Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Seleção Poemas
Seleção Poemas
Como se te perdesse nos trens, nas estações E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Ou contornando um círculo de águas Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Removente ave, assim te somo a mim: Indesculpavelmente sujo,
De redes e de anseios inundada. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Álvaro de Campos Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Todas as cartas de amor são Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Ridículas. Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Não seriam cartas de amor se não fossem Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Ridículas. Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Para fora da possibilidade do soco;
Como as outras, Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Ridículas. Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
As cartas de amor, se há amor, Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Têm de ser Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Ridículas. Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...