Você está na página 1de 17

O PADRÃO DA SANTIFICAÇÃO

O padrão da santificação é a semelhança de Deus. Uma vez que Jesus é a perfeita imagem de Deus (Jo
14.8-9; 2Co 4.4; Cl 1.15; Hb 1.3), dizemos também que o padrão da santificação é a imagem de Cristo.
Originalmente Deus criou-nos à sua imagem e semelhança (Gn 1.26-27). Por causa da Queda em pecado,
porém, a imagem de Deus na humanidade tornou-se pervertida. No processo de redenção, particularmente
na regeneração e santificação, essa imagem está sendo renovada
Enquanto continuamos a pensar sobre a santificação, agora nos ocupamos com a terceira fase da história
da imagem de Deus, a saber, com a renovação da imagem.
Santificação significa que estamos sendo renovados conforme a imagem de Deus — isto é, que estamos
nos tornando mais iguais a Deus, ou mais iguais a Cristo, o qual é a perfeita imagem de Deus.
Nossa renovação conforme sua imagem deve ser vista de duas perspectivas: como obra de Deus em
nós e como um processo no qual estamos ativamente engajados.
Primeiro, então, a Escritura ensina que o próprio Deus, ao nos santificar, está renovando em nós a sua
imagem, fazendo-nos mais iguais ao seu Filho.
Aprendemos de Romanos 8.29 que o propósito pelo qual Deus escolheu-nos foi a conformidade com a
imagem do seu Filho: " Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito dentre muitos irmãos".
Deus conheceu de antemão (no sentido de "amou previamente") seu povo escolhido antes que viesse
à existência. Aqueles previamente conhecidos por ele foram predestinados para serem iguais ao seu
Filho.
Uma vez que o Filho reflete perfeitamente o Pai, "a imagem do seu Filho" é equivalente "à sua própria

1
imagem". O alvo de Deus na eleição, portanto, é fazer-nos uma inumerável companhia de irmãos e
irmãs que sejam iguais ao Filho e, assim, iguais ao Pai.
A mais clara descrição desses aspectos da nossa santificação é encontrada em 2Coríntios 3.18: "E todos
nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transforma-
dos de glória em glória, na sua própria imagem, corno pelo Senhor, o Espírito ".
Nós que somos o povo de Deus hoje, Paulo está dizendo, estamos continuamente refletindo a glória do
Senhor Jesus Cristo com a face descoberta.
Já que cada um de nós é uma "carta de Cristo (...) escrita não com tinta, mas pelo Espírito do Deus
vivente" (v.3), as pessoas devem ver em nós algo da glória de Cristo.
Enquanto estamos continuamente refletindo alguma coisa da glória de Cristo, estamos também sendo
transformados nessa mesma imagem — isto é, à imagem de Cristo cada vez num nível superior de reflexo.
Essa transformação é efetuada em nós pelo Senhor, o qual é também o Espírito.
Em segundo lugar, entretanto, também temos uma responsabilidade nesse caso, qual seja, buscar ser
mais como Cristo, seguindo seu exemplo. A renovação à imagem de Deus não é apenas um indicativo;
é, também, um imperativo.
O próprio Jesus ensinou-nos que devemos seguir seu exemplo. Depois de haver lavado os pés dos
discípulos — uma tarefa rude que nenhum dos seus discípulos tinha se oferecido para fazer —, Jesus
lhes disse: "Ora, se eu, sendo o Senhor e o mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés
uns dos outros" (Jo 13.14).
Dizendo isso, Jesus não estava instituindo um ritual de lava-pés eclesiástico. Estava orientando seus
discípulos, e a todos os crentes, a seguirem seu exemplo de serviço humilde (cf. Lc 22.25-27).

