vetou a participação de políticos com mandato entre os
participantes do Sínodo, negando o pedido do governo brasileiro,
principal interessado nas discussões, uma vez que a maior parte do
território amazônico pertence ao Brasil.

Dias atrás, Dom Cláudio afirmou que quem critica o Sínodo da


Amazônia “têm interesses muito fortes que se sentem um tanto
ameaçados”.

A presença de Dom Cláudio num evento político de aberta oposição ao


governo Bolsonaro compromete não apenas a suposta neutralidade
política do Sínodo Pan-Amazônico, mas desmente as suas próprias
declarações anteriores. Um verdadeiro escândalo para os
católicos do Brasil.

Categories: Blog, Notícias, Sínodo da Amazônia6 setembro, 2019


“RUMO AO SÍNODO
PAN-AMAZÔNICO”: NOVO
DOCUMENTO PRÉ-SINODAL
QUER MUDAR A DOUTRINA
CATÓLICA
http://centrodombosco.org/2019/09/12/rumo-sinodo-amazonico-novo-documento-pre-
sinodal-mudar-doutrina-catolica/

O documento assinado em Bogotá por teólogos envolvidos na


preparação do Sínodo da Amazônia, e em resposta ao mesmo,
leva ao extremo o sincretismo para muitos aparente no
Instrumentum Laboris e propõe uma Igreja em ruptura com
tudo o que o antecede.
O documento com o título Rumo ao Sínodo Pan-Amazônico: desafios e
contribuições a partir da América Latina e do Caribe foi elaborado no
último mês de abril. Ele é o resultado de um encontro em Bogotá de
teólogos de duas organizações que promovem a Teologia da Libertação,
Amerindia e REPAM, informa o LifeSiteNews. O Instrumentum
Laboris faz referência explícita à reunião de Bogotá como parte do
processo preparatório do Sínodo.

Não há uma única religião verdadeira, e as religiões não cristãs podem


levar à “salvação”. Essas são algumas das conclusões do documento
publicado por teólogos participantes da preparação para o Sínodo da
Amazônia e que exaltam as tradições religiosas pagãs dos
índios amazônicos. Um exemplo: “Falta dialogar com outras
confissões religiosas, com outras racionalidades, com outras
cosmovisões (126), o que implica o passo „do exclusivismo intolerante a
uma atitude de respeito, de aceitar que o cristianismo não tem o
monopólio histórico da salvação‟. Isto é, uma mudança de paradigma
que se concretize ao assumir que „a cristandade latino-americana foi
substituída por uma pluralidade de culturas e espiritualidades‟ (128),
permitindo uma aproximação respeitosa junto ao mundo multi-étnico,
multicultural e multi-religioso que oferece o mapa das religiões
amazônicas para pensar uma teologia e uma espiritualidade
indígena”.

O documento redefine a Eucaristia como um ato simbólico da


comunidade, ataca o sacerdócio hierárquico do Novo Testamento,
enquanto pede às autoridades eclesiásticas que abram a possibilidade
da ordenação de sacerdotisas para “superar uma perspectiva
patriarcal”, sugerindo uma oração que se refere a Deus
como “Pai e Mãe da vida”.

Estas são algumas das propostas concretas para a evangelização da


Amazônia:

– Acolher e apoiar a teologia indígena, afro-americana, feminista e a


ecoteologia, como suporte para a configuração de uma Igreja com rosto
próprio;

– Criar novos ministérios, em especial para leigos e leigas, sobretudo fora da


comunidade cristã, na defesa e promoção da vida e de uma ecologia integral;
– Formar um clero próprio, com rosto amazônico, segundo o perfil das
culturas locais;

– Superar estruturas e modos de organização da Igreja que não somam para a


sinodalidade eclesial, como o clericalismo, o paroquialismo, o universalismo
de movimentos eclesiais e o isolamento de algumas igrejas locais.

– Garantir a celebração da Eucaristia aos domingos nas comunidades


eclesiais com a ordenação de presbíteros casados.

– Estabelecer a oportunidade de ordenação de mulheres ao diaconato e a


criação de outros ministérios próprios, conforme as necessidades da igreja
local.

