Você está na página 1de 80

Apresentação

A
revista América Socialista as costas dos trabalhadores aumen- reita e inclusive constituindo em-
que apresentamos agora é tando o desemprego e degradando briões de estados operários como
uma iniciativa da Corrente o nível de vida da maioria. vimos em El Alto na Bolívia ou em
Marxista Internacional (CMI) para Como marxistas temos expli- Oaxaca no México.
contribuir com o debate aberto que cado que com toda a produção de Estes processos foram até agora
se desenvolve nos países da Amé- alimentos, casas, avanços tecno- abortados pelas direções do movi-
rica sobre a crise capitalista e as lógicos, etc., seria extremamente mento – seja por inexperiência ou
possíveis soluções a ela. simples acabar com a fome, a mor- por traição - e não por uma falta de
Como marxistas, nós reconhe- te por doenças curáveis e dar mo- disposição de luta da classe ou de
cemos a gravidade desta crise e radia digna e bom trabalho a todo uma correlação de forças desfavo-
as repercussões que ela tem e terá o mundo. Para isso bastaria que as rável.
para os trabalhadores. A burguesia grandes empresas fossem regidas O trabalho que desenvolvemos
é causadora direta desta heca- como CMI em praticamente
tombe econômica: depois de todo o continente tem como ob-
toda a sua ganância para con- jetivo construir uma organização
centrar riqueza agora faz com marxista que possa ser o prelú-
que milhões de trabalhadores dio de organizações de massas
fiquem sem empregos. dos trabalhadores que lutem por
Os defensores do capitalis- arrancar as massas da influência
mo que hoje argumentam que do reformismo e busquem o ca-
é necessário salvar os “pobres” minho da revolução.
banqueiros são os mesmos que Sem teoria revolucionária América Socialista é um veí-
nos últimos 30 anos defende- não há atividade revolucionária culo para abrir o debate junto às
ram que o Estado não deve- novas gerações para batalharmos
ria participar da economia, são os não pelo lucro mas sim por um pla- por tal caminho!
mesmos que defendiam as privati- no detalhado pautado nas necessi-
zações e a globalização como uma dades mais gerais de um país ou de
receita para aliviar o sofrimento e toda uma região. Sendo toda a pro- Boa leitura!
a pobreza. dução social seria também possível
Como podemos observar nada coordenar investimentos em infra-
foi aliviado. Muito pelo contrário. estrutura, escolas, desenvolvimen- Junte-se à Corrente Marxista
O que o mundo inteiro – e em espe- to cultural, entre outras coisas... Internacional e lute conosco
cial o continente americano - tem Tudo isso sob a tutela de um Esta- pelo Socialismo
visto é uma brecha cada vez maior do democrático dos trabalhadores
entre ricos e pobres. O capital se organizado planificadamente seria
acumula em 200 famílias super- um remédio eficaz contra as crises
milionárias e a pobreza é socializa- capitalistas e contra a exploração Editora Marxista
da por milhões e milhões. do homem pelo homem.
Hoje se fala de uma crise tão As maravilhosas mobilizações Tiragem: 1500 exemplares.
profunda como a dos anos 30, se revolucionárias que têm feito sacu-
prevê que milhares de crianças dei- dir a América são uma mostra clara Tradução: Lucas Morais, Mari-
xarão de ir à escola e que muitos de que os trabalhadores se movem tânia Camargo, Fernando Leal,
morrerão de fome e que mendiga- instintivamente contra esse sistema Leslie Loreto, Francisco Lessa,
rão em busca de ajuda. de destruição e opressão. Em mui- Josiane Lombardi, Daniel Feld-
As cínicas propostas “anti- cri- tas ocasiões os povos lutam às ce- mann.
se” de todos os governos das Amé- gas, sem um rumo claro contra os
ricas estão orientadas a salvar os opressores. Sua força se mostrou Revisão: Fabiano Stoiev e Daniel
banqueiros, subsidiar as burguesias clara com a queda de presidentes, Feldmann.
locais e descarregar a crise sobre impedindo golpes de estado de di-

1
América Socialista
Sumário
Crise global do capitalismo 3
Alan Woods

a economia da América Latina 13


Luis Enrique Barrios

50 Anos depois: 20
Para onde vai a revolucão cubana?
Jordi Martorell

Depois do referendo constitucional 31


Para onde vai a revolucão venezuelana?
Yonnie Moreno

Balanço e perspectivas da revolucão boliviana 39


Pepe Pereira

Colômbia: desaceleração econômica, crise 46


política e agudizacão da luta de classes
Julio Antonio Bretón e William Sanabria

Migracão, crise e luta de classes em 55


El Salvador
Bloque Popular Juvenil

Combater o racismo: lutar pelo socialismo 62


José Carlos Miranda

EUA e a revolução panamericana 67


John Peterson

A batalha de Inveval 73
William Sanabria e Yonie Moreno

A indústria nacionalizada e a administração 76


operária
León Trotsky

2
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

A crise mundial do capitalismo


está se acelerando
Alan Woods
Corrente Marxista Internacional

A
crise está se desenrolando A segunda fase acaba de come- novos cortes nos gastos sociais.
de maneira implacável e çar – a crise da economia real. Mi- Em novembro, 533 mil empre-
com mais velocidade. Em lhões de trabalhadores enfrentarão gos formais foram perdidos nos
novembro, nos EUA, a perda de trabalhos temporários, o fim das EUA – a maior queda mensal des-
empregos alcançou o maior ritmo horas extras, demissões e fecha- de dezembro de 1974. A taxa de
em 34 anos. O PIB mundial regis- mentos de empresas. Os patrões desemprego subiu para 6,7%. E
trou uma queda acentuada. A re- estão querendo impor cortes sala- mesmo esse dado mascara a serie-
cessão foi precedida por uma crise riais ameaçando encerrar as ativi- dade da situação. Uma definição
financeira (o chamado crunch mais abrangente que incluísse
do crédito). No entanto, este as pessoas que desistiram de
foi apenas o prelúdio da crise procurar emprego poderia ele-
real. Como sempre, os econo- var a taxa de desemprego para
mistas burgueses chegaram à 12,5%. Ocorre uma série de
conclusão de que a origem da fechamentos de postos de tra-
crise era a falta de crédito. Na balho. Depois que Merill Lyn-
realidade, a falta de crédito é ch tomou o controle do Bank
que é causada pela crise. of America, 35 mil empregos
Durante o boom, todos es- foram eliminados. Dow Che-
tavam dispostos a emprestar e micals está fechando 20 fábri-
fazer empréstimos, confiantes cas nos EUA e Europa, o que
em obter generosos lucros. custará 5 mil empregos. A 3M
Como sempre, houve um forte demitirá 2.300 empregados.
elemento de especulação em Anheuser-Busch InBev está
tudo isso. O vertiginoso cres- cortando 6% de sua força de
cimento das bolsas não guar- trabalho nos EUA (75% em St.
dava relação com a situação Louis).
real. Sempre devemos ter em Agora, ninguém mais re-
mente que, em última análise, pete o devaneio de que a crise
os lucros dos capitalistas só se restringiria aos EUA. Este
podem ser gerados a partir do é um fenômeno internacional.
trabalho não pago à classe tra- A grande companhia japonesa,
balhadora. Enquanto a mais- Sony, dispensará 16 mil traba-
valia for extraída, os capitalistas, dades. Isto significa uma redução lhadores, cortará investimentos e
os latifundiários, os banqueiros, generalizada dos padrões de vida, suspenderá parte de sua produção.
os especuladores, podem realizar que por sua vez significará nova Sua previsão de lucro anual foi re-
lucros. É criada a ilusão de que o queda na demanda, com mais fe- duzida a metade, como resultado
carnaval durará para sempre. Mas chamentos, desemprego e novos da queda brusca na demanda por
este processo, mais cedo ou mais cortes. A queda da atividade signi- suas televisões LCD. A minera-
tarde, colidirá com as contradições fica queda na arrecadação de im- dora anglo-australiana Rio Tinto
inerentes ao sistema capitalista. postos que, por sua vez, levará a está cortando os gastos e venden-

3
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

do parte de seu passivo para saldar encontrar mercados está limita- Contradizendo todas as análises
débitos de US$ 10 bilhões e corta- da pela capacidade de consumo prévias, os economistas burgueses
rá 14 mil empregos até o final de da sociedade. Mais cedo ou mais dizem agora que esta recessão será
2009. Woolworth, a maior loja de tarde chega-se ao ponto em que mais longa e profunda do que qual-
departamentos da Grã-Bretanha, os mercados estão saturados e quer outra desde a Segunda Guer-
está fechando as portas depois de nenhum comprador pode ser en- ra Mundial. Os capitalistas estão
100 anos de funcionamento e isto contrado. Nas crises de 1990-91 e pagando o preço pela “exuberân-
custará 30 mil empregos. A lista de 2001, a demanda não caiu de- cia irracional” que demonstraram
não acaba aqui e continua crescen- masiadamente. Em primeiro lugar no último período. Amedrontados
do. devido ao rápido desenvolvimento com as consequências sociais e
O crescente alarme da classe da Ásia (China), que proveu um políticas, estão recorrendo a po-
dominante reflete-se na sucessão colchão para evitar que a recessão líticas desesperadas, que apenas
de medidas desesperadas adotadas se transformasse em depressão. servirão para exacerbar os proble-
pelos governos e bancos centrais, Depois disso, o fabuloso aumen- mas em longo prazo. Cada pro-
que não pretendem mais evitar a to do crédito e a bolha imobiliária nunciamento dos porta-vozes da
recessão e sim apenas amenizar especulativa mantiveram o funcio- burguesia tenta convencer que “o
seus efeitos. Mas, apesar dessas namento do mercado. Mas seus pior já passou”. Tais declarações
medidas, a crise está se aprofun- fundamentos estavam completa- são seguidas por novas quedas nas
dando e se disseminando sem pa- mente comprometidos. bolsas de valores e novos cortes na
rar. A economia mundial entrou Esta situação não poderia ser produção.
em uma espiral descendente, e mantida. De fato, os capitalistas A burguesia está cavando sua
ninguém sabe quando chegará ao evitaram uma profunda depressão própria tumba, da qual não sairá
fundo do poço. por duas décadas, mas ao custo de facilmente. Os bancos estão afun-
No passado, os economistas criar as condições para uma reces- dando com o peso de dívidas po-
burgueses negavam a possibilida- são muito mais séria no futuro. dres. Ninguém sabe o quanto delas
de de uma recessão. Agora confa- Isto explica o desespero com que a existe e, portanto, ninguém sabe
bulam se estamos diante de uma burguesia enfrenta a atual crise. qual dos bancos (se é que exis-
profunda recessão ou de uma de- Durante o boom, quando enor- te um) é viável. Este é o motivo
pressão. Para milhões de pessoas mes lucros eram gerados, todos pelo qual os economistas dizem
afetadas pelo fechamento de fá- compravam e vendiam, empres- que esta recessão não é “normal”.
bricas, bancarrotas, demissões e tavam e adquiriam empréstimos; Alguns economistas olham nostal-
despejos esta é uma diferença me- alegremente assumiam débitos gicamente para trás, para os “bons
ramente semântica. A burguesia e acima de sua capacidade de paga- velhos tempos” do padrão-ouro,
seus economistas amestrados ima- mento. Ninguém se importava se mas agora um retorno ao padrão-
ginam que a crise é causada pela isto tinha origem em especulação ouro é impossível. Isto levaria ao
falta de “confiança” e que, portan- ou até mesmo em fraudes, isto pas- completo colapso e a uma ainda
to, bastam alguns discursos inspi- sava despercebido. Não estamos mais profunda depressão, maior
radores (acompanhados por gene- ricos? Não estamos todos fazendo que a Grande Depressão dos anos
rosas doações de dinheiro público) dinheiro? Vivamos o hoje, e que 30.
para resolver o problema. Eles não o amanhã seja como Deus quiser! Antes da Segunda Guerra, a
entendem que confiança não cai Mas quando o boom encontrou economia mundial estava basea-
do céu, ela reflete condições reais. seus limites – o que era inevitá- da no padrão-ouro, que funciona-
Ao contrário desta explicação su- vel – esta “exuberância irracional” va como um meio para regular o
perficial e idealista (que não expli- transformou-se em seu contrário. mercado monetário. Os governos
ca nada), nós repetimos: a falta de A confiança evaporou junto com a mantinham em seus cofres certa
confiança não é a causa da crise, é ilusão de enriquecimento sem fim. quantidade de ouro, que servia de
a crise que gera falta de confian- Ao invés do antigo otimismo, te- lastro para sua moeda nacional. Em
ça. mos pânico e desespero. Não mais último caso, os credores poderiam
É preciso ter em mente que se a ganância, mas um sentimento exigir o pagamento de seus títulos
os capitalistas não vendem suas igualmente primitivo, o medo, tor- em ouro, que, como toda mercado-
mercadorias, nenhuma mais-valia nou-se a atmosfera predominante ria, tem um valor determinado.
é realizada. A possibilidade de nos mercados. A abolição do padrão-ouro só

4
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

foi possível por-


que, depois da
Segunda Guerra
Mundial, os EUA
mantinham dois
terços de todo o
ouro mundial em
Fort Knox e sua
indústria estava
intacta. Poderia
então ditar suas
condições ao
resto do mundo.
Todos queriam o
dólar, porque essa
moeda, naquele
momento, era tão
boa quanto o ouro. O dólar tornou- mou-se em seu contrário. Agora o fechamento das empresas, como
se a moeda internacional (com ninguém quer emprestar dinheiro quem apaga um fósforo, lançando
a libra esterlina em segundo pla- e poucos querem tomar dinheiro na rua milhares de trabalhadores
no). Este foi um dos fatores para emprestado. A sociedade é vítima sem pestanejar.
o desenvolvimento do mercado de uma atmosfera de parcimônia Se o crédito é o elixir da vida
mundial depois de 1945 – a base e austeridade. As massas não têm para o sistema capitalista, a inter-
real para o crescimento econômico dinheiro para gastar – apenas dívi- rupção do suprimento de crédi-
no mundo capitalista naquele mo- das para pagar. Aqueles que antes to significará que não apenas os
mento. contraiam empréstimos alegre- “maus” negócios entrarão em ban-
Agora tudo isto mudou. Os mente agora estão enredados em carrota, como também os “bons”
EUA deixaram de ser o maior cre- dívidas. Muitos dos que contraí- negócios. A falta de crédito ame-
dor do mundo e passaram a ser o ram hipotecas para comprar casas aça todo o processo produtivo da
maior devedor do mundo. O dólar são incapazes de honrá-las e es- sociedade com um lento estran-
continua sendo a moeda mundial, tão sendo despejados. O preço de gulamento. Os efeitos podem ser
mas ninguém sabe ao certo quan- suas residências caiu e as pesadas observados na sequência repenti-
to vale de verdade. Inimagináveis dívidas permanecem, as quais, di- na de falências e fechamento de
quantidades de capital fictício fo- ferente dos valores das casas, não empresas, afetando não apenas os
ram lançadas na economia mun- diminuem. pequenos negócios como também
dial ao longo das últimas duas ou Os banqueiros, que ontem es- as maiores companhias, como a
três décadas. O mercado mundial tavam ansiosos por emprestar di- Ford, General Motors, Sony, Nis-
de derivativos, sozinho, ultrapassa nheiro, agora estão ansiosos por san e muitas outras. A principal
os US$ 500 trilhões, e a maior par- entesourar todo dinheiro possível razão é o colapso da demanda,
te desses valores tem caráter espe- e não repartir nenhum centavo. agravado pela escassez de crédito.
culativo e fictício. O mercado de Esta miserável e desconfiada ati- Subitamente, há muito aço, muito
derivativos é 36 vezes maior que o tude não se aplica apenas aos pro- cimento, muitos carros, muitos es-
valor do PIB americano (US$ 13,8 prietários de casas e de pequenos critórios vazios, muito petróleo...
trilhões em 2007) ou aproximada- negócios, também se aplica aos Em outras palavras, o que estamos
mente 10 vezes o valor da produ- bancos e grandes empresas. Eles assistindo é uma clássica crise de
ção mundial. não estão dispostos a emprestar superprodução.
A expansão sem precedente do dinheiro para outros bancos, pois As grandes empresas automo-
crédito no último período serviu não têm a certeza de que seu di- bilísticas dos EUA tentaram recon-
para manter a demanda em eleva- nheiro voltará. Nem estão dispos- quistar suas parcelas de mercado
dos níveis nos EUA e em outros tos a adiantar dinheiro para as em- com ferozes descontos. Por algum
países. Mas agora encontrou seu presas comprarem matéria-prima momento, isto funcionou, mas ao
limite. Todo o processo transfor- e equipamentos. Estão sim, deci- custo da redução das taxas de lu-
didos a fechar a torneira e forçar cro. Por fim, resultou em bancar-

5
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

rota. Então foram obrigados a plano “não existe”, e que lidar


ir, com o chapéu na mão, até com uma crise sem preceden-
o governo americano, que de tes é um quebra-cabeça que
início concordou em dar-lhes será resolvido pelo método da
generosas fatias do dinheiro tentativa e erro. As autorida-
dos impostos para mantê-los des europeias esperavam que
respirando. Logo depois vie- a resposta fosse um generoso
ram os planos de salvamento programa de gastos; na verda-
para os bancos, uma ação sem de, estavam dizendo que “de-
precedentes, especialmente vemos deixar que os alemães
se levarmos em consideração paguem, simplesmente por-
que os republicanos, teorica- que eles podem”, acrescentou
mente, são o partido da “Eco- Peer.
nomia de Livre Mercado” por Realmente, Herr Stein-
excelência. Foram medidas brück está correto. Ele assina-
desesperadas. lou que embora estas políticas
Esta proposta de genero- possam vir a amenizar a situ-
sas doações às grandes com- ação, a recessão é inevitável,
panhias automobilísticas foi não importa o que os governos
imposta pelo temor às con- façam. As medidas de Brown
sequências sociais e políti- e Bush foram uma tentativa de
cas resultantes da falência de restaurar a bolha que causou
empresas como a Chrysler e a tecionismo. Isto provocará retalia- toda esta confusão. Estão inje-
GM, que poderia significar a perda ções por parte dos seus competido- tando bilhões nos bancos na espe-
de milhões de postos de trabalho. res. A Volkswagen já está exigindo rança de que voltem a emprestar.
Foi uma medida protecionista, que ajuda estatal. Outros pedidos se Falharam. Os banqueiros não es-
atingiu diretamente as empresas seguirão. tão dispostos a emprestar sob tais
automobilísticas estrangeiras. Isto, A crise está trazendo à tona pro- circunstâncias e não importa quão
sem dúvida alguma, levará a medi- fundas fissuras na União Europeia. grande sejam os cortes da taxa de
das similares na Europa e no Japão. A Grã-Bretanha e a França estão juros e os subsídios estatais, não
Entretanto, o governo insistiu nos pressionando a Alemanha para farão a menor diferença. De qual-
cortes salariais para compensar o alavancar sua economia (ou seja, quer forma, a margem para os cor-
pacote, proposta que os sindicatos aumentar seu déficit para criar tes é mínima. No caso dos EUA é
rejeitaram. Os republicanos então mais demanda para os produtos praticamente zero. Uma a uma, as
votaram contra a proposta, que foi britânicos e franceses). Mas a Ale- burguesias dos países mais ricos
derrotada no Senado. Foi a repe- manha resiste. Não veem porque do mundo estão usando todos os
tição do conflito anterior entre a eles deveriam assumir o ônus dos seus recursos em uma vã tentativa
Casa Branca e o Senado, em rela- problemas de outros povos. Po- de deter uma crise que não pode
ção ao plano de salvamento para rém, a participação da Alemanha ser detida.
os bancos. Expôs profundas con- é absolutamente necessária para Efetivamente, a burguesia está
tradições em todos os níveis da so- que o plano de recuperação da Eu- encurralada. Seja qual for a medi-
ciedade americana. ropa tenha sucesso. Todos devem da tomada, estará errada. Se eles
Estamos entrando em um perí- alavancar coordenadamente, caso não intervierem injetando dinheiro
odo de crescente protecionismo e contrário a Alemanha se benefi- nos bancos, ou se falharem nes-
tensões entre as principais nações ciaria de maneira “desonesta” dos se intento, haverá uma profunda
capitalistas. A tendência em di- esforços dos demais. depressão com desemprego em
reção ao protecionismo será ain- Mas esta proposta não foi mui- massa como a dos anos 30. Mas
da mais pronunciada no governo to bem recebida em Berlim. O se recorrerem aos métodos keyne-
Obama, que será pressionado a Ministro da Fazenda alemão, Peer sianos de financiamento do déficit,
“salvar os empregos americanos”. Steinbrück desdenhou do anseio criarão fabulosas dívidas que mi-
Lembremos que os democratas geral, considerou fútil “o grande narão qualquer futura recuperação,
sempre foram inclinados ao pro- plano de resgate”, dizendo que tal agindo como um tremendo obstá-

6
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

culo para o investimento produti- as guerras do Iraque, Afeganistão, vam que viesse a salvação. Porém,
vo, fomentando um longo período Somália, Congo e outras. O con- agora, a China já está fortemente
de cortes e de austeridade. flito entre a Rússia e os EUA pode implantada no mercado mundial
A desastrosa procura por solu- levar a outras guerras como a da capitalista e deve sofrer as con-
ções nos últimos dias está se reve- Geórgia. sequências da recessão da mesma
lando como uma colossal ressaca Distúrbios diplomáticos e ten- forma que os demais países. Para
de débitos. Significa que esta re- sões serão ingredientes a mais na manter o desemprego nos níveis
cessão será mais profunda e longa instabilidade geral. A dissemina- atuais é necessária uma taxa de
do que qualquer outra já vista. A ção incontrolável do terrorismo é crescimento de pelo menos 8%.
burguesia está pagando o preço um sintoma subordinado à crise. Se o crescimento cair abaixo des-
do “sucesso” dos últimos vinte Todos esses fenômenos, que os te nível, surgem possibilidades de
anos. Países inteiros tornam-se amáveis pacifistas lamentam, são sérios conflitos sociais. A última
insolventes. A Islândia entrou em apenas a expressão da causa prin- estimativa do FMI para o cresci-
bancarrota. Na Suí- mento da China em
ça, os compromissos 2009 é de 5%. Domi-
bancários alcançam nique Strauss-Kahn,
700% do PIB – nes- diretor executivo do
se país que até então FMI, disse: “Come-
era considerado um çamos com 11% de
porto seguro para o crescimento, depois
capital. Este dado 8%, depois 7%, e
para a Grã-Bretanha agora a China pro-
é de 430%. Nos EUA vavelmente crescerá
está pouco abaixo 5 ou 6%.” Esta taxa
dos 100% - mesmo pode ser considera-
depois do fabuloso da alta se comparada
plano de salvamento com as taxas de cres-
do setor bancário. cimento dos EUA e
O recrudescimen- Europa. Mas é uma
to da recessão agu- acentuada queda se
çará as tensões entre comparada com o
Europa e EUA, entre ritmo de crescimen-
EUA, China e Japão to, em torno de 10%,
e entre a Rússia e os desempenhado pela
EUA. No passado, tais tensões le- cipal, que reside na contradição China no último período. E ainda
variam a uma guerra mundial. Foi entre o imenso potencial das forças não é certo que estas últimas pre-
a Segunda Guerra que resolveu a produtivas e os estreitos limites da visões sejam alcançadas.
crise econômica dos anos 30 atra- propriedade privada e dos Estados A China possui um grande
vés dos massivos gastos em ar- nacionais. Os mais poderosos (es- mercado interno, provavelmente
mamento e a completa destruição pecialmente os EUA) tentarão usar cerca de 300 milhões. Mas este é
de meios de produção durante a seus músculos para intimidar seus insuficiente para absorver a enor-
guerra. Contudo, a situação agora rivais e apoderar-se dos mercados me capacidade produtiva da indús-
é completamente distinta. O co- e fontes de matéria-prima, mas os tria chinesa construída ao longo
lapso da União Soviética e o co- capitalistas não podem encontrar a das últimas duas ou três décadas.
lossal poder do imperialismo ame- saída provocando uma nova guer- A queda da demanda no mercado
ricano significam que uma guerra ra como fizeram em 1914 e 1939. americano afetou as exportações
mundial está fora de questão. Com Portanto, todas as contradições se chinesas. Em novembro, a con-
gastos anuais de cerca de US$ 600 expressarão internamente, através tração da produção industrial chi-
bilhões nas forças armadas, não há do crescimento e intensificação da nesa foi acentuada: a produção de
poder sobre a terra capaz de en- luta de classes. aço caiu 12,4% comparada com
frentar os EUA. Mas haverá inces- Os olhos da burguesia se volta- o mesmo mês de 2007; as usinas
santes “pequenas” guerras, como ram para a China, de onde espera- de aço entregaram 11,3% menos;

7
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

a geração de eletricidade caiu É verdade que a China possui meses a partir de setembro a eco-
9,6%; e a produção petroquímica fabulosas reservas, que podem ser nomia japonesa encolheu 1,8%
caiu tanto quanto. Em novembro, usadas para estimular projetos de em relação ao mesmo período do
as exportações caíram 2,2% em trabalhos públicos para desenvol- ano passado. As outras economias
relação ao mesmo mês de 2007, ver a infraestrutura. Em novem- emergentes são ainda menos ca-
enquanto que os analistas espera- bro, o governo anunciou um paco- pazes de promover o estímulo ne-
vam um crescimento de 15%. Para te de estímulo fiscal da ordem de cessário para a economia mundial.
entender a mudança, é preciso quatro trilhões de Yuan (cerca de Todos serão arrastados no próxi-
lembrar que entre 2000 e 2006 as US$ 600 bilhões). Mas de acordo mo período. Tudo isso significa
exportações cresceram a uma taxa com algumas estimativas, isto re- convulsões sociais e políticas em
anual de 26%. Neste mesmo mês sultará em um aumento de pouco grande escala. O caos na Tailândia
as importações caíram 18%. É a mais de 1% no PIB. Isto é insu- é uma indicação a mais do que está
primeira fez que ocorre uma queda ficiente para alcançar os resulta- por vir.
das importações desde 2001. dos que a China precisa. Pequim Depois de um período de cinco
Estão surgindo sinais de super- só tem mais uma opção: exportar anos no qual a Índia cresceu ao rit-
produção e superinvestimento na mais para tentar resolver a crise. mo de 8,8% ao ano, as exportações
China, cujo mercado interno, em- Isto levará a conflitos com EUA e em outubro caíram 12% em rela-
bora considerável, não é grande Europa, que por sua vez pressio- ção ao mesmo mês do ano ante-
o suficiente para absorver todo o nam para que a China alavanque rior. Centenas de pequenas empre-
colossal potencial produtivo cons- sua economia para importar mais. sas têxteis fecharam suas portas.
truído ao longo das duas ou três Paulson visitou Pequim para pedir Mas as grandes empresas também
décadas, e que agora encontra seus que a China valorizasse o Yuan, entraram em crise. A indústria au-
limites. O primeiro aviso da crise mas Pequim está mais propensa tomobilística suspendeu a produ-
foi a acentuada queda das bolsas a promover uma desvalorização, ção. As vendas do Ambassador, o
de valores. O preço das casas está que agravará as contradições entre carro mais popular da Índia, tive-
caindo, a construção e a indústria China e EUA. ram uma queda brusca. O Paquis-
estão desacelerando mais rapida- Os líderes temem que a situação tão está à beira da bancarrota. O
mente que o PIB. A venda de car- econômica piore ainda mais, pro- banco central reviu suas projeções
ros, em novembro, caiu 10% em duzindo aquilo que eles chamam de crescimento para 7,5%, e estão
relação ao ano passado. A geração de “uma situação reativa de turbu- sendo otimistas. O crescimento
de energia, geralmente considera- lência social em escala massiva”. real deve ficar em 5,5% - o menor
da um seguro índice de crescimen- The Economist (13 de dezembro desde 2002.
to econômico, caiu 7%. de 2008) escreveu: “Cada sema- Com um déficit orçamentário
Estas estatísticas alteraram na que começa traz novas notícias de cerca de 8% do PIB, a Índia,
as perspectivas dos economistas de fechamentos de fábricas, prin- diferentemente da China, possui
ocidentais em relação à China. cipalmente no cinturão industrial pouca margem de manobra. Se a
O otimismo prévio transforma- ao longo do delta do rio Pearl, no China precisa de uma taxa de cres-
se rapidamente em pessimismo. Sul da China. Trabalhadores não- cimento de 8% para absorver os
The Economist (13 de dezembro pagos estão protagonizando vio- sete milhões de pessoas que en-
de 2008) assinalou: “Os otimis- lentos protestos”. A mesma revista tram no mercado de trabalho todos
tas ainda esperavam que estes gi- acrescenta: “De fato, manifesta- os anos, como poderá a Índia ab-
gantescos mercados emergentes ções e protestos, sempre comuns sorver a força de trabalho que se
(Índia e China) pudessem ser os na China, estão se alastrando, expande a um ritmo de 14 milhões
motores que poderiam empurrar o operários de fábricas demitidos se por ano? O grosso do crescimento
mundo para fora da recessão. Esta juntam aos agricultores despossuí- se dá em setores como o de infor-
expectativa foi revertida: a reces- dos, ativistas ambientais e vítimas mática, que não emprega grande
são global está arrastando a China da violência policial para tomarem quantidade de trabalhadores. O rá-
e a Índia junto com ela, causando as ruas.” pido crescimento do desemprego
desemprego massivo nos dois paí- A desaceleração na China está na juventude hindu criará condi-
ses que são, apesar de seu sucesso, afetando o Japão, para o quem o ções explosivas na sociedade. “E,
o lar de dois quintos das crianças mercado chinês tornou-se extre- como na China, estão se dissemi-
desnutridas do mundo.” mamente importante. Nos três nando distúrbios e até mesmo in-

8
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

surgências” (The Economist). o regime de Ahmadinejad pende e da miséria se soma ao açoite da


A queda na demanda está se por um fio. O descontentamento malária e da AIDS. Em todos os
expressando na queda generaliza- se alastra assim como a fúria en- lugares as forças produtivas estão
da dos preços das commodities. O tre a juventude, e também entre os estagnadas ou declinando, criando
petróleo depois de atingir o pico trabalhadores e a classe média. Há mais desemprego, miséria e deses-
de US$ 147 caiu para cerca de uma onda de greves. O fato de os pero.
US$ 40. Isto afetará a economia americanos terem decidido se re- Não há exagero em retratar o
dos países produtores de petróleo tirar do Iraque significa que eles mundo inteiro como um pesadelo
no Oriente Médio, Irã, Indonésia, serão forçados a abrir negociações ou como um manicômio. Estes são
Nigéria, México, Rússia e Vene- com o Irã e a Síria para cobrir seu sintomas associados à decadência
zuela. A Rússia é o terceiro país traseiro. Isto privará Ahmadinejad senil de um sistema que sobrevi-
mais superavitário do mundo, de seu principal trunfo – o chau- ve além de sua utilidade histórica,
mas já perderam US$ 144 bilhões vinismo antiamericano e a retóri- como o Império Romano no perío-
desde agosto. Isto é como um voo ca da “Guerra Santa”. Sem poder do de seu declínio. Mas há o outro
cego, que acentua lado da moeda: a
o medo da bur- efervescência so-
guesia em rela- cial e os ensaios
ção ao futuro. A de revoltas. Que,
casta dominante naturalmente, co-
está tentando dis- meçam com os jo-
trair a atenção das vens que são, em
massas através de primeiro lugar, as
aventuras estran- vítimas imediatas
geiras (como a da da crise, e em se-
Geórgia). Mas o gundo lugar, um
desenvolvimen- termômetro para
to da crise mais medir o descon-
cedo ou mais tar- tentamento que
de provocará fis- amadurece silen-
suras no regime, ciosamente nas
crescerá a oposi- entranhas da so-
ção, as greves e ciedade.
manifestações. É verdade que
A economia a eclosão da cri-
ucraniana está em crise, o país contar com o inimigo externo, as se chocou não apenas a burguesia
teve que pegar US$ 16 bilhões em- contradições dentro do Irã se apre- como também os trabalhadores.
prestados com o FMI. A crise eco- sentarão de maneira clara, com Haverá certa tendência a se apega-
nômica está aprofundando a crise implicações revolucionárias. rem a seus empregos, até mesmo
política, que tem um caráter endê- Nos países mais pobres da Áfri- aceitarão cortes salariais no curto
mico. O impasse do regime se ex- ca elementos de barbárie começam prazo, especialmente se os sindi-
pressa na incapacidade do capita- a aparecer e em alguns casos ame- catos não oferecerem alternativas.
lismo de resolver os problemas da açam envolver toda a sociedade e Mas haverá também um sentimen-
Ucrânia ou em qualquer outro país trazê-la de volta à selvageria. No to geral de fúria e amargura, que
da ex-União Soviética. O governo Congo cinco milhões de pessoas mais cedo ou mais tarde encontra-
pró-EUA está evitando as eleições, morreram em uma guerra civil as- rá seu caminho até a superfície. É
mas na realidade pende por um fio. sassina. No Zimbábue, as pessoas inevitável que a primeira camada
A maioria das outras ex-repúblicas enfrentam os horrores da fome e a entrar em ação seja a juventude.
soviéticas encontra-se em situação do cólera. Em Serra Leoa mais de Sempre é assim. A juventude, co-
ainda mais delicada. 70% da população vive com me- meçando pelos estudantes, sempre
A forte queda no preço do pe- nos de 70 centavos de dólar por é um sensível barômetro da atmos-
tróleo intensificará a efervescência dia e dois terços das mulheres são fera que se desenvolve na socieda-
pré-revolucionária no Irã, onde analfabetas. O pesadelo da fome de. Eles podem antecipar grandes

9
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

movimentos dos trabalhadores, ação e a enorme força da classe duramente a América Latina, em-
como em 1901-3 na Rússia e em trabalhadora no presente momen- bora tenha se desdobrado de ma-
1968 na França. to. Se os líderes do movimento tra- neira irregular, afetando uns pa-
balhista na Grécia tivessem uma íses mais que outros. O Brasil, o
Na Itália e na Alemanha estão política revolucionária, poderiam gigante econômico da região, tem
acontecendo grandes manifesta- tomar o poder. Mas sem uma lide- previsão de crescimento de 4%
ções de protesto da juventude. Na rança adequada o movimento será (provavelmente otimista) enquan-
Espanha a greve de estudantes des- reduzido a distúrbios pontuais, que to que o México, fortemente liga-
te outono foi organizada e liderada o governo eventualmente manterá do a economia EUA, tem previsão
pelos marxistas do Sindicato dos sob controle. Entretanto, o movi- de crescimento de apenas 0,4%.
Estudantes. Houve também suble- mento foi um sério aviso aos capi- Entretanto, em diferentes ritmos
vações por parte da juventude na talistas gregos sobre o sentimento e em diferentes momentos, todos
Hungria e anteriormente na Fran- de fúria e frustração que está sendo serão afetados.
ça. Mas na Gré- Em outu-
cia este movi- bro, a previsão
mento adquiriu do FMI para a
um caráter ex- taxa de cres-
plosivo e semi- cimento da
insurrecional e América Lati-
se combinou à na em 2009 era
greve geral dos de 3,5%. Dois
trabalhadores. meses depois o
Este é um sé- Banco Mundial
rio aviso para estima 2,1% e
a burguesia do Morgan Stan-
que pode estar ley 0,7% de
por vir em ou- taxa de cresci-
tros países. Isto mento para as
revela a falsida- sete maiores
de do argumen- economias da
to que diz que a região. Nos úl-
crise econômica timos dois me-
levará inevitavelmente à paralisia gestado na sociedade. O governo ses aconteceram crises monetárias
da classe trabalhadora. da Nova Democracia está chegan- e nas bolsas, além da escassez de
A burguesia gostaria de recor- do ao fim. Um novo estágio da luta crédito. Que foram seguidas por
rer à repressão. Isto ficou claro nas de classes está se abrindo na Gré- quedas nas exportações e nos pre-
recentes declarações por parte de cia. E amanhã o mesmo processo ços das commodities. A desacele-
Cossiga na Itália, que possuíam virá à superfície em um país após ração na China afetou a demanda
claro caráter bonapartista. Mas a o outro. por petróleo venezuelano, miné-
Grécia mostrou as limitações de Na América Latina a revolução rios peruanos, soja argentina e o
tais políticas. Foi o assassinato de já começou. Isto não é acidental, minério de ferro e o suco de laran-
um jovem estudante pela polícia e nós já explicamos isso dez anos ja do Brasil.
que trouxe as massas para as ruas. atrás, quando decidimos orientar o A crise nos EUA afetou o con-
O governo de direita declarou esta- trabalho da Corrente Marxista In- tinente diretamente. Cidades in-
do de emergência, mas Karamanlis ternacional para a América Latina. teiras, povoados, e regiões de pa-
não pode usar a força para impor a Neste continente o capitalismo foi íses como México, El Salvador,
ordem nas ruas porque isto pode- quebrado em seu elo mais fraco. A Honduras, Colômbia e Equador
ria levar a Grécia ao limiar de uma Revolução Venezuelana alcançou dependem do envio de dinheiro de
guerra civil. Tiveram que recuar. um ponto crítico, onde sua direção seus familiares que trabalham nos
O governo está paralisado. futura deverá ser decidida para um EUA e Europa. Os imigrantes são
O que os acontecimentos gre- caminho ou para outro. os primeiros a serem demitidos e
gos revelam é a debilidade da re- A crise do capitalismo atingiu são forçados a voltar para seus pa-

