Você está na página 1de 9

CAPÍTULO 2

CIÊNCIA E ENGENHARIA DOS MATERIAIS

2.1 POR QUE ESTUDAR CIÊNCIA E ENGENHARIA DOS MATERIAIS?


Por que estudamos os materiais? Muitos cientistas e engenheiros mecânicos, civis, químicos,
elétricos, etc se deparam naturalmente com situações práticas relacionadas a projetos envolvendo
materiais. Os exemplos podem incluir uma engrenagem de transmissão, a superestrutura de um edifício,
um componente de uma refinaria de petróleo ou um chip de circuito integrado. Assim, os cientistas e
engenheiros de materiais são especialistas completamente envolvidos na investigação e no projeto de
materiais.
Muitas vezes, o problema consiste na seleção do material correto dentre muitos disponíveis.
Existem vários critérios nos quais a decisão final normalmente se baseia. Em primeiro lugar, as condições
de serviço devem ser caracterizadas uma vez que as mesmas determinarão as propriedades que o material
deverá possuir. Apenas raramente um material apresentará a combinação máxima ou ideal de
propriedades logo poderá ser necessário abrir mão de uma característica em favor de outra. O exemplo
clássico envolve a resistência mecânica e a dutilidade, ou seja, geralmente um material que possui uma
elevada resistência mecânica apresenta uma dutilidade limitada. Em tais casos, poderá ser necessário um
compromisso razoável entre duas ou mais propriedades. Um segundo critério de seleção relaciona-se a
qualquer deterioração das propriedades dos materiais que possa ocorrer durante a sua aplicação prática.
Por exemplo, reduções significativas na resistência mecânica podem ser provenientes da exposição a
temperaturas elevadas ou de ambientes corrosivos. Finalmente, o critério definitivo estará relacionado a
aspectos econômicos, isto é, quanto irá custar o produto final acabado? Assim, pode-se encontrar um
material com o conjunto ideal de propriedades, no entanto, com preço proibitivo. Novamente, algum
compromisso é inevitável. O custo de uma peça acabada também inclui qualquer despesa ocorrida durante
o processo de fabricação para a obtenção da forma desejada.
Dessa maneira, quanto mais familiarizado estiver um engenheiro com as técnicas de processamento
dos materiais assim como com as várias características da relação estrutura-propriedades, mais capacitado
estará para realizar a seleção adequada de um material com base nesses critérios.

2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS MATERIAIS


Os materiais sólidos foram convenientemente classificados em quatro grupos básicos: metais,
cerâmicos, polímeros e compósitos. Tal classificação está fundamentada principalmente na composição
química e na estrutura atômica dos mesmos. Uma explicação sucinta desses tipos de materiais e das
características representativas de cada um dos mesmos será apresentada a seguir. Uma outra classificação
é a dos materiais avançados, aqueles que são utilizados em aplicações de alta tecnologia como, por
exemplo, os semicondutores, os biomateriais, os materiais inteligentes e os nanomaterias. Os mesmos
serão, igualmente, discutidos em seguida.
2.2.1 Materiais Metálicos
Os materiais integrantes desse grupo são constituídos por um ou mais elementos metálicos (Ex: Fe,
Al, Cu, Ni, Co, Mn, Nb, Ti, Au, Ag, Fe-C, Al-Si, Cu-Sn, Al-Cu, Sn-Pb, Al-Cu-Si, Al-Mg-Si, etc) e,
frequentemente, também por elementos não-metálicos (Ex: C, N, O, etc) em quantidades relativamente
pequenas. Os átomos nos materiais metálicos encontram-se arranjados de maneira extremamente
ordenada, conforme será mostrado no Capítulo 4, e quando comparados aos cerâmicos, polímeros e
compósitos são relativamente densos conforme indicado na Figura 2.1.

Figura 2.1 – Densidade à temperatura ambiente de vários metais, cerâmicos, polímeros e


compósitos (Callister, 2007).

Em relação às características mecânicas, esses materiais são relativamente rígidos (Figura 2.2) e
resistentes (Figura 2.3) e dúteis, ou seja, são capazes de grandes quantidades de deformação plástica sem
sofrer fratura (Figura 2.4) o que justifica sua ampla utilização em aplicações estruturais.

Figura 2.2 – Módulo de elasticidade à temperatura ambiente de vários metais, cerâmicos, polímeros
e compósitos (Callister, 2007).
Figura 2.3 – Limite de resistência à tração à temperatura ambiente de vários metais, cerâmicos,
polímeros e compósitos (Callister, 2007).

