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Universidade Federal Rural do Semi-Árido

INTRODUÇÃO À SALINIDADE

1. Considerações iniciais
Nas regiões áridas e semi-áridas, quase sempre a irrigação causa problemas relativos à
salinidade no solo, afetando o desenvolvimento e a produção das plantas cultivadas. O manejo
inadequado do sistema solo - água - planta nos perímetros irrigados dessas regiões e,
conseqüentemente, o aparecimento dos problemas de salinidade de forma grave, são exemplos
disto.
Acredita-se que a falta de conhecimento do manejo adequado das áreas cultivadas por parte
dos agricultores, aliada ao desinteresse político com os problemas ambientais, contribuem para que
esta situação permaneça inalterada. Um dos fatores que mais contribuem para os problemas de
salinidade bem como da sodicidade da água/solo é exatamente a qualidade da água e dos
mananciais existentes em cada região. Como exemplo, na Tabela 1 observa-se que a composição
química das águas é diferente para cada situação de fonte e local.

Tabela 1. Composição química de algumas águas utilizadas para irrigação no Nordeste brasileiro.
Data da pH CE Cátions (mmoLc L-1) Ânions (mmoLc L-1) RAS
FONTE E LOCAL -1
Coleta dS m Ca Mg Na K Cl HCO3 CO3 SO4
Barragem Pau dos ferros RN 02/1988 8,2 0,49 1,55 1,30 2,02 0,22 2,40 2,45 0,00 - 1,79
Barragem Armano R Gonçalves RN 04/1989 8,1 0,29 0,95 0,80 1,01 0,13 1,60 1,60 0,00 - 1,08
Açude Sabugi RN 11/1982 8,0 0,29 0,56 0,76 1,88 0,13 1,58 1,25 0,10 - 2,31
Açude São Gonçalo PB 03/1987 7,1 0,24 1,05 0,80 0,61 0,20 0,65 1,85 0,00 - 0,63
Rio São Francisco PE - - 0,07 0,40 0,25 0,25 0,00 0,38 0,63 0,00 0,17 0,44
Rio Piranhas (perenizado) PB 10/1988 7,8 0,27 0,80 0,62 1,05 0,10 0,87 1,70 0,00 0,07 1,25
Açude Pequeno PB 09/1988 7,7 0,28 0,87 0,52 1,23 0,10 0,99 1,78 0,00 0,06 1,46
Poço Amazonas (Angicos RN) 03/1988 7,6 4,80 8,97 12,06 28,01 0,30 43,72 3,12 0,32 1,13 8,64
Poço Amazonas (Encanto RN) 12/1988 8,1 0,53 1,88 1,04 3,07 0,07 3,71 2,25 0,15 0,11 2,78
Poço Tubular (Baraúnas RN) 08/1988 8,0 1,80 4,34 5,82 8,93 0,10 14,46 3,53 0,07 1,13 3,96
Rio Mossoró (perene) RN 01/1989 8,1 0,82 3,10 2,75 3,15 0,10 5,63 2,81 0,36 0,46 1,84

2. Origem dos sais e salinização dos solos

Os sais originam-se da meteorização (intemperismo) dos minerais e das rochas que


constituem a crosta terrestre. Os elementos que participam nos solos salinos são: Ca, Mg, Na, Cl, S

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e C, e em menor freqüência N, B e I. Na Tabela 2 pode ser visto os elementos mais comuns na


crosta terrestre, aos quais estão inteiramente ligados a origem dos sais.
Estes sais formados podem ser transportados pela água para o mar e/ou em depósitos
continentais, onde se acumulam na superfície ou no subsolo formando charcos, lagos e mantos
salinizados.

Tabela 2. Porcentagem dos elementos mais comuns na crosta terrestre (FAO/UNESCO, 1973).

Elementos Porcentagem (%)


Oxigênio 49,13
Silício 26,00
Alumínio 7,47
Ferro 4,20
Cálcio 3,25
Magnésio 2,40
Potássio 2,35
Hidrogênio 2,35
Titânio 1,00
Carbono 0,61
Cloro 0,35
Fósforo 0,20
Enxofre 0,12
Manganês 0,10
Outros (cerca de 70 elementos) 0,39

O processo de salinização dos solos ou água normalmente ocorre em regiões em que a


evapotranspiração supera a precipitação pluviométrica. Embora o sódio, cálcio, magnésio, potássio,
cloro, enxofre e o carbono estejam presentes em proporções relativamente menores, poderão ser
acumulados no solo em grandes quantidades, em virtude desses elementos estarem retidos pela
rocha com menores coeficientes de energia (Tabela 3) e, conseqüentemente, apresentarem alta
solubilidade e mobilidade em relação ao silício, alumínio e ferro (FAO/UNESCO, 1973).

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Tabela 3. Seqüência de liberação dos íons baseada em seus coeficientes de energia (Ce) durante o
processo de intemperização (FAO/UNESCO, 1973).