Tradução de Bruno Braga para o blog Obra Missionária,


via Infovaticana.
Categories: Blog, Sínodo da Amazônia12 setembro, 2019
PADRES CASADOS E
SACERDÓCIO FEMININO:
“ROMPIMENTO DEFINITIVO”
COM A TRADIÇÃO, DIZ
CARDEAL SARAH
http://centrodombosco.org/2019/09/04/padres-casados-sacerdocio-feminino-

rompimento-definitivo-tradicao-cardeal-sarah/
O Cardeal africano Robert Sarah, prefeito da Congregação para
o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, escreveu em
seu livro mais recente que, se o próximo Sínodo da Amazônia
permitir a ordenação sacerdotal de homens casados e a
composição de “ministérios para mulheres e outras
incongruências do tipo”, a situação seria “extremamente
grave” por estarem os padres sinodais rompendo com a
doutrina e a tradição católica.

“Se, por falta de fé em Deus e por efeito da miopia pastoral, o Sínodo


da Amazônia decidisse sobre a ordenação de viri probati, a composição
de ministérios para as mulheres e outras incongruências desse tipo, a
situação seria extremamente séria”, ele escreveu.

“Decisões assim seriam ratificadas sob o pretexto de que são a


provenientes da vontade dos padres sinodais? O Espírito sopra onde
quer, é claro, mas Ele não se contradiz e não cria confusão e desordem.
É, antes, Espírito de sabedoria. Nestas questões de celibato, Ele já falou
através dos pontífices e dos concílios”, continuou ele.

“Se o Sínodo da Amazônia tomasse decisões nessa direção, romperia


definitivamente com a tradição da Igreja Latina”,
acrescentou.

O cardeal Sarah fez os comentários em seu livro Le soir approche et


déjà le jour baisse (“A noite se aproxima e o dia já declinou”),
publicado em março.

À medida que se aproxima o Sínodo (acontecerá entre os dias 6 a 27 de


outubro), um número crescente de cardeais e bispos católicos têm
expressado preocupação em estar o sínodo sendo utilizado para
promover a ordenação sacerdotal de homens casados na Amazônia,
além do início da ordenação feminina ou, pelo menos, inventando uma
forma de diaconato feminino.

O Cardeal Sarah abordou diretamente ambas as questões em seu livro e


expressou especificamente sua oposição a uma evolução do celibato
sacerdotal e do papel das mulheres na Igreja, dentro do contexto do
próximo Sínodo.

O Cardeal criticou o documento de trabalho do Sínodo para a


Amazônia por apresentar “tudo menos uma solução” para os
problemas daquela região, sustentando a ideia de que dar àquele
povo menos do que a Igreja normalmente ordena não é a
resposta para as dificuldades específicas que enfrentam.

No início do livro, o Cardeal Sarah fala, de forma prolongada, sobre o


valor do celibato e da castidade perfeita para aqueles que, estando
“configurados para Cristo”, devem seguir Seu exemplo e se entregarem
corpo e alma à Igreja, da mesma maneira que Jesus Cristo é
verdadeiramente o Esposo da Igreja. Ao citar a antiga prática da Igreja
em exigir a continência completa de homens casados que se tornariam
padres – ainda que continuassem a viver sob o mesmo teto que suas
esposas –, o Cardeal faz um vínculo claro entre a celebração da
Eucaristia e a prática constante da Igreja, que desde então tem sido
sustentada por sua parte latina, sugerindo até que a Igreja Católica de
rito oriental faria bem em “evoluir” e retornar a esse estado.

Em seus comentários sobre a situação na Amazônia, o cardeal Sarah


comentou:

“Ouvi dizer que ao longo de seus 500 anos de existência, a igreja latino-
americana sempre considerou os indígenas incapazes de viver o celibato. O
resultado desse preconceito é visível. Existem poucos bispos e padres de
origem indígena, embora seja possível ver o início de algumas mudanças.”

Se isso é verdade e se esse julgamento por parte da Igreja foi válido,


não se discute isso agora. O certo é que, olhando mais de perto a
“teologia indígena” que o documento preparatório do Sínodo da
Amazônia já estava promovendo em 2018, o conceito de celebrantes
celibatários da liturgia é rejeitado, ao pegar por base as tradições
indígenas.
As observações do Cardeal Sarah sobre o próximo Sínodo foram
publicadas em março, meses antes da publicação do Instrumentum
Laboris no último mês de junho.