Figura 2.4 – Resistência à fratura à temperatura ambiente de vários metais, cerâmicos, polímeros e
compósitos (Callister, 2007).

A Figura 2.5 mostra vários objetos comuns, bastante conhecidos, produzidos a partir de materiais
metálicos.

Figura 2.5 – Objetos fabricados a partir de metais e ligas metálicas (talher de prata, tesoura, moedas,
engrenagem, anel e uma porca e parafuso) (Callister, 2007).
2.2.2 Materiais Cerâmicos
Os materiais cerâmicos são compostos formados por elementos metálicos e não metálicos. Na
maioria das vezes consistem de óxidos, nitretos e carbetos. Como exemplos dos materiais cerâmicos mais
comuns podemos citar o óxido de alumínio ou alumina (Al2O3), o dióxido de silício ou sílica (SiO2), o
carbeto de silício (SiC), o nitreto de silício ((Si3N4), a porcelana, o cimento e o vidro. Em relação ao
comportamento mecânico, apresentam rigidez e resistência à tração compatíveis com as dos metais
(Figuras 2.2 e 2.3) além de elevado grau de dureza. Por outro lado, são extremamente frágeis e altamente
suscetíveis à fratura (Figura 2.4). Os materiais cerâmicos são tipicamente isolantes à passagem de calor e
eletricidade, conforme mostra a Figura 2.6, e são mais resistentes a altas temperaturas e a ambientes
severos do que os metais e polímeros.

Figura 2.6 – Condutividade elétrica à temperatura ambiente de vários metais, cerâmicos, polímeros
e semicondutores (Callister, 2007).

A Figura 2.7 apresenta vários exemplos de objetos produzidos a partir de materiais cerâmicos.

Figura 2.7 - Objetos fabricados a partir de materiais cerâmicos (tesoura, xícara de porcelana, tijolo
de construção, azulejo e vaso de vidro) (Callister, 2007).
2.2.3 Materiais Poliméricos
Os polímeros incluem os materiais plásticos e as borrachas. Muitos deles são compostos orgânicos
quimicamente baseados no carbono, no hidrogênio assim como em outros elementos não metálicos como
o oxigênio, o nitrogênio e o silício. Apresentam estruturas moleculares muito grandes, frequentemente na
forma de cadeias, que possuem átomos de carbono como ramo principal. Alguns exemplos de materiais
poliméricos bastante comuns são o polietileno (PE), o náilon, o cloreto de polivinila (PVC), o
policarbonato (PC), o poliestireno (PS) e a borracha de silicone. Esses materiais apresentam baixa
densidade (Figura 2.1) e características mecânicas diferentes daquelas exibidas pelos materiais metálicos
e cerâmicos, isto é, não são tão rígidos nem tão resistentes quanto aqueles tipos de materiais (Figuras 2.2
e 2.3). De maneira geral, são extremamente flexíveis (Ex: plásticos) e relativamente inertes em diversos
ambientes, contudo, apresentam baixa condutividade elétrica (Figura 2.6) e tendência em se decompor na
presença de baixas temperaturas o que limita bastante suas aplicações. A Figura 2.8 mostra diversos
produtos obtidos a partir de materiais poliméricos.

Figura 2.8 - Objetos fabricados a partir de materiais poliméricos (talher de plástico, bolas de bilhar,
capacete de bicicleta, dados, roda de cortador de grama e vasilhame para leite)
(Callister, 2007).

2.2.4 Materiais Compósitos


Um compósito é constituído por dois ou mais materiais individuais que se enquadram nas
categorias estudadas anteriormente. Os principais objetivos de um material compósito são: (a) apresentar
um conjunto de propriedades de interesse prático, difícil de ser proporcionado por qualquer outro material
isoladamente e (b) incorporar as melhores características de cada um dos materiais componentes. Existem
vários tipos de compósitos que são representados por diferentes combinações de metais, cerâmicos e
polímeros. Um dos compósitos mais comuns é o que utiliza fibras de vidro no qual essas fibras são
embutidas no interior de um material polimérico, geralmente um epóxi ou um poliéster. As fibras de vidro
são relativamente rígidas, resistentes e frágeis, enquanto o polímero é flexível, não resistente e dútil.
Dessa forma, o compósito resultante com fibra de vidro será relativamente rígido (Figura 2.2), resistente
(Figura 2.3), flexível, dútil além de possuir baixa densidade (Figura 2.1). Um outro exemplo
tecnologicamente importante desses materiais é o compósito de polímero reforçado com fibras de carbono
(PRFC). Esses materiais são mais rígidos e resistentes que os reforçados com fibras de vidro (PRFV)
sendo, no entanto, mais caros. Os compósitos de PRFC são empregados na indústria aeroespacial, na
indústria aeronáutica assim como em equipamentos esportivos de alta tecnologia como bicicletas, tacos
de golfe, raquetes de tênis, esquis e pranchas de snowboard.