2
Embora Paulo coloque grande ênfase na obra de Jesus como tendo nos salvado do pecado, ele ensinou
também que devemos seguir o exemplo de Cristo e ser cada vez mais como ele.
Em Efésios 5.1, por exemplo, ele escreveu: "Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados". En-
quanto Deus está nos transformando mais e mais à sua semelhança, nós, que somos seu povo, temos
também que prosseguir tentando imitá-lo.
Contudo não podemos ser iguais a Deus em tudo, como, por exemplo, em sua onisciência, onipresença
e onipotência. Mas há outras formas as quais deveríamos ser como Deus.
Uma dessas maneiras é descrita no verso imediatamente anterior: "Antes, sede uns para com os outros
benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus em Cristo vos perdoou" (4.32).
Temos que seguir o exemplo de Deus perdoando aqueles que nos ferem. Outro modo de imitar a Deus é
"andar em amor, como também Cristo vos amou" (5.2). Não basta amar os outros; temos de amar como
Cristo nos amou.
Em 1 Coríntios 11.1 Paulo escreve: "Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo". É admirável
como Paulo coloca-se como exemplo. Mas Paulo, em troca, estava tentando pautar sua vida por Cristo, o
qual é nosso exemplo final.
Outra forma pela qual Paulo ensina a imitação de Cristo é na conhecida passagem sobre a "mente de
Cristo" (Fp 2.5-11). Paulo insiste com seus leitores para que tenham "o mesmo sentimento que houve
também em Cristo Jesus" (v. 5).
E prossegue descrevendo a mente de Cristo como uma atitude de humilde serviço como o que foi exem-
plificado por Jesus quando estava na terra.
Pedro faz uma colocação semelhante: "Porquanto para isto também fostes chamados, pois que também

3
Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos" (1 Pe 2.21).
Fica claro que seguir o exemplo de Cristo não é algo incidental, mas um aspecto essencial da vida cristã.
E Fica também claro que a semelhança de Deus e de Cristo é o padrão da santificação.
DEUS E SEU POVO NA SANTIFICAÇÃO
De quem é a obra da santificação? Observando o padrão de santificação, notamos que ela é obra de Deus
e responsabilidade do seu povo.
A Escritura ensina claramente que Deus é o autor da santificação. A obra da santificação é atribuída às
três pessoas da Trindade.
Jesus orou ao Pai: "Santifica-os na verdade" (Jo 17.17), atribuindo, assim, a santificação ao Pai. O autor
de Hebreus faz o mesmo: "Eles [nossos pais] nos corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia;
Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes de sua santidade" (12.10).
"Disciplina" (literalmente "treinamento da criança") sugere coisas como sofrimento, adversidade e
perseguição.
Já que o propósito da disciplina é que partilhemos da santidade de Deus, concluímos que o pro-
cesso descrito é o da santificação, e que Deus talvez use coisas como sofrimento e dor como meios de
santificação.
Dessa disciplina, Deus, identificado no verso anterior como "Pai espiritual", é dito aqui ser o autor.
A santificação, no entanto, é também atribuída ao Filho, como aprendemos de Efésios 5.25-27. Paulo
diz aos seus leitores que o marido deve amar sua esposa como também Cristo amou a igreja e a si
mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela
palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante,

4
porém santa e sem defeito.
Cristo, a segunda Pessoa da Trindade, é identificado como o agente da santificação, purificando a
igreja "por meio da lavagem de água pela palavra".
A expressão "pela palavra" deve ser relacionada com o verbo "purificar". Cristo purifica a igreja por
meio das Escrituras. E motivador saber que, segundo essa passagem, a igreja será um dia "sem
mácula, nem ruga, nem coisa semelhante".
Ainda que a palavra santificação não seja usada em Tito 2.14, esse texto também considera Jesus
como o autor da santificação: "o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqui-
dade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras".
A santificação é também atribuída ao Espírito Santo. Pedro diz que os eleitos são " eleitos, segundo
a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência " (lPe 1.2).
Paulo diz em Romanos 15.16: "para que eu seja ministro de Jesus Cristo entre os gentios, no sagrado
encargo de anunciar o evangelho de Deus, de modo que a oferta deles seja aceitável, uma vez
santificada pelo Espírito Santo ".
Ele agradece também a Deus pela escolha dos tessalonicenses " para a salvação, pela santificação
do Espírito e fé na verdade ". Em Tito 3.5 ele declara que Deus nos salvou "mediante o lavar regene-
rador e renovador do Espírito Santo ".
A obra da Trindade, entretanto, não pode ser dividida. Não é surpresa que a santificação seja atri-
buída ao Deus Triuno, sem designação de pessoas: "O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo " (l
Ts 5.23).
É imensamente importante entender que a santificação não é algo que fazemos por nós mesmos, pelos