Seqüência de liberação
I II III IV
ÍON Ce ÍON Ce ÍON Ce ÍON Ce
- - - 2- 2+
Cl e Br 0,23 Na 0,45 SiO3 2,75 Fe 5,15
NO3- 0,18 K+ 0,36 Al3+ 4,25
2- 2+
SO4 0,66 Ca 1,75
2- 2+
CO3 0,78 Mg 2,10

Portanto, o acúmulo de elementos no solo não depende somente do seu teor na rocha, mas,
também, do coeficiente de energia com que é retido, da sua mobilidade e solubilidade.

3. Fatores que influenciam a composição e teor de sais

Condições do NE: açudes < rios < cacimbões < poços rasos

a) Zona climática;

b) Fonte água;

c) trajeto percorrido;

d) Época do ano;

e) Geologia da região;

f) Desenvolvimento da irrigação.

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Açude pequeno – Pombal, PB


0,5

0,4
CEa (dS m-1)

0,3

0,2
Ano-Precipitação
1988-736 mm
0,1 1989-1255 mm
1990-580 mm

0
Mar Abr Maio Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Jan Fev

Figura 1. Variação da condutividade elétrica da água de irrigação nos anos de 1988-1990 em


Pombal, PB (Medeiros, 1998).

A transformação de áreas em agricultura irrigada pode além de agravar os problemas em solos


já salinizados, também transformar áreas sem problemas aparente de sais em área salinas,
ocasionada pelas causas seguintes:
1 - Qualidade da água de irrigação
Não existe água isenta de sais. As irrigações promovem uma entrada contínua de sais no solo.
Se não houver drenagem e com a evapotranspiração, os sais se acumulam.
EXEMPLO: Uma água com 0,2 g/L de sólidos dissolvidos totais e para uma aplicação de 1.000
mm, será capaz de adicionar 2.000 kg de sais por hectare.
1 mm = 10 m3/ha = 10.000 L/ha
SSD = 0,2 g ´ 10.000 L ´ 1000 mm = 2.000.000 g = 2000 kg
2 - Aplicação de volumes excessivos de água com elevação do nível freático e salinização da zona
radicular por ascensão capilar e evaporação.
3 - Filtrações horizontais causadas pela irrigação de áreas adjacentes.

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4. Sais mais importantes

A facilidade de formação de um sal em conseqüência da intemperização da crosta terrestre e


na ordem inversa, a dificuldade em precipitar, é um indicador à presença (importância) de um
determinado sal, tanto na água como nos solos. A solubilidade de um sal é uma de suas
propriedades mais importantes. Os sais mais nocivos às plantas são os que têm elevada
solubilidade; em troca os poucos solúveis precipitam antes de alcançar os níveis prejudiciais. A
solubilidade dos sais varia com a temperatura.

Os sais mais importantes são:

De uma forma geral a solubilidade dos sais inorgânicos segue as seguintes regras:
 Os sais de metais alcalinos e de amônio são quase todos solúveis;
 Os de nitratos e de acetatos são todos solúveis;
 Os de cloretos são todos solúveis, exceto com prata, mercúrio e chumbo;
 Os de sulfatos são solúveis, exceto com bário, estrôncio e chumbo;
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 Os de sulfetos são insolúveis, exceto com metais alcalinos e amônio;


 Os de carbonatos e fosfatos normais são insolúveis, exceto com os metais alcalinos e amônio. O
fosfato na forma H2PO4 na forma de Ca é solúvel, como o gesso;
 Os hidróxidos de amônio e de metais alcalinos são solúveis, enquanto os óxidos de metais
pesados são insolúveis.

1 - Sulfato de Magnésio (SO4Mg)
É um componente típico dos solos salinos, existindo também em águas freáticas e lagos
salinizado.
Devido a sua elevada solubilidade (262 g/L) é um dos sais mais importantes.
Nunca ocorre nos solos em forma pura normalmente aparece em combinação com outros sais
muito solúveis.

2 - Sulfato de Sódio (SO4Na2)


É também um componente típico de solos salinos, águas freáticas e lagos salinizados.
A solubilidade varia de 45 a 415 g/L para temperaturas entre 0º e 50ºC, respectivamente.
O S04Na2 acarreta:
a) Alta toxicidade aos vegetais.
b) Acumulação por precipitação de grandes quantidades de sais na superfície do solo nas estações
frias (mirabilita, SO4Na2 10H2O).
c) A lavagem na estação fria exige muita água.

3 - Cloreto de sódio (NaCl)


É um dos sais mais freqüentes. Sua toxidade é elevada, assim como sua solubilidade (318g/l)
que não varia com a temperatura.
Sua lavagem é fácil em solos que contenham gesso. Na ausência do gesso o sódio pode tomar
a forma intercambiável dificultando a lixiviação.
Solos com 2% de NaCl podem se tornar improdutivos.

4 - Carbonato de Sódio
É um sal muito solúvel, porém variável com a temperatura (70 a 429 g/L, para temperatura de
0 a 50º C , respectivamente).

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Como resultado da hidrólise provoca uma forte alcalinidade, de até pH = l2. Por sua elevada
solubilidade e alcalinidade é muito tóxico para as plantas.
Quantidades de 0,05 - 0,1% ocasionam desagregação das argilas com perda da estrutura do
solo (compactação).
Depósitos de CO3Na2 não são freqüentes e só ocorrem se os solos não contiverem gesso.
O bicarbonato se forma à partir do carbonato, é menos alcalino e solúvel que o carbonato.