2.2.5 Materiais Avançados


Os materiais avançados são aqueles empregados em aplicações de alta tecnologia. Por alta
tecnologia, entendemos produtos que funcionam utilizando princípios relativamente sofisticados tais
como equipamentos eletrônicos, computadores, sistemas de fibras ópticas, espaçonaves, aeronaves e
foguetes. Esses materiais são materiais tradicionais cujas propriedades foram aprimoradas ou então são
materiais de alto desempenho desenvolvidos recentemente. Podem pertencer a qualquer classe dos
materiais (metais, cerâmicos, polímeros e compósitos) e normalmente são de alto custo. Como exemplos
de materiais avançados podemos citar os semicondutores, os biomateriais, os materiais inteligentes e os
nanomateriais.

 Semicondutores: Possuem propriedades elétricas que são intermediárias entre aquelas dos
condutores elétricos (metais e ligas metálicas) e dos isolantes (cerâmicos e polímeros), conforme
mostrado na Figura 2.6. As características elétricas desses materiais são extremamente sensíveis à
presença de pequenas concentrações de átomos de impurezas as quais podem ser controladas em
regiões muito pequenas. Os semicondutores permitiram o advento dos circuitos integrados que
revolucionaram completamente as indústrias de produtos eletrônicos e de computadores ao longo
das últimas décadas.

 Biomateriais: São utilizados em componentes implantados no corpo humano objetivando a


substituição de regiões danificadas do mesmo. Esses materiais não podem produzir substâncias
tóxicas e devem ser compatíveis com os tecidos do corpo, ou seja, não devem causar reações
biológicas adversas. Todos os materiais citados anteriormente (metais, cerâmicos, polímeros,
compósitos e semicondutores) podem ser empregados como biomateriais.

 Materiais Inteligentes: Representam um conjunto de materiais, de última geração, que estão


sendo atualmente desenvolvidos e que certamente exercerão uma significativa influência sobre
muitas de nossas tecnologias. O adjetivo “inteligente” implica que esses materiais são capazes de
identificar mudanças em seus ambientes e, assim, responder às mesmas de maneira
predeterminada. Os componentes de um material (ou sistema) inteligente incluem algum tipo de
sensor (que detecta um sinal de entrada) e um atuador (que executa uma função resposta). Os
atuadores podem ser estimulados, por exemplo, a modificar a forma, a posição, a frequência
natural ou as características mecânicas devido mudanças de temperatura, campos elétricos ou
campos magnéticos. Os materiais que geralmente são utilizados como atuadores são os seguintes:

(a) Ligas com memória de forma: São materiais metálicos que após terem sido deformados
retornam à sua forma original quando a temperatura é modificada.

(b) Cerâmicos piezoelétricos: Materiais cerâmicos que se expandem e se contraem em resposta à


aplicação de um campo elétrico. Quando suas dimensões são alteradas geram um campo
elétrico.

(c) Materiais magneto-constritivos: Apresentam um comportamento análogo ao dos cerâmicos


piezoelétricos, no entanto, respondem a campos magnéticos.

(d) Fluidos eletro-reológicos/magneto-reológicos: São líquidos que sofrem mudanças drásticas na


viscosidade quando são aplicados, respectivamente, campos elétricos e campos magnéticos.

Finalmente, é importante ressaltar, que entre os materiais e dispositivos empregados como


sensores estão as fibras ópticas, os materiais piezoelétricos (cerâmicos e alguns polímeros) e os
dispositivos microeletromecânicos.