5
nossos meios e pela nossa força. A santificação não é primariamente uma atividade humana; ela é um dom
divino.
Contudo, a santificação também envolve nossa participação responsável. Paulo diz aos membros da
igreja de Corinto, chamados noutra epístola de "santificados em Jesus Cristo": " Tendo, ó amados, tais
promessas, purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa
santidade no temor de Deus" (2 Co 7.1).
As promessas são as que foram mencionadas nos versos anteriores: "serei o seu Deus e eles serão o
meu povo". Paulo está dizendo que já que somos o povo do pacto de Deus e temos urna responsabilidade
solene.
Temos que lutar contra o pecado do corpo e da mente. A palavra grega traduzida como "aperfeiçoar", é
baseada no substantivo ("fim", "alvo"), e significa "conduzir progressivamente para o alvo. O que geral-
mente entendemos "como obra de Deus" é aqui vivamente descrito como tarefa do crente: conduzir a
santificação ao seu alvo.
Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo
e agradável a Deus, que é O vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-
vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de
Deus" (Rm 12.1-2).
Paulo apela aos seus leitores que mostrem gratidão pela misericórdia de Deus, oferecendo-se a Deus
corno sacrifícios vivos, em contraste com os sacrifícios mortos oferecidos no Antigo Testamento.
Pense em seu corpo, Paulo diz, como pertencente a Deus de modo irrevogável, tal como os bois e bodes
oferecidos aos sacerdotes pelos adoradores do Antigo Testamento.

6
Parem de moldar a si mesmos ostensivamente pelos padrões pecaminosos desta época e, em vez disso,
continuem a ser transformados interiormente pela renovação total da atitude para com a vida.
Ainda que seja Deus quem promova nossa transformação interior (2Co 3.18), temos que dedicar nosso
coração, nossa mente e nossa vontade ao Espírito Santo, o qual está nos refazendo.
O autor de Hebreus colocou assim: "Segui a paz com todos e a santificação sem a qual ninguém verá o
Senhor" (Hb 12.14). A santificação é aqui descrita como algo que devemos buscar continuamente.
Segundo a Escritura, portanto, ainda que a santificação seja primariamente obra de Deus em nós, não é
um processo no qual permanecemos passivos, mas no qual somos continuamente ativos.
J. C. Ryle coloca de modo categórico:
A santificação (...) é uma coisa pela qual cada crente é responsável (...). De quem é a falta se ele [o
crente] não é santo, mas pertence a si mesmo? Ou a quem pode acusar, se não for santificado, senão a si
mesmo? Deus, que tem lhe dado graça e um novo coração e uma nova natureza, deixa-o sem desculpa se
não viver para seu louvor.'
Esses dois aspectos da santificação são mencionados juntos numa passagem marcante: "Assim, pois,
amados meus, como sempre obedecestes (...) desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque
Deus é quem efetua cm vós tanto o querer como o realizar" (Fp 2.12-13).
Paulo está se dirigindo a "santos em Cristo Jesus" (1.1) e, portanto, a ordem de "desenvolver a salvação"
tem que ser entendida não como um apelo evangelístico aos não salvos, mas como uma palavra para os
crentes.
Paulo pede aos seus leitores que continuem a desenvolver aquilo que Deus, em sua graça, já operou. A
palavra traduzida como "desenvolvei", é comumente usada em papiros para descrever o cultivo de terras