10
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

íses de origem. Dessa forma esses rias dentro do próprio EUA. o suficiente para se mover em di-
países se veem privados da moeda Este é um momento crucial reção à reação, porém a classe tra-
estrangeira e ao mesmo tempo são para a Revolução Venezuelana. As balhadora está sendo refreada por
obrigados a absorver um fluxo de forças da burguesia contrarrevolu- sua liderança. Isto significa que a
trabalho onde o desemprego já é cionária estão se agrupando após presente situação de equilíbrio ins-
alto. seu avanço parcial nas eleições tável entre as classes não perma-
Os reformistas argumentavam de novembro, que lhes forneceu necerá por muito tempo.
que o “modelo venezuelano” ga- importantes pontos de apoio para A revolução não se move de
rantiria imunidade aos problemas lançarem novas ofensivas. A crise modo linear. Inevitavelmente ha-
associados ao “modelo neolibe- econômica lhes dará novo ímpeto. verá avanços e retrocessos no
ral”. Esta é uma ilusão reformista. Chávez clama por mais expropria- movimento, como aconteceu na
Como a revolução não foi levada ções e propõe sua permanência revolução russa e na espanhola
até o fim, a Venezuela está sujeita como presidente. Chávez poderia no passado. Entre fevereiro e ou-
a todas as vicissitudes do merca- usar sua maioria na Assembleia tubro de 1917 houve períodos de
do capitalista mundial. A queda Nacional para aprovar a possibi- forte ascensão e períodos de reflu-
do preço do petróleo ameaça as lidade de re-eleição sem um re- xo, desespero e até mesmo reação
reformas do último período. Mor- ferendo. Isto provocará conflitos (julho-agosto). O mesmo aconte-
gan Stanley previu uma contração nas ruas, que colocaria a questão ceu na Espanha entre 1931 e 1937,
econômica na Venezuela e na Ar- do poder mais uma vez. A batalha onde tivemos O Biênio Negro (El
gentina em 2009, de 1 e 2% res- delineará o estabelecimento da Bienio Negro) em 1934-5. Mas em
pectivamente. Isto significa que confiança na Revolução de uma uma situação onde o pêndulo gira
as reformas e as missões enfren- maneira ou de outra. para a esquerda, tal “calmaria” é
tarão dificuldades. Além da crise Este será um período de enorme apenas o prelúdio de novos e ainda
geral do capitalismo, a economia turbulência e instabilidade – um mais tempestuosos levantes.
venezuelana também sofre com a período de revolução e contrarre- A situação objetiva na qual en-
sabotagem e a greve patronal que volução que pode durar anos, com tramos será mais semelhante ao
tem como objetivo desestabilizar avanços e retrocessos. No passa- período entre guerras, ou aos anos
o Governo Bolivariano e causar do, situações pré-revolucionárias 70, do que aos últimos vinte anos.
o descontentamento das massas. ou revolucionárias não duravam Condições similares tenderão a ge-
Apesar dos apelos aos capitalistas, muito tempo. Poderia chegar ao rar resultados similares. As massas
investimentos privados pratica- fim com a vitória da revolução ou estarão mais receptivas às nossas
mente não existem e a fuga de ca- da contrarrevolução na forma do ideias do que estavam no passado.
pitais é constante. Apenas o setor fascismo ou do bonapartismo. Mas A degeneração das organiza-
estatal mantém a economia. nas presentes condições este não é ções de massas alcançou o fundo
Mais cedo ou mais tarde a Re- o caso. No passado a burguesia na do abismo de modo inaudito no
volução terá que decidir se avança Europa e em outros lugares possu- último período. Os sociais-demo-
e estabelece a transformação so- íam importantes reservas de apoio cratas abandonaram qualquer pre-
cialista da sociedade, ou se recua na população, particularmente na tensão de estabelecer o socialismo
um passo após outro, até a igno- classe dos pequenos proprietários e os ex-comunistas abandonaram
miniosa derrota. As exigências por de terra. Este não é mais o caso. qualquer pretensão de lutar pelo
medidas drásticas contra a con- As camadas médias de pequenos comunismo. É uma grande ironia
trarrevolução e a expropriação sob proprietários têm diminuído gra- da História o fato de que preci-
controle operário crescem, os pro- dualmente ao longo do desenvol- samente neste momento tenham
blemas devem ser resolvidos. No vimento do capitalismo, enquanto renunciado à luta pelo estabeleci-
passado, o imperialismo estadu- que a classe trabalhadora cresce mento de mudanças revolucioná-
nidense teria atuado militarmente e torna-se a maioria da socieda- rias na sociedade. Agora a História
para abortar o processo, mas neste de em muitos países. No passado está se vingando.
momento isto é muito difícil. Os os estudantes eram originários de O surpreendente sucesso dos
EUA estão atolados no Iraque e no famílias ricas e se inclinavam ao marxistas na Rifondazione Co-
Afeganistão e não podem abrir ou- fascismo. Agora, este não é mais o munista na Itália e no Partido Co-
tra frente na América Latina, que caso, os estudantes estão à esquer- munista Francês é uma indicação
teria consequências revolucioná- da. A classe dominante não é forte de que mudanças profundas es-

11
América Socialista
A crise mundial do capitalismo está se acelerando

tão acontecendo. No passado tais os trabalhadores: estes assuntos pano de chão imundo. Então dirão
avanços eram impensáveis. Mos- nos dizem respeito! É assim que a às massas: “Agora vocês perce-
tram o profundo descontentamento consciência rapidamente se trans- bem o que significa o socialismo!”
das bases. O mesmo descontenta- forma no curso da luta. Assim, a contradição se abre entre
mento permeia as organizações de Na Bélgica o grande banco de a cúpula do movimento, que se
massas. Isto crescerá com o desen- investimentos Fortis colapsou, e move à direita, na direção da cola-
rolar da crise e com a exposição a companhia foi pilhada pelos ca- boração de classes, e as bases, que
à prática das políticas se movem à esquer-
das lideranças. da, procurando uma
É verdade que a solução radical e a
consciência segue à ação militante. Mais
zaga dos aconteci- cedo ou mais tarde as
mentos, porém mais contradições internas
cedo ou mais tarde a deverão ser resolvi-
consciência desperta- das. O período que
rá. Este é justamente se abre revelará todo
o significado de uma tipo de crise e divi-
revolução. Estamos sões nas organizações
nos aproximando de tradicionais da classe
um ponto crítico. Um trabalhadora.
sentimento anticapita- Grandes possibili-
lista generalizado se dades estão se abrin-
desenvolve na socie- do para os marxistas,
dade, não apenas na e a crise social ainda
classe trabalhadora, encontra-se em seu
como também entre as estágio inicial. À me-
classes médias. Pes- dida que a crise se
soas que nunca antes desenvolve, a radi-
haviam questionado o capitalismo pitalistas franceses e holandeses. calização da classe trabalhadora
estão cada vez mais descontentes. O Fortis era reconhecido como o alcançará níveis nunca vistos an-
Esta é uma situação muito perigo- “Banco do Povo”. 700 mil pessoas tes em décadas. Ideias que são ou-
sa para a classe dominante. E a cri- possuíam suas ações. Mas as ações vidas apenas por um punhado de
se apenas começou. colapsaram e o banco perdeu 90% gente encontrará uma audiência de
A ocupação da fábrica de por- de seu valor. Isto provocou uma massa. As bases para a construção
tas e janelas Republic em Chicago onda de fúria dirigida aos bancos. de correntes marxistas de massas
(que está tomada neste momento) Em todos os lugares víamos a mes- estarão dadas em todos os lugares.
mostra o potencial revolucionário ma indignação contra os banquei- Em última análise, esta é a única
que está sendo gestado no próprio ros e capitalistas, que eram obri- garantia para a futura transforma-
EUA. Lá trabalhavam principal- gados a apoiar os líderes da classe ção socialista da sociedade.
mente operários latinos pobres. A trabalhadora para se manterem no
fábrica foi forçada a fechar porque poder.
os bancos lhe negaram crédito, e Na crise do capitalismo, os líde- Londres,
os patrões não estavam dispostos a res dos trabalhadores no parlamen- 15 de dezembro de 2008
pagar o devido aos trabalhadores. to se agarram à classe dominante e
Isto acendeu a ocupação. Os tra- os líderes sindicais se agarram aos
balhadores disseram: “não temos líderes parlamentares. Em tais pe-
dinheiro para pagar nossas hipo- ríodos a classe dominante prefere
tecas; não perderemos apenas nos- que os líderes trabalhistas estejam
sos empregos, mas também nossas no governo. Sua política é usada e
casas!” Então eles ocuparam. Mas desacreditada. Usarão estes líderes
a questão da propriedade foi co- para fazer o trabalho sujo e depois
locada. A ideia se enraizou entre os descartarão como se fossem um

12
América Socialista
A economia da América Latina

A economia da América Latina:


do crescimento ao abismo
Luis Enrique Barrios
Tendência Marxista Militante - México

A
tualmente o mundo está exportações são extremamente as previsões do Fundo Monetário
sendo sacudido pelo que dependentes desses motores da Internacional (FMI), ao final des-
promete ser a crise eco- economia mundial. te ano o PIB latino-americano em
nômica mais aguda desde os anos seu conjunto alcançará 4,5%, para
30. O colapso do setor imobi- aterrissar em 3,25% no final de
liário e, posteriormente, a crise Auge e queda de uma 2009; por seu lado, a agência ava-
financeira nas principais potên- economia dependente liadora de mercado Merrill Lynch
cias capitalistas colocaram em fala de um crescimento de 4,3%
cheque estas nações, arrastando Os últimos cinco anos repre- para este ano de 2008 e de 2,1%
na sua esteira todo o planeta. A sentaram um período de expansão em 2009; esta perspectiva mais
crise está tendo impacto especial econômica para a América Lati- cética é compartilhada pelo Ban-
naquelas regiões e países cujo na (AL) em que o Produto Inter- co Mundial (BM) e pela Comissão
destino, dado o papel que desem- no Bruto (PIB) da região cresceu Econômica para a América Latina
penham na divisão internacional numa média anual de 5,2%. O (CEPAL). O primeiro prognostica
do trabalho, está intimamente li- Brasil se colocaria como a déci- 2,1% e a segunda 2,5%, em ambos
gado ao dos EUA, da União Eu- ma economia do planeta e, por os casos para 2009.
ropeia (UE), do Japão e inclusive seu lado, a Venezuela, para citar Foi assim que nações como
da China, sendo esta última con- outro exemplo, experimentaria Brasil, Argentina, Chile, Méxi-
siderada a quarta economia do desenvolvimentos espetaculares, co, Venezuela e Guatemala (este
planeta. logrando uma média anual de último concentra mais da metade
O recente boom econômico crescimento econômico de 10,7% do produto da América Central)
engendrou uma orgia especulati- entre 2004 e 2007; inclusive, em tiveram que diminuir suas expec-
va que teve como principal alvo 2004, o PIB venezuelano alcança- tativas de crescimento para o pró-
o setor imobiliário, mas este fe- ria espetacu-
nômeno também se estendeu ao lares 17,9%. País
PIB (%)
mercado de matérias-primas, Para a AL 2007 2008 (cálculo) 2009 (perspectiva)
Brasil 5,4 5,24 2,5
vendo-se favorecidos os países tudo parecia México 3,1 2,15 0,4
produtores, como os da América ir de vento em Argentina 8,7 6,2 4,0
Latina. Contudo, a bolha final- popa e, antes Chile 5,1 3,9 2,5
mente explodiu empurrando para de setembro Venezuela 11,8 6,0 2,0
Guatemala 4,6 3,8 3,5
uma situação recessiva os EUA de 2008, as América Latina 5,7 4,5 2,5/2,1
(há poucos dias foi reconheci- principais Mundial 3,8 2,5 0,9
do que os EUA estão em reces- agências fi-
são desde dezembro de 2007), a nanceiras do capitalismo manti- ximo ano:
União Europeia e gerando um rit- nham prognósticos otimistas. Con- As cifras prognosticadas para
mo menor de crescimento para o tudo, as previsões mais recentes (e a América Latina são o reflexo na
gigante asiático (alguns analistas enfatizamos a expressão mais re- região do comportamento espera-
assinalam que ninguém deveria cente, porque de setembro até hoje do para a economia mundial no
estranhar se em 2009 a economia todos os cálculos foram revisados final de 2008 e para o ano 2009.
chinesa crescer apenas 4% ou em repetidas ocasiões, natural- Os resultados para esta última já
6%), tendo tudo isto um impac- mente para baixo) já apontam em representam um importante augú-
to nocivo sobre os países cujas direção contrária: de acordo com rio sobre o panorama que já está

13
América Socialista
A economia da América Latina

enfrentando, e que enfrentará, o traduzindo-se isto em um sig- ficavam atrás. Apenas em 2007, a
subcontinente. Os 2,5% de de- nificativo crescimento dos seus média dos lucros para qualquer in-
senvolvimento calculado para a preços, que também foram em- vestidor neste terreno foi de 23%.
economia da América Latina em purrados para cima por uma gi- Tudo isto estimulou os investi-
seu conjunto representam a cifra gantesca especulação registrada mentos em solo latino-americano,
mais moderada desde 2003 e, por nos chamados mercados de futu- registrando-se avanços espetacu-
seu lado, a perspectiva para 2009 ros. A esse respeito, como exem- lares, como o de 2007, no qual o
a coloca no pior resultado desde plo, basta mencionar que durante Investimento Direto Estrangeiro
1982. os primeiros nove meses de 2007 (IDE) alcançou US$ 106 bilhões,
Em boa medida as exportações o capital investido nos mercados quantidade significativamente su-
para o resto do mundo, em espe- agrícolas foi quintuplicado na Eu- perior à lograda em 2006, quando
cial para os EUA, a UE e a China, ropa, e multiplicado por sete nos esta classe de investimentos foi
criaram uma magnífica base para Estados Unidos. estimada em US$ 61,6 bilhões.
o desenvolvimento logrado na re- A alta demanda e a especula-
gião durante os últimos anos, o ção encareceram formidavelmente
que a fez experimentar um cres- os preços internacionais das maté- As remessas
cimento de 23% em 2004; 19%, rias-primas. Assim, o petróleo al-
em 2005; 21%, em 2006; e 11% cançaria em julho deste ano US$ O paradoxo disto tudo é que
em 2007. Não obstante, no que nesta meia década, no melhor
corresponde ao ano de 2008, e dos casos (insistimos, no melhor
tão somente no caso das expor- dos casos), houve uma diminui-
tações aos EUA, o mercado ex- ção quase insignificante dos ele-
terior latino-americano já mostra vados índices de marginaliza-
importantes sintomas de deterio- ção, em que padecem milhões de
ração, pois entre os meses de ja- pessoas desde o Rio Grande até
neiro e outubro desse último ano, Patagônia, a despeito das cifras
o superávit do subcontinente por oficiais da CEPAL e do Banco
conta de seu intercâmbio comer- Interamericano de Desenvolvi-
cial com o imperialismo estadu- mento (BID), segundo as quais,
nidense registrou uma queda de em todos esses anos, a miséria
23,6%. Se neste cálculo fosse foi reduzida na América Latina.
omitido o papel que desempenha Estas cifras entram em con-
o México nesse mercado, a que- tradição com o papel que duran-
da seria de 60%. te esse mesmo período desem-
Outro resultado, que guarda penharam as remessas enviadas
relações com o anterior, é a aflu- 147 o barril; por sua vez, o cobre, à região. Como um dado compa-
ência de capital bruto para a Amé- cujos usos diversos e a demanda rativo, que ilustra mais que grafi-
rica Latina, que se contraiu 45% são interpretados por alguns como camente esta realidade, está o fato
entre janeiro e setembro de 2008, um magnífico termômetro para se de que em 2006, em todo o mun-
em comparação com idêntico pe- medir o estado de saúde das prin- do, foi movimentado um volume
ríodo em 2007. cipais potências industriais, desde de remessas de US$ 300 bilhões,
2001, experimentou 700% de in- dentro do qual o valor destinado à
cremento em seu valor de merca- América Latina foi de US$ 68,62
Matérias-primas e do; no caso dos alimentos, ainda bilhões, quantidade que, por si
investimentos em setembro passado, produtos mesma, superou aproximadamen-
como a soja (US$ 600), o azeite te em US$ 7 bilhões a alcançada
O auge econômico experimen- de girassol (US$ 2 mil), o milho nesse mesmo ano pelo subconti-
tado pela economia mundial nos (US$ 310) e o trigo (US$ 470) nente em IDE (Investimento Dire-
últimos anos criou, entre outros reportavam preços por tonelada to Estrangeiro).
resultados, uma grande demanda mais que rentáveis. Por seu lado, Avaliando estes dados, não é
de matérias-primas por parte das os lucros dos investimentos nos difícil assinalar que, se não fos-
principais economias do mundo, mercados de matérias-primas não se pela mão-de-obra migrante, a

14
América Socialista
A economia da América Latina

América Latina não teria alcan- de mão-de-obra imigrante. Com levância para a burguesia das na-
çado os resultados destes últimos isto, hipocritamente, pretendem ções receptoras de mão-de-obra.
anos. As remessas transformaram- “defender” os trabalhadores nati- É nesse contexto que se apre-
se em um pilar para a América La- vos tratando de reservar para estes senta a chamada Diretriz Retor-
tina e, tanto foi assim, que já nes- os poucos empregos disponíveis no, aprovada pela UE no final de
tes tempos de crise econômica, na e, de passagem, lograr no mínimo 2008, e que tem como objetivo
Bolívia, foi esta fonte de divisas outros dois efeitos colaterais tão lançar uma caçada feroz contra
que funcionou como um balão de valorizados pelas burguesias lo- os aproximadamente 8 milhões de
oxigênio para a economia da na- imigrantes ilegais alojados nos di-
ção andina, frente à diminuição do ferentes países que a integram. No
ritmo do IDE, na região: de acordo caso dos EUA, ocorre exatamen-
com o Banco Central desse país, te o mesmo, pois de acordo com
de janeiro a setembro de 2008, os a Universidade do Texas, de San
envios de dinheiro de bolivianos Antonio, durante este último ano,
que trabalham na Espanha, nos nesta potência capitalista, a po-
EUA e na Argentina alcançaram pulação de imigrantes ilegais foi
US$ 794 milhões, quantidade que reduzida em 11%.
quase duplica os US$ 433 milhões O que aconteceu no México,
que foram conseguidos por meio cuja fronteira sul marca realmente
do IDE durante os mesmos meses. o início da fronteira estadunidense
Em Honduras, as remessas já re- com respeito ao restante da Amé-
presentam 25% do PIB! rica Latina, durante 2006 já se ex-
A imigração é um tapa na cara pressava claramente a política mi-
das agências burguesas, quando gratória gringa: durante esse ano
elas assinalam que a luta contra ingressaram no território desta
a pobreza avançou na América nação 270 mil centro-americanos,
Latina. No ano 2000, segundo da- dos quais foram deportados 216
dos oficiais da CEPAL, tínhamos cais, sobretudo em momentos tão mil!!! No entanto, sobre este fato,
20 milhões de latino-americanos difíceis como o atual: em primeiro é necessário analisar que essa po-
residentes nos EUA e na Europa, lugar, o de caráter político, que é lítica migratória se desenvolveu
população que cresceu até os 25 fazer dos imigrantes os culpados no momento em que a economia
milhões em 2005. Frente essa esta pelo sofrimento dos trabalhadores gringa funcionava muito melhor
evolução, é pertinente perguntar locais, porque essa classe de mão- que atualmente. Por outro lado,
até onde chegaram os benefícios de-obra está lhes arrebatando os se tratava de um período em que
para a população nestes últimos escassos empregos disponíveis, a economia da AL também se
cinco anos de desenvolvimento tratando de dividir desta forma desenvolvia e que, apesar disso,
latino-americano, já que se trata os trabalhadores; em segundo, o continuava a expulsar suas popu-
de uma economia que continua de corte econômico, já que a for- lações, que engrossavam as filei-
expulsando, a cada ano, centenas ça de trabalho imigrante costuma ras da imigração.
de milhares de trabalhadores para sempre ser uma mão-de-obra par- Esta contradição, a dos países
outras latitudes. ticularmente barata. Quanto mais atrasados expulsando mão-de-
Desafortunadamente, tan- ilegal, e em consequência, quanto obra, por um lado, e as nações re-
to para os interesses das oligar- mais seja perseguida, mais barata é ceptoras endurecendo sua política
quias latino-americanas, quanto, essa mão-de-obra, incrementando anti-imigração por outro, mes-
e principalmente, para milhões ainda mais os lucros dos patrões mo em um contexto de relativo
de famílias cujo sustento depen- que a exploram. Essa é a lógica a crescimento econômico mundial,
de disto, este “quarto pé da mesa” que se submetem todos os dias os permite-nos assegurar que esta
da economia regional está a ponto trabalhadores imigrantes, inclusi- problemática recrudescerá signi-
de se quebrar em pedaços. Uma ve em tempos de crescimento eco- ficativamente, conforme a crise
crise econômica costuma endu- nômico - mas quando as coisas atual se aprofunde e se prolongue
recer as políticas migratórias em vão mal, este tipo de perseguição no tempo, provocando uma insta-
todas aquelas nações receptoras e caça humana adquire dupla re- bilidade social muito mais explo-

15
América Socialista
A economia da América Latina

siva do que tudo o que vimos até vados avanços como o da América boa vantagem de sua posição com
o momento. O epicentro dessa si- Central, que tem como principal US$ 38 bilhões de dólares em ex-
tuação, que pode ser considerada parceiro comercial os EUA, quan- portações de cobre, representando
como uma guerra pela forma como do, por exemplo, em 2007, foram tal soma 52% do total de suas ven-
esse fenômeno se expressa, se es- logradas exportações àquela na- das ao exterior.
tabelecerá nas nações receptoras ção em torno de US$ 42 bilhões, Também os alimentos viram
de mão-de-obra, quando milha- quantidade bem superior aos US$ uma redução significativa de seus
res, mesmo milhões, de imigran- 39 bilhões alcançados um ano preços: a soja passou de US$ 600
tes mobilizarem-se em defesa de antes. Essas somas consideram para US$ 325 a tonelada; o azei-
seus direitos. As multitudinárias somente as nações integradas ao te de girassol, de US$ 2 mil para
mobilizações de imigrantes no CAFTA: Guatemala, El Salvador, US$ 805; o milho, de US$ 310
próprio coração do imperialismo Honduras, Nicarágua e República para US$ 178, e o trigo, de US$
estadunidense em 2007 represen- Dominicana. 470 para US$ 233. Neste terreno,
tam a antecipação do cenário que No caso da UE, o preço das um dos mais afetados foi a Argen-
irá atingir as principais potências matérias-primas permitiu que tina, tradicional produtor mundial
econômicas por causa de toda esta o valor das exportações latino- de alimentos e dependente da pro-
problemática. americanas crescesse até 14%. A dução agrícola, que representa a
Mas o custo altíssimo dessa explosão do intercâmbio comer- metade do volume total de suas
instabilidade social e política tam- cial com a China também é um exportações.
bém será pago pelas nações pobres exemplo da forma como a região Continuando a contabilida-
onde, para milhões de seres huma- se beneficiou das condições do- de, o outro caso é o do petróleo,
nos, a imigração se apresenta com minantes no mercado mundial. O matéria-prima intimamente vin-
a única e última saída individual. comércio do conjunto das nações culada ao desempenho econômico
O endurecimento da política anti- do subcontinente latino-america- de nações como Brasil, Venezuela
imigração dos EUA e da UE, para no com o gigante asiático cresceu e México. A expansão econômica
o caso da América Latina, está de US$ 13 bilhões de dólares em das principais economias do mun-
semeando uma poderosa bomba- 2000 para os US$ 103 bilhões al- do gerou uma fortíssima demanda
relógio, que vai explodir de um cançados em 2007. pelo hidrocarboneto, elevando às
momento para outro. Com suas Mas, agora, todo o panorama nuvens o seu preço, que chegou
medidas anti-imigração, contra mudou, pois dois dos principais a US$ 147 o barril em junho de
sua vontade, os imperialistas es- mercados para as exportações lati- 2008. Contudo, a crise mundial
tão alimentando a chama da revo- no-americanas entraram em reces- já está apresentando os primeiros
lução latino-americana. O sinal de são, tendo tudo isto, como conse- impactos sobre o mercado petro-
alarme já foi acionado, visto que quência, uma menor demanda no lífero, abaixando seu preço para
as receitas representadas pelas re- mercado mundial de matérias- US$ 41,53, alcançado pelo barril
messas para o conjunto da Améri- primas e provocando, por sua vez, do Brent do Norte no último dia
ca Latina já registram uma queda súbitas e importantes diminuições quatro de dezembro.
de 20% em 2008. dos preços internacionais das ma- A queda destes preços é signi-
térias-primas, tal como aconteceu ficativa e já está tendo impactos
em outubro passado quando, na sobre o México, país que tem o
Exportações bolsa de Chicago, seu valor sofreu petróleo como primeiro produto
a queda mais importante nos últi- de exportação e principal fonte de
Como já mencionamos aci- mos 30 anos. receitas. As expectativas para esta
ma, durante o ciclo de expansão O preço do cobre desabou 50% economia é a de que, em 2009,
econômica na última meia dé- desde junho, uma queda bem su- apresente um dos comportamen-
cada na América Latina, um dos perior à da recessão estaduniden- tos mais raquíticos de toda a Amé-
principais fatores que estimulou se de 2001, quando caiu 23%. O rica Latina.
o crescimento econômico foi a problema do cobre é um golpe di- Por seu lado, o Brasil, que tam-
alta dos preços internacionais das reto à economia chilena, principal bém reduziu sua perspectiva de
matérias-primas, cujas exporta- produtora deste mineral para todo crescimento, já registra perdas des-
ções geram 90% do PIB regional. o mundo. Ainda no ano passado, de maio de 60% do valor das ações
Durante esses anos, foram obser- em 2007, esta nação logrou tirar da Petrobrás. O espectro petrolífe-

16
América Socialista
A economia da América Latina

ro põe em sérios riscos as ilusões pagamentos para assumir 60% da clo da economia mundial colocou
que Lula e a burguesia brasileira siderúrgica Sidor. O governo ve- em um sério atoleiro o conjunto
têm sobre o papel anticrise que po- nezuelano necessita investir apro- das economias latino-americanas,
deria desempenhar o Programa de ximadamente US$ 5 bilhões para provocando, ao mesmo tempo, o
Aceleração do Crescimento (PAC), as nacionalizações e infelizmente fenômeno de desvalorização das
no qual, dos US$ 214 bilhões pro- a queda dos preços do petróleo se as moedas locais, como é o caso do
gramados para serem investidos apresenta já como um sério pro- real brasileiro, que passou de um
entre 2007 e 2010, uma terça parte blema. valor de 1,55 por dólar, em agos-
seria proporcionada pelas receitas to, a 2,20 por unidade, registrados
do hidrocarboneto. em princípios de novembro; outro
O caso da Venezuela é mais Os investimentos exemplo é o do peso chileno que
dramático ainda. Nesta nação - foi das 430 unidades, em março,
que viu como o preço de seu barril Durante os últimos anos, o pre- para 655 por dólar, em novembro;
baixou já nos inícios de novembro ço favorável das matérias-primas o peso argentino, que no início de
para US$ 55, quando em julho era atraiu importantes investimentos dezembro tinha um valor de 3,42
cotado em US$ 126 – cerca de para a América Latina; não obs- por dólar, já possui uma perda de
90% de suas exportações são gera- tante, a mudança das condições 12% desde que explodiu o confli-
das por essa matéria-prima, to entre os agroindustriais
além de produzir 30% do e o governo de Cristina
PIB e representar 50% do Fernández de Kirchner. No
orçamento governamental. México, as sacudidas finan-
Os ingressos do petróleo ceiras já desvalorizaram o
sempre tiveram um peso peso em 25%.
determinante para a econo- Na teoria, a desvaloriza-
mia venezuelana; contudo, ção das diferentes moedas
nos últimos anos este papel da América Latina deveria
adquiriu relevância extraor- dar uma maior competiti-
dinária, pois foi útil para o vidade às suas exportações,
governo do presidente Chá- ajudando a tirar estas na-
vez em sua política para ções da crise. De fato, na
romper o cerco e o boicote a Argentina os empresários
que foi submetida a revolu- e os banqueiros já estão
ção bolivariana, através do exigindo aos gritos que o
desabastecimento imposto peso deste país seja des-
pela oligarquia e o imperialismo. faz com que esses capitais agora valorizado até alcançar as quatro
Por exemplo: graças ao petróleo, deem as costas à região. A IDE, unidades por dólar, para poder
durante 2007, a Venezuela pôde reportada para todo o subconti- competir em melhores condições
investir US$ 45,63 bilhões em im- nente, de janeiro a setembro deste em relação ao Brasil. Contudo,
portações. ano, chegou aos US$ 55 bilhões, esta medida é completamente re-
Nos planos do governo tam- uma quantidade 18% menor à al- lativa. É certo que no México (em
bém se encontra o fato de que a cançada durante o mesmo período 1995) e na Argentina (em 2002)
renda petrolífera seja uma impor- de 2007, ano em que esta somou a desvalorização de suas moedas
tante plataforma para a política de em sua totalidade US$ 106 bi- desempenhou um papel que, junto
nacionalizações; contudo, o pano- lhões. a outros fatores, auxiliou ambas as
rama mudou abruptamente em tal Por seu lado, as diferentes bol- nações a fortalecer suas exporta-
grau que ainda não puderam ser sas da América Latina, de maio ções, empurrando para frente es-
cumpridos os compromissos para até hoje, viram cair o valor de tas duas economias que se encon-
que o Estado assuma o controle seus ativos de US$ 58 bilhões para travam mergulhadas em severas
de Lafarge, Holcim e Cemex, em- US$ 20,5 bilhões, de acordo com crises econômicas. Mas também
presas que monopolizam 90% da a consultora estadunidense EPFR outra coisa é certa, e isto marca
produção de cimento. Tampouco Global. uma diferença de peso entre o que
se pôde cumprir o cronograma de A mudança da tendência no ci- acontece hoje, diferentemente do

17
América Socialista
A economia da América Latina

passado: o colapso destas duas fato de que, na prática, se trans- lançar fora um peso morto que,
economias, e por consequência, forma em um peso que freia o de- segundo o FMI, em 2006 alcan-
as agudas desvalorizações vividas senvolvimento das nações pobres çou US$ 742 bilhões no total, cor-
pelas duas moedas, coincidiram e endividadas. respondendo 60% desse custo ao
com anos em que a economia das Foi por estas circunstâncias, Brasil, México e Argentina.
principais potências capitalistas que constituem um saldo a mais A crise da dívida externa da
estava em expansão, tornando- da atual crise, que o presidente América Latina, na década de 80,
as semelhantes a aspiradores que de esquerda, Rafael Correa, do que alcançou US$ 368 bilhões
absorviam energicamente uma Equador, declarou a moratória da em 1985, deixou uma profun-
classe de exportações, beneficia- dívida externa em um montante de da e dolorosa impressão nos po-
das significativamente pela extra- US$ 30,6 milhões em juros, cujo vos da região, ao se transformar
ordinária perda de valor do peso vencimento tinha como prazo fi- em uma catástrofe que empurrou
argentino e mexicano. para a miséria milhões
O panorama mun- de latino-americanos.
dial que tinha o México A memória histórica
a sua frente em 1995 e frente a esses fatos, tão
o que tinha a Argentina traumáticos, torna-se
em 2002, é muito dife- muito teimosa e não
rente ao de hoje, carac- costuma se dissipar tão
terizado pela recessão facilmente. O Equa-
dos principais países dor já é um exemplo
desenvolvidos. O que disto, expressando de
é realmente seguro, é maneira muito nítida a
que a desvalorização atitude dos trabalhado-
favorecerá as oligar- res latino-americanos
quias da América La- frente a esta forma de
tina que se beneficiam sangria provocada pelo
com a especulação dos imperialismo e seus
mercados de divisas sócios oligarcas.
destes países. Contrariando o ce-
Mas, também outra coisa é se- nal o último dia 15 de dezembro. nário dos últimos cinco anos, o
gura: cada centavo de valor que O Equador, cuja dívida externa é que vemos agora não é somente
percam as moedas latino-america- de aproximadamente US$ 29,9 uma retirada dos investimentos,
nas será um centavo a mais para bilhões, está tratando de enfren- mas sim um processo aberto de
encarecer a dívida externa da re- tar, com medidas como esta, os desinvestimento conhecido como
gião, estabelecida, naturalmente, impactos da crise sobre sua eco- fuga de capitais, pois ao longo dos
em dólares. O auge econômico nomia, e de fato já se anunciam primeiros nove meses deste trau-
permitiu que tal dívida, em pro- mobilizações neste país em apoio mático 2008, o total desta saída
porção ao PIB latino-americano, a esta iniciativa. Destacar este de capitais já é alarmante: no Mé-
fosse reduzida em 36% em 2006, último aspecto é de significativa xico, US$ 19 bilhões; no Brasil,
e em 33%, em 2007. Mas, defi- relevância, pois ao lado das impli- US$ 10,298 bilhões; na Argenti-
nitivamente, esta tendência será cações econômicas que possa ter na, US$ 18,38 bilhões. No caso
freada em 2008-2009, em conse- esta moratória, estão também as da Venezuela, as fugas já se apro-
quência da crise mundial. consequências políticas, visto que ximam dos US$ 20 bilhões. Essa
A dívida pública, externa e in- a determinação adotada por Cor- realidade, que atinge algumas das
terna, significa uma sangria para rea pode derivar em maior ânimo principais economias latino-ame-
as finanças do Estado e um sacri- para o povo equatoriano em sua ricanas, reflete a desconfiança da
fício que tem de ser pago ampla- luta contra o imperialismo e a oli- burguesia regional e seus temores,
mente pelos trabalhadores e suas garquia, além de se transformar ante um futuro que se apresenta
famílias, pois exige uma maior ar- em um exemplo do caminho a ser como bastante incerto. Os ratos
recadação ao lado de cortes seve- seguido pelo restante dos traba- estão abandonando o navio e ne-
ros nas políticas sociais, além do lhadores da América Latina, para nhuma das “medidas anticrise”,

18
América Socialista
A economia da América Latina

anunciadas pelos diferentes go- te verdadeiro quando analisamos Essa mudança de fundo, a úni-
vernos, consegue fazê-los mudar as condições a que é submetida a ca capaz de deter esta nova tragé-
de ideia. classe trabalhadora cada vez que a dia que se avoluma sobre a cabeça
economia entra em colapso. Mes- dos trabalhadores e camponeses
mo que a atual crise não mostre pobres, somente pode vir do pro-
O peso sobre os trabalhadores ainda sua face mais terrível, as letariado e do restante dos pobres
demissões já se apresentaram para latino-americanos, se organizando
Apesar do suposto “milagre centenas de milhares nos diferen- e lutando por um programa que
econômico” dos últimos cinco tes países da América Latina: no exproprie a oligarquia e os impe-
anos, na América Latina as coisas México, apenas a manufatura e a rialistas para colocar, a serviço da
não significaram muito em maté- construção civil jogaram 200 mil maioria, os bancos, as fábricas,
ria de bem-estar para a classe tra- pessoas na rua; a indústria têxtil a terra, as redes comerciais, os
balhadora. De acordo com cifras peruana já despediu 10 mil traba- transportes e todas as bases essen-
oficiais da CEPAL, entre 2001 e lhadores; na Guatemala, este mes- ciais para organizar a economia
2006, a renda per capita da re- mo ramo industrial já anunciou a de maneira planificada. Contra a
gião cresceu 4%, resultado menor redução de 60% de seu plantel de rapina da propriedade privada ca-
do que o alcançado entre 1980 e trabalhadores; em Honduras, a ex- pitalista, lutemos pela proprieda-
2000, quando chegou a 9%, mas pectativa é que, no final de 2008, de coletiva dos principais meios
radicalmente inferior ao obtido 50 mil empregos tenham se per- de vida; contra a anarquia da eco-
entre 1960 e 1980, quando este dido. nomia capitalista, cujas leis nos
índice se desenvolveu em 82%. A destruição de forças produti- empurram periodicamente para
Estes dados questionam com mui- vas é o denominador comum mais crises econômicas cada vez mais
ta força todas aquelas estatísticas agudo em cada um dos países da profundas, lutemos pela econo-
segundo as quais a pobreza está América Latina, que está sendo mia planificada socialista; contra
sendo reduzida, e demonstram empurrada para uma avalanche de a democracia burguesa, cuja úni-
que, com auge econômico ou sem demissões massivas. Para a OIT, ca razão de ser é a proteção da
ele, de todos os modos, a tendên- que reconhece que neste momento sacrossanta propriedade privada
cia à queda dos níveis de vida na há 23 milhões de latino-america- capitalista, apelemos à democra-
América Latina tem sido a nor- nos no desemprego total e outros cia operária tal como o fizeram os
ma nos últimos 30 anos. Esta é a 103 milhões no setor informal, é operários russos em 1917; contra a
base material do giro à esquerda e necessário que a região gere 126 reacionária atomização da Améri-
sobre a qual repousa a revolução milhões de empregos para alcan- ca Latina, cujos diferentes estados
latino-americana. çar uma “situação saudável” no nacionais capitalistas se apresen-
Entre 2001 e 2006, de acordo terreno trabalhista. Definitivamen- tam como um sério obstáculo para
com a Organização Internacional te, esta pretensão é uma completa o progresso da região, forjemos a
do Trabalho (OIT), os salários da fantasia nesta lógica econômica; Federação Socialista da América
região foram incrementados em sob o capitalismo o que, lamenta- Latina. A revolução que percorre
média 0,3%, ou seja, em nada; e velmente, não é nenhuma fantasia, o continente também terá impac-
isto ao lado da inflação nos pre- é o fato de que a crise que arrasta to importante nos EUA e Canadá,
ços dos alimentos que já acumu- a América Latina, como prognos- com suas poderosas classes tra-
lava 20% em outubro de 2008. Os tica a própria OIT, no ano de 2008 balhadoras, irmãs das dos nossos
últimos cinco anos de desenvol- termine elevando em uns 20 mi- países. Hoje mais que nunca, as
vimento econômico desta região lhões a mais os atuais 200 milhões ideias de Marx, Engels, Lênin e
não significaram qualquer avanço de pobres, que já existiam na re- Trotsky estão vigentes em toda
digno de ser levado em conside- gião antes que explodisse a atual esta região, com um longo históri-
ração em relação à melhoria das crise econômica. Em 2009 será co de lutas revolucionárias.
condições de vida das massas lati- muito pior e, se não houver uma
no-americanas, ratificando o beco mudança de fundo na sociedade,
sem saída do capitalismo e colo- o único fato seguro é que esta ma- 18 de Dezembro de 2008.
cando, ao mesmo tempo, o socia- cabra cifra de pobreza continuará
lismo como a única alternativa vi- crescendo sem freios.
ável para os povos desta região. Por uma federação socialista
Mas o que foi dito é duplamen- da América Latina

19
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

­­­
Cinquenta anos depois:
Para onde vai a Revolução Cubana?
Jordi Martorell
Corriente Marxista Internacional

N
o dia 31 de dezembro de “Revolução sim, golpe militar Greve Geral se prolongou desde o
1958, o ditador cubano não! Tirar do povo a vitória, não, dia 1º de janeiro até o dia 4, garan-
Fulgêncio Batista reuniu-se porque só serviria para prolongar tindo a vitória revolucionária e o
para celebrar o fim do ano com um a guerra! (...) O povo e muito espe- desmoronamento final do aparelho
número reduzido de seus achegados cialmente os trabalhadores de toda podre da ditadura batistiana.
no acampamento militar de Colúm- a República devem estar atentos à Em 8 de janeiro, Fidel Castro
bia. Ali se representou uma peça te- Rádio Rebelde e preparem-se ur- chegava à capital e se instalava o
atral, combinada de antemão com o gentemente em todos os locais de novo governo de Urritia, com José
ditador, em que o general Eulogio trabalho para a greve geral. Para Miró Cardona como primeiro mi-
Cantillo, em nome das Forças Ar- iniciá-la, bastas apenas que seja nistro. A revolução havia triunfa-
madas, pedia a Batista sua renúncia recebida a ordem, no caso de ne- do. Em menos de três anos o capi-
“para restabelecer a paz que tanto cessidade para resistir a qualquer talismo haveria de ser abolido na
necessita o país”. O ditador, antes tentativa de golpe contrarrevolu- pequena ilha caribenha.
de fugir do país, nomeou Cantillo cionário.” Cinquenta anos depois daquele
como Chefe Supremo das Forças A ordem de greve geral revo- acontecimento, a máquina burgue-
Armadas. O regime bastistiano, já lucionária foi transmitida minutos sa do revisionismo histórico traba-
agonizando, tratava de mudar de depois. Em Havana, as massas se lha a todo vapor para desvirtuar a
cara para salvar Cuba para os EUA jogaram às ruas para celebrar a der- importância da revolução cubana
e seus lacaios locais. Mas, tudo já rubada do ditador, e junto com os e suas conquistas. A imprensa bur-
era inútil. revolucionários presos no Castelo guesa de toda América Latina e do
O Movimento 26 de Julho, que do Príncipe, que se amotinaram, Estado espanhol publica artigos
havia iniciado a luta de guerrilha começaram a tomar o controle dos escritos pelos contrarrevolucio-
contra Batista três anos antes, em pontos chaves da cidade, edifícios nários cubanos, preferivelmente
2 de dezembro de 1956, com o de- oficiais, delegacias de polícia etc. por aqueles que em um primeiro
sembarque na Praia Las Coloradas, As forças armadas de Che Guevara momento tiveram alguma relação
no Oriente cubano, estava a ponto e Camilo Cienfuegos, no entanto, com a revolução, mas que a aban-
de tomar o poder. se encontravam a uma distância donaram quando esta inexoravel-
A manobra dos apoiadores da considerável da capital em Las mente foi empurrada a romper
ditadura e do imperialismo era Villas, mas o aparelho da ditadura com o capitalismo. Por exemplo,
clara: permitir a saída de Batista e se desmoronava como um castelo no Chile, El Mercurio entrevista a
instalar uma junta militar coman- de cartas, os assassinos da ditadu- Hubert Matos. O argumento cen-
dada por Cantillo, mudar para que ra iam fugindo o mais rápido que tral de toda esta campanha não é
nada mudasse. Por cima de tudo, o podiam. o de que, na Cuba de 1959, não
imperialismo queria defender seus Ao final do dia, Fidel Castro se seria necessário uma revolução,
interesses na ilha, e para isso era dirigiu às multidões em Santiago o que seria muito impróprio. O
necessário mudar o personagem. O de Cuba, depois da rendição das argumento mais enigmático é que
Movimento 26 de Julho respondeu tropas ali estacionadas, e se deu a a revolução foi sequestrada pelo
com a chamada da greve geral. A posse a um novo governo, presidi- comunismo e pelo autoritarismo,
mensagem de Fidel Castro pela Rá- do por Manuel Urritia. Em 2 de ja- e que estes, em 50 anos, demons-
dio Rebelde, já nas primeiras horas neiro, Che e Cienfuegos entravam traram sua incapacidade para de-
do dia 1º de janeiro de 1959, foi triunfalmente em Havana. Assim senvolver o país. Na Argentina, a
contundente: caía a junta militar de Cantillo. A manchete do La Nación afirma:

20
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

“Um sonho de liberdade que resul- pessoas tiveram que emigrar, dei- das, Cuba é o quarto país com o
tou em um pesadelo de opressão”. xando para trás as suas famílias, maior Índice de Desenvolvimento
Acrescenta ainda que, já em 1958, arriscando a vida para cruzar as Humano da América Latina (aci-
Cuba era um país desenvolvido, fronteiras e, finalmente, sofrendo ma da Costa Rica, certamente).
minimizando assim, os avanços da a mais brutal exploração capita- Caso olhemos as cifras de mor-
Revolução. lista, o racismo institucional, a talidade infantil (mortes por cada
Ainda que este argumento te- violência policial etc. No caso do 1000 nascidos vivos), segundo os
nha sido repetido até a exaustão, Equador, senhor Oppenheimer, os dados nada suspeitos de “propa-
seguindo ao pé da letra uma mes- emigrantes representam um quar- ganda comunista” do World Fact-
ma linha, vamos à book da CIA de 2008,
mais uma amostra: a situação de Cuba
o artigo Meio século (5,93 hoje contra 78,8
depois, Cuba não tem em 1959), é muito
muito que mostrar, melhor que a dos pró-
de Andrés Oppenhei- prios EUA (6,30), a
mer, publicado em do Chile (7,90), a da
2 de janeiro de 2009 Costa Rica (9,01, se-
no jornal espanhol El nhor Oppenheimer!)
Pais. O prestigiado e a do Brasil (26,67),
jornalista do Miami para não citar a do
Herald para a Amé- Haiti, onde a taxa é
rica Latina, saca da de 62,33 mortos por
manga uma série de cada 1000 nascidos
cifras para chegar à vivos. Estes núme-
conclusão de que não ros não deveriam nos
se trata de dizer que surpreender. Segundo
a Revolução Cuba- os dados mais recen-
na não se justificava, tes do Banco Mundial
mas sim de que não valeu a pena. to da população total. Falemos do (outra fonte acima de qualquer
Outros países latinos americanos custo humano! suspeita), Cuba é o segundo país
como Costa Rica e Chile conse- Todavia, os dados não men- do mundo com a maior quantida-
guiram mais que Cuba, sem sa- tem e convêm, no aniversário de de médicos por cada mil ha-
crificar liberdades básicas e a um de 50 anos da Revolução Cuba- bitantes (5,91), enquanto que os
custo muitíssimo menor de sofri- na, recordá-los mais uma vez. EUA têm somente 2,3, o Brasil
mento humano. Quanta ousadia! A expectativa de vida em Cuba 2,06, o Chile 1,09, Costa Rica
Dizer que no Chile não se sacrifi- hoje (dados do Informe de De- 1,32 e o Haiti apenas 0,25.
caram as liberdades básicas e hou- senvolvimento Humano da ONU Mas então, se a revolução “não
ve um baixo custo em sofrimento de 2005) é de 77,7 anos ( 62 em valeu à pena”, qual é a Cuba que
humano... Apesar do tamanho da 1959), quase o mesmo que nos defende o senhor Oppenheimer?
campanha, é preciso que eles ex- EUA (77,9), muito superior a do Em 1958, Cuba era o bordel do
pliquem a afirmação aos milhares vizinho Haiti (um país capitalis- EUA. Um quarto da população
de exilados e fuzilados pela dita- ta e livre, senhor Oppenheimer) era analfabeta e o percentual de
dura de Pinochet. onde a expectativa é de 59,5 e, crianças que estudavam era mais
Oppenheimer, que conhece es- substancialmente, a do Brasil que baixo que nos anos 20. Em 1954,
ses feitos, pois se especializou em é de (71,7). A taxa de alfabetiza- 15% da casas da cidade e só 1%
América Latina, se queixa do cus- ção adulta em Cuba é de 99,8%, das do campo tinham banheiro.
to humano da revolução cubana enquanto que no Brasil alcança Ao mesmo tempo, em Havana
(quando quantifica um exílio de 88,6%, sendo também superior circulavam mais Cadilacs que em
10% da população), mas não diz à taxa de alfabetização adulta do qualquer outra cidade do mundo.
nada sobre países como o Equador, Chile (95,7%) e da Costa Rica Menos de 30 mil proprietários
El Salvador, Guatemala, México (94,9%). Na realidade, segundo o possuíam 70% dos terrenos agrí-
e muitos outros, onde milhões de mesmo informe das Nações Uni- colas, enquanto que 78,5% do

21
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

campesinato ocupavam apenas O Caráter da Revolução Miró Cardona, advogado, era um


15% do total. Cerca de 20% da burguês conservador sem nenhuma
população economicamente ativa A Revolução, que triunfou faz militância revolucionária. Também
estava condenada ao desempre- 50 anos, tinha um programa de- burgueses conservadores e sem mi-
go crônico, enquanto outros 20% mocrático avançado de libertação litância revolucionária eram o mi-
dos trabalhadores rurais trabalha- nacional e reforma agrária, com nistro da Fazenda, Lopez Fresquet,
vam 4 meses na safra, e morriam um alto conteúdo social, mas que e o ministro de Estado, Agramon-
de fome em condições miseráveis não projetava a abolição do capi- te.
o resto do ano. talismo para levar adiante essas Nas suas memórias “Governo re-
A dependência do impe- volucionário Cubano. Primei-
rialismo estadunidense era ros Passos”, Luís M. Buch,
total. “Cuba comprava dos que foi ministro da Presidên-
EUA não só automóveis, cia naquela época, descreve:
máquinas, produtos quí- “Com estas características,
micos, papel e roupa, mas não é de duvidar que nos
também o arroz e o feijão, EUA, e entre os grandes in-
o alho e a cebola, o azeite, teresses econômicos, houves-
a carne e o algodão. “Vi- se um clima de relativa con-
nham congelados de Mia- fiança e que os companheiros
mi, pães de Atlanta e até que haviam proclamado a
jantares de Paris”, relata necessidade de uma revolu-
Eduardo Galeano, em seu ção profunda tiveram certas
clássico As veias Abertas reservas, algumas das quais
da América Latina: “Treze persistiram por meses ou
engenhos norte-americanos anos entre alguns de nós.”
dispunham mais de 47% da No entanto, na realida-
área açucareira total (…). de não era possível aplicar
A riqueza do subsolo - ní- esse programa democrático
quel, ferro, cobre, manga- nacional avançado sem se
nês, cromo, tungstênio - chocar de frente com os inte-
formava parte das reservas resses dos EUA, que contro-
estratégicas dos EUA, cujas lavam a economia do país, e
empresas apenas explora- com a aliança estreita de la-
vam os minerais de acordo com a tarefas. Qualquer um que ler os tifundiários e burgueses, que eram
variação de urgência do exército discursos dos dirigentes da Revo- seus lacaios locais. O desenvolvi-
e da indústria do norte. Havia em lução naqueles primeiros meses de mento da revolução cubana entre
Cuba, em 1954, mais prostitutas euforia, os decretos instaurados, as 1959 e 1962 é uma confirmação
do que trabalhadores mineiros”. medidas que foram tomadas, pode brilhante da teoria revolucionária
Por mais mentiras que contem observar que o socialismo não esta- permanente que Trotsky havia for-
o senhor Oppenheimer e compa- va na agenda. Mesmo que não seja mulado sobre a base da experiência
nhia, se não fosse pela Revolu- menos certo que havia elementos da Revolução Russa.
ção, Cuba seria hoje um país po- dentro da direção revolucionária Neste texto, de grande atuali-
bre e atrasado em que a maioria que, já naquele momento, se consi- dade, Trotsky explica como, na
da população viveria no desem- deravam socialistas ou comunistas. época da dominação imperialista,
prego, na miséria, no analfabe- A composição do primeiro gover- a burguesia dos países capitalistas
tismo e morreria de doenças ba- no depois da queda de Batista é atrasados é incapaz de resolver os
nais, como seus vizinhos no Haiti uma boa mostra do que dissemos. problemas da revolução democrá-
e na República Dominicana. Por O presidente Urrutia, um juiz sem tica nacional (a reforma agrária
isso, os marxistas revolucionários nenhuma trajetória revolucionária, e a independência em relação ao
celebram a revolução cubana e era politicamente um conservador, imperialismo). “Com respeito aos
defendem suas conquistas de ma- e além do mais, um notório anti- países de desenvolvimento burguês
neira incondicional. comunista. O primeiro ministro atrasado, e em particular dos colo-

22
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

niais e semicoloniais, a teoria da re- estudantes, campesinos, profissio- Trotsky haviam dirigido entre 1917
volução permanente significa que a nais e donas de casa, que posterior- e 1924. A usurpação do poder por
resolução íntegra e efetiva de seus mente se estenderiam por todo o ter- parte da burocracia stalinista havia
fins democráticos e de sua emanci- ritório nacional. mudado profundamente o caráter
pação nacional, só pode conceber- Em uma sucessão de golpes e do regime. Uma ditadura autoritá-
se por meio da ditadura do proleta- contragolpes, provocações da bur- ria havia substituído a democracia
riado, tomando este o poder como guesia cubana e principalmente soviética dos primeiros anos. Ainda
condutor da nação oprimida e, an- do imperialismo estadunidense, às que se mantivessem a propriedade
tes de tudo, de suas massas campe- quais o governo revolucionário res- estatal dos meios de produção e a
sinas”. pondia de maneira decidida, o cará- planificação da economia, que ha-
A tentativa de fazer precisamente ter da revolução foi se radicalizando. viam permitido à URSS dar passos
o contrário, e levar adiante a refor- Durante o ano de 1960, se decreta- gigantescos para frente, a burocra-
ma agrária e reafirmar a soberania ram, progressivamente, a nacionali- cia tinha um ponto de vista profun-
nacional, sobre a base de uma alian- zação de empresas estrangeiras e de damente conservador e contrarre-
ça com a burguesia “progressista” bancos estrangeiros, até que Fidel volucionário. A política exterior da
(antibatistiana), sem romper com o proclama o caráter socialista da Re- burocracia stalinista estava baseada
capitalismo, demonstrou ser total- volução, em 16 de março de 1961, na chamada “coexistência pacífi-
mente impossível. Progressivamen- na véspera da tentativa de invasão de ca”, em oposição ao internaciona-
te, na medida em que a Revolução “Playa Girón”. O capitalismo já ha- lismo revolucionário da Rússia So-
era consequente, particularmente em via sido, para todos os efeitos, aboli- viética de Lênin e Trotsky.
relação à reforma agrária, os elemen- do em Cuba. Em Cuba, o stalinismo teve um
tos burgueses foram rompendo com Os acontecimentos e o ritmo impacto desastroso nas políticas do
ela. Já em fevereiro de 1959, Fidel vertiginoso da Revolução Cubana Partido Comunista Cubano (mais
substituiu Miró Cardona no cargo naqueles primeiros anos guardam tarde Partido Socialista Popular),
de primeiro-ministro. Mas é precisa- uma lição importante. Não se podem chegando ao ponto de participar
mente a primeira lei da reforma agrá- resolver os problemas fundamentais com dois ministros no governo de
ria, aprovada em maio desse mesmo que afetam as massas de operários e Batista de 1940-44. Para muitos re-
ano, que precipitou a ruptura com os camponeses nos países capitalistas volucionários cubanos em 1959, o
elementos nitidamente mais burgue- atrasados, nem se pode alcançar uma PSP não era uma organização ge-
ses. No dia 11 de junho são substitu- autêntica libertação da dominação nuinamente revolucionária. Os di-
ídos quatro ministros (inclusive o da do imperialismo, sem romper com rigentes do PSP se encontraram em
Agricultura, que havia se oposto à lei o regime da propriedade capitalista. muitas ocasiões à direita de Fidel,
de reforma agrária). Em 18 de julho Só a expropriação dos lucros e das quando se levaram a cabo as na-
se produziu a renúncia do presidente propriedades dos imperialistas, dos cionalizações em 1959-61. Apesar
Urrutia. Em outubro, já em um clima latifundiários e da burguesia local disso, era muito forte a atração da
de provocações contrarrevolucioná- pode garantir as condições para co- URSS como aliado para a pequena
rias e de ataques armados, ocorreu meçar a resolver as tarefas democrá- nação que acabava de libertar-se do
a traição do comandante Hubert ticas nacionais pendentes. jugo de uma grande potência impe-
Matos, chefe militar de Camagüey. rialista à apenas 90 milhas de distân-
Ao passo que os setores burgueses cia. Mas não se pode esquecer que
rompiam com a Revolução, o apoio A primeira década, os dirigentes da revolução cubana
para a mesma entre trabalhadores e debates e conflitos não vinham do stalinismo e tinham
campesinos aumentava e se solidifi- uma base de apoio próprio, haviam
cava. A aplicação da reforma agrária, A revolução cubana aconteceu realizado sua própria Revolução e
a baixa nos preços dos aluguéis, das no auge da Guerra Fria. Ao romper não dependiam completamente da
tarifas elétricas e telefônicas, eram com o capitalismo, a direção cuba- URSS. Durante os primeiros anos
conquistas palpáveis que o povo es- na é fatalmente empurrada em dire- da Revolução, a proximidade com
tava disposto a defender. Já a partir ção à URSS, um processo que, no a URSS esteve cheia de conflitos e
de março, através da iniciativa do entanto, não esteve isento de con- contradições, incluindo a exclusão
Círculo de Trabalhadores de “San flitos e de dificuldades. A URSS de stalinistas de organizações re-
Antonio de los Baños”, começam a em 1959 estava muito longe de ser volucionárias, como a exclusão da
se formar milícias de trabalhadores, o país revolucionário que Lênin e microfração de Escalante.

23
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

Talvez tenha sido Che Guevara dustrialização a uma


quem expressou de maneira mais linha dos stalinistas
aguda essas contradições. Para ele, de utilizar mecanis-
a ideia da “coexistência pacífica” mos de mercado e
era, concretamente, uma ideia con- incentivos materiais
trarrevolucionária. Claramente Fi- na gestão da econo-
del e Che concebiam a revolução mia.
cubana como parte da revolução Contudo, esse
na América Latina, e de maneira período chegou a
mais geral, como parte da luta dos seu fim em princí-
povos coloniais contra o imperia- pios dos anos 70. O
lismo. Esta concepção chocava-se fracasso da tentativa
frontalmente com a política exterior de Che de estender
da burocracia soviética e levou ao a revolução em ní-
enfrentamento com muitos partidos vel continental, em
comunistas do continente. O erro de 1967, marcou o iso-
Che foi tomar os métodos da guer- lamento internacio-
rilha, que havia triunfado em Cuba nal da Revolução. O
por um conjunto de circunstâncias fracasso da colheita
particulares, e generalizá-la para to- dos 10 milhões em
dos os países. 1970, que chegou a
O repúdio ao stalinismo era deslocar a economia
muito forte entre uma geração de do país, marcou a
revolucionários que havia chegado completa dependên-
ao marxismo através de sua própria cia econômica de
experiência na Revolução Cubana. Cuba em relação a pletamente vinculada à URSS e aos
A equipe do Departamento de Fi- URSS, que foi selada com a entrada países do Leste. Pode-se discutir,
losofia da Universidade de Havana de Cuba no COMECON em 1972. inclusive, se essa integração não
recusou os manuais soviéticos de Esta dependência da revolução se produziu de maneira distorcida,
“marxismo-leninismo” e elaborou cubana à URSS stalinista teve im- freando o desenvolvimento de uma
seu próprio currículo, baseado di- portantes consequências em todos base industrial própria em Cuba,
retamente nos textos originais de os terrenos: na discussão das ideias algo que Che havia defendido. O
Marx, Engels e Lênin e nos clássi- (fecharam tanto o Departamento de que está claro é que o impacto da
cos da filosofia, para estudar o mar- Filosofia da Universidade de Hava- queda do stalinismo foi catastrófico
xismo. O mesmo grupo de jovens na como a revista Pensamento Críti- do ponto de vista econômico.
revolucionários iniciou a publica- co), nas artes e na cultura (o infame A URSS comprava açúcar
ção da revista Pensamento Crítico “Quinquênio Cinza” de repressão e cubano a preços maiores que os do
em que debatia abertamente, e de censura), na política exterior, na po- mercado mundial e vendia a Cuba
maneira crítica, diferentes visões lítica econômica etc. produtos de todo o tipo (desde
do marxismo. No campo das artes, maquinários e peças de reposição,
da cultura e do cinema houve du- a comida e combustível) a preços
ríssimas polêmica públicas contra Cuba resiste à queda da URSS menores que os do mercado mun-
a tentativa dos stalinistas de impor dial, além de proporcionar crédito
o “realismo soviético” e a censura Todavia, apesar desse processo em condições muito favoráveis que
de tudo aquilo que se afastava dis- de stalinização, a revolução cubana logo Cuba podia usar no mercado
to. Che Guevara opôs uma linha de não estava morta e sua vitalidade mundial. Cerca de 63% das impor-
planificação da economia e de in- e raízes entre as massas surgiram tações de alimentos de Cuba vi-
novamente na superfície nos finais nham da URSS, assim como 80%
dos anos 80 com a queda da URSS. das importações de maquinários.
Durante quase duas décadas, a eco- Do intercâmbio comercial, 80%
nomia de Cuba, submetida ao em- era com URSS e com o bloco do
bargo dos EUA, havia ficado com- Leste.
Tudo isso desapareceu da noi-

24
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

te para o dia. Entre 1989 e 1992, a povo que havia conquistado a li- os poros da sociedade cubana.
capacidade de importação da eco- berdade de não voltar a ser escravo. As mudanças impulsionadas po-
nomia cubana caiu em 70%. Cuba Apesar das enormes dificuldades e diam acabar criando uma dinâmica
não ficava somente sem a possibili- sofrimentos, a Revolução Cubana incontrolável e irreversível a favor
dade de intercambio comercial em superou esse período e o fez por do capitalismo. A partir de 2003, o
termos extremamente favoráveis, motivos políticos. governo cubano deu um giro para
mas também deixava de ter acesso a recentralização da economia.
a divisas para comprar no mercado Eliminou-se a circulação do dó-
mundial. Isto teve reflexo na queda A economia cubana no lar (ainda que se mantenha o peso
do Produto Interno Bruto de Cuba mercado mundial cubano convertível, CUC, que tem
em 2,9% em 1990, 10% em 1991, a vantagem sobre o dólar de perma-
11,6 % em 1992 e 14,9% em 1993. Ao mesmo tempo, se tomou necer sob o controle do Estado), re-
Entre 1989 e 1993 a perda acu- uma série de medidas econômicas centralizou-se o comércio exterior,
mulada do PIB foi de 35% (com- (as primeiras desde 1988) que sig- foram limitadas as concessões aos
parado ao Crack de 29 nos EUA), nificavam concessões importantes profissionais liberais, restringiram-
a redução das exportações foi de ao capitalismo, a necessidade de in- se os investimentos estrangeiros e
79%, a das importações foi de 75% serir-se na economia mundial, uma as empresas mistas.
e a queda dos investimentos foi de necessidade inevitável, mas que O fator decisivo é a debilidade
61%. ao mesmo tempo implica profun- da economia cubana. Na atualida-
Estas cifras econômicas nos dão dos desequilíbrios e perigos para de, esta se baseia principalmente
somente uma ideia superficial do a economia planificada em Cuba. na receita do turismo, pela expor-
enorme custo humano que teve o Entre elas se encontram a abertu- tação de serviços (principalmen-
colapso da economia, o problema ra a investimentos estrangeiro, a te médicos cubanos na Venezuela
de falta de alimentos, da falta de potencialização do turismo como e outros países), as remessas que
vitaminas, da ausência quase total fonte de divisas (com todas as con- enviam os cubanos residentes no
de transporte, da falta de combustí- tradições que isto gera), a legali- exterior (principalmente nos EUA)
vel para gerar eletricidade (com se- zação do dólar, a descentralização e a exploração de níquel. O papel
guidos apagões), etc. A tudo isto se do comércio exterior, a abertura de da indústria na economia cubana é
soma o impacto político, a arrasa- mercados livres agropecuários e a extremamente débil e orientada na
dora campanha ideológica da classe criação das cooperativas campesi- sua maior parte para a indústria tu-
dominante em nível mundial de que nas, a legalização (controlada) do rística.
o “socialismo havia fracassado”, a trabalho por conta própria e alguns Todos estes recursos financei-
derrubada de todo um sistema que pequenos negócios etc. ros geram contradições e desequi-
havia sido um ponto de referência Essas medidas, impostas pela líbrios na sociedade cubana. A de-
para Cuba durante 20 anos, do qual necessidade imediata de sobrevi- pendência do turismo significa por
não se havia feito crítica nenhuma. ver, significavam grandes perigos. um lado que uma parte importante
E apesar de tudo, Cuba sobreviveu A inserção de Cuba no mercado da já limitada produção agrícola
ao que se veio a chamar de “perío- mundial ocorria em um contexto de tem que ser destinada a esse setor,
do especial em tempo de paz”. intercâmbio totalmente desigual. A em detrimento da alimentação da
Na URSS, a direção do mal cha- economia cubana se baseava prin- população cubana em geral, além
mado Partido Comunista dirigiu e cipalmente em matérias-primas e do que, todos aqueles que têm aces-
organizou a restauração do capita- serviços, e necessitava importar so ou contato com o turismo podem
lismo com o objetivo de converter bens manufaturados de todo o tipo. conseguir pesos convertidos (CUC)
ela mesmo em capitalista, mediante As medidas de abertura tomadas, com os quais podem comprar pro-
o roubo e a espoliação da proprie- ainda que estivéssemos falando de dutos para o consumo mensal. Um
dade estatal. Em Cuba, a Revolu- uma economia planificada forte, taxista, um porteiro de um hotel ou
ção resistiu e recusou a restauração capaz de produzir bens de equipa- aquele que aluga um quarto podem
do capitalismo, apesar de todas as mentos e maquinários, com um se- conseguir, em um dia, o equivalen-
dificuldades. Foi uma época em tor industrial poderoso e capaz de te ao salário mensal de um trabalha-
que floresceu novamente o espírito competir no mercado mundial, ain- dor da construção civil, de um pro-
da Revolução Cubana com toda a da assim, significavam a penetração fessor ou de um médico. Esta situ-
sua profundidade. A vontade de um da economia de mercado em todos ação desvaloriza completamente o

25
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

valor do salário, gera um déficit de 2008, com um custo econômico grau extremo.
professores e médicos, faz com que de uns US$ 10 bilhões (20% do Ao mesmo tempo, as condições
uma parte importante da população PIB), destruindo colheitas, casas e revolucionárias são agora muito
viva de “lucharla”, ou seja, usan- infraestrutura. mais avançadas em toda Améri-
do métodos semilegais ou ilegais ca Latina, e em todo o mundo, do
de conseguir recursos (o roubo no que em 1989. O desenvolvimento
trabalho, o desvio de recursos pú- A revolução mundial, única da revolução na Venezuela já pro-
blicos, o trabalho por conta própria solução para os problemas porcionou (mediante o intercâm-
de maneira legal ou ilegal). O mais da revolução cubana bio de médicos por petróleo em
perigoso deste fenômeno é que fo- condições vantajosas) um ponto
menta a ideia de solução individual Tudo isso vem reforçar a ideia de apoio importante para a revo-
para os problemas, em oposição a de que, em última instância, a úni- lução cubana, tanto do ponto de
da solução coletiva. ca solução real para a economia vista econômico como do ponto
A exportação de serviços mé- cubana é, nem mais nem menos, a de vista político. Isto confirma a
dicos (que segundo algumas cifras extensão da revolução a outros pa- necessidade da extensão da re-
já representa 50% do valor total íses. Esta é precisamente a segun- volução em nível internacional
das exportações de bens e servi- da parte da equação de Trotsky na como a única saída para a Revo-
ços, quase o dobro do turismo), A Revolução Permanente. lução Cubana. E isso, apesar de
significa que se, existem cerca de “O triunfo da revolução so- que na Venezuela, todavia, não se
25 mil médicos cubanos no es- cialista é inconcebível nos limi- deu fim ao capitalismo (e sem isso
trangeiro, isso repercute negativa- tes nacionais. Uma das causas não só a Revolução Venezuelana
mente na atenção ao setor de saú- essenciais da crise da sociedade será derrotada, mas também se da-
de em Cuba, uma das conquistas burguesa reside em que as forças ria um duro golpe na Revolução
mais importantes da revolução. produtivas por ela criadas não Cubana).
As remessas de cubanos no podem se conciliar com os limites Por este motivo é necessário
estrangeiro, que alcançam apro- do Estado nacional. (...) A revolu- que a política exterior da Revo-
ximadamente US$ 1,1 bilhão, se- ção socialista começa no terreno lução Cubana seja baseada fir-
gundo números de 2004, também nacional, desenvolve-se na arena memente no internacionalismo
são outra fonte de contradição, já internacional e completa-se na proletário. As lições da revolução
que não chegam a todos os seg- arena mundial. Assim, a revolu- cubana para a Venezuela, Bolívia,
mentos da sociedade por igual, ção socialista torna-se permanen- Equador, etc., são claras: somente
aumentando a desigualdade social te num sentido novo e mais amplo com a expropriação dos imperia-
e ainda contribuindo para reforçar do termo: só está acabada com o listas, latifundiários e capitalistas
a desvalorização do salário como triunfo definitivo da nova socieda- locais é possível começar a conce-
fonte de renda. de sobre todo o nosso planeta. (...) ber a solução dos problemas mais
Finalmente, as exportações de A divisão mundial do trabalho, a sentidos pelas massas de trabalha-
níquel estão sujeitas à volatilidade subordinação da indústria soviéti- dores e camponeses.
do mercado de metais na atual cri- ca à técnica estrangeira, a depen-
se capitalista. O preço médio do dência das forças produtivas dos
níquel em 2008 foi 41% inferior países avançados da europa em A luta contra a burocracia
ao de 2007 e 80% menor que o re- relação às matérias-primas asiá- e a corrupção
corde que alcançou nesse ano. ticas etc, etc, torna impossível a
Ao mesmo tempo, a economia construção de uma sociedade so- Contudo, nem todos os pro-
cubana é altamente dependente cialista independente em qualquer blemas que enfrenta a revolução
dessas divisas para poder comprar, país do mundo.” cubana surgem diretamente de seu
no mercado mundial, todos os pro- O que era certo nos anos 20, isolamento, ou são externos a ela.
dutos de que necessita (desde co- quando o revolucionário russo fir- Em um importante discurso que
mida até ônibus para o transporte mou por escrito as conclusões teó- Fidel pronunciou na Universidade
público) e que não são produzidos ricas da experiência da Revolução de Havana em 17 de novembro de
na ilha. Esta necessidade de divi- de Outubro, é ainda mais certo 2005, o dirigente cubano já advertia
sas aumentou com os efeitos dos hoje em dia, quando a interpene- que a revolução corria o perigo de
furacões que assolaram Cuba em tração da economia alcançou um se autodestruir e assinalava a buro-

26
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

cracia, a corrupção e os novos ricos formas secundárias (liberação do ticas”, administrativas, de eficiên-
como os problemas centrais. telefone celular, da venda de de- cia, acima das medidas políticas.
É inevitável que em qualquer terminados eletrodomésticos, da A imprensa burguesa internacional
sociedade onde haja recursos limi- possibilidade de hospedar-se em especula muito sobre se Raul Cas-
tados se desenvolva a burocracia e hotéis) que, na realidade, só favo- tro defende ou não uma “via Chine-
a corrupção, mas a única maneira recem àqueles setores que tinham sa” em Cuba, ou seja, a introdução
de combater estes fenô- progressiva de medidas
menos, que são como de mercado que levem,
uma gangrena para a em última instância, à
economia planificada, é restauração do capita-
o reforço da democra- lismo. Obviamente, esta
cia operária, mediante o seria a opção preferida
controle minucioso por por parte da burgue-
parte dos trabalhadores sia internacional. Em
da economia e da ad- meios oficiais cubanos
ministração do Estado. se insiste que Cuba é di-
Se os trabalhadores, de ferente da China, que as
maneira coletiva, não condições são diferen-
se sentem senhores do tes e que não se podem
país, donos dos meios copiar modelos. Toda-
de produção, se não via, o que ocorre na rea-
tem participação na to- lidade é que existe uma
mada de decisões (par- forte tendência entre os
ticularmente as mais economistas cubanos
difíceis, as que afetam de reforçar precisamen-
a distribuição dos es- te medidas de mercado
cassos recursos), então, que na China levaram à
se planta a semente da restauração capitalista.
desmoralização e do Por exemplo, Omar
ceticismo. Como muito Everleny, subdiretor
bem assinalava o co- do influente Centro de
munista cubano Frank Estudos da Economia
Josué Solar Cabrale “A Cubana da Universi-
única solução para Cuba é, por um um acesso mais direto aos CUCs e, dade de Havana (CEEC), em uma
lado, incentivar e aprofundar me- portanto, fomentam as incipientes entrevista publicada no jornal me-
canismos de controle operário, que desigualdades sociais. Além des- xicano “La Jornada”, fala da neces-
em determinado momento têm sido tas, foram tomadas outras medidas sidade de potencializar os investi-
conjunturais, fazê-los sistematica- que potencializam os “estímulos mentos estrangeiros, a pequena e
mente, institucionais na economia materiais”, como por exemplo, a média empresa privada, a descen-
e na política cubana.” eliminação do teto salarial que se tralização da atividade econômica
A substituição de Fidel por Raul pode receber como compensação e o papel do mercado na economia.
abriu em Cuba uma grande expecta- pelo aumento da produtividade, Colocando como exemplo o caso
tiva de mudança. Abriu a discussão uma medida que também amplia a do Vietnã, Everleny assinala: “Em
dos problemas que afetam o país desigualdade social. um país e em uma economia, mes-
nos mais amplos níveis. Milhares mo que socialista, o mercado tem
de cubanos participaram e reafir- que ser um componente importan-
maram seu apoio ao socialismo e, Cuba em direção à te. Pode-se discutir em que propor-
ao mesmo tempo, assinalaram os “via Chinesa”? ções, mas creio que uma parcela do
problemas que enfrentam a Revo- mercado é vital para o processo de
lução e os cubanos diariamente. No debate que se abriu em Cuba desenvolvimento nas condições de
Na raiz desse debate, contudo, fica claro que há uma forte tendên- Cuba. O Vietnã conseguiu se intro-
somente se aplicaram algumas re- cia pela adoção de soluções “prá- duzir no mercado e é uma econo-

27
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

mia com altas taxas de crescimento, socialismo de mercado com carac- tecido empresarial que contribua
com um bem estar crescente e hoje terísticas chinesas, ou seja, capita- a elevar a eficiência do sistema no
se destaca nos primeiro lugares na lismo. Não é por casualidade que seu conjunto”), e o reativamento do
exportação mundial de produção seu artigo foi publicado na revista investimento estrangeiro (amplian-
básica.” “Nueva Sociedad”, da Fundação F. do-o a novos setores e potenciali-
O mesmo Omar Everleny repete Ebert, da social-democracia alemã, zando-o com “transformações em
essas mesmas ideias em um recente isto é, o braço carinhoso da contrar- âmbito legal”).
artigo: “A economia cubana neces- revolução capitalista. A estas medidas que estão
sita com urgência de uma profun- Armando Nova, também do sendo propostas, tomadas em
da transformação estrutural com CEEC, insiste na necessidade de seu conjunto, se pode chamar de
ênfase na descentralização. É ne- dar plena autonomia às empresas “via chinesa” ou de outra manei-
cessário incluir, em uma estratégia (cooperativas de vários tipos) do ra, mas na prática são as mesmas
deste tipo, o desenho de ‘formas de setor agrícola, para que estas “dis- medidas que se tornaram inicial-
propriedade não-estatais’, não só ponham de uma autonomia que ne- mente na China, com o objeti-
na agricultura, mas também no se- cessitam para poder decidir como vo de desenvolver a economia e
tor manufatureiro e de serviços. O combinar eficientemente os fatores que acabaram na restauração do
Estado deve reservar-se a um papel produtivos, obtenção de recursos capitalismo. No caso cubano, o
regulador e concentrar sua energia produtivos, dispor e decidir sobre aprofundamento deste tipo de
nos setores estratégicos. medida não só teria o
Os 50 anos de socialismo risco de levar à restau-
cubano demonstram, com ração do capitalismo,
algumas exceções, que a mas também de que não
recentralização e as po- alcançaria os resultados
líticas orientadas a isolar econômicos que houve
o mercado, provocaram na China, precisamente
recessões econômicas e porque as condições são
situações adversas. Não diferentes. Entre outros
é este o caminho que se fatores, Cuba não conta
deveria seguir no futuro. com uma reserva mas-
O Estado deve passar das siva de mão-de-obra
tarefas de administrador- barata, nem com a ca-
geral para aquelas de pacidade do Estado para
regulador-geral, sem que criar infraestrutura para
por isso mude o proje- a indústria exportadora.
to socialista em que apostaram os seu produto final, benefícios eco- Além disso, a recessão econô-
cubanos. Não há dúvidas, e o tem- nômicos, enfim, materializar o sen- mica mundial faz desaparecer os
po será testemunha, de que esta re- timento de proprietário.” mercados importadores com os
forma do sistema econômico deve Em um recente e interessante quais a China contou num pri-
incluir o papel do mercado, a regu- estudo sobre o estado atual da eco- meiro momento.
lação estatal das formas de proprie- nomia cubana, Jorge Mario San- Algumas destas medidas já
dade e a organização empresarial.” chez Egozcue do “Centro de Estu- estão sendo aplicadas, especifica-
Parece bastante claro o que Ever- dios de Estados Unidos de la UH” mente em relação ao campo, tais
leny propõe: a extensão da proprie- e Juan Triana Cordoví, do “Centro como a descentralização das de-
dade privada ao setor manufaturei- de Estudios de la Economía Cuba- cisões e ao vínculo entre salário e
ro e de serviços, descartar políticas na”, concordam de forma destaca- produtividade no trabalho.
que se isolem do mercado e que o da com essas mesmas propostas: a
Estado, longe de planificar a eco- recuperação do setor agropecuário
nomia, simplesmente a regularize. (que segundo eles, exigiria investi- Autogestão?
Por mais que Everleny afirme que mentos estrangeiros) o relançamen-
isto não signifique uma mudança to da pequena e média empresa (na Como parte deste debate sobre
no projeto socialista, o socialismo forma privada, seja cooperativa ou a renovação do socialismo cuba-
que propõe é muito parecido ao não, com o objetivo de “gerar um no, alguns avançaram na ideia da

28
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

autogestão como via de saída. Pe- econômico desse país e sua pos- salários dos trabalhadores depende-
dro Campos e outros assinaram terior divisão. A mentalidade que riam dos resultados obtidos, isto ne-
um documento em que apresentam este tipo de forma de propriedade cessariamente levaria à reprodução
13 medidas programáticas como e de divisão de benefícios inevita- de todos os problemas que enfrenta
parte do debate na construção do velmente gera não é coletiva, mas o modelo cooperativista em uma
VI Congresso do Partido, que se individual de cada grupo de traba- economia capitalista. Os trabalha-
realizará neste ano. Sem dúvida, lhadores, em cada empresa. Se hou- dores se veriam obrigados a uma
o documento sugere uma série de vesse, por exemplo, duas empresas autoexploração com o objetivo de
propostas interessantes, incluindo a de transporte na mesma cidade, os produzir maiores resultados, para
formação de conselhos de trabalha- trabalhadores de cada uma delas ao final, poder dividi-los, ou para
dores em todos os locais de traba- se veriam obrigados a competir obter maiores resultados que os tra-
lho. É evidente que Pedro Campos com aqueles da outra empresa para balhadores da empresa concorren-
está profundamente preocupado conseguir maiores resultados, para te, mediante jornadas de trabalho
com os problemas que enfrenta a repartir entre eles mesmos (isso é maiores, mais intensas, deixando de
economia cubana, e trata de buscar exatamente o que aconteceu na Iu- lado a segurança, a higiene etc. En-
uma solução que passe pela parti- goslávia). tendemos que no sistema proposto
cipação plena dos trabalhadores na Além do mais, este sistema de por Campos haverá competição, já
gestão da economia e na tomada de incentivos materiais individuais que fala que “os controles estatais
decisões em todos os níveis. Nisso em cada empresa deixa de lado o de monopólios ao mercado interno
estamos de acordo. problema de como oferecer e ad- que existe na atualidade, deverão
Entretanto, a ideia central que ministrar os serviços públicos, ou desaparecer e dar espaço à ativida-
se apresenta no documento nos pa- seja, empresas que não necessaria- de mercantil.”
rece não só errada, como também mente geram resultados econômi- Definitivamente a autogestão
perigosa. Basicamente, propõe que cos diretos, mas que proporcionam com mercado leva inevitavelmente
nas pequenas e médias empresas “a um serviço à sociedade. Por exem- ao capitalismo. Não se diferencia
propriedade sobre os meios de pro- plo, o transporte público, a saúde, tanto da proposta daqueles que de-
dução se outorgaria diretamente aos a educação. Que vantagens teriam fendem as medidas de mercado, in-
trabalhadores na forma plena, por empresas deste setor para que seus centivos materiais e a privatização
meio da venda, a vista ou a crédito, trabalhadores pudessem dividir? A de pequenas e médias empresas,
ou a cessão por parte do Estado”, e autogestão provocaria desigualda- que já analisamos anteriormente.
que as “empresas de interesse na- des extremas entre os trabalhadores Longe de libertar os trabalhadores,
cional ou estratégicas” sejam “co- de diferentes setores. Por exemplo, este programa os converte em ca-
gestionadas entre o Estado e o Co- se os preços do níquel no mercado pitalistas.
letivo de Trabalhadores, onde toda mundial caem drasticamente, os Camila Piñeiro Harnecker tem
a propriedade e a administração po- trabalhadores desse setor teriam criticado tanto os que defendem
deriam ser ou não compartilhadas muito pouco o que repartir, en- mecanismos de mercado para in-
pelo nível estatal correspondente, quanto que os do setor da biotec- centivar a produção como aqueles
entregue parcial ou totalmente em nologia repartiriam generosos re- que, como Pedro Campos, pro-
usufruto ou arrendada aos trabalha- sultados. A divisão dos benefícios põem que os trabalhadores sejam
dores”. Em todas estas empresas, neste exemplo não dependeria em proprietários diretos das empresas
se mudaria “a forma de pagamento nada da qualidade de trabalho des- em que trabalham. Em um interes-
de salários pela divisão equitativa ses grupos de trabalhadores, mas sante artigo publicado na revista
de parte da produção”. sim, de fatores externos a eles. Isso Temas, Camila argumenta que “a
Isto é, as empresas passariam geraria um êxodo de trabalhadores participação dos trabalhadores na
a ser de propriedade dos trabalha- dos setores menos rentáveis ou de- administração das empresas não
dores que nela trabalham, e estes, ficitários (saúde, educação, trans- só contribuiria em seu desenvol-
ao invés de receberem um salário, porte público e níquel, por exem- vimento pleno, mas que também
repartiriam entre si os resultados da plo) para os setores mais rentáveis seria uma fonte de motivação bem
atividade econômica. Este sistema (turismo, biotecnologia), recriando importante.”
é muito parecido com a “autoges- os mesmos problemas que se pre- Em sua brilhante análise da de-
tão socialista” que se aplicou na tende resolver. generação stalinista da URSS, León
Iugoslávia e que levou ao desastre Levando-se em conta que os Trotsky insistiu na mesma ideia