 Nanomateriais: São materiais que possuem graus estruturais da ordem de 10-9 m (1 nanômetro)
que é igual a um milionésimo do milímetro ou um bilionésimo do metro. O controle, manipulação
e fenômenos da matéria à escala nanométrica, cujas propriedades diferem das observadas em
maior escala, são objeto de estudo da Nanociência e da Nanotecnologia. Os nanomateriais
apresentam propriedades especiais em virtude de sua escala nanométrica e são empregados em
projetos de nanotecnologia. Os mesmos variam quanto ao tamanho, composição química, forma e
superfície. Assim, nanopartículas, nanoesferas e outros materiais nanoestruturados são
nanomateriais de interesse por apresentarem aplicações em campos tão diversificados como a
Mecânica, a Óptica, a Eletrônica, a Física, a Química, a Medicina, a Biologia e a Bioquímica.
Alguns nanomateriais são denominados nanocompósitos pois são formados pela união de dois ou
mais componentes, sendo que em um deles as partículas possuem dimensões da ordem de
nanômetros. Estas dimensões aumentam a interação entre a partícula e o meio, melhorando em
muito algumas propriedades do nanocompósito em relação ao componente puro. Como exemplos
de nanomateriais produzidos atualmente podemos citar os seguintes: nanopartículas de metais e
óxidos, nanopartículas de dióxido de titânio para baterias solares, nanofibras poliméricas,
nanopartículas de ferro para transporte de medicamentos, nanomateriais de silício, nanofibras de
carbono, metais ultrafinos, óxido de ferro superfino, partículas metálicas e cerâmicas para
revestimento, nanocompósitos poliméricos com argila, nanomateriais derivados de óxidos,
nitretos, carbetos e sulfetos, nanopartículas de metais preciosos (ouro coloidal, prata coloidal, etc),
nanopartículas de ouro para uso biológico, nanopartículas de semicondutores, nanopartículas de
óxido de zinco, etc. O princípio básico da Nanotecnologia é a construção de estruturas e novos
materiais a partir dos átomos e moléculas. É uma área promissora que apenas inicia seus primeiros
passos mostrando desde já, contudo, resultados surpreendentes na produção de semicondutores,
biomateriais, chips, etc.

2.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Não obstante o imenso progresso alcançado ao longo dos últimos anos no âmbito da “Ciência e
Engenharia dos Materiais”, sempre existirão desafios tecnológicos a serem superados através do
desenvolvimento de materiais ainda mais sofisticados que deverão considerar, principalmente, as questões
ambientais. Dentro desse contexto, é interessante refletir sobre alguns aspectos tais como:

 Apesar da importância que a energia nuclear representa em nossos dias, a produção da mesma
envolve graves problemas que ainda permanecem sem soluções definitivas. Estas, certamente,
dependerão de novos materiais que serão empregados, por exemplo, na construção de estruturas
de contenção mais seguras e de instalações adequadas para o descarte dos rejeitos radioativos.

 Quantidades significativas de energia são consumidas diariamente pelos diversos meios de


transporte no mundo inteiro. A redução do peso dos veículos de transporte (automóveis,
aeronaves, trens, etc) bem como o aumento das temperaturas de operação dos motores certamente
contribuirão na melhoria da eficiência dos combustíveis. Assim, novos materiais estruturais
dotados de elevada resistência mecânica, baixa densidade e alta resistência a temperaturas
elevadas ainda precisam ser desenvolvidos.

 Apesar da conversão direta da energia solar em energia elétrica já ter sido demonstrada há bastante
tempo, as células solares utilizam materiais razoavelmente caros e complexos. Para assegurar que
essa tecnologia seja viável em qualquer tipo de aplicação é fundamental que novos materiais,
baratos e eficientes nos processos de conversão de energia, sejam desenvolvidos.

 Muitos dos materiais que atualmente utilizamos são derivados de recursos não renováveis (que
não se regeneram). Os mesmos incluem os polímeros, cuja matéria prima principal é o petróleo, e
os metais. Esses recursos não renováveis estão gradualmente se tornando cada vez mais escassos o
que exige: (a) a descoberta de jazidas adicionais; (b) a pesquisa de novos materiais que
apresentem propriedades compatíveis e menor impacto ambiental e (c) desenvolvimento de novas
tecnologias de reciclagem. Como conseqüência dos aspectos econômicos, do impacto ambiental e
de fatores ecológicos, passa a ser muito importante considerar o ciclo de vida dos materiais
levando-se em conta a cadeia produtiva dos mesmos.

Dessa maneira, o papel que cientistas e engenheiros de materiais desempenham em relação a esses
aspectos assim como em relação a outras questões de natureza social, ambiental, econômica, científica e
tecnológica são extremamente importantes em nossos dias.

Você também pode gostar