7
pelos fazendeiros.
Podemos parafrasear as palavras de Paulo desta forma: "Continuem a cultivar a salvação que Deus lhes
deu". Os crentes devem buscar aplicar continuamente a salvação que receberam para cada área de sua
vida, e fazer isso evidente em cada atividade.
O verso 12, em outras palavras, precisa ser entendido como falando da responsabilidade de progredir
na santificação.
A base para essa exortação, como dada no verso 13, não é que a operação da salvação depende intei-
ramente de nós. Ao contrário, surpreendentemente, Paulo diz: "porque Deus é quem opera em vós tanto o
querer quanto o realizar".
Deus opera em nós ao longo de todo o processo de santificação — tanto o querer quanto o realizar.
Quanto mais duro o trabalho, mais nos asseguramos de que Deus está operando em nós.
Como descrever a relação entre a obra de Deus e nosso trabalho? Podemos nós dizer, como outros, que
a santificação é uma obra de Deus na qual os crentes cooperam?
Essa maneira de expor a doutrina, entretanto, implica erroneamente que Deus e eu fazemos parte da obra
da santificação. Segundo John Murray, A obra de Deus em nós não é suspensa em decorrência da nossa
atividade nem a nossa atividade é suspensa em decorrência da atividade de Deus.
Tampouco é uma relação estritamente de cooperação, como se fizesse Deus a sua parte e nós a nossa
(...) Deus opera em nós e nós também operamos. Toda e qualquer operação da santificação, de nossa
parte, é o efeito da operação de Deus em nós.
Em suma, podemos dizer que a santificação é a obra sobrenatural de Deus na qual os crentes são ativos.
Quanto mais somos efetivos na santificação, mais certos estamos de que vem de Deus o poder

8
energizador que nos habilita a essa atividade.
SANTIFICAÇÃO DEFINITIVA E PROGRESSIVA
Os teólogos reformados geralmente concordam que a santificação continua ao longo da vida do crente,
distinguindo-a da justificação, que é um ato definitivo de Deus que ocorre de uma vez por todas.
Ainda que o Novo Testamento frequentemente descreva a santificação como um processo que dura a
vida inteira, há também outro sentido importante que os autores bíblicos retratam:
a santificação pode ser um ato definitivo, que ocorre num tempo específico e não num período extenso.
John Murray observa: "É muito frequente para ser deixado de lado o fato de que no Novo Testamento os
termos mais característicos para se referir à santificação, são usados não para descrever um processo,
mas um ato definitivo e de uma vez por todas.
Passagens que falam de santificação, no sentido de um ato definitivo, incluem 1 Coríntios 1.2. Paulo
escreve aos crentes de Corinto como "aos santificados em Cristo Jesus"; o verbo grego está no tempo
perfeito, que indica uma ação completa com resultados contínuos.
Os teólogos protestantes geralmente entendem justificação como um ato declarativo de Deus pelo qual
ele pronuncia justo em Cristo o pecador crente — um ato, porém, que não é contínuo nem progressivo,
mas instantâneo.
Em 1 Coríntios 6.11, entretanto, a santificação é conjugada com a justificação, como um ato definitivo de
Deus: "Tais fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em
o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus".
No texto grego os três verbos estão no tempo aoristo, que geralmente descreve ação instantânea. Tal
como esses crentes foram, num certo momento, justificados de uma vez por todas, assim Paulo diz que,