29
América Socialista
Para onde vai a Revolução Cubana?

quando disse que “a economia pla- tração de que é possível despertar diante dos olhos de milhões de tra-
nificada necessita da democracia na juventude a defesa da Revolu- balhadores de todo o mundo e tam-
operária, da mesma maneira que o ção a partir de um ponto de vista bém diante daqueles que em Cuba
corpo humano necessita de oxigê- claramente anticapitalista. Este poderiam ter ilusões neste sistema.
nio”. Os trabalhadores devem ser e debate, por hora, se concentra nos Nesta situação, as reservas so-
sentirem-se realmente proprietários meios intelectuais e entre os jovens ciais e políticas de apoio à Revo-
dos meios de produção e do Estado, universitários, e não está isento de lução, ao se vincularem à defesa
e participarem direta e eficazmente dificuldades. Dentro do aparelho de do internacionalismo proletário e
na gestão da economia e da admi- Estado há setores stalinistas, pré- da democracia operária, podem se
nistração dos assuntos públicos. capitalistas, os quais simplesmente converter em um poderoso e deci-
Porém, o programa que reúne mais se sentem ameaçados pelo debate sivo fator da luta pela preservação
fielmente essas necessidades é o de ideias e colocam empecilhos. e ampliação das conquistas alcan-
programa da democracia operária A discussão de ideias é necessá- çadas pela economia planificada,
e a planificação democrática dos ria e o rearmamento ideológico da e abrir definitivamente um futuro
meios de produção, o programa de revolução cubana é indispensável socialista para Cuba e para toda a
Lênin e Trotsky. para seu fortalecimento. Mas, nem América Latina.
todas as ideias são iguais. No mar
revolto da discussão, há aqueles
Reafirmar ideologicamente que defendem ideias reformistas, Agora mais que nunca:
a Revolução Cubana que difundem a possibilidade de
um “socialismo” com mercado; Viva a revolução cubana!
Também em Cuba há uma cor- que faz falta uma maior “democra-
rente que busca uma solução, para cia” (quando o que querem dizer é Viva a revolução
os problemas que enfrenta a Revo- “uma democracia burguesa”). Para socialista mundial!
lução, pela esquerda. Na feira do li- os marxistas revolucionários, neste
vro de Havana de 2008, um espaço debate, duas ideias são centrais: a
de debate, o escritor cubano Desi- defesa da revolução cubana pelo
derio Navarro expressou-se da se- socialismo internacional e a autên-
guinte forma: “A história mais re- tica democracia operária.
cente demonstrou que um socialis- Sem dúvida, a Revolução Cuba-
mo sem crítica e sem participação na em seus 50 anos, se encontra
coletiva, está condenado a terminar em uma encruzilhada. Confrontada
como um dos piores capitalismos”, às dificuldades econômicas e po-
e acrescentava a rejeição tanto aos líticas, submetida ao bloqueio do
“experimentos perestróikos como imperialismo e aos ataques mais
aos das sombras chinesas”. traiçoeiros daqueles setores da bur-
A experiência do chamado “La- guesia que querem uma “abertura”
boratório Bolchevique”, uma série para restaurar o capitalismo, da-
de reuniões e debates sobre a histó- queles que dentro da ilha também
ria da URSS e de Cuba a partir de defendem uma ‘via chinesa’ que
um ponto de vista crítico socialista, na realidade leva ao capitalismo e,
e que culminou com uma reunião finalmente, daqueles que defendem
de quinhentos jovens em comemo- o status quo da burocracia, que ao
ração à Revolução de Outubro em fim e ao cabo leva ao colapso a re-
2007, é uma amostra da eferves- volução.
cência de discussões e ideias que O contexto internacional é fa-
existem. Esta reunião, convocada vorável à Revolução, a partir do
de forma militante e que reivindi- ponto de vista da luta de classes. A
cava abertamente o caráter revolu- Revolução se estende pela América
cionário do marxismo e a herança Latina. A crise do capitalismo (que
silenciada da Revolução Russa (in- levará também à crise do “mode-
cluindo Trotsky) foi uma demons- lo chinês”) desacredita o sistema

30
América Socialista
Para onde vai a Revolução Venezuelana?

Depois do referendo constitucional:


Para onde vai a Revolução Venezuelana?
Yonnie Moreno
Corrente Marxista Revolucionária - Venezuela

“Pode-se descascar uma cebola camada por camada,


mas não se pode caçar um tigre pata a pata”
Alan Woods

“Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o


bem que poderíamos ganhar, por medo de tentar.”
William Shakespeare

T
oda revolução tem em seu na Rússia como na França, em que do sistema financeiro, da terra e da
começo uma etapa de eufo- pese que os conteúdos de ambas as grande indústria, a revolução se-
ria, de crença de que tudo revoluções fossem diferentes - na guirá em perigo.
vai bem, de que a velha ordem não Rússia era socialista e na França, A revolução conheceu muitos
regressará e que a antiga classe do- burguesa - a revolução não venceu, pontos de inflexão: o 13 de abril de
minante está vencida. Mas depois não realizou suas tarefas até que o 2002, a greve patronal, a vitória no
dessa fase, que aconteceu na Revo- velho Estado fosse completamente referendo revogatório de 2004. Po-
lução Russa de 1917 ou na Revo- demolido e substituído por um novo rém, o momento em que a revolu-
lução Francesa de 1789, vem outra e até que a classe dominante fosse ção acumulou maior apoio foi, sem
mais reflexiva por parte das mas- expropriada – classe que era feudal dúvida, a vitória de Chávez para a
sas na qual se vê que o presidência em 2006.
inimigo volta a tomar A vitória eleitoral
posições, que as mas- de dezembro de 2006
sas começam a cansar foi um marco histórico
de discurso e que des- no apoio ao presidente
cobrem que ainda há Chávez. Foram mais de
a tarefa central a ser 7 milhões de eleitores.
cumprida. Nesta etapa, Esta vitória impulsio-
as massas começam a nou um giro à esquer-
compreender que, se as da, com a criação do
tarefas não são cumpri- PSUV, toda uma série
das, ou se demora mui- de nacionalizações etc.
to para levá-las a efeito, A revolução estava
a reação ameaça voltar chegando a um ponto
e esmagar todas as conquistas, in- na França e feudal e capitalista na crítico onde a quantidade se trans-
cluindo as pequenas concessões Rússia. Assim, do mesmo modo na formava em qualidade, que como
que as massas lograram obter. Venezuela, enquanto não se leve a em todo processo na natureza, se
Na Venezuela esse período cabo estas duas tarefas: a substitui- caracteriza por um equilíbrio de
se estende por quase 10 anos. Na ção do Estado burguês pelo Estado forças instáveis até que se alcance
Rússia foram quatro meses: de fe- revolucionário dos operários, dos um equilíbrio para um lado ou para
vereiro a junho de 1917. Na França camponeses e das comunidades e, outro.
quatro anos: de 1789 a 1793. Tanto por outro lado, a nacionalização Enquanto o tempo passa e não

31
América Socialista
Para onde vai a Revolução Venezuelana?

se realizam as tarefas centrais da resolver o fundamental, na medida dos prefeitos, governadores, fun-
revolução, que permitam o livre em o modo de produção capita- cionários do Estado que sabiam
desenvolvimento da indústria, do lista seguia como o predominante que com esta reforma perderiam
comércio, da agricultura, ou seja, na Venezuela, representando um poder. E assim foi. Faltaram meios
do enorme potencial acumulado do obstáculo para o avanço do país. para mobilizar as pessoas para vo-
povo venezuelano, da sua classe Agora com o agravamento da crise tar, como se fez outras vezes. Estes
trabalhadora, de seus camponeses, internacional e a queda dos preços setores pressentiam que com a re-
a situação revolucionária está ame- do petróleo, toda esta política que forma não sairiam ganhando. Des-
açada de apodrecimento. Em 2007 defende uma economia mista está ta maneira aconteceu a derrota em
e 2008, teria sido possível a trans- chegando aos seus limites. O go- 2 de dezembro.
formação socialista da sociedade verno do presidente Chávez diante O motivo fundamental da der-
de um modo completamente pací- da crise econômica, terá que tomar rota do referendo foi que o povo,
fico e sem resistência, baseando-se medidas decisivas contra os capi- depois de dar a vitória esmagadora
na maioria arrasadora de mais de 7 talistas e contra o aparelho estatal a Chávez em dezembro de 2006,
milhões de votos. Com o Parlamen- burguês, fonte de burocratismo e não havia sentido uma mudança
to Nacional sob o pleno controle da corrupção. Certamente, se não substancial nas condições de vida.
revolucionário, o presidente, com se caça o tigre (o capitalismo ve- Pelo contrário, fruto da sabotagem
as leis habilitantes em suas mãos, nezuelano), este ameaça engolir a econômica, houve falta de produtos
podia ter elaborado toda uma série revolução. básicos, aumento da inflação e uma
de decretos nacionalizando o siste- piora nas condições de vida. Isto
ma financeiro, a terra e as grandes conduziu a uma abstenção eleitoral
indústrias, implementando, assim, Uma pata do tigre. significativa das bases revolucio-
um plano econômico nacional de- A reforma constitucional nárias. Isto foi o primeiro aviso de
mocrático. Fazendo isto, de um só de dezembro de 2007 que as massas estavam começando
golpe se daria fim ao capitalismo na a cansar das palavras e que que-
Venezuela, e o país, sob o controle O ano de 2008 começou mar- riam mais ação. Ainda assim a vi-
planificado e o monopólio do co- cado pela derrota no Referendo da tória dos reacionários foi por uma
mércio exterior, ajudado pelos pre- Reforma Constitucional. Chávez estreita margem, o que mostrava
ços do petróleo, teria em um curto fez a proposta de Emenda Constitu- como a correlação de forças per-
intervalo de tempo experimentado cional que representava, apesar das manecia a favor das massas.
taxas de crescimento e prosperi- contradições, uma enorme ameaça
dade nunca vistos, sem inflação e tanto ao poder da burocracia estatal
sem desemprego, terminando com quanto ao poder da burguesia. Por Era necessário o Referendo?
a informalidade, com o déficit de isso foi apoiado pelos marxistas da
moradia e todos os males herdados CMI. A burguesia e a burocracia se Chávez poderia ter vencido o
da IV República. mobilizaram como um só homem Referendo de maneira arrasado-
Lamentavelmente estas medi- para derrotar a proposta de Refor- ra, se tivesse colocado em práti-
das demoraram e se preferiu, por ma Constitucional. A sabotagem ca as propostas da reforma, que
hora, “caçar o tigre pata a pata”. econômica aumentou durante os poderiam ter sido aplicadas sem
Tudo isso é fruto da assessoria dos últimos meses de 2007. Antes das a necessidade de um referendo, e
setores reformistas e burocráticos eleições faltou leite, feijão, açúcar. teriam expropriado os capitalistas.
que dentro e fora do governo pro- Pela primeira vez nos setores po- Um ano atrás, mais de 7 milhões
punham que sob a base das altas pulares começava a penetrar a ideia tinham votado em Chávez pelo
receitas obtidas com o petróleo, que durante anos havia sido repeti- socialismo e queriam ver os re-
não seria necessário expropriar os da pela burguesia na televisão, mas sultados. A causa da derrota de 2
capitalistas: no máximo tomar o que não havia sido assimilada pelo de dezembro não foi a complicada
controle de alguns setores estraté- povo: “Vejam, este é o comunismo formulação dos itens da emenda
gicos. Evidentemente, nós, marxis- a que nos leva Chávez, como em original, ou que o povo não tenha
tas, apoiamos estas nacionalizações Cuba, falta de tudo, falta leite, car- compreendido todas as questões
parciais, como um passo adiante, ne, comida, etc.”. Esta sabotagem envolvidas. Estes argumentos gi-
mas também ressaltamos que são por si só não serviu para garantir ram em torno da mesma ideia de
insuficientes e não serviriam para a derrota. Foi necessário o boicote que “o povo não compreendeu”.

32
América Socialista
Para onde vai a Revolução Venezuelana?

O presidente
Chávez fala de que
tem andado muito
rápido com a refor-
ma, que o povo não
compreendeu e que
é preciso frear o rit-
mo da revolução.
“Eu sou forçado a
reduzir a velocidade
da marcha. Eu tenho
imprimido uma ve-
locidade à marcha
além das capacida-
des ou das possibi-
lidades do coletivo;
eu aceito, está aí um
dos meus erros”, dis-
se o Presidente reco-
nhecendo assim que
os setores populares
e o aparato de Esta-
do não estão prepa-
Esta maneira de encarar as coi- tas medidas, teria contado com o
rados para tudo o que envolvia o
sas é outra forma dizer que faltou apoio entusiasmado do povo, das
Reforma Constitucional que apro-
consciência nas massas, quando é comunidades e dos trabalhadores,
fundava o socialismo. “As van-
justamente o oposto. O problema que teriam controlado a produção
guardas não podem se desprender
não era a formulação da emenda: a de alimentos e dos preços no mer-
das massas. Tem que estar com as
proposta da Constituição de 99 era cado. O leite abundante nas prate-
massas! Eu estarei com vocês e por
mais complexa e nem todos leram leiras, mais barato do que antes, te-
isso tenho que reduzir minha velo-
toda a Constituição até a última le- ria sido um argumento um milhão
cidade”. Estes discursos causam
tra. O povo votou no espírito que de vezes mais importante, para mi-
desespero entre setores da esquer-
emanava da nova Constituição, se lhões trabalhadores e homens po-
da do chavismo e certo transtorno
entusiasmou com a mudança pro- bres, que a impressão de milhares
na base.
funda que ela representava. de panfletos a favor da reforma, ou
Já naquele momento (fevereiro
Em meio a toda sabotagem das palavras bonitas de socialismo
de 2008) os marxistas assinalavam
econômica, da falta do leite e dos e amor, em meio à carestia.
que: “Tanto o presente como o fu-
alimentos, no último trimestre de
turo sob o controle capitalista na
2007, Chávez poderia ter naciona-
Venezuela vão significar não um
lizado todo o setor agroalimentar, As vacilações de Chávez
abrandamento, mas sim o auge da
da produção à distribuição para o
luta de classes, isto é, um incre-
consumo final. De fato poderia ter Não obstante, esta derrota de
mento da luta pela distribuição do
feito isso antes que a sabotagem Pirro serviu para dar novas asas
bolo da riqueza nacional. No de-
ocorresse, mas vacilou diante da aos reformistas. Em 31 de dezem-
senvolvimento econômico da Ve-
pressão dos reformistas e da direita bro de 2007, Chávez aprova a lei
nezuela se dá a grande contradição
existente no interior do movimen- de anistia dos crimes do Golpe de
do papel parasitário da sua burgue-
to bolivariano, e em vez de agir, Estado de 2002. Ao mesmo tempo
sia, que não está interessada no in-
pediu às massas que votassem no fala-se da necessidade de chegar a
vestimento produtivo, mas sim em
Referendo Constitucional, quando um entendimento com a burguesia
desfrutar da renda petroleira, em
boa parte de suas medidas e pro- nacional. Após tentar arrancar as
viver por conta desta renda, sem
postas poderiam ter sido decreta- patas do tigre uma a uma, e sem
produzir. É conhecido de todos
das através das leis habilitantes. que tenha conseguido, agora quer
que a Venezuela é um país enor-
Caso houvesse levado adiante es- acariciar o seu lombo.

33
América Socialista
Para onde vai a Revolução Venezuelana?

memente dependente das impor- termediários. Um dos fatores fun- de reconciliação e levar sua políti-
tações, da evolução dos preços do damentais que tem impulsionado o ca adiante este ano, isso não faria
petróleo e da cotação do dólar. A Presidente Chávez à esquerda tem mais que debilitar as posições da
entrada massiva de dólar, o aumen- sido a situação internacional de revolução e desmoralizar a base re-
to da circulação de moeda, o boom crise do capitalismo. E a crise do volucionária. Essa política condu-
desigual do consumo, tem compro- capitalismo vai continuar com uma ziria a uma retomada da oposição
vado expressamente a incapacida- instabilidade geral que só tende a nas eleições para prefeitos e gover-
de da burguesia para satisfazer as agravar-se. Todos esses fatores fa- nadores em dezembro deste ano,
necessidades do mercado interno. zem com que o mais provável seja onde a oposição poderia recuperar
Por isso as importações este ano que, em que pese o revés do 2 de- muito terreno e poderia assentar
têm novamente batido recordes. zembro, a tendência à esquerda do uma base para obter bons resulta-
Soma-se a tudo isso que o controle ano passado se mantenha no próxi- dos nas eleições para a Assembleia
de preços e do câmbio é um freio mo período, com seus inevitáveis Nacional de 2010. Tudo isto leva-
na acumulação dos lucros, ou
seja, na extração de riqueza dos
trabalhadores e dos pobres ve-
nezuelanos. Isso mostra o papel
parasitário da burguesia que, so-
bre a base da atual correlação de
forças entre as classes, se nega a
investir. Diante disto, só ha duas
lógicas para o governo boliva-
riano, ou se aceita a lógica do
capitalismo, ou se luta de um
modo consequente contra ela.
A crença de que a renda petro-
leira possa resolver a transição
ao socialismo, sem expropriar
os capitalistas, essa alavanca
fundamental da economia do
país, já está se chocando com
a realidade. A alta da inflação é
uma amostra disto: só nos pro-
dutos alimentícios a alta foi supe- zig-zags, como estamos vivendo ria a uma sacudida ainda mais for-
rior a 30%. Os empresários estão agora. O “agora” não foi em vão. te que a de 2 dezembro dentro do
pressionando para que se retirem Inclusive um giro temporário à di- movimento bolivariano.” (Os três
o controle dos preços e o controle reita seria como temos visto outras R e a nova etapa da revolução: As
do câmbio. Os reformistas, que são vezes, o prenúncio para um novo tarefas dos revolucionários perante
sua voz dentro do movimento revo- giro à esquerda, mais profundo. o congresso de fundação do PSUV.
lucionário, também. A tudo isso se Isto vai gerar novos choques com Yonie Moreno)
soma a tendência à desvalorização o imperialismo e com a oposi- Estas palavras foram escritas
do dólar nos mercados mundiais, ção. Ao mesmo tempo as divisões justamente depois da derrota da re-
que atua como um estímulo a mais no campo revolucionário vão se forma, e agora são mais atuais que
ao aumento da inflação e ao de- aprofundando ainda mais, (e esta antes. Precisamente é o que se viu
sajuste fiscal. A desaceleração do será uma das características prin- em 2008, o congresso do PSUV, a
crescimento econômico mundial e cipais da nova época), a divisão expropriação da Sidor, a mudança
a provável recessão nos EUA não entre esquerda e direita no interior de posição dos governadores como
vão deixar escolha à Venezuela. do campo bolivariano se dará em Acosta Carles e Manuitt, etc. Quem
O capitalismo venezuelano é um uma escala muito maior que no esperava a nacionalização da Sidor,
dos elos mais fracos do capitalis- ano passado. Se, pelo contrário, das fábricas de cimento, do Banco
mo internacional e mais exposto à os reformistas e burocratas conse- Santander, depois de Chávez dizer
crise. Não existirão caminhos in- guem aplicar as medidas na linha que era preciso chegar a um enten-

34
América Socialista
Para onde vai a Revolução Venezuelana?

dimento com a burguesia progres- capitalismo, o papel parasitário da Particularmente nefasta tem sido
sista? burguesia, a ação do proletariado, a postura de Orlando Chirino, que
Existe uma tendência entre os a luta de classes em outros países. era o dirigente mais destacado, que
ativistas revolucionários de base Tudo isso empurra o movimento na se alterna em posições direitistas,
em buscar, em cada ação ou de- Venezuela à esquerda. O problema oportunistas e ultraesquerdistas,
claração de Chávez, esperançosos, é que faz falta coroar esse movi- cuja manifestação máxima foi sua
uma saída às contradições e proble- mento expropriando os possuido- postura contra a Reforma Constitu-
mas da revolução. Isto é normal, res e destruindo o Estado que sus- cional, chamando voto nulo.
pois ele tem sido o catalisador do tenta seu poder, pois do contrário
movimento de massas. Chávez é essa correlação de forças favorável
um dirigente honesto, comprome- pode ser revertida. E para vencer A expropriação da Sidor
tido com o povo e que tem jogado faz falta a decisão consciente da demonstra o potencial da
um papel enorme, despertando as vanguarda revolucionária, da dire- classe trabalhadora em se
massas, estimulando-as e resgatan- ção. Sem essa decisão consciente, colocar à frente da revolução
do a ideia do socialismo. Em que toda a correlação de forças favorá-
pese que, fruto da experiência e da vel, toda essa pressão à esquerda A expropriação da Sidor é a ex-
reflexão destes dez anos, tenha-se pode terminar na mais estrondosa pressão mais clara, a confirmação
avançado muito, como ele mesmo derrota. na prática da correção das ideias
disse, não é um marxista, e está dos marxistas, frente ao empirismo
submetido a uma pressão enorme e o ceticismo dos sectários. Com
dos setores reformistas e burocrá- A direção da classe uma direção adequada, a classe
ticos que são a correia de transmis- trabalhadora da Venezuela operária venezuelana não teria
são ideológica da burguesia mun- não está à altura freios. Uma poderosa mobiliza-
dial. Os zig-zags de Chávez são a ção da classe trabalhadora, com o
expressão do equilíbrio instável O proletariado jogou um impor- método correto, orientando-se em
entre a burguesia e o proletariado, tante papel no desenvolvimento da direção à base revolucionária, po-
devido à falta de uma direção re- revolução, sobretudo na luta contra deria forçar a nacionalização de
volucionária deste último. É por o locaute petroleiro de 2002-2003, toda a economia venezuelana. Re-
isso que o papel de Chávez apare- e em outros inumeráveis enfrenta- almente seria possível que a classe
ce tão destacado, porque até certo mentos. O presidente Chávez rea- operária, armada com uma política
ponto se eleva entre as classes e, ao lizou repetidos chamados para que revolucionária, marcasse o ritmo
apoiar-se nos pobres e trabalhado- a classe trabalhadora se colocasse da revolução para Chávez, colo-
res, necessariamente entra em con- à frente da revolução. O motivo cando-se à frente da mesma, como
flito continuamente com os interes- principal para que isso não tenha sempre pediu o presidente.
ses dos capitalistas. A correlação acontecido tem sido o papel nefasto A luta dos trabalhadores da Si-
de forças na revolução venezuela- cumprido pelos dirigentes da UNT, dor passou rapidamente da luta rei-
na é extraordinariamente favorável a começar por Orlando Chirino, vindicatória para a luta pela nacio-
às massas, e a posição de Chávez é Stalin Pérez, Marcela Máspero e nalização e controle operário. Isto
completamente irreconciliável com a direção da FTB, Jacobo Torres o que nós, marxistas, temos defen-
os capitalistas e a direita. A burgue- e Osvaldo Vera, entre outros, que dido tantas vezes, é um livro fecha-
sia é tão débil, tão parasita que ao desde o congresso de fundação da do a sete chaves para os dirigentes
final, apesar de todo o vai-e-vem, UNT foram incapazes de oferecer nacionais da UNT, especialmente
a bússola continua apontada para a aos trabalhadores venezuelanos um para os sectários. De fato, os diri-
esquerda, ainda que os empíricos, programa de luta para a construção gentes sindicais da Sidor nunca es-
às vezes, fiquem sensibilizados do socialismo, e através deste, or- tiveram à frente das reivindicações
quando Chávez faz determinadas ganizar os trabalhadores na luta dos trabalhadores. O primeiro que
declarações. pela tomada do poder. As disputas propôs a ideia da nacionalização
As tendências fundamentais da entre os dirigentes pelo contro- da Sidor foi o Presidente Chávez.
revolução, seu movimento, não re- le burocrático da UNT levaram à A luta que começou pela contrata-
fletem simplesmente o pensamento destruição o segundo congresso da ção coletiva e que terminou com a
de Chávez, mas sim a luta de clas- central sindical, em 2006, e a para- nacionalização da empresa, contou
ses internacional, a crise geral do lisação da ação dos trabalhadores. com a oposição tanto do gover-

35
América Socialista
Para onde vai a Revolução Venezuelana?

nador (“bolivariano”) de Bolívar dezembro de 2007, foi a abstenção ser eleitoral. Para tomar as medidas
como do (também “bolivariano”) da base revolucionária que permi- necessárias contra os capitalistas
ministro do Trabalho, que ataca- tiu a vitória da direita em uma série não são necessárias mais eleições,
ram frontalmente a nacionalização de locais. A direita não aumentou o novas maiorias, mais referendos. O
da Sidor. Inclusive a luta foi repri- número de votos. Tudo isto, como que demonstra o referendo de 2007
mida pela Guarda Nacional, resul- dissemos, produziu uma enorme e estas últimas eleições regionais,
tando em dezesseis feridos. sacudida nas bases, que estão se é que sobre a base da abstenção,
Para surpresa da multinacional perguntando qual o motivo destas do ceticismo dos trabalhadores,
argentina e dos burocratas, e fruto derrotas. dos camponeses e dos pobres que
da mobilização operária, o presi- Agora se propõe um novo re- apoiam Chávez, a reação está ga-
dente Chávez termina nacionali- ferendo para reformar a Constitui- nhando posições, recuperando for-
zando a Sidor e assina a melhor ção, para acabar com o limite da ças, reanimando sua base social.
negociação coletiva da história. quantidade de vezes que um candi- Somente tomando medidas deci-
Os trabalhadores sabem que a na- dato pode concorrer à presidência didas contra o capitalismo, para
cionalização foi fruto da luta, não do país. Isto é um direito democrá- resolver os problemas imediatos
somente contra a multinacional, tico elementar. A população tem o das massas, pode-se solidificar e
mas também contra os dirigentes direito de decidir quem quer como aumentar o apoio para a revolução.
sindicais que durante anos vende- presidente, sem nenhuma limita- Mais eleições, sem a tomada de
ram cláusulas de contratação cole- ção. A reação compreende que a medidas decisivas contra os capi-
tiva. Por isso, nas eleições para a derrota do presidente Chávez seria talistas e burocratas, não vão caçar
direção do Sutiss (Sindicato Único um duro golpe na Revolução, e por o tigre, mas somente aborrecê-lo e
dos Trabalhadores em Siderurgia e isso vão fazer campanha contra a aumentar suas forças.
Similares) foi eleita uma chapa que reforma. Os marxistas acreditam
não tinha nada a ver com a antiga que o presidente Chávez deve se-
direção. Acarigua, antigo secre- guir à frente do governo e defen- Ano de 2009, entra em ação
tário geral do Sutiss, saiu da pre- dem o SIM na Reforma Constitu- a classe trabalhadora
sidência do sindicato. Meléndez, cional de 15 de fevereiro.
candidato ligado ao grupo de “Ma- Contudo, não basta ganhar esse A debilidade da direção do
rea Socialista”, diretor de finanças novo referendo. É necessário es- movimento operário tem também
do Sutiss, foi derrotado também, tabelecer as condições para que outra face: a ausência de um apa-
apesar de ter contado com o apoio Chávez siga em frente. Para isso rato sindical que controle o movi-
da burocracia. Os trabalhadores sa- é imprescindível que a construção mento operário, fator chave para
bem que a vitória foi fruto somente do socialismo se transforme em re- controlar o proletariado, como
de sua própria luta, que conseguiu alidade e não em palavras. O socia- aconteceu em outras épocas com
o apoio do povo e do presidente. lismo, como defende o presidente, a CTV, e a debilidade da buro-
é a única maneira do povo avançar. cracia sindical da UNT, Máspe-
O socialismo significa, antes de ro, Chirino y Stalin Perez, fazem
O referendo constitucional tudo, uma melhora nas condições com que o movimento possa
de 15 de fevereiro, de vida dos trabalhadores, dos descontrolar-se e transbordar em
outra pata do tigre camponeses e dos pobres, o que um futuro muito próximo. Já se
só é possível na base de uma eco- assinalou em artigo do diário “El
Os resultados das eleições para nomia nacionalizada e planificada Universal”, intitulado “O gover-
prefeitos e governadores de 23 de democraticamente. Não se pode no preparou o caminho para pro-
dezembro passado, apesar da vi- construir o socialismo sobre a base liferar conflitos trabalhistas”:
tória do PSUV, são uma séria ad- da receita petrolífera, nem sobre a “Quase 24% das demandas
vertência para os revolucionários. base de uma economia mista. Tais trabalhistas culminaram em con-
A reação já retornou a alguns go- receitas levam ao desastre a Revo- flitos. Em 2007 se registrou o
vernos importantes e de grande re- lução Venezuelana. A vitória no re- maior aumento de legalização de
ferência, como são os de Caracas, ferendo, necessária para conseguir organizações sindicais dos últi-
Tachira e Carabobo. No entanto, a a re-eleição de Chávez em 2012, é mos 15 anos, quando 32 novos
maioria está conosco. Mesmo no muito importante. Mas é incorreto sindicatos formalizaram sua ins-
Referendo Constitucional de 2 de pensar que o eixo da batalha deve crição no Ministério do Trabalho

36
América Socialista
Para onde vai a Revolução Venezuelana?

e Segurança Social (...). O núme- zuelana que mais tem a perder burguesia, agravadas pela crise
ro de protestos que terminam em com a queda do governo Chávez econômica mundial e da queda
greve - ou que tiveram luz verde é a classe trabalhadora. Particu- dos preços do petróleo, os traba-
para fazê-lo - cresceu 13,6% no larmente os trabalhadores sindi- lhadores, como deduz “El Uni-
último ano, passando de 88 mobi- calizados sabem que, se Chávez versal”, vão invadir a cena polí-
lizações trabalhistas entre janeiro cai, a patronal terá o governo, a tica.
e agosto de 2007 a um total de polícia e a guarda nacional de seu As forças do marxismo, por
100 no mesmo período deste ano lado. Os trabalhadores não po- hora pequena, mas audazes e
(…). Os conflitos nas fábricas dem se permitir que Chávez seja com as ideias corretas, devem
não só se mantêm como vão au- derrotado. Um governo da direita ser conscientes desta ofensiva
mentando, e o panorama sustenta voltaria a privatizar as grandes dos trabalhadores que se avizi-
uma cúpula sindical debilitada, empresas, começando por Sidor nha, e que vai passar em primei-
tanto de tendência oficial como e o restante das empresas nacio- ro lugar pela luta defensiva por
opositora. Todavia, o chavismo nalizadas. Terminaria com a es- direitos e pela manutenção das
não tem uma federação sindi- tabilidade no emprego e voltaria suas organizações nas empre-
cal, apesar das tentativas com à velha ordem trabalhista. A re- sas, para posteriormente tomar
a União Nacional de o caráter ofensivo das
Trabalhadores (UNT) ocupações de fábrica.
- que terminou dividi- A burguesia sabe bem
da - e a falida criação que o melhor sindica-
da Central Socialista to é o que não existe,
de Trabalhadores. De e recorrerá a todo tipo
sua parte, a oposito- de métodos, incluindo
ra Confederação de o uso dos assassinos de
Trabalhadores de Ve- aluguel como se viu em
nezuela (CTV) nunca Aragua, para destruir a
conseguiu recuperar o organização dos traba-
terreno perdido entre lhadores.
os trabalhadores diante A diminuição do
do apoio à sabotagem desemprego nos últi-
da atividade petrolei- mos anos fortaleceu os
ra que se desenvolveu trabalhadores em toda
entre 2002 e 2003”(o uma série de ramos
grifo é nosso). da indústria, como se
Isto é o que preocu- pode ver no setor au-
pa a burguesia, como tomobilístico. A crise
se pode ler nas entre- que se avizinha neste
linhas: o movimento ano de 2009 vai golpe-
operário continua se ar a classe trabalhadora
organizando a partir e esta vai defender-se,
da base, apesar da ati- como vimos em confli-
tude dos estranhos que tos como o da Vivex e
se denominam dirigen- outras empresas. Nes-
tes da Coordenação se sentido é inevitável
Nacional da UNT. Cinicamente, pressão estaria na ordem do dia. uma onda de conflitos operários
“El Universal” critica o aumento Por isso os trabalhadores, ain- nos próximos meses contra os
do número de sindicatos, e clara- da mais que os setores popula- ataques aos direitos dos traba-
mente o que se nota nas entreli- res, são os mais interessados na lhadores nas empresas. A isso
nhas, é que lamenta a inexistên- manutenção do governo Chávez. se somará os ataques da contrar-
cia de uma central suficientemen- Diante das novas investidas da revolução para afastar Chávez e
te forte. contrarrevolução, diante da sa- a experiência acumulada pelas
O setor da população vene- botagem econômica por parte da massas nos últimos anos.