Via LifeSiteNews.
Categories: Blog, Sínodo da Amazônia4 setembro, 2019
CARDEAIS
CRITICAM DOCUMENTO DE
TRABALHO DO SÍNODO DA
AMAZÔNIA
http://centrodombosco.org/2019/09/05/cardeais-criticam-documento-trabalho-sinodo-
amazonia/
Os cardeais Walter Brandmüller e Raymond Burke escreveram cada um
uma carta em italiano a outros membros do Colégio Cardinalício,
fazendo uma grave denúncia de alguns pontos do documento de
trabalho (Instrumentum laboris) do Sínodo da Amazônia, que se
realizará no Vaticano de 6 a 27 de outubro.

“Em poucas semanas começará o chamado Sínodo da Amazônia. O que


se sabe até agora sobre o Sínodo não pode senão suscitar as mais sérias
preocupações. Alguns pontos do Instrumentum laboris parecem não só
estar em dissonância com o ensino autêntico da Igreja, mas são
contrários a Ela”, afirma por sua parte o Cardeal alemão Walter
Brandmüller em sua carta datada em 28 de agosto.

“Como mostra a experiência destes últimos sínodos, deve-se temer


tentativas não só de manipular a sessão sinodal mas as de exercer
fortes pressões sobre ela”, alertou.

A seguir o Cardeal expressou sua preocupação sobre a participação do


Cardeal brasileiro Claudio Hummes, que preside a Rede Eclesiástica
Pan-amazônica (Repam), instituição que, segundo o Bispo Emérito de
Marajó (Brasil), Dom José Luis Azcona, teve um papel protagonista na
redação do texto.

“O simples fato de que o Cardeal Hummes seja seu presidente lhe


possibilitará uma grave influência no sentido negativo, e, isto
nos basta para que nossa preocupação seja fundamentada e realista, de
igual maneira no caso da participação dos bispos (Erwin) Kräutler,
(Franz-Josef) Overbeck, etc.”, afirma o Cardeal Brandmüller.

Recorda-se que Dom Overbeck se manifestou em maio deste


ano a favor da “greve de mulheres” na Alemanha, uma espécie
de protesto à negativa do Papa Francisco à proposta de ordenar
diaconisas; e que Erwin Kräutler, que serve como vice-presidente da
Repam, defende a ordenação sacerdotal de homens casados.

O Cardeal Brandmüller advertiu também que “as formulações


nebulosas do Instrumentum, como a pretendida criação de novos
ministérios eclesiásticos para as mulheres e, sobretudo, a ordenação
presbiteral dos chamados viri probati, suscitam a forte suspeita de que
será colocado em questão até mesmo o celibato sacerdotal”.
O Instrumentum Laboris propõe, que no caso da Amazônia, a
ordenação de homens casados e de comprovada virtude poderá
compensar a ausência de sacerdotes em algumas regiões.

Ante esta situação, continuou o Cardeal que é perito em história da


Igreja e que foi também professor universitário, “teremos que
confrontar sérios ataques à integridade do Depositum fidei (o depósito
da fé), à estrutura hierárquico-sacramental e à Tradição Apostólica da
Igreja. Com tudo isto se criou uma situação nunca antes vista
em toda a história da Igreja, nem sequer durante a crise
ariana dos séculos IV e V.”

Ário foi um bispo que negava a divindade de Cristo, que logo seria
conhecida como a heresia do arianismo. Em seu tempo, um dos que a
combateu fortemente foi outro bispo, Santo Atanásio.

Em relação às ameaças que vê no Instrumentum laboris, o Cardeal


Brandmüller indicou que “aparece então a grave pergunta sobre como
nós cardeais, nesta situação historicamente inédita, podemos atuar à
altura de nosso solene juramento cardinalício e como poderemos reagir
a eventuais afirmações ou decisões heréticas do Sínodo”.