9
num certo sentido, foram também santificados de uma vez por todas.
Além do mais em Atos 20.32 e 26.18 os crentes são chamados de "os que são santificados"; nos dois
casos o verbo é usado no tempo perfeito.
O aspecto definitivo da santificação é expresso de modo mais vivo e penetrante em Romanos 6. Quando
Paulo diz no verso 2 que morremos para o pecado, ele está se expressando, em linguagem ambígua, a
verdade que a pessoa que está em Cristo "rompeu de modo definitivo e irreversivelmente, de uma vez por
todas, com a esfera em que reina o pecado".
Paulo sublinha esse rompimento único e definitivo com o pecado, dizendo que, se estamos em Cristo e
nosso velho homem foi crucificado com ele (v. 6: o tempo aoristo, de novo, sugerindo ação definitiva), o
pecado não tem mais poder sobre nós, porque servimos ao reino da graça (v. 14), e obedecemos de
coração aos padrões do ensino cristão aos quais fornos submetidos (v. 17).
A grande verdade é que o crente foi alçado a um novo relacionamento que não pode ser desfeito.
Murray resume sua posição: "Isso significa que há um rompimento decisivo e definitivo com o poder e o
serviço do pecado na vida de cada um que se colocou sob o controle e as provisões da graça".
Paulo não só ensina que aqueles que vão a Cristo em fé morreram para o pecado; ele afirma também
que, decisiva e definitivamente, ressuscitaram com Cristo.
Usando tempos verbais que descrevem instantaneidade, Paulo diz que "Deus (...) estando nós mortos
em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo (...)" (Ef 2.5).
Ainda que estivéssemos, por natureza, mortos em pecados, Deus, misericordiosamente, fez-nos um
com Cristo em sua ressurreição, alçando-nos com ele.
Este "alçar" é descrito aqui como algo ocorrido num certo ponto no tempo: o momento em que fomos

10
regenerados.
Aos colossenses não foi dito: "Portanto, se fostes ressuscitados [tempo aoristo] juntamente com Cristo,
buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus" (Cl 3.1).
Diante desses textos, concluímos que santificação definitiva significa não só um rompimento com o
pecado, mas uma definitiva e irreversível união com Cristo na sua ressurreição — uma ressurreição por
meio da qual o crente é habilitado a viver em novidade de vida (Rm 6.4) e por causa da qual ele se
tornou uma nova criatura (2Co 5.1 7).
Como resultado de nossa santificação definitiva, portanto, nós que estamos em Cristo temos que con-
siderar a nós mesmos "mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus" (Rm 6.1 1).
O Novo Testamento, portanto, ensina claramente a santificação definitiva. Perguntamos, então,
quando foi que os crentes morreram para o pecado e ressuscitaram com Cristo?
Não há resposta simples para essa questão; há um lado objetivo e outro subjetivo nesse assunto. No
sentido objetivo, os crentes morrem com Cristo na cruz e ressuscitam com Cristo na ressurreição no
jardim de José de Arimateia.
Como aprendemos que os crentes foram escolhidos em Cristo antes da criação do mundo, assim tam-
bém nesse sentido, os crentes estavam em Cristo quando ele morreu e ressuscitou.
Cristo não pode ser visto à parte do seu povo nem seu povo à parte dele. Quando Cristo morreu,
rompeu as cadeias do pecado em nosso favor; e quando ressuscitou, trouxe à existência uma nova
vida na qual entramos pela fé.
Não podemos, porém, desconsiderar o aspecto subjetivo da nossa união com Cristo em sua morte e
ressurreição. Paulo diz que Deus nos vivificou em Cristo quando estávamos mortos em delitos (Ef 25)

11
e que morremos para o pecado quando somos batizados em Cristo Jesus (Rm 6.2-3).
Em nossa própria experiência ressuscitamos em Cristo quando nos tornamos um com o Senhor ressurreto
(Cl 3.1).
Paulo lembra aos colossenses que em certo ponto da vida deles (presumivelmente no tempo de sua
conversão) eles voluntariamente despiram-se do velho homem e revestiram-se do novo homem (3.9-10).
Para fazer justiça ao ensino bíblico, temos que enfatizar de igual modo ambos os aspectos da questão:
o passado histórico e o presente existencial.
Num sentido, nós morremos para o pecado e ressuscitamos para a nova vida quando Cristo morreu e
ressuscitou; noutro sentido, nós morremos para o pecado e ressuscitamos para a nova vida quando, tendo
sido regenerados pelo Espírito Santo, apreendemos pela fé nossa unidade com Cristo em sua morte e
ressurreição.
O ensino bíblico sobre a santificação definitiva sugere que os crentes devem considerar a si mesmos e
uns aos outros como pessoas que morreram para o pecado e são agora novas pessoas em Cristo.
A novidade que os crentes têm em Cristo não é equivalente a uma perfeição impecável; enquanto estive-
rem nesta presente vida, terão de lutar contra o pecado e, algumas vezes, cairão em pecado.
É assim que os crentes devem considerar a si mesmos e aos outros, como pessoas genuinamente novas,
ainda que não ainda totalmente novas.
Mas a doutrina da santificação definitiva ajuda-nos a ver que os que estão em Cristo romperam decisiva
e irrevogavelmente com o pecado. Murray expressa isso de forma eloquente:
Como não podemos admitir qualquer reversão ou repetição da ressurreição de Cristo], assim também não
podemos admitir nenhum comprometimento na doutrina que diz que todo crente é nova criatura, que o velho

