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QUINTA - 24/1/19

MEDICINA

Está mais fácil tratar aneurismas

O dispositivo inovador permite tratar doenças da aorta torácica, grupo patológico ao qual pertencem os aneurismas
O Expresso esteve no bloco operatório da primeira cirurgia em Portugal com aplicação de um
novo modelo de endoprótese, efetuada esta quinta-feira no Centro Hospitalar Universitário do
Porto

TEXTO ANDRÉ MANUEL CORREIA FOTOS RICARDO CASTELO/ NFACTOS

Os ponteiros do relógio marcam as oito da manhã. António Silva está sentado na cama, já com
a bata vestida. A mulher, Rosa da Silva Moreira, terá de esperar, num frenesim angustiante, uma
hora em que os minutos parecem arrastar-se lentamente para voltar a ver o marido que, durante
grande parte da vida, trabalhou na construção civil. Pintava casas, mas o quadro clínico tingiu-se
de cinzento aos 69 anos, quando as paredes da aorta ameaçaram ceder. Através de um diagnóstico
ocasional, os médicos conseguiram identificar, atempadamente, uma úlcera penetrante.

A patologia integra um leque de doenças da aorta endovascular torácica, no qual se destacam os


aneurismas, lesão que pode levar à morte e afetar, aproximadamente, seis em cada 100 mil
pessoas, sobretudo homens, fumadores, com mais de 65 anos.

António cumpre todos os requisitos. Fumava um maço e meio - 30 cigarros - todos os dias, mas
há três meses que deixou o vício. “Não quero mais tabaco na minha vida”, assegura ao Expresso.
Bem-disposto, mas com um sorriso tímido, está prestes a entrar para o bloco operatório do Centro
Hospitalar Universitário do Porto.

Santos da casa não fazem milagres, mas a saúde deste paciente está ao cuidado dos profissionais
do Santo António. “Espero que tudo corra bem, caramba! Estou ansioso”, confessa o doente.
Totalmente relaxados, antes da operação, estão os cirurgiões Rui Machado e Rui Almeida,
sentados numa poltrona, enquanto conversam sobre o jogo da Taça da Liga em que dois Sportings
se enfrentaram, o de Portugal e o de Braga. “Acho que para o Porto é melhor o Sporting, porque o
Braga é uma equipa mais acutilante”, assegura Rui Machado.

Enquanto a equipa médica vai aquecendo para a intervenção cirúrgica, com uma duração
estimada de uma hora, Rui Machado, que há 18 anos trata casos de doenças da aorta,
assintomáticas e de difícil rastreio, assevera que “a taxa de eficácia é de quase 100%”.

O especialista, de 54 anos, explica que o novo modelo da endoprótese Valiant Navion, que será
libertada na aorta de António Maia, “tem a vantagem de possuir um menor diâmetro”, menos
20% do que os dispositivos anteriormente utilizados. “Há doentes que não conseguimos tratar
por não conseguirmos passar os cateteres. Esta prótese, com um diâmetro inferior, vai facilitar a
colocação”, frisa o médico e professor.

“É HORA DAS MALDADES”


O caminho cirúrgico até chegar ao tórax é tão sinuoso, como necessário, no caso de António Maia,
já deitado no bloco operatório, depois ter sido transportado numa cadeira de rodas. “É hora das
maldades”, avisa, entre risos, uma das enfermeiras.
É o momento de ir à faca e tudo começa com uma incisão na virilha. “Temos de entrar pelas
artérias femorais, passando pelas artérias ilíacas, até chegar ao ponto da lesão na aorta”, indica
Rui Machado. Ali será colocada a endoprótese, evitando assim a progressão da dilatação e
consequente rutura. “A aorta é o vaso mais importante do organismo, por ser aquele que sai do
coração. Se houver uma rutura, a pessoa pode morrer exsanguinada”, adverte o responsável
clínico.

Não há, no entanto, motivos para alarme. “Temos, neste caso, um doente com uma úlcera da aorta
torácica que tem uma parede constituída por três camadas. Quando há uma rutura da camada
interna, denominada íntima ou média, gera-se uma úlcera”, explica Rui Machado, liderando uma
equipa de três cirurgiões, à qual se juntam os anestesistas, os enfermeiros e os técnicos de
radiologia que integram o serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do Centro Hospitalar do
Porto.

“Esta técnica pode ser feita até com anestesia local”, salienta o clínico que, no final, da intervenção,
garante que “o resultado foi excelente”, adiantando que António Maia terá alta médica dentro de
24 ou 48 horas. “Correu tudo como estava previsto”, começa por dizer Rui Machado. “Fizemos
uma abordagem cirúrgica da artéria femoral esquerda e a prótese comportou-se lindamente.
Tínhamos uma artéria ilíaca externa muito estreita, com 5,5mm, mas a prótese passou sem
qualquer fricção”, prossegue o timoneiro desta operação com recurso a uma aplicação. “Foi fácil
a libertação da prótese. Fizemos o controlo e estava tudo bem”, remata o cirurgião.

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