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Michał Strój

Filologia Portuguesa UJ
A visão do casamento nos contos de Lima Barreto
Apesar de dizer-se antifeminista e criticar e pôr-se abertamente contra os movimentos
feministas no Brasil, Lima Barreto proclamava na sua obra literária e nos textos jornalísticos
alguns questões que hoje parecem muito feministas. Ele argumentava a favor da necessidade
de instrução para mulheres, defendia divórcios e adultério feminino como uma forma de
revolta contra um homem opressor e o casamento instituído pela sociedade e criticava uma
‘absurda’ situação da dependência dos mulheres aos homens.
No Conto O número da sepultura encontramos as personagens de Zilda e Augusto, um
casal novo, após só alguns semanas de casamento. A relação entre eles não tem nada de ver
com uma relação afetiva ou passional. Zilda, “Passando da obediência dos pais, para a do
marido” sentia só “o que se sente quando se muda de habitação”1. Ela é apresentada como
uma pessoa passiva, que não é satisfeita com a situação em que se encontrava, mas não faz
nada para mudar esse estado. Por outro lado, Augusto é apresentado como:
Morigerado, cumpridor exato dos seus deveres, (…), tinha todas as qualidades médias, para ser um
bom chefe de família, cumprir o dever de continuar a espécie e ser um bom diretor de secretaria ou
repartição outra, de banco ou de escritório comercial.

Vê-se nesta descrição que as qualidades do bom marido e pai futuro, são mesmas como as
qualidades do bom funcionário. Em vista disso pode-se concluir que o casamento neste caso
tem mais a ver com o contrato entre duas pessoas do que com a relação amoroso. Eles
„Viviam placidamente numa tranquilidade de lagoa, cercada de altas montanhas, por entre as
quais os ventos fortes não conseguiam penetrar, para encrespar-lhe as águas imotas.”. Sabe-se
que este paisagem tranquila não é a consequência duma boa relação, e mais a consequência
duma pouca profundidade dos emoções entre eles.
Num artigo Mulheres na obra da Lima Barreto Elaine Vasconcelos escreve que as
personagens femininas na obra de Lima:
não encontravam no casamento aquilo que esperavam, mas continuavam a viver sua relação
sujeitando-se a uma situação de submissão. 0 autor, apesar de ainda condicionado pelas
imposições do ambiente social em que vivia, tinha consciência de que, na instituição do
casamento, a mulher saia perdendo.

Pode se aplicar essa citação a personagem de Zilda que apesar de ter as grandes esperanças e
não os ter satisfeito numa relação com Augusto, decide ficar e passivamente esperar ao
desenvolvimento da situação.
Outro casamento sem emoções encontra-se no conto O Filho da Gabriela: O
Concelheiro Acácio e Laura. Ele «casara-se por necessidade decorativa» porque «Um homem
de sua posição não podia continuar viúvo» e Laura «o aceitou por ambição». Eles não
desenvolviam nenhuma relação romântica e ficavam juntos só por causa da conveniência e
prestígio social. A falta dos sentimentos do seu marido provocou Laura a praticar adultério:
Tinha um amante e já tivera outros, mas não era bem a parte mística do amor que procurara neles.
Essa, ela tinha certeza que jamais podia encontrar; era a parte dos sentidos tão exuberantes e
exaltados depois das suas contrariedades morais.

Vê-se nesta citação que ela perdeu todas as esperanças para uma vida amorosa bem-sucedida.
O Conto traz uma visão pessimista não só sobre o casamento, mas também sobre amor per se.
Outro exemplo duma pessoa infiel num casamento é um personagem do Comendador
Mota do conto um especialista. Ele é casado, mas a fora da sua casa vive uma vida dum moço
rico. «o comendador, que era casado, deixando, porém, a mulher só no vasto casarão do
Engenho Velho a se interessar pelos namoricos das filhas, tinha a mesma vida solta do seu
amigo e compadre.». Ele e o seu amigo Coronel Carvalho costumavam a encontrar-se para
jantar e beber, mas também para seduzir mulheres e andar com prostitutas. Ele diz «- A
mulata, (…), é a canela, é o cravo, é a pimenta; é, enfim, a especiaria de requeime acre e
capitoso que nós, os portugueses, desde Vasco da Gama, andamos a buscar, a procurar.» Ele
explique o seu gosto em mulheres usando vocabulário relacionado com a comida, como elas
foram um tipo de iguaria exótica. Apresentar as mulatas deste modo segue um estereotipo
duma mulata sensual e é no mesmo tempo uma visão sexista e racista. A situação de
comendador Mota deixar a sua mulher na casa para se encontrar com mulatas parece uma
visualização dum ditado introduzido pelo Gilberto Freyre no Casa Grande e Senzala: «Branca
para casar, mulata para foder e negra para trabalhar»

Outra visão dum casamento apresenta este sacramento como um concurso. As


personagens do conto Milagre do Natal, Mariazinha e seus pais Dona Sebastiana e Feliciano,
Simplício e Guaicuru (colegas do Feliciano) encontram-se para jantar. Simplício e Guaicuru
não sabem que este encontro tem como objetivo encontrar um esposo para Mariazinha.

Os senhores devem ter verificado que os pais sempre procuram casar as filhas na classe que
pertencem: os negociantes com negociantes ou caixeiros; os militares com outros militares; os
médicos com outros médicos e assim por diante. Não é de estranhar, portanto, que o chefe
Campossolo quisesse casar sua filha com um funcionário público que fosse da sua repartição e até
da sua própria secção.

A citação mostra as regras da sociedade brasileira e mais uma vez a instituição do casamento
é apresentada como questão do prestígio social.

Tendo em consideração todos os exemplos pode-se dizer que a visão do casamento


nos contos de Lima Barreto e definitivamente pessimista. As personagens dos contos servem
como exemplos dos atitudes típicos em relação do casamento e só pode-se dizer que entre eles
não há nenhuns sem ambiguidade.

Referencias bibliográficas

ROSSO, M. Contos Temáticos de Lima Barreto. 2013

BARRETO. L, O homem que sabia javanês e outros contos. 1997

Vasconcelos E. A mulher na obra da Lima Barreto. 1992

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