12
homem foi crucificado, que o corpo do pecado foi destruído, e que, como novo homem em Cristo Jesus,
serve a Deus em novidade de vida — a vida do Espírito Santo, de quem ele se tornou habitação e, no seu
corpo, um templo.
Deve-se acrescentar que santificação definitiva não significa urna experiência separada ou subsequente à
justificação, como uma "segunda bênção".
No sentido experiencial, a santificação definitiva é simultânea à justificação, como um aspecto da nossa
união com Cristo. É simultânea também à regeneração, a concessão inicial de vida espiritual pela qual
somos habilitados a crer.
Ainda que a regeneração tenha prioridade causal à fé, à justificação, e à santificação definitiva, não
tem, contudo, prioridade cronológica.
A Bíblia também ensina que há um sentido em que a santificação é um processo progressivo para toda a
vida. Em vez de anular o que Paulo e Lucas disseram sobre santificação definitiva, esse ensino o comple-
menta.
John Murray explica: "Pode parecer que a ênfase posta sobre a santificação definitiva não deixa espaço
para o que é progressivo. Qualquer inferência nesse sentido contradiz um aspecto igualmente importante
do estudo bíblico.
O aspecto progressivo da santificação é evidente, antes de tudo, por causa ds declarações bíblicas
sobre o pecado ainda estarem presentes na vida do crente.
Podemos pensar em passagens do Antigo Testamento como 1 Reis 8.46; Salmos 19.12; 143.2; Provér-
bios 20.9 e Isaías 64.6. E o Novo Testamento também é bastante claro sobre isso.
Discutindo nossa necessidade de ser justificados pela fé, Paulo falou sobre o estado de pecado da

13
humanidade: "... porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus" (Rm 3.23).
No tempo verbal presente podemos traduzir a segunda parte do verso como "e continuam a falhar na
glorificação de Deus".
Um comentário incidental, mas revelador, é o de Tiago, escrevendo aos crentes: "Porque todos tropeça-
mos em muitas coisas".
Provavelmente, a mais clara afirmação do Novo Testamento da realidade do pecado na vida do crente
é encontrada em 1 João 1.8. João escreve: "Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos
nos enganamos, e a verdade não está em nós".
A conclusão inevitável é que, por causa da presença do pecado, mesmo nos que estão em Cristo, a
santificação precisa ser um processo contínuo em nossa vida.
O Novo Testamento prossegue apresentando o aspecto negativo e o aspecto positivo da santificação
progressiva, envolvendo a mortificação das práticas pecaminosas e o crescimento do novo ser.
Em Romanos 6, Paulo colocou o aspecto definitivo da santificação. Em Rm 8.13, ele demonstra que a
santificação deve ser também progressiva: "porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte;
mas, se, pelo Espírito mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis".
Aos crentes, dos quais ele disse que estavam mortos para o pecado, ele agora adverte que continuem
extinguindo as ações pecaminosas a que eram inclinados.
Os leitores de Paulo tinham rompido definitivamente com a esfera de pecado em que viviam, se moviam
e existiam, mas ainda precisavam continuar lutando enquanto vivessem aqui.
E uma vez que só podiam fazer isso na força do Espírito, essa luta contra o pecado tem que ser entendida
como um aspecto de sua santificação.