“Certamente você como cardeal já refletiu sobre a situação e inclusive


nos possíveis passos a dar em comum. Por isso espero que Sua
Eminência, por sua parte, tome a ocasião de corrigir, segundo o ensino
da Igreja, certas posições expressas no Instrumentum laboris do
Sínodo da Amazônia, usando também as redes sociais”, concluiu.

A carta do Cardeal Burke

Por sua parte, o Cardeal americano Raymond Burke assinalou em sua


carta, também datada no 28 de agosto, que compartilha “plenamente
as profundas preocupações do Cardeal Brandmüller sobre o iminente
Sínodo para a Amazônia, da forma como seu trabalho está previsto
no Instrumentum laboris”.

Além dos pontos mencionados pelo Cardeal alemão, o Cardeal Burke


advertiu que no documento de trabalho do Sínodo “a verdade
de que Deus revelou a Si mesmo plenamente e perfeitamente
através do mistério da Encarnação redentora de Deus Filho
não só está obscurecida; ela é negada”.

“Como consequência lógica, a missão da Igreja, a missão de


evangelização, é negada em favor de um „enriquecimento recíproco das
culturas em diálogo‟”, como assinala o numeral 122 do documento.

Desse modo, “o papel positivo da inculturação na missão de


evangelização está sendo contrariado, ao ponto que a cultura
condiciona a verdade revelada, em vez de ser a verdade revelada
quem purifica e eleva toda cultura”, prosseguiu.

Além disso, alertou, alguns pontos comentados pelo Cardeal


Brandmüller “fazem pressagiar uma apostasia da fé
católica”.

“Que nosso ensino, pela graça de Deus, seja eficaz para combater a
grande ameaça à Igreja no momento presente. Que a Virgem Mãe de
Deus, São José, protetor da Igreja Universal, os Santos Pedro e Paulo, e
os grandes Santos cardeais intercedam fortemente pelo Colégio de
Cardeais nestes tempos inquietos e inquietantes”, concluiu.

Via ACI Digital.


Categories: Blog, Sínodo da Amazônia5 setembro, 2019
DOM AZCONA: SEM
CONVERSÃO A CRISTO NÃO
HÁ FUTURO PARA A
AMAZÔNIA
http://centrodombosco.org/2019/09/10/dom-azcona-sem-conversao-cristo-nao-futuro-para-
amazonia/
Respondendo a um recente artigo do relator do Sínodo para a
Amazônia, Cardeal Claudio Hummes, o bispo prelado emérito
de Marajó, Dom José Luis Azcona, ressalta que o objetivo do
Sínodo deve ser uma renovação da fé para torna-la
missionária, e assevera que “sem este objetivo, sem
conversão em sentido estrito, não tem Sínodo, nem futuro para
a Amazônia”.

O artigo que Dom Azcona comenta em seu trabalho está tomado de um


artigo de Dom Hummes publicado no L’Osservatore Romano (6 de
agosto 2019), intitulado “Relançar uma Igreja próxima e dialogante”.

“Este escrito quer ser um pequeno comentário a este artigo com


harmonias e dissonâncias sobre o mesmo. O Senhor Cardeal, Relator
do Sínodo na trilha do Discurso do Santo Padre em Rio de Janeiro por
ocasião da JMJ (2013) aos Bispos do Brasil, coloca em evidência dois
objetivos importantes a destacar para o próximo Sínodo: A conversão
missionária e a esperança”, escreve o prelado ao iniciar seu artigo,
enviado em exclusiva para a ACI Digital.

A respeito da conversão missionária, abordada no artigo do Cardeal


Hummes, Dom Azcona refere: “Ser missionário é ser cristão. E para ser
cristão precisa arrependimento, conversão e homem novo (Atos 2,38).
Os Onze terão que ser testemunhas disso: „Que em seu Nome seja
proclamado o arrependimento para a remissão dos pecados a todas as
nações, a começar por Jerusalém.‟ (Lc 24, 47-48) É o que repete
fielmente Aparecida exortando a conversão pessoal dezessete vezes e
dela fazendo depender a conversão pastoral e missionária. É do
„encontro pessoal com Cristo‟” (Ibid), encontro transformante, que
nasce o cristão, o homem novo, o missionário. Da mesma maneira,
como destaca a Laudato Si, a conversão ecológica nasce e tem seu
fundamento nesta conversão pessoal, “no encontro pessoal e
transformante com Cristo”.