37
América Socialista
Para onde vai a Revolução Venezuelana?

Tarefas depois do referendo economia e terminar com o capi- para a Revolução. As últimas elei-
constitucional. É necessário talismo. Isso mostraria ao conjun- ções regionais demonstraram que a
caçar o tigre do capitalismo e to dos oprimidos do país, como se maioria está com a Revolução. Po-
a burocracia de uma vez pode construir o autêntico socialis- der-se-ia terminar com o capitalis-
mo, o de Marx e Engels, e não a mo na Venezuela facilmente, se fo-
Tudo parece indicar, após os farsa que defendem os burocratas rem tomadas as medidas decisivas
resultados de 3 de dezembro, que reformistas. Esta situação somen- contra os capitalistas e os burocra-
Chávez ganhará o referendo cons- te poderá acontecer na base de um tas. Caso essas medidas não sejam
titucional. Apesar de que, quanto movimento da classe trabalhadora, tomadas, corre-se o risco de criar
mais demora a realização de medi- ocupando empresas e exigindo a as condições para novos avanços
das decisivas contra a burguesia e nacionalização e o controle operá- da oposição em futuras batalhas
a burocracia, mais se vai minando rio. eleitorais, sobre a base da apatia e
a base social de apoio à Revolução, Dentro do PSUV é necessário o desânimo das massas e a frustra-
colocando em perigo a maioria bo- construir uma corrente marxista ção das expectativas não cumpri-
livariana. Se não for neste referen- revolucionária de massas que faça das. A única maneira de evitar que
do, será nas próximas eleições. A o combate aos setores burocráticos a direita avance, de tornar irrever-
demora em completar a revolução e reformistas no interior do parti- sível a Revolução, é construir o so-
vai passar sua fatura , ainda mais do. Tanto o congresso do PSUV cialismo. É necessário golpear de
no meio de uma crise econômica e como o das J-PSUV (juventude) uma vez o capitalismo e ao Estado
com a queda de divisas na exporta- demonstram que a base, em sua burguês, nacionalizando o sistema
ção do petróleo. A Revolução Ve- grande maioria revolucionária, está financeiro, a terra e as grandes in-
nezuelana está em uma encruzilha- desorganizada. Isso foi o que per- dústrias e colocá-las sob o controle
da e pode tomar vários caminhos, mitiu à burocracia tomar posições operário, para implementar uma
dependendo fundamentalmente de na direção. A tarefa é organizar economia planificada democratica-
dois fatores: o agravamento da cri- esta base revolucionária ao redor mente em benefício da maioria da
se mundial do capitalismo e a cons- das ideias marxistas. O movimento população. É preciso deixar de an-
trução de uma corrente marxista de operário tem que reativar a UNT dar em círculos, de tomar medidas
massas no interior do PSUV e da (União Nacional dos Trabalhado- parciais, de vacilar. Se o governo
UNT, que conduza a classe traba- res) e dar-lhe um conteúdo revo- bolivariano insistir em caçar o tigre
lhadora venezuelana à tomada do lucionário e de luta. A UNT deve pata por pata, terminaremos todos
poder. ser um instrumento para a organi- em seu estomago. Para construir o
Neste sentido, é necessário, zação dos trabalhadores e da luta socialismo e acabar com sua ame-
agora mais do que nunca, não de- pelo socialismo, no cenário da luta aça é necessário caçá-lo de uma
morar mais tempo para realizar as de tendências burocráticas que pa- vez. Isso abriria uma nova etapa da
tarefas centrais que devem levar a ralisam a classe operária. Existem Revolução, da Revolução Socialis-
cabo a Revolução para construir o milhares de trabalhadores de base ta não somente na Venezuela, mas
socialismo. A crise internacional e e uma nova camada de dirigentes também na América Latina e em
seus efeitos na Venezuela vão au- sindicais que estão buscando ou- todo o mundo.
mentar todas as contradições, da tra direção que realize as tarefas
direita e da esquerda, na socieda- que os Chirino, Máspero, Stalin
de, no seio do movimento boliva- Perez, etc., têm sido incapazes de Viva a revolução bolivariana!
riano, no PSUV, nos sindicatos. Ao realizar. Partindo da luta pelas rei-
mesmo tempo a crise econômica vindicações, os sindicatos da UNT Viva a Corrente Marxista Revo-
vai se intensificar, e a única saída devem implementar uma estratégia lucionária!
que os reformistas vão apontar é o nacional de luta que desemboque
recuo nas aspirações das massas. na tomada e na ocupação de em-
Somente a pressão das massas, e presas em toda a Venezuela. Isso
muito especialmente da classe tra- colocaria sobre a mesa a questão
balhadora, através da mobilização da propriedade privada dos meios
e da luta, podem mostrar o cami- de produção.
nho para construir o socialismo: Por enquanto a correlação de
nacionalizar os setores chaves da forças é enormemente favorável

38
América Socialista
Balanço e perspectivas da Revolução Boliviana

Balanço e perspectivas da
Revolução Boliviana
Pepe Pereira
Corrente Marxista Internacional - Bolívia

C
omo era esperado, 2008 zação dos hidrocarbonetos ganhar- De referendo em referendo...
foi um ano decisivo na luta se-ia apoio internacional para a ba-
contra a oligarquia político- talha interna contra as manobras do Com a Assembleia Constituinte
econômica nacional (o conglo- poder econômico e social baseado implicitamente fracassada e com a
merado reacionário formado pela em todo o Oriente do país. Com o direita que avançava conquistando
burguesia boliviana do campo e mesmo argumento foi sacrificado a Prefeitura do Departamento de
da cidade, os donos das terras, dos o caráter original da Assembleia Sucre e a maioria dos governos de-
bancos, da indústria e das minas, Constituinte, aceitando-se o poder partamentais, além da sabotagem
em estreita aliança com seus amos de veto do velho sistema político, o econômica que fazia disparar a in-
imperialistas). Desde sua derro- que a levou à beira do fracasso. flação em todo o país, a oligarquia
ta no campo aberto das eleições O diálogo era e se mostrou to- convocou um Referendo em San-
nacionais de dezembro de 2005, talmente impraticável e somente ta Cruz, Beni, Pando e Tarija para
quando Evo Morales foi eleito com poderia ter como resultado ou a que fossem aprovados os estatutos
o voto entusiasmado das massas de derrota definitiva da direita e da da Autonomia. O conteúdo real
trabalhadores e camponeses (com oligarquia, ou seja, expropriando destes estatutos era o controle por
uma votação recorde de parte da oligarquia dos
54% dos votos), a direita poderes de defesa e con-
começou uma escalada trole do território, além
de sabotagem econômica, do controle da reforma
armadilhas parlamenta- agrária e dos hidrocarbo-
res, obstruções na As- netos. Tratava-se, de fato,
sembleia Constituinte e do primeiro passo para a
arremetidas diretas levan- desintegração da Bolívia.
tando demagogicamente Quatro de maio de
a bandeira da autonomia 2008 representa o verda-
departamental, para ali- deiro ponto de inflexão e
mentar a instabilidade inversão de uma tendên-
no país e minar a base de cia que estava deterio-
apoio do governo nas áre- rando todo o processo de
as urbanas. mudança. O Referendo
A cada ataque, a direção do a burguesia de seu poder sobre a Autonômico em Santa Cruz foi re-
MAS e o governo respondiam es- economia, que continua intacto, e jeitado por uma mobilização con-
tendendo a mão à direita e ao impe- sobre o Estado, ou a renúncia às tundente das massas que percorreu
rialismo, pensando que assim iriam aspirações de mudança estrutural o país desde El Alto até o populo-
dividir o campo inimigo e forçar ao que foram o combustível de nosso so Plan 3.000 em Santa Cruz. Por
diálogo e à conciliação os setores processo revolucionário. O resulta- toda a Bolívia, cabildos multitu-
“patrióticos” da burguesia nacio- do do acordo logrado no Congresso dinários, convocados em nome da
nal e da oposição. Em nome desta com os partidos da oposição mais unidade do país, acabavam reivin-
estratégia foi forçado à demissão se parece à segunda destas opções, dicando a expropriação da direita e
o ex-ministro de Hidrocarbonetos, embora tenha sido apresentado da burguesia nacional sabotadora e
Andres Soliz Rada, com a ilusória pela direção do MAS como uma a expulsão dos prefeitos traidores.
ideia de que moderando a nacionali- vitória. Particularmente em Cochabamba,

39
América Socialista
Balanço e perspectivas da Revolução Boliviana

um rio de manifestantes, em núme- havia considerado sempre incons- são e não pelo fato de cumprir uma
ro igual ao total dos habitantes da titucional, mas que, nesse momen- função econômico-social como
capital departamental, exigia, pela to, aprovaram com ampla maioria atualmente, e, por esta razão, re-
segunda vez, a renúncia do prefeito com o afã de desativar a mobiliza- presentava uma ameaça direta para
Reyes Villa, já expulso nas jorna- ção popular. a burguesia nacional, cujo poder re-
das de janeiro de 2007 e novamen- No dia do Referendo, 10 de side justamente na propriedade da
te legitimado pelo vice-presidente agosto, a direita sofre uma derrota terra e no caráter agrário-financeiro
Álvaro Garcia Linera. importante frente aos novos levan- do capitalismo boliviano. Os lati-
Em Santa Cruz, uma resistência tamentos de trabalhadores e cam- fundiários bolivianos controlam os
valorosa enfrentava os bandos fas- poneses. Evo Morales é ratificado principais bancos do país, à exce-
cistas da União Juvenil Crucenista, com dois terços dos votos, o pre- ção dos estrangeiros, e junto aos in-
que demonstrava todo o seu poten- feito de Cochabamba é revogado, vestidores internacionais possuem
cial bélico e, ao mesmo tempo, sua e embora a direita tenha logrado 59 dos 63 milhões de hectares de
natureza profundamente minori- confirmar as demais prefeituras, terra cultivável do país. O caráter
tária na população. Apesar de to- sua débâcle é evidente. Encoraja- agrário-financeiro do capitalismo
das as fraudes e da campanha dos das pela vitória, as organizações boliviano é que torna impossível o
meios de imprensa, o Referendo sociais aglutinadas na CONAL- desenvolvimento da Bolívia sobre
Autonômico foi um fracasso total. CAM, Coordenadoria Nacional bases capitalistas ao gerar uma sé-
Votou a favor da Autonomia me- pela Mudança, exigiram do go- rie de vínculos e coincidências de
nos da metade do interesses entre a
colégio eleitoral e burguesia agrária
muitas urnas fo- e a industrial.
ram encontradas Latifundiá-
já cheias de cédu- rios e banqueiros
las de voto marca- desviam capitais
das com o sim. para atividades
Assustada pela especulativas
reação popular e parasitárias,
massiva que des- e a proprieda-
baratou seus pla- de da terra em
nos prevaleceu suas mãos força
entre a burguesia o pequeno cam-
nacional uma li- pesinato à pura
nha conciliado- subsistência, ge-
ra. Trataram de rando relações
procurar saídas de trabalho que
parlamentares à pouco se distin-
crise institucio- guem da escravi-
nal. Queriam, na dão no campo e
realidade, abrir um novo cenário verno a convocação do Referendo impedindo o desenvolvimento de
de diálogo para dar alento e for- Constitucional para submeter ao uma agricultura orientada à sobe-
talecer os partidários da concilia- voto final a nova Constituição Polí- rania alimentar e com a capacidade
ção dentro do governo e do MAS. tica do Estado (CPE) aprovada em produtiva dos países desenvolvi-
Poucos dias depois do quatro de Oruro, com o boicote da direita. dos. Isto, por sua vez, obstaculiza
maio, o Congresso Nacional apro- o desenvolvimento de um mercado
vou a lei de convocação do Refe- interno que poderia de alguma for-
rendo Revogatório para confirmar ... Defendendo a ma impulsionar o desenvolvimen-
ou revogar o presidente, seu vice Constituição de Oruro... to tecnológico e industrial do país
e todos os prefeitos. Tratava-se de sem recorrer ao capital imperialis-
uma lei proposta pelo MAS, depois A Constituição de Oruro, em- ta, cujo único interesse é o saque
das jornadas de janeiro de 2007 em bora com todas as suas limitações, dos recursos minerais, do gás e
Cochabamba, e que a oposição definia o latifúndio por sua exten- do petróleo dos quais a Bolívia é

40
América Socialista
Balanço e perspectivas da Revolução Boliviana

rica. A previsão da Constituição de portas à reação, mas as ameaças Um novo artigo, o 399, escla-
Oruro de limitar o latifúndio a uma diretas do presidente venezuelano rece que a limitação da extensão
extensão máxima de 5 mil a 10 mil Chávez às Forças Armadas bolivia- do latifúndio não é retroativa, isto
hectares representava um perigo nas e, sobretudo, uma avalanche de é, que em matéria agrária tudo
vital para o capitalismo boliviano. marchas, bloqueios e mobilizações fica como é agora, enquanto uma
camponesas, operárias e mineiras norma transitória tranquiliza as
derrotaram novamente a contrarre- multinacionais ao afirmar que em
... Até enfrentar o volução. nenhum caso a migração ao novo
golpe de Estado Contudo, a derrota do golpe regime jurídico, que atribui ao
reacionário, que demonstrou a cor- povo boliviano a propriedade dos
Em setembro a reação arma relação de forças favorável aos tra- hidrocarbonetos, suporá o desco-
uma tentativa de golpe de Estado balhadores e camponeses, é usada nhecimento de direitos adquiridos,
lançando bandos fascistas em todo novamente pela direção do MAS e deixando aqui também tudo igual.
o Oriente que tomam e saqueiam as do governo para abrir negociações Da CPE aprovada em Oruro ficam
instituições públicas e símbolos do com os mesmos que dias antes ha- fortalecidos os limites e as decla-
poder central. Particularmente sig- viam organizado o golpe militar! rações de princípio, certamente
nificativa e explicativa dos interes- Aterrorizada pelas consequências importantes, mas justamente em
ses econômicos e políticos por trás do movimento revolucionário que termos de princípios. Pode-se con-
desta tentativa golpista é a tomada a oligarquia havia desatado com siderar isto como uma vitória? A
do Instituto Nacional de Reforma suas provocações contrarrevolucio- direção do MAS afirma que agora
Agrária de Santa Cruz de la Sierra, nárias, a burguesia latino-america- a direita foi derrotada, como de-
onde os unionistas queimam com- na, reunida em Santiago do Chile, monstram suas divisões frente ao
putadores e arquivos destruindo o exerce pressão sobre o governo e a acordo e a prisão de cívicos e de
trabalho de anos. Em 11 de setem- reação para colocar novamente as autoridades como o governador de
bro, em Porvenir, Departamento de coisas pelo caminho da institucio- Pando, envolvidos na fracassada
Pando, um comando formado pela nalidade burguesa. tentativa de golpe. Contudo, pare-
prefeitura organiza uma embosca- ce uma daquelas épicas vitórias da
da a uma marcha camponesa que antiguidade, quando o exército de
se dirigia a Cobija, deixando um A força do povo e as um milhão de persas derrotou nas
saldo de várias dezenas de mortos claudicações do reformismo Termópilas 300 guerreiros gregos,
e desaparecidos, enquanto em Tari- mas saiu com tais perdas e tão des-
ja, cívicos atentam contra os prin- A COB e o CONALCAM sela- moralizado da batalha que perdeu
cipais gasodutos do país. ram então o acordo histórico e se a guerra, apesar de sua superiori-
Os mesmos meios de impren- puseram à cabeça da multidão que, dade numérica.
sa nacionais informam sobre uma desde Cochabamba, se preparava
dura discussão entre o presidente para marchar a Santa Cruz para
Evo Morales e os comandantes “expropriar latifúndios e fábri- Primeiro balanço:
das Forças Armadas na habitu- cas”, como dizia o texto do acor- governar com as massas...
al reunião das segundas-feiras no do. Mais uma vez uma tentativa de
Palácio Presidencial. Evo exige diálogo reorientava a mobilização É impossível traçar as perspec-
que os militares saiam em defesa para o Congresso com o objetivo tivas do processo revolucionário
dos edifícios públicos e da popu- de cercá-lo até a aprovação da lei boliviano sem recordar a história
lação civil; o comandante Trigo convocatória do Referendo Cons- destes primeiros três anos de go-
exige o direito de matar e mantém titucional. Enquanto os dirigentes verno do MAS e dela tirar as con-
o exército aquartelado esperando a da marcha sobre La Paz juravam clusões correspondentes. Há lições
evolução dos acontecimentos com que não iam aceitar a mudança de que deveriam ser aprendidas para
uma atitude tão ambígua e suspeita nenhuma vírgula no texto da nova se iluminar o caminho futuro. A
que o primeiro ato do Executivo, CPE, as negociações no Congresso primeira delas é que o único ponto
neste ano de 2009, foi justamente a já a estavam alterando para “impe- de apoio do processo de mudan-
mudança de todos os componentes dir que o país afundasse na guerra ça que vive a Bolívia é a força, a
do Alto Comando Militar. O golpe civil”, devido às pressões interna- confiança, a combatividade e a dis-
de Estado cívico estava abrindo as cionais. posição de luta das massas. Todas

41
América Socialista
Balanço e perspectivas da Revolução Boliviana

as tentativas de buscar apoio em pelas multinacionais, são agora pitalismo, seja como fim ou como
outros setores da sociedade ou no inúteis, como o declara o Contrata- “etapa” para outro sistema.
exterior causaram ao processo um dor Interino Herbas em entrevista à Pelo contrário, há que se manter
alto custo em termos de avanços e imprensa de três de janeiro. alto o moral deste poderoso exérci-
se revelaram totalmente precárias. Em troca dessas concessões o to de operários, camponeses, estu-
Tomemos o exemplo da Petrobrás governo recebeu uma greve pro- dantes e trabalhadores que em 10
e, em geral, da atitude do governo dutiva com a queda da produção anos obrigou à retirada um exército
brasileiro para com a Bolívia. A de petróleo de 50 barris diários, regular, derrubou dois presidentes
multinacional brasileira, principal em 2005, para 47, em 2008, e dos e derrotou duas tentativas de golpe
investidor no que se refere ao gás investimentos em termos de gás, de Estado e que espera mudanças
boliviano, havia considerado “hos- que baixaram até menos de 50 mi- radicais em nome das quais possa
til” o Decreto Supremo que, sob o lhões de dólares em 2007, quan- lutar, soluções para seus problemas
nome de “nacionalização”, impu- do a própria Superintendência de de terra, estabilidade trabalhista,
nha de fato às multinacionais um Hidrocarbonetos, que nos oferece salário, saúde, moradia, educação
papel de dependentes do Estado, estes dados, fixa em um bilhão de para seus filhos etc. O risco de
impondo-lhes concretamente um dólares anuais os investimentos uma guerra civil não se combate
aumento impositivo de até 80% necessários no setor para cumprir obrigando o exército das massas
das rendas geradas e deixando à os contratos de exportação e abas- à retirada, mas organizando suas
empresa nacional YPFB o controle tecer o mercado interno. Durante forças e alimentando seu espírito
da comercialização e a proprieda- a fracassada tentativa de golpe de com as conquistas que reivindica.
de do gás. Em consequência, a Pe- Estado, Celso Amorim, chanceler A debilidade convida a agressão,
trobrás, Repsol, YPF e as demais do Brasil, declarou publicamente mas como vimos a força obriga à
não podiam inscrever este recurso sua disposição de negociar a ven- retirada.
como ativo de seus balanços patri- da de gás diretamente com os go- Para a burguesia nacional diá-
moniais, vendo reduzido assim o vernadores golpistas, dando mais logo e ofensiva são partes de um
valor de suas ações nas bolsas de uma prova da natureza, em abso- mesmo plano: diluir e continuar di-
valores. luto confiável, do “apoio externo” luindo o processo de mudança até
O primeiro-ministro de hidro- de governos com interesses eco- mergulhá-lo no ceticismo e na de-
carbonetos, Soliz Rada, replicava nômicos e estratégicos diretos na cepção. Não o conseguiram ainda
às ameaças do gerente da Petro- Bolívia. porque não têm a força suficiente
brás de congelar os investimentos para infligir às massas uma derro-
com um mandato através do qual ta em campo aberto. Não o conse-
se nacionalizavam duas refinarias ...Abandonando as ilusões guiram, mas querem isto e com o
de propriedade da multinacional no capitalismo firme controle que mantêm sobre a
brasileira e preparando-se para uti- economia e o aparato estatal o con-
lizar os resultados das auditorias às Devemos aprender a lição de seguirão, antes ou depois, se não
multinacionais onde são provadas que o avanço ao socialismo ou ocorrer uma mudança qualitativa
suas burlas e fraudes fiscais. Já sa- mesmo as mudanças estruturais na estratégia do governo e uma
bemos como foram as coisas. Soliz que a Bolívia necessita somen- inversão de marcha na direção do
Rada foi obrigado à demissão pelo te podem acontecer baseados nas rumo do processo revolucionário.
vice-presidente García Linera; a massas operárias e camponesas.
imposição fiscal às multinacionais Isso, concretamente, quer dizer
baixou em 50% e estas, segundo os abandonar qualquer ilusão no di- A direita foi derrotada?
novos contratos, são sócias do Es- álogo e qualquer esperança de en-
tado e não subordinadas, o que sig- contrar uma burguesia “patriótica” No futebol americano a equi-
nifica que podem considerar o gás em que basear o desenvolvimen- pe que está atacando tem quatro
que trabalham como seu em parte. to nacional. Significa abandonar tentativas de avançar 10 jardas e
As duas refinarias foram compra- qualquer esperança na possibili- manterá a posse da bola até aca-
das quando seria possível incorpo- dade de negociações proveitosas barem suas tentativas, apesar dos
rá-las sem custo; as auditorias que com o imperialismo e as multina- esforços da equipe que se defende.
demonstraram dano ao Estado de cionais. Significa, definitivamente, Para o reformismo em geral, a luta
um bilhão de dólares, provocado abandonar qualquer ilusão no ca- de classes - motor da história e dos

42
América Socialista
Balanço e perspectivas da Revolução Boliviana

acontecimentos atuais - deve pa- seu poder econômico, como tam- de dezembro, com as eleições ge-
recer com uma partida de futebol bém, além disto, saem desta roda- rais de presidente, governadores e
americano. Mas as lições destes da com uma nova legitimação que parlamento. Isto condicionará sem
três últimos anos demonstram que provém daquela CPE que com- dúvida o desenvolvimento da luta
não há possibilidade de avançar de batiam. Mantêm as propriedades de classes, mas não poderá freá-la
maneira gradual e linear e que nin- “legalmente” reconhecidas antes nem limitá-la unicamente ao marco
guém nos deixará concluir nossas da vigência da nova CPE, mantêm do parlamentarismo. O governo,
quatro tentativas antes de apossar- quase intacto seu poder saqueador apesar de tudo o que aconteceu,
se da bola. A luta de classes é mais sobre os recursos naturais, mantêm continua apostando no desenvolvi-
parecida a uma luta de rua ou a um algumas prefeituras e mantêm tam- mento do país através de uma eco-
desafio de boxe, onde quem gol- bém em vários departamentos gru- nomia mista com um forte papel
peia primeiro golpeia duas vezes pos de choque armados. Também regulador do Estado na economia,
e golpeia para fazer dano e final- se dizia em janeiro de 2006 que a isto é, na manutenção do capita-
mente acabar com seu adversário, direita havia desaparecido do país lismo. Concretamente, o Estado
atirando-o à lona. Deixaram-nos e acreditava-se que a eleição da tomaria a supervisão dos recursos
imaginar que, com o triunfo elei- Assembleia Constituinte teria de- energéticos através da alavanca fis-
toral de 2005, tínhamos começado monstrado isto. Já sabemos como cal e não o controle direto que, so-
um caminho que, de vitória em vi- tudo isto terminou. bretudo na mineração, permanece
tória, nos faria chegar à meta final. firmemente em mãos privadas.
Pelo contrário, o inimigo sempre A intervenção do Estado se fa-
está preparado na zona do gol, e As perspectivas do ria efetiva e direta para fortalecer
crer que o inimigo foi derrotado capitalismo andino... aqueles setores considerados como
quando continua representando um “direitos fundamentais”, como a
perigo é o primeiro passo para se 2009 será um ano eleitoral: co- comunicação (daí a nacionalização
perder a peleja. meça em 25 de janeiro com o Re- de Entel), ou de setores margina-
A burguesia nacional e o im- ferendo Constitucional e termina, lizados pelo investimento privado,
perialismo não somente mantêm com toda a probabilidade, em nove como a metalurgia (nacionalização

43
América Socialista
Balanço e perspectivas da Revolução Boliviana

da Empresa Metalúrgica Vinto), a de todas as formas poder e lucros e, lar o que não é seu no capitalismo,
produção agrícola orientada à sobe- além disso, o imperialismo é para não faz nada mais que transferir re-
rania alimentar (fundação da EMA- eles um apoio fundamental para cursos para servir esse mesmo ca-
PA, empresa de produção e comer- agir contra o espírito revolucio- pitalismo, desviando-os de melho-
cialização agrícola) e o transporte nário historicamente demonstrado res usos. A EMAPA, por exemplo,
aéreo (fundação da BOV, empresa pelos trabalhadores e camponeses nasceu com a função de conter o
Boliviana de Aviação). Ao mes- da Bolívia. aumento dos preços dos alimentos,
mo tempo, avançando mas, sem contro-
com o processo de sa- lar nem a produ-
neamento de terras e, ção agro-industrial
com o crédito orienta- nem o comércio,
do à pequena empresa, já provoca uma
fomentando a difusão hemorragia de di-
de um capitalismo de nheiro tal que, em
pequenos proprietários Cochabamba, viu
e empresários, a base suas instalações
social para a via nacio- ocupadas pelos
nal de um capitalismo camponeses aos
“humanizado” com um quais não eram
poncho andino. pagos o trabalho.
Há uma série de Para não falarmos
questões muito concre- da questão da es-
tas que tornam ilusório cassez de diesel e
este plano. A tentativa de consoli- ...Frente à realidade gasolina, exemplar, neste sentido,
dar uma burguesia nacional foi o nacional... porque demonstra como a sabota-
que caracterizou o MNR e sua ter- gem produtiva das multinacionais,
giversação na revolução de 1952. A segunda consideração é que o amparada pelos novos contratos e
Em um bom estudo publicado pela capitalismo de pequenos produto- pelas normas transitórias da nova
Fundação Terra, com o título de res apregoado pelos sustentadores CPE, representa um alto custo po-
Os barões do Oriente, descreve-se do capitalismo andino já é uma re- lítico para o governo, em termos de
justamente a política do MNR de alidade na Bolívia, uma realidade apoio social e de dinheiro público,
intervenção estatal na economia que semeia miséria. As estatísticas sendo o diesel principalmente im-
com um afã regulador da mesma de FUNDEMPRESA demonstram portado e vendido no país a preço
e de apoio ao fortalecimento de que 74% das empresas que nascem subvencionado.
uma burguesia produtiva a partir no país são unipessoais e orienta- E poderíamos falar da ques-
do setor agrícola e das concessões das, sobretudo, ao comércio e às tão mineira, com uma só empresa
de terras no Oriente, cujo resultado pequenas atividades empresariais. multinacional, San Cristóbal, em
foi a burguesia parasitária e golpis- Este setor gera 80% dos postos de Potosi, que, por si só, representou
ta da Meia Lua e a consolidação do trabalho, mas somente 20% da ri- 50% do crescimento do PIB em
capitalismo agrário-financeiro bo- queza nacional, ou seja, reparte a 2008, que emprega somente 200
liviano. A Bolívia é um país capi- miséria e as piores condições de trabalhadores e gera exportações
talista atrasado, cuja burguesia de- trabalho. A pequena e média agri- no valor de centenas de milhares
pende em larga medida do espaço cultura, baseadas em propriedades de dólares diários (800 milhões em
que o imperialismo saqueador lhe com uma média de 20 hectares, um semestre), dos quais 55% vão
concede dentro da divisão interna- passou de 85% da produção agrí- diretamente para o exterior como
cional do trabalho. É e será sempre cola em 1971 para 48% em 1997, custo de transformação do mine-
para o capitalismo um país expor- por sua incapacidade de competir ral, enquanto o Departamento onde
tador de matérias-primas sem valor com a produção agrícola de corte efetua suas operações, Potosi, con-
agregado, isto é, sem um aparato industrial, da qual agora em larga tinua sendo o mais pobre do país.
produtivo industrial. Os capitalis- medida depende, e, sobretudo, da Enésima demonstração: o caso da
tas nacionais acomodam-se facil- internacional. empresa Vinto, nacionalizada, mas
mente a esta condição que lhes dá Em definitivo, a ideia de regu- tão pobre em recursos econômicos

44
América Socialista
Balanço e perspectivas da Revolução Boliviana

que tem milhões de dólares de dí- internacional e, com ele, os quase do a garantir tudo isto. Esta espe-
vida com a outra empresa nacional US$ 2 bilhões de investimentos rança está em choque frontal com a
mineira, a mina Santa Lucia, em produtivos que deveriam gerar 80 forma como o governo pensa torná-
Huanuni. A Bolívia necessita para mil postos de trabalho, dois terços la realidade. Embora 2009 nos leve
o seu desenvolvimento concen- deles eventuais, e reativar alguns de eleições em eleições, a contradi-
trar todos os recursos de que dis- setores. A burguesia nacional e o ção entre as expectativas populares
põe e, primeiramente, revertê-los imperialismo contra-atacam: cen- e o panorama político e econômico
aos trabalhadores e camponeses, tenas de mineiros veem ameaçados geral está destinada a explodir no-
expropriando bancos, latifúndios, seus postos de trabalho; empresas vamente. A luta de classes se im-
grandes empresas e controlando mineradoras, como Sinchi Wayra, porá com sua autêntica natureza
diretamente os recursos minerais e anunciam demissões de 800 traba- de luta pela apropriação da riqueza
os hidrocarbonetos. lhadores, como presente de natal, e produzida pelos trabalhadores, e
exigem aos demais estender a jor- pela decisão de qual classe social
nada de trabalho para 12 horas por deverá dirigir a sociedade. A tare-
...E a crise mundial 14 dias consecutivos, com sete de fa mais urgente para o movimento
do capitalismo descanso. dos trabalhadores bolivianos é a
A Confederação de Empresários de se armar novamente para este
Finalmente, a crise internacio- Privados da Bolívia (CEPB) exige confronto inevitável, para decidir
nal do capitalismo torna ainda mais do governo uma desvalorização quem pagará os efeitos da crise. Se,
inútil os esforços de se encaminhar competitiva da moeda nacional, como dissemos, os trabalhadores,
o país a um desenvolvimento capi- que tinha sido valorizada por efei- os jovens e camponeses da Bolívia
talista “democrático-popular”. Até to do superávit na balança comer- são o único apoio da revolução, o
novembro, o governo continuava cial e da redução do gasto público. governo está destinado a enfrentar
tranquilizando o país sobre o fato A partir do segundo semestre deste provas ainda mais duras, e sua base
de que a crise afetará nossa econo- ano, quando serão mais evidentes social a aprender, e rapidamente, as
mia apenas marginalmente, porque os efeitos da crise, aumentará a lições mais profundas. As fileiras
com o colchão de oito bilhões de pressão sobre a classe trabalhadora do movimento dos trabalhadores e
dólares em superávit fiscal acu- boliviana, que já pagou duramen- camponeses estão, como dissemos,
mulado nos últimos três anos, es- te a bonança econômica com uma intactas e têm confiança em suas
taríamos seguros. Este montante redução de 7%, em um só ano, do forças. As vacilações do governo
efetivamente poderá por um tempo salário real e um correspondente frente à crise não podem ser justifi-
mitigar os efeitos da crise, mas so- aumento de três horas em média cadas com nenhuma argumentação
mente parcial e temporariamente. da jornada de trabalho. O governo tática. Elas semeiam uma desorien-
Em primeiro lugar, os economistas ficará entre a espada da pressão de tação fatal, como fez em seu tempo
do governo deram muitas provas sua base social e a parede dos li- a UDP. Nossa batalha organizada
de não terem entendido a profun- mites capitalistas. Mantendo-se a nesse processo e contra o reformis-
didade da crise. Em novembro, greve produtiva e cumprindo-se o mo é a própria essência da defesa
podia-se ler ainda um comunicado anúncio da mesma CEPB, que pre- de nossa revolução.
de imprensa do Ministério da Fa- vê uma redução de 57% dos inves-
zenda que anunciava um novo ano timentos produtivos, a injeção de
de crescimento econômico e de su- dinheiro público na economia sem Janeiro de 2009.
perávit, mesmo com uma queda de gerar trabalho estável e atividades
74 dólares do barril do petróleo. produtivas seria como gasolina
A renda das matérias-primas lançada sobre o fogo da inflação
é fundamental para nossa econo- de dois dígitos e desemprego cres-
mia. O petróleo, como já sabemos, cente.
continua flutuando abaixo dos 50
dólares; a libra fina de zinco, abai-
xo dos 50 centavos de dólar etc. Conclusão
Nesta situação, o próprio minis-
tro da Fazenda vê-se hoje obriga- A nova CPE promete trabalho
do a declarar que o orçamento de digno e estável, educação, moradia
2009 está condicionado pela crise e saúde para todos e obriga o Esta-

45
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

Colômbia:
Desaceleração econômica, crise política e
agudização da luta de classes
Julio Antonio Bretón William Sanabria
CMI-Colômbia CMR-Venezuela

A Colômbia acompanha a senda revolucionária da América Latina.


Ao desabamento dos principais indicadores econômicos e às crescen-
tes divisões no seio da burguesia se juntam o início da recuperação e
da radicalização das lutas operárias e populares.

A situação econômica e a da população concentram 46,5% da Em torno de 53,5% das terras estão
crise das pirâmides renda nacional, mais que 80% da po- nas mãos de apenas 2.428 proprie-
pulação que detêm somente 37,7% tários. A alta concentração de terras

O
crescimento do PIB dos rendimentos. O desemprego re- provoca uma improdutividade de
reduziu-se de 8% no último conhecido oficialmente supera 12%, 30% nestes latifúndios, refletindo o
trimestre de 2007 a 3,7% o mais alto do continente. 89% da caráter parasita dos grandes proprie-
no primeiro semestre de 2008. A população economicamente ativa tários. Se antes da década de 90 a
produção manufatureira caiu 9%. correspondem a trabalhadores in- Colômbia possuía soberania alimen-
“As cifras de desaceleração são formais ou subempregados. A crise tar, hoje o país já perdeu 30% de sua
em verdade dramáticas. (...) Os vai arrasar muitos empregos desse produção de alimentos. O campo
indicadores de confiança industrial e tipo e agravará ainda mais a pobre- colombiano está mais desprotegido
de condições para o investimento, na za que já ameaça 70% da população. que nunca frente ao vai-e-vem da
pesquisa de opinião da Fedesarrollo, A principal válvula de escape para economia mundial.
que demonstram serem os principais todos estes problemas têm sido, nos A tudo isto, devemos somar a cri-
indicadores do que ocorre na últimos anos, a emigração para a Eu- se das “pirâmides” (esquemas de ‘in-
atividade real, estão desabando. O ropa, para os Estados Unidos ou para vestimentos’, organizados por agên-
mesmo sucede com os indicadores os países vizinhos, como Venezuela cias financeiras estelionatárias) que
da atividade construtora (licenças ou Equador. Mas esta escapatória, deixou cerca de 2 milhões de colom-
e vendas). Da mesma forma, as com a crise, começa a se esgotar bianos sem poupanças, e provocou
cifras de crescimento do comércio também. saques e motins em várias cidades
varejista vêm caindo, mesmo com Em Bogotá, 35 mil famílias es- importantes como Cali, Cúcuta, Po-
um pequeno aumento em julho. O tão ameaçadas de despejo, e a nível payàn ou Medellín. O governo teve
Índice de Confiança do Consumidor nacional, são mais de 200 mil. O que declarar o toque de recolher em
também desabou”, explica o ex- déficit habitacional é calculado em várias regiões e intervir nestas empre-
ministro da Fazenda, Guillermo 2 milhões de moradias. Se também sas, tentando frear o ‘efeito cascata’.
Perry. levarmos em conta os 4 milhões de Mas está por vir o efeito final sobre o
Mas o pior está por vir. Depen- refugiados pelo conflito armado, te- conjunto da economia. Em qualquer
dente das exportações para os EUA remos ao redor de 6 milhões de pes- caso, o desabamento das pirâmides
e Venezuela, e das remessas dos soas, em um país de 40 milhões, que já apresenta uma consequência eco-
emigrantes, a economia colombiana carecem de moradia adequada. No nômica e política considerável. A
sofrerá duramente os embates da cri- campo, os efeitos da crise serão ain- ideia do que aconteceu não ser uma
se internacional. Os 10% mais ricos da mais devastadores que na cidade. coisa estranha ao capitalismo co-

46
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

lombiano, seu Estado e seu governo, sem precedentes que converteu terroristas e de enviar o exército
mas sim um produto de seu caráter suas condições trabalhistas em um para assassinar vários deles, Uribe
degenerado, se abre na consciência inferno. As relações contratuais co- teve que organizar uma retirada es-
de centenas de milhares de pessoas. letivas foram substituídas por su- tratégica e se pôr temporariamente
A única saída para a burguesia co- postas cooperativas de produtores, em pele de cordeiro. Inclusive, se
lombiana é submeter as massas a através das quais o operário se au- viu obrigado a ir ao Encontro com
uma terapia de choque ainda maior. toexplorava. As poucas organiza- a Minga (Assembléia) indígena e
E isso quando todas as políticas apli- ções sindicais existentes eram pa- escutar as denúncias contra suas
cadas pelos capitalistas no último tronais e estavam burocratizadas. políticas. Depois da Minga, que
período, para incrementar a explora- Se levássemos a sério as “análises” reuniu 40 mil camponeses indíge-
ção das massas, já vêm provocando e ideias superficiais dos reformis- nas em Cali, em 24 de novembro,
um profundo mal-estar. tas, uma luta com o espírito de uni- milhares deles – depois de várias
dade e resistência que temos visto semanas caminhando desde o Vale
seria impossível. E, no entanto, a do Cauca - chegaram à Praça Bo-
O potencial revolucionário de greve emergiu desde baixo, como lívar de Bogotá, vencendo proi-
lutas operárias e populares um vulcão em erupção, vencendo bições e ameaças e despertando
o entusiasmo nas
O fator em massas que os se-
maior destaque nos guiam.
últimos meses é a Todo este am-
entrada em cena biente social en-
das massas, com controu uma pri-
um impulso e uma meira expressão
extensão não vis- unificada na greve
tos em anos e, em geral do funcio-
primeiro lugar, da nalismo público
classe operária. A de 23 de outubro.
própria burguesia Esta, apesar da fal-
é consciente disso. ta de uma agitação
“Nas últimas duas sistemática e de se
décadas, a Colôm- ver limitada ao se-
bia não tinha vi- tor estatal da eco-
vido uma situação nomia, conseguiu
trabalhista tão agi- mobilizar centenas
tada como a que se registrou nos todos esses obstáculos e muitos de milhares de trabalhadores. Se
últimos dois meses”, reconhece em outros que o governo e os órgãos fosse convocada uma nova greve
sua edição de novembro de 2008 a de repressão alçaram em seu cami- geral - mas desta vez estendendo a
revista Dinheiro. Em 2008, somen- nho. Todo o mal-estar, acumulado convocação ao conjunto da econo-
te em Bogotá houve mais de 400 molecularmente durante anos, ex- mia - e tivessem unificado as rei-
greves, mais de uma por dia. Além plodiu subitamente e, onde parecia vindicações de todos os setores em
disso, temos visto greves nacionais não existir organização nem lide- um programa comum - tal como
de determinados setores que, por ranças, “a necessidade”, uma vez chegaram a propor os dirigentes
sua força e duração, têm servido de mais, criou o “órgão”. indígenas - o governo se veria em
ponto de referência ao conjunto da A luta dos trabalhadores do ju- uma situação muito delicada. Para
classe operária e despertado uma diciário foi outro exemplo. Apesar poder unificar todo o descontenta-
enorme onda de simpatia em toda da heterogeneidade do setor, os mento social existente na Colôm-
a sociedade. grevistas mantiveram sua luta con- bia, seria necessário criar Comitês
A greve dos trabalhadores do tra toda a tempestade, enfrentando de Greve e de Ação para organizar
setor açucareiro (os cortadores de obstáculos como as divisões inter- e estender a luta. Os dirigentes
cana) ilustra o ambiente que se está nas. O mesmo pode ser observado do Pólo Democrático Alternativo
desenvolvendo. Durante os anos na maravilhosa mobilização dos (PDA), e da CUT (Central Uni-
80 e 90 este setor sofreu um ataque indígenas. Depois de acusá-los de tária de Trabalhadores), em lugar

47
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

de manter isoladas as
demandas de cada setor
e limitar a luta às rei-
vindicações econômicas,
deveriam ter denunciado
a recusa do Governo em
ceder a essas reivindica-
ções, chamando a luta
por um governo dos tra-
balhadores e do povo que
atendesse a estas deman-
das. Isto teria aberto uma
situação revolucionária.
Lamentavelmente, essa
oportunidade (que segue
presente) tem sido des-
perdiçada até o momen-
to.