14
Paulo diz aos colossenses que eles haviam morrido com Cristo (Cl 3.3) e ressuscitado com Cristo (v. 1),
isto é, haviam definitiva e irreversivelmente adentrado uma nova vida de comunhão com Cristo.
Mesmo assim, no verso 5 ele adverte: "Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição, impu-
reza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria".
Embora tivessem morrido para o pecado, ainda assim tinham que fazer morrer o pecado; como de costume,
Paulo aqui combina o indicativo e o imperativo. O "fazer morrer" as práticas pecaminosas, que só pode ser
feito na força do Espírito, envolve permanente e extenuante atividade da parte do crente.
Do texto citado acima, 2 Co 7.1, aprendemos que os crentes ainda devem lutar com as solicitações do
corpo e do espírito e buscar purificar a si mesmos.
Similar injunção é encontrada em 1 Jo 3.3. Depois de haver afirmado que, na manifestação de Cristo, nós
seremos como ele, João diz: "E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como
ele é puro".
Os cristãos não podem estar por aí, assentados, esperando pelo tempo em que serão iguais a Cristo; eles
têm de estar constante e energicamente ativos na luta para vencer o mal com o bem. Purificação contínua
implica santificação contínua.
A natureza progressiva da santificação é também demonstrada em passagens que tratam do aspecto
positivo: o crescimento do novo ser. Em Cl 3.9-10 Paulo, como vimos, lembra seus leitores de que eles
despiram-se do velho ser e revestiram-se do novo; o novo ser do qual se revestiram, porém, é retratado
como aquele "que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou" (v. 10).
É dito aqui que o novo ser precisa de renovação, e isso não seria necessário se a nova vida existisse num
estado de impecável perfeição. O particípio traduzido como "que se refaz", está no tempo presente,

15
indicando que a renovação do novo ser é um processo para toda a vida.
Curiosamente, essa passagem apresenta as duas facetas da santificação: os crentes despiram-se do
velho ser e revestiram-se do novo de uma vez por todas (santificação definitiva; aqui o tempo verbal é o
aoristo), mas o novo ser do qual se revestiram tem que ser continuamente renovado (santificação progres-
siva; o tempo verbal aqui é o presente).
A exposição mais marcante da natureza progressiva da santificação está em 2 Co 3.18: "E todos nós,
com o rosto desvendado, contemplando, corno por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de
glória em glória, na sua própria imagem, corno pelo Senhor, o Espírito".
Como crentes que refletem a glória do Senhor, eles estão sendo contínua e progressivamente transforma-
dos à semelhança de Cristo, que é o próprio Senhor e que é o próprio Espírito.
A palavra aqui traduzida como "somos transformados", mostra urna mudança não apenas de forma
externa, mas de essência interior.
Ambos, o tempo verbal presente do verbo e as palavras "de glória em glória", indicam que nossa trans-
formação não é instantânea, mas progressiva.
A santificação deve ser entendida tanto definitiva quanto progressivamente. No seu sentido definitivo,
significa a obra do Espírito que causa nossa morte para o pecado, nossa vivificação em Cristo e sermos
novas criaturas.
Seu sentido progressivo deve ser entendido corno a obra do Espírito que continuamente nos renova e nos
transforma à semelhança de Cristo, habilitando-nos a prosseguir crescendo na graça e aperfeiçoando nossa
santidade.
A santificação definitiva é o princípio do processo, e a santificação progressiva é a maturação contínua do

16
novo homem criado na santificação definitiva.
A santificação em sua totalidade é obra de Deus do começo ao fim, ao mesmo tempo em que requer
do crente uma participação ativa. Os crentes precisam não só se apropriar da definitiva santificação pela
fé, corno devem, igualmente, continuar ativos em sua santificação progressiva, conduzindo a santidade ao
seu alvo.

17

Você também pode gostar