Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Filologia Portuguesa UJ
A visão do casamento nos contos de Lima Barreto
Apesar de dizer-se antifeminista e criticar e pôr-se abertamente contra os movimentos
feministas no Brasil, Lima Barreto proclamava na sua obra literária e nos textos jornalísticos
alguns questões que hoje parecem muito feministas. Ele argumentava a favor da necessidade
de instrução para mulheres, defendia divórcios e adultério feminino como uma forma de
revolta contra um homem opressor e o casamento instituído pela sociedade e criticava uma
‘absurda’ situação da dependência dos mulheres aos homens.
No Conto O número da sepultura encontramos as personagens de Zilda e Augusto, um
casal novo, após só alguns semanas de casamento. A relação entre eles não tem nada de ver
com uma relação afetiva ou passional. Zilda, “Passando da obediência dos pais, para a do
marido” sentia só “o que se sente quando se muda de habitação”1. Ela é apresentada como
uma pessoa passiva, que não é satisfeita com a situação em que se encontrava, mas não faz
nada para mudar esse estado. Por outro lado, Augusto é apresentado como:
Morigerado, cumpridor exato dos seus deveres, (…), tinha todas as qualidades médias, para ser um
bom chefe de família, cumprir o dever de continuar a espécie e ser um bom diretor de secretaria ou
repartição outra, de banco ou de escritório comercial.
Vê-se nesta descrição que as qualidades do bom marido e pai futuro, são mesmas como as
qualidades do bom funcionário. Em vista disso pode-se concluir que o casamento neste caso
tem mais a ver com o contrato entre duas pessoas do que com a relação amoroso. Eles
„Viviam placidamente numa tranquilidade de lagoa, cercada de altas montanhas, por entre as
quais os ventos fortes não conseguiam penetrar, para encrespar-lhe as águas imotas.”. Sabe-se
que este paisagem tranquila não é a consequência duma boa relação, e mais a consequência
duma pouca profundidade dos emoções entre eles.
Num artigo Mulheres na obra da Lima Barreto Elaine Vasconcelos escreve que as
personagens femininas na obra de Lima:
não encontravam no casamento aquilo que esperavam, mas continuavam a viver sua relação
sujeitando-se a uma situação de submissão. 0 autor, apesar de ainda condicionado pelas
imposições do ambiente social em que vivia, tinha consciência de que, na instituição do
casamento, a mulher saia perdendo.
Pode se aplicar essa citação a personagem de Zilda que apesar de ter as grandes esperanças e
não os ter satisfeito numa relação com Augusto, decide ficar e passivamente esperar ao
desenvolvimento da situação.
Outro casamento sem emoções encontra-se no conto O Filho da Gabriela: O
Concelheiro Acácio e Laura. Ele «casara-se por necessidade decorativa» porque «Um homem
de sua posição não podia continuar viúvo» e Laura «o aceitou por ambição». Eles não
desenvolviam nenhuma relação romântica e ficavam juntos só por causa da conveniência e
prestígio social. A falta dos sentimentos do seu marido provocou Laura a praticar adultério:
Tinha um amante e já tivera outros, mas não era bem a parte mística do amor que procurara neles.
Essa, ela tinha certeza que jamais podia encontrar; era a parte dos sentidos tão exuberantes e
exaltados depois das suas contrariedades morais.
Vê-se nesta citação que ela perdeu todas as esperanças para uma vida amorosa bem-sucedida.
O Conto traz uma visão pessimista não só sobre o casamento, mas também sobre amor per se.
Outro exemplo duma pessoa infiel num casamento é um personagem do Comendador
Mota do conto um especialista. Ele é casado, mas a fora da sua casa vive uma vida dum moço
rico. «o comendador, que era casado, deixando, porém, a mulher só no vasto casarão do
Engenho Velho a se interessar pelos namoricos das filhas, tinha a mesma vida solta do seu
amigo e compadre.». Ele e o seu amigo Coronel Carvalho costumavam a encontrar-se para
jantar e beber, mas também para seduzir mulheres e andar com prostitutas. Ele diz «- A
mulata, (…), é a canela, é o cravo, é a pimenta; é, enfim, a especiaria de requeime acre e
capitoso que nós, os portugueses, desde Vasco da Gama, andamos a buscar, a procurar.» Ele
explique o seu gosto em mulheres usando vocabulário relacionado com a comida, como elas
foram um tipo de iguaria exótica. Apresentar as mulatas deste modo segue um estereotipo
duma mulata sensual e é no mesmo tempo uma visão sexista e racista. A situação de
comendador Mota deixar a sua mulher na casa para se encontrar com mulatas parece uma
visualização dum ditado introduzido pelo Gilberto Freyre no Casa Grande e Senzala: «Branca
para casar, mulata para foder e negra para trabalhar»
Os senhores devem ter verificado que os pais sempre procuram casar as filhas na classe que
pertencem: os negociantes com negociantes ou caixeiros; os militares com outros militares; os
médicos com outros médicos e assim por diante. Não é de estranhar, portanto, que o chefe
Campossolo quisesse casar sua filha com um funcionário público que fosse da sua repartição e até
da sua própria secção.
A citação mostra as regras da sociedade brasileira e mais uma vez a instituição do casamento
é apresentada como questão do prestígio social.
Referencias bibliográficas