 O papel da CUT
e do PDA demonstrar que os problemas po- liberal e conservador. Descartan-
dem ser resolvidos de maneira do temporariamente as diferenças
Na falta de uma perspectiva pactuada entre empresários, go- partidárias, estes têm unido suas
global e depois de vários meses de verno e trabalhadores. Se a mesa forças para deter a reforma agrária,
greve, tanto os trabalhadores do funciona, não teria desempregos.” a formação de sindicatos e a cam-
judiciário como os cortadores de O programa da maioria dos diri- panha por melhores salários que
cana tiveram que negociar acordos gentes do PDA, em particular de elevem o nível de vida das mas-
separados. Mas a classe operária sua ala direita encabeçada por Na- sas”. Quem afirmou isso não foi
colombiana tem levantado a ca- varro Wolff, Gustavo Petro, Iván e um marxista subversivo, mas Ver-
beça, tensionado seus músculos e Samuel Moreno, insiste no mesmo non Le Fluherty, assessor da Em-
mostrado seu potencial revolucio- erro. Segundo todos estes dirigen- baixada dos EUA na Colômbia du-
nário para toda a sociedade. A maré tes, o objetivo do Pólo deve ser rante os anos 50. Fluherty, depois
de mobilização operária e popular buscar um pacto com setores da de defender a necessidade de que
ressurgirá, e com força redobrada, burguesia que, depois de apoiarem a oligarquia devia aplicar reformas
nos próximos meses. A ela temos as políticas repressivas e antiope- desde cima, para evitar uma revo-
que nos fundir para que esta ascen- rárias de Uribe, começam agora a lução por baixo, chegou finalmente
são da luta de classes culmine na se “opor” à sua re-eleição. Esta li- a essa conclusão tão taxativa.
transformação socialista da socie- nha leva ao abismo.
dade, pois isto não será alcançado A realidade é que não existe
com a política que aplicam os diri- nenhum setor progressista (nem O caráter reacionário da
gentes da CUT e o PDA. “menos” reacionário) na classe do- burguesia colombiana
Tarsicio Mora, Secretário Ge- minante colombiana, com os quais
ral da CUT e dirigente do PDA, seja possível pactuar uma melho- A oligarquia, ou seja, a “bur-
resumia em uma declaração re- ra significativa e duradoura das guesia nacional”, desde que se
cente, as perspectivas para o país: condições de vida das massas. “A libertou do jugo espanhol, nunca
“A situação social pode explodir história da Colômbia está cheia de se dispôs a recuar um único passo
como uma bomba-relógio.” O etapas caracterizadas por exigên- diante das massas, e nem dar um
problema é a conclusão que tira cias sociais revolucionárias. Mas passo adiante no desenvolvimento
desta situação e o programa que sempre as forças proletárias as têm do país. O próprio Simon Bolívar,
propõe: “Uma Mesa de Negocia- revisado, quando estão o suficien- depois de ver como a mesma clas-
ção com agenda estabelecida para temente fortes para ameaçar o sta- se dominante em cujo seio tinha
tus quo e os oligarcas dos partidos nascido freava todas as tentativas

48
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

de desenvolver uma genuína re- brutal repressão do Bogotaço (ex- encontram-se em mãos de narco-
volução democrático-burguesa e plosão de raiva popular desatada traficantes e paramilitares”. “Atu-
unificar a Venezuela, Colômbia, por esse crime) voltaram a mostrar almente há mais de 4 milhões de
Equador, Peru e Bolívia na Grande de que material é feito o capitalismo refugiados no país”. Com respeito
Colômbia, exclamou: “Tenho ara- colombiano. Depois de sua eleição ao ataque sistemático à oposição
do no mar”. A Grande Colômbia prometendo políticas reformistas legal “entre 1988 e 2003 houve um
se desintegrou rapidamente, graças em benefício dos mais pobres, Al- saldo de 12.398 pessoas executa-
às aspirações locais e regionais dos fonso López e os dirigentes bur- das e 2.121 de desaparecidos nas
caudilhos, que em última instância gueses do Partido Liberal traíram mãos dos paramilitares”. As cifras
expressavam o caráter parasita, as massas. Gaitán, líder da ala es- são aterradoras e há ainda quem
atrasado e degenerado da classe querda do Partido, converteu-se em declare, como o presidente Álvaro
dominante. É neste contexto que porta-voz dos anseios populares. Uribe, que não existe guerra civil
iniciam as guerras civis do primei- Gaitán defendia a reforma agrária, na Colômbia e, portanto, que não
ro período, que duram até o desen- o controle das grandes fortunas, a há conflito armado.
volvimento regular do capitalismo nacionalização de vários setores
entre 1925-1945 e que deixaram e empresas e, inclusive, chegou a
um rastro sangrento incalculável. falar confusamente de “socialis- A ascensão revolucionária
O desenvolvimento do capitalis- mo”. Isto permitiu atrair para si dos anos 70 e 80
mo na Colômbia se sustentou com o apoio em massa dos operários
um forte impulso exterior, espe- e camponeses, bem como o ódio Nos anos 70 e 80, a crise in-
cialmente da Inglaterra, dos EUA mortal dos oligarcas, incluindo os ternacional do capitalismo pro-
e demais potências europeias. A dirigentes de seu próprio partido, vocou novamente um movimento
lei do desenvolvimento desigual e que preferiram, uma vez mais, se em massa da classe operária e dos
combinado expressou-se pela ex- aliar aos conservadores para derro- setores populares da Colômbia.
portação de capital e a monocultu- tar as aspirações populares do que Um ponto chave foi a paralisação
ra da banana, anil, fumo e café, da se arriscar que as massas questio- cívico-nacional de 1977. A ausên-
exploração do níquel, etc. Por isso nassem seus privilégios. Desgraça- cia de uma organização política de
foi se desenvolvendo mercados lo- damente, Gaitán não era marxista. massas da classe operária com um
cais, estradas e linhas férreas (mui- Achava que bastava ter o apoio das método e programa para atingir o
tas delas, obras de investimentos massas, sem precisar acabar com o poder fez com que a instabilidade
ingleses), mas que não eram volta- poder econômico, político e militar se prolongasse em vários anos sem
dos para promover uma vida digna da oligarquia e substituí-lo por um encontrar uma saída revolucioná-
para massas. E mais: a cada vez estado revolucionário baseado na ria. Depois da recessão de 1981,
que as massas exigiram melhores classe operária. Poucos dias antes as massas culpavam o governo
condições de vida, a resposta da de seu assassinato, ainda chamava e a burguesia, tanto de seus pro-
oligarquia foi afogar em sangue ao diálogo essa mesma oligarquia, blemas imediatos como da guerra
suas mobilizações. Um dos exem- que já tinha decidido eliminá-lo e a que sangrava o país. A burguesia,
plos mais dramáticos foi a greve seus partidários. Tudo para evitar o como hoje, começou a se dividir.
dos trabalhadores dos bananais confronto. Um setor, liderado pelo presiden-
em 1928, contra a United Fruit. O “Na guerra civil do segundo pe- te conservador que acabava de ser
governo conservador de Abadia e ríodo, a oligarquia nacional man- eleito, Belisario Betancur, lançou
o exército assassinaram mais de chou de sangue o país. Somente o chamado “processo de paz”. Seu
2 mil trabalhadores colombianos entre 1965 e 2006 cometeram-se objetivo era ganhar tempo e legiti-
para salvaguardar os interesses da mais de 65 mil execuções extra- midade e apaziguar o descontenta-
multinacional imperialista estadu- judiciais na Colômbia, das quais mento social.
nidense. Este episódio, que Gar- 2.515 foram de sindicalistas; 10 Sem alternativa, o desconten-
cía Márquez imortalizou no livro mil pessoas foram detidas e de- tamento expressou-se em um cres-
“Cem anos de solidão”, resume o saparecidas, e hoje seus corpos cente apoio aos grupos guerrilhei-
parasitismo, corrupção e podridão se encontram em valas comuns. ros, a quem a própria propaganda
da burguesia colombiana. Mais de 6 milhões de hectares de da oligarquia denunciava insisten-
O assassinato de Jorge Eliécer terras foram arrebatadas de comu- temente como inimigos do sistema.
Gaitán, em 9 de abril de 1948, e a nidades e de camponeses e hoje “Antes de assumir a presidência

49
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

(...) Betancur ordena uma investi- to incluía greves, protestos estu- concebendo-as como algo auxiliar,
gação para recolher a opinião do dantis, tomadas de terras por parte provoca inevitavelmente a falta de
país sobre a guerrilha (...) 80 % dos dos indígenas e outras formas de confiança na capacidade da classe
colombianos são simpatizantes, to- protesto em massa que puseram operária de mudar a sociedade.
lerantes ou indiferentes frente a tal dois milhões de colombianos em Outro problema foi o programa
fenômeno e só 20% se pronuncia pé de luta, em uma só semana. A etapista dos dirigentes guerrilhei-
radicalmente na contramão (…)”. cifra de mortos oficialmente reco- ros. Estes buscavam o pacto com
Depois da declaração de trégua nhecida como saldo do mês foi de os “setores progressistas” da bur-
por parte dos guerrilheiros, o apoio oito; a extraoficial acrescentava- guesia, adiando o socialismo para
social a estes transborda e obriga lhe um zero” um futuro longínquo. Isto fez com
o governo e a burguesia a aceitar Surgem embriões de poder po- que ficassem presos na espera de
que os guerrilheiros não entreguem pular: comitês que organizam des- uma negociação com a burguesia,
as armas e possam organizar atos de baixo a luta por melhores con- que nunca quis fazer nenhuma
e marchas de massas por todo o dições de vida nos bairros, contra o concessão séria e cujo único ob-
país. Estes se convertam em líde- desemprego, a pobreza e a insegu- jetivo era fazê-los abandonar seus
res de fato do movimento que re- rança. Isto dava uma oportunidade objetivos revolucionários, ganhar
clama na rua uma saída à crise ca- histórica, tanto aos dirigentes do tempo e – se finalmente a negocia-
pitalista em favor dos mais pobres. M-19 como das FARC, de tomar o ção se rompesse – os responsabili-
Como explica a escritora Laura poder baseando-se na mobilização zar da ruptura. No caso das FARC,
Restrepo, que fez parte da Comis- e organização da classe operária. seus líderes estavam imbuídos pela
são de Seguimento do Processo Mas a concepção guerrilheira, que teoria estalinista das duas etapas.
de Paz, em seu livro “História de vê o protagonismo central da luta Os dirigentes do M-19 defendiam
um entusiasmo”: “Uma grande co- no confronto militar dos guerrilhei- ideias pseudo-reformistas, que
moção social contida começava a ros contra o Estado à margem das identificavam o apoio das massas
aflorar de repente. O filme comple- massas, ou - no melhor dos casos – e o controle de alguns espaços ao

50
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

nível local com a vitória, sem com- massas. Se o fizessem, teria sido O refluxo dos 90
preender que isto estava longe de possível cortar na raiz a extensão
resolver o problema que a luta pelo do paramilitarismo e derrotar os A burguesia, ademais, utiliza
poder propunha em toda sua crue- planos contrarrevolucionários. a política “do bate e assopra”. Ao
za. Os dirigentes da UP se limitam mesmo tempo que segue assassi-
Por sua vez, a burguesia, sim, a exigir do governo, e do setor da nando dirigentes operários e po-
tinha as coisas muito claras. Uma burguesia que supostamente apoia pulares, aproveita o contexto de
vez mais deixaram de lado suas di- o “processo de paz”, que investi- confusão ideológica dos princípios
ferenças táticas e rivalidades para gue os crimes. Não há uma estra- dos 90 para legitimar seu domínio.
derrotar e eliminar as lideranças do tégia para tomar o poder. A ideia A queda da URSS e a desintegra-
movimento revolucionário. Betan- que acaba se impondo às massas é ção definitiva da UP deixaram a
cur, o presidente que tinha prome- a que expressa uma ativista da UP esquerda desarmada. Em 1991
tido que sob seu mandato não cor- no famoso documentário sobre o assina-se um acordo de paz com o
reria uma gota de sangue, abriu a massacre (que tem o mesmo título M-19 e convoca-se a Assembleia
porta aos esquadrões da morte e ao da operação de extermínio): “Nós Constituinte. O “Eme” participa ao
paramilitarismo. tínhamos a razão, mas eles tinham lado do Partido Liberal e Conserva-
a força”. O ceticismo e a luta pela dor. A Constituição provoca muitas
sobrevivência individual acabaram ilusões. No entanto, ainda que con-
Lições da derrota dos anos 80 vencendo. O refluxo que iniciou signasse importantes reivindica-
nessa época será profundo. Um ções, na prática foi uma maneira
No início de 1985, o M-19 e setor da vanguarda voltou a em- de desviar a atenção das massas e
o ELP decidem voltar à luta nas punhar as armas nas montanhas, enganar com uma mudança de fa-
montanhas. As massas, ainda que retomando os métodos que o põe chada, para que nada mudasse de
golpeadas em seu moral pela de- às margens das massas. As FARC fundamental. Outra vez a ilusão
terioração econômica e a ausência - mesmo mantendo um apoio im- constitucional e legalista terminou
de uma política revolucionária que portante em diferentes zonas rurais com o assassinato de muitos mi-
mostrasse uma saída, seguem, ape- – sofrerão a partir daí um crescente litantes do M-19 desmobilizados:
sar de tudo, buscando titanicamente isolamento com respeito à popula- entre eles seu candidato presiden-
alternativas. Nasce a União Patrió- ção das cidades, que hoje represen- cial Carlos Pizarro em 1990.
tica (UP), como um movimento de ta 70% do país. A organização de bandos para-
massas do qual - além das FARC, Isto encerra uma lição para aque- militares fascistas, para lutar tanto
que mantêm a trégua, e o PCC - les que defendem que na Colômbia, contra as ocupações de terras como
participam dezenas de coletivos por causa da repressão, a luta não contra a luta de guerrilhas no cam-
operários, camponeses e populares. pode se basear nas massas e nos po, é intensificada e sua atuação é
Os dirigentes da UP, em virtude de métodos tradicionais da classe ope- transferida para as cidades. Duran-
sua honestidade e heroísmo, con- rária. É precisamente o contrário. A te os anos noventa a burguesia re-
tavam com um apoio de massas. A luta deve se basear na organização correrá cada vez mais abertamente
burguesia o sabia e põe em marcha e mobilização das próprias massas ao paramilitarismo. O assassinato
a operação “Baile Vermelho”. En- e se submeter à sua direção, em es- e perseguição de sindicalistas au-
tre 1986 e 1989 mais de 3 mil diri- pecial, à da classe operária, empre- mentam escandalosamente: no ano
gentes da UP são assassinados. As gando seus métodos: assembleias, de 91, morreram 83 sindicalistas.
grandes mobilizações de massas em formação de Comitês ou Conselhos Em 92 são 135, em 93 são 196,
repulsa pelos crimes demonstram elegíveis e revogáveis, etc. Se base- em 95 são 237 e em 97 são 182.
que a correlação de forças seguia ada na ação de um grupo à margem As cifras anteriores repetem-se nos
sendo ainda favorável. Mas não se das massas isto termina levando anos seguintes com índices pareci-
convoca nenhuma greve geral que ao isolamento. As mobilizações de dos (Fonte: Anistia Internacional,
torne a classe operária consciente massas dos últimos meses voltam Colômbia: A realidade do sindica-
de toda sua força e a ponha à fren- a demonstrá-lo. A luta de massas lismo. Dados e estatísticas - http://
te do movimento. Também não se conseguiu criar mais problemas à www.amnesty.org/library/Index/
organizam comitês de autodefesa classe dominante em uns meses que ESLAMR230152007, Pág.1).
nem se utiliza a experiência militar, todas as ações das FARC e o ELN “Os paramilitares têm sua ori-
armas, etc. das FARC em apoio às durante os últimos anos. gem nos grupos civis de ‘autode-

51
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

fesa’, de caráter legal, criados pelo 1.071.868 votos produziram-se em tricidade ou bombardeavam zonas
exército nas décadas de 1970 e zonas controladas pelo paramilita- que, efetivamente, afetavam a vida
1980, para que atuassem como for- rismo. Uribe em sua primeira elei- comum das pessoas. Isto provoca-
ças auxiliares durante as operações ção representou o Partido Liberal. va um giro histérico à direita da
de contrainsurgência. Mesmo sem Depois de uns meses, dinamitou maioria esmagadora da pequena
sua base legal, suprimida em 1989, este partido - que a propósito já burguesia.
seguem se expandindo”. Os latifun- não conta com seu antigo poder Desse modo, o sorveteiro que
diários e os caudilhos locais encar- - e se sobrepôs acima dele como se via afetado pelos cortes de luz,
regaram-se de organizar os setores uma espécie de árbitro e fiador da devido aos danos causados às tor-
mais decompostos da sociedade, o ordem, acima de diferentes parti- res elétricas, o caminhoneiro e o
lumpesinato. Já dentro do narcotrá- dos burgueses. Fez uma coalizão turista que eram prejudicados pela
fico estes elementos estavam muito com pequenos grupos, de chefes destruição de pontes, o lojista que
organizados, contando com os exér- e caciques oriundos do Partido tinha que fechar a loja pelos con-
citos privados dos latifundiários. Conservador. Desse modo apoiou- frontos e pela falta de freguesia
O prolongamento do conflito ar- se, e apoia-se, em um montão de e o camponês de quem se exigia
mado durante décadas, o desen- partidos “uribistas” que abundam o pagamento de uma vacina (im-
volvimento de milhares de elos em contradições, que se queixam posto que as guerrilhas cobram da
que vinculam o narcotráfico com de falta de atenção, ou de que seus população para patrocinar a luta)
o paramilitarismo, e a ambos com dirigentes estejam no cárcere por foram se voltando para a direita e
a burocracia estatal, farão com que serem paramilitares. aceitando que todo o mal nacio-
o peso econômico e político da Desde o início de sua presi- nal era causado pelas guerrilhas,
“paraburguesia” no seio da clas- dência, Álvaro Uribe teve divisas fazendo eco aos meios de comu-
se dominante cresçam. Em 2001 muito concretas: “Mão de ferro, nicação. Foram se transformando
os principais líderes paramilitares coração grande” e “não negociar na base social de Uribe, sem en-
organizaram uma reunião nacional com o terrorismo”. Era a estratégia tender que o verdadeiro problema
com a participação de uma grande burguesa de usar o conflito com os era e natureza corrupta e criminosa
quantidade de políticos do país co- grupos armados para distorcer a da oligarquia. Durante esses úl-
nhecida como o Pacto de Ralito. luta de classes. Nos anos 70 e 80 timos anos, esta táctica tem sido
“…Foram 11 congressistas, dois nunca se falava muito da guerrilha levada à sua máxima expressão,
governadores, três prefeitos, vários em meios oficiais. As classes do- apoiando-se nos principais meios
vereadores e servidores públicos”. minantes fizeram um giro de 180 de comunicação burgueses e no
“O objetivo era selar um acordo graus em meados dos anos 90 e ambiente de desmoralização, ce-
que buscava refundar a pátria e fa- começaram a tratar o tema “Guer- ticismo e individualismo gerado
zer um novo contrato social.” Tal rilha” constantemente. Tudo se pela derrota histórica dos anos
pacto social prega preservar a pro- tratava de uma estratégia midiática 70 e 80, e pelo aprofundamento
priedade a sangue e fogo. Quando para jogar a nação na contramão da violência durante os anos 90.
a revista “Semana” perguntou a da guerrilha. As notícias mostra- A chamada “política de segurança
Holguín, ex-ministro do Interior de vam a cada dez segundos a tomada democrática” é um estado de sítio
Uribe, sobre o acordo, este respon- de povoados, notícias sobre recru- com um novo nome. Sob a fachada
deu que não tinha “nada impróprio tamento de meninos, sequestros, de um regime formalmente demo-
no documento e que poderia refe- atentados, etc. Depois da nova ne- crático (com Parlamento, eleições,
rendar.” gociação aberta em 1998 ,a mídia etc.), o exército armou-se até os
tinha como estratégia demonstrar dentes, uma parte dos paramilita-
que as guerrilhas não queriam ne- res tem sido legalizada como in-
O governo de Uribe gociar, o qual não era verdade. O formante e colaboradora junto ao
governo, ao mesmo tempo em que poder público, enquanto a outra
Em 2002 votaram por Uribe traía a paz pactuada com as guer- segue atuando impunemente, as-
5.862.655 pessoas, enquanto em rilhas e elaborava sua propaganda sassinando seletivamente milhares
2006 ele conseguiu uma impres- midiática, tentava, a todo custo, de ativistas operários e populares.
sionante votação de 7.307.835, um deixar que as guerrilhas se deslegi- Durante os 6 anos de mandato do
recorde histórico. Nos dois proces- timassem ante a população quando atual governo já foram assassina-
sos eleitorais aproximadamente elas atacavam pontes, torres de ele- dos 515 sindicalistas. O conflito

52
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

militar é utilizado também para para mudar a Constituição e lhe monolítico. Por ela está emergin-
justificar a crescente presença de permitir a re-eleição. Inclusive, do todo o descontentamento so-
tropas e bases do imperialismo vários líderes desses partidos, que cial acumulado. Os trabalhadores,
estadunidense na Colômbia, que no passado ajudaram a criar Uribe corretamente, começam a entender
poderiam ser utilizadas contra e companhia, têm votado contra que essas divisões oferecem uma
qualquer movimento revolucioná- o governo, por uma série de des- oportunidade para que a classe ope-
rio no continente e em particular contentamentos. O governo res- rária se ponha à frente de todos os
contra a Revolução Bolivariana. ponde atacando duramente a seus inconformados, unindo-os contra a
Esta presença também proporciona detratores, e desafiando-os com oligarquia. Não obstante, como te-
à classe dominante colombiana um um possível referendo que poderia mos insistido ao longo deste artigo,
duplo contingente para esmagar os polarizar ainda mais essa situação os capitalistas – confrontados com
trabalhadores colombianos. política. uma mobilização revolucionária
Estas divisões, as denúncias das massas - tentarão se unir para
públicas (realizadas não pela ex- defender sua dominação e descar-
As atuais divisões trema esquerda, mas agora por regar a crise do capitalismo sobre
da burguesia juízes e meios de comunicação os trabalhadores e camponeses. Já
burgueses) a respeito dos crimes o estamos vendo isso acontecer.
No início, Uribe era visto com paramilitares e seus vínculos com Novamente, estão tentando utilizar
reservas por alguns setores bur- o aparelho estatal, membros do a guerra com as FARC e o com o
gueses por causa de sua ambição governo e destacados setores da ELN e a questão dos sequestrados
e das denúncias sobre seus víncu- classe dominante têm rasgado o para desviar a atenção das massas
los com grupos paramilitares. Ele véu que habitualmente cobria da e distorcer a percepção da luta de
tentou (ao menos publicamente) oligarquia, revelando sua podridão classes. Em 28 de novembro, o go-
se distanciar, na primeira hora, a milhões de pessoas. Nos últimos verno, utilizando todos os recursos
de alguns de seus aliados menos meses, Uribe teve que demitir 27 do Estado, junto com os grandes
apresentáveis, e buscou ser aceito altos oficiais e destituir o chefe do meios de comunicação burgueses
como representante dos principais Estado Maior por causa das execu- fizeram coro, com apoio unânime
setores da oligarquia. Durante vá- ções extrajudiciais, bem como ex- de todos os setores da classe do-
rios anos, o crescimento econô- traditar vários chefes paramilitares minante (já que nisto – apesar de
mico, a inércia provocada pelo para os EUA, na tentativa de evitar suas contradições internas – estão
medo, a desmoralização e a luta que o escândalo da “parapolítica” sempre de acordo), e organizaram
cotidiana pela sobrevivência, que continue respingando no Estado uma nova “jornada pela paz e a
mantinham paralisadas as massas, colombiano. pela liberdade”.
permitiram que ele se apresentas- As divisões interburguesas, para Mas nem com todas estas ma-
se como uma garantia de unidade além da preocupação de um setor nobras poderão impedir que o fan-
e estabilidade para a classe domi- dos capitalistas frente ao crescente tasma da luta de classes continue a
nante. Os conflitos internos eram poder de Uribe e de sua camarilha, percorrer o território colombiano.
resolvidos dentro da lógica de que expressam as contradições que se A realidade sempre é mais contun-
“roupa suja se lava em casa”. Mas desenvolvem por causa da crise dente que a fantasia, e por isso os
as recentes divisões em torno da econômica, que reduz os lucros a trabalhadores já não engolem por
re-eleição de Uribe e o escândalo serem repartidos entre os explo- inteiro o lixo midiático da oligar-
da “parapolítica”, por outro lado, radores e torna mais aguda a luta quia. Se os dirigentes da CUT e do
vieram à público e provocaram pelo controle das instituições do PDA tivessem um programa mar-
rupturas na classe dominante. Estado. A isso se juntam diferen- xista e vinculassem as reivindica-
O poder judiciário e a cúpula da ças táticas a respeito de como res- ções operárias e populares, à luta
Igreja Católica se opuseram à re- ponder ao descontentamento social contra a repressão, pelo fim da vio-
eleição de Uribe. No próprio Par- crescente. Como explicou muitas lência e pela paz - e articulassem
lamento (onde boa dos seus repre- vezes o marxismo, “o vento da re- todas elas à luta pelo socialismo
sentantes está encarcerada ou sen- volução, com frequência, começa – já teríamos uma situação revolu-
do investigada por vínculos com o por sacudir as copas das árvores”. cionária. Na falta deste programa,
paramilitarismo) o presidente não Tudo isto abre uma brecha no re- o processo será seguramente mais
tem conseguido o apoio necessário gime, que até agora aparentava ser contraditório e complexo.

53
América Socialista
Colômbia: Desaceleração econômica, crise política e agudização da luta de classes

Por um programa socialista contra a oligarquia. Assim que esta apenas 32% dos votos. Se os diri-
de expropriação dos classe perceber que tem novamen- gentes do PCC e o resto da esquer-
capitalistas para a te a força necessária, vai reprimir da do Pólo e da CUT defendessem
CUT e o PDA e matar por todos os lados, como um programa marxista; e que, ao
sempre fez. O único modo de evi- mesmo tempo em que denuncias-
O programa de defesa do Esta- tar isso é que a ala esquerda do sem implacavelmente as políticas
do de Direito, do desenvolvimento Pólo e da CUT se organize desde de Uribe, explicassem também que
do capitalismo nacional, de união já, explicando às massas paciente- o problema não é uma pessoa, mas
de todos os colombianos, de paz mente sobre os perigo que correm todo um sistema: o capitalismo;
democrática, etc., e que os diri- e, sobretudo, contrapondo uma al- que explicassem pacientemente às
gentes do PDA defendem, só pode ternativa marxista às políticas re- massas que a única alternativa é
levar ao desastre. Um exemplo formistas. estatizar as grandes empresas e os
do quão longe alguns desses diri- Os dirigentes da ala esquerda do bancos sob controle operário, para
gentes chegam em sua bancarrota Pólo, em particular os filiados do instaurar uma economia socialis-
ideológica é a proposta feita há PCC, têm o respeito das bases dessa ta planificada democraticamente,
uns meses por Petro (representante coalizão partidária por sua honesti- resolvendo seus problemas e ne-
da ala direita do PDA): “Quando dade e pelo valor de se declararem cessidades básicas; que dissessem
explodir a narco-bolha, a socieda- comunistas. Mas, desafortunada- claramente que no marco do capi-
de colombiana experimentará um mente, muitos destes dirigentes, talismo não haverá uma paz digna
guayabo (crise) atroz. (...) Esse ainda que critiquem os argumen- nem duradoura para Colômbia e
será o momento do Acordo Nacio- tos de direita de Petro e Navarro, que isto só é possível com o socia-
nal, porque a maioria da popula- dão apoio à ideia de uma grande lismo; eles conseguiriam entusias-
ção dará respaldo à essa fórmula. coalizão “para a paz democrática, mar seus militantes e ganhariam a
Como que por um passe de mági- para a segunda emancipação”, etc. maioria no PDA e da CUT. Arma-
ca, uribistas, membros da oposição Esta linha, referendada no último dos com as idéias de Marx, Engels,
e forças sociais diversas se junta- Congresso do PCC de novembro Lênin e Trotsky, o Pólo e a CUT
rão em ideais comuns. É o que eu deste ano, não deixa claro para conquistariam o apoio em massa
chamo de ‘princípios mínimos’”. as massas quais são as diferenças do conjunto da classe operária, do
Mas não existem tais princípios. políticas com a direita do PDA. campesinato e da juventude, abrin-
Qualquer Acordo Nacional com Os dirigentes da esquerda do PDA do uma nova era na história colom-
a burguesia só pode representar deveriam estudar a experiência so- biana.
uma nova mentira para as massas. frida pela Esquerda Unida na Es-
A burguesia atuará como sempre panha e pela Esquerda Arco-Íris na
fez em todos os acordos de paz e Itália que, por não exporem uma corrientemarxistacolombia@
de conciliação, utilizando esses política decidida, com um progra- gmail.com
“pactos” no momento em que não ma revolucionário e socialista, não
conseguir mais reprimir um movi- conseguiram convencer os traba-
mento gigantesco e organizado das lhadores, nem a juventude de sua
massas. justeza, e nem se diferenciaram
Um setor da burguesia não vê suficientemente aos olhos das mas-
com maus olhos que Petro e ou- sas em relação aos reformistas de
tros dirigentes do Pólo proponham direita do PSOE ou dos Democra-
estas ideias. Por isso os fomenta tas de Esquerda. Tudo isso causou
até certo ponto, enquanto ataca a a estes partidos a perda de milhões
esquerda. No futuro, sobretudo se de votos e de quase toda sua repre-
a mobilização das massas fugir do sentação parlamentar, na Espanha
controle, a burguesia poderia uti- e na Itália.
lizar esses reformistas para frear A direita do Pólo não é forte.
o impulso revolucionário, esma- As candidaturas de Petro e Moreno
gando-os depois, assim que fosse nas recentes eleições internas ao
possível. Qualquer pacto só servi- Congresso do Pólo, celebradas em
rá para adiar as medidas decisivas outubro deste ano, somavam juntas

54
América Socialista
Migração, crise e luta de classes em El Salvador

Migração, crise e luta de classes


em El Salvador
Bloco Popular Juvenil
El Salvador

N
o final desse ano, comemo- grande potencial revolucionário das Milhares deles trabalhavam nos
ram-se os 20 anos da ofen- massas oprimidas de El Salvador. infernais bananais da United Fruit
siva militar mais importante Company, muitos deixando aí suas
da Frente Farabundo Martí para la vidas. As fortes tensões econômicas
Liberación Nacional (FMLN), que A migração em Honduras terminaram na mal
obrigou o Estado salvadorenho a fa- chamada Guerra del Fútbol e na ex-
zer uma série de concessões a favor O dramático tema dos emigran- pulsão de 80 mil salvadorenhos da-
das massas e assinar os acordos de tes é a mostra mais clara da podri- quele país. Por mais dramático que
paz. Mas esse ano também será fun- dão em que se encontra o capitalis- tenha sido aquele momento de nos-
damental na história da luta de clas- mo “salvadorenho”. Roque Dalton sa história, comparado com o que
ses em El Salvador. Já ocorre hoje, parece mais
se tornam evidentes os uma divertida estória
sintomas de insatisfação infantil. Segundo dados
das massas, que se uti- do Ministério de Rela-
lizaram primeiramente ções Exteriores, atuali-
do processo eleitoral, zados em 2005, existem
através suas organiza- 2.950.126 salvadore-
ções tradicionais, para nhos vivendo no estran-
afastar do governo o geiro, 87,6% deles, nos
partido anticomunista, o EUA. Para um país tão
ARENA, fundado pelo pequeno, com cerca de 6
dirigente dos esqua- milhões de habitantes, é
drões da morte, Robert uma cifra abissal: um a
D’Aubuisson, e para cada três salvadorenhos
tratar de transformar sua vive fora do país.
miserável realidade. Foi durante a guerra
Existem fortes tra- civil, na década de 80,
dições revolucionárias que a migração cresceu
no povo salvadorenho. consideravelmente e os
Grandes batalhas ocor- EUA se converteram no
reram desde a formação seu destino principal.
do proletariado, como a Segundo o documen-
insurreição de 1932, a greve geral de chama os salvadorenhos, em seu to da equipe Maíz, “Emigrações e
1944, a onda grevista de 1967-68, famoso “Poema de Amor”, de “los Remessas”, durante essa década,
as mobilizações de massas durante eternos indocumentados”. Quan- emigraram 127.450 salvadorenhos.
os anos 70, a revolução de 1980 e do aquelas linhas foram escritas, Frente ao crescente problema mi-
a guerra revolucionária de 1980-82, já havia se vivenciado um intenso gratório, a burguesia soube apenas
onde a burguesia não pôde derrotar fenômeno migratório, na década acusar as ações da FMNL ou culpar
um povo que lutava pelo socialismo. de 60, no qual 350 mil salvadore- os desastres naturais, como o ter-
Esta última experiência expôs os li- nhos foram viver em outros países, remoto de 2001 ou o furacão Stan.
mites da guerrilha, mas, também, o principalmente na América Central. Este último, sem dúvida, agravou

55
América Socialista
Migração, crise e luta de classes em El Salvador

a situação, mas depois dos acordos sua renda per capita é 6 vezes maior litaram o endurecimento da políti-
de paz, o que temos visto é um tre- do que a de quem fica no país. Mui- ca migratória, fazendo o trabalho
mendo terremoto social, com uma tos concluem que é melhor emigrar sujo de deportar a maioria dos
infinidade de ataques aos trabalha- para outro país, ainda que possam, salvadorenhos antes que cheguem
dores, como: o abandono do cam- na tentativa, morrer de fome ou ser aos EUA. Também vale ressaltar
po; as privatizações; os ataques à assassinado por um “traficante de que este incremento da deporta-
educação e à seguridade social; os imigrantes”. ção se dá justo no período da re-
ataques às conquistas trabalhistas; cessão anterior, nos Estados Uni-
os baixos salários; dos. Neste país,
o alto crescimento em 2002, houve
demográfico que o 3.621 salvadore-
capitalismo é inca- nhos deportados.
paz de controlar; Em 2003 o núme-
etc. ro aumentou para
Vejamos de ma- 5.214, e em 2008
neira clara: segundo foram 80.448 de-
dados do PNUD, portados de toda
entre os anos de a América Cen-
1998 e 2005 (prati- tral, uma cifra re-
camente o período corde, dos quais
de presidência de 20.516 eram sal-
Francisco Flores) vadorenhos.
houve mais migra- Muitos destes
ção que nas cinco deportados têm
décadas anteriores. antecedentes pe-
A presidência de nais e pertencem
Antonio Saca com- às famosas má-
pete fortemente fias internacio-
com Flores, pelo posto do governo Endurecimento da nais conhecidas como Maras. E
com maior migração da história. A política migratória sua repatriação só aprofunda os
organização defensora dos direitos problemas sociais, como a delin-
dos migrantes, CARACEN Inter- O governo salvadorenho é um quência, na América Central. “As
nacional, estima que saem do país dos mais fiéis defensores do im- extorsões, assaltos e assassinatos
700 salvadorenhos por dia. Nem to- perialismo, chegando inclusive a aumentaram na medida em que
dos conseguem atingir seu objetivo. apoiar a invasão imperialista do muitos dos gangsters formados
Existem milhares de histórias de mi- Iraque, com o envio do batalhão nas ruas e cárceres da Califórnia,
grantes explorados pelos chamados Cuscatlán, com cerca de 350 sol- Arizona, Texas e Washington,
“coiotes”, de mortes por asfixia ou dados. Para pagar por esses ser- chegaram ao país para reproduzir
no deserto, assaltos, golpes, viola- viços prestados, o governo dos essa forma de vida” (El Diario de
ções, mutilações causadas por atro- EUA responde com um endureci- Hoy, 16/10/2006).
pelamento nas linhas de trem, etc. mento de sua política migratória. Os acordos recentes entre o
Estes são sintomas da verdadeira Segundo dados do PNUD, no ano governo de El Salvador e do Mé-
barbárie à que nos leva o capitalis- 2001 houve 3.445 salvadorenhos xico para um tratamento justo aos
mo. Milhares de centro-americanos, deportados de diversos países imigrantes são uma resposta às
depois de passar pelas mais graves do mundo, mas no ano de 2002, graves críticas de constantes vio-
penalidades, são deportados e, ao já eram 20.741 os “repatriados”. lações aos direitos humanos, mas
regressar a um país que não oferece Esta tendência ascendente se só servirão, no melhor dos casos,
nenhuma alternativa, tentam nova- mantém. No México, o triunfo da para realizar as deportações de
mente emigrar para os EUA. Segun- direita com os governos do PAN, maneira mais “humanitária”. São
do dados da PNUD, a riqueza gera- tanto de Vicente Fox quanto o de medidas superficiais, que não vão
da pelos salvadorenhos fora do país Felipe Calderón, subordinados por fim às altas taxas de migração
equivale a 127% do PIB nacional e claramente ao imperialismo, faci- e de deportação.