“Sem este objetivo, conversão em sentido estrito, não tem


Sínodo, nem futuro para a Amazônia”, afirma.
“Na verdade, se trata da falta de fé na Igreja e na Amazônia. Falta de fé
que impede a conversão missionária. “O impulso missionário sempre
foi um sinal de vitalidade, assim como a sua diminuição constitui um
sinal de crise de fé” (Redemptoris Missio, n. 2). São João Paulo II deixa
bem claro que a finalidade desta Encíclica é a renovação da fé e da vida
cristã. “De fato a missão renova a Igreja, revigora a sua fé e identidade,
dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É dando a fé que ela se
fortalece!” (Ibid).

“Portanto o objetivo central do Sínodo é suscitar, renovar a fé e assim


fazê-la missionária. Qualquer outro objetivo entra na região
dos fantasmas, do inútil”, escreveu Dom José.

Ainda para o emérito de Marajó é vital assinalar que “Não há missão na


América Latina, nem na Amazônia sem este Novo Pentecostes
(Aparecida 548-549; 362)”. “Esta é a única maneira de enfrentar o
cansaço, o desânimo, a desilusão, a tristeza e a falta de esperança em
tantos evangelizadores da Amazônia!”.

“O segundo eixo para descrever o Objetivo do Sínodo para a Amazônia


na mente de Dom Claudio, é a esperança: „Reacender as esperanças
frustradas e superar os sentimento de desanimo‟”, prossegue.

“A resposta do Senhor Cardeal nasce de um impulso nobre: „não


devemos ceder ao medo‟, „nem ao desencanto, nem as lamentações,
nem ao sentimento de uma estação perdida‟. Também a Amazônia se
encontra nessa situação… Parece que a colheita de séculos de missão
esteja a perder-se, muitos caminham sozinhos, sem meta, com o seu
próprio desencanto”.

Porém, esclarece Dom José Azcona, “isto não é „dar razão da nossa
esperança a todo aquele que nô-la pede‟ (1 Ped. 3,15). Tampouco diante
dos pagãos de hoje, também da Amazônia, que vivem sem esperança
(Ef 2, 12; 1 Tess 4,13). As motivações, apresentadas por D. Claudio,
para suscitar e manter a esperança não são propriamente cristãs e,
portanto, se perdem no vazio sem possibilidade alguma real de superar
o desânimo e a tristeza”.
Para Dom Azcona, “a necessária conexão entre fé e esperança, aquela
fundamentando e sendo princípio desta, fica completamente
esquecida”.

“Paulo nos lembra, pelo contrário: „Tendo sido, pois, justificados pela
fé, estamos em paz com Deus (Rm 5,1)… E na qual (fé) estamos firmes
e nos gloriamos na esperança na gloria de Deus (v. 2)… E a esperança
não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos
corações pelo Espírito Santo que nos foi dado‟ (v. 5)”.

Assim, o Prelado reitera críticas já feitas a Instrumentum Laboris do


Sínodo, afirmando: “a esperança, segundo IL e o Objetivo (do Sínodo),
são inexistente, sumindo desta maneira ao leitor na angustia, nas
tristezas mais profundas diante da situação da Igreja e do mundo em
geral e mais em particular, da Amazônia”.

“Como quem dá consistência e perseverança a esperança, é o amor e


este consiste no amor do Crucificado e do Pai que o entrega a morte aos
próprios inimigos (Rm 5, 6-11), no Objetivo do Sínodo não se fala
uma palavra sobre amor”.

“Carregados de pelagianismo, tão justa e providencialmente fustigado


pelo Santo Padre, de conselhos ingênuos sobre utopias, esperanças
„penúltimas‟, „pequenas‟ por muito justas que sejam, silencia de modo
alarmante a „Grande Esperança‟ (Spe Salvi). O moralismo bem
intencionado dos dois textos com exortações, imperativos, conselhos
sobre a necessidade de manter o ânimo, a esperança e o entusiasmo se
perdem na noite do nada, se diluem diante do indicativo absoluto:
„Deus estava reconciliando o mundo consigo e colocando em nós a
palavra da reconciliação‟ (2Cor 5,18-19). Daqui nasce a profunda
convicção, a certeza alegre orgulhosamente proclamada por Paulo:
„Assim, se Deus está conosco quem estará contra nós?… Quem nos
separará do amor de Cristo?… Em tudo isto somos mais que
vencedores, graças aquele que nos amou‟ (Rm 8, 31-37)”, expressa
Dom José.