Os solos portadores de grandes quantidades de CO3Na2 e NaHCO3 são salino-alcalinos cuja


recuperação implica no tratamento conjunto de lavagem e correção química.

5 - Cloreto de Magnésio (Cl2Mg)


Devido a sua elevada solubilidade (353 g/l) é um dos sais mais prejudiciais às plantas. Se
encontra em solos salinos, águas freáticas e lagos salinizados.
É muito higroscópico e juntamente com o Cl2Ca absorvem vapor de água da atmosfera
formando uma solução salina muito concentrada.
Os solos que contém Cl2Mg não são alcalinos, (baixo RAS), apresentando boas propriedades
físicas.

6 - Carbonatos de Cálcio e de Magnésio (CaCO3 e MgCO3)


O CaCO3 é muito pouco solúvel (0,0131 g/L) não sendo nocivo às plantas.
A presença de águas freáticas calcárias na superfície, exposta a evapotranspiração, poderá
formar horizontes fortemente cimentados, impermeáveis e impenetráveis para as raízes.
Normalmente aparecem juntos com solubilidade do conjunto de 10 meq/L.

7 - Sulfato de Cálcio (SO4Ca)


O SO4Ca precipita formando gesso (SO4Ca·2H2O).
Sua solubilidade é muito baixa (2,04 g/L) não sendo prejudicial às plantas.
O gesso é amplamente utilizado como corretivo químico na recuperação dos solos sódicos.
Em excesso pode causar:
- Formação de horizontes endurecidos (petrogípsicos).
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- Por precipitação nos poros do solo diminui a permeabilidade.


- Ataque às estruturas de concreto.
- Perda da capacidade “portante” do solo por dissolução e arraste ocasionando fenômenos de
subsidência (estabilidade).
< 2% favorável
2-25% pequenos efeitos
> 25% rendimentos reduzidos
(modifica, K/Ca e Mg/Ca)

5. Processo de salinização e sodificação

As cargas negativas das partículas coloidais de argila, originadas pela substituição isomórfica
e arestas expostas dos cristais, são neutralizadas pela adsorção de outros cátions presentes na
solução do solo. Assim, a composição dos sais solúveis na solução afeta a proporção de cátions
adsorvidos ou trocáveis na micela. Em solos de regiões úmidas, devido à eliminação das bases (sais
de Ca, Mg, Na e K) liberadas durante a intemperização das rochas, o hidrogênio e o alumínio
predominam no complexo. Por outro lado, em solos de regiões áridas ou semiáridas, quando se tem
boa drenagem predominam, no complexo, os cátions de cálcio e magnésio mas, quando se tem solos
com drenagem inadequada ou o lençol freático se encontra próximo à superfície, esses cátions,
durante o processo de concentração dos sais pela evaporação ou evapotranspiração, são precipitados
na forma de carbonato de cálcio e magnésio ou de sulfato de cálcio, visto serem os compostos de
menor solubilidade entre os acumulados (Tabela 4) aumentando, deste modo, a proporção relativa
de sódio solúvel na solução do solo. Quando o sódio solúvel atinge concentração relativa superior a
50 % na solução, o mesmo passa a ser adsorvido pela micela em proporções suficientes para
promover a dispersão reduzindo, assim, a permeabilidade do solo. Enquanto o fenômeno de
acumulação de sais solúveis no solo é denominado salinização, ao aumento gradual de sódio
trocável se denomina sodificação; trata-se de um processo posterior à salinização, porém pode
ocorrer simultaneamente quando se tem, na solução do solo, sais exclusivos ou predominantemente
de sódio (difícil de ocorrer, pois a rocha em geral contém um conjunto de compostos químicos).

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Tabela 4 Solubilidade (g L-1) dos principais sais encontrados em solos afetados por sais (Pizarro,
1977)

Solubilidade (g L-1)

Na Mg Ca

CO3 2131 2,512 0,01312

SO4 1851 2622 2,043

Cl 318 353 427

NO3 686 Muito Elevada4 Muito Elevada4


1
A uma temperatura de 20o C. Para as temperaturas de 0, 10 e 30o C, o Na2CO3 e o Na2SO4 apresentam solubilidade de
70-45, 122-90 e 371-373 g L-1, respectivamente
2
A solubilidade varia com a pressão parcial de CO2 ou pH
3
A solubilidade aumenta na presença de NaCl. Em soluções de 10 e 100 g L-1 de NaCl a solubilidade do CaSO4 é,
respectivamente, 4,2 e 8,48 g L-1. Na presença de Na2SO4, CaCl2 e NaHCO3 diminui devido a formação de íon par ou
formação de Ca(HCO3-). Para 10 g L-1 de Na2SO4, CaCl2 e NaHCO3, a solubilidade do CaSO4 é 1,9, 1,5 e 0,9 g L-1,
respectivamente
4
Composto altamente higroscópico

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