56
América Socialista
Migração, crise e luta de classes em El Salvador

Dependência econômica bancos, por exemplo, se apoderam provocou grandes desajustes eco-
de milhões de dólares dos trabalha- nômicos. Além disso, este cresci-
Mas o efeito principal da migra- dores migrantes, ou seja, do produto mento não resolveu nem o menor
ção tem sido o de gerar uma depen- da venda de sua força de trabalho, só dos problemas fundamentais dos
dência econômica maior em relação para gerir os envios das remessas. trabalhadores. A maior integração à
aos EUA, transformando a econo- Os trabalhadores salvadorenhos economia mundial torna o país mais
mia salvadorenha em um verdadei- nos EUA não estão isentos da crise. dependente e vulnerável.
ro parasita a depender do imperia- O endividamento dos trabalhadores O crescimento econômico do
lismo. Os trabalhadores emigrantes salvadorenhos nos EUA, a enorme país vai depender da população ter
que enviam remessas mantêm a perda de empregos e os ataques às recursos para manter o consumo
economia do país inteiro. Em 2006, condições de trabalho, limitaram o (remessas) e as mercadorias de ex-
1.670.942 lares salvadorenhos rece- envio das remessas. Os dados oficiais portação encontrar compradores no
biam remessas que usavam, em sua do Banco Central de Reserva indicam mercado mundial. Até novembro de
maioria, para gastos essenciais. As que em 2008 as remessas continua- 2008, o déficit da balança comercial
remessas do exterior superam qual- ram subindo. Mas mesmo que estes era de US$ 4 bilhões e 810 milhões
quer setor da exportação separada- dados possam estar maquiados, ainda (US$ 4 bilhões e 294 milhões em
mente, e estão relativamente próxi- assim podemos perceber uma enorme exportações menos US$ 9 bilhões e
mas de se igualar às rendas obtidas queda no ingresso de remessas entre 105 milhões de dólares em importa-
pelas exportações em seu conjunto. os meses de outubro e novembro de ções), que não poderia ser coberto se
Segundo dados oficiais do Banco 2008, passando de 304,3 para 264,8 não fossem as remessas. A burguesia
Central de Reserva de El Salvador as milhões de dólares, respectivamente. fala do grande crescimento das ex-
receitas obtidas pela remessa e pelas Poderíamos ver a queda das remes- portações não-tradicionais, com pro-
exportações foram as seguintes, em sas compensada com o envio de mais dutos vendidos principalmente na
milhões de dólares: força de trabalho via a migração, mas América Central, só que estas eco-
Sem essas remessas, não se po- nem toda ela poderá ser absorvida nomias são igualmente dependentes,
deria manter o atual consumo inter- pelos EUA. Pelo contrário, havendo assim como a salvadorenha, e nelas
no. Se as remessas vierem abaixo, o um maior exército geral de reserva, veremos também quedas de remes-
mercado vai se contrair e, portanto, vai haver um ataque maior às condi- sas e de consumo. As exportações
ter um impacto na industria, tanto das ções de trabalho dos migrantes, que tradicionais (café, açúcar e camarão)
mercadorias de importação como as já enfrentam uma política antimi- só representaram, até novembro de
da produção nacional. Em 2007 as gratória mais dura. A classe operária 2008, 14,88% do total das exporta-
remessas equivaleram a 18.1% do deve dar sua última palavra; basta ções, as não-tradicionais 49,39%, e
ver as demonstrações de as montadoras 43,15%.
Ano Ingresso de remessas Exportações força que foram dadas no As montadoras foram golpea-
1998 $1,338.3 passado, onde milhões de das pelo crescimento da economia
1999 $1,373.8 trabalhadores emigrantes chinesa, que ganhou os mercados,
2000 $1,750.7 $2,864 ocuparam as ruas do cora- mas com o CAFTA (Tratado de Li-
2001 $1,910.5 $2,995
2002 $1,935.2 $3,128 ção do imperialismo. vre Comércio da América Central
2003 $2,105.3 $3,305 e Rep. Dominicana), aprovado em
2004 $2,547.6 $3,305 2006, ocorreu uma recuperação do
2005 $3,017.2 $3,418 As exportações setor. O crescimento das exportações
2006 $3,470.9 $3,707 não-tradicionais à América Central
2007 $3,695.3 $3,980 A economia salvadore- também foi incrementada desde a
nha manteve uma tendên- assinatura do TLC com a América
PIB nacional! Esta é uma cifra sur- cia de crescimento nos últimos anos, Central, EUA e República Domini-
preendente. Em algumas zonas é em 2006 foi de 4,2%, em 2007 foi cana.
muito maior. No departamento da de 4,7%, mas em 2008, a economia Mas o CAFTA representou o em-
União, as remessas representam os só cresceu em torno de 3,2%, mos- pobrecimento das massas salvadore-
50% do PIB departamental.  trando os efeitos da crise nos EUA. nhas; enquanto cede todas as facili-
Para a burguesia de El Savador in- O Tratado de Livre Comércio (TLC) dades ao grande capital, eliminando
teressa a migração, pois as remessas permitiu estender suas exportações as tarifas (e diminuindo a arreca-
são para ela um grande negócio. Os e gerar alguns investimentos, mas dação do Estado) e aumentando as

57
América Socialista
Migração, crise e luta de classes em El Salvador

taxas de lucros. Todo salvadorenho exportando força de trabalho ilegal das, elas nos apresentam uma pai-
sabe que o CAFTA não implicou em aos EUA, que, como já dissemos, sagem do ambiente que vivemos.
nenhuma diminuição nos preços das será incapaz de absorver grande
mercadorias. Aumentou sim a explo- parte dessa população.
ração, para que as empresas salvado- O FMLN necessita um
renhas possam diminuir os custos de programa socialista
produção e tornar suas mercadorias Polarização social
competitivas frente aos EUA. A assi- As grandes possibilidades de
natura do CAFTA faz ainda mais de- O elemento-chave na equação triunfo do FMLN não se devem à po-
pendente a economia salvadorenha é que a atual crise se dá quando lítica e à direção atual do partido, mas
da norte-americana, e os avanços as massas mostram uma insatisfa- sim apesar delas. Nas designações
que teve no período de boom se con- ção que se expressa no repúdio ao de candidatos aos municípios houve
verteram em seu contrario durante a partido ARENA e no grande apoio uma série de críticas e inclusive mo-
recessão. ao FMLN, dentro de um processo bilizações da militância do partido
Nós marxistas nos opomos à revolucionário na América Latina em oposição a vários candidatos. Os
exploração capitalista que se apro- e de grande convulsão no planeta. trabalhadores dos governos munici-
funda com tratados como o CAF- Mas as eleições são apenas um ter- pais, que no passado participavam
TA, que tem toda a intenção de mômetro que mostra a temperatura com gosto na campanha eleitoral,
beneficiar a burguesia, por exem- entre as classes sociais. A burgue- hoje estão acostumados a manifestar
plo, com a eliminação de tarifas. sia quer montar sobre as costas dos seu descontentamento frente às suas
Mantemos nossa palavra de ordem trabalhadores, fazendo-nos pagar precárias condições de trabalho, com
contra o CAFTA, mesmo quando pela crise, enquanto as condições apatia na participação da campanha e
a direção do FMLN está cedendo atuais de vida tornam-se mais insu- inclusive em mobilizações contra os
neste território às pressões da bur- portáveis para milhares de famílias governos municipais. Acostumaram-
guesia e até eliminando o combate operárias e camponesas. se em ver alguns prefeitos e conse-
ao CAFTA de seu discurso. A pesquisa de opinião realiza- lheiros do FMLN não como dirigen-
O México e a região centro- da pelo Instituto Universitário de tes revolucionários, mas como patrões
americana estão sendo as mais di- Opinião Pública (IUDOP) da Uni- que aplicam políticas antioperárias. É
retamente afetadas pela crise nos versidad de Centroamérica (UCA), urgente uma política classista nos go-
EUA, devido a sua dependência em setembro de 2008, destaca- vernos do FMLN.
econômica mais direta. A queda va que 82,1% dos salvadorenhos É evidente a mudança no dis-
dos preços do petróleo, para um opinavam que o país precisava de curso que a direção do partido hoje
país não petroleiro como El Sal- mudança, 54,5% diziam que a si- utiliza: palavras como revolução ou
vador, é uma pequena válvula de tuação do país piorou com o atual socialismo ficaram fora dos atos da
escape que o governo do ARENA governo, 70,7% percebiam uma campanha nestas eleições. O FMLN
quer utilizar eleitoralmente ao pro- piora na situação econômica do se declara um partido revolucioná-
por medidas como a redução do país e 60,7% afirmavam que sua rio e socialista, mas nesta campanha
preço do transporte público. Isso situação econômica pessoal piorou eleitoral sua direção defende um pro-
não elimina os efeitos da perda no último ano. Um par de dados grama que está muito longe de ser
acumulada do poder aquisitivo e interessantes é que 55,5% creem socialista, e que mesmo dentro dos
nem das consequências da cha- que haverá fraude eleitoral e que só limites do reformismo, se apresenta
mada crise alimentícia, que não é 50,6% dos entrevistados acreditam bastante moderado. São propostas
mais que uma expressão da irra- que o atual sistema social requer coisas como “combater a corrupção”,
cionalidade em que se converteu só algumas reformas, enquanto “sanear as finanças públicas”, edificar
a economia capitalista. O segredo que 41,6% acreditam que é preciso e defender o “estado democrático de
da economia salvadorenha, dentro mudar as coisas totalmente. Estes direito”, realizar o crescimento eco-
da lógica capitalista, está em que dados são uma mostra do grande nômico, “reduzir o déficit de conhe-
possa vender suas mercadorias no descontentamento acumulado e as cimento”, frear a falta de segurança
mercado mundial e, sobretudo, aspirações por mudança frente a dos cidadãos, superar o desemprego
manter o crescimento das receitas um sistema que não oferece alter- e o alto custo de vida, etc.
geradas pelas remessas dos mi- nativas. Mesmo que as pesquisas Mas como disse Trotsky, uma coi-
grantes, o que implica em seguir possam ser questionáveis e limita- sa é a classe, outra o partido e outra

58
América Socialista
Migração, crise e luta de classes em El Salvador

partir com equidade tão esperada mudança e pressiona-


e justiça a riqueza, rão seu governo para resolver seus
primeiro há que problemas. Mas esta mudança não é
produzi-la. E para possível com simples reformas em
isto necessitamos meio a crise orgânica do capitalismo.
que os empreende- Não é possível curar um câncer com
dores privados e o uma aspirina. Nós, marxistas do BPJ,
Estado selem uma combatemos no FMLN por um pro-
forte aliança desde grama revolucionário que permita a
o início”. luta real pelo socialismo. Sabemos
Ao ler editoriais que essa é a aspiração de muitos mili-
de jornais, como El tantes e trabalhadores, e que por isso,
Diario de Hoy, que temos sido duramente atacados pela
nos últimos meses burguesia em intensas campanhas de
acusaram Funes e difamações e mentiras contra nós.
o FMNL de verme- A teoria estalinista, que propõe a
lhos, comunistas, realização da revolução democrática-
assassinos, ditado- burguesa e só depois o socialismo,
res… fica bastante na qual se refugiam vários dirigentes
claro que, para seto- para justificar seu atual programa re-
res importantes da formista, é uma teoria oportunista e
burguesia, o FMLN inviável para construir realmente o
sempre será o par- socialismo. Os revolucionários sal-
tido dos trabalha- vadorenhos têm que reivindicar o que
a direção. A batalha eleitoral dá uma dores radicais que defenderam os dirigentes da revolu-
mostra clara do ambiente combativo querem instaurar o comunismo em ção russa, Lênin e Trotsky: é preciso
da militância e da classe operária, El Salvador, e vão lutar para impedir fazer a revolução socialista na Améri-
primeiramente com o apoio massi- seu triunfo nas eleições, com méto- ca Central e no conjunto do continen-
vo ao FMLN nas próximas eleições, dos como fraude eleitoral ou boicotes te. A revolução não pode se deter no
onde a maioria das pesquisas lhes dá desde o primeiro dia do governo do programa democrático-burguês, mas
uma vantagem ampla. Já na tomada FMLN. Eles não têm medo de Funes, deve ascender às medidas socialistas
de posse de Funes, vimos 70 mil jo- mas sim do movimento que, neste como a nacionalização dos bancos e
vens e trabalhadores concentrados contexto, sua eleição poderia desen- das principais indústrias, postas a fun-
para aprovar sua candidatura. No 1º cadear entre os trabalhadores salva- cionar sob controle democrático da
de maio de 2008 marcharam 100 mil dorenhos. classe operária. A revolução não pode
trabalhadores com grande combativi- Por outro lado, as amplas massas sobreviver isolada e muito menos
dade e receberam Funes com ânimo. nunca leem as letras pequenas dos em um pequeno e pobre país como
Inclusive, vimos casos espontâneos discursos. Elas apoiam o FMLN por- El Salvador, mas o triunfo revolu-
de apoio como uma ovação ao can- que, para seus olhos, é a organização cionário nesse país animaria a classe
didato de esquerda em uma partida de que lutou a favor do socialismo du- operária e os camponeses da América
futebol, com as massas gritando pala- rante os últimos 12 anos, porque é o Central, que se levantariam para rom-
vras de ordem revolucionárias. partido da classe trabalhadora que lu- per com as fronteiras artificiais que a
A direção do FMLN dá mostras tou para evitar a privatização da saú- burguesia nos impôs, ao dividir esse
claras que não vai construir o socialis- de, porque o ARENA não solucionou subcontinente em pequenas parcelas.
mo depois do triunfo de 2009, Funes nenhum problema e porque é a hora
já disse isso explicitamente, e voltou da mudança. Funes e o FMLN pro-
a declarar isso em uma Convenção põem uma distribuição mais igualitá- Fora do movimento operário
Nacional do FMLN: “Não vamos ria da riqueza, defender a educação, a não há nada
acabar com a propriedade privada e seguridade social e apoiar os pobres.
nem com o mercado. Meu governo Os trabalhadores apoiam o FMLN O FMLN surgiu como produto
será o melhor defensor da iniciativa e Mauricio Funes, mas quando eles legítimo da classe operária salvado-
privada, porque entende que para re- estiverem no governo, exigirão a renha. A forte repressão do Estado

59
América Socialista
Migração, crise e luta de classes em El Salvador

levou alguns
dirigentes sin-
dicais e juvenis
a concluírem de
que a saída revo-
lucionária seria
através da guer-
rilha. Sob essas
condições, onde
havia assassina-
tos constantes
de dirigentes
e, inclusive,
massacres em
manifestações
de massas, era
sumariamente
necessário for-
mar grupos de
autodefesa, mas
estes deviam
servir para a
organização da
classe operária e
estar diretamen- significa que nós, marxistas, não mente beneficiar a classe operária,
te sob seu controle, não o contrário. devamos nos voltar para os sindi- deram um passo atrás sob a pressão
Nos anos 70, criaram-se organiza- catos, que desenvolvem experiên- da burguesia, esta lhes exigiu que
ções de massas muito importantes, cias como a da ANDES 21 de Ju- retrocedessem três passos mais. As
onde estavam afiliados os sindica- nho, que apesar de não ter sido pro- pressões no período seguinte serão
tos, mas que eram dirigidos pelos priamente um sindicato, mas uma abissalmente superiores, e deve-
grupos guerrilheiros. Sob o im- associação, foi utilizada pela classe mos fazer frente aos ataques com
pulso revolucionário de 1979-80, trabalhadora, concretamente pelos duras batalhas em nossa classe.
onde a classe operária teve claras trabalhadores do magistério, como Diferente de outros países que
oportunidades de tomar o poder, se uma ferramenta de luta em batalhas têm grandes organizações sindi-
desenvolveu um irresistível impul- heróicas como as greves de 1968 e cais, em El Salvador, com em geral
so à unidade, formando a Coorde- 1971. Nas próximas batalhas, os na América Central, não se desen-
nadora Revolucionária de Massas trabalhadores usarão os sindicatos volveu uma burocracia sindical tão
e, posteriormente, obrigando às di- existentes e formarão novos. poderosa. Um dirigente sindical
reções das organizações de massas, Os sindicatos em geral, incluin- muitas vezes deve cumprir seu ho-
que eram os grupos guerrilheiros, do os mais à esquerda, parecem rário de trabalho e nas suas horas
a se unificarem, formando assim o estar influenciados pelas ideias de livres se dedicar à gestão sindical.
FMLN, que desde então se conver- caráter reformista, muitas vezes Inclusive há muitos dirigentes sin-
teu na organização tradicional dos provenientes das ONGs. Trotsky dicais com salários extremamente
trabalhadores. disse, em certa ocasião, que em baixos e que sofrem na própria car-
De sua parte, a luta dos sindi- condições de crise do capitalismo, ne a crise capitalista, de tal forma
catos, historicamente, passou pelo “os sindicatos não podiam conti- que a pressão das bases pode em-
direito de sindicalização, que hoje nuar sendo reformistas, já que as purrar fortemente à esquerda.
continua proibido para os traba- condições objetivas não deixam O que se precisa é de um giro
lhadores estatais, e pela defesa das nenhum lugar para qualquer re- na política atual, convertendo os
mesmas organizações sindicais. É forma série, duradoura”. Quando sindicatos em instrumentos revolu-
comum que estas sucumbam ante os dirigentes sindicais, inclusive cionários do proletariado. A classe
os ataques da burguesia. Isso não os mais honestos que querem real- operária em El Salvador, no próxi-

60
América Socialista
Migração, crise e luta de classes em El Salvador

mo período, enfrentará problemas terão que passar pela dura prova do lucionar de imediato uma série de
como fechamentos de empresas e reformismo. As forças do marxis- necessidades básicas das massas,
condições de trabalho semiescra- mo, ainda que sejam jovens, estão ao mesmo tempo em que seria o
vas, se é que o permitiremos. Nós, presentes em El Salvador e nosso primeiro passo para a construção de
marxistas do BPJ, defendemos nos agrupamento é uma referência para uma Federação Socialista da Amé-
sindicatos: trabalho e salário dig- os jovens e trabalhadores. A crise rica, onde só se conhecerá fome,
no para todos, com escala móvel da humanidade é a crise da dire- pobreza e delinquência nos livros
de acordo com a inflação; fábrica ção revolucionária. Se à frente do de história, permitindo às pessoas
fechada é fábrica ocupada; resgate FMLN e dos sindicatos houvesse que hoje esgotam suas vidas sob a
dos sindicatos como instrumento reais revolucionários marxistas, es- bala de um bandido, perdidas nas
da luta revolucionária; abertura dos taríamos em vésperas de uma trans- drogas e no álcool, trabalhando de
livros de contabilidade das empre- formação radical da sociedade. É manhã à noite e migrando intermi-
sas; criação de comitês de donas- necessário construir uma direção navelmente, ou morrendo na tenta-
de-casa, desempregados, pequenos revolucionária, por isso lutamos tiva, desenvolverem-se como au-
comerciantes e operários para con- na Corrente Marxista Internacional tênticos seres humanos. Veremos
trole dos preços; nacionalização e sua seção salvadorenha, o Bloco surgir destas terras, homens que
das empresas falidas; planificação Popular Juvenil. farão empalidecer os grandes ar-
democrática da economia baseada Nós, marxistas, lutamos nas tistas e cientistas que conhecemos
na nacionalização dos bancos e da fábricas, nos bairros, nas escolas até nossa era. O socialismo permi-
grande indústria. e nas ruas para levar o FMLN ao tirá desenvolver as capacidades da
Se organizações sindicais clas- governo, mas também para que sociedade e dos indivíduos a níveis
sistas como a CSTS mantêm uma este aplique um autêntico progra- inimagináveis.
política marxista e desenvolvem ma socialista. Não há nenhuma so- O comunista cubano Julio An-
quadros revolucionários, podem se lução viável para as massas sob o tonio Mella, certo dia ensinou bri-
converter em uma poderosa ferra- capitalismo e qualquer tentativa de lhantemente que “lutar pela revo-
menta na luta para transformar a encontrar substitutos para o papel lução socialista na América Latina
sociedade. A luta pela revolução histórico que cabe ao proletariado não é uma utopia de loucos ou faná-
socialista em El Salvador terá que terminará em burocratismo. ticos, mas o passo seguinte na his-
passar pela conversão dos sindica- A América Central é uma região tória da humanidade”. A revolução
tos em ferramentas revolucionárias muito rica em recursos naturais, a socialista na América Central não é
e a FMLN em um partido autenti- terra em El Salvador é particular- só um sonho, mas uma necessida-
camente socialista. mente fértil, além de contar com de para a própria sobrevivência dos
grandes recursos marítimos. Não operários e camponeses, que se não
há nenhuma razão objetiva para conseguirem transformar a socie-
É preciso construir que cada trabalhador na América dade, serão confrontados com uma
as forças do marxismo Central não possa desfrutar do co- espiral descendente da sociedade,
nhecimento, do trabalho e de uma no caminho da barbárie.
Os próximos acontecimentos boa alimentação. As famílias salva- A revolução em El Salvador
em El Salvador serão decisivos, a dorenhas não teriam que fazer mi- será socialista ou não será, e a úni-
burguesia tenta evitar a chegada do lagres com a comida, pois deveria ca classe capaz de levá-la a cabo
FMLN ao governo e se não con- haver estabelecimentos públicos é o operariado, que deve se dotar
seguir isso, vai buscar atar-lhes as com alimentos baratos, nutritivos e das ideias mais avançadas do pla-
mãos para que não vá muito lon- em quantidade suficiente para toda neta, a teoria do socialismo cientí-
ge. As massas não podem esperar, a população. A propriedade privada fico elaborada por Marx e Engels e
e esse descontentamento que hoje e as estreitas barreiras nacionais na desenvolvida por Lênin e Trotsky.
se manifesta no processo eleito- América Central asfixiam a socie- Essas são as ideias que nós, do Blo-
ral, se manifestará nas ruas e nas dade e põem em perigo a existência co Popular Juvenil, defendemos.
fábricas. Em geral, os trabalhado- de milhares de homens, mulheres, Junte-se a nós na batalha pelo so-
res não aprendem nos livros, mas anciãos e crianças. cialismo!
nos grandes acontecimentos. Ante Com uma economia planificada,
a ausência de um partido autenti- dentro de uma Federação Socialista
camente revolucionário, as massas da América Central, se poderia so- Janeiro de 2009.

61
América Socialista
­Combater o racismo: lutar pelo socialismo

­ ombater o racismo:
C
lutar pelo socialismo
José Carlos Miranda*

“Nós, negros e socialistas, que lutamos contra o racismo, pela igualdade de todos e pelo fim da exploração de um
homem pelo outro, portanto, pela abolição da propriedade privada dos grandes meios de produção, não podemos
aceitar a proposta do “Estatuto da Igualdade Racial”. (...) A história já nos mostrou que a divisão de uma nação
em etnias, religiões, “raças”, só pode levar à desagregação e à guerra!”

Declaração da Reunião Nacional que constituiu o


Movimento Negro Socialista 13 maio 2006

Introdução: século 20 uma nova “teoria” que reivindicações democráticas. Elas


se propõe a combater o racismo é se destinam a perpetuar a compe-

O
s marxistas lutam pelos desenvolvida de forma ampla nos tição inerente ao sistema capita-
interesses imediatos e his- EUA. Mesmo que as primeiras co- lista e transforma o proletário em
tóricos do proletariado e tas, ou ações afirmativas, tenham cidadão da corporação cotista sem
em todas as etapas destes comba- sido utilizadas na Índia, logo após ligação com sua classe ou origem
tes sempre encontram o desafio de a independência, como as reservas social. Cria assim mais um obstá-
construir a unidade dos oprimidos de vagas nas escolas e estabeleci- culo para a organização do prole-
e explorados diante dos obstáculos mentos públicos para os chamados tariado como classe e incentiva o
criados pela própria sociedade de intocáveis (dahlits). Foi com Lin- racismo.
classes. Obstáculos que são mui- don Johnson e com Nixon que sur- A luta contra o racismo e contra
tas vezes verdadeiras armadilhas, gem as políticas afirmativas como o “racialismo” (política de criação
principalmente ideológicas, que a política de governo nos EUA. Era de leis e medidas com base na su-
burguesia cria com o objetivo de uma reação às mobilizações pelos posta “raça” de cada um) faz parte
manter a sua dominação de classe direitos civis (direitos democrá- da luta pela unidade da classe ope-
e evitar a revolta dos oprimidos. O ticos que exigiam igualdade) que rária e por isso é uma tarefa de to-
capitalismo no período de desen- mobilizavam milhões no início dos que lutam pelo Socialismo.
volvimento das forças produtivas dos anos 60.
criou uma das mais reacionárias Esta política ganhou um grande
ideologias: o racismo. impulso no Brasil após a chamada De onde veio o racismo
Em nome da tese pseudocientí- Conferência Contra a Xenofobia,
fica da existência de “raças huma- Discriminação e Intolerância re- No século XX, o racismo cien-
nas”, as maiores atrocidades foram alizada em Durban, na Africa do tífico foi elevado à categoria de
cometidas contra os povos. Apesar Sul, em 2001. Essa política tem sistema. Foi utilizado pelo nazis-
dos enormes avanços da ciência como centro a aplicação de cotas mo contra os judeus, mas também
que comprovam de forma cabal ou reserva de vagas nas universi- contra os ciganos, os negros e os
que não existem raças humanas, dades públicas, no serviço públi- árabes. Estudos da origem do ho-
essas teorias são permanentemente co, empresas, programas de televi- mem, de DNA, procuravam mos-
difundidas de tal maneira que ain- são etc, para negros. Chamadas de trar que os negros eram inferiores,
da é necessário um grande esforço “ações afirmativas”, esta política que os árabes eram inferiores. Mas,
para combater o racismo. nada tem a ver com as reivindi- a derrota do nazismo, ao contrário
Desde o início dos anos 70 do cações dos trabalhadores, ou com de terminar com estes “estudos”,

62
América Socialista
­Combater o racismo: lutar pelo socialismo

os fez
os fez
aumentar.
aumentar.
Afinal,
Afinal,
o racismo
o ra-
é fruto édofruto
cismo capitalismo
do capitalismo
e não apenas
e não
de sua de
apenas face
suamais
face mais
repulsiva.
repulsiva.
Nos
EUAEUA
Nos toda toda
uma uma
literatura,
literatura,
toda toda
uma
ideologia,
uma ideologia,
toda toda
umauma coleção
coleção
de
estudos
de estudose pesquisas
e pesquisasfoifoifeito
feito para
mostrar que a raça branca é supe-
rior, que negros, latinos, amarelos,
são raças “inferiores”, menos “qua-
lificadas”, menos “desenvolvidas”.
No Brasil, a maioria da população
é mestiça de negros e brancos, ma-
joritariamente, e minoritamente
(mas com uma forte presença) de
índios. Os estudos genéticos feitos
sobre a ascendência da população
mostram que mesmo nos “negros”
existem ancestrais “brancos” e
“índios” e nos “loiros” existem an-
cestrais “negros” e “índios”.

Não existem raças humanas

A genética comprovou que as


diferenças icônicas das chamadas
“raças” humanas são característi-
cas físicas superficiais, que depen-
dem de parcela ínfima dos 35 mil
genes estimados do genoma huma-
no. A cor da pele, uma adaptação
line, setembro de 2006). abismo econômico e social entre as
evolutiva aos níveis de radiação
Mas, em qualquer batida poli- classes sociais e suas verdadeiras
ultravioleta vigentes em diferentes
cial, em qualquer hotel ou restau- raízes só podem ser encontradas
áreas do mundo, expressa apenas
rante, se a cor de sua pele é mais nos tortuosos caminhos em busca
quatro a seis genes!
escura, você é imediatamente tra- do lucro realizado pelo capital.
Nas palavras do geneticista Sér-
tado de forma mais brutal ou mais
gio Pena: “O fato assim cientifica-
descuidada que se for um “bran-
mente comprovado da inexistência
co”. Nas batidas policias se matam Dividir para melhor dominar:
das ‘raças’ deve ser absorvido pela
mais negros pobres que brancos o racialismo
sociedade e incorporado às suas
pobres. Então, o racismo, assim
convicções e atitudes morais. Uma
como o “sexicismo”, o tratamento O imperialismo tenta inventar
postura coerente e desejável seria a
diferenciado para mulheres, existe uma nova forma de evitar a revol-
construção de uma sociedade des-
e se nota em cada ação e em cada ta negra, portanto proletária. Seu
racializada, na qual a singularidade
momento do dia a dia. objetivo é destruir os movimentos
do indivíduo seja valorizada e cele-
No Brasil, a maioria dos pobres negros que buscam o caminho o
brada. Temos de assimilar a noção
é negra ou mulata, mas só poderia socialismo e assim ajudar toda a
de que a única divisão biologica-
ser assim pois a população brasilei- classe operária. A partir de fundos
mente coerente da espécie humana
ra é constituída majoritariamente de uma das grandes empresas mun-
é “em bilhões de indivíduos”, e
da mistura de escravos e europeus, diais foi constituída a Fundação
não em um punhado de ‘raças’.”
ou seja, é a herança da escravidão Ford com objetivo de promover a
(“Receita para uma humanidade
na constituição do Brasil. “igualdade de oportunidades” (que
desracializada”, Ciência Hoje On-
O racismo é fruto do enorme nada tem a ver com a igualdade de

63
América Socialista
­Combater o racismo: lutar pelo socialismo

direitos) e de intervir no movimen- próprios grilhões. que exige que toda criança em es-
to negro diretamente. Foi a Funda- E como vamos reconhecer que cola seja declarada branca ou ne-
ção FORD que inventou a política alguém é negro ou não para ter gra. Isto tudo “inocentemente” re-
de “reparação”. acesso a tudo isso? Nos EUA é produz a mesma forma de classifi-
Observemos que isso já é um fácil – basta que você tenha uma cação e identificação utilizada pelo
novo movimento da burguesia característica negra e você é negro, nazismo. E se alguém se recusar?
americana. Primeiro incentivaram ainda hoje a regra da “gota única Não pode se recusar, a lei o
Marcus Garvey e seu nacionalismo de sangue” está embutida no ima- obriga. É a institucionalização das
negro capitalista. Tentaram tam- ginário popular, fruto das racializa- raças. E todos os que dizem que
bém a construção da Libéria onde ção social realizada pelas leis Jim isto é tapar o sol com a peneira, é
se aliavam negros nacionalistas e Crow. Mas sempre sobram outras criar a divisão étnica e a catástrofe
reacionários brancos social, estes são acu-
racistas com objetivo sados de aliados dos
de devolver os negros racistas.
para a África. Ironia! Os que
Quando se cons- aceitam e incentivam
truiu o Partido dos os conceitos racistas
Panteras Negras en- seriam os “puros”, os
tão o imperialismo “abnegados”, os que
introduziu as drogas e “batalham pela nossa
a política de “repara- raça”. E os que con-
ção” para destruí-los. tinuam combatendo
Os brancos, condoí- os racistas são cha-
dos por terem escra- mados de traidores
vizado e explorado inclusive por alguns
os negros, dão aos que se julgam de es-
pobres negros uma querda. Mas, de fato
“outra chance”: cotas isso é o abandono da
para universidades, luta pela igualdade,
cotas para melhores empregos, formas. O mulato que se tornou a base da luta pelo socialismo e a
cotas para o serviço público. Em presidente (Lula) declara num de- aceitação do quadro imposto pelo
todos os locais, os negros conti- bate sobre como reconhecer um capital, pelos orçamentos públicos
nuavam discriminados, mas agora negro: “É só adotar critérios cien- orientados para o capital financeiro
existia uma indústria e uma forma tíficos”(!) e não para as necessidades do povo
de “promovê-los”. Revistas para Sim, o suposto racismo cientí- trabalhador.
negros, shampoo para negros, cos- fico tem mais raízes do que sonha A única saída que esta direita
méticos especiais para negros, re- a nossa vã filosofia. Na UnB (Uni- caridosa e a esquerda escrava das
médios especiais para negros, pois versidade de Brasilia), torna-se manobras do capital conseguem
existiriam mesmo doenças “de também fácil – pega uma foto e vê ver é aquela que os “senhores bran-
negros”. Até isto é mentira, pois a se é negro. O escandaloso caso dos cos”, o capital imperialista desco-
“doença de negro”, a anemia falci- dois irmãos gêmeos, um declarado briu: “as cotas”. A única saída é
forme, aparece em todos os povos negro e outro branco, pela mesma dividir o proletariado e se juntar à
que sofreram a malária por vários universidade destroem este crité- burguesia imperialista, é se juntar à
séculos, sejam eles africanos ou rio. Sobra a auto-declaração. Fundação Ford.
asiáticos. E, atualmente tenta-se aprofun- E existiria outra saída? Podería-
Esta “indústria negra” tinha aci- dar a divisão racial no Brasil com mos talvez sugerir algumas:
ma de tudo um objetivo político: a carteira de identificação das raças • Que tal proibir a policia de in-
tentar criar uma classe média ne- através da tentativa de aprovação vadir casas na favela, metendo o pé
gra integrada ao sistema capitalista no Congresso de um “Estatuto da na porta sem mandato judicial?
e que o defendesse já que a imensa Igualdade Racial” que caracteriza • Que tal prender por racismo o
massa de negros nada tinha a per- todo mundo desde a infância como governador do Rio de Janeiro que
der neste sistema a não ser seus branco ou negro (afrobrasileiro), e defende esta ação da polícia di-

64
América Socialista
­Combater o racismo: lutar pelo socialismo

zendo que “polícia tem é que con- ção trabalhista”, etc. zações tradicionais do movimento
frontar” e que “mulher de favela A exploração ilimitada dos po- operario e na mesma proporção em
quando engravida produz bandido vos e o desmonte dos serviços pú- que este fato fez com que as fron-
e deveria abortar”? blicos trouxeram junto as medidas teiras entre as classes sociais fos-
• Que tal em vez de dar 150 bi- compensatórias para evitar explo- sem ideologicamente se turvando,
lhões de Reais para banqueiros e sões sociais. Junto com a distribui- muitas destas recuaram para um
especuladores como foi feito, de ção de esmolas se introduziu a po- campo cada vez mais conserva-
agosto a outubro de 2008, investir- lítica de “cotas”, que nada tem de dor. Foi nesse contexto ideológico
mos estes 150 bilhões na educação compensatória com o argumento que as cotas começaram a serem
pública gratuita e de qualidade? falso de “compensar” as desigual- aceitas pela esquerda e pelas di-
• Que tal pegar os 150 bilhões dades. tas “minorias” com um argumento
de Reais e construir casas decen- O argumento “mais ilustrado” a não necessariamente novo: como
tes, ruas decentes, serviço público favor das cotas terminou se conver- a revolução não está no horizonte,
e de saúde para a maioria da popu- tendo no núcleo central das muitas vincular o problema racial à supe-
lação pobre que, “coincidentemen- variações do corporativismo étnico ração do capitalismo conduziria ao
te” é negra? típico do pós-modernismo: a re- imobilismo.
Isso acaba com o racis- A concepção subjacente é
mo? Não! Mas vai melho- de um simplismo e pobreza
rar a vida dos negros pobres típicos do rebaixado espírito
muito mais que qualquer do nosso tempo: a política é
cota em universidade! reduzida à política institucio-
O racismo só vai desapa- nal, a ação transformadora se
recer com o fim do capita- limita às políticas estatais e a
lismo, pois é uma ideologia luta ideológica se constrange
reacionária para dividir e aos limites da ideologia bur-
ultra-explorar a classe traba- guesa.
lhadora. A conseqüência mais sé-
ria é a desistência da luta pela
revolução socialista. Para de-
Marxismo e fender sua adaptação às cotas
ações afirmativas a “esquerda” apresenta essas
políticas como “realistas” ou
O impulso dado às políti- “as possíveis enquanto o so-
cas chamadas ações afirma- cialismo não vem”!
tivas em especial as “cotas” Esses são argumentos
vem da ONU, do Banco que temos ouvidos por parte
Mundial e seus seguidores, da maioria das direções das
entre eles os governos de to- organizações tradicionais e
das as colorações políticas, mesmo de organizações ultra
ONG’s de todas as espécies, esquerdistas como o PSTU e
e intelectuais bem remunera- o PSOL.
dos por gordas contribuições Mas as “políticas afir-
de bilionárias fundações interna- lação entre as classes sociais não mativas” possuem pressupostos
cionais como a Fundação Ford. conteria em seu interior as desi- rigorosamente incompatíveis com
A atual necesssidade de acumu- gualdades raciais, de tal modo que a concepção de mundo marxista.
lação de capital precisa cada vez a superação da propriedade priva- Primeiro, defendem que, diferente
mais destruir as conquistas da clas- da, da exploração do homem pelo do passado, a sociedade contem-
se operaria. É o que gritam os eco- homem não implicaria a superação porânea seria muito “mais comple-
nomistas e intelectuais burgueses histórica do racismo. xa” (velada afirmação de que seria
quando dizem que “é necessário Ao mesmo tempo, na medida essencialmente distinta). Por isso
conter os gastos públicos”, ou “é em que a revolução foi saindo da suas contradições não seriam mais
fundamental flexibilizar a legisla- vida cotidiana de muitas organi- predominantemente determinadas

65
América Socialista
­Combater o racismo: lutar pelo socialismo

pela forma de produção do “con- não é a etnia, mas a dominação de pitalismo.


teúdo material” da riqueza social. classe e a existência da exploração Socialismo ou barbárie, esta é
Diferente do passado, hoje a socie- do homem pelo homem após tanto a encruzilhada da humanidade. As
dade seria multi-polarizada por de- tempo sob a regência da proprie- políticas afirmativas, as divisões
terminações de várias ordens que dade privada. Ou a África do Sul raciais, são uma expressão desta
se entrecruzariam em uma proces- pós Mandela deixou de ser racista decomposição social que o capi-
sualidade marcada pela fragmenta- porque conta agora uma burguesia talismo oferece como única saída.
ção das causas e seus efeitos, pela negra? Numa época em que a burguesia
inconstância e novidade quase infi- Outro argumento ridículo: as destroça os fundamentos de sua
nitas. Cancela-se o momento pre- cotas seriam uma superação, ainda própria construção, a república
dominante exercido pela produção que parcial e limitada, da injustiça democrática, e cada vez mais mer-
do “conteúdo material da riqueza inerente ao direito burguês que não gulha o mundo no totalitarismo
social”, remove-se a universali- pode ir para além de igualar os de- abjeto pleno de guerras e miséria
dade das determinações de classe siguais. Postula que adoção das co- social, nosso combate pelo socia-
nas sociedades que conhecem a ex- tas seria um passo em direção à “de lismo exige mais que nunca a defe-
ploração do homem pelo homem, cada um de acordo com sua capa- sa de toda conquista democrática,
parcelam-se os processos de ex- cidade, a cada um segundo sua ne- de toda conquista de igualdade.
ploração em distintos e autônomos cessidade”. Isto é uma falsificação Pois, o que é o socialismo senão a
momentos de “construção das di- consciente do conceito socialista, extensão real e universal da procla-
ferenças” (sempre valoradas posi- pois esconde e dissimula a existên- mada e nunca realizada “Liberda-
tivamente como democráticas, em cia do regime da propriedade pri- de, Igualdade, Fraternidade” pela
contraposição ao momento predo- vada dos grandes meios de produ- remoção dos verdadeiros e últimos
minante, agora convertido em uma ção, ou seja, de que a produção da obstáculos materiais à sua realiza-
categoria “totalitária”) e funda-se riqueza é já social, mas que a sua ção, o regime da propriedade pri-
nas diferenças particulares, no li- apropriação continua privada. vada dos meios de produção e seu
mite individuais, as causas últimas As cotas cancelam o pertenci- estado burguês?!
dos processos históricos. mento de classe. Para as cotas, não Este é o combate que o MNS e
Desarma ainda, política e ide- importa se o indivíduo é burguês, a Esquerda Marxista tem realizado
ologicamente, as forcas dos revo- trabalhador, camponês ou proletá- no Brasil. Este deve ser o combate
lucionárias porque contribui para rio. Tal como a ideologia burguesa de todos que se reivindicam da luta
dividir o proletariado e os trabalha- dissolve o indivíduo em um cida- pelo socialismo.
dores. Ao invés de, por exemplo, dão abstrato, carente de determi-
no caso das universidades, todos nações sociais e, assim, cancela as
lutarmos pela universalização do classes sociais, também as cotas * José Carlos Miranda é Coor-
ensino público, gratuito e de qua- eliminam o pertencimento às clas- denador Nacional do Movimento
lidade organiza-se os negros e os ses sociais pelo critério racista da Negro Socialista e dirigente da
indígenas a lutarem por suas cotas cor da pele. Esquerda Marxista
“tomando” uma parcela das vagas Os marxistas devem denunciar
que o capital (o orçamento nacio- e combater as “políticas afirmati-
nal) concede para os “brancos eu- vas”, entre elas as cotas, e todo tipo
ropeus”. de política baseada em conceitos
Se os negros e brancos, índios, de “raças” pela função social que
cafuzos, ou amarelos envolvidos exercem: reproduzem e renovam
são operários, trabalhadores ou os preconceitos e o racismo de to-
burgueses, para a concepção de dos os tipos ao invés de combatê-
mundo “cotista” não faz a menor los; fortalecem o particularismo e
diferença. Esta contraposição do o espírito corporativo, desarmam e
“corporativismo” de uma “raça” enfraquecem a crítica revolucioná-
contra o de outra apenas reforça o ria da sociedade e, por fim, dividem
racismo inerente a uma sociedade os trabalhadores entre as diferentes
de classes, pois o que de fato con- “raças” criando mais um obstáculo
trapõe o índio, o negro e o branco a ser superado na luta contra o ca-

66
América Socialista
Os EUA e a Revolução Panamericana

Os EUA e a Revolução
Panamericana
John Peterson
Liga Internacional Operária, EUA

A
crise econômica mundial mesmo a japonesa Toyota, que ha- calafrios na coluna vertebral tanto
está sacudindo a consciên- via feito grandes negócios no mer- de trabalhadores, quanto da classe
cia da classe operária em cado norte-americano por causa dominante. Em muitos sentidos a
todo o mundo. Em nenhum país das empresas estadunidenses, tem crise atual já é pior que o grande
esta certeza é tão latente como é no apresentado perdas pela primeira crack de 1929. A distribuição de
país mais rico e poderoso do plane- vez desde 1941. Uma quantia in- renda hoje dos EUA é quase idên-
ta: Estados Unidos. Após décadas calculável de milhões de dólares tica ao que era em 1928, quando
de relativa paz entre opressores e dos contribuintes foi transferida 1% dos mais ricos concentrava
oprimidos, a luta de classes está para salvar bancos e seguradoras. 24% da renda nacional. Hoje essa
voltando à ordem do dia. Longe de revigorar a economia cifra é de 23% e, obviamente, a
A instabilidade da bolsa está salvando empregos e pondo fim quantidade de dinheiro é muito
provocando um grande e imediato aos despejos de moradores inadim- maior. Também devemos lembrar
impacto na economia que a Grande Depres-
real e sobre a vida dos são realmente não du-
trabalhadores, que se- rou mais que dois ou
rão justamente aqueles três anos apos o crack
que sofrerão a crise do de Wall Street. A crise
sistema. Sempre ocor- atual está longe de ter
re a mesma coisa: nos acabado. Não podemos
tempos de boom, os dizer antecipadamen-
mais ricos se benefi- te qual profundidade
ciam, e nas épocas de terá ou quanto durará,
vacas magras, a clas- mas os fatos apontam
se operária e os mais que pode ser realmente
pobres têm de pagar a pior.
conta e apertar ainda E o aspecto mais
mais o cinto. preocupante para os
Em 2008, 2 mi- trabalhadores norte-
lhões de empregos foram perdidos. plentes, milhares continuam a americanos é que vivemos no me-
O mercado imobiliário entrou em perder suas casas e demissões em lhor que o capitalismo pode ofere-
colapso e o desemprego atinge os massa foram iniciadas, enquanto cer. Esse era o boom! Esses eram os
índices mais altos desde os anos altos executivos salvaguardados bons tempos! Até agora, a brecha
80, e será ainda pior. Há US$ 6 da crise embolsavam a bagatela de entre ricos e pobres tem ampliado
bilhões no mercado imobiliário e US$ 1,6 bilhão em salários, bene- no país mais rico do planeta. Não
US$ 8 bilhões em ações que sim- fícios e prêmios. Isto é realmente o é de estranhar que estadunidenses
plesmente desapareceram. As ofer- pão nosso de cada dia sob a égide almejem desesperadamente a mu-
tas do período de férias caíram 4%, do capitalismo. dança.
a menor taxa em décadas. As três Esta poderá ser a pior crise des- A crise econômica dos anos trin-
grandes empresas automobilísti- de a Grande Depressão, período ta levou a um auge massivo da luta
cas estão à beira do colapso e até na história dos EUA que provoca de classes. A crise atual não será