“Por isso, tanto o IL como o Objetivo destilam um sentimento difuso de


tristeza, de desanimo, de derrota anunciada. Ao máximo a que chegam
os dois textos e neles alguns grupos indígenas especialmente com o
„bem viver‟ ou com a „terra sem males‟, é a „nostalgia do totalmente
Outro‟ que permanece inacessível, no grito do desejo dirigido sem
resposta a história universal e a toda a criação (Horkheimer). Ou,
chegariam com Adorno, filósofo também da escola de Frankfurt, a uma
cosmovisão exigida pela racionalidade „onde fosse anulado o
sofrimento presente; Isto segundo ele seria impossível sem a
Ressurreição corporal dos mortos. Portanto, algo completamente
estranho para o idealismo assim como a visão da „terra sem males‟
(Cf. Spe Salvi, n. 42)”.

“Assim”, segundo o Prelado emérito, “se perpetuam no mundo,


também na Amazônia, a nostalgia, a fome e sede devoradoras pela
realização plena do homem e da história. As utopias mais luminosas, as
profecias mais ardentes por justiça, nunca encontrarão realização se
não é a partir da Cruz de Cristo: „Salve Crux, Spe Única: Salve
Cruz, Esperança única‟”.

“Unicamente assim, o Sínodo poderá se erguer como profeta,


testemunha e servidor da esperança. Porque „a fé é uma posse
antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as realidades que
não se veem‟ (Hb 11,1)”, concluiu Dom Azcona.

Via ACI Digital.


Categories: Blog, Sínodo da Amazônia10 setembro, 2019
BRASIL TERÁ PRIMEIRA
“CATEDRAL” INDÍGENA NA
AMAZÔNIA FINANCIADA PELO
VATICANO
http://centrodombosco.org/2019/09/11/brasil-primeira-catedral-indigena-amazonia-
financiada-vaticano/

Templo religioso será construído no coração da reserva


Yanomami, a maior terra indígena do Brasil.

Até 2022 o Brasil terá uma “Catedral Indígena Yanomami” no coração


da floresta amazônica. A confirmação oficial vem da própria Igreja, que
há poucos dias recebeu a aprovação do Papa Francisco para iniciar a
construção, estimada inicialmente em R$ 800 mil. Metade deste
valor já foi repassado pelo Vaticano para as autoridades
católicas em terras brasileiras.

Batizado de Igreja Matriz Nossa Senhora de Lourdes, em razão da


devoção dos índios a Nossa Senhora, o templo religioso ficará no
extremo noroeste do país, no território da maior terra indígena do
Brasil – a Yanomami, com 9,6 milhões de hectares, homologada em
1992 pelo então presidente Fernando Collor de Mello –, aos pés do Pico
da Neblina e a 13 horas distante de São Gabriel da Cachoeira, no estado
do Amazonas, que é a cidade mais próxima na região da tríplice
fronteira Brasil-Colômbia-Venezuela.

Pedido ao Papa

A ideia de ter uma “catedral” indígena partiu das próprias tribos da


região de Maturacá em 2016, quando procuraram o núncio apostólico
(embaixador da Santa Sé) no Brasil, o arcebispo italiano Dom Giovanni
D‟Aniello, e o bispo de São Gabriel da Cachoeira, Dom Edson Damian,
manifestando interesse de mais de dois mil índios.

“Eles nos disseram que gostariam de ter uma igreja próxima, que
identificasse a presença de Deus na comunidade”, relata o Padre
Thiago Faccini, que é assessor do setor de espaço litúrgico na Comissão
Episcopal Pastoral para Liturgia na Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB).

Com o sinal verde do Papa, a CNBB repassou o desafio aos arquitetos


Teresa Cristina Cavaco Gomes e Tobias Bonk Machado, da Creatos
Arquitetura, escritório de Curitiba que é referência nacional em
arquitetura religiosa e arte sacra.

“Desde o início nos preocupamos em desenvolver um


projeto inculturado. Em nenhum momento se quer mudar a
maneira como eles se relacionam, como enxergam o mundo e a si
próprios. Será uma fusão da cultura deles com o cristianismo. Nunca
haverá uma substituição, mas sim haverá o respeito entre
as duas crenças. A arquitetura acompanhará isso. Será ao jeito
deles, moldando-se à comunidade”, destaca Bonk, que mergulhou por
alguns dias na cultura Yanomami e conversou com as principais
lideranças indígenas para começar a pensar na catedral.
“Procuramos um projeto que tivesse uma igreja com a cara da comunidade
local, mas que também fosse sustentável e que não exigisse tanta
manutenção”, explica o Padre Faccini. “Símbolos cristãos devem se
harmonizar com o rosto da comunidade. A caso de Nossa Senhora de
Guadalupe é o maior exemplo, em que a própria aparição respeitou o povo e
sua história, com cores e significados indígenas.”

É essencial também que a obra seja totalmente participativa. “Haverá


profissionais de fora na construção, sim, mas tudo que os índios
puderem fazer, eles irão participar. Até as obras sacras serão
produzidas por eles, com tramas artesanais e murais de sementes”,
esmiúça o arquiteto.

O projeto

O ponto de partida foram as construções típicas de madeira e palha em


forma circular, conhecidas como shabonos, que funcionam como
aldeias-casa, onde todos da tribo convivem. Ao centro desse edifício,
uma abertura cria um pátio comunitário, onde os índios tomam banho
de sol e chuva, e por onde, durante os rituais de
pajelança, acreditam que os espíritos entram para se
comunicar com os vivos.

Por isso a igreja também será circular, com 32 metros de diâmetro,


representando a igualdade, a unidade, e o próprio Cristo como centro
de tudo. O „furo‟ na estrutura também existirá para respeitar o
elemento de ligação com o mundo espiritual. “No próprio credo
católico se fala da comunhão dos santos, da junção da Igreja Militante
com a Igreja Celeste”, esclarece o Padre. “Eles acreditam que seus
ancestrais descansam no alto do Pico da Neblina, por isso pediram uma
igreja alta, que terá 25 metros de altura.”

A igreja terá oito lados, número que representa o renascimento em


Jesus Cristo, com 875,49 m² e capacidade para 500 pessoas. Ela será
dividida em três camadas. O externo, na área ao redor da igreja, para as
pessoas se encontrarem antes das celebrações; um de transição entre o
espaço de fora e o espaço sagrado; e o interior para a realização dos
rituais. Todas as paredes são tramadas em madeira e palha, garantindo
a vedação necessária e a ventilação dia e noite.

A estrutura será levantada bem próxima a uma área de missão da


Congregação Salesiana, que há mais de 50 anos mantém alguns padres
na região. Atualmente existem apenas três sacerdotes que atendem
dois mil índios das tribos circundantes. No local existe uma residência
dos padres, uma pequena capela, um salão comunitário, banheiros e
uma quadra esportiva.

O projeto arquitetônico da “Catedral Indígena Yanomami” será


apresentado oficialmente durante o 12º Encontro Nacional de
Arquitetura e Arte Sacra que acontecerá em Castanhal, no Pará, entre
os dias 17 e 21 de setembro de 2019.

Desafio logístico

Uma das maiores dificuldades do projeto reside no transporte para a


obra, por isso os arquitetos previram materiais e recursos construtivos
da própria região, como o emprego da madeira, de pedras e das
técnicas construtivas dos Yanomami, como tramas e amarrações, tudo
com as devidas autorizações.

Bonk conta que ainda estão sendo feitos estudos complementares para
o projeto. As obras são esperadas para começar no segundo semestre
de 2020 e levarão 18 meses para serem concluídas. Todas as devidas
autorizações e licenças para a construção seguirão o rito normal, como
previsto pelas leis brasileiras.

Via Gazeta do Povo.


Categories: Blog, Heresias11 setembro, 2019

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