67
América Socialista
Os EUA e a Revolução Panamericana

diferente. As contradições acumu- como é agora. vitória de Obama demonstra que os


ladas inerentes ao sistema, exacer- Durante a campanha, Obama estadunidenses estavam tão fartos
badas por uma alucinante expansão ofereceu “um novo tipo de políti- da política de Bush e companhia,
do crédito, do endividamento e da ca”. Foi isto que inspirou filas de que até mesmo aqueles com pre-
bolha imobiliária, agora começam cinco horas de espera em alguns conceitos racistas preferiram votar
a aparecer na superfície. Já pode- colégios eleitorais no dia das elei- em um “negro” ao invés de um re-
mos ver exemplos de como serão ções, e em muitas zonas houve a publicano. No entanto, não é casu-
as coisas para os trabalhadores participação mais alta do século. alidade o fato dele ter arrecadado
norte-americanos quando estes se No dia das eleições respirava-se mais doações empresariais que seu
derem conta, de maneira dolorosa, um espírito de esperança e de par- rival republicano, John McCain,
que as ilusões no “sonho america- ticipação: foi realmente um marco ou que as bolsas mundiais subis-
no” não passam de um pesadelo. histórico. Pela primeira vez um sem com o anuncio de sua vitória.
A eleição de Barack Obama é afro-americano foi eleito presi- Ele é o candidato eleito pelas gran-
um destes exemplos e marca um dente da nação mais poderosa do des empresas para administrar os
ponto de inflexão claro na história planeta. Muitos acreditam que isto duros tempos que se aproximam.
do país e do mundo. Depois que significa o final do racismo nos Mesmo assim, dentro dos limites
sua vitória foi anunciada, pudemos EUA. Nada mais longe da realida- do atual sistema eleitoral, sua vitó-
sentir um suspiro de alívio coleti- de. O racismo é produto do sistema ria decisiva representa a inspiração
vo, com estouros espontâneos de capitalista e continuará enquanto de um giro significativo e saudável
alegria por todo o país. Milhares ele existir. à esquerda.
de pessoas saíram às ruas em New Para os marxistas, a cor da pele Pessoas que antes não possuí-
York, Chicago, Saint am nenhum interesse na
Louis e San Francisco, política de repente sen-
muitos deles dançando e tiam que havia algo pelo
alguns chorando de eu- qual sair às ruas e votar.
foria. Alguns comparam O apoio e o entusiasmo
essa celebração aos fes- gerados na campanha
tejos do Ano Novo. Os eleitoral foi tanto que, se
rostos das pessoas, prin- Obama tivesse ganho no
cipalmente dos jovens voto popular, mas perdi-
e dos afro-americanos, do na votação do Colégio
brilhavam com orgulho Eleitoral e, portanto, per-
e esperança. Estas cenas dido as eleições, haveria
repetiram-se por todo distúrbios e manifesta-
mundo, extravasando a ções nas ruas.
frustração pela política O cineasta Micha-
de Bush. De fato, nos el Moore expressou os
últimos 8 anos, o mundo sentimentos de milhões
não era um dos lugares de trabalhadores norte-
mais agradáveis. americanos ao qualificar
E mesmo assim, uma a vitória de Obama como
semana após as eleições, o fim de 28 anos de go-
só 16% dos norte-ame- verno de republicanos e
ricanos acreditavam que de democratas que atua-
o país estava bem. Cer- vam como republicanos.
ca de 83% diziam que Até que enfim! Os anos
as coisas estavam mal. de guerra de Bush, terro-
São os níveis mais altos de todos de um presidente não é o que de- rismo, Enron, Katrina, espionagem
os tempos. Em nenhum outro mo- termina nossa atitude frente a ele. doméstica, demissões em massas,
mento desde a 2a Guerra Mundial, O importante são os interesses de despejos forçados e deportações de
mais ainda de que no período Wa- classe que este ou aquele político trabalhadores imigrantes, ataques
tergate, o pessimismo foi tão alto representa. Porém, sem dúvida, a aos sindicatos e queda das condi-

68
América Socialista
Os EUA e a Revolução Panamericana

ções de vida finalmente termina- ses servirá Obama durante sua pre- que há um ano. No contexto da
ram. Mas será isso mesmo? sidência, só é preciso seguir a pista crescente crise econômica, a pala-
Como temos explicado várias do dinheiro. Digamos que os mi- vra “socialismo” novamente está
vezes, no fundo Obama represen- lhares de pequenos doadores não sendo incorporada ao vocabulário
ta os mesmo interesses de Bush e receberão convites aos banquetes comum.
McCain. A única diferença real é da Casa Branca... Quanto a Obama, ele tem dei-
seu maior carisma, eloquência e in- O Partido Republicano de Mc- xado claro que não é um socialista.
teligência. Um político astuto que Cain era considerado responsável Seus planos econômicos e pro-
sabe muito bem a quais interesses pela guerra do Iraque e pela crise postas para a previdência e para a
deve defender e para quais foi elei- econômica, e desde o princípio educação não têm nada a ver com
to e, assim como Bill Clinton antes enfrentou uma luta tremenda para o autêntico socialismo. Durante
dele, será utilizado para levar às superar esse pesado legado. Sua toda sua campanha, apelou consis-
últimas consequências os ata- tentemente à propagada “classe
ques contra a classe operária. média”, sem sequer mencionar
Ataques do qual Bush não po- os trabalhadores e, pratica-
deria ter saído impunemente se mente, ignorando os pobres. O
os promovesse, ainda que com único “socialismo” que Obama
um sorriso amável e com brilho apoia, é o “socialismo de Wall
nos olhos. Street”. Os mais de US$ 700
Apesar dos bonitos discursos bilhões para resgate financeiro
de “mudança” e de “um novo são um exemplo de “socialismo
tipo de política”, o dinheiro mais às avessas”, uma gorda esmola
uma vez foi a medida real do va- para os ricos que vai ser paga
lor dos candidatos e da oportu- mais tarde pela classe operária:
nidade de vencer as eleições. com impostos mais elevados,
No princípio, Obama com- ou mesmo, com o rebaixamen-
prometeu-se com o financia- to da nossa qualidade de vida.
mento público de sua campanha. O que, sim, é verdadeiro, é que
Mas quando se tornou evidente os estadunidenses agora estão
que havia uma oportunidade sé- mais abertos à ideia do autênti-
ria de ser indicado pelos demo- co socialismo. O interesse pelas
cratas, mudou de linha e arrega- obras de Marx tem aumentado
lou os olhos para os milhões que dramaticamente na medida em
poderiam chegar de contribuições idade e suas extravagantes palha- que os trabalhadores e os jovens
privadas. Contribuições que, sem çadas no palco não lhe ajudaram buscam uma solução para seus
dúvida, vinham com certas “condi- em nada. Nem a figura caricata da problemas. Isto tem implicações
ções” de pagamento. candidata a vice-presidente. Res- importantes para o futuro.
Pela primeira vez na história tou recorrer a um velho truque da Que tipo de mandato podemos
dos EUA, os candidatos presiden- política norte-americana: acusar esperar de Obama? Pode ser que
ciais arrecadaram mais de US$ 1 seu adversário de ser socialista ou ele tenha se inspirado demais e pro-
bilhão. Obama conseguiu um to- comunista. Há alguns anos esta tá- metido coisas na campanha eleito-
tal de US$ 640 milhões, US$ 150 tica teria tido um efeito decisivo, ral, mas, nas entrelinhas, está claro
milhões só em setembro. John Mc- ou pelo menos, mais importante. que foi cuidadoso e comprometeu-
Cain recebeu “apenas” US$ 360 Mas o espantalho comunista se muito pouco. Na realidade, in-
milhões. Para ele, foi um retroces- que McCain agitou não atingiu clusive antes de ser eleito, desfez-
so evidente em relação aos últi- nem um pouco a imagem de Oba- se de muitas de suas promessas,
mos dois candidatos presidenciais, ma. Para a maioria das pessoas só para rebaixar as expectativas. Os
quando os republicanos arrecada- provocou riso. Por um lado, enten- assessores de Obama e os meios de
ram bem mais que os democratas. dem que Obama está longe de ser comunicação compreenderam as
As empresas norte-americanas não um socialista. Pelo outro, a própria expectativas que ele havia gerado
são tontas. Sabem onde estão seus palavra “socialismo” já não tem e se apressaram em esfriar o am-
interesses. Para saber a que interes- as mesmas conotações “malignas” biente de exaltação que o levou ao

69
América Socialista
Os EUA e a Revolução Panamericana

poder. Na noite eleitoral, os ana- não têm nada. Uma classe domi- leis de Bush, como a da redução
listas da MSNBC já expressavam na a política do país e controla seu de impostos para os ricos. Assim,
sua preocupação: os seguidores de governo. Uma classe faz e impõe dará a aparência de “mudança”. A
Obama poderiam “desencantar- todas as leis para defender seus in- realidade da crise orçamentária po-
se”. Um dos assessores veteranos teresses. derá, inclusive, obrigá-lo a reduzir
de Obama disse ao jornal britânico E se o “partidarismo” é “mes- alguns programas militares. Pode-
The Times que as primeiras sema- quinho”, “imaturo” e “venenoso”, ria também pôr em prática alguns
nas após as eleições serão cruciais, porque continuar a farsa de ter dois planos modestos para melhorar a
“para que o enorme ambiente de partidos políticos da classe domi- previdência, criar alguns empregos
júbilo e euforia não se converta em nante se, na realidade, são duas e reformar a infraestrutura do país.
desespero”. Muitos darão as bo-
Segundo o dis- as-vindas a este alí-
curso de posse de vio nas correntes,
Obama, todos nós mas não mudará
deveríamos deixar nada no fundamen-
de lado nossas di- tal. Suas nomeações
ferenças, trabalhar de gabinete são um
mais duro, contar- sinal de que tudo
mos com nós mes- seguirá igual em
mos, não esperar Washington. Quer
demais do governo estender a guerra no
(a não ser que você Afeganistão e não
seja um executi- descarta a invasão
vo empresarial, é norte-americana ao
claro!), ajustar os Paquistão. Quanto
cintos, fazer mais à América Latina,
sacrifícios e sermos sua posição de fun-
todos amigos... do é uma continu-
ação da Doutrina
Monroe, que vem
Correção alas de um mesmo partido? Obama dirigido a política norte-americana
e aqueles que o cercam sabem que na região há quase duzentos anos.
Superficialmente, a ideia da na ordem do dia há grandes explo- Em outras palavras, a guerra da
“unidade nacional” soa agradável sões da luta de classes. Sua tarefa é classe dominante contra os traba-
e comove a milhões de pessoas manter essa luta dentro de limites lhadores em casa e no estrangeiro
cansadas da guerra, do racismo, “seguros”. Esta é sua tarefa histó- continuará como antes.
do sexismo, da homofobia e da rica menos invejável. Inclusive se Obama, em deter-
divisão. Porém, sob o capitalismo, Por isso deve fazer algumas minado momento, se ver obrigado
a “unidade nacional” significa su- mudanças cosméticas. Deve pelo a implantar alguma política similar
bordinar os interesses da maioria menos dar a aparência de que está ao “New Deal” (como resultado da
da classe operária aos interesses de fazendo algo novo e diferente. pressão das massas e da ameaça da
um punhado de capitalistas. Pode Após oito anos de Bush e compa- revolução social), só poderá ser à
ser que todos nós sejamos “norte- nhia, terá uma espécie de lua de custa de aumentar o déficit, que
americanos”, mas em absoluto mel enquanto os estadunidenses acumularia mais complicações no
somos completamente “iguais”. A esperam e demorem a perceber que futuro. Não há uma saída singela
sociedade estadunidense está divi- continuarão esperando nos próxi- para o capitalismo e o imperia-
dida em classes e estas classes têm mos meses e anos. Inclusive, antes lismo norte-americano. Qualquer
caráter opostos e irreconciliáveis. mesmo de ocupar o cargo, sua taxa coisa que façam para tentar res-
Uma classe explora e vive do tra- de aprovação superava os 80%, taurar a estabilidade econômica só
balho da outra. Uma classe con- a maior de qualquer presidente pode incrementar a instabilidade
centra a grande maioria da riqueza da história moderna. É provável social e política, e vice-versa. Nós
em suas mãos enquanto milhões que ele anule algumas das muitas dizemos: que paguem os ricos! Por

70
América Socialista
Os EUA e a Revolução Panamericana

único partido. ciona realmente o capitalismo, ou


Obama foi melhor, como não funciona. Com
eleito, sobre- a economia piorando e a situação
tudo, baseado internacional ainda mais instável,
numa imagem as pessoas esperarão de Obama
que deseja que resultados rápidos. Se não forem
todos vejam cumpridos, cada vez estarão mais
nele, e não o que abertos à formação de um partido
realmente ele operário de massas baseado nos
representa. “Es- sindicatos. Também aprenderão a
perança” e “mu- ocupar eles mesmos as empresas,
dança” são pala- como os trabalhadores da Republic
vras poderosas Windows em Chicago (terra natal
nestes tempos de de Obama).
agitação e incer- Pela primeira vez, desde os
teza. Porém em anos trinta, os trabalhadores nos
breve, as verda- EUA ocuparam uma fábrica. Fren-
deiras cores de te à possibilidade de perder não só
Obama serão re- seus empregos, mas também seus
veladas. Em um salários, suas indenizações de de-
futuro próximo, missão e seus benefícios, 250 tra-
um número cada balhadores, a maioria deles imi-
vez maior de grantes hispânicos, ocuparam uma
seus seguidores fábrica durante quase uma semana.
começarão a se O apoio popular foi tal, apesar da
sentir confusos quase total inatividade da direção
e traídos, inten- dos trabalhadores, que o Bank of
que a classe operária deve pagar a
samente decepcionados e depois America teve que garantir os em-
crise dos empresários?
furiosos. Buscarão respostas e uma préstimos à empresa para pagar
Faz muito que dissemos que o
saída da crise à que se deparam e seus trabalhadores e suas dívidas.
verdadeiro perdedor nestas elei-
estarão cada vez mais abertos às Até mesmo Obama teve que dar
ções seria a classe operária. No en-
ideias do marxismo revolucioná- um apoio cauteloso a estes traba-
tanto, neste momento milhões de
rio e do socialismo. A campanha lhadores, mesmo tendo utilizado o
trabalhadores e jovens sentem-se
de Obama tem desatado forças que episódio para justificar a necessida-
vencedores. Os últimos anos foram
estavam há muito tempo adorme- de de bancos fortes. Ainda que os
duros. Mas nos mantivemos em
cidas sob a superfície da sociedade trabalhadores tenham perdido seus
nossa posição. Dissemos isso an-
norte-americana. O potencial revo- empregos, o resultado foi percebi-
tes e diremos de novo: enquanto os
lucionário nas entranhas do impe- do por milhões de operários como
dois partidos capitalistas continu-
rialismo podia ser visto nas multi- uma vitória parcial. Este aconte-
arem dominando a política norte-
dões e nas caras dos milhares que cimento pode animar a outros no
americana, a classe operária nunca
celebraram sua vitória. país a seguir o exemplo dos traba-
verá seus interesses representados
A maioria dos trabalhadores e lhadores da Republic. A indústria
em Washington. Por isso os sindi-
jovens terá que trilhar o duro ca- automobilística, por exemplo, está
catos devem romper com os demo-
minho da experiência para com- sem saída e a ação dos trabalha-
cratas e construir um partido ope-
preenderem que Obama é incapaz dores da Republic, sem dúvida, se
rário de massas. O potencial para
de defender seus interesses. A impõe à reflexão dos milhares de
este partido é enorme. Este parti-
grande maioria não aprende dos trabalhadores dessas empresas que
do não permaneceria muito tempo
livros, da história ou da teoria. A se deparam com um futuro som-
como terceiro partido. Queremos
vida ensina e, não obstante, é uma brio. Devemos lembrar que os tra-
que chegue a ser o primeiro, que
professora maravilhosa e a classe balhadores das montadoras foram
os democratas e os republicanos
operária tem que aprender algumas os primeiros a ocupar fábricas nos
lutem pelo terceiro posto, ou que
lições amargas sobre como fun- anos trinta. Um movimento gene-
terminem fusionando-se em um

71
América Socialista
Os EUA e a Revolução Panamericana

ralizado de ocupações de fábrica pelo trabalho realizado quase sem- América Latina está na primeira
nos EUA pode não ser algo que pre é espoliado. São caçados como linha na revolução mundial. To-
pipoque nas esquinas, mas sem dú- animais e deportados aos milhares das as contradições desse conti-
vida são sementes plantadas para nas ações policiais cada vez mais nente explodem na potência mais
a recuperação das tradições com- numerosas da Agência de Imigra- poderosa do planeta, na fronteira
bativas da classe operária norte- ção e Aduanas. Os trabalhadores mexicano-estadunidense. As bati-
americana e seu ressurgimento no imigrantes são utilizados como bo- das, deportações, aumento das pa-
próximo período. des expiatórios da crise econômica, trulhas fronteiriças, muros e postos
O magnífico movimento dos para desviar a atenção da verdadei- de controle, centros de detenção
trabalhadores imigrantes na “pri- ra causa da crise econômica, dos em massa e também os golpes pre-
mavera de 2006” é outro exemplo milhões de despejos e demissões: ventivos contra a revolução latino-
do que está por vir. Após décadas o próprio sistema capitalista. E ain- americana não respeitarão as fron-
de exploração e discriminação, da por cima, são castigados por se teiras artificiais desenhadas pelo
milhões de homens, mulheres e atreverem a levantar sua indigna- imperialismo. Não há nada que una
crianças tomaram as ruas para exi- ção na “primavera imigrante” de mais os capitalistas de ambos os
gir seus direitos. O movimento, 2006. lados da fronteira, do que o medo
finalmente, foi cooptado pelo Par- Desde o primeiro de outubro de à unidade internacional da classe
tido Democrata e tirado das ruas. 2007 até o dia 31 de agosto de 2008, operária.
Mas as contradições fundamentais a Agência de Imigração e Aduanas Durante décadas, para muitos
não se resolveram. Cedo ou tarde, realizou 1.172 batidas policiais parecia que a classe operária norte-
o movimento explodirá de novo, em locais de trabalho em todo os americana estava “vendida” para
talvez em um nível superior. Não EUA. As ações em residências e a burguesia. As ilusões no “sonho
há alternativa. A situação para a bairros não estão incluídas nestas americano” eram fortes e as orga-
maioria dos imigrantes é ainda pior cifras. Só em uma batida, em Pos- nizações operárias adotaram uma
em seus países de origem. tville, Iowa, prendeu 389 imigran- política abertamente pró-capita-
Um velho refrão diz que quan- tes. Preparar e dirigir só esta ação lista. Mas este período da história
do a economia norte-americana custou mais de US$ 5,2 milhões, começa a se encerrar. O processo
pega uma gripe, a economia me- não incluindo as despesas do De- de transformação da consciência
xicana pega uma pneumonia. Por partamento de Trabalho ou do Fis- vai se acelerar, especialmente nos
exemplo, entre 2000 e 2001, quan- cal Geral Federal (mais de US$ 13 EUA. De um lado a outro das Amé-
do explodiu a bolha da Internet e mil por detento). Não é outra coisa ricas, nos próximos anos, estará na
a economia estadunidense caiu de que uma campanha de terror (uti- ordem do dia o aprofundamento da
3,7% para 0,8%, a economia me- lizando dinheiro dos impostos dos luta de classes. O sonho de Bolívar
xicana passou de 6,6% para zero, trabalhadores norte-americanos) de uma América unida se conver-
com efeitos devastadores sobre a contra uma das camadas mais vul- terá em realidade no próximo pe-
vida de milhões de pessoas. Mas neráveis da classe operária. Mes- ríodo histórico. Desde o Alasca até
o que acontece se é a economia mo assim, milhões de mexicanos a Terra do Fogo, finalmente uma
norte-americana que pega uma e outros latino-americanos não têm Federação Socialistas das Améri-
pneumonia? O aprofundamento da escolha senão emigrar aos EUA. cas unirá os trabalhadores e cam-
crise financeira estadunidense já Simplesmente porque a situação na poneses do continente, como parte
está causando um violento efeito qual se encontram em seus países de uma Federação Socialista Mun-
destruidor sobre o mundo, e o Mé- é ainda mais horrível. Quando a dial.
xico estará entre os mais duramen- crise se aprofundar outros milhões
te afetados. mais se verão obrigados a fugir do
Em tempos de crise econômica, beco sem saída para o qual o capi-
os trabalhadores imigrantes estão talismo tem levado a maioria dos
entre os mais atingidos. São eles os países da América Latina.
mais mal pagos e com poucos, me- Estamos entrando em um pe-
lhor dizendo, sem nenhum direito ríodo de instabilidade sem prece-
trabalhista ou proteção legal. Estão dentes em escala mundial. Desde
entre os primeiros a serem despe- a Venezuela, Bolívia, México e
didos e o dinheiro que lhes devem El Salvador (e também Cuba), a

72
América Socialista
A batalha da Inveval

A batalha da Inveval
Um exemplo e uma fonte de lições
para todo o movimento operário venezuelano

William Sanabria y Yonie Moreno


Corrente Marxista Revolucionaria - Venezuela

D
urante dois longos anos, fome, porém, eles conseguiram a aos trabalhadores o que é o poder
de abril de 2003 a maio expropriação da empresa e se con- popular e como devem funcionar
de 2005, os trabalhadores verteram na vanguarda na luta pelo as empresas socialistas, explicando
da empresa Construtora Nacional socialismo na Venezuela, como o que não era possível a expropria-
de Válvulas (CNV), hoje Inveval, próprio Presidente Chávez chegou ção “porque esta não é uma revolu-
protagonizaram uma das primeiras a declarar em uma reunião com tra- ção socialista”, porque não existia
e mais longas ocupações de fábri- balhadores e diretores de empresas uma Lei de Expropriação, porque
cas que têm ocorrido na Venezuela. estatais. expropriar empresas faria com
que nos acusassem de
comunistas, porque....
Para que continuar, en-
tão? Qualquer descul-
pa é boa quando não se
quer fazer nada!
Até mesmo reivin-
dicações tão elemen-
tares como a ajuda
em forma de cestas de
comida ou material es-
colar para os filhos dos
trabalhadores, que per-
mitiam resistir em me-
lhores circunstâncias
e amenizar a situação
precária das famílias,
fracassavam diante do
muro contrarrevolu-
cionário da burocracia.
E todas as promessas
acabavam morrendo
nesses desconhecidos
A história deste grupo de homens Da quase derrota buracos negros que são as gavetas
e mulheres é o que relata o mag- à expropriação dos ministérios.
nífico livro A batalha da Inveval, Também não faltaram sectá-
do nosso camarada Pablo Cor- O caminho não foi fácil. Os tra- rios, chamando aos trabalhadores
menzana. O contrarrevolucionário balhadores da Inveval tiveram que a romper com Chávez e insistindo
burguês Andrés Sosa Pietri, com escutar durante dois longos anos a em que deixassem de associar sua
o desprezo que caracteriza a todos muitos desses burocratas reformis- luta pela expropriação da empresa
os opressores, acreditava que po- tas que hoje dão vivas ao socialis- com a defesa do processo revolu-
dia reduzi-los pelo cansaço e pela mo e, inclusive, pretendem ensinar cionário “porque na Venezuela não

73
América Socialista
A batalha da Inveval

há revolução”, “Chávez e o gover- sas e dos braços cruzados dos ser- ções a outras empresas e se vincu-
no são burgueses” e outras tolices vidores públicos governamentais e lar ao conjunto da classe operária
do tipo... Por sorte, o instinto de da falta de orientação e apoio dos venezuelana, são os temas a que se
classe dos trabalhadores da Inve- dirigentes da UNT, abandonaram a dedicam mais espaço no livro. Em
val fez com que estas ideias não ocupação. Ou ainda, o caso da Têx- suas páginas, além de momentos
encontrassem eco e os sectários teis Fênix, em Guárico, outra luta emocionantes e senso do humor,
tiveram que tocar sua música fúne- que também agonizou nas mãos da podemos encontrar as principais li-
bre em outro lugar. apatia burocrática. ções que nos dá a luta da Inveval e
Finalmente, como explica Pa- A razão para que não ocorres- dos trabalhadores das demais em-
blo e confirmam os próprios depoi- se o mesmo com a CNV foi que presas recuperadas.
mentos dos camaradas da Inveval os trabalhadores tinham aguentado
ao longo do livro, a sabotagem um pouco mais e, sobretudo, por
burocrática quase esteve a pon- causa da nova correlação de forças O controle operário só triunfa-
to de conseguir o que Sosa Pietri aberta pela vitória revolucionária rá expropriando o conjunto da
e a contrarrevolução não tinham no referendo de agosto de 2004, e economia e formando em cada
conseguido: minar o moral dos tra- a expropriação da Venepal no iní- fábrica, quadros marxistas
balhadores, desmotivá-los e fazer cio de 2005. Esta vitória animou
com que abandonassem a luta. O os trabalhadores de CNV a ocu- O livro dedica vários capítulos a
ano de 2004 poderia ter sido o da par novamente a empresa. À esta analisar outras batalhas como as da
derrota da CNV, como o foi para segunda ocupação e à nova etapa Invepal, Invetex ou Sanitários Ma-
os trabalhadores de outras empre- que se abriu com a expropriação da racay. A lição de todas estas lutas é
sas. Como a Indústria de Perfumes empresa, à luta contra a sabotagem clara: as empresas ocupadas e re-
Cristine Carol, por exemplo, cujos dos capitalistas e da burocracia, ao cuperadas pelos trabalhadores não
operários, fartos de promessas fal- combate por estender as expropria- podem permanecer isoladas. Ou as

74
América Socialista
A batalha da Inveval

expropriações e o controle operário surgem outras ocupações e que toda rigentes sindicais de importantes
se estendem ao conjunto da econo- a economia siga o caminho da esta- empresas do país, demonstram que
mia, acabando com a propriedade tização e do controle operário. Este a batalha da Inveval e das empresas
privada dos meios de produção e o é outro ponto que também desen- ocupadas pode converter-se em um
domínio da burocracia, construindo volve Pablo no livro, quando relata exemplo para o conjunto da classe
um Estado revolucionário baseado o processo de construção da FRE- operária venezuelana. Para onde
nos conselhos de trabalhadores elei- TECO (Frente Revolucionária dos vão os camaradas da Inveval, como
tos e com mandatos revogáveis, ou Trabalhadores das Empresas em nas Oficinas Centrais da PDVSA;
acabarão sendo sa- na Salina (Zulia); na
botadas e finalmen- Vivex (Anzoátegui),
te esmagadas pelo empresa ocupada
mercado capitalista, neste momento pe-
que se mantém in- los trabalhadores; na
tacto, e pela própria SIDOR; ou na Pe-
burocracia do Esta- trocasa, centenas de
do, que na essência, trabalhadores absor-
continua mantendo a vem com interesse e
velha estrutura capi- entusiasmo as lições
talista. de sua luta.
Para derrotar as O livro A batalha
manobras contrar- da Inveval tem, além
revolucionarias da disso, o valor de não
burocracia e dos ca- ser escrito por al-
pitalistas não basta guém que segue os
somente o instinto de acontecimentos de
classe. É necessário fora, senão por um
adotar um programa de seus protagonis-
e um método que permita romper o Cogestão e Ocupadas). Como dizia tas. O papel de Pablo nesta histó-
bloqueio e ganhar o apoio em mas- em certa ocasião um camarada ope- ria, ainda que ele, com a modéstia
sa do resto da classe operária e da rário da Inveval para um visitante que lhe caracteriza, se empenhe
imensa maioria do movimento boli- na empresa, quando este último lhe em rebaixar, tem uma importância
variano, para o programa de expro- perguntava o que fabricavam: “Nós única. Se há alguém que, junto aos
priação dos capitalistas e a constru- produzimos válvulas, mas, sobretu- próprios trabalhadores da empresa,
ção de uma economia estatizada e do, o que produzimos são ideias.”. pode ser considerado responsável
planificada democraticamente. Nesta tarefa é onde o papel dos pela Inveval continuar sob controle
Os dirigentes naturais da luta da trabalhadores da Inveval resulta operário - e o que é ainda mais im-
Inveval entraram para a Corrente hoje mais importante e decisivo do portante: dirigida por trabalhadores
Marxista Revolucionária e, com que nunca. A revolução está atin- solidamente formados nas ideias do
eles, muitos trabalhadores que se gindo um momento crítico. Os efei- marxismo – esse alguém é Pablo
converteram em destacados qua- tos da crise mundial do capitalismo Cormenzana.
dros e militantes marxistas. A célula significam que a luta pelo controle Este livro, escrito de um modo
da CMR que se criou na fábrica ser- operário nas empresas públicas e especialmente simples, não poderia
viu para formar, nos métodos e no privadas e a ocupação e expropria- ser nem mais necessário nem mais
programa do marxismo, uma boa ção de todas aquelas empresas que oportuno. Não só permite conhe-
parte dos quadros. Compreenderam sejam ameaçadas de fechamento ou cer a batalha da Inveval contada
que a razão para a empresa ainda se tentem carregar o peso da crise so- por seus próprios protagonistas,
manter na mãos dos trabalhadores bre os trabalhadores será, mais que mas sua leitura resulta imprescin-
não está dentro, mas fora, no mo- nunca, um aspecto chave para a re- dível para todos aqueles ativistas
mento em que se estende e se com- volução venezuelana. revolucionários que estão buscando
pleta a revolução, no momento em Os atos em que os trabalhado- ideias, métodos e orientação para
que se vincula ao conjunto da clas- res da Inveval têm participado nos as decisivas batalhas que surgem na
se operária, em que se organizam e últimos meses, convidados por di- luta pelo socialismo.

75
América Socialista
Indústria Nacionalizada e Administração Operária

Indústria Nacionalizada e
Administração Operária
León Trotsky

Agora que a PEMEX, a grande empresa estatal petrolífera do México, está na mira
do governo de Felipe Calderón, que pretende privatizá-la, publicamos este artigo
de Leon Trotski, que foi escrito em 12 de maio de 1939, logo após a expropriação
e nacionalização da indústria petrolífera e das ferrovias pelo governo Cárdenas
(1934-40), e que deu aos sindicatos grande responsabilidade em sua administração.
O artigo também é extremamente relevante no que diz respeito à posição dos mar-
xistas em relação ao controle operário e às nacionalizações em geral.

O
capital estrangeiro organizações proletárias parte
joga um papel de- considerável da responsabili-
cisivo nos países dade na marcha da produção
industrialmente atrasados. dos setores nacionalizados da
Daí provém a relativa debi- indústria.
lidade da burguesia nacional Qual deveria ser a políti-
em relação ao proletariado ca do partido operário em tais
nacional. Isto cria condições circunstâncias? Seria um erro
especiais de poder estatal. O desastroso, um completo enga-
governo oscila entre o capital no, afirmar que o caminho ao
estrangeiro e o nacional, entre socialismo não passa pela revo-
a relativamente débil burgue- lução proletária, e sim pelas na-
sia nacional e o relativamente cionalizações feitas pelo estado
poderoso proletariado. Isto dá burguês em alguns setores da
ao governo um caráter bona- indústria e sua transferência às
partista sui generis, de índole organizações proletárias. Mas
particular. Eleva-se, por as- esta não é a questão. O governo
sim dizer, acima das classes. burguês por si mesmo executou
Na realidade, pode governar a nacionalização e viu-se obri-
tornando-se um instrumento gado a pedir a participação dos
do capital estrangeiro e sub- trabalhadores na administra-
metendo o proletariado às ção da indústria nacionalizada.
correntes da ditadura policial, Estas medidas enquadram-se Certamente, a questão pode ser
ou manobrar com o proletariado, inteiramente nos marcos do Ca- evitada alegando-se que, a menos
chegando inclusive a lhe fazer pitalismo de Estado. Contudo, em que o proletariado tome o poder, a
concessões, ganhando deste modo um país semicolonial, o Capitalis- participação dos sindicatos na ad-
a possibilidade de dispor de certa mo de Estado encontra-se sob a ministração das empresas do Capi-
liberdade em relação aos capitalis- grande pressão do capital privado talismo de Estado não pode dar re-
tas estrangeiros. A atual política estrangeiro e de seus governos, e sultados socialistas. Contudo, uma
do governo mexicano encontra-se não pode ser mantido sem o apoio política tão negativa por parte da
na segunda opção; suas maiores ativo dos trabalhadores. Isto ex- ala revolucionária não seria com-
conquistas são a expropriação das plica porque o governo mexicano, preendida pelas massas e reforça-
ferrovias e das companhias petro- sem deixar que o poder real esca- ria as posições oportunistas. Para
líferas. pe de suas mãos, trata de dar às os marxistas não se trata de cons-

76
América Socialista
Indústria Nacionalizada e Administração Operária

truir o socialismo com as mãos


da burguesia, e sim de utilizar as
oportunidades que se apresentam
dentro do Capitalismo de Estado e
fazer avançar o movimento revo-
lucionário dos trabalhadores.
A participação nos parlamentos
burgueses não pode mais oferecer
resultados positivos importantes;
em determinadas situações, pode
inclusive conduzir à desmorali-
zação dos deputados proletários.
Mas isto não é justificativa para
que os revolucionários apoiem o
antiparlamentarismo.
Seria um erro identificar a
participação operária na adminis-
tração da indústria nacionalizada
com a participação dos socialistas
em um governo burguês (o que se
costuma chamar ministerialismo).
Todos os membros de um governo
estão ligados por laços de solida-
riedade. Um partido representado
no governo é responsável pela po-
lítica do governo em seu conjunto. tante economia urbana, ao mesmo tempo, lhes ensinam a cada passo
A participação na administração tempo em que a burguesia conti- que, sem a conquista do poder do
de um determinado setor da in- nua dominando o Estado e conti- Estado, a política municipal é im-
dústria, diferentemente, possibi- nuam vigentes as leis burguesas potente.
lita uma ampla oportunidade de de propriedade. Nos municípios, Sem dúvida, a diferença é que
oposição política. No caso de os os reformistas se adaptam passi- no governo municipal os trabalha-
representantes proletários estarem vamente ao regime burguês. No dores ganham certas posições por
em minoria na administração, têm mesmo terreno, os revolucionários meio de eleições democráticas, en-
eles todas as oportunidades para fazem todo o possível no interes- quanto que, na esfera da indústria
proclamar e publicar suas propos- se dos trabalhadores e, ao mesmo nacionalizada, o próprio governo
tas rejeitadas pela os convida a ocu-
maioria, de torná- par determinados
las conhecidas pelos postos. Mas esta
trabalhadores etc. diferença tem um
A participação caráter puramente
dos sindicatos na formal. Nos dois
administração da casos, a burguesia
indústria nacio- se vê obrigada a
nalizada pode ser conceder aos traba-
comparada com a lhadores certas es-
participação dos feras de atividade.
socialistas nos go- Os trabalhadores as
vernos municipais, utilizam em favor
quando, por vezes, de seus próprios in-
ganham a maioria e teresses.
se veem obrigados a Seria tolice não
dirigir uma impor- ter em perspecti-

77
América Socialista
Indústria Nacionalizada e Administração Operária

va os riscos de uma situação na desastre. Os dirigentes reformistas tores nacionalizados da indústria


qual os sindicatos desempenham tratarão de evitar o perigo adaptan- deve estar em estreito contato com
um papel importante na indústria do-se servilmente às exigências de os sindicatos.
nacionalizada. O risco reside na seus provedores capitalistas, em Resumindo, pode-se afirmar
conexão dos dirigentes sindicais particular os bancos. Os líderes que este novo campo de trabalho
com o aparato do Capitalismo de revolucionários, diferentemente, implica as maiores oportunidades
Estado, na transforma- e os maiores riscos.
ção dos representantes Estes consistem em
do proletariado em que o Capitalismo
reféns do estado bur- de Estado, por meio
guês. Mas, por maior dos sindicatos con-
que seja este risco, só trolados, pode deter
constitui uma parte do os trabalhadores, ex-
risco geral, mais exata- plorá-los cruelmente
mente, de uma doença e paralisar sua resis-
geral: a degeneração tência. As possibili-
burguesa dos apara- dades revolucionárias
tos sindicais na épo- consistem em que,
ca do imperialismo, baseando-se em suas
não apenas nos velhos posições nos setores
centros metropolita- industriais de excep-
nos como também nos cional importância,
países coloniais. Os os trabalhadores ata-
líderes sindicais são, quem todas as forças
na grande maioria dos do capital e do estado
casos, agentes políti- burguês. Qual destas
cos da burguesia e de possibilidades triun-
seu estado. Na indústria naciona- a partir da sabotagem bancária fará? E em quanto tempo? Natu-
lizada podem tornar-se, e já estão chegarão à conclusão de que é ralmente, é impossível determiná-
se tornando, seus agentes admi- necessário expropriar os bancos e lo. Depende totalmente da luta
nistrativos diretos. Contra isto não estabelecer um só banco nacional, das diferentes tendências dentro
existe alternativa se não a de lutar que controlaria a contabilidade de da classe trabalhadora, da experi-
pela independência do movimento toda a economia. Certamente, esta ência dos próprios trabalhadores,
proletário em geral; e, em particu- questão deve estar indissoluvel- da situação mundial. De qualquer
lar, pela formação nos sindicatos mente ligada à conquista do poder maneira, para utilizar esta nova
de firmes núcleos revolucionários pela classe trabalhadora. forma de atuação no interesse dos
que, ao mesmo tempo em que de- As diferentes empresas capi- trabalhadores e não da burocracia
fendam a unidade do movimento talistas, nacionais e estrangeiras, e aristocracia operária, só é neces-
sindical, sejam capazes de lutar inevitavelmente irão conspirar, sária uma condição: a existência
por uma política de classe e uma junto com as instituições estatais, de um partido marxista revolucio-
composição revolucionária dos or- criando obstáculos para a admi- nário que estude cuidadosamen-
ganismos dirigentes. nistração operária da indústria te todas as formas de atuação da
Outro perigo reside no fato de nacionalizada. De sua parte, as classe trabalhadora, critique cada
que os bancos e outras empresas organizações proletárias que ad- desvio, eduque e organize os tra-
capitalistas, das quais depende ministram os diferentes setores balhadores, ganhe influência nos
economicamente um determinado da indústria nacionalizada devem sindicatos e assegure uma repre-
setor da indústria nacionalizada, se unir para trocar experiências, sentação operária revolucionária
podem utilizar, e sem dúvida o compartilhar apoio econômico, e na indústria nacionalizada.
farão, métodos especiais de sabo- atuar juntas frente ao governo, pe-
tagem para colocar obstáculos no las condições de crédito etc. Cer-
caminho da administração operá- tamente, esta direção central da 12 de Maio de 1939
ria, desacreditá-la e empurrá-la ao administração proletária dos se-

78
América Socialista
Contate-nos
Brasil
www.marxismo.org.br - contato@marxismo.org.br

Venezuela
www.venezuela.elmilitante.org - corrientemarxista@gmail.com

EUA
www.socialistappeal.org

México
www.militante.org - info@militante.org

El Salvador
www.bloquepopularjuvenil.org - redaccion@bloquepopularjuvenil.org

Canadá
www.marxist.ca - fightback@marxist.ca

Argentina
www.argentina.elmilitante.org - elmilitante.argentina@gmail.com

Bolívia
www.bolivia.elmilitante.org

Perú
www.peru.elmilitante.org

Colômbia
corrientemarxistacolombia@gmail.com

Tirem as Mãos da Venezuela


www.manosfueradevenezuela.org - www.tiremasmaosdavenezuela.blogspot.com

79
América Socialista
Conheça a
Livraria Marxista

80
América Socialista

Você também